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ARQUIVOS
DA ESCOLA DE BELAS ARTES

Novembro de 1999
Rio de Janeiro, RJ
ARQUIVOS
DA ESCOLA DE BELAS ARTES

Novembro de 1999
Rio de Janeiro, RJ
CUNHA, Almir Paredes (Org.).
Arquivos da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro,
EBA/UFRJ, 1999.

227 p.

1. Arte 2. Design
3. Academia 4. Brasil·

I. Titulo
11. Universidade Federal do Rio de Janeiro
ARQUIVOS da Escola de Belas Artes
EBA/CLA/UFRJ 1999
no 15

José Henrique Vilhena de Paiva


Reitor

Carlos Antonio Kalil Tannus


Decano do Centro de Letras e Artes

Victorino de Oliveira Neto


Diretor da Escola de Belas Artes
© 1999

CAPA,
PROJETO GRÁFICO e
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Laboratório de Design Industrial - LAB-01
Laboratório de Computação Gráfica - LCG
Carlos Terra

APOIO
Fundação Universitária José Bonifácio - FUJB

ORGANIZAÇÃO
Professor Almir Paredes Cunha

Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
Victorino de Oliveira Neto ........ ..... .. ........................... 7
ARQUIVOS da Escola de Belas Artes
Almir Paredes Cunha ....... ...................................... .... 9
Todo designer já foi decorador
Da arte decorativa à arte projetual
Marize Malta ... ..... .. .... .. .... .. ........................................... 31
Alfredo Galvão e o Ensino na EBA
Carlos Gonçalves Terra ............... .... .... .. ................ ... 51
O Museu da Escola de Belas Artes- D.João VI
Almir Paredes Cunha ............................. ..... ............. 65
A Escola de Belas Artes - uma história da arte
Angela Âncora da Luz ...... .... ....................... .... ......... 71
Antôn io de Pádua e Castro, um mestre na AIBA,
um toreuta na corte de Pedro 11
Cybele Vida I Neto Fernandes ....... ..... .. .... ..... ......... . 93
Gênese da gravura moderna na Escola Nacional
de Belas Artes
Maria Luisa Luz T avara ....... ... .... ....... ............... .. .... ........... . 111
A Questão da Ornamentação na
Arquitetura Eclética
Sonia Gomes Pereira .. ... ... ... .... ... .... ... ... ... ............. 139
O Laboratório de Computação Gráfica da
Escola de Belas Artes
lsis Fernandes Braga ...... .. ............ .. ..... ... .... ... ... .. ... 151
Futuro, uma palavra chave para o LCG
Luiz Antonio Fernandes Braga ........... .................. 171
Educação, Designe Competitividade
Paulo de Oliveira Reis Filho .................................. 177
Design ... na Escola de Belas Artes da UFRJ
Valdir Ferreira Soares ............................... ............. 195
Escola de Belas Artes
(Professores e Funcionários) ........................................... 217
Apresentação

A Direção da Escola de Belas Artes tem o prazer de


apresentar à comunidade o relançamento do ARQUIVOS
da Escola de Belas Artes, a memória da mais antiga
Instituição Superior de Ensino de Artes do país.
No momento em que a Escola de Belas Artes
completa 183 anos, o relançamento do ARQUIVOS reveste-
se de grande importância configurando-se no último
exemplar antes do ano 2000. Sempre objetivando o
co ntemporâneo e fugindo do lugar comum, apresentamos
um novo tratamento gráfico, em formato AS, que vem facilitar
a leitura e o eventual arquivamento.
A veiculação do ARQUIVOS é parte de um processo
que tem por objetivo a mostra e avaliação do trabalho
desenvolvido por professores e funcionários dos diversos
Departamentos e Laboratórios da Escola de Belas Artes,
trabalho este que, com grande entusiasmo, tentamos
preservar na memória da história de nossa Escola.
Gostaríamos de registrar nossos mais sinceros
agradecimentos ao Professor Almir Paredes Cunha, cuja
atuação sempre presente, objetiva e capaz, possibilitou a
organização desse exemplar.

Victorino de Oliveira Neto


Diretor da Escola de Belas Artes
-
ARQUIVOS da Escola de Belas Artes
Almir Paredes Cunha

A idéia da Direção, de reativar a publicação dos


ARQUIVOS da Escola de Belas Artes, neste ano de 1999
em que se comemoram os 183 anos de fundação da Escola,
é um f~to auspicioso para restabelecermos um vínculo oficial
da nossa Escola com a comunidade universitária.
Publicação criada em 1955, teve 14 edições anuais,
que se estenderam até o ano de 1968. Ela servia como
veículo de informações várias sobre as atividades
acadêmicas ou administrativas e, ainda , como recurso
destinado à divulgação de textos ligados às Artes Plásticas
e disciplinas correlatas , elaborados por professores da
Escola.
Iniciando-se como "ARQUIVOS da Escola Nacional
de Belas-Artes", quando a Escola ainda era uma unidade
da antiga Universidade do Brasil , passou a denominar-se,
em 1966, "ARQUIVOS da Escola de Belas-Artes", quando
a Universidade do Brasil passou a ser a Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Esse renascimento será feito de forma a adaptá-la
às novas características que uma publicação desse tipo
passou a ter, no espaço de tempo decorrido desde a sua
última edição, há 31 anos , até hoje.

9
Do ponto de vista gráfico ela deverá sofrer uma
atualização segundo os modelos atuais de publicações
congêneres.
Também a sua periodicidade deverá ser alterada, não
só para possibilitar uma maior flexibilidade , mas também
para contornar as dificuldades relativas à sua publicação
propriamente dita. Assim sendo , ela poderá ser editada cada
vez que o material necessário a um novo número estiver
disponível , o que poderá acontecer trimestralmente ,
semestralmente, anualmente , etc. Todavia , tentaremos
restabelecer, no mínimo, a sua edição anual para comemorar
os aniversários da Escola.
Tecidas essas considerações preliminares, achamos
necessário traçar um breve panorama histórico sobre a
importância e a vida dos ARQUIVOS para a história da
Escola de Belas Artes, uma vez que, segundo nossas
pesquisas, um grande número de membros da nossa
comunidade acadêmica desconhecem a sua existência, com
exceção daqueles que pesquisam a história do ensino
artístico no Brasil.
Em relação às atividades de caráter administrativos
e acadêmicos os anuários ou anais da Escola (podemos
tratá-lo assim, uma vez que sua periodicidade era anual) nos
informam sobre o seu corpo docente - todos os seus
professores, a cada ano , estão relacionados, com suas
respectivas categorias, inclusive com as alterações ocorridas
no decorrer do período compreendido entre uma edição e
outra- e sobre os principais fatos ocorridos durante o ano

10
letivo, tais como: posse de diretores e catedráticos,
formatura de novos alunos , todos com os respectivos
dicursos; aulas inaugurais; conferências e seus conteudos;
propostas de reforma do ensino; noticiário com ocorrências
diversas - comemorações de datas importantes para as
Artes Plásticas, atos da Direção da Escola e do Diretório
Acadêmico, etc.
Além dessas informações , os ARQUIVOS continham
textos escritos pelos professores da Escola que eram fontes
importantes para o estudo do nosso panorama artístico, uma
vez que eles eram atores que participavam do cenário da
criação plástica , além de pesquisadores da nossa história
da arte .
Pelo sucinto panorama histórico apresentado
achamos ter demonstrado claramente a importância que teve
a publicação dos ARQUIVOS para a nossa Escola. É esse
papel , desempenhado por ela nos 14 anos de sua edição ,
que desejamos retomar, possibilitando um maior
entrosamento entre os membros da comunidade acadêmica
da nossa Escola- docente e discente- além de abrir aos
professores um espaço para explanarem suas idéias e
mostrarem aos colegas e alunos , o seu trabalho. Essas
contribuições dos professores serão, no futuro , uma fonte
importante para os pesquisadores saberem como pensavam
e o que produziam os professores da Escola de Belas Artes
da UFRJ , como o são , na atualidade , as quatorze edições
iniciais .
A fim de complementar essa nossa apresentação dos

11
ARQUIVOS, nesse seu prometedor renascimento, fazemos
uma breve resenha do conteúdo dos 14 números publicados,
limitando-nos aos textos mais importantes:

ARQUIVOS da Escola Nacional de Belas Artes- Ano I I 1955


-O conhecimento e a representação da forma- Prof. Gerson
Pompeu Pinheiro.
Aula inaugural dos Cursos da Escola Nacional de
Belas Artes em 310311953.
-Plástica das expressões fisionômicas- Pro f. Augusto José
Marques Júnior
Aula inaugural dos Cursos da Escola Nacional de
Belas Artes em 0510311954.
-Antigos alunos da Academia Imperial das Belas Artes-
Prof. Alfredo Galvão.
-Teto da nave da igreja de S. Francisco de Assis de Ouro
Preto- Prof. ca·rlos Del Negro.
-O número de ouro- Prof. Carlos Del Negro.
-A pintura histórica no Brasil- Pro f. Quirino Campofiorito.
-As supostas "escolas" de restauração- Pro f. Edson Mota.

ARQUIVOS da Escola Nacional de Belas Artes- Ano li I


1956
-Nota sobre o 150° aniversário de Araujo Pôrto-Aiegre.
-Mecanismos e proporções da figura humana- Prof. João
Zeferino da Costa .
Apresentação do Prof. Alfredo Galvão para essa
reedição de um trabalho de 1917.

12
_Arte pre-colombiana- Pro f. Calmon Barreto.
_Comentário geral sôbre o retrato em vulto- Profa. Celita
Vaccani .
-A arte da paisagem- Prof. Henrique Cavalleiro.
Aula inaugural dos Cursos da Escola Nacional de
Belas Artes em 02/03/1956.
-Posse do Professor Mário Barata na Cátedra de História
da Arte.
Discursos dos Professores Quirino Campofiorito e
Mário Barata.
-Entrega do Título de Professor Emérito ao Professor Flexa
Ribeiro.
Discursos dos Professores Gerson Pompeu Pinheiro
e Flexa Ribeiro.

ARQUIVOS da Escola Nacional de Belas Artes- Ano 111 I


1957
-Centenário de Rodolpho Amoêdo.
Vários textos sobre o artista e professor da Escola.
- Rodolfo Bernardelli (Conferência)- Gelabert de Si mas.
- Das relações entre a criação artística e a sociedade ou
dos vínculos entre a sociologia e a História da Arte-
Prof. Mário Barata.
Aula inaugural dos Cursos da Escola Nacional de
Belas Artes, de 1957.
-A perspectiva linear cônica com três pontos de fuga. Sua
identificação com a axonometria central. Mudança do
sistema linear cônico e do mongeano para o

13
- -------~
-

axonométrico central- Prof. Roberto Muniz Gregory.


-O desenho- temas e a expressão- reflexões.
-Manoel de Araújo Porto-Alegre (Barão de Santo Angelo)
(Conferência)- Carlota Cardoso de Oliveira.
-Nota sobre as moldagens em gesso da E.N.B.A. da U.B.
- Prof. Alfredo Galvão.
- Posse, na Cadeira de Modelagem da Profa . Celita
Vaccani.
Discursos dos Professores Professor Armando
Sócretes Schnoor e Celita Vaccani.

ARQUIVOS da Escola Nacional de Belas Artes- Ano IV I


1958
-A Arte e a segunda Revolução Industrial- Prof. Mário
Barata.
-Ensaio de interpretação artística: Rodolpho Amoêdo- Prof.
Flexa Ribeiro.
-Alunos premiados da Academia Imperial das Belas Artes
- Prof. Alfredo Galvão.
-Posse do Professor Abelardo Zaluar na Segunda Cadeira
de Desenho Artístico.
Discursos dos Professores Mário Barata e Abelardo
Zaluar.
-Posse do Professor Gerson Pompeu Pinheiro na Diretoria
da Escola Nacional de Belas Artes da Universidade do
Brasil.
Discursos do Professores Jordão de Oliveira e
Gerson Pompeu Pinheiro .

14
_O desenho e a criança- Prof. Onofre Penteado Neto
-Alguns aspectos da arte das formas , no Brasil- Prof. Celita
Vaccani.
Aula inaugural do Cursos da Escola Nacional de
Belas Artes, em 04/03/1958.
-Primeiro centenário de Bel miro de Almeida.
-Bel miro de Almeida (Conferência)- Prof. Celso Kelly

ARQUIVOS da Escola Nacional de Belas Artes- Ano V I


1959
- Posse do Professor Leopoldo Campos na Cátedra de
Gravura de Medalhas e Pedras Preciosas .
Discursos dos Professores Lucas Mayerhofer e
Leopoldo Campos .
-Aluizio Azevedo, aluno da Academia Imperial de Belas
Artes- Prof. Mário Barata.
- Homenagem ao Prof. e Arquiteto Addlfo Morales de Los
Rios (pai).
Discursos dos Professores Paulo F. Santos , Gerson
Pompeu Pinheiro, Lucas Mayerhofer, Celso Suckow da
Fonseca , Morales de Los Rios Filho .
- "O que é, por que e como" - ciclo de palestras proferidas,
no ano letivo de 1958, pelos professores da Escola,
com resumos publicados, exceto os dos Professores
Édson Motta e Armando Sócrates Schnoor.
06 de maio: Desenho Artístico- Prof. Abelardo Zaluar.
20 de maio: Prof. Édson Motta.
1O de junho: Arte Decorativa - Pro f. Quirino

15
Campofiorito.
26 de junho: Pintura- Prof. Alfredo Galvão.
12 de agosto: 142° aniversário da Escola Nacional
de Belas Artes- Prof. Gerson Pompeu Pinheiro.
26 de agosto: Cerâmica- Profa. Hilda Goltz.
08 de setembro: Arquitetura Analítica- Prof. Lucas
Mayerhofer.
07 de outubro: Desenho Artístico- Prof. Carlos Del
Negro.
30 de outubro: Desenho de Modelo Vivo - Prof.
Jordão Eduardo de Oliveira Nunes.
04 de novembro: Pintura- Prof. Henrique Cavalleiro.
18 de novembro: Prof. Armando Sócrates Schnoor.
-Augusto Girardet, e a arte da Glíptica (Palestra)- Prof.
Leopoldo Campos.
-Abertura da aulas- Prof. Gerson Pompeu Pinheiro.
~~ Bases realísticas para a interpretação da figura humana
nas Artes Plásticas- Prof. Calmon Barreto.
Aula inaugural do Cursos da Escola Nacional de
Belas, de 1959.

ARQUIVOS da Escola Nacional de Belas Artes- Ano VI I


1960
-Alunos premiados da Escola Nacional de Belas Artes -
Prof. Alfredo Galvão.
-"O que é, por que e como"- continuação, em 1959, do
ciclo de palestras proferidas no ano letivo de 1958 pelos
professores da Escola, com os respectivos resumos,

16
incluindo o do Professor Armando Sócrates Schnoor, que
não foi publicado no ano anterior.
18 de novembro de 1958: Escultura- Prof. Armando
Sócretes Schnoor.
14 de abril: Decoração de Interiores- Prof. Almir de
Gouvêa Gadelha.
28 de abril : Modelagem- Profa. Celita Vaccani.
26 de maio: Anatomia e Fisiologia Artísticas- Prof.
Calmon Barreto.
09 de junho: Geometria Descritiva - Prof. Mario de
Faria Bello Júnior.
23 de junho: Arte da Publicidade e do Livro - Prof.
Waldomiro Gonçalves Christino.
29 de setembro: Indumentária Histórica - Profa.
Sophia Jobim Magno de Carvalho.
13 de outubro: Gravura de Medalhas e Pedras
Preciosas- Prof. Leopoldo Alves Campos
27 de outubro: História da Arte- Prof. Mário Barata.
- 143° Aniversário de fundação do ensino artístico.
- Discurso proferido pelo Prof. Alfredo Galvão na
comemoração de 12 de agosto de 1959.
-Raizes históricas da E.N.B.A. e problemática do ensino
artístico- Paulo de Barros Campos.
-Relato de uma viagem à Europa- Profa. Hilda Goltz.
- "Criação - Artesanato - Indústria" - Prof. Quirino
Campofiorito
- Reynaldo dos Santos e a História da Arte Portuguêsa -
Prof. Mário Barata.

