A maçonaria e Roncalli
Enfim, depois de ter chegado à Nunciatura Apostólica de Paris, Mons. Roncalli foi
nomeado Patriarca de Veneza e elevado à púrpura cardinalícia. O ecumênico cardeal
Roncalli representava indubitavelmente, para os meios neo-modernistas, um futuro Papa
ideal, um excelente instrumento entre suas mãos para fazer passar lentamente a Igreja de
suas "velhas certezas" e de sua "mesquinharia dogmática", à nova época. Um "Papa de
transição".
Não é por acaso que nas vésperas do conclave que ia elegê-lo Papa, seu amigo, o padre
Lambert Beauduin, que o conhecia bem, pronunciou estas palavras significativas:
"Se elegessem Roncalli [...] tudo estaria salvo: ele seria capaz de convocar um
concílio e consagrar o ecumenismo...", O silêncio caiu — continua o célebre Pe. Louis
Bouyer, seu discípulo, que conta o fato — e depois ele continuou com malícia e um
lampejo no olhar: "Tenho confiança — disse ele —, temos nossa chance; os cardeais,
em sua maioria, não sabem o que devem fazer. Eles são capazes de votar nele"[7].
Os neo-modernistas não foram os únicos a perceber no "papabile" Roncalli o nome
ideal para dar os primeiros golpes e abrir brechas nas muralhas da "velha Igreja".
"Em outubro de 1958 — testemunha o conde Paolo Sella di Monteluce, economista e
homem político — cerca de sete ou oito dias antes do Conclave, eu estava no santuário
de Oropa, numa das refeições habituais do grupo Attilio Botto, industrial de Bielle que
gostava de reunir em volta dele profissionais de diferentes ramos para discutir diversos
problemas.
Naquele dia tinha sido convidado um personagem que eu conhecia como uma alta
autoridade maçônica em contato com o Vaticano. Ele me disse, ao me levar para
casa de carro: "... o próximo Papa não será Siri, como estão murmurando em certos
círculos romanos, porque ele é um cardeal autoritário demais. Vai-se eleger uma Papa
de conciliação. O patriarca de Veneza Roncalli já foi escolhido".
Respondi surpreso: "Escolhido por quem?"
"Pelos nossos maçons representados no Conclave", respondeu serenamente meu
cortês acompanhante.
Perguntei então: "Há maçons no conclave?"
"Com certeza", respondeu, "a Igreja está em nossas mãos". Repliquei estupefato:
"Então quem manda na Igreja"? Após um breve silêncio, a voz de meu acompanhante
martelou: "Ninguém pode dizer onde estão os cumes. Os cumes estão ocultos".
A eleição do Patriarca Roncalli como Soberano Pontífice ocorreu em 28 de outubro de
1958. Como seu amigo Beauduin tinha previsto, alguns meses depois, em 25 de janeiro
de 1959, o novo Papa anunciava seu desejo de convocar um concilio ecumênico.
Primeira revanche dos "novos teólogos"
Ao longo das décadas precedentes muitos membros do Colégio cardinalício tinham
desaconselhado aos Soberanos Pontífices a convocação de um novo Concílio
ecumênico, precisamente devido ao perigo, bem real, de infiltrações modernistas.
Quando, por exemplo, por ocasião do Consistório secreto de 23 de maio de 1923, Pio
XI pediu o parecer dos cardeais a respeito da conveniência de convocar um concílio, o
cardeal Billot, cé1ebre teólogo, respondeu:
"Enfim, eis a razão mais grave, aquela que me parece bradar absolutamente pela
negativa. A retomada do Concílio [Vaticano I, interrompido em 1870] é desejada pelos
piores inimigos da Igreja, isto é, pelos modernistas, que já se preparam — como
demonstram os indícios mais seguros — para aproveitar dos estados gerais da
Igreja para fazer a revolução, o novo 1789, objeto de seus sonhos e suas
esperanças. Inútil dizer que eles não conseguirão, mas veremos novamente os dias tão
tristes do final do pontificado de Leão XIII e do início de Pio X; veremos coisas piores,
e isso será o aniquilamento dos felizes frutos da encíclica Pascendi, que os reduziu
ao silêncio"[8].
