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Hoje eu queria lhes falar sobre um tema que tenho pensado e exposto em algumas

conferências que andei fazendo por aí. Serão trechos de transcrições que publicar-se-ão
em breve. Aqui mando o resumo de uma aula maior. Meu intuito é tratar do assunto do
namoro. De fato, se olharmos para a natureza do homem e da mulher, o modo como os
corpos se completam, as reações fisiológicas que acontecem quando os sentimentos e
paixões se atraem mutuamente, poderíamos pensar que não há pecado onde tudo
obedece tão bem à natureza dos corpos.
Mas um olhar mais profundo sobre a natureza humana nos obriga a considerar que nem
só do corpo é feito o homem. Se aquela é a lei da paixão, já não é a lei da razão. A
inteligência é uma máquina de processar a Verdade! E esse mesmo espírito é também
capaz de mover-se em busca do Bem, daquilo que o conhecimento, a inteligência, a
razão, nos mostraram como sendo verdadeiro. Essa capacidade de buscar o bem e de
possui-lo, está na Vontade livre. A vontade é uma máquina de processar o amor, esse
movimento racional que nos leva a buscar o bem racional. (difere do amor paixão, que é
aquela atração dos corpos que vimos acima).
Namoro Precoce:
O primeiro erro do namoro atual é ser precoce. Tudo inclina a criança a viver nesse
ambiente de sensualidade: as roupas que se usa, o corpo que deve aparecer, a vaidade
precoce e exagerada, as brincadeiras fomentadas entre crianças pequenas de namorinhos
e beijinhos. Tudo leva os pré-adolescentes a mergulharem nos namoros carnais a partir
dos dez-doze anos. Como uma criança católica pode viver o mínimo do catolicismo se
começa a namorar numa época em que o namoro só pode servir para excitar as paixões?
Porque nem mesmo verdadeira afeição se pode ter numa idade dessas! Tudo ali é falso.
O corpo não está formado, a inteligência não terminou seu desenvolvimento, a
responsabilidade do amor verdadeiro está muito longe de se alcançar, enfim, nada existe
de verdade senão a enganação da mídia e dos intelectuais.
Quando se deveria pensar em namoro? ... só se deveria pensar em namoro quando, no
mínimo, uma abertura verdadeira existisse para um casamento futuro. Sem isso, não faz
sentido, porque só servirá para as paixões e para o amor carnal. O que vemos hoje é que
todos os jovens se sentem obrigados a namorar porque convivem com isso. A vergonha
de parecer diferente (chama-se “respeito humano”) tem mais peso do que o temor de
Deus e o risco da condenação eterna.
Namoro excitante:
Outro erro do namoro é fazer com que ele seja uma preparação para o sexo. Muitos
jovens católicos, sabendo que o sexo é pecado, se entregam a todo tipo de atos
excitantes, de contatos, de beijos sexuais, que já não servem mais para significar um
verdadeiro amor, mas sim para satisfazer as paixões mais carnais do corpo. Ora, o
corpo tem suas exigências, a sensualidade tem suas regras, de modo que não se pode
entregar a atos de sensualidade que excitam o corpo sem que o corpo leve ao pecado. O
grau de excitação pode variar pelo tempo e pelo modo, mas a regra é inexorável.
Além disso, há uma espécie de lei também nas coisas da carne. E essa lei dita que nunca
se retorna a um estágio anterior. Uma vez rompida uma barreira, não se volta a um
estágio anterior a ela. Sempre que um casal de namorados ousa mais, alcança uma
intimidade maior, eles já não conseguirão deixar de usar daquele estágio de
aproximação. Até que se chega ao estágio máximo, em que um simples casal de
namorados tem uma intimidade de marido e mulher. Já se perde o pudor, a vergonha, já
se está pronto para o sexo sem casamento e sem responsabilidade.
