Especial Capa
Publicado em
28/07/2020
Pêndulo ideológico
Marxismo
Falar sobre livros de esquerda exige falar sobre Karl Marx e Friedrich Engels: a
produção intelectual dos dois formou a base para o entendimento atual sobre o
trabalho e sua relação com o capitalismo na perspectiva de esquerda. O primeiro
era filósofo, sociólogo, historiador, economista, jornalista e revolucionário
socialista; o outro, empresário industrial e teórico revolucionário.
Obras acessíveis
A chave para não se intimidar é começar por obras mais acessíveis. Ivana indica
o Manifesto Comunista, a Introdução à Crítica da Filosofia do Direito e o
XVIII Brumário de Luís Bonaparte — livros com linguagem mais clara para o leitor
que deseja ser iniciado no repertório teórico de esquerda. Já O Capital, apesar de
ser considerado menos acessível se comparado com outras obras de Marx,
continua sendo um livro fundamental para entender a visão de esquerda sobre o
capitalismo.
Mas é importante ler a obra com o olhar da atualidade, aproveitando o que ainda
é relevante e questionando o que não cabe mais à realidade contemporânea.
Ivana explica que muitos elementos do capitalismo do século XXI não estavam
presentes quando O Capital foi escrito, no século XIX. “O capitalismo mudou
muito e Marx não era vidente, mas as pistas que deixou são primorosas”, pontua.
O médico e escritor argentino Ernesto Che Guevara foi peça-chave da
Revolução Cubana. Foto: Reprodução
Líderes políticos
O rol de autores clássicos da esquerda inclui líderes políticos, como Vladimir
Lênin, que conduziu a revolução bolchevique na Rússia, e o médico e escritor
argentino Ernesto Che Guevara, cabeça da Revolução Cubana, junto com Fidel
Castro e outros.
Esquerda brasileira
Na tradição brasileira, os intelectuais de esquerda começam a ganhar espaço a
partir das décadas de 1940 e 50, com discussões e críticas sociais ao
desenvolvimentismo.
Um dos principais foi Nelson Werneck Sodré, que era general do Exército,
reformado após o golpe militar de 1964. Como historiador, abordou diversos
temas da realidade nacional, desde a História da Imprensa no Brasil (1966) até a
História Militar do Brasil (1965), passando pela História da Literatura Brasileira
(1995) e a Formação Histórica do Brasil (1963).
“Há toda uma gama de escritores de História, de economia, que tem um impacto
na sociedade brasileira e até na América Latina, como o Hélio Jaguaribe, o
próprio Fernando Henrique Cardoso e Florestan Fernandes. Tem o Clóvis Moura
também, que foi o primeiro a fazer um debate sobre a questão do negro”,
destaca Antônio Carlos Mazzeo, professor de História Econômica na Universidade
de São Paulo (USP). “Eu diria que o Brasil é um dos países que melhor produz o
marxismo moderno. Não são livros panfletários. São livros de grande
profundidade, abordados por grandes autores marxistas brasileiros”, defende.
Tradição acadêmica
A esquerda tem ao seu lado a tradição acadêmica, principalmente nas
universidades. “O aprofundamento da leitura dos materiais de esquerda se deve,
em primeiro lugar, ao fato de que é esse tipo de material que as pessoas têm à
disposição nas universidades e escolas”, aponta Rodrigo Jungmann, professor de
Filosofia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
“Eu diria que temos, sim, uma tradição intelectual brasileira, inclusive
conservadora”, ressalta Antônio Carlos Mazzeo.
Scruton era defensor das leis tiradas dos hábitos espontâneos das comunidades
e das liberdades individuais. Seu pensamento permanece influenciando a direita
conservadora. Nos círculos brasileiros, é considerado “o Michel Foucault da
direita”.
Alex Catharino, diretor editorial da LVM Editora, destaca que conhecer a história
do Brasil também é uma obrigação para aqueles que se julgam conservadores,
para que não se tornem meros adoradores de um tipo ideológico de
conservadorismo, sem nenhuma conexão real com nossa tradição nacional.
Valores fundamentais
Outra obra que merece ser citada é A Mentalidade Conservadora (1953), de
Russell Kirk. No livro, o autor busca uma ordem transcendente que oriente a
sociedade, que deve evoluir com cuidado para não perder o que conquistou ao
longo da história. Além disso, ele defende que a liberdade e a propriedade
privada estão essencialmente interligadas.
“O crescimento é intenso, mas ainda há muito por fazer. O Brasil é um país com
forte histórico estatista e isso ainda está muito presente em nossa produção
intelectual. Vai um tempo até equilibramos as forças, mas este é um caminho
que considero irrefreável”, defende Dennys Garcia Xavier, professor associado
de Filosofia Antiga, Política e Ética da Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
autor e tradutor de livros sobre o tema.