17
-
- Discurso do Orador da Turma de 1959, aluno Ulisses
Bastos Freitas do Curso de Pintura.
- Abertura dos Cursos em 1960 - Prof. Gerson Pompeu
Pinheiro.
-"O velho Fausto e as Belas Artes"- Prof. Lucas Mayerhofer.
Aula inaugural dos Cursos da Escola Nacional de
Belas Artes, em 09/03/1960.
-Bicentenário de Joaquim Le Breton - Prof. Mário Barata.
- O Curso de Professorado de Desenho- Carlos Guanabara.

ARQUIVOS da Escola Naciona l de Belas Artes- Ano VIl I


1961
- Presença da Arte Decorativa- Prof. Quirino Campofiorito.
- Aula inaugural - Pro f. Leopoldo Campos.
Aula inaugural dos Cursos da Escola Nacional de
Belas Artes , em 04/03/1961.
- Efeméride- Prof. Gerson Pompeu Pinheiro.
Discurso proferido por ocasião do aniversário da
Escola em 12 de agosto de 1960.
- Os primeiros concursos para o magistério realizados na
Academia das Belas-Artes- Prof. Alfredo Galvão.
-Posse do Professor Calmon Barreto na Direção da Escola
Nacional de Belas Artes.
Discursos dos Professores Gerson Pompeu Pinheiro,
Jordão de Oliveira, Ca lmon Barreto e J. B. Paul a
Fonseca Júnior.
-Posse do Catedrático de Modêlo-vivo, Jordão de Oliveira.
Discursos dos Professores Calmon Barreto e Jordão

18
de Oliveira.

ARQUIVOS da Escola Nacional de Belas Artes- Ano VIII I


1962
_Formando de 1961- Prof. Calmon Barreto.
Discurso do Diretor na solenidade de colação de grau
dos formandos de 1961 .
-Discurso do Paraninfo- Prof. Lucas Mayerhofer.
Discurso na solenidade de colação de grau dos
formandos de 1961.
-Discurso da Oradora da Turma- Lia na Silveira.
Discurso na solenidade de colação de grau dos
formandos de 1961.
-Aula inaugural- Prof. Jordão de Oliveira.
Aula inaugural dos Cursos da Escola Nacional de
Belas Artes em 14/03/1962.
-A estátua eqüestre de O. Pedro 1- Prof. Alfredo Galvão.
-Arte paisagística
Proposta de criação de um curso com as respectivas
disciplinas e programas.
- Ressonância da Arte Decorativa no mundo atual - Prof.
Quirino Campofiorito.
-As cores- Prof. Carlos Del Negro.
- Alunos matriculados na Academia - Prof. Alfredo Galvão.
- Textos antigos sôbre H. Seelinger e H. Cavall eiro
(Contribuição ao estudo sôbre as origens da arte
moderna, no Rio de Janeiro) - Prof. Mário Barata.
- Rodolpho Chambelland (EsbÓço biográfico) - Pro f. Victor

19
de Miranda Ribeiro.
-Problemas atuais do estudante universitário- Prof. Quirino
Campofiorito.
-A vocação- Prof. Quirino Campofiorito.
- O Combate Naval de Riachuelo de Vitor Meireles - seu
desaparecimento e sua réplica - Prof. Donato Mello
Júnior.
-O que é a Arte?- Prof. Victor de Miranda Ribeiro.
-Livros novos- Prof. Alfredo Galvão.
Sobre o lançamento da "História Crítica da Arte" de
autoria do Prof. Flexa Ribeiro.

ARQUIVOS da Escola Nacional de Belas Artes- Ano IX I


1963
- Posse do Professor Mário de Faria Bello Júnior na Cátedra
de Geometria Descritiva .
Discursos dos Professores Gerson Pompeu Pinheiro
e Mário de Faria Bello Júnior.
-Variações em tôrno do ensino de Belas Artes- Pro f. Mário
de Faria Bello Júnior.
Aula inaugural dos Cursos da Escola Nacional de
Belas Artes, de 1963.
-Homenagens a mestres do ensino superior da Guanabara.
Discursos em cerimônias para homenagear os
Professores Roberto Muniz Gregory, Luiz Caetano de
Oliveira e Álvaro José Rodrigues.
-Artes Industriais e as tradições do ensino artístico no Brasil
- Prof. Quirino Campofiorito.

20
_ Bi-centenário de nascimento do pintor Manuel da Costa
Ataíde- Prof. Carlos Del Negro.
_ Projeto arquitetônico de Araujo Porto-Alegre para a
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro- Prof. Mário
Barata.
_ Comemoração dos centenários de Raul Pompéia e
Gonzaga Duque- Prof. Mário Barata.
_Notas de Arte- Prof. Victor de Miranda Ribeiro.
-Causas antigas - Prof. Alfredo Galvão.
-Lista numérica do material artístico constante da Coleção
Ferreira das Neves, na Escola Nacional de Belas Artes
- Prof. Victor de Miranda Ribeiro.
-Notas históricas- Prof. Alfredo Galvão.
-Alunos matriculados de 1833 a 1844- Prof. Alfredo Galvão.

ARQUIVOS da Escola Nacional de Belas Artes- Ano X I


1964
- Presença de alguns artistas germânicos no Brasil -
Guilherme Auler.
-Discurso proferido pelo Prof. Armando Sócrates Schnoor
no dia 12 de agosto de 1963.
- Atualização do ensino artístico. Juventude e história
brasileira- Prof. Quirino Campofiorito.
Aula inaugural dos Cursos da Escola Nacional de
Belas Artes, de 1964.
- Ensino e modernismo nas Belas-Artes - Prof. Gerson
Pompeu Pinheiro.
- Notas de Arte: a figura humana e sua representação na

21
Arte- Prof. Victor de Miranda Ribeiro.
- Notas de Arte: breves noções de história da anatomia
artística - Prof. Victor de Miranda Ribeiro.
- Catálogo das Exposições de Belas Artes - Prof. Alfredo
Galvão.
-Baixo relêvo (Teoria e histórico) - Prof. Leopoldo Alves
Campos.
- Pesquisa sôbre Arte- Ciência- Filosofia Gregas- Prof.
Onofre Penteado.
-Alunos matriculados na Academia - Prof. Alfredo Galvão.
-Força e paixão de Miguel Ângelo- Prof. Mário Barata .
- Relatório dos alunos premiados
Relatório apresentado pelos alunos Sebastião Souza
de Oliveira e Gilberto Diniz, sobre sua visita à VIl Bienal
de São Paulo. A visita foi um prêmio obtido pelos
referidos alunos.

ARQUIVOS da Escola Nacional de Belas Artes- Ano XI I


1965
-Posse do Pro f. Gerson Pompeu Pinheiro como Diretor da
E.N.B.A.
Discursos do Professores Alfredo Galvão e Gerson
Pompeu Pinheiro e do aluno Sinésio Casini, Presidente
do D.A.
-Dois discursos do Presidente do D.A., Sinésio Casini.
No 148° aniversário da Escola Nacional de Belas
Artes e na Formatura de 1964.
- A conceituação da pintura mural e o significado do seu

22
ensino nesta Escola e aspectos técnicos e formais da
pintura mural- Prof. Carlos Magano.
Resumos de duas palestras proferidas na Escola
Nacional de Belas Artes.
-Educação perfeita, inclusive pela Arte, o melhor preventivo,
e que deverá substituir a repressão- Prof. J. B. de Paula
Fonseca Júnior.
- Centenário de nascimento do pintor e professor Rafael
Frederico.
-Antônio Francisco Lisboa -escultor de ornatos- Prof.
Carlos Del Negro.
-Quarto Livro de Matrícula da Academia das Belas Artes:
1855-1865- Prof. Alfredo Galvão.
- Aleijadinho na História da Arte do Brasil - Prof. Pedro
Calmon.
- Homenagem ao Professor Alfredo Galvão por sua
nomeação para a Direção do Museu Nacional de Belas
Artes.
-Aspectos da vida e arte de Antônio Francisco Lisboa o
"Aleijadinho"- Profa. Celita Vaccani.
- Artes Plásticas e ensino artístico no Rio de Janeiro. Século
XIX - Prof. Quirino Campofiorito.
-Perfil inolvidável: Batista da Costa de corpo inteiro- Prof.
Fléxa Ribeiro.
- Notas de Arte: algumas considerações sobre o cavalo-
Prof. Victor de Miranda Ribeiro.
- Notas de Arte: alguns pontos de anatomia comparada-
Pro f. Victor de Miranda Ribeiro.

23
- Próximo 150° aniversário da criação da Escola Nacional
de Belas Artes- Prof. Mário Barata.

ARQUIVOS da Escola de Belas Artes- Ano XII I 1966


-A Escola de Belas Artes e a cultura nacional- Prof. Gerson
Pompeu Pinheiro.
-Chafarizes de Montigny- Pro f. Alfredo Galvão.
-Raizes e aspectos da história do ensino artístico no Brasil
- Prof. Mário Barata.
-Dante e as Artes Plásticas - Prof. Jordão de Oliveira.
- Le Corbusier- Novas formas- os Anos Loucos de 191 O
a 1930- Prof. Quirino Campofiorito.
-Vida na arte contemporânea- Prof. Abelardo Zaluar.
Aula inaugural dos Cursos da Escola de Belas Artes,
de 1966.
-Eduardo de Sá- Prof. Victor de Miranda Ribeiro.
-Mestre Jordão de Oliveira- Prof. Quirino Campofiorito.
- Desproporções da figura humana na Arte - Prof. F.
Pacheco da Rocha .
-A pintura mural e as tendências da arte contemporânea-
Prof. Carlos de Aguiar Magano.
-Notas de Arte: atitudes do corpo humano- Regras gerais
de equilíbrio. Estação vertical. Apoio simétrico. Apoio
unilateral. Eixos do corpo humano. - Prof. Victor de
Miranda Ribeiro.
- Notas de Arte: aparelho da visão - luzes e cores- Prof.
Victor de Miranda Ribeiro.
- Notas de Arte: expressões do corpo humano. Mímica.

24
Esquema de Superville- Prof. Victor de Miranda Ribeiro.
- O ensino de Geometria Descritiva para os cursos de
Pintura, Gravura, Escultura, Arte Decorativa e Artes
Gráficas da Escola de Belas Artes da U.F.R.J.- Profa .
Léa Santos de Bustamante.
-Discurso de Paraninfo- Prof. Jordão de Oliveira.
Pronunciado na formatura dos alunos da turma de
1964.
- Oração de Paraninfo- Prof. Lucas Mayerhofer.
Pronunciada na formatura dos alunos da turma de
1965.
- Saudação ao Prof. Humberto Rohden - Prof. Gerson
Pompeu Pinheiro.
- Exposição Geral de Belas Artes do IV Centenário- Prof.
Gerson Pompeu Pinheiro.
Discurso proferido na inauguração da exposição em
4 de novembro de 1965.
- IX Mostra de Modelagem- Prof. Gerson Pompeu Pinheiro.
Palavras proferidas na inauguração.
- Adeus ao Prof. Álvaro Rodrigues- Prof. Gerson Pompeu
Pinheiro.
Discurso no seu sepultamento.
- Homenagem ao Prof. Álvaro Rodrigues- Prof. Mário de
Faria Bello Júnior.
-A responsabilidade social do artista - Sonia Tomzhinski.
Oração da aluna, na formatura dos alunos da turma
de 1965.

25
ARQUIVOS da Escola de Belas Artes- Ano XIII I 1967
-A finalidade da Arte- Prof. Victo r de Miranda Ribeiro.
Aula inaugural do Cursos da Escola de belas Artes,
em 03/03/1967.
- Museu e restauração de obras de arte - Prof. Alfredo
Galvão.
-Julgamento da Exposição Geral de Belas-Artes de 1870
- Prof. Alfredo Galvão.
-Notícias sobre Marques Júnior- Prof. F. Pacheco da Rocha.
-Notas técnicas sobre pintura- Prof. F. Pacheco da Rocha.
- Lebreton, Técnico de Museus - Elza Ramos Peixoto.
- Piero Della Francesca- Prof. Carlos Magano.
-Posse do Professor Victor de Miranda Ribeiro na Cátedra
de Anatomia Artística.
Discursos dos Professores Alfredo Galvão e Victor
de Miranda Ribeiro.
- Posse do Professor Onofre dé Arruda Penteado Neto na
Cátedra de Desenho Artístico.
Discursos dos Professores Lucas Mayerhofer e
Onofre de Arruda Penteado Neto.
-Entrega do Título de Professor Emérito ao Professor Carlos
Del Negro.
Discursos dos Professores Lucas Mayerhofer e
Carlos del Negro.
- Entrega do Título de Professor Emérito ao Professor
Henrique Campos Cavalleiro.
Discursos dos Professores Quirino Campofiorito e
Henrique Campos Cavalleiro.

26
-Posse na Academia Brasileira de Arte do Professor Lucas
Mayerhofer.
Discurso dos Professores Gerson Pompeu Pinheiro
e Lucas Mayerhofer.
- Sesquicentenário do ensino artístico no Brasil - 150°
aniversário da Escola de Belas Artes- comemorações.

ARQUIVOS da Escola de Belas Artes- Ano XIV I 1968


- O ensino da pintura em face das novas manifestações
artísticas- Prof. Francisco Pacheco da Rocha.
Aula inaugural dos Cursos da Escola de Belas Artes,
em 06/03/1968.
-Um escultor fluminense- Pro f. Carlos De I Negro.
Texto sobre José Octávio Corrêa Lima.
- Compulsando velhos documentos- Prof. Alfredo Galvão.
-A estátua eqüestre de D. Pedro 1- Prof. Alfredo Galvão.
- Bicentenário de Debret- Prof. Mário Barata.
- Como medir facilmente o ângulo da bacia humana- Pro f.
Victor de Miranda Ribeiro.
- Jean-Baptiste Debret - Profa. Celita Vaccani.
-Expressões da arte brasileira: Antônio Francisco Lisboa
(séc. XVIII); José Ferraz de Almeida Júnior (séc. XIX);
Cândido Porttnari (Séc. XX) - Prof. Gerson Pompeu
Pinheiro.
- A Escola hoje- Pro f. Qui ri no Campofiorito.
- Posse de Diretor
Discurso dos Professores Alfredo Galvão e Gerson
Pompeu Pinheiro.

27
....
-Um quarto de século no magistério de Belas-Artes- Prof.
Gerson Pompeu Pinheiro.
- Discurso de formatura- Lenita Magalhães de Melo.
Oradora da turma de 1967.
- Reforma do Ensino Artístico - Prof. Gerson Pompeu
Pinheiro.
Reforma da Escola de Belas Artes da U.F.R.J.
proposta em 1968.
- Plano de reforma e atualização do ensino artístico da
Escola de Belas Artes da U.F.R.J. para Escola de Artes
Plásticas da U.F.R.J.- Prof. Abelardo Zaluar.
- Uma proposta de estrutura curricular para o Curso de
Professorado de Desenho da E.B.A. - Prof. Virgílio
Athayde Pinheiro.
- Reforma do ensino de Artes Plásticas na Universidade
Federal do Rio de Janeiro- Prof. F. Pacheco da Rocha.
- Reforma do Curso de Professorado de Desenho - Prof.
Sady Casemiro dos Santos.
- Proposta dos Grupos de Trabalho.
Curso de Pintura.
Curso de Escultura.
Curso de Arte Decorativa.
Curso de Desenho e Artes Gráficas.

O panorama acima , mostra a diversidade e a


importância dos assuntos tratados, para a história da Escola
de Belas Artes, no decorrer dos treze anos em que os
ARQUIVOS foram editados. Esperamos que a presente

28
edição, a de número XV, seja o reinício de uma carreira que
se prolongue de maneira ininterrupta por muitos anos.

O Autor
Almir Paredes Cunha
Diretor da Escola de Belas Artes da UFRJ -1976-1980.
Doutor e Livre Docente em História da Arte pela EBA/UFRJ.
Professor Adjunto aposentado da EBA/UFRJ.