Namoro-escola:
O namoro sexual tem outras conseqüências pecaminosas: ele ensina a pessoa a fazer
outros pecados. Como a vida de namoro deixou de lado qualquer regra religiosa ou
moral, ao chegar ao casamento, (se chegar) o jovem já vai estar acostumado com uma
vida sem Deus, sem comunhão, sem limites. Qual a garantia que se terá de que sua vida
de casado vai obedecer às santas regras da religião? Como vai ele ou eles, encarar a
necessidade de se obedecer a Deus no que toca o uso do matrimônio? (ou seja, o fato de
que o ato conjugal do casal, agora já lícito porque casaram, não pode ser falsificado
através de preservativos, remédios, e atos para impedir a gravidez). O jovem casal que
não teve forças espirituais para viver na castidade, vai ter forças para viver na santidade
do sacramento do matrimônio? Aparentemente não. E aquilo que era só um
“namorinho” mais ousado, transforma-se num modo de vida, num estilo anti-católico de
viver, onde a carne é a rainha e o espírito foi relegado ao calabouço do castelo interior.
A situação da alma é de grave perigo de condenação eterna. E tudo começou num
namorinho precoce de adolescentes imaturos.
Como consertar esta situação:
De alguma forma é preciso voltar à Sabedoria da Igreja, porque importa viver sempre na
graça de Deus. Não podemos barganhar com as coisas divinas, usá-las ou não usá-las de
acordo com nossa vontade. A Majestade Divina exige e nós devemos amorosamente
obedece-Lo como a um Pai. Além disso, pesando tudo isso, pesando o passado e o
presente, devemos constatar que a salvação eterna é muito mais importante do que
alguns momentos de prazer carnal. Por isso vale a pena um esforço. Me parece que
alguns pontos são de exigência premente:
- não comecem a namorar cedo. O namoro precoce rompe o momento da juventude que
é o momento de fomentar as grandes amizades, de se conhecer as pessoas de modo mais
profundo, de se divertir com diversões sadias, em grupos de pessoas boas, animadas e
amigas. Nesse ambiente, o rapaz ou a menina que começam a namorar se isolam dos
amigos, vão se esconder nos cantos para estar sozinhos, para romperem as barreiras,
para se sentirem donos de si. Além disso, o namoro excitante tira a concentração nos
estudos, deixa a pessoa irritadiça, desobediente, mentirosa... Começa a ver os pais como
inimigos, ferem o 4º Mandamento alegremente... ou seja, um desastre moral se abate
sobre ela.
- quando já forem maiores e que aparecer uma pessoa na vida de vocês, antes de
começarem a namorar passem um tempo num estágio de vida que, antigamente, se
chamava “freqüentação”. Fulano está freqüentando sicrana, dizia-se. Nesse estágio, as
conversas são mais importantes do que os beijos, o encontro com amigos comuns não
atrapalha os dois, ao contrário, só enriquece. Para uma pessoa católica, essa é a
oportunidade de se conhecer melhor, de se saber se tal pessoa poderá vir a ser um bom
namorado ou boa namorada. Já não importa muito se é a mais bonita da sala, se é o galã
de cinema esperado. Esse tempo de freqüentação faz aquele amor de paixão, perigoso e
excitante, ir tomando o aspecto real e natural do verdadeiro amor, que é o amor da
razão. Então, quando se iniciar a fase de namoro propriamente, de um compromisso, já
se terá refletido sobre o que é o bem e o mal, o certo e o errado, tanto nos atos a serem
feitos no namoro, como no que se pretende fazer da vida.
- Cuidado com as intimidades exageradas. Hoje já não se beija ou se abraça. O que os
namorados fazem é simplesmente uma preparação sexual, e isso não pode ser, é pecado
se preparar para pecar; é pecado se colocar em situação próxima de pecado. Quando um
casal de namorados se prepara sexualmente, mesmo se eles tiverem, no início, a
intenção de não praticar o sexo, serão empurrados e ludibriados pela lei do corpo e da
sensualidade. Aprendam a estabelecer os limites para não cair nesse exagero, pois o
pecado está ali, de espreita, para dar o bote.
- Quando vocês perceberem que um relacionamento só vai lhes levar aos prazeres do
sexo, ficará claro que não tem futuro católico um namoro desses. Isso lhes mostrará que
não se deve deixar as afeições crescerem a ponto de se perder as forças de reagir, de
voltar atrás e de interromper tal freqüentação ou namoro. Guardem sempre a liberdade
sobre as paixões, não se entreguem a fundo num sentimento exagerado que lhes
impedirá de ver onde está a verdade.
