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deveres.

Conforme atendemos ou transgredimos Moral e ética


os padrões, os comportamentos são avaliados
como bons ou maus, seja do ponto de vista ético, Os conceitos de moral e étic� ainda que diferen­
estético, religioso etc. tes, são com frequência usados como sinônimos.
No entanto, podemos estabelecer algumas diferen­
ças entre eles, embora essas definições variem con­
PAR.A REFUn'IR farme o filósofo.
Faça uma lista de comportamentos que você consi­
dera bons e outros que são maus; de coisas belas ou
feias. Compare com a lista de um colega.
E
� ETIMOLOGIA
Moral. Do latim mos, moris, "costume", "maneira de
se comportar regulada pelo uso"; e mora/is, mora/e,
adjetivo referente ao que é "relativo aos costumes".
,Ética. Do grego ethos, "costume".

· Moral é o conjunto de regras que determinam


o comportamento dos indivíduos em um grupo
social. De modo simplificado, o sujeito moral é
aquele que age bem ou mal na medida em que
acata ou transgride as regras morais admitidas
em determinada época ou por um grupo de pes­
soas. Diz respeito à ação moral concreta, quando
nos perguntamos: O que devo fazer? Como devo
agir nessa situação? O que é certo? O que é con­
denável?, e assim por diante.
,.
· Etica é a reflexão sobre as noções e princípios
que fundamentam a vida moral. Essa reflexão
orienta-se nas mais diversas direções, depen­
dendo da concepção de ser humano tomada
como ponto de partida. Por exemplo, à per­
gunta ''O que é o bem e o ma]?", respondemos
diferentemente, caso o fundamento da moral
esteja na ordem cósmica, na vontade de Deus
ou em nenhuma ordem exterior à própria cons­
A atriz Leila Diniz escandaíizou a sociedade conservadora ciência humana.
em 1971 ao banhar-se no mar de Ipanema (no antigo
estado da Guanabara, atual município do Rio de Do ponto de vista da ética, podemos ainda per­
Janeiro) de biquíni, expondo sua gravidez de oito
meses numa época em que as mulheres usavam
guntar: Há uma hierarquia de valores a obedecer?
batas para esconder as formas durante a gestação. Se houver, o bem supremo é a felicidade? O pra­
zer? A utilidade? O dever? A justiça? Igualmente, é
Segundo a valoração, as pessoas podem: achar possível questionar: Os valores são essências? Têm
bonito ou feio o desenho que acabamos de fazer; conteúdo determinado, universal, válido em todos
criticar-nos por não termos cedido lugar a uma pes­ os tempos e lugares? Ou, ao contrário, são rela­
soa mais velha; considerar bom o preço que paga­ tivos: ''verdade aquém, erro além dos Pireneus",
mos por uma mercadoria; elogiar-nos por manter como criticava Pascal? Haveria possibilidade de
a palavra dada. Nós próprios nos alegramos ou nos superação das posições contraditórias do univer­
arrependemos de nossas ações. Isso quer dizer que salismo e do relativismo?
o resultado de nossos atos está sujeito à sanção
em intensidades variadas: a crítica de um amigo,
"aquele" olhar da mãe, a indignação ou até a coerção PARA SABER MAIS
física, quando alguém é preso por um crime. As resp0stas a essas e a outras questões nos darão
as diversas concepções éticas elaboradas pelos
Embora haja diversos tipos de valores, vamos filósofos, como veremos no capítulo 20, "Teorias
considerar neste capítulo apenas os valores éticos éticas''
ou morals.

Unidade 4 �l[ca
Caráter histórico e so
, cial � A liberdade do sujeito
da moral moral
A fim de garantir a sobrevivência, o ser humano A moral, ao mesmo tempo que é o conjunto de
age sobre a natureza transformando-a em cultura. regras de como deve ser o comportamento dos indi­
Para que a ação coletiva seja possível, são estabele­ víduos de um grupo, é também a livre e consciente
cidas regras que organizam as relações entre os indi­ aceitação das normas. Isso significa que o ato só é
víduos, por isso é impossível um povo sem qualquer propriamente moral se passar pelo crivo da acei­
conjunto de normas de conduta. Segundo o antropó­ tação pessoal da norma. A exterioridade da moral
logo francês Lévi-Strauss, a passagem do reino animal pressupõe portanto a necessidade da interioridade,
ao reino humano, ou seja, a passagem da natureza à da adesão mais íntima.
cultura, é produzida pela instauração da lei, por meio Mesmo admitindo o caráter histórico e social, a
da proibição do incesto. Assim se estabelecem as rela­ moral não se reduz à herança dos valores recebi­
ções de parentesco e de aliança sobre as quais é cons­ dos pela tradição, porque já a partir da adolescên­
truido o mundo humano, que é simbólico. cia o indivíduo desenvolve o pensamento abstrato
e a reflexão crítica e tende a se questionar sobre os
valores herdados.
� PARA SAB MAS
Incesto é a relação sexual entre parentes consanguí­
A ampliação do grau de consciência e de liber­
neos e afins, de acordo com o grau estipulado pelo dade, e portanto de responsabilidade pessoal no
o:j grupo ou pela lei. Sobre isso, consulte o capítulo 4, comportamento moral, introduz um elemento con­
11
"Natureza e cu ltu ra

,... traditório entre a norma vigente e a escolha pes­
!