Pio XII também tinha pensado em convocar um concílio, mas tinha sido dissuadido
pelas mesmas razões.
O novo Papa, ao contrário, não quis levar em conta nenhuma dessas razões e instituiu
imediatamente uma comissão central preparatória cujo dever seria o de recolher as
diversas proposições dos episcopados e dos teólogos do mundo inteiro, para redigir as
primeiras provas dos textos sobre os assuntos que deveriam ser tratados ao longo de
Concílio.
É justamente neste período que é preciso situar a primeira revanche no plano oficial da
nova teologia, na pessoa de seus dois principais representantes.
O Papa João XXIII, inspirado segundo todas as probabilidades pelo inoxidável
Giovanni Battista Montini, chamou para surpresa geral (dos ingênuos, compreenda-se),
os célebres e já condenados Henri de Lubac e Yves Congar, para fazer parte da
mencionada comissão de preparação do Concílio.
E mesmo que eles não tenham podido fazer muito nesta ocasião — não teria sido
prudente para eles expor-se cedo demais, sobretudo em posição de franca minoria —
este gesto de João XXIII teve um valor simbólico de enorme importância e
desconcertou os meios da Cúria. Tratava-se, na verdade, de uma verdadeira reabilitação
oficial — se bem que tácita — da "nova teologia", assim como de uma escandalosa
desautorização das condenações de Pio XII e seus predecessores contra o antigo e novo
modernismo.
A esse respeito, o Pe. Congar, numa entrevista concedida há alguns anos à revista "30
Giorni", lembrava:
“Lubac me explicou que a lista dos ‘peritos’ já tinha sido preparada e que ela foi
submetida a João XXIII, para assinatura. O Papa Roncalli a leu, e em seguida
acrescentou do seu próprio punho dois nomes: o meu e o de Lubac”[9].
Depois de mais ou menos três anos de trabalho, João XXIII pôde abrir solenemente o
segundo Concílio do Vaticano, que veria a tomada de poder pelos adeptos da nova
teologia.
Relativismo dogmático
Continuava a condenação em bloco dos novos teólogos:
“No que concerne à teologia, o propósito de alguns é enfraquecer o mais possível o
significado dos dogmas e liberar o dogma da formulação usual na Igreja há muito tempo
e das noções filosóficas em vigor nos Doutores católicos para voltar, na exposição da
doutrina católica, ao modo de se exprimir da Santa Escritura e dos Padres. Eles nutrem a
esperança de que o dogma, assim desembaraçado de elementos que eles consideram
extrínsecos à revelação, poderá ser comparado, com fruto, às opiniões dogmáticas
daqueles que estão separados da unidade da Igreja: chegar-se-á então a assimilar ao
dogma católico tudo o que agrada aos dissidentes.
“Bem mais, quando a doutrina católica tiver sido reduzida a tal estado, a via estará
aberta, pensam eles, para dar uma satisfação às necessidades atuais exprimindo o dogma
por meio das noções da filosofia moderna, do imanentismo, do idealismo, do
existencialismo ou de qualquer outro sistema que surgir."
"Que isso possa e mesmo deva ser feito assim — continuava o Papa —, os mais
audaciosos, o afirmam pela boa razão, dizem que os mistérios da fé não podem ser
significados por noções adequadamente verdadeiros, mas por noções. segundo eles,
aproximativas e sempre mutáveis, pelas quais a verdade é indicada sem dúvida até certo
ponto, mas fatalmente deformada." Segundo eles seria necessário que a teologia
"substituísse às noções antigas noções novas, para que, sob modos diversos e
frequentemente opostos, e, entretanto apresentados por eles como equivalentes, ela nos
exprimisse verdades divinas".
"Conclui-se, com evidência, do que dissemos — terminava o Papa — que tantos
esforços não apenas conduzem ao que se chama "relativismo" dogmático, mas já o
comportam de fato: o desprezo dos termos através dos quais ele é significado favorecem
muito [esta posição equivocada]".
O que propunham de fato os novos teólogos em substituição da teologia escolástica?
Nada além de "noções conjeturais e expressões flutuantes e vagas de uma nova filosofia
chamadas a uma existência efêmera, como a flor do campo; isso equivale a fazer do
próprio dogma algo como um caniço agitado pelo vento".
Continua.
