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Idealizado e organizado em 1976 e implantado oficialmente na UNICAMP em 1977, 0 Centro de Légiea, Epistemologi © Misiéria do Cignsia (CLE) constituide por professores 6 pesquisadores de viios Institutos ¢ Faculdades da UNICAMP outras Universidades brasileiras ¢ estrangeiras. Seu campo de atividade abrange as disciplinas ligadas & Légica, Episte- ‘mologia ¢ Historia da Ciencia, Entre seus objetivos princi~ ‘pais contamt-se a organizacio de seminérios, encontros ¢ eon- feréncias, a coordenacio dos trabalhos de pesquisa, a promogio de publicagées especializadas, a criag3o de condigdes para 0 funcionamento de cursos de Pés-Graduagao de natureza inter~ disciplinar e a manutengio de acervo bibliografico e arquivo de documentaso que proporcionam eubstdioe » posquisado- res e estudantes. Além dos resursos financeiros que Ihe sio oferecidos pela UNICAMP, © Centro vale-se de subsidios de inumerosas instituigBes nacionais e internacionais de apoio & pesquisa, Publicados pelo Centro de Légica, Epistemologia e Historia a Ciencia da UNICAMP, os Cadernos de Histénia ¢ Filosofia da Ciéncia ditigem-se especialmente ao piiblico brasileiro in teressado nas areas de Epistemologia, Metodologia e Histéria das Ciencias, ‘Tem por objetivo central, a publicagao de artigos f notas originais de pesquisadores nacionais e estrangciros, re senhas e ionformagées bibliogréficas, bem como noticias sobre ‘pesquisas, tess, cursos, simpésios e congressos nessas reas do conhecimento. UNICAMP “CADERNOS ‘DE HISTORIA _ E FILOSOFIA DA CIENCIA 2): 141-266 jude 1990 JACYNTHO LINS BRANDAO Doentes, Doenga, Medicos ¢ Medicina fem Luctano de Samésala ROBERTO DE A. MARTINS A Teorva Aristotélica da Resparacio LILIAN A.C. PEREIRA MARTINS Ansidtelrs ¢ « Geragio Fspontanee MIGUEL SPINELLI Epistéme ¢ Techne: Sobre @ Detormmaceo da Competéncia Kysstemca (regs LIGIA FRAGA SULVEIRA Descartes: Um Naturalista? CADERNOS DE HISTORIA E FILOSOFIA DA CIENCIA, etic 2, Série 2, v. 2, n. 2, julho a dezembro de 1990 ‘ CENTRO DE LOGICA, EPISTEMOLOGIA E HISTORIA DA CIENCIA a at CADERNOS DE HISTORIA E FILOSOFIA DA CIENCIA Série 2, v. 2, n. 2, julho a dezembro de 1990 SUMARIO ARTIGOS JACYNTHO LINS BRANDAO, Doentes, Dornga, Médicos ¢ Medicina em Luciano le Samésala - 45 ROBERTO DE A. MARTINS, A Teoria Anstotética da Respiruyiv 165, LILIAN A.C. PEREIRA MARTINS, Aristételes ¢ « Gerasio Espowtdnca ..213 MIGUEL SPINELLI, Epistéme e Techne: Sobre a Determinagéo da Compe- téncia Bpistémica Grega . “ 239 LIGIA FRAGA SILVEIRA, Descartes: Um Naturalista? 2 51 Centro de Légice, Epistemologia e Histéria da Ciéncia ~ UNICAMP 7) Campinas, SP. CD: 610.495 DOENTES, DOENGA, MEDICOS E MEDICINA EM LU- CIANO DE SAMOSATA JACYNTHO LINS BRANDAO Rua Musas, n. 250 390.950 Belo Hiorszonte, MG Rowuro: O presente artigo van a descrever ¢inerpretar at alunSes de carter medi:inal mas ‘brit de Luciano de Samanta. Analsam-e alguna aepector Ua abordagem de Luciane relative ‘not docnte, i doangaa, nox médios © medicina, enfocando-e principalmente (1) at elagSe ‘ntze medicina « magia, (2) a conexso entre doenga claate socal « (9) o extatuto do médica ‘no contexte da vciedade helendatica. Palaveas-chave: Medicina gregs; Lociano de Saméeats; cincia © magin; histéria ‘As obras de Luciano de Saméeata constituem fonte privilegiads de informagéee ‘sobre as instituigbes heleniaticas no segundo século de nossa era. Escrevendo um pouce sobre tudo, registra dados de interesse relatives & religiio, & flosofia, & historiografia, & poesia, & arquitetura, ie artes