1
.....
-8 Exterior e anterior ao indivíduo, há portanto a
soal. Se aceitarmos unicamente o caráter social
da moral, o ato moral reduz-se ao cumprimento da
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moral constituída, pela qual o comportamento é norma estabelecida, dos valores dados e não discu­
o
orientado por meio de normas. Em função da ade­ tidos. Nessa perspectiva, a educação moral visaria
:!1«I quação ou não à norma estabelecida, o ato será con­ apenas a inculcar nas pessoas o medo das sanções
siderado moral ou imoral. O comportamento moral pela não observância das normas.
!
o também varia de acordo com o tempo e o lugar, con­
forme as exigências das condições nas quais as pes­

,.... soas organizam-se ao estabelecerem as formas de Sanção. Consequência de um comportamento
1!

i
relacionamento e as práticas de trabalho. À medida que pode ser objeto de elogio ou reprimenda,
recompensa ou punição. Aplica-se no campo da
que essas relações se alteram, ocorrem lentas modifi­
11
moral e do direito: sanção moral e sanção jurídica.
cações nas normas de comportamento coletivo.

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Interior de harém.
z Cairo (Egito), século
XIX.Alguns povos
aceitam a poligamia,
(/)
enquanto outros são
monogâmicos; para
uns o casamento
é indissolúvel, e
outros permitem
1 o divórcio: essas
normas dependem
das religiões, dos
costumes e de
determinações legais.

Entre o bem e o mal Capitulo 17


Por outro lado, se aceitarmos como predomi­ Dessas características decorre a exigência da
nante a interrogação do indivíduo que põe em responsabilidade. Res onsável é a pessoa cons­
dúvida a regra, corremos o risco de destruir a moral: ciente e livre que assume a autoria do seu ato,
quando ela está focada exclusivamente nos interes­ reconhecendo-o como seu e respondendo pelas
ses pessoais, recai no individualismo, na " tirania da consequências dele.
intimidade" e, consequentemente, no amoralismo,
na ausência de princípios. Ora, o ser humano não
é um Robinson Crusoé na ilha deserta, mas "con­
vive" com pessoas, e qualquer ato seu compromete Compromisso. Do latim promittere, prometer.
Responsável. Do latim responsus, do verbo respon­
os que o cercam. dere, aquele que "responde por seus atos,,.
O aspecto social é considerado de dois pontos de
vista. Em primeiro lugar, significa apenas a herança
dos valores do grupo, mas, depois de passar pelo crivo A responsabilidade cria um dever. o comporta­
pessoal, a dimensão social readquire a perspectiva mento moral, por ser consciente, livre e responsável,
humana e madura que destaca a ênfase na intersubjeti­ é também obrigatório. Mas a natureza da obrigato­
vidade essencial da moral. Em outras palavras, quando riedade moral não está na exterioridad,e; é moral jus­
criamos valores, não o fazemos para nós mesmos, mas tamente porque o próprio sujeito impõe-se o cum­
como seres sociais que se relacionam com os outros. primento da norma. Pode parecer paradoxal, mas
Essa flexibilidade não deve ser interpretada a obediência à lei livremente escolhida não é coer­
como defesa do relativismo em que todas as formas ção: ao contrário, é liberdade. Como juiz interno,
de conduta são aceitas indistintamente. O professor a consciência moral avalia a situação, consulta as
José Arthur Gianotti assim se expressa: normas estabelecidas, interioriza-as como suas
ou não, toma decisões e julga seus próprios atos.
Os direitos do homem, tais como em geral têm
O compromisso humano é a obediênc-ia à decisão
sido enunciados a partir do século XVIII, estipulam
livremente assumida.
condições mínimas do exercício da moralidade. Por
No entanto, o compromisso não exclui a desobe­
certo, cada um não deixará de aferrar-se à sua moral; diência, o que determina justamente o caráter moral
deve, entretanto, aprender a conviver com outras, ou imoral do nosso ato: por sern1os realmente livres,
reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista. temos a possibilidade de transgredir a norma, mesmo
E com isto está obedecendo à sua própria moral de aquela que nós mesmos escolhemos respeitar.
uma maneira especialíssima, tomando os imperativos
categóricos dela como um momento particular do
Desejo e vontade
exercício humano de julgar moralmente. Desse
modo, a moral do bandido e a do ladrão tornam-se O que caracteriza fundamentalmente o agir
repreensíveis do ponto de vista da moralidade humano é a capacidade de antecipação ideal do
pública, pois violam o princípio da tolerância e resultado a ser alcançado. Por isso o ato moral é
atingem direitos humanos fundamentais. 3 um ato voluntário, ou seja, um ato de vontade que
decide realizar o fim proposto.
É importante não confundir desejo e vontade. O
� Dever e liberdade desejo não resulta de escolha, porque surge em nós
O ato moral provoca efeitos não só na pessoa que com toda a sua força e exigência de realização. Já a
age, mas naqueles que a cercam e na própria socie­ vontade consiste no poder de reflexão que antecede
dade como um todo. Portanto, para ser moral, um a realização ou não do desejo. Seguir o impulso do
ato deve ser livre, consciente, intencional, mas tam­ desejo sempre que ele se manifesta é a negação d.a
bém solidário. O ato moral supõe a solidariedade e a moral e da possibilidade de qualquer vida em socie­
reciprocidade com aqueles com os quais nos com- dade. Aliás, a educação da criança supõe aprender
prometemos. Esse co1 1 • rornisso não é superficial e a avaliar a adequação ou não de realizar o desejo, a
exterior, mas revela-se como uma "promessa'' pela fim de priorizar alguns, adiar outros e rechaçar os
qual nos vinculamos à comunidade. que lhe parecem inadequados.

J GIANOTTI, José Arthur. "Moralidade pública e moralidade privada". Em: NOVAES, Ada,uto (Org.).
Ética. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura, 1992. p. 245.

Unidade 4 Ética

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