[3] “Le développement du Dogme selon la doctrine catholique”, Ed. Gregoriana, 1953.
[4] H. de Lubac, “Mémoires autour de mes oeuvres”, ed. Jaca Book, 1992, p. 46.
[6] “Conversion et grâce chez saint Thomas d’Aquin”, 1944, p. 219. Citado por Pe.
Garrigou-Lagrange, La nouvelle théologie, où va-t-elle? in Angelicum n. 23, ano 1946,
p. 126.
[13] Carta de 14/8/1967 a A. Del Noce, in Pensées d’un homme libre, 30 Giorni, abril
1991.
[15] Ibidem.
[19] Lc 1, 51.
2. No que tange à segunda proposição de seu raciocínio, eis o que afirma o Padre
Lucien:
Algumas passagens do Vaticano II estão cobertas pela infalibilidade do magistério
ordinário e universal. Tais são passagens em que a doutrina está diretamente afirmada,
e em que esta doutrina se apresenta como revelada, ou necessariamente ligada à
revelação, ou obrigatória de forma absoluta para todos os fiéis. Estas são de fato
diversas maneiras de dizer que uma doutrina é para se crer (ou se conservar) de forma
definitiva e de modo irrevogável 2.
Explica o Padre Lucien que se não deve confundir o MOU com “o cânon Leriniano” 3.
No Communitorium, declarou São Vicente de Lerins que há-de se crer no que se
ensinou “em todo lugar, sempre e por todos (quod ubique, quod semper, quod ab
omnibus)” 4. Trata-se dum critério que permite afiançar a ortodoxia duma doutrina, i. é,
que se repita durante certo tempo.
Nestas condições, o ensino ordinário de concílio, caso seja novo, não pode aspirar à
infalibilidade.
O cônego René Berthod 5, Michel Martin 6 e Arnaud de Lassus 7 sobressaíram-se na
defesa desta opinião.
O Padre Lucien combate tal opinião: não é preciso, diz ele, para que o MOU seja
infalível, que o magistério se exerça durante um certo tempo. Basta que todos os bispos
(unanimidade moral) num dado momento, ensinem a mesma doutrina como revelada ou
necessariamente ligada à revelação, para que uma pessoa esteja na presença dum
magistério infalível.
Ora, foi o que precisamente se deu no Concílio, pensa o Padre Lucien, no que tange aos
pontos centrais do ensino.
Os argumentos de autoridade
Numa querela teológica, os argumentos de autoridade são os mais importantes. Citamos
para defender nosso ponto de vista diversos autores, sobretudo o Concílio de Trento, Pio
IX, os esquemas preparatórios dos dois últimos concílios e o DTC 11.
O Padre Lucien não examina esses textos. Contenta-se em conceder que uma “rápida
leitura de vários textos oficiais (com autoridades diversas) pode dar a impressão de
identificação entre o ‘magistério ordinário e universal’ e ‘magistério disperso’”.
Acrescenta:
Enfim, encontram-se teólogos que, antes do Concílio Vaticano II, exprimiam-se como
se houvesse identidade entre “magistério ordinário e universal” e “magistério
disperso” [p. 170].
Reconhece o Padre Lucien que “vários textos oficiais” e “teólogos” exprimem-se como
nós 12.
Para defender sua posição, o Padre Lucien limita-se a citar apenas um texto, uma
intervenção de Mons. Zinelli, membro da deputação da fé, no Concílio Vaticano I:
O acordo dos bispos dispersos possui valor idêntico a quando estão reunidos: prometeu-
se a assistência à união formal dos bispos, e não tão-somente à união material 13.
O texto pode impressionar. Mas quando uma pessoa observa o contexto, vê que Mons.
Zinelli comenta um projeto de anátema acerca das definições solenes:
Se alguém diz que o assentimento da Igreja dispersa não possui valor de estatuir um
dogma de fé, e que, em conseqüência, é necessário que os bispos se reunam para
definir questões de fé e costume, que seja anátema 14.