visuais, abordando aspectot como © trabalho, of riloe finebres, a proslituicio, a riqueza e a pobreza, etc. Nio seria portanto incorreto admitir, pelo menos a primeira vista, que Luciano de fato escreve um pouco sobre tudo. Essa riqueza de informacGes provoca todavia. dificuldades quando se trata de buscar entender o sentido do corpus lucianeum ‘comoum todo, tendo levado & crenga de que Ihe faltejustamente um fio condutor, de que ele nio tenha nenhuma unidade (CROISET 1899, p. 598). Lidando com uum veio tao rico de informagées, a atitude mais freqiente da parte dos estudiosos dae mais diferentes disciplinas relativas & Antigiiidade tem sido a de extrait dele dados isolados que interessam momentaneamente como ilustracio ou como justi- ficativa de certos pontos de vista. Certamente um dado’ assim arrancado de seu contecto guarda uma certa legitimidade referencial, mas a referencialidade nio cesgota o sentido ou of sentidos que ele possa ter. No caso especifico de Luciano, 1 correta interpretagio dos dados depende da consideragio da fonte enquanto texto literdrio ~ ¢ no documental, cartorial ~ texto literdrio que responde a uma cetta intencionalidade do autor, visando a responder a uma certa expectativa do Cad. Hit, Fil. Ci, Casmpinae, Sri 2,2(2)145:164,jul-der. 1990. 46 Jacyntho Lins Brandio piblicoleitor no contexto da rede de representasies da sociedade em que se inclui (GAUSS 1977; LIMA 1978). ‘Com base nisso, proponho retomar a questio dos doentes, da doensa, dos sédicos ¢ da medicina como abordada em diversos textos do corpus luciancum, tulo de contribuigéo para a histéria das doencas e da arte médica no mundo helenizado da época imperial e para e discussio sobre a possibilidade de uso de textos literérios como fonte para a histéria da ciéncia. O tema jé tem sido objet de eatudo, em vista do especial interesee que o autor parece demonstrar pela me- dicina em geral, embora o pioneito trabalho de Rollestone (1915) que apenas ao levantamento das passagens de interesse para a hi ‘ina em Luciano, ao intentando um ensaio de interpretagio mais abrangente, ¢0 de Crosby (1923) ndo avance nada nesse sentido. Gostaria de abordar os dados fomnecidos pelo corpus lucianeum néo apenas na categoria de informasées iso das de utilidade para a histéria da tekhne (réxvn) médica, mas da perspectiva do imaginstio relativo aos doentes, & doenga, aos médicos © & medicina, discer- indo: a) as relagbes entre doenga ¢ o sobrenatural; b) a conseqiiente fluider de fronteitas entre processoa de cura medicinais e magicos; c) a relagdo entre doenga ¢ clnase social; d) o eatatuto do médico no contexto da sociedade. A enumeracio de cada um desses aspects intenta néo a fragmentacio, mas justamente 0 reforso 4a conscigncia de que eles se relacionam uns com oa outros, isto é, de que cons tituem um corpo de dadoe legivel apenas no contexto da rede de representacies proprio corpus lucianeum. pois grandes parametros que de- vero estar sempre presentes como critério de leitura: primeiramente, 0 fato de a abra de Luciano ser marcada por intengéo claramente critica ou, dito com mais txatidio, pela intengio nela presente de provocarriso no letor, apresentando-Ihe Personagens e situagies rislveia ¢ridiculas (KORUS 1984); em segundo lugar, © fato de que casa critica no ne dtige apenas a determinadas instituigSes e crencas, mas vem a ser uma critica a todo corpo da cultura, em defesa de um ideal de rratécia (isto é, de educagio, de formagio) em que o conhecimento leva a de- terminadas priticas de vida que atestam, no que as realiza, justamente a