Na aula sobre os Comentários à Ética , Livro VIII, que trata da amizade, vimos que o
termo “amizade” tem um sentido mais amplo do que o atual. Sabemos que há três
amáveis, que são o bem, isto é, o [bem] honesto, o deleitável e o útil, e realizando uma
relação entre o ato da amizade, que é o amor de amizade, e os amáveis,
conseqüentemente haverá também três espécies de amizade, iguais em número aos
amáveis. A primeira delas é a amizade por causa do honesto, a amizade honesta que é o
bem de modo simples. A segunda é a amizade por causa do deleitável. A terceira, por
causa do útil. As amizades útil e deleitável são amizades por acidente, porque naqueles
que se amam mutuamente por causa da utilidade, um não ama o outro por causa dele
mesmo, mas na medida em que do outro recebe para si algum bem, geralmente algo que
não possuía ou achava não possuir. Coisa semelhante acontece naqueles que se amam
por causa da deleitação, aonde um não ama o outro por ser [bem] disposto, como por
exemplo, por ser eutrapelus , que é o comportar-se virtuosamente, mas somente na
medida em que o outro é deleitável de alguma maneira. Como vimos as amizades útil e
deleitável são facilmente dissolvíveis, e é comum que pessoas em amizades desse tipo
no início do verão gostem de uma pessoa loucamente, e no inverso já tenha se afastado
naturalmente, o que seria impossível no início da relação deleitosa.
Como vimos, por cima, a amizade por causa do útil compete de modo máximo aos
velhos, geralmente porque não buscam o deleitável por causa da deleitabilidade do
corpo e dos sentidos, mas buscam o útil, na medida em que dele necessitam para auxilar
a natureza já deficiente. Enquanto a amizade que é por causa da deleitação
maximamente parece ser dos jovens, porque são conduzidos pelas paixões, e como
todas as paixões terminam na deleitação e na tristeza, é comum que apaixonem-se tão
rapidamente quanto afastam-se de alguém.
Podemos perceber em São Tomás duas ‘espécies’ de amor, o “amor concupiscente”
(amor concupiscentiae) e “amor amigo” (amor amicitiae). Nesse caso, via de regra, o
amor amor tem duas dimensões: ama-se algo, uma coisa, um esporte, um jogo, um
hobby, uma droga, um vício ou uma pessoa pela utilidade ou deleite que ela
proporciona (amor concupiscentiae) ou alguém se quer bem a si mesmo e a um outro
(amor amicitiae). Vimos, claro, que em todo amor estão presentes as duas dimensões,
discernindo porém entre elas no sentido de que um amor entre um amor e outro homem
não possui a concupiscência da carne, mesmo que possa ser deleitável quando um
amigo proporciona deleite ao outro, já um amor entre um homem e uma mulher pode e
geralmente possui a concupiscência da carne, onde o deleite, mesmo que seja somente
da convivência, em poucos casos exclui o nascimento de desejos carnais ou da parte
sensitiva da alma, quando se trata de jovens não familiares, ou mesmo de adultos.
Por isso vimos que quando nos apaixonamos na juventude, e paixão aqui tomamos no
sentido vulgar, de relação homem-mulher, é comum que nos excitemos na parte
sensitiva da alma de tal maneira que cada paixão parece ser “o amor da minha vida”,
porém se esvai com o tempo.
Por isso era comum que os jovens católicos fossem admoestados a não iniciar namoros
a todo tempo, como já dissemos nem em se apegar às belas jovens que aparecem toda
mudança de estação, pois antes que o casamento esteja consumado sempre algo pode
dar errado, e após recebida a benção de Deus, sempre algo pode dar certo.
Muitos jovens carecem de exortações dos próprios pais, ou de bons amigos, sobre como
agir nos relacionamentos durante o período (da juventude). Lemos na Imitação de Cristo
Capítulo 6: Todas as vezes que o homem deseja alguma coisa desordenadamente,
torna-se inquieto. Não é isto que vemos dentre os jovens desde muito tempo? Ao
entregarem-se à paixão do relacionamento com um rapaz ou uma moça como se já
tivessem ali uma relação de vários anos, quando isto é algo para o amor da amizade, e
não para o amor concupiscente? Como se se tratassem de amigos íntimos, logo trocam
intimidades, podendo mesmo chegar a pecar! Deixam de seguir os bons conselhos,
alguns desordenam a própria vida. Continua A Imitação: Não há, logo, paz no coração
do homem carnal. O apaixonado se inquieta com a paixão, e nunca está satisfeito.