Neste texto, Mons. Zinelli não fala como membro da deputação da fé, mas como bispo
de Treviso. Contempla o caso em que alguém renunciaria definir o dogma da
infalibilidade do papa (por causa da oposição dalguns bispos que julgavam tal definição
inoportuna), propondo dar não obstante ensinamento acerca da questão (na forma de
quatro cânones), de modo a convencer grande número de bispos. Neste projeto de
anátema, vislumbra-se uma definição papal, a que se acorde ou apoie uma parte do
episcopado. Explica que não é preciso reunir os bispos para fazer tal definição. Não fala
do MOU, mas de condições que permitem ao papa fazer uma definição infalível.
O acordo entre os bispos dispersos sobre que se fala, é aqui um acordo dos bispos para
permitir ao papa “estatuir um dogma de fé”, “definir as questões de fé e costumes”.
Não é o caso do magistério ordinário, entre cujos objetos não está o definir dogmas, mas
o de transmitir a doutrina, e menos ainda o do magistério ordinário universal que é
exercido pelo conjunto dos bispos, e não só pelo papa.
Por isso, não pode o Padre Lucien conferir autoridade a este texto para apoiar sua
tese 15.
Poderíamos parar por aqui a discussão.
De fato, ao passo que temos muitos argumentos de autoridade em favor de nossa tese, o
Padre Lucien não pode citar nenhum em favor da sua.
Todavia, como acusa-nos o Padre Lucien de “desconhecer completamente a verdadeira
causa da infalibilidade do magistério universal, em cada época” 16, prossigamos ainda
um pouco esta resenha.
(Tradução: Permanência)
1. 1.Padre LUCIEN, Les Degrés d’autorité du magistère, p. 16.
2. 2.Padre LUCIEN. Les Degrés d’autorité du magistère, p. 159.
3. 3.Sobre este ponto, estamos de acordo com o padre Lucien, como ele mesmo
destaca (p. 137), sem todavia dar as referências do trabalho em que publicamos
nosso ponto de vista. Ei-los então, as referências a Le Sel de la terre: Le Sel de
la terre 26, p. 47; Le Sel de la terre 34, p. 47-48; Le Sel de la terre 35, p. 45-46.
4. 4.São VICENTE DE LÉRINS, Communitorium, cap.II, RJ 2168.
5. 5.Padre RENÉ-MARIE, “L’infaillibilité du magistère ordinaire de l’Église”,
Una Voce Helvetica (Chalet des neiges, CH 1634 La Roche), janeiro 1981.
6. 6.De Rome et d’ailleurs nº 15, novembro-dezembro de 1980.
7. 7.Action Familiale et Scolaire 145 (1999), p. 2-33; Action Familiale et Scolaire
183 (fevereiro de 2006), p. 3-27.
8. 8.Padre LUCIEN, Les Degrés d’autorité du magistère, p. 160-161.
9. 9.Ver por exemplo Église et Contre-Église au concile Vatican II, Actes du 2e
congrès théologique de Si Si No No, janeiro de 1996, p. 32-63, Ed. Publications
du Courrier de Rome, 1996, p. 287 et sq; Le Sel de la terre 35, inverno 2000-
2001, p. 32-63 (especialmente p. 42-52; Autorité et réception du concile Vatican
II, Actes du 4e Symposium de théologie de Paris, Paris, 2006, p. 99-150.
10. 10.Esta carência do magistério conciliar, que o impede de ensinar
infalivelmente, já há muito se explicou nos artigos do Sr. Padre Calderon,
publicados em Le Sel de la terre (nºs 47, 55 e 60), e no livro Autorité et
réception du concile Vatican II, Actes du 4e Symposium de théologie de Paris,
Paris, 2006.
11. 11.Ver os textos e as referências em Le Sel de la terre 35, p. 46-49. Citamos o
esquema preparatório do Vaticano II do cardeal Ottaviani: “O corpo dos
legítimos pastores e doutores da Igreja [...] [gozam] da prerrogativa da
infalibilidade quando, cada qual ensinando enquanto autoridade da diocese,
concordam num mesmo ensinamento com o romano pontífice, em testemunho
da fé na doutrina da fé a se transmitir.” Ver Le Sel de la terre 34, p. 47-48.
12. 12.P. 170. Parece-nos que tal constatação deveria impedir o Padre Lucien de
qualificar nossa posição de “extravagante” (p. 138). A revista Sedes Sapientue,
número 101, que consagra 15 páginas em louvaminhas ao livro do Padre Lucien,
qualifica nossa tese de “fantasista” (p. 114).