29
Todo designer já foi decorador
Da arte decorativa à arte projetual
Marize Malta

Até hoje, decorridos mais de 180 anos de


transformações por que passou o ensino das artes no Brasil,
é comum vincular a imagem de uma instituição de artes
quase que exclusivamente ao ensino, à produção e à
pesquisa de artes visuais. As chamadas artes projetuais 1
ou, utilizando uma tendência recente no meio acadêmico
brasileiro , atividades de design , dificilmente são
mencionadas em primeira instância, quando o tema é Escola
de Belas Artes.
Comparando a área de artes visuais com a área
projetual, constata-se que o número de carreiras profissionais
oferecidas na projetual, hoje na EBA, é mais elevado, além
de congregar, essa área, um contingente superior de alunos2 .
Também foi a que mais cresceu e ocupou espaços na escola,
nos últimos 60 anos. Sendo assim, seria, pelo menos
numericamente, mais representativa mas percebe-se que
a força da tradição acadêmica persiste. O próprio do nome
"belas-artes" impede que as outras artes, excluídas da
classificação de belas , possam ser reconhecidas ,
impossibilitando a correspondência direta da área utilitária,
o design, com a Escola.

31
A introdução das artes utilitárias na Academia não
ocorreu de imediato, nem facilmente. Foi um percurso
repleto de obstáculos que retardou sua "intromissão" em
mais de cem anos. Sendo implementada timidamente,
começou como uma disciplina intitulada Arte Decorativa.
Foi assim que, congregando diversos segmentos das artes
aplicadas, o ensino da arte decorativa atrelou a ação de
decorar ao ato de criar utilidades com arte.
Portanto, em tempos atrás, não haveria dúvida do vínculo
da atividade de decorar a uma escola de artes. Essa
atividade não seria outra coisa senão o que se transformou
em planejamento/design. Por outro lado, justapor projetar e
decorar, hoje, pareceria forçar uma relação inexistente.
Nenhum designer admite fazer decoração, muito menos ser
denominado decorador, palavra, que há menos de 40 anos,
era o título, academicamente adotado, para aqueles que
lidavam com arte decorativa.
O certo é que a área projetual distanciou-se daquilo que
a originou, transformando-se e atualizando-se a ponto de
anular sua filiação , fazendo com que desaparecesse
qualquer elo com o passado. Os termos decorador,
decorativo, decoração, empregados na antiga Escola,
perderam sentido na Escola atual. Mas afinal, qual o sentido
do termo decorar? Qual o percurso da Arte Decorativa na
Academia?
Para responder a tais perguntas, pelo menos em um
primeiro momento, debruçou-se, principalmente, sobre a
leitura dos vários números da revista Arquivos da Escola

32
Nacional de Belas Artes. Nelas foram encontrados artigos
e discursos sobre o tema, dos quai.s o autor mais significativo
foi Quirino Campofiorito, principal porta-voz em defesa das
artes decorativas.

Da decoração ao design - o percurso dos


significados

Quando as artes utilitárias foram introduzidas na Escola


Nacional de Belas Artes, foram tomadas como ameaça ao
status quo da formação artística . As Belas-Artes deveriam
se manter soberanas. A criação de um objeto útil só teria
lugar nesse território enquanto a beleza fosse a condição
sine qua non . Mas a beleza "restringida" à utilidade não se
comparava à pura beleza da arte visual , deveria haver um
código diferenciador. A palavra-chave eleita foi decoração
e o belo na atividade útil seria reconhecido pelo nome de
uma arte particular- arte decorativa. Ela, mais do que as
outras denominações sinônimas, melhor traduzia a condição
de embelezamento.
Eleger um termo distinto de arte decorativa implicaria
assumir outras posturas. No caso de se adotar arte aplicada,
deveria se admitir uma arte empregada na criação de
objetos, mas que permanecia subserviente à função desses
objetos; na Escola, porém, a arte deveria ser soberana,
superior. Arte industrial remeteria mais à produção, execução
de objetos, enquanto se pretendia sublinhar a criação
artística, no sentido subjetivo. Artes utilitárias estabeleceriam
oficialmente um caráter de utilidade para a arte, defrontando-

33
se com os preceitos da Estética.
Decorar estava mais vinculada a um ato de imaginar,
adequar e desenhar do que propriamente executar,
distanciando assim a atividade do artesanato e do ofício e
aproximando-a da atividade artística. Os alunos deveriam
ser mais imaginadores de uma arte decorativa do que
executores, transferindo para os liceus o aprendizado do
fazer. As disciplinas que compunham o curso, no seu formato
inicial, demonstravam a linha didática mais teórica do que
prática: Desenho (vários tipos), Modelagem Decorativa,
Composição Decorativa , História das Artes Industriais,
Decoração de Interior, História e Evolução dos Estilos,
Estudo de Motivos Brasileiros, Ciência da Pintura 3 .
A base da Arte Decorativa estava na compreensão
exata do sentimento decorativo, o aluno deveria dominar a
composição decorativa para aplicá-la em qualquer meio,
material, função. A metodologià do projeto, base da atividade
do arte-projetista, construía-se pela composição decorativa.
O tenno decorativo estava intimamente ligado à composição.
Qualquer trabalho decorativo tinha como fundamento a
composição. Contudo, tal característica não era exclusiva
da decoração. O ato de compor ligava-se à forma e
significava organizar, assegurando a plena autonomia vital
da obra , e era visto como domínio da pura criação, segundo
pensamento de Gerson Pompeu Pinheiro, externado em
uma Aula de Sapiência, inaugural, em 1° de março de 19604 ,
quando dissertou somente sobre pintura.
Mas afinal o que era decorar? No Dicionário Aurélio,

34
decorar é guarnecer com, embelezar, tendo como sinônimos
realçar, ornar, adornar. Decor~ção, no Dicionário Ilustrado
5
de Belas-Artes , é o conjunto de ornamentos de uma peça
ou obra artística. Nesse sentido, decoração era uma atitude
que emprestava beleza a algo que não a possuía. Tal
embelezamento, em tempos idos, atingia-se pelo uso de
ornamentos, portanto assumindo o sentido ornamental.
A função decorativa inter-relacionava embelezamento,
ornamentação e estilização. O fator artístico era aposto ao
objeto utilitário, não tendo um fim em si mesmo. A
composição decorativa fundamentava o sentido criativo
trabalhando com as adaptações de estilo. No início não se
imaginava criar um formato destituído de estilização,
igualando a nomenclatura do estilista à do decorador.
Todos aqueles que trabalhavam com arte decorativa
recebiam, pelo menos no âmbito acadêmico, a designação
de decoradores. Nesta crítica ao Curso, feita por Schnnor,
podemos ver o emprego e o sentido do termo:

O Curso de Arte Decorativa da ENBA existe somente no


nome, praticamente ele é completamente falho. O aluno é
informado, porém não formado. Não aprende técnica alguma
que o possibilite ganhar a vida como decorador, não
conseguirá emprego em nenhuma fábrica ou oficina
particular, por que? porque a Escola não está aparelhada
para dar ao aluno o conhecimento necessário para a
6
profissão .

Pelo texto também verifica-se a formação destituída da


prática que imperava na formação do decorador. O

35
conhecimento técnico era falho na medida que inexistiam
oficinas aparelhadas com as máquinas utilizadas no
mercado, estabelecendo uma defasagem entre o que se
imaginava e o que se podia efetivamente realizar.
Contudo, o sentido da palavra decoração transformou-
se e obteve várias conotações conforme o campo em que
se inseriu: "Sobre a criação decorativa há muita
incompreensão atualmente e estranha confusão sobre o
assunto fazem ainda artistas (sobretudo arquitetos), sobre
a atualidade da decoração"7 , disse Campofiorito nos idos
de 1966.
Provavelmente na década de 60, a Escola empregava
uma qualificação de decorativo que fazia sentido somente
para alguns, estando até desatualizada, desprestigiando as
profissões encerradas sob a marca do decorativo. Nessa
época, com a influência do pensamento da Bauhaus, a
decoração já adquirira outro sentido- a do design. Contudo,
o novo significado não conseg uiu anular o antigo, deixando
a decoração com um sentido pejorativo:

O desprestígio da decoração tem vindo da impropriedade


de sua aplicação, e de certas preocupações de estilizações
que já não encontram razão de ser junto às novas formas
de construção arquitetônica e da fabricação dos objetos
8
usuais nos estandardes da indústria •

O vínculo do termo decoração com embelezamento


se sustentava enquanto a ideologia acadêmica estava
fundada na busca da beleza. Decorar significava pensar na

36
utilidade mas com o objetivo da beleza. À medida que uma
nov a Escola foi se adaptando aos novos tempos e
assumindo também a arte como um dos fundamentos da
criação de objetos do cotidiano, a ação de embelezar foi
desaparecendo dos discursos. Agradabilidade, insinuação
artística, expressão estética foram surgindo para explicitar
a parte artística que caberia em todos os campos da
utilidade. A esse respeito, Quirino Campofiorito insistia no
emprego do termo decoração e na propriedade da natureza
decorativa:

É o fenômeno da criação artística, e no caso especial , a


criação decorativa, porquanto a expressão a ser atingida
na configuração do objeto é de natureza decorativa dado
que a presença desse objeto no ambiente que lhe está
destinado, não pode escapar à agradabilidade que o
9
conjunto de objetos deve garantir .

Na verdade, o termo decoração não mais se ajustava à


atualidade, pois carregava consigo o peso de uma outra
época, de uma outra tradição- as belas-artes.
O que era decoração passava a ser uma profissão de
planejamento criativo, de enfoque interdisciplinar, em que o
conhecimento científico e o tecnológico se tornavam
parceiros da criação artística. Os estilos transformaram-se
em embasamento cultural, referência histórica. A beleza
não mais se respaldava em cânones clássicos, mas no valor
estético da cultura para a qual o serviço era proposto. A
imagem do objeto não mais se configurava em vestimentas

37
ornamentais, mas surgia junto à solução de seu formato. Os
valores expressivos e funcionais se transformavam.
Em virtude das novas posturas, decoração passou a
ser identificada apenas por uma atividade amadora que
embelezava os ambientes. As antigas profissões da
decoração adotaram outras identificações: desenho, projeto,
comunicação, composição, planejamento, mas que nunca
foram tão eficazes na significação quanto a palavra de origem
inglesa design .
A adoção da palavra design, tendência hodierna,
retoma a idéia de conjunto que a arte decorativa detinha,
permitindo abarcar novamente várias profissões e recuperar
a força de outrora, que foi capaz de começar como uma
cátedra, quase insignificante, e se transformar em diversos
cursos de graduação. A história foi longa e de caminho difícil,
mas marcou a obstinação das artes utilitárias na Escola de
Belas Artes.

Da decoração ao design - o percurso das artes


utilitárias na EBA

Retomando o surgimento da Academia, o projeto de


Le Breton 10 objetivava reunir o ensino das Belas Artes ao
dos ofícios, influenciando o decreto que a criou em 12 de
agosto de 1816, como Escola Real das Ciências, Artes e
Ofícios. Nunca tendo levado a feito todas as atividades que
propunha abarcar seu título, em 1820, passou a denominar-
se Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura e
Arquitetura Civil, não deixando nenhuma dúvida sobre o que

38
-----
e como pretendia ensinar.
Críticas não faltaram quanto à incongruência de se
estabelecer uma Academia em terras tão inócuas, enquanto
urgia habilitar, e por vezes aprimorar, mão-de-obra
qualificada , isto é, de artífices a mestres de ofícios
mecânicos. Observa-se que o projeto de Le Breton - de
unir arte e ofício- não foi alcançado à época. Não se cogitava
a junção de dois opostos, defendia-se uma área- as belas-
artes ou a outra- os ofícios, sem cogitar a inter-relação das
duas.
A imagem da Academ ia ficou atrelada ao
conservadorismo, reticente a mudanças no ensino 11 que
introduzissem inovações. Somente em 1855 promoveu-se
a primeira reforma. Com ela foi oferecido o curso de Arte
Industrial, onde o aluno aprendia a desenhar e a executar
através da cadeira de Desenho lndustria!1 2 , ressaltando que
se tratava de desenho e escultura de ornato - muito mais
decorativo do que industrial.
Ao consultar os livros de registros , observou-se uma
quantidade bem maior de alunos nos cursos de arte industrial
do que nos tradicionais cursos matutinos para artistas,
provando que a demanda de mercado para os primeiros
era superior. Tal fato não foi suficiente para que a área
utilitária permanecesse na Academia. O descompasso entre
acadêmicos e as artes industriais não tardaria a um
desfecho. Em 1890, Rodolfo Bernardelli e Rodolfo Amoêdo
extinguiram as aulas de desenho e escultura destinadas às
indústrias. Incrivelmente, o motivo alegado foi de que Nada

39
haviam produzido ... 13 , segundo interpretação de Alfredo
Galvão.
A área das artes utilitárias, pouco prestigiada e pouco
compreendida, revelou-se a ovelha negra da família artística:
pequena e franzina, abusada e rebelde, não tardaria a voltar.
Instalou-se de forma acanhada, como uma disciplina mas
foi crescendo e mostrando sua potencialidade na então
denominada Escola Nacional de Belas-Artes. Em 1931 foi
criada a cadeira intitulada Artes Aplicadas- Tecnologia-
Composição Decorativa, tendo sua denominação alterada
em 1933 para Arte Decorativa 14 .
A cadeira abrangia o ensino das artes utilitárias e incluía
nela diversas áreas de conhecimento, que foram se
completando ao passar dos anos: vitral, tapeçaria,
cenografia, artes gráficas, indumentária , mobiliário ,
decoração de interiores, vidro, mosaico, pintura e escultura
murais. Não se pensava ainda no profissional especializado,
mas em um projetista da arte, generalista. Os próprios
professores também eram multifuncionais, não havendo
ainda a exigência de conhecimento verticalizado.
Observando a carreira de alguns professores, pode-se
verificar que começavam como contratados em uma
disciplina , passavam a assistentes em outra área de
conhecimento e chegavam a catedráticos em área
completamente diferente.
À medida que as disciplinas do curso de Arte
Decorativa foram se expandindo para acompanhar as
inovações tecnológicas, o número de professores foi

40
crescendo no sentido de melhor administrar,
pedagogicamente, o conhecimento de cada área. Cada
disciplina ampliava seu programa, conforme empenho do
professor responsável, somada à crescente demanda dos
alunos. De disciplinas, muitos dos cursos transformaram-
se em especializações, cursos para pós-graduados.
Em fins dos anos 50, no mandato do diretor Gerson
Pompeu Pinheiro, requisitaram-se palestras, em que cada
professor dissertaria sobre a disciplina que lecionava,
respondendo a três perguntas básicas: o que é? (a
disciplina), por que? (é lecionada na Escola) e como? (é
ministrada). Tal iniciativa, acolhida com entusiasmo pelos
professores e alunos, serviu para que o corpo docente
percebesse a escola como um todo e construísse a imagem
real do que representava, naquele momento, o ensino
artístico. A área das artes decorativas se fez notar e mostrou
o espaço que ocupava na Escola.
Quirino Campofiorito concluiu a questão em uma aula
inaugural, no ano letivo de 1964, direcionando a mensagem
mais aos professores do que ao corpo discente:

O artista moderno deve voltar -se para a produção industrial.


Nesta direção vai o seu grande compromisso profissional.
O ensino artístico a esta altura do século não mais pode
fugir a tal contingência 15 .

Na década de 60 sistematizou-se a defesa em prol das


profissões encerradas sob o título de artes decorativas.
Defendia-se a adesão do artista moderno às artes projetuais

41
e a transformação de uma atividade vista como amadora-
a arte aplicada- em profissão. O próprio termo decorativo
já não se compatibilizava com a atual contingência, como
pode-se perceber no discurso de Quirino Campofiorito:

Já é tempo de ser e conhecer que não se deve formar


pintores, escultores, ou decoradores, e sim profissionais
com um tal preparo, que possam por suas condições inatas
vir a fazer também pintura, escultura ou decoração. Talvez
não tenhamos sido entendidos. Queremos dizer que estas
denominações que nas Academias de belas Artes
prosseguem entendidas como atividades artísticas
enclausuradas entre os muros de uma especialização que
chegou a ser considerada uma arte em si , quando, num
critério mais exato, devem tornar à liberdade de constituírem
a pintura e a escultura , técnicas apenas; e a decoração,
denominação hoje esdrúxula, e trazendo sentido apenas
como têrmo acadêmico, um terreno amplíssimo de
trabalhos artísticos que constituem especializações às
quais competem estudos técniGos rigorosos e exatos 16 .

