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resistir.info

11-14 minutos

Em 2 de Outubro de 2020, mesmo antes de qualquer vacina


contra a Covid-19 ter sido aprovada, a Índia e a África do Sul
haviam proposto à OMC que fosse concedida uma renúncia
temporária à patente sobre todas essas inovações [NT] . Nos
meses seguintes, 100 países haviam apoiado esta exigência. E
a 5 de Maio, os EUA, normalmente o mais ardente defensor do
sistema de patentes, concordaram com uma derrogação
temporária de patentes sobre vacinas anti-Covid,
comprometendo-se a "negociações na OMC baseadas em

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texto".

O argumento básico para tal iniciativa surge da necessidade


urgente, actualmente, de expandir a produção de vacinas. Uma
patente funciona pela criação de escassez artificial de modo a
que os preços sejam mantidos elevados durante um período
mais longo e a empresa inovadora possa obter lucros
suficientemente grandes para supostamente recuperar o
investimento feito no desenvolvimento do produto patenteado,
mas a escassez de vacinas é precisamente o que o mundo mal
pode permitir-se neste momento. Quando milhares estão a
morrer por todo o mundo, salvar vidas tem prioridade sobre os
lucros das empresas, pelo que patentes de vacinas devem ser
removidas.

Mas estaremos nós a ter aqui um conflito de objectivos, que no


nosso desejo de salvar vidas estamos a sufocar o estímulo para
o desenvolvimento de vacinas ao negar recompensas
adequadas aos inovadores? A resposta é um retumbante "não",
porque as vacinas anti-Covid foram desenvolvidas não por
empresas privadas que investiram o seu próprio dinheiro na
inovação, mas sim por governos que investiram o dinheiro dos
contribuintes nessa investigação e desenvolvimento. A
AstraZeneca produz uma vacina (a que chamamos Covishield)
desenvolvida pela investigação da Universidade de Oxford, que
foi financiada pelo governo britânico. Do mesmo modo, a vacina
Moderna foi criada pelo investimento do dinheiro dos
contribuintes americanos pelo governo (tal como a Covaxin da
Índia, com o apoio do governo através de recursos
orçamentais). O argumento sobre as empresas estarem
protegidas através de patentes a fim de ganhar o suficiente
para recuperar o dinheiro que gastaram no desenvolvimento da
vacina é ilusório e em causa própria; o dinheiro gasto tem sido

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proveniente de recursos públicos.

Mas nesse caso, pode perguntar-se, mesmo que o dinheiro


gasto na inovação do produto tenha sido proveniente de fundos
públicos, não deveriam as empresas que produzem a vacina
ser autorizadas a ganhar o suficiente para recuperar o
investimento feito ao instalar tal produção? A resposta simples
é que já estão a ganhar o suficiente, na realidade muito mais do
que o suficiente, para recuperar o seu investimento na
instalação de capacidade de produção de vacinas. De facto, a
sua própria insistência em reter patentes é um indicador disto,
pois na ausência de patentes receiam que mais empresas
criem capacidade para aumentar a oferta de vacinas. E se
novas empresas, vindas mais tarde, puderem criar capacidade
e esperam recuperar o seu investimento (o que por si só
justificaria tal criação), então é absurdo acreditar que as
empresas que começaram a produzir mais cedo não seriam
capazes de recuperar o seu investimento.

Assim, toda a argumentação avançada para a retenção de


patentes de vacinas para a Covid é baseada numa trama de
falsidades; a única intenção com o avanço de tal argumento é
proteger a exploração desenfreada por parte de umas poucas
multinacionais de medicamentos que estão a converter em
dinheiro o sofrimento do povo durante a pandemia. A
exploração (profiteering) não é directamente a expensas do
povo, uma vez que a vacinação é gratuita em quase todos os
países (não infelizmente na Índia); mas em tais casos, a
exploração é à custa do orçamento governamental que subsidia
a vacinação gratuita e, portanto, indirectamente à custa do
povo. E a exploração é maciça: A Pfizer, por exemplo, teve um
lucro de US$3,5 mil milhões só no primeiro trimestre de 2021.

Pode pensar-se que embora não sejam necessárias patentes

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para a obtenção de lucros privados a fim de recuperar


despesas com inovações (uma vez que tais despesas são em
grande parte incorridas pelo governo), deveria haver alguns
meios de recuperar estas despesas para o próprio governo; e
que as patentes poderiam ajudar nesse sentido. Pode-se
responder a este argumento de quatro maneiras.

Em primeiro lugar, patentes que promovem lucros privados não


geram quaisquer receitas para o governo e, portanto, não
implicam qualquer compensação para as pessoas em geral
cujos impostos destinam-se a desenvolver a inovação; pelo
contrário, patentes significam preços elevados para a vacina
mesmo para o próprio povo do país. Elas prejudicam tanto a
população interna como as populações no estrangeiro.

Em segundo lugar, a razão, pela qual os governos financiam a


investigação para o desenvolvimento de vacinas, é porque tal
desenvolvimento beneficia a população do país. Mas estes
benefícios não são excludentes, no sentido em que a produção
de vacinas, digamos, na Índia, tornada possível pela remoção
de patentes não é feita a expensas da população americana se
a inovação ocorrer na América; não há conflito de interesses
entre salvar vidas indianas e salvar vidas americanas.

Em terceiro lugar, pelo contrário, há uma complementaridade de


interesses, no sentido de que a população americana não pode
estar segura enquanto a população indiana permanecer aberta
à infecção pelo vírus. As receitas fiscais obtidas da população
de um país para financiar o desenvolvimento de uma vacina
que possa ser produzida livremente noutro lugar não
representam, portanto, uma drenagem destas pessoas.

Em quarto lugar, este é um ponto que as próprias populações


dos países avançados compreendem claramente. De facto, nos

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EUA 69 por cento da população, segundo um inquérito,


considera que não deveria haver patentes sobre vacinas Covid,
em oposição a apenas 27 por cento que é a favor das patentes.

É esta disposição que deve ter persuadido o presidente dos


EUA, Joe Biden, a favorecer uma renúncia temporária à patente
sobre as vacinas Covid. Foi, evidentemente, a sua promessa de
campanha; e a esquerda dos EUA, com cujo apoio Biden conta,
sempre exerceu pressão por isto. Mas a disposição do público
em geral também deve ter sido um factor por trás da sua
decisão.
No entanto, existe uma forte oposição a qualquer renúncia
deste tipo não só entre as multinacionais da droga como
também entre outros países capitalistas avançados. A
Alemanha, em particular, opôs-se fortemente a ela, tal como
outros países da UE. Devido a esta oposição, as perspectivas
de uma tal renúncia num futuro próximo parecem sombrias.
Alguns cínicos até sugeriram que o apoio de Biden a uma
renúncia temporária foi um movimento calculado, feito com
pleno conhecimento do facto de que faria muito pouca diferença
material: haveria negociações prolongadas na OMC sobre tal
renúncia e numerosos obstáculos surgirão ao longo do
caminho.

Embora o apoio dos EUA a uma renúncia mesmo temporária à


patente da vacina Covid (de facto, não deveria haver patentes
sobre todos os medicamentos desenvolvidos para as principais
doenças) deva ser bem-vindo, não se pode ser demasiado
optimista quanto aos seus efeitos na contenção do segundo ou
terceiro surto da doença do Coronavírus por todo o mundo,
incluindo a Índia. Uma alternativa a que se deve recorrer nesse
meio tempo é o licenciamento obrigatório, o qual é permitido
mesmo pelas regras existentes da OMC em situações de

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"emergência nacional". E ninguém pode negar que a actual


situação na Índia se qualifica para ser chamada de "emergência
nacional". Mesmo os EUA, que normalmente se opõem
veementemente ao licenciamento obrigatório, terão dificuldade
em opor-se ao licenciamento obrigatório da produção da vacina
Covid na Índia quando eles próprios apoiaram uma renúncia
temporária às patentes da vacina.

Contudo, curiosamente o governo indiano manifestou-se contra


o licenciamento compulsório, preferindo, em vez disso, tentar
"canais diplomáticos" para persuadir os países recalcitrantes e
avançados a concordarem com uma renúncia à patente. Com o
que ele não parece preocupar é que mesmo que se chegue a
algum tipo de acordo sobre a renúncia a patentes, será depois
de meses em que o número de mortes no país poderá mesmo
ter atingido um milhão. Mas a desumanidade do governo Modi é
ilimitada.

Deixando de lado a emissão de licenças obrigatórias sobre


vacinas que são desenvolvidas no estrangeiro, o governo Modi
absteve-se mesmo de emitir uma licença obrigatória sobre a
Covaxin, a qual é desenvolvida dentro do país, e também ela
com financiamento governamental. Ao invés disso, ele ainda
permite que a Bharat Biotech seja um produtor monopolista
desta vacina e até faz doações de dinheiro público a esta
empresa privada (no montante de 15 mil milhões de rupias)
[€1335 mil milhões] para expandir a sua capacidade de modo a
que a sua posição de monopólio permaneça intacta! (De modo
análogo doou 30 mil milhões rupias [€2670 mil milhões] ao
Serum Institute of India para expandir a sua capacidade,
mantendo intacta a sua posição de monopólio como o produtor
do Covishield!) Deve ser um fenómeno totalmente sem
precedentes um governo ser tão solícito para com interesses

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monopolistas ao ponto de ignorar o povo que está a enfrentar a


pior crise sanitária em mais de um século.

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