13. 13.MANSI, t.51, col. 676 A. O Padre Lucien cita este texto em seu livro a
páginas 171, mas não dá a referência. Contenta-se em remeter a uma de suas
próprias obras, uma de 1984. Não é tal facilitar o trabalho dos que querem
verificar a referência e o contexto.
14. 14.“Si quis dixerit , adsensum Ecclesiae dispersae non valere ad statuendum
dogma fidei, ac proinde necessarium omnino esse ut episcopi congregentur ad
res fidei et morum definiendas, anathema sit.” (MANSI, t.51, col.673).
15. 15.A autoridade de Mons. Zinelli é também a única trazida à tona pelo irmão
Augustin Aubry (autor do artigo de Sedes Sapientiae 101), permitindo-lhe
qualificar nossa tese de “fantasista”.
16. 16.Padre LUCIEN, Les Degrés d’autorité du magistère, p. 177.
17. 17.Era claro, e isto é mui compreensível, que a maioria dos bispos, por ocasião
do último concílio, buscava saber o que pensava o papa para lhe seguir os
vaticínios.
18. 18.Mons. Lefebvre explicava que os bispos que vieram a Roma para um concílio
de poucas semanas (é o que pensava joão XXIII, durante a convocação),
acabaram por se deparar com um longo concílio. Amiúde estavam mal alojados,
impacientes por estarem distantes de suas dioceses. Tinham pois pressa em
terminar. Deste modo, quando modificaram a declaração acerca da liberdade
religiosa, acrescentando uma frase para dizer que esta declaração não contradizia
o ensinamento tradicional da Igreja, a oposição protestou com veemência.
Contudo, o teor da declaração contradiz o ensinamento tradicional da Igreja.
19. 19.Padre LUCIEN, Les Degrés d’autorité du magistère, p. 177.
20. 20.A expressão é do Concílio de Trento: “quasi per manus traditae” (DS 1501).
21. 21.No patamar da razão, pois que uma tal unanimidade não possui razão
suficiente se não vem duna fonte comum, ou seja, da Tradição Apostólica.
22. 22.No patamar da fé, pois que a fé nos diz que a Igreja não pode cair
universalmente no erro, o que seria o caso de todos os bispos ensinarem, cada
qual em sua diocese, a firme conservação dum mesmo erro para todos os
católicos.
23. 23.Recordemos que uma definição conciliar é uma proposição solenemente
ensinada, como obrigatória de se crer. A última definição conciliar é a da
infalibilidade papal, por ocasião do Concílio Vaticano I.
24. 24.Refere-se o Padre Lucien à frase de Mons. Zinelli, que interpreta às avessas,
como já explicamos. O Padre Lucien admoesta-nos a oposição de um
ensinamento revelado: “As palavras de Nosso Senhor [Mt 28, 19-20] afirmam a
assistência permanente (um “estar com”), não mencionando nunca o estado de
dispersão ou reunião: seria contrário ao ensinamento revelado achar que a
assistência de Nosso Senhor ao magistério cessaria por causa duma
circunstância, cuja acepção não se faz na promessa”. [p. 175]. Mas a promessa
de Nosso Senhor não menciona de forma alguma as quatro condições indicadas
pelo Vaticano I para a infalibilidade pontifical; não diz também que o magistério
só é infalível nos seus “pontos centrais”; etc.. Toda a doutrina da Igreja acerca
da infalibilidade não se expôs em detalhe, nesta palavra do Salvador.
25. 25.Aqui vai uma observação sobre a unanimidade requerida para que o
magistério ordinário seja universal. Para o Padre Lucien, se 90% dos bispos
manifestam acordo com o papa, está-se em presença do MOU (p. 184). Não
estaria o Padre Lucien sob a influência da mentalidade democrática moderna?
Realmente, a questão nos parece mais simples. O magistério ordinário é
universal quando uma doutrina está suficientemente exposta para que toda a
Igreja a reconheça enquanto doutrina para se considerar como de fé (ou
necessariamente ligada à fé). Quando um bispo (sobretudo o papa) não a
condena, pode-se considerar que a maioria do episcopado está unida. Se uma
pessoa manifesta opinião divergente, deve-se condená-la por uma voz de
autoridade bastante (o papa ou outra autoridade qualquer com o aval implícito
do papa) para que a doutrina majoritária ainda represente o MOU, apesar da
oposição. No caso que nos respeita, Mons. Lefebvre e Mons. de Castro Mayer
deram a conhecer em público sua oposição aos erros do Concílio. Esta oposição
fora suficientemente conhecida (a carta aberta dirigida ao papa a 21 de
novembro de 1983, na qual declaram que ‘a declaração Dignitatis humanae’ do
Concílio Vaticano II afirma a existência dum falso direito natural do homem, em
matéria religiosa, contrario aos ensinamentos pontificais que negam
formalmente tamanha blasfêmia” chegou a ser publicada em DC 1984, nº 1874,
p. 544-547), oposição esta que nunca se condenara em sua doutrina. Isto basta
para que não haja universalidade do magistério ordinário, supondo que se
cumprissem as demais condições do MOU (sobretudo, a de que as novidades em
doutrina ensinadas após o Vaticano II se impusessem como devendo se
considerar de fé).
26. 26.Introdução de Gustavo CORBI, “Billot et Vatican II”, para a obra de Louis
BILLOT, L’Erreur du libéralisme (El error del liberalismo, Cruz y Fierro 1978,
Argentina, p. 28 e 29).
27. 27.O fato de os bispos juntarem-se ao papa aumenta a solenidade do ato, mas
não aumenta o grau de assistência do Espírito Santo.
28. 28.Dom P. NAU, “Le magistère pontifical ordinaire, lieu théologique”, Revue
Thomiste, julho-setembro de 1956, p. 406 et sq.
29. 29.Parece-nos um sinal da infalibilidade o seguinte: como corolário da primazia
da sé de Pedro, se o papa repete durante um certo tempo a mesma doutrina, sem
que haja protestos do episcopado, necessariamente se segue a aceitação pelo
conjunto do episcopado, e nos encontramos no caso da infalibilidade do
magistério ordinário e universal. A aceitação pelo conjunto do episcopado é um
sinal da infalibilidade do magistério pontifical, e não sua causa; a causa é a
assistência particular à Igreja de Roma.
30. 30.Equivocou-se o Padre Licien ao criticar o cônego Berthod. Provavelmente, o
que este diz (“é necessário que haja continuidade no tempo para ter magistério
ordinário infalível”) é inexato se se compreende por magistério ordinário os
bispos dispersos; mas é exato para o magistério em concílio.
31. 31.Audiência de 12 de janeiro de 1966, citada em Le Sel de la terre 35, p. 37-38.
Damos neste passo outros textos que provam à saciedade que o Concílio não
quis se valer do magistério extraordinário. O mesmo Padre Lucien o reconhece
(nota 46, p. 217).
32. 32.É provável não haja exemplo de erro no ensinamento ordinário dos concílios
anteriores ao Vaticano II. Se for o caso, deve-se à prudência dos papas que
conduziram e aprovaram esses concílios. Fora essa prudência que sugerira aos
papas Pio XI e Pio XII a renúncia à sua primeira intenção de convocar um
concílio. Eles se deram conta das dificuldades e riscos dum tal empreendimento
em nossa época. O papa João XXIII não teve a prudência. Cometera inclusive a
grande imprudência – partilhada por Paulo VI – de favorecer a ala progressista,
que recusava levar em consideração o ensinamento passado da Igreja,
especando-se na “nova teologia” de inspiração modernista.
33. 33.Ver Autorité et réception du concile Vatican II, Paris, 2006, p. 99-150
(disponível nos representantes de Le Sel de la terre: 29 € + 4 € de remessa).
Resenha em Le Sel de la terre 60, p. 165-180.
34. 34.Ver a nota 86, p. 221, que remete aos artigos do Padre Ricossa e do Padre
Murro, que apareceram em Sodalitium.
35. 35.Ver sobretudo: “La liberté religieuse: l’erreur de l’abbé Lucien... et des
autres” em Sel de la terre 2, p. 110-114 (ver também no mesmo número: p. 8 e
p. 23-24); e “Brève réfutation de la thèse de l’abbé Lucien” em Sel de la terre
56, p.184-186.