posse dessa mesma xauseia (CASTER 1937; BANDINELLI 1976). ‘Como pensador da culture, Luciano nio separa a ciéncia em geral © a me- dicina em particular ~ da esfera maior de pensamento critico que Ihe interessa, ‘Uma visio adequada das doengas ¢ dos processos de cura depende da assimilagio "De qualquer modo, o lito interemado sempre poderk coneultar 0 primeiro com provito, 1 fim de ter aceato ao lenco praticamente extustive das relerncias aos médicon,enquanto individuos « clase, bem como A medicinn en geral, Incluindo tdpioo relative ke prack i dra Ae medicare mai Comune « 8 pects hii (reco acs, anes Cad. Hist. Fil Ci, Campinas, Sire 2, 2(2):145-164, jl-der 1900. Doentes, doenga, médicos ¢ medicina em Luciano de Samésata 147 corteta da maiSela grega, que ele considera como a ideal, por ser a nica capas de dar ao que a possui autonomia intelectual. Iseo implica nfo aceitar nada que nao ‘8 possa provar através de demonstragio convincente, em qualquer esfera da vidade humana, ¢ exige acurada capacidade de discernimento entre o observavel © 0 que nio pasea de fantasia. Iaso supe, na consciéncia critica, completa li dade, completa autonomia e completa franqueza no falar, conforme 0 preceito ‘que aplica ao historiador ideal, que pode ser ampliado, correspondendo assim a0 ideal de atividade intelectual posto em prética pelo préprio Luciano: ser ern modo, ineuborndvel, Livre, amigo da franqueca eda verdade \cangate noe livzes, som cidade, autSnamo, wom ray no we prescupando com © ‘Que rd eae ou muse, mas reatando 0 que te dea (Come se deve eterever © Titan) Belo preceito que, por wm Indo, poderia ser tomado como gerantia de que Luciano eria um informante into e confidvel sobre » stuasio da arte médica fm seu tempo, Entretanto, esee meamo preceto pode lew i frustracio das fexpectativar de quem busca no corpus Iuciancum informagies especificamente “Cientifcas”, como as que poderia encontrar na literature médicn stricto sensu Em primeiro lugar, porque Luciano nfo pretende fazer obra de é antes ecionista, Em segundo lugar porque, como Recon A realidade, aborda a questo da docnge e da cura de uma perspectiva exterior, como expectador ¢ nio como médico* Iso permite extahelecer um primeico parimetto:« arte médica interewa a Luciano enquanto parte integrante do corpo ‘da cultura, enquanto um dos dados constitativos d imaginéro que informa uma ddeterminada vio da doengs, dos doentes, dos médicon da medicina em relagio em tensio - com on demais foe que compéern a meama rede de repreentacses Dizer ume visio seria contudo incorrer em fasidade: na verdade, obra de Luciano regatra a existéncin de diferentes visdes, nem sempre acordes, sobre 0 que aja a doenga, 0 doente, a medicina eo médico, como alge erin de eaperar no imbito de uma cultura complexa, em que dados de diverens procedéncian Convivem e se rlacionarn em nivel do imaginirio (VEYNE 1987). £ portanto na tefera do imaginério, vital para qualquer historiograi, incleindo a das cignciaa, {que cumpresituar a contribugio do pensamento critic de Luciano para ahistria da medicina helenistica no periodo imperial. A imagem do “eapectador”, om oposigko A do “adepto", & utitimds por Beaupére para ‘aclarecers atitude de Luciano em face da Hloudiae oe procedimentos de critica por ele adotadoe (God LUCIANO 1967, p. 7). Pareceme que, com rlegbo harte médica a postura 6 mesma Cad, Hit, Fa Campinas, Sie 2, 2(2):145-164, jul-den. 1990 148 Jacyntho Lins Brando Um primeiro dado, o mais evidente, dis respeito a vido da doenca como pro

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