Mercado
O Brasil não é um país que se destaca pela leitura. Estima-se que 56% da
população lê livros. Em média, cada brasileiro lê 4,96 livros por ano, sendo que
apenas 2,43 são lidos do começo ao fim. Os dados são da última edição da
pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2016, realizada pelo Instituto Pró-Livro
a cada quatro anos.
Alex Catharino lembra que uma das preocupações das editoras atualmente são
os formatos das obras. Hoje, os livros são muito mais do que objetos materiais. É
importante que os selos ofereçam as publicações também nos formatos digital (
e-books) e até em áudio.
Nova direita
No caso brasileiro, a produção editorial da direita é catapultada pelo crescimento
de nomes como Olavo de Carvalho, Rodrigo Constantino (autor de Esquerda
Caviar, expressão que passou a denominar um subgrupo específico da esquerda
brasileira) e Luiz Felipe Pondé (autor de A Década Perdida, sobre o legado dos
governos petistas), bem como instituições liberais como o Instituto Millenium e o
Instituto Ludwig von Mises Brasil.
Mas o maior sucesso no país é O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser
Um Idiota, lançado em 2013 pela Record, do filósofo Olavo de Carvalho. A
publicação é fenômeno de vendas: quase 150 mil exemplares comercializados
em menos de dois anos. As vendas quadruplicaram nos meses que sucederam a
eleição de Jair Bolsonaro, segundo a editora.
Uma delas é a já citada LVM, que criou um clube de livros por assinatura, apenas
com obras sobre o pensamento político de direita. Diretor editorial do selo, Alex
Catharino relata que o público consumidor da editora é variado, composto por
professores, estudantes, empreendedores, profissionais liberais e políticos. A
maioria, segundo Catharino, é jovem.
“Meu trabalho é apresentar coisas novas aos leitores. Fornecemos, por um lado,
diversos livros de autores consagrados, ao mesmo tempo em que damos espaço
para nomes desconhecidos”, conta. “Não se deve apenas neste nicho, mas em
qualquer outro, subestimar a inteligência dos consumidores. Vejo que tanto
alguns colegas quanto a mídia tendem algumas vezes a ter uma perigosa
arrogância em relação à capacidade dos leitores”, opina o editor.
Angela Davis integrou a organização dos Panteras Negras e é autora de
Mulheres, Raça e Classe (1981). Foto: Reprodução
Para aqueles que querem começar a se aventurar pelo universo dos livros sobre
política, a dica é escolher um tema de interesse, como o feminismo e suas
ondas, marxismo ou livre mercado. A partir daí, é importante buscar indicações
de professores, livreiros, críticos e especialistas no tema, tendo em mente que o
ideal é partir de obras mais introdutórias para se iniciar nas leituras teóricas. Há,
inclusive, publicações que “dissecam” obras clássicas, facilitando, assim, o
entendimento.
“O catálogo da Boitempo oferece livros introdutórios excelentes, como o
Marx, Manual de Instruções, de Daniel Bensaid com ilustrações de Charb
[cartunista morto no massacre do Charlie Hebdo, em 2015]; A História da
Escravidão, de Olivier Pétré-Grenouilleau; Ideologia: Uma Introdução, de Terry
Eagleton; Feminismo Para os 99%, de Cinzia Arruzza, Nancy Fraser e Tithi
Bhattacharya, que é curto e bastante acessível; além de obras da histórica
militante feminista estadunidense Angela Davis, que abordam de forma acessível
a interseccionalidade de questões relacionadas à raça, gênero e classe”, indica
Ivana Jinkings.
Quanto aos temas mais alinhados à direita, Olavo de Carvalho continua sendo
um dos nomes de destaque para uma introdução a obras mais técnicas. A
influência do filósofo brasileiro merece destaque principalmente por apresentar
as ideias políticas de direita para novas gerações.
“Venham por Olavo, por Rand ou por Mises, pouco importa. Mas que se tornem
permeáveis a novas ideias, as mesmas ideias que fizeram dos países mais
prósperos do mundo o que eles são”, afirma.
“Temos que aprender a falar com o homem comum e, acima disso, saber ouvir
estas pessoas. Em diversas entrevistas costumo ressaltar, usando duas
personagens de Monteiro Lobato, que precisamos de menos Viscondes de
Sabugosa e de mais tios Barnabé”, finaliza.
MURILO BASSO é jornalista, com passagens pela Gazeta do Povo, Rolling Stone
e Editora Abril.