Corção comenta o que se segue:
“A primeira fase do amor é a da surpresa feliz diante de uma descoberta. Precede
geralmente a mútua declaração. É uma iluminação na vida, um encantamento de quem,
de repente, acha mais rico o universo. Ela existe! Dir-se-ia que faltava alguma coisa no
mundo, para ele ser um mundo razoável e que agora se preenche a lacuna.
Essa primeira experiência é uma espécie de contemplação, é mais metafísica do que
moral. A bem amada (ou o bem amado) nos parece como um arauto da riqueza do ser.
Não é em si mesmo que o homem, no limiar desta experiência, sentia a falha. Era antes
no cosmos. O homem, apesar de todas as carências, apesar da brecha sexual, sente-se
substancialmente inteiro.”
“Prosseguindo o exame das etapas do amor, eu diria que ele vai descer agora do plano
da contemplação metafísica para a ordem prática; ele vai produzir uma certa atividade:
os namorados se procuram, se isolam, como se para cada um bastasse o outro, ou como
se toda a riqueza do universo estivesse cristalizada na pessoa do outro.
Nesse momento, o bom e o belo descem do firmamento transcendental do ser, e se
realizam em analogados. A visão, tocando os sentidos, como uma centelha, põe em
movimento as forças criadoras que têm raízes profundas no sexo. E os namorados
começam a fase do bailado do amor. Dançam. Cantam. Vivem a intensa poesia do
deslumbramento encarnado. O amor desceu do céu e toca a terra, a boa terra do grão e
da uva, e firma sua tenda de aventura no domínio da poesia. Viverão doravante os
namorados num jardim de delícias. Exultação espiritualizada dos sentidos, tensão
ascencional que subtiliza o sexo com a reminiscência do belo e do bom transcendental,
o amor-idílio é engenhoso na confecção dos instantes em ninho, é harmonioso nos
gestos, é gracioso nas atitudes e nas palavras.
Estamos agora na fase do amor-poético. A mais universal experiência através das mais
caricatas deformações ou das mais sublimes realizações, comprova essa estação do
amor nos domínios da poesia. A namorada desses dias é para o namorado um ser
poético, essencialmente destacado e diferente dos outros seres prosaicos que ele vê em
casa na hora do jantar. Não é por mero acidente, espécie de sarampo da alma, que o
namorado de todas as épocas sempre tentou fazer versos, para exprimir de modo
adequado a sua experiência.”
“A primeira conseqüência dessa fase do amor é a contração do universo, não num
sentido de empobrecimento e de miséria, mas num sentido de aconchego. Toda a ordem
criada passa a ter para os namorados uma significação emoldural. As estrelas e as rosas
são magníficos supérfluos para o adorno do amor. Os namorados sentem uma angústia
dos grandes espaços, fogem da luz, evitam o convívio que põe em risco a unidade
magnífica do poema que vivem.”
“Aqui é que tocamos o nervo de um grande problema: e aqui é que bifurcam duas
concepções do amor radicalmente diversas. Nós responderíamos afirmativamente
àquela pergunta se o amor-poético fosse para nós todo o amor. E esta é a concepção do
romantismo moderno. Mas responderemos negativamente se amor para nós tem outra
significação mais ampla. Ou melhor, diremos assim: o amor-poético tem realmente uma
certa contradição com o casamento e com a família; mas o amor-poético é apenas uma
estação do amor.
Nesse ponto de seu itinerário, efetivamente, o par de namorados nada tem de
matrimonial. Diria até que há no idílio poético alguma coisa de anti-matrimonial que
resiste, que se arma em tensão contra as conseqüências fecundas do amor, que defende o
especial caráter dessa união, querendo perpetuá-lo, sentindo talvez um certo horror de se
reintegrar na vida comum, preferindo às vezes a morte harmoniosa, lírica, exaltada, às
humildes conseqüências do amor fecundo. O poeta, ao contrário do que pretendem
certos insensatos que pretendem viver a poesia, é alguém que morre abraçado à obra
que termina.”
Dom Lourenço Fleichman OSB

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