Inúmeros professores demonstravam seu apoio à


expansão do curso para formar arte-planejadores, iniciando
uma mudança de ótica que permitiu a construção de uma
nova escola de artes, assumindo enfim sua vocação original:

Hoje somos obrigados a encarar no terreno da educação


artística questões que transcendem o domínio das
chamadas "belas artes". Mas que alcançam o âmbito da
atividade das artes industriais, onde não cabe mais a
distinção entre arte pura ou aplicada: ingressamos assim
no domínio da produção de um "objeto de utilidade", no
terreno da formação profissional e dos problemas de

42
demanda ou do mercado de trabalho artístico 17 .

Mesmo em defesa das artes projetuais, alguns


professores-artistas deixavam transparecer o preconceito:
Nas artes industriais, chamadas "artes menores". (. ..) O
mobiliário, pequenos ex-votos (. ..) etc., constituem o que
chamamos "produção menor18 • Outros assumiam sua
importância, mas desejavam que o curso se expandisse em
outra instância, distanciando-se do terreno imaculado das
belas-artes: O Curso de Arte Decorativa é hoje dos mais
importantes da Escola e eu prevejo o dia próximo em que
será substituído por uma Escola Nacional de Artes
Decorativas e lndustriais 19 .
Diante da "ameaça" das artes industriais instalarem-
se definitivamente na Escola, temia-se até que o ensino das
artes plásticas - as belas artes - acabassem para fazer
surgir uma outra escola:

Hoje volta-se a falar de Arte Industrial na velha Instituição.


( ... )Não acredito na vantagem da transformação da Escola
de Belas-Artes num Instituto de Arte Industrial. Outros
estabelecimentos poderão ser abertos para êsse fim,
atraindo vocações específicas. As chamadas Belas Artes,
a Poesia e a Música não desaparecerão dentre as
cogitações humanas20 •

Nos discursos, recupera-se a arte industrial como nos


primórdios da Academia, mas ainda amalgamada com a
arte decorativa, não se fazendo distinções entre os objetivos
e características de cada área profissional. Tudo era arte

43
decorativa, como tudo podia ser denominado arte industrial,
desde que se estivesse conclamando uma atividade artística
de utilidade. Não importava o título, pois em todas as áreas
profissionais dominava o sentimento decorativo.
A prática decorativa ainda guardava resquícios de
métodos antigos em plena década de 60, não tendo se
libertado completamente das aplicações estilísticas.
Campofiorito constantemente alertava para a necessidade
da modernização do trabalho de criação decorativa,
ajustando-o às necessidades da atualidade e aos
chamamentos da produção industria/ 21 . Conclamava-se
um sentimento plástico moderno, com repetidas referências
à experiência da Bauhaus que, nas palavras de Campofiorito,
dava diretrizes de absoluta importância para as artes
decorativas 22 . Quando a reforma do ensino começou a ser
discutida na Escola, e a cátedra de Arte Decorativa
preparava-se para sua maioridade, foi o método
pedagógico da Bauhaus o principal norteador para a
confecção dos currículos dos vários cursos.
Somente na década de 70 os cursos passaram de
especializações para graduações e finalmente ganharam sua
alforria, sendo desmembrados e recriados por iniciativa da
Congregação da Escola de Belas Artes. Entre 77 e 79,
durante a gestão do diretor Almir Paredes Cunha, os cursos
ganharam, finalmente, sua certidão de nascimento, sendo
reconhecidos pelo Ministério da Educação. Estavam as
artes utilitárias, após 150 anos de espera, merecidamente
oficializadas na Escola de Belas Artes.

44
Todas as áreas projetuais se desvencilharam do
passado, deixando para trás a consangüinidade com a arte
decorativa. Mas foi como Arte Decorativa que todas essas
formações profissionais se estabeleceram na EBA. Mesmo
que depois, alguns cursos se vinculassem a outras
denominações, foram do sentido decorativo que partiram.
Portanto, todo planejador/designer, na EBA de hoje, foi
decorador na EBA de ontem.
A partir do reconhecimento oficial, cada curso trilhou
um caminho próprio, distanciando-se da idéia de grupo, no
sentido de afirmar sua individualidade. Cada um foi
adotando um título sem se preocupar com uma unidade de
nomenclatura. Cenografia e Indumentária uniram-se nas
Artes Cênicas; Interiores e Paisagismo adotaram o termo
Composição; Projeto de Produto e Comunicação Visual
assumiram-se como Desenho Industrial. Isoladas, perderam
a força e não tiveram suporte para impor sua idiossincrasia.
Não conseguiram afastar o "Belas" das Artes do título da
Escola, de modo a encontrarem um nome que as acolhesse
e possibilitasse torná-las representativas . Também não
conseguiram se fazer notar apesar do "Belas".
lncialmente, os cursos ainda possuiam semelhanças,
pelo menos no ciclo básico. Nos dois primeiros anos, as
disciplinas de fundamento - de conhecimento teórico e de
técnicas de representação - eram comuns à maioria dos
cursos, com pequenas variações. Nesse momento havia
uma convergência de esforços, de interesses e de troca de
experiências. As artes projetuais eram um só conjunto. Mas

45
à medida que os cursos procuravam ajustar seus currícu los
e especificar suas disciplinas, foram se tornando subgrupos,
quase isolados, desprendendo-se da unidade da Escola.
Somado a isto, viu-se uma crescente individualização do
corpo docente, pela verticalização do co nhecimento. Cada
professor na sua ilha , cada curso no seu arquipélago e a
Escola perdendo a referência do continente.
Di a nte do agravamento da crise que o ensino
universitário vem passando na década de 90, é necessário
recuperar a antiga unidade - qualidade daquilo que não pode
ser dividido. Foi a força de conjunto da antiga cátedra de
Arte Deco rativa que permitiu a permanência da arte utilitária
e o crescimento dos diversos cursos projetuais na Escola.
É preciso voltar a pensar no individual como uma parte do
todo. De nada adiantará um bom design de um elo se não
for para construir uma corrente.

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46
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47
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-
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_ _ _ _. Vida na arte contemporãnea. [Aula inaugural dos cursos no
ano didático de 1966] Arquivos da EBA, n.12, 12 ago 1966.

Notas
1
A classificação de artes projetuais, apesar de não regimental, configurou-
se recentemente, quando da execução de um documento de auto-
avaliação da Escola para a COOPERNUFRJ. Neste, a EBA dividiu
seus cursos em três grupos: artes plásticas, artes projetuais (ou
design) e educação artística. No setor de artes projetuais estariam
incluídos os seguintes cursos: Desenho Industrial, com duas
habilitações- Projeto de produto e Comunicação Visual, Composição
de Interior, Composição Paisagística e Artes Cênicas, com duas
habilitações - Cenografia e Indumentária, totalizando seis áreas
profissionais.
2
Buscando como referência o Manual do Vestibular do ano de 1999, a
EBA ofereceu os seguintes cursos, com os respectivos número de
vagas: Pintura (50), Escultura (25), Gravura (25), Educação Artística
- Artes Plásticas (38) - Desenho (36) - Música (25), Desenho
Industrial - Projeto de Produto (50) e Comunicação Visual (50),
Composição de Interior (25), Cor:nposição Paisagística (20), Artes
Cênicas- Cenografia (25) e Indumentária (20).
3
A relação completa das disciplinas do curso de Arte Decorativa , com
seus respectivos professores:
1° ano: Desenho (Henrique Cavalleiro), Modelagem Decorativa (Corrêa
Lima), Desenho Projetivo (Paulo Santos), Desenho e Estética (Luís
Pereira), Composição Decorativa (Eiiseu Visconti). 2° ano: História
das Artes Industriais (Fiexa Ribeiro), Perspectiva Linear (Paulo
Santos), Desenho e Estilização (Luís Pereira), Decoração de Interior
(Paulo Pires), Composição Decorativa (Eiiseu Visconti). 3° ano:
História e Evolução dos Estilos (Fiexa Ribeiro), Estudo dos Motivos
Brasileiros (Luís Pereira), Decoração de Interior (Paulo Pires),
Composição Decorativa (Eiiseu Visconti), Ciência da Pintura (Rodolpho
Amoedo).
4
Pinheiro, Gerson Pompeu. A Escola de Belas-Artes e a cultura nacional.
Arquivos da EBA, n.12, p. 14.
5
Teixeira , Luís Manuel. Dicionário Ilustrado de Belas-Artes, p. 81.
6
Schnnor, Armando Socrates. Discurso proferido no dia 12 de agosto
de 1963. Arquivos da ENBA, n. 10, p.51 -52.

48
1 campofiorito, Quirino. Le Corbusier- novas formas- os anos loucos
de 191 O à 1930. Arquivos da EBA, n. 12, p. 56.
a Idem, p.56.
s Idem, p. 57.
10 A esse respeito ver Manuscrito deLe Breton sobre o estabelecimento

da dupla Escola de Artes no Rio de Janeiro em 1816, traduzido por


Mário Barata e publicado na Revista I.P.HAN., n. 14.
11 A dificuldade de se implementar mudanças em instituições de ensino

é fato até hoje presente. Seja pelo fator ideológico ou pelos entraves
burocráticos, as instituições ligadas ao Estado e, conseqüentemente,
às suas diretrizes e à sua legislação, sempre depararam-se com a
inércia, com o descompasso entre o tempo real e o tempo acadêmico.
Somente nos finais dos anos 90 a nova Lei de Diretrizes e Bases
para Educação, solicita e sublinha a flexibilização dos currículos,
pois, nos tempos atuais, urge a implementação de mecanismos que
absorvam a velocidade das transformações, afastando o obsoletismo
do ensino e garantindo a formação de profissionais compatíveis com
as novas tecnologias de mercado. Espera-se que tal projeto, enfim,
venha a ser efetivado e a flexibilidade realmente seja absorvida pelo
ensino universitário, pois a tal flexibilização já é requerida pelos
professores da EBA há mais de 40 anos.
12
Em 1860 constavam da cadeira de Desenho Industrial as seguintes
matérias: Desenho Industrial e Matemática elementares, Desenho
Industrial- Desenho de ornato e figura, Desenho de Ornato e figura,
Desenho de ornato- escultura de ornato e figura, Escultura de ornato
e figura, Matemáticas elementares.
13 Galvão, Alfredo. Julgamento da exposição geral de Belas-Artes de

1870. Arquivos da ENBA, n.13, p. 31.


14
Foram professores do curso de Arte Decorativa, primeiramente, Roberto
Lacombe (arquiteto), contratado de 1932 a 1936 e nomeado
interinamente em 1937; a seguir, assumiu o professor Henrique
Campos Cavalleiro, sendo catedrático interino de Arte Decorativa a
partir de 1938 e nela permanecendo até 1950, quando foi nomeado à
cátedra, por concurso realizado em 1949, o professor Quirino
Campofiorito.
15
Campofiorito, Quirino. Atualização do ensino artístico, juventude e
história brasileira. Arquivos da ENBA, n. 10, p.79.
16
1dem, p.77.
17
Magano, Carlos Aguiar. A pintura mural e as tendências da arte
contemporânea. Arquivos da EBA, n. 12, p. 110.
18
Schnnor, Armando Sócrates. Discurso proferido pelo prof. Ara mando
Sócrates Schnnor no dia 12 de agosto de 1963. Arquivos da ENBA,

49
n. 10, p. 49.
19
Galvão, Alfredo. Discurso do Prof. Alfredo Galvão em nome da
Congregação na posse do Prof Gerson Pompeu Pinheiro como diretor
da ENBA. Arquivos da ENBA, n.11, p. 14.
20 Galvão, Alfredo. Julgamento da exposição geral de Belas-Artes de

1870. Arquivos da EBA, n. 13, p. 31 .


21
Campofiorito, Quirino. Arte Decorativa, o que é. Arquivos da ENBA,
n.5, p. 58.
22
Idem , p. 61 .

A Autora
Marize Malta
Professora Mestre em História da Arte/EBA/UFRJ, lotada no Depto.
BAU/EBA/UFRJ, atua no Curso de Composição de Interior e ministra
as disciplinas de Evolução do Equipamento de Interior.
Pesquisadora na área de história dos interiores e mobiliário.

50
Alfredo Galvão e o Ensino na EBA

Carlos Gonçalves Terra

Não acredito na vantagem da transformação da Escola


de Belas Artes num Instituto de Arte industrial. Outros
estabelecimentos poderão ser abertos para êsse fim,
atraindo vocações específicas. As chamadas Belas
Artes, a Poesia e a Música não desaparecerão dentre
as cogitações humanas 1 •

Alfredo Galvão nasceu a 04 de março de 1900, no


Catumbi, RJ. Durante sua vida profissional contribuiu para o
ensino das artes, através do magistério; da organização e
catalogação de obras de arte; da restauração de trabalhos
premiados pela Academia e pela Escola ; e pela criação dos
Arquivos. Faleceu em 04 de fevereiro de 1987.
Estudou na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA)
entre 1916 a 1919 como aluno livre, e de 1920 a 1927 como
aluno regular, tenso sido discípulo de Lucílio de Albuquerque,
Rodolfo Amoedo, Batista da Costa e Rodolfo Chambelland,
entre outros.
Alfredo Galvão foi um mestre consagrado e dedicado
pesquisador na área das Artes Plásticas. Esteve em Paris
gozando o seu Prêmio de Viagem, obtido em 1927,
retornando ao Brasil em 1932. No ano de 1934 foi nomeado
para reger uma turma de Desenho Figurado passando, a

51
ocupar intererinamente, em 1938, a cátedra de Anatomia e
Fisiologia Artísticas. Dez anos depois obteve o primeiro lugar
no concurso para a Segunda Cadeira de Pintura , atuando
profissionalmente até se aposentar, em 1970, por imposição
da sua idade.
Alfredo Galvão, também merece destaque por ter
dedicado um período de sua vida à Escola Nacional de Belas
Artes , como professor ( 1949-1951) ou como Diretor ( 1955-
1957). A artista Cord élia Navarro o caracteriza bem, quando
lembra que "sempre foi um mestre por excelência: suas aulas
eram ministradas com seriedade e competência"2 .
No período que atuou como Diretor da ENBA, Galvão
promoveu diversas mudanças administrativas. Reorganizou
e catalogou os seus arquivos, a biblioteca, as galerias de
moldagem e de pintura. Várias obras que haviam sido
premiadas pela Academia e pela ENBA foram restauradas.
Nesse fértil período, os mostruários de gravura e de pedras
preciosas receberam um tratamento especial. Surge em
1955 o primeiro número dos Arquivos da Escola Nacional
de Belas-Artes da Universidade do Brasil, anteriormente
denominado Boletim da ENBA. Nesse primeiro volume
aparece a transcrição de documentos antigos e um noticiário
do Diretório Acadêmico, mas curiosamente, na
apresentação, Galvão chama a atenção para a dificuldade
na sua elaboração. Ele comenta:

A redução das verbas imposta pela situação financeira do


País, não permitiu, êste ano, o desenvolvimento desejado
pela Congregação.

52
Espera-se, porém, que em 1956, haja possibilidade de
ampliar esta publicação, correspondendo assim ao justo
desejo dos professôres e alunos da Escola Nacional de
Belas-Artes3 .

Embora com todas as restrições que possa ter tido,


a publicação dos Arquivos permanece ainda sendo uma
obra de referência para os pesquisadores brasileiros,
sobretudo aqueles que estudam e se dedicam à arte
brasileira.
Alfredo Galvão exerceu, ainda, a direção do Museu
Nacional de Belas Artes, período no qual prestou relevantes
contribuições à Instituição. Alguns envios cte pensionistas4
restaurados, além de outras pinturas e desenhos, bem como,
moldagens de esculturas, todos pertencentes ao acervo do
Museu.
Como pesquisador, dedicou-se a estudar, com afinco,
a história da Academia Imperial de Belas Artes e da Escola
Nacional de Belas Artes, nome que aquela recebeu, após
1889; publicando bom número de ensaios sobre o tema. De
suas próprias palavras destacamos:

Há vários anos venho recolhendo dados autênticos, ou


sejam, documentos escritos, principalmente os do arquivo
da Escola de Belas Artes. É meu desejo escrever a história
dessa instituição desde o decreto de D. João VI em 1816,
até nossos dias 5.

Como pintor, praticou a paisagem, a figura e a natureza-


morta. Foi fiel a uma visão tradicional da arte, sendo possuir

53
de grande de sensibilidade.
Os seus mestres, estavam entre os artistas mais
importantes de sua época. Apesar de ainda imbuídos das
tradições acadêmicas, alguns deles marcam a transição
entre a arte do século XIX e a arte moderna. Esses artistas,
que durante algum tempo foram tratados com menosprezo,
têm sido revalorizados pela mudança do ponto de vista, sob
o qual, passaram a ser julgados.
Tratando-se de um artista considerado no meio
acadêmico, é de se admirar que até agora muito pouca coisa
tenha sido escrito a seu respeito. Em primeiro lugar, cabe
lembrar que em forma de livro não existe nada, somente sob
a forma de apostila.
Para a "Exposição Alfredo Galvão", realizada no
Museu O. João VI/EBA/UFRJ, foi elaborado um texto com
seis páginas de introdução, contendo um trecho extraído do
Catálogo de uma outra expos·ição sobre seus os trabalhos,
realizada no MNBA, em 1959. Consta de uma pequena
biografia e um breve comentário sobre sua obra. Em anexo,
foram acrescentadas duas outras relações: uma com 19
páginas e outra com 33, onde é feito um levantamento de
todas as suas obras. A primeira foi elaborada por Ana Maria
Moura de Alencar, Christina Maria de Castro Gomes, Clélia
Cerque ira Lima Celestino e Carlos Eduardo Cartaxo Mourão
e trata somente das pinturas por ele realizadas, sendo
classificadas pela Coleções em que estão localizadas. A
segunda, feita pelos mesmos autores, e seguindo a mesma
metodologia, trata de seus Desenhos.

54
A entrevista denominad a Depoimento do Artista,
real izada por A na Maria Moura de Alenca r e Christina Maria
de Castro Gomes- museólogas do Museu D. João VI/EBA/
URFJ - e organizada pela Professora Sonia Gomes Pereira,
num total de 12 páginas, aborda sua vida pessoal e
profissiona l. Destacamos algumas passage ns, dessa
entrevista, que mostram o percurso de sua vida de estudante
e educador.

Ho uve incentivo da parte de seu pai para que o senhor pintasse?


Houve. Inclusive ele projetou em mim o que gostaria de ter sido e não
foi, de modo que eu tive a proteção dele para ser pintor. Entrei para a
Escola em 1916 como aluno livre algum tempo vendo se dava para
aquilo mesmo. Todo mundo me eleogiava muito e eu pensei que fosse
dar um grande artista ... Então matriculei-me, passando a aluno definitivo,
em 1920. E fiz o curso todo na Escola: Desenho Figurado, Desenho de
Modelo Vivo, Desenho de Ornatos, Anatomia, História da Arte, etc.

Quais os professores que mais marcaram o senhor na E~c ola?

Na Escola, o primeiro professor que eu tive foi o Lucílio de Albuquerque.


Esse tornou-se muito meu amigo e me marcou muito. Depois, em pintura,
fui aluno do Rodolfo Amoedo, passando mais tarde para a aula do Augusto
Barcet. Esses foram os três professores mais importantes. Ah, ainda
falta o de Modelo-vivo: Rodolfo Chambelland.

Como era a vida do aluno da Escola? Por exemplo, existiam pontos


de encontro, de bate-papo?
Um deles era a Sociedade Brasileira de Belas-Artes. Lá se reuniam

55
artistas e futuros artistas, numa discussão tremenda, sem fim. Havia

também um outro ponto de encontro num café, ali perto da Escola,

numa esquina da Rua S. José- artistas e alunos num debate tremendo.

Era uma coisa muito interesante.

Nas suas três fases de Escola - como aluno, como professor e


como Diretor- o senhor sentiu alguma modificação no ensino?
Não, não havia grandes diferenças, não. A Escola tinha sempre o título
pejorativo de acadêmico- os outros seriam modernistas. E alguns alunos
renegaram a Escola: Portiniari, por exemplo, renegou a Escola. Ele foi
aluno livre. Aluno livre era o que se matriculava numa matéria só: pintura,

escultura ou gravura. As outras matérias ele não fazia . E só podia


concorrer ao prêmio de dois anos. Foi o que o Portinari tirou, pelo Salão

de Belas-Artes, ligado à Escola. Os outros faziam aquele curso todo, e


podiam concorrer ao prêmio maior, de cinco anos, prêmio da Escola
mesmo. Diziam, na época que o prêmio do Salão era dado por dois
anos, porque o concorrente já era é!rtista, quando concorria. A o passo
que na Escola, os concorrentes eram ainda alunos, ainda estudantes,

precisavam completar o estudo lá: não bastava ver, era preciso matricular-
se numa Academia, numa Escola de Belas Artes. Era uma suposição
às vezes isso não era bem exato - mas era assim que se agia. O

Portinari tirou o prêmio de viagem pelo Salão e foi para a Europa . Nos
dois anos que esteve, não pegou num pincel; o único trabalho que fez,
foi por insistência minha: "Vamos fazer, vamos fazer". E ele fez uma

natureza-morta, que deve andar por aí. Aliás, ficou boa ...

Chegando na França que juízo o senhor fez do ensino que tinha


na nossa Escola? Achou que o nosso ensino tinha sido ruim?

56
Não. O ensino daqui era baseado no de lá. Os professores daqui também
tinham estudado lá, de modo que o nosso ensino aproximava-se muito
do da França. Só o ambiente francês é que era muito mais favorável.
Ambiente histórico: castelos, o Museu do Louvre com milhares e milhares
de pinturas e esculturas. Nesse ponto é que a gente lucrava mesmo.
Mas o ensino era semelhante.

O senhor expôs na França?


Expus no Salon de Paris. O Salão de lá divide-se em duas partes: uma
mais antiga, acadêmica, e outra mais moderna, mais liberal. Eu entrei
nesta parte mais liberal.

E o movimento da Semana de 22 , como foi sentido pelos alunos


da Escola?
Os alunos da Escola nessa época viviam um pouco alheios a estas
coisas. Eles cuidavam daquela rotina de estudos. Esse movimento
paulista deu a todos a esperança de que a coisa ia tomardutro caminho,
mas ficou tudo na mesma. Foi muito passageiro, um relâmpago.

Professor a música tem muita influência na sua sensibilidade ao


pintar?
Não. A música, eu quero ouvi-la à parte. Quando estou pintando não
quero ouvir nada. Nem ouvir, nem falar. É no modelo que eu penso, no
que quero fazer, no que devo fazer.

Professor, agora fale um pouco da sua vida como professor da


Escola.
Como professor, eu iniciei a vida interinamente, até que em 1948 veio o

57
concurso. Aliás, houve vários concursos na minha passagem peta
Escola . .. .
O Senhor foi depois Vice-Diretor da Escola de 1949 a 1951 e
finalmente Diretor de 1955 a 1957.
É. Depois que o Flexa saiu, eu fiquei como Diretor. Mas não vale a pena
ser diretor, porque a coisa essencial para se dirigir uma reparlição como
a Escola é dinheiro. E não há verba, não se pode fazer nada, de forma
que não compensa. Queria fazer uma coisa, não tinha verba, eu acabava
pagando com o dinheiro da gratificação de Diretor. Não eram grandes
coisas, mas em todo caso... Também as gratificações não eram grandes
coisas. E depois acontece o seguinte: um Diretor novo toca outro para
trás. Nunca um Diretor novo elogiou o que saiu.
Das duas direções que o senhor exerceu, a Escola e o Museu,
qual foi a mais agradável?
A h, foi o Museu. Tinha mais autonomia e os funcionários eram mais
eficientes ou então gostavam de mim . ... 6

Alfredo Galvão muito contribuiu para a História da Arte


Brasileira, sobretudo, para a história da atual Escola de
Belas Artes/UFRJ , pelo grande número de publicações
legadas. Entre as principais, podemos citar:
1954 - Subsídios para a História da Academia Imperial e
da Escola Nacional de Belas Artes.
1958 - Cadernos de Estudo de História da Academia
Imperial das Belas Artes
1959 - Manoel de Araújo Porto-Alegre, sua influência na
Academia Imperial das Belas Artes e no meio
artístico do Rio de Janeiro (v. XIV da Revista do

58
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
1959- Alunos Premiados da Academia Imperial das Belas
Artes.
1961- Obras no antigo edifício da Academia Imperial das
Belas Artes (v. XV da Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional).
1962- A estátua equestre de O. Pedro I. (Arquivos
1968- Felix Emile Taunay e a Academia das Belas Artes (v.
XVI da Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional).
1973 - João Zeferino da Costa, sua Vida de Estudante e de
Professor Contadas pelos Documentos Existentes
na Escola de Belas-Artes
1978 - Transformações no Ensino Artístico Oficial, do Império
à República.
Além de todas as suas atuações já citadas , ele
também participou , de várias Instituições como membro
atuante. Entre elas estão: Conselho Nacional de Belas Artes,
Conselho Consultivo do Serviço de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional , Conselho Universitário da Universidade
do Brasil, Sociedade Brasileira de Belas Artes e Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro.
Da sua vida acadêmica, podemos destacar:
q Prêmio Cocural da Fonseca- em 27 de dezembro de
1926, pelos trabalhos realizados durante o ano.
q Medalha de Ouro em Pintura no ano de 1926.
q Curso Especial de Pintura (1927)- obtendo durante o
curso as seguintes láureas":

59
. Medalha de Bronze
. Grande Medalha de Prata
. Grande Medalha de Ouro
. Prêmio de Viagem a Europa
. Prêmio Donativo Cocural da Fonseca
t::> Livre Docência em Pintura em 1934 conforme o § único
do art. 24 do Decreto Lei 11.749 de 13 de outubro de 1915.
t::> Título de Doutor em Pintura em 1948
t::> Sexta Exposição realizada por Alfredo Galvão no Museu
Nacional de Belas Artes de 08 a 22 de setembro de 1959
t::> Primeira Mostra de Mestres da Escola Nacional de Belas
Artes. Galeria Macunaíma em 24 de abril de 1961.
t::> Aposentou-se do Cargo de Professor Titular, da Escola
de Belas Artes em 05 de março de 1970.

Quando realizou as provas para o prêmio de Viagem


obteve a seguinte avaliação:

A Comissão incumbida de dar parecer sobre o concurso


de pintura a prêmio de viagem e examinados os dois
candidatos Alcebiades Miranda e Alfredo Galvão tem a dizer
o seguinte:
1• Prova- Um Desenho de Acadêmia de Modelo Vivo .
... ... O desenho do Sr. A. Galvão tem qualidade de caracter,
modelado e construcção, mas desproporcionado nas
pernas, um tanto alongadas. Em consequencia ha uma
pequena superioridade sobre o desenho do outro
concorrente.
2• Prova- Pintura de uma figura do Natural.
...... O trabalho do Sr. A. Galvão tem qualidade de desenho,
de cor, modelado e caracter, principalmente na cabeça.

60
Falta-lhe porem volume nas articulações dos joelhos, melhor
valorisação no torso e o pé direito é deficiente como desenho
e modelad0.
3a Prova- Esboço de Composição de ponto sorteado "Uma
Scena de Carnaval".
Falta o senso de composição; não existe um ponto principal;
não há equilíbrio nem valores; enfim ambos os candidatos
são maus.
Finalisando: a Comissão acha que o candidato Sr. A Galvão
apresenta uma superioridade sobre o seu concorrente
merecendo, portanto, que lhe seja conferido o premio de
viagem à Europa, apezar dos defeitos apontados. Escola
Nacional de Belas Artes, 7 de novembro de 1927. Assinam:
Lucilio de Albuquerque, Rodolpho Chambelland e Modesto
Brocos 7 .

Em relação a sua produção artística, Galvão possui


uma vasta obra em desenho- nanquim, crayon, lápis, carvão
etc.; em gravura; em escultura e em pintura- predominando
o óleo sobre tela e/ou madeira e aquarela.
Elza Ramos Peixoto comenta que "a arte de Alfredo
Galvão, como a de todo o verdadeiro artista, é o reflexo de
sua personalidade: espontânea, comedida, demonstrando
sua grande sensibilidade de criador e de esteta"8 . Elza
lembra ainda que "quanto à temática foi um artista eclético''9.
Entre suas pinturas encontramos os seus auto-retratos, os
retratos, as pinturas de interiores e as paisagens.
Para ele

a natureza foi sempre sua grande inspiradora, não só nas


paisagens propriamente ditas, como de maneira especial
com referências às flores, que fixou em suas telas, algumas

61
em arranjos bem compostos, outras - as de sua última
fase - soltas, frescas, como se tivessem sido colhidas na
hora, colorido suave e alegre ...10 .

Acred itamos que o texto a seguir, do próprio Galvão,


extraído do Catálogo da Exposição Alfredo Galvão, realizado
no MNBA, em setembro de 1959, evidencie de maneira clara
seu pensamento e sua personalidade:

O artista, mesmo dedicando-se exclusivamente ao


magistério , como é o meu caso, sempre encontra
oportunidades para realizar trabalhos na arte a que se
ligou ... No momento atual, a crítica de hoje não aceita a
pintura que aprendi; essa que pratico. Mas, não tendo podido
compreender o voluntário aviltamento da forma humana,
sob qualquer pretexto, e muito menos o seu abandono total,
nem concordar com os que afirmam ser a interpretação
das naturais belezas a negação da arte, continuo seguindo
a trilha que iniciei aos 15 anos, em 1915 ... Não tendo podido
abandonar minhas convicções para fazer tentativas
modernistas, sempre vivi do ensino e para o ensino, sendo
um dos maiores prazeres a companhia da mocidade
irrequieta, impulsiva, esperançosa e boa 11 •

Sua obra merece uma maior divulgação e também


uma valorização do conjunto de sua atuação múltipla de
c ri ador, professor, pesquisador e administrador. Há
necessidade de apresentarmos ao público maiores detalhes
sobre sua vida de artista e mestre, mostrando a importância
que teve para a História da Arte Brasileira. Devemos valorizar
esse professor-artista combatido ou esquecido pelo seu
tempo.

62
..
Refe rências Bibliográficas

CATÁLOGO da Exposição Alfredo Galvão, realizada no período de 23/


11/1983 a 09/12/1983 no Museu D. João VI, Escola de Belas Artes,
UFRJ, 2° andar.
CATÁLOGO Exposição Alfredo Galvão. Rio de Janeiro: MNBA, 1959.
DOCUMENTOS existentes nos Arquivos do Museu D. João VI, EBAI
UFRJ.
EXPOSIÇÃO Alfredo Galvão. Rio de Janeiro: UFRJ/EBA, 1983. (Catálogo
da Exposição realizada entre 23 de novembro a 09 de dezembro de
1983- Museu D. João V I).
GALVÃO, Alfredo. Apresentação. In: Arquivos I. Rio de Janeiro: UFRJ/
ENBA, 1955. p. 3.
GALVÃO, Alfredo. João Zeferino da Costa: sua vida de estudante e a de
professor contadas pelos documentos existente na Escola de Belas
Artes. Rio de Janeiro: UFRJ , 1973. p. 7.
GALVÃO, Alfredo. Julgamento da exposição geral de Belas-Artes de
1870. In: Arquivos XIII. Rio de Janeiro: UFRJ/EBA, 1967. p. 31.

Notas
1
GALVÃO, Alfredo. Julgamento da exposição geral de Belas-Artes de
1870. In: Arquivos XIII. Rio de Janeiro: UFRJ/EBA, 1967. p. 31.
2
Catálogo da Exposição Alfredo Galvão, realizada no per iodo de 23/1 1/
1983 a 09/12/1983 no Museu D. João VI, Escola de Belas Artes, UFRJ,
2oandar.
3 GALV ÃO, Alfredo. Apresentação. In: Arquivos I. Rio de Janeiro: UFRJ/

ENBA, 1955. p. 3.
4
Os envios de pensionista era m os trabalhos mandados pelos
ganhadores do Prêmio de Viagem, da ENBA, geralmente cópias de
obras de artistas famosos, que comprovavam a efetiva atuação do
pensionista durante a sua estada na Europa.
5
GALVÃO, Alfredo. João Zeferino da Costa: sua vida de estudante e a
de professor contadas pelos documentos existentes na Escola de
Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 1973. p. 7.
6 EXPOSIÇÃO Alfredo Galvão. Rio de Janeiro: UFRJ/EBA, 1983. (Catálogo

da Exposição realizada entre 23 de novembro a 09 de dezembro de


1983- Museu O. João V I).
7
Documentos existentes nos Arquivos do Museu O. João VI, EBAIUFRJ.

63
8
EXPOSIÇÃO Alfredo Galvão. Op. cit. p. 2.
9 1d. p. 2.
10
ld. p. 2.
11
Catálogo Exposição Alfredo Galvão. Rio de Janeiro: MNBA, 1959.

O Autor

Carlos Gonçalves Terra


Professor de História da Arte da Escola de Belas Artes/EBA/UFRJ
Professor de História dos Jardins/EBA/UFRJ
Mestre em História e Crítica da Arte/EBA/UFRJ

64
O Museu da Escola de Belas Artes -
Dom João VI
Almir Paredes Cunha

Desde a fundação da Academia Imperial de Belas


Artes existia um museu destinado a servir de apoio ao
ensino, constituido por obras trazidas especificamente para
esta finalidade pela Missão Artística Francesa, cujo acervo
foi ampliado com a aquisição da coleção particular de
Joachim Lebreton, por ocasião de seu falecimento. Esse
museu continuou existindo, com o mesmo propósito, até
1937, quando foi desmembrado da Escola Nacional de
Belas Artes, para constituir-se em um órgão autônomo que
deu origem ao Museu Nacional de Belas Artes.
Embora despojada de seu patrimônio mais
importante, em termos de acervo, a Escola continuou
possuindo um conjunto de obras que não tinham sido
consideradas suficientemente valiosas para fazerem parte
de um museu. Além disso, algumas outras foram partilhadas
entre ambas instituições - Museu e Escola - , como por
exemplo os desenhos do arquiteto Grandjean de Montigny
que foram divididos de maneira aleatória entre as duas.
O conjunto que continuou na Escola, do qual
constavam os envio de pensionistas, provas de concursos,
moldagens feitas em museus estrangeiros, etc., foi se

65
ampliando com as doações de pessoas que deixavam suas
coleções para a ela - como a Coleção Jerônimo Ferreira
das Neves. Também foram acrescentados os trabalhos de
alunos e provas de concursos internos, representados
sobretudo pelas célebres Academias.
Uma grande parte dessas obras, que inicialmente
constituiam-se apenas nos trabalhos de alunos, foi tornando-
se um conjunto de grande valor histórico e material, pois
alguns dos antigos discípulos transformaram-se em artistas
famosos e sua produção adquiriu um valor ímpar. Elas
ocupavam as diversas paredes da Escola, inclusive de salas-
de-aula , e apenas a Coleção Jerônimo Ferreira da Neves
constituia-se em um pequeno museu.
Quando da transferência para a Cidade Universitária,
em 1975, o acervo ficou deslocado e espalhado por várias
dependências do prédio, no ~ual a Escola ocupava apenas
uma parte, estando muito exposto a graves prejuizos, tais
como, deterioração, desaparecimento, etc.
Assim sendo, tão logo assumi a direção da Escola,
em virtude de minha formação em museologia, pensei em
colocar a salvo tão importante patrimônio artístico, com a
criação de um museu didático para abrigar a, já agora,
numerosa coleção de obras.
A criação de um museu protegeria o acervo,
configurando o desaparecimento de qualquer dos seus
componentes como um ato de furto e não o simples desvio
de mais uma obra, como já vinha acontecendo, há algum
tempo. Constantemente o prof. Alfredo Galvão, na antiga

66
Escola da rua Araújo Porto Alegre, olhando para uma das
paredes, com os quadros rearrumados para compensar o
vazio deixado por alguma obra que havia sido levada,
perguntava: onde está o quadro que ocupava aquele
espaço? Possivelmente, teriam se passado meses desde
a ocasião em que teria ocorrido a rapinagem e ficava apenas
a incógnita- como e quando teria acontecido o "roubo"?
Esse raciocínio se mostrou verdadeiro, quando, em
certa ocasião, apareceram obras de propriedade da Escola
em uma galeria e foi possível provar que eram trabalhos que
haviam sido subtraídos ao acervo do Museu, conseguindo a
polícia recuperá-los. Entretanto, muitos desenhos e pinturas,
que são sabidamente da Escola , aparecem em vendas de
leilões e antiquários, pois não se pode provar que são sua
propriedade, em virtude de terem sido levados nas
condições acima mencionadas.
A fim de materializar a idéia de um museu didático
para a Escola de Belas Artes, solicitei à Reitoria da UFRJ a
cessão do espaço que havia sido projetado para abrigar a
Biblioteca da FAU e que até àquela data encontrava-se sem
utilização, sendo ocupado, esporadicamente, por atos
solenes da Reitoria e da própria FAU.
Foi um trabalho insano, conseguir que a FAU abrisse
mão de um espaço tão precioso e nobre, embora ainda sem
um uso efetivo. A argumentação apresentada, a mesma que
expus acima, convenceu aos Reitores Helio Fraga e Luiz
Renato Caldas; aos Decanos do Centro de Letras e Artes ,
Pro f. Celso Cunha e Pro f. Raymundo Moniz de Aragão, bem

I,
67
como, à sua Superintendente Marieta Fernandes Santana,
que deram o apoio necessário para que o projeto chegasse
a bom termo. Todos eles propriciaram, também, o suporte
financeiro necessário.
Vencida a etapa de conseguir o espaço e as
condições financeiras , restava todo o trabalho de organizar
um museu a partir de um conjunto de obras bastante díspares
e tendo dentro dele uma coleção perfeitamente definida- a
Coleção Jerônimo da Neves .
Para essa tarefa conte i com a ajuda preciosa de dois
colaboradores incansáveis: a Profa. Ecyla Castanheira
Brandão e o Prof. Almir de Gouvêa Gadelha. A primeira na
organização museográfica e o segundo no projeto do
mobiliário a ser utilizado, no que foi auxiliado pelo Prof.
Salvador Galuzzi.
A Profa. Ecyla fez um trabalho primoroso, organizando
o museu de uma forma didática, traçando um roteiro que ia
da chegada da Missão Artística Francesa até os professores
ainda em atuação na Escola, passando pelos métodos de
ensino, pelos concursos para magistério, pelos envios de
pensionistas e pelos trabalhos de alunos, agora famosos,
principalmente as célebres Academias . A Coleção
Jerônimo da Neves, com o seu acervo valiosíssimo, do qual
consta um quadro atribuido a Quentin de Metsys, ficou quase
como um "museu dentro do museu". A coleção de medalhas
e o acervo Girardet, também constituiu-se em outro pequeno
conjunto, anexo ao circuito da história do ensino artístico. O
cuidado com que ela programou cada detalhe, podia ser

68
previsto na maquete que elaborou para que nada ficasse ao
acaso.
Em colaboração com a Profa. Ecyla, o Prof. Gadelha
projetou as divisórias moduladas, as vitrines e os pedestais,
para se adaptarem aos mais diversos objetos a serem
expostos, cuidando para que os mesmos se integrassem
ao espaço e não ultrapassassem o exíguo orçamento, como
sempre.
No dia da inauguração do Museu D. João VI , em 28
de agosto de 1979, um fato ocorreu, que aqui menciono por
não considerá-lo ofensivo à Escola, e que demonstra a
vitalidade da nossa juventude face aos fatos que alteram as
suas expectativas: durante a cerimônia , um grupo de alunos
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, sentou-
se ao chão, formando uma circunferência, tendo ao centro
uma vela sobre um papel onde se lia tratar-se do enterro
simbólico da Biblioteca da FAU.
Para que o Museu tivesse sua existência oficializada
foi necessário que a Congregação aprovasse a modificação
do Regimento da Escola, em 29 de novembro de 1979 e
transformasse o 4° Item do Artigo 189 da seguinte maneira:

De 4°- Setor de museologia


a) exposição permanente
b) exposições transitórias

Para 4°- Museu D. João VI


a) exposição permanente.

69
b) exposições temporárias.

A sugestão de que o nome do museu fosse O. João


VI partiu do Prof. Armando Sócrates Schnoor, que via nessa
denominação uma homenagem da Escola ao homem que
foi o autor do decreto que a criou.
A referida alteração do Regimento foi aprovada pelo
Conselho Universitário da UFRJ, em sessão de 13 de março
de 1980, e publicada no BUFRJ- VO L. 32 IN. 12 de 20 de
março de 1980.
Esse é o histórico do que foi a criação do Museu D.
João VI. Todavia , 20 anos se passaram e nesse espaço de
tempo muitas coisas aconteceram e vários responsáveis
estiveram à frente da sua administração. Acredito que, em
próximas edições de ARQ UIVOS, seria interessante que
alguma , ou várias dessas pessoas, mostrassem o percurso
percorrido por ele nesse período.

O Autor

Almir Paredes Cunha


Diretor da Escola de Belas Artes da UFRJ- 1976-1980.
Doutor e Livre Docente em História da Arte pela EBA/UFRJ .
Professor Adjunto aposentado da EBA/UFRJ.

70
A Escola de Belas Artes - uma história
da arte

Angela Ancora da Luz

Quando, em 1807, D.João entregou a defesa de


Portugal à Inglaterra e resolveu vir para o Brasil, pensando
resolver o problema político com a França de Napoleão, na
realidade ele se movia na História, criando uma condição
que, somente mais tarde, seria sentida: a existência da
Escola de Belas Artes.
Para o meio artístico de nosso país, mais importante
do que a abertura dos Portos às Nações Amigas, em 28 de
janeiro de 1808, foi a chegada de D. João ao Rio, em ?de
março daquele ano. Eram quinze mil pessoas que se
deslocavam em comitiva, acompanhando o rei, que, embora
não fosse um homem culto, como dizem os seus biógrafos,
era um admirador da erudição, um apreciador da arte, talvez
pela herança atávica dos Braganças, dos quais se conhece
a inclinação artística, sobretudo o gosto musical.
D. João estava preocupado com a formação de uma
elite civil , pois ao deixar a Europa deixara o mundo
desenvolvido de então. O velho continente de filhos notáveis
como Camões, Cervantes, Bach, Kant e Hegel, este último,
vivo naquela ocasião, assombrando o mundo com suas
reflexões de conteúdo social e espiritual que tornariam

71
possível os pensamentos futuros de Feurbach e Marx.
O que aqui existia era uma natureza exuberante, um céu
de colorido intenso, uma luminosidade de lenta acomodação
aos olhos da corte, numa terra quase infinita, de imenso
litoral, onde os seus limites físicos não podiam ser
enquadrados na visão objetiva de nossos pais europeus ...
A formação de uma elite militar seria a outra prioridade.
A primeira preocupação é a que nos cabe aqui recortar.
Como a arte e a cultura fizeram morada em nossa pátria.
Este assunto diz respeito diretamente à criação de nossa
escola.
Em circunstâncias obscuras chega ao Brasil, em 1816,
a Missão Artística Francesa. Há controvérsias sobre as
verdadeiras causas que motivaram a vinda de tão expressivo
grupo até nossa terra. Dizem alguns historiadores que a
iniciativa de trazer tais artistas partiu do Marquês de Marialva,
que, por sua vez, teria sido aconselhado pelo naturalista
Humboldt, homem sensível às nossas potencialidades.
Assim, após obter o consentimento do Conde da Barca-
ministro dos Assuntos Estrangeiros de O.João - o
Marquês de Marialva teria feito o convite, aceito sem
questionamentos, já que havia interesse dos artistas de se
afastarem do continente, após a queda de Napoleão.
Uma outra versão aponta para a existência de uma carta
de Nicolas-Antoine Taunay à Rainha de Portugal, pedindo-
lhe o favor de interceder por ele e seus companheiros junto
a D. João, persuadindo-o a contratá-los sanando o problema
que, efetivamente, era o mesmo: a questão política da

72
França pós-napoleônica para artistas simpatizantes do
grande líder que caíra. A situação de tais artistas era
insustentável, em consequência do espaço duvidoso que
surgira com a Restauração, trazendo os Bourbons de volta
ao poder...
Esta é a razão que levou Joaquim Le Breton a organizar
e chefiar a Missão Artística Francesa que chegou ao Brasil
naquele ano. Aqui teriam o trabalho de transformar o meio
encontrado num outro, que lhes desse condição de vida
artística. Para isso , Le Breton planejara criar uma grande
escola de formação de artistas na América do Sul, "(. ..)
visando obter surto cultural paralelo ao que êle admirava
no México, devido às informações que teve de Humboldt"1 •
Todo esse esforço foi coroado de êxito, pois , pelo Decreto
de 12 de agosto de 18162 , D. João VI criava uma Escola
Real das Ciências, Artes e Ofícios, e através de sua pena,
aquiescia ao desejo de Le Breton e dava origem a primeira
escola de ensino artístico, fazendo da atual Escola de Bela
Artes, portanto, uma das mais antigas Instituições de Ensino
Superior no país. Interessante é constatar-se que, naquele
momento, a Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios
representava o avanço, a inserção no mundo desenvolvido,
pois poucos eram os países da Europa que possuíam uma
Academia. Neste ponto o Brasil fica à frente de Portugal, o
que, em termos políticos, também interessava a D. João, já
que sediara o Reino em nossa terra.
Ao longo do tempo a "Escola" foi recebendo diversos
nomes: Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios (12 de

73
agosto de 181 6), Real Academia de Desenho, Pintura,
Escultura e Arquitetura Civil, ( 12 de outubro de 1820),
Academia das Artes e Academia e Escola Real (23 de
novembro de 1820), Academia Imperial de Belas Artes ( 17
de dezembro de 1824), Imperial Academia de Belas Artes
(aparece com este nome num texto de 1827), retornando
ao nome que mais a identificará : Academia Imperial de
Belas Artes. Com este nome a escola se instalou no prédio
projetado por Grandjean de Montigny, em 5 de novembro de
1826, data de sua inauguração por O. Pedro I. Situava-se
na Travessa das Belas Artes, saindo da Travessa do
Sacramento, hoje Avenida Passos, perto do Rocio. Apesar
da beleza clássica de suas formas e da importância de seu
arquiteto, o prédio não teve uma vida longa e, em 1938 foi
demolido e o espaço que guardara a magnífica obra de
Montigny, resignou-se ao vazio de um terreno baldio. Se hoje
podemos ainda contemplar seu corpo central, armado no
Jardim Botânico, devemos ao Dr. Rodrigo de Melo Franco 3 ,
pois, no tempo em que dirigiu o Patrimônio Artístico e
Cultural, manifestou sua sensibilidade e preservou a
memória daquele importante bem. Apesar de fractado e
reduzido a alguma coisa além de um pórtico, ele reflete,
hoje, na verde tranquilidade do Jardim Botânico, a clara
serenidade preconizada por Winckelmam , em sua estética
neoclássica .
Foram dez anos, entre 1816 e 1826, de uma existência
sem corpo físico próprio, habitando, sobretudo, o casarão
alugado por Debret e Montigny no centro da cidade do Rio

74
de Janeiro, que forjaram suas características ma1s
significativas. Viveu pelo fundamento da importância do
ensino, razão pela qual se tornaria muito mais que um
prédio, mas uma Escola.
O nome de Academia Imperial de Belas Artes
permaneceria durante todo o Segundo Império até que, com
a Proclamação da República, a 15 de novembro de 1889 a
Escola desaparece, enquanto nome, mas permanece em
sua essência, renascendo em 1890, como Escola Nacional
de Belas Artes. Este é o nome que irá ostentar por mais de
setenta anos, até que, com as reformas decorrentes da
transferência da capital federal para Brasília e, em
observação a lei que procurou corrigir o desajuste da
nomenclatura antiga, face à nova realidade de nosso estado,
a partir de 1966 passa a chamar-se Escola de Belas Artes
da Universidade Federal do Rio de Janeiro , como
permanece até nossos dias.
Mas, se esta é a história dos nomes, existe uma outra,
a dos prédios onde funcionou, aos quais já fizemos algumas
referências e que é também muito interessante.
Depois de habitar o casarão alugado por Debret e
Montigny durante 1Oanos, muda-se para o edifício concebido
por Grandjean de Montigny. Tinha tudo que se poderia sonhar
para uma Escola de Artes . A situação do terreno, no centro
da cidade, com uma praça à frente , permitia uma visão do
conjunto edificado, valorizando a estética neoclássica de
Montigny.
Dentro da nova concepção urbana da cidade, o prédio

75
viria a ser demolido em 1938. No início do século, Rodolfo
Bernardelli , que gozava de grande influência junto a Paulo
de Frontin, obtém um novo local para a construção de outro
prédio que atendesse ao desenvolvimento da Escola. Era
um quarteirão inteiro, no miolo da Avenida Centrai.O
arquiteto seria Morales de los Rios e a estética, a
predominante daquele momento e daquele espaço :eclética.
Ferre ira da Rosa interpreta seu estilo como sendo
"Renascença modernizado". "Mede 74 metros de frente
ocupando 5180 m 2. Consta de tres pavimentos, além do
porão que tem 3, 40 m de pé direito; o estilo é Renascença
modernizado '~t .

Em 1909 o edifício está pronto. A pinacoteca ficaria no


terceiro piso. Para lá iriam as obras inestimáveis que contam
a história da arte no Brasil, enquanto revelam o passado da
Escola e a força dos artistas que a construiram, não em pedra
e cal, mas numa outra dimensão, indiferente ao tempo, capaz
de fazer das telas e esculturas ali expostas, o mágico
pergaminho onde se escreve sua história.
Mas toda esta unidade não duraria muito . Em 1937,
por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema , criava-se o
Museu Nacional de Belas Artes, que funcionaria no
mesmo prédio, expandindo-se de tal forma que, de um
terceiro piso passaria a ocupar mais da metade de toda a
área . A ele caberia a guarda destas obras . A Escola
ocuparia um flanco do edifício, que se volta para a Rua Araújo
Porto Alegre. Foi assim até 1975, quando, cumprindo o velho
fado , deixaríamos a propriedade e, num êxodo imposto pela

76
política vigente (e o interesse de alguns) chegamos a esta
"terra", a Ilha do Fundão , que nada tem de Prometida, e
passamos a ocupar alguns andares do Edifício construído
para a Faculdade de Arquitetura . Curioso é que, essa
importante unidade de nossa Universidade, um dia também
nos pertenceu. Naquele momento, independente e bem
situada, se viu obrigada a receber a velha mãe que não tinha
para onde ir ...
Aqui se encontra a escola, mais uma vez na esperança
de que alguém se levante em seu favor, convocando os
arquitetos de nosso tempo à tarefa de projetar o sonho de
um espaço próprio com dignas instalações, num local
adequado ao que se espera de uma instituição de ensino
de arte em nosso país.
Mas, se esta é a história de suas residências, existe
ainda uma outra que também lhe confere identidade. É a de
seus diretores.
Foi Lebreton o primeiro diretor, em tempos muito
difíceis pois, para poder implantar a Academia, tinha que
aceitar trabalhos encomendados pela família real e tomar
alunos particulares, às vezes até gratuitamente, para poder
formar um primeiro corpo discente, sem o qual, nada existiria.
Faleceu em 1819 e, por interesses políticos foi nomeado
um português para a academia de origem francesa . Tratava-
se de Henrique José da Silva, professor de desenho,
visivelmente inferior aos mestres da missão. O professor
Alfredo Galvão, assim o descrevia : "O governo nomeou,
em 1820 a um medíocre pintor lusitano (.. .) era de caráter

77
mesquinho, de trato difícil, invejoso, ma/eva/ente e inimigo
dos franceses'6 .
Seus métodos e objetivos eram totalmente diferentes
dos franceses que lutavam pelo ensino centralizado, ou seja,
aquele em que cada professor se tornaria responsável pela
formação artística de seus alunos no desenho, na cor, na
composição, onde o professor ministraria todos os
conhecimentos julgados necessários e, desta forma, não
preconizavam, eles, a especificidade de uma cadeira, como
a de desenho, razão pela qual não havia sido pedida por
aqueles mestres.
Há fatos pitorescos que podem muito bem ilustrar o
embate entre o diretor português e seus professores
franceses.

( ... ) Certa vez Montigny pediu que sua aula passasse a


funcionar pela manhã , pois· residia na Gávea ( o edifício
ainda existe e pertence à Universidade Católica) e viajava a
cavalo para o centro da cidade, além de ser a luz da tarde
menos favorável ao desenho de Arquitetura. Respondeu-
lhe o diretor : Se a luz é má , o defeito está na construção
do edifício (projeto do peticionário) e o regulamento não
determina que os professores morem fora da cidade ... 6

Enfim, Henrique José da Silva veio a falecer em 1834


e Montigny foi eleito novo diretor, mas não aceitou. Nova
eleição e, finalmente, o próximo diretor. Tratava-se de Félix-
Emílio Taunay, filho de Nicolau-Antonio Taunay, que se
dedicou integralmente ao cargo e foi excelente

78
administrador, organizando a Secretaria, o Arquivo , a
pequena Biblioteca , a Pinacoteca , com as obras trazidas
pelos da Missão. Criou melhores condições de trabalhos
para alunos e professores, conferiu premiações, instituiu
Prêmios de Viagem para os mais promissores e promoveu
exposições importantes como a Exposição Geral de Belas
Artes, que anualmente acontecia.
Em 1851, Taunay se aposentaria, talvez
acompanhando seu colega e amigo, Montigny, que no ano
anterior, também deixara a Academia. Seu sucessor seria
Job Justino d' Alcântara. Ficaria pouco tempo .. Em 1854,
O. Pedro 11 convenceria Manoel de Araujo Porto Alegre
que, a esta época já havia se afastado da Academia , a voltar,
na qualidade de seu diretor, para completar a reforma de
ensino . O ensino torna-se descentralizado e criam-se novas
cadeiras : Desenho Geométrico, Desenho de Ornatos e
Escultura de Ornatos, História das Artes, Estética e
Arqueologia. Permanece centralizada apenas uma
disciplina, a de Matemática aplicada, quando , pela
experiência de um mesmo professor, o aluno iria aprender
Aritmética , Geometria Plana , Geometria no Espaço ,
Geometria Descritiva , Perspectiva , Sombras, Estereotomia
e Ótica.
Araújo Porto Alegre vai anexar o Conservatório de
Música à Academia. Fund em-se os sentidos, reforma-se o
ensino, prepara-se uma trajetória gloriosa para as artes em
nosso país. Contudo, a nomeação de um professor, julgado
incompetente, à revelia de Araújo Porto-Alegre vai encerrar

79
o período, dos mais profícuos na história da Escola. Araújo
Porto-Alegre exonera-se, em 1857 e vai para a Europa, como
cônsul, não retornando mais ao Brasil.
Foi então nomeado, como diretor, o médico Tomás
Gomes dos Santos, homem culto e com bons
conhecimentos de arte. Apesar da Congregação não ter sido
consultada, o nome foi bem acolhido. Era professor honorário
da Academia e amigo de Araujo-Porto Alegre . Duas
credenciais importantes. A direção foi eficiente e Tomás
Gomes dos Santos permaneceu à frente da Academia até
1874, ano de seu falecimento.
Sucedeu-lhe Antonio Nicolau Tolentino, que
permaneceu como diretor da Academia , de 1874 a 1888,
ano de seu falecimento.
Rodolpho Bernardelli assumirá um ano após. Neste
interegnum , Ernesto Gomes Moreira Maia , que era
engenheiro militar e professor de Desenho Geométrico, fará
a transição. Começava o período republicano. O sonho de
liberdade, de direito do povo, de ensino para todos e no
lema positivista de ordem e progresso, a síntese da
esperança naquele momento histórico.
Bernardelli promove a reforma de 1890. O ensino
torna-se mais descentralizado e o Curso de Arquitetura mais
eficiente e importante, no contexto dos cursos da Escola .
Bernardelli dá autonomia ao Conservatório de Música ,
deixando na Escola Nacional de Belas Artes apenas os
cursos que formem artistas plásticos.
Ele permaneceria até 1915, quando, não conseguindo

80 '
mais o apoio da Congregação, dá lugar a Batista da Costa.
João Batista da Costa foi um diretor competente.
Continuou o bom trabalho de Bernardelli e sonhou com uma
nova sede para a Escola . Ela ficaria nos terrenos ganhos
pelo desmonte do Morro do Castelo. Uma ponte faria a
ligação dos dois prédios. Em sua visão profética, o Museu
ocuparia todo o espaço da Escola e a necessidade de um
novo lugar para ela fazia germinar em Batista da Costa a
idéia deste complexo fantástico . Com a sua morte a idéia
foi colocada de lado, ficando o registro do que poderia ter
sido.
O Governo nomeia, para aquele lugar, José Mariano
Filho, porém, a escolha irregular -já que a congregação
não fora consultada- vai gerar vários descontentamentos
e, assim , a passagem do médico, escritor e esteta pela
direção da Escola será rápida e não muito bem sucedida.
Assumiu em 1926 e demitiu-se em 1927.
Desta data até a Revolução de 1930, o diretor da Escola
será o Professor Corrêa Lima, escultor apreciado pelos
colegas, que fez uma administração correta, apesar de não
ter realizado nenhuma obra de vulto. Foi um professor atuante
que poderia ter permanecido mais tempo, se não fosse o
momento político da Revolução, pois Getúlio Vargas logo
nomearia Lúcio Costa, arquiteto e urbanista que já se
destacava no meio artístico, incumbindo-o de realizar a
reforma artística para adequar o ensino aos novos tempos.
Aos 28 anos ele chega para realizar as reformas de
ensino que se fizessem necessárias com o objetivo de

81
revolucionar a Escola , adormecida na estética neocolonial.
Assumiu a direção em 1930 e exonerou-se em 1931.
Estimulado pelas mudanças que o período iniciado com
a Revolução de 30 trouxera, Lúcio Costa sonha com um
ensino dinâmico e atualizado, contratando professores
modernos. O sonho teria pouca duração. Muitos destes
professores eram estrangeiros, o que não foi bem recebido
pelos acadêmicos, que não gostariam de vê-los ministrando
a brasileiros. Por outro lado, como organizador da XXXVIII
Exposição Geral de Belas Artes ele convidaria para júri Anita
Malfatti, Celso Antonio, Portinari e Manoel Bandeira. Todos
modernos. Os acadêmicos ficaram indignados com a
presença do poeta no júri. Começava uma campanha surda,
no interior da Escola , com o objetivo de alijá-lo da sua
direção, meta que foi alcançada pelos seus opositores.
Com a vacância do cargo, a Congregação indica
Archimedes Memória , também arquiteto, que procurou
fazer uma boa administração, iniciando obras que não
completaria, pois os antagonismos e as diferenças humanas,
levaram-no a abrir mão do cargo em 1937, passando-o ao
professor mais antigo, no caso, Lucílio de Albuquerque.
Lucílio de Albuquerque já estava muito doente e logo
se afastaria, vindo a falecer em 1939. Como consequência
de um diretor debilitado pela saúde e de uma Congregação
também debilitada pelo desinteresse, exatamente na época
em que o Museu Nacional de Belas Artes era criado, a
Escola perdia, não somente o espaço magnífico de suas
dependências, passando a ter limites físicos bem menores,

82
mas, sobretudo, ficaria sem seu acervo, pois quase a
totalidade das peças, que eram da escola, passariam a
constituir o acervo do Museu Nacional de Belas Artes. A
Congregação omitiu-se e o diretor não tinha mais quaisquer
forças para impedir e acaba por exonerar-se.
Mais uma vez, por antigüidade escolhe-se o próximo
diretor. Seria Augusto Bracet e permaneceria dez anos à
frente dos trabalhos da Escola. De 1938 a 1948. Durante
este tempo o Curso de Arquitetura se tornaria autônomo
desprendendo-se da Escola Nacional de Belas Artes e vindo
a constituir uma unidade em si, a Faculdade Nacional de
Arquitetura, hoje, Faculdade de Arquitetura .
No final deste período Bracet se exonera e a
Congregação elege o professor Flexa Ribeiro. Sua
administração foi muito produtiva. Criou o Curso de Artes
Decorativas e Industriais, embrião do que mais tarde seria
o curso de Artes Gráficas e hoje Desenho Industrial com
suas duas habilitações, Projeto de Produto e Programação
Visual. Atualizou o Regimento, realizou concursos e reformou
o prédio, adaptando-o às novas necessidades.
Em 1952, ano em que o Professor Flexa Ribeiro
termina seu mandato, é eleita a primeira mulher para o cargo
de diretora, o que, sem dúvida alguma, representa um
enorme avanço da mentalidade acadêmica de então . Era a
viúva de Lucílio de Albuquerque, professora Georgina de
Albuquerque, artista notável que construiu um
impressionismo próprio, pintando a natureza, mas amando
a figura humana, segundo suas palavras: "Vou pela praia,

83
encantada com a paisagem; deparo-me com uma criança,
enterneço e me desinteresso pelo ambiente ao redor"' .
Georgina de Albuquerque passou o cargo para o
Professor Alfredo Galvão em 1955, que era um apaixonado
pela Escola. Conhecia-a por dentro e por fora. Como artista,
professor e pesquisador. Enquanto viveu, foi a memória da
escola. O grande consultor que, segundo ele próprio dizia,
"gostava de contar histórias antigas"... Permaneceu até 1958,
ano em que passou a direção da Escola ao professor
Gerson Pompeu Pinheiro, arquiteto, pintor e músico, que
dirigiria a Escola até 1961 , ano em que assumiria a direção
da escola o professor Calmon Barreto, gravador e ilustrador
de renome.
Calmon Barreto construiu novas salas, recuperou as
cúpulas do prédio, reformou a Sala de Rodolfo Amoedo,
montou o atelier de Restauração de Telas e Papéis, enfim,
uma profícua administração ·que iria se encerrar em 1964.
Este ano marca o retorno do professor Gerson Pompeu
Pinheiro que , defendendo a bandeira TRADIÇÃO -
ATUALIZAÇÃO - EVOLUÇÃO, vai assumir a direção da
Escola de Belas Artes até 1971, ano em que é eleito o
professor Thales Memória, o último diretor da escola no
prédio de Morales de los Rios.
No final de seu mandato, já no início de 1975, a escola
seria transferida para a Ilha do Fundão. Acreditava o então
diretor, arquiteto e professor de História da Arte, que a
proximidade com as grandes unidades universitárias nos
daria um novo "status". Numa época difícil várias forças se

84
conjugavam: a pressão da Diretora do Museu Nacional de
Belas Artes, Maria Elisa Carrazzoni, que sonhava instalar o
Museu no prédio inteiro; a busca de cientificidade perseguida
pelos historiadores; o momento político, com a força de um
regime militar que havia caçado eminentes professores como
Quirino Campofiorito, Mario Barata e Abelardo Zaluar,
impondo um clima de terror, tornou irreversível a mudança
da escola. O resultado era o silêncio das vozes, o medo das
reuniões e a acomodação passiva. As organizações
estudantis tinham sido dissolvidas e os professores viviam
um clima de desconfiança, temendo acusações fatais, a
maior parte das vezes injustas, motivadas por discordâncias,
mágoas ou invejas pessoais.
A Escola instalou-se no Prédio da Faculdade de
Arquitetura, onde já funcionava a Reitoria da Universidade
Federal. Iniciava-se uma nova etapa na vida da escola. Era
o mês de abril de 1975. Logo a seguir o professor Thales
Memória deixava a direção, tendo assumido, interinamente,
a direção da escola, a professora Celita Vaccani. No ano
seguinte seria eleito para diretor, o professor de História da
Arte , Almir Paredes Cunha, tomando posse a 11 de junho
de 1976. Com tenacidade e vontade, alimentado por um
idealismo constante e disposição para trabalhar, adaptou a
Escola ao seu novo "habitat". Ampliou os espaços,
conseg uindo uma parte do térreo, onde instalou os ateliers
de Gravura, Escultura e Plástica. Criou o Museu O. João VI,
com a ajuda da professora Ecyla Castanheira Brandão , para
guardar o que ainda tínhamos de nosso acervo e, assim,

85
recomeçar a construir o novo. Aumentou a Biblioteca,
equipou as salas, adquiriu mobiliário compatível, deixo u
pronto o Laboratório de Fotografia e montou duas galerias
de exposição, a EBA 6 e EBA7, promovendo exposições
sistemáticas de alunos e professores. Foi neste período que
os alunos vo ltaram a realizar seus salões, o que passou a
ser uma prática em sua gestão. Na parte de ensino, obteve
o reconhecimento dos cursos da Escola junto ao Conselho
Federal de Educação. Ao completar o seu mandato foi
substituído pelo professor Luiz Augusto de Proença Rosa
que, na qualidade de vice-diretor, assumiu a direção até a
nomeação de um novo diretor.
Em agosto de 1980 é nomeado o professor Virgílio
José Athaide Pinheiro, que durante um ano permaneceu
nesta liderança, dando co ntinuidade aos trabalhos de seus
antecessores. Em setembro de 1981 , Paulo Pinheiro
Alves se torna o novo dirétor, pois a Reitoria estava
mudando os interstícios, para poder fazê-los coincidir com
o mandato do Reitor, possibilitando a simultaneidade de
períodos entre os dele e os dos diretores das diferentes
Unidades Universitárias. Foi no período de Paulo Alves que,
mais uma vez, a biblioteca foi ampliada, recebendo o nome
de Alfredo Galvão .
Em 1982, por indicação da Congregação , assumiu a
direção da Escola a professora Cordélia Eloy de Andrade
Navarro, permanecendo à frente da Escola por dois anos,
pois se aposentaria, pela compulsória, em 1984. De aluna
a diretora foram 50 anos de vida na Escola de Belas Artes.

86
Durante a sua direção criou-se o Curso de Pós
Graduação, stricto sensu, Mestrado em História da Arte. O
cu rso foi organizado pelo professor Almir Paredes Cunha,
agora como Diretor Adjunto de Pós -Graduação que, por
seu turno, foi auxiliado pela professora Maria Luiza
Falabella Fabrício.
O professor Leonardo Visconti Cavalleiro, indicado
pela Congressão como vice-diretor, assumiria a direção da
EBA. Leonardo era filho de Yvone Visconti Cavai/eira,
pintora nascida em Paris e falecida no Rio, que por sua vez
era filha do grande Eliseu Visconti e esposa do não menos
importante pintor brasileiro, Henrique Cavalleiro. O
professor Leonardo era a síntese viva da Escola, face à sua
notável ascendência, e permaneceu à frente dos trabalhos
até 1986, completando o mandato da professora Cordélia.
Neste ano, também por sufrágio de toda a comunidade,
foi eleito o professor e cenógrafo Fernando Pamplona, que
tomou posse em janeiro de 1986. Nome muito conhecido
nos meios artísticos, Fernando Pamplona dirigiu a Escola
até janeiro de 1990. Neste tempo obteve, junto à Reitoria, o
espaço que estava sendo ocupado como ginásio,
originalmente destinado ao Museu de Arquitetura
Comparada, no pavimento térreo, transformando-o num
grande atelier para servir aos cursos de Pintura e ao ensino
do Desenho. De forma carinhosa, logo os alunos iriam
batizar o novo espaço de Pamplonão.
Sucedendo a Pamplona, retorna à direção, o professor
Leonardo Visconti Cavalleiro. Foram mais quatro anos à

87
frente da direção da Escola de Belas Artes, período em
que se instalou o Laboratório de Computação Gráfica, um
dos mais modernos laboratórios da Escola, e que continua
em expansão.
Em janeiro de 1994, co m o término de seu mandato e
eleição da nova diretoria , assume a professora Elizabeth
Amália Bosher. Durante sua gestão iniciou-se o processo
de informatização da Escola, procurando adequá-la às
necessidades de nosso tempo.
Findo o seu mandato realiza-se nova eleição. Assume
a direção da EBA em janeiro de 1998, o professor Victorino
de Oliveira , que dá andamento aos projetos iniciados na
administração anterior. A publicação dos Arquivos da
Escola de Belas Artes , cujo primeiro número é o que se lê,
deve ser interpretado como o esforço de recuperação da
memória da própri a Escola.
Os Arquivos foram pubticados entre os anos de 1955
e 1968, num tota l de 14 números, por ocasião dos
aniversários da Escola , como agora acontece, e era uma
forma de tornar indelével o tempo vivido. Sua condição de
ensino, seus alunos e mestres notáveis, suas propostas,
enfim, toda a construção do seu passado.
Se o presente é o que se faz, como ensina Bergson,
nada melhor do que deixar o vértice do cone da memória
correr livremente no plano onde se move, o presente,
enquanto recolhemos as lembranças que cam inham, no seu
interior, e muitas vezes emergem da base imóvel, o passado.
Este foi o nosso intuito. Quantos artistas, que estudaram

88
na Escola, ajudaram a construir a história de nossa arte?
Muitos a cursaram integralmente, outros passaram algum
tempo nela, de uma forma ou de outra existe a memória na
relação estabelecida com ela.
Seria impossíve l destaca r todos os nomes desde o
tempo da Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios,
passando pela Academia Imperial de Belas Artes, até
chega r a Escola de Belas Artes. Apenas para citar alguns,
va le a pena lembrar que por aqui passaram Batista da
Costa, Bem arde/li, Goeldi, Portinari, Ismael Nery, Burle
Marx, Abelardo Zaluar, Milton Dacosta e tanto s outros,
como alunos ou professores e que conferiram continuidade
a um trabalho que se traduz pela necessidade de criar e
transm itir o ensino às novas gerações. Este é o verdadeiro
espírito da Escola e porisso ela ,-esistiu a tantos embates.
E esta é a sua história: uma história da 3rtG.

Referências Bibliográfica:>
BERGSON, Henri. Matéria e memória. Sé1o Paulo: Martins Fontes, 1999.
LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio
de Janeiro: Artlivre. 1988.
PONTUAL, Roberto. Entre dois séculos. Rio de Janeiro: JB, 1987.
_ _ _ _ _ . Dicionário de artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro :
Civilização Brasileira, 1969 .
ROSA, Ferreira da. Rio de Janeiro. Notícia Histórica e Descritiva da
Capital do Brasil. Rio de Janeiro. Edição do Annuario do Brasil. 1922.
Arquivos da Escola Nacional de Belas Artes. W X, XI. RJ. Ed.UFRJ, 12/
08/1964 - 12/08/1965

Notas
1
BARATA , Mário - Próximo 150° aniversário da criação da Escola

89
Nacional de belas Artes, in Arquivos da Escola Nacional de Belas
Artes. Número XI. RJ. Ed.UFRJ, 12/08/1965. P. 233/234
2id. ib. "DECRETO DE 12 de agosto de 1816, que criava uma Escola

Real das Ciências, Artes e Ofícios e fixava as pensões anuais devidas


aos respectivos professores e funcionários.
Atendendo ao bem comum que provem aos meus fiéis vassalos de se
estabelecer no Brasil uma Escola Real de Ciências Artes e Ofícios,
em que se promova e difunda a instrução e conhecimentos
indispensáveis aos homens destinados não só aos empregos públicos
da administração do Estado , mas também ao progresso da agricultura,
mineralogia, indústria e comércio, de que resulta a subsistência,
comodidade e civilização dos povos, maiormente neste Continente,
cuja extensão, não tendo ainda o devido e correspondente número de
braços indispensáveis ao tamanho e aproveitamento do terreno, precisa
dos grandes socorros da estatística para aproveitar os produtos, cujo
valor e preciosidade podem vir a formar o mais rico e opulento dos
Reinos conhecidos; fazendo-se portanto necessário aos habitantes o
estudo das Belas Artes com aplicação e referência aos ofícios
mecânicos, cuja prática , perfeição e utilidade depende dos
conhecimentos teóricos daquelas artes e difusivas luzes das ciências
naturais, físicas e exatas; e querendo para tão úteis fins aproveitar
desde já a capacidade, habilidade e ciência de alguns dos estrangeiros
beneméritos, que tem buscado a minha real e graciosa proteção para
serem empregados no ensino e instrução pública daquelas artes: Hei
por bem, e mesmo enquanto as aulas daqueles conhecimentos, artes
e ofícios não formam parte integrante da dita escola Real das Ciências
Artes e Ofícios que eu houver de mandar estabelecer; se pague
anualmente por quartéis a cada uma das pessoas declaradas na relação
inserta neste meu real decreto, e assinado pelo meu Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de Guerra, a soma
de 8:032$000 em que importam as pensões, de que por um efeito da
minha real munificência e paternal zelo pelo bem público deste Reino,
lhes faço mercê para a subsistência, pagas pelo Real Erário, cumprindo
desde logo cada um dos ditos pensionistas com as obrigações,
encargos e estipulações que devem fazer a base do contrato, que, ao
menos pelo tempo de seis anos hão de assinar, obrigando-se a cumprir
quanto for tendente ao fim da proposta instrução nacional, das belas
artes, aplicadas à indústria, melhoramentos e progresso das outras
artes e ofícios mecânicos. O Marquês de Aguiar, do Conselho de
Estado, Ministro Assistente ao Despacho, encarregado interinamente
da Repartição dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, assim tenha
entendido, e faça executar com os despachos necessários. Palácio

90
do Rio de Janeiro , 12 de agosto de 1816. Com a rubrica de sua
Majestade.
RELAÇÃO DAS PESSOAS A QUEM POR DECRETO DESTA DATA
MANDA SUA MAJESTADE DAR AS PENSÕES ANUAIS ABAIXO
DECLARADAS
Cavaleiro Joaquim Lebreton ....................................... 1: 600 $ 000
Pedro Dillon ............ ........................................................ 800 $ 000
João Batista de Bret , pintor de história ............................. 800 $ 000
Nicolau Antônio Taunay, pintor .......................................... 800 $ 000
Augusto Taunay , escultor ................................................ 800 $ 000
A.H.V. Grandjean, arquiteto .............................................. 800 $ 000
Simão Pradier , abridor ...................................................... 800 $ 000
Francisco Ovide, professor de mecânica ............................ 800 $ 000
C.H. Levasseur ................................................................. 320 $ 000
L. Simp. Meunié ............................................................... 320 $ 000
F. Bonrepos ...................................................................... 192 $ 000
Somam as onze parcelas oito contos e trinta e dois mil réis
( 8:032 $ 000 ). "
3
N.A. O Dr. Rodrigo de Melo Franco, no tempo em que dirigiu o Patrimônio
Artístico e Cultural, preservou a memória daquele importante bem.
4
ROSA, Ferreira da. Rio de Janeiro. Notícia Histórica e Descritiva da
Capital do Brasil. Rio de Janeiro. Edição do Annuario do Brasil. 1922.
p.44
5 GALVÃO, Alfredo. Discurso em nome da Congregação in Arquivos da

Escola Nacional de Belas Artes, op cit.p.8·


6
ld p. 9
7
PONTUAL , Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de
Janeiro : Civilização Brasileira, 1969. p. 9

A Autora
Angela Ancora da Luz
Professora de História da Arte da Escola de Belas Artes da UFRJ
Mestrado em Filosofia -(Estética) -IFCS/UFRJ
Doutoranda em História -(História e Cultura) -IFCS/UFRJ

91
Antônio de Pádua e Castro, um mestre na
AIBA, um toreuta na corte de Pedro 11

Cybele Vida! Neto Fernandes

O artista Antônio de Pádua e Castro nasceu em Magé,


em 07/03/1804. Recebeu educação religiosa no Convento
de Santo Antônio da cidade do Rio de Janeiro, de onde
desligou-se, ao ficar órfão, para estudar a arte da torêutica
com Francisco de Paula Borges e Francisco Soares, antigos
discípulos e oficiais de Mestre Valentim. Aos trinta e cinco
anos matriculou-se na Academia Imperial das Belas Artes
freqüentando, nos anos de 1839 e 1840, a Classe de
Escultura de Ornatos, dirigida por Marc Ferrez, tendo como
colega de classe Francisco Manuel Chaves Pinheiro, com
quem em várias ocasiões formou equipe de trabalho 1 .
Residindo na Corte do Rio de Janeiro, Pádua e Castro
desempenhou um papel de grande relevância no cenário
artístico da segunda metade do século XIX, não só como o
toreuta mais atuante do período , mas também como
professor da Academia Imperial, onde ingressou em 1863,
aos cinqüenta e nove anos, ocupando a vaga deixada por
Ho no rato Manuel de Lima, exercendo o cargo até 1881,
quando faleceu 2 . Deixou uma alentada obra, que se refere à
reforma e decoração a talha em quatorze igrejas da cidade,
nas quais os contratos assinados confirmam a autenticidade

93
da sua arte. A admissão de Pádua e Castro na Academia
resultara do reconhecimento do mérito do artista, já então
autor de diversas obras de vulto realizadas, por exemplo,
nas igrejas das Ordens Terceiras do Carmo, do Santíssimo
Sacramento e de São Francisco de Paula.
Durante os dezoito anos de atuação na A lBA, Pádua e
Castro participou intensamente das atividades acadêmicas,
sendo várias vezes indicado pela congregação para
participar de comissões referentes à avaliação de obras de
encomenda oficial, a trabalhos expostos nas Exposições
Gerais, a Concursos de Prêmios de Viagem, a exames
finais, a obras diversas 3 . Mesmo antes de ingressar na
Academia Pádua e Castro interessou-se pelas iniciativas
ligadas ao incentivo e propagação do ensino das artes e
dos ofícios: em 23/09/1856 integrou a Comissão Artística
da Sociedade Propagadora das Belas Artes, fundada por
Joaquim Bittencourt da Silva, mantenedora do futuro Liceu
de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro.
Antônio de Pádua e Castro viveu num período em que
a Maçonaria exercia considerável influência no Brasil, e dela
participavam pessoas de influência e cultura reconhecidas.
Há uma possibilidade do artista ter participado dessa
sociedade, hipótese que levantamos a partir da observação
dos elementos simbólicos maçônicos que figuram em seu
retrato, pintado pelo artista Joaquim da Rocha Fragoso. Esse
retrato fora encomendado pela Irmandade de São Francisco
de Paula , por ocasião da entrega da obra de decoração da
sua igreja, obra então considerada de grande valor, pela qual

94
o artista recebeu Prêmio de Medalha de Ouro e o título de
Cavaleiro da Ordem da Rosa, na Exposição Geral da AIBA,
em 1865 4 .
Apesar de ter uma produção tão significativa, Pádua
e Castro é pouco conhecido e citado na historiografia da
arte brasileira. O artista dividiu-se entre duas áreas de
atuação, uma vinculada ao mercado de trabalho
(restaurando, completando ou revestindo com talha as
paredes das igrejas iniciadas no século XVIII , ligadas então
à estética setecentista) e outra referente às funções de
professor da Academia, então voltada para a orientação do
classicismo francês. Num momento em que o país vivia
grandes transformações, Pádua e Castro assumia diferentes
compromissos, seja atendendo ao governo na participação
ou avaliação de projetos oficiais, seja atendendo às
exigências das Irmandades Terceiras, ainda ligadas à
estética setecentista, na encomenda das obras de reforma
ou decoração das suas capelas.
A arte da talha, pelas suas características, precisava
adaptar-se às tendências clássicas do gosto oitocentista;
nesse sentido, a obra de Pádua e Castro deve ser analisada
a partir da análise dos diferentes contratos que firmou: para
restaurar ou completar uma obra já iniciada ou para trabalhar
de forma mