Você está na página 1de 3

SPANDAKARIKA Trans.

de Sânscrito por Daniel Odier


Datando de 850-900 EC, Spandakārikā foi a primeira tentativa do domínio de Śākta Śaiva de apresentar uma metafísica não-
dualista e uma soteriologia gnóstica em oposição à exegese dualista do Shaiva Siddhanta. A Spandakārikā foi composta por
Vasugupta ou seu aluno Bhatta Kallata.

1. A venerada Shankari (Shakti), fonte de energia, abre os olhos e o universo


reabsorve-se em pura consciência; ela fecha-os e o universo torna-se nela manifesto.

2. A vibração (spanda), o efetivo lugar da criação e do retorno (meta-catástrofe), é


desprovido de qualquer limite uma vez que a sua natureza é destituída de forma.

3. Mesmo dentro da dualidade o tantrika mergulha na fonte não-dual visto que a pura
subjetividade permanece sempre submersa na sua própria natureza.

4. Todas as noções relativas ligadas ao ego reencontram a sua calma origem


profundamente infiltrada sob os múltiplos estratos.

5. Num sentido absoluto, prazer e sofrimento, sujeito e objeto não são em nada
distintos do espaço da consciência profunda.

6/7. Agarrar essa evidencia essencial é vislumbrar a ubiquidade da liberdade absoluta.


Deste modo o movimento dos sentidos habita nessa liberdade nuclear e alastra a partir
dela.

8. Aquele que encontra essa vibração substancial escapa ao obscurecimento do desejo


limitado.

9. Liberto da multiplicidade dos impulsos ligados ao ego faz a experiência do samadhi.

10. Torna-se evidente que a qualidade do tantrika é a liberdade de ser através da qual
o desejo reencontra a sua universalidade.

11. Como é possível um tantrika continuar sujeito à transmigração quando a sua


natureza está na origem de tudo o que se vai manifestando?

12. Se o vazio pudesse ser um objeto de contemplação onde estaria a consciência que
o apreenderia?

13. Considera deste modo a contemplação da vacuidade como um artifício de natureza


análoga à de uma radical ausência do mundo.

14/15/16. Aquele que age e a ação estão unidos mas quando a ação se dissolve
através do abandono dos frutos da ação, a dinâmica ligada ao ego esgota-se e o
tantrika que se absorve nessa contemplação profunda descobre a vibração liberta das
ligaduras do ego. A natureza essencial da ação é então revelada e aquele que
interiorizou o movimento do desejo livra-se da dissolução. Ele não deixa de existir uma
vez que regressou à origem.

17. O tantrika desperto realiza essa vibração permanente através dos 3 estados.
18. Shiva fica então em união amorosa com Shakti sob a forma do conhecimento e do
seu objeto enquanto simultaneamente se manifesta como nua consciência.

19. Toda a paleta sonora dos diferentes tipos de vibrações tem a sua origem na
vibração universal da consciência e assim chega a cada ser. Como é que tal vibração
pode limitar o tantrika?

20. No entanto tais vibrações são a causa do declínio das criaturas que se limitam –
quando a intuição se desconecta da origem as criaturas caiem no turbilhão da
transmigração.

21. Aquele que com ardor se inclina para a vibração palpa a sua clara natura no seio
da atividade.

22. O vibração é experimentado mesmo em estados extremos – na cólera, na intensa


alegria, nas digressões da mente, no élan de sobrevivência.

23/24. Quando o tantrika se oferece como Shiva/Shakti o sol e a lua elevam-se no


canal central (sushuma).

25. Nesse instante, o sol e a lua desaparecem no céu - o desperto mantem-se lúcido
enquanto a criatura grosseira mergulha na inconsciência.

26/27. Os mantra, quando carregados do poder da vibração concretizam a sua função


através dos sentidos do que despertou. Eles unem-se no espirito do tantrika no qual
perpassa a natureza de Shiva/Shakti.

28/29. Todas as coisas emergem da imanência do tantrika que se reconhece em Shiva-


Shakti. Tudo o que desfruta é Shiva-Shakti. Não há nenhuma forma de estar nomeável
que não seja Shiva/Shakti.

30. Continuamente presente à experiência que ele entende como jogo da sua natureza,
o tantrika é liberto entranhando-se na vida.

31. Pela intensidade do desejo sem objeto a contemplação emerge no coração do


tantrika unido à vibração.

32. Este é o modo de alcançar o néctar supremo, a imortalidade do samadhi que


mostra ao tantrika a sua natureza nua.

33/34. O entusiasmo em Shiva/Shakti que manifesta/recolhe o mundo permite ao


tantrika sentir-se completo. Durante o sonho o sol e a lua manifestam-se no seu peito e
todo o desejo se satisfaz.

35. Mas se não se faz presente/imanente o tantrika será enganado pelas dramaturgias
do que se manifesta e conhecerá o estado ilusório do aspirante através da vigília e do
sono.

36/37. Como um objeto que escapa à atenção é mais claramente compreendido


quando nos esforçamos para o aprender de vários lados, assim a vibração aparece ao
tantrika quando se inclina para a vibração com entusiasmo. Então tudo se põe de
acordo com a sua natureza nua.

38. Mesmo num estado de extrema fraqueza tal tantrika alcança a realização. Mesmo
faminto encontrará a comida.

39. Tendo como único apoio o reconhecimento do peito o tantrika é omnisciente e em


harmonia com o mundo.

40. Se o corpo/espirito é devastado pela falta de coragem devida à ignorância, só a


expansão da consciência fora de qualquer limite dissipará a lassidão cuja origem terá
então desaparecido.

41. A revelação do Si surge naquele que nada mais é que o desejo absoluto. Que cada
qual faça esta experiência.

42. Simultaneamente a luz, o som, a forma e o sabor vêm entravar aquele que ainda se
agarra ao ego.

43. Quando o tantrika penetra todas as coisas com o seu desejo de absoluto, para que
servem as palavras? É em si que se desfruta.

44. Quando o tantrika permanece atento, os sentidos disseminam-se na realidade com


consciência e experimentam a permanência.

45. Aquele que se priva do seu poder através das obscuras forças da atividade limitada
torna-se um joguete da energia sonora.

46. Apanhada no campo das energias subtis e das representações mentais a ambrosia
dissolve-se e o ser esquece-se da sua liberdade inata.

47. O poder da palavra está sempre solicito a vendar a natureza nua do Si, pois
nenhuma representação mental se consegue libertar da linguagem.

48. A energia da vibração que atravessa o vulgo escraviza-o ao mesmo tempo que esta
liberta o que se encontra na Via.

49/50. O corpo subtil é um entrave ligado à inteligência limitada e ao ego. A criatura


submissa faz experiências que estão ligadas às suas crenças e à ideia que tem do seu
corpo, e através desses mecanismos perpétua as amarras.

51. Mas quando o tantrika habita no vibração ele liberta o fluxo da criação/retorno
(catástrofe/anacatástrofe), goza da liberdade plena e é mestre das rodas das energias.

52. Eu venero a palavra espontânea, fremente e maravilhosa do meu mestre que me


fez atravessar o Oceano da dúvida.

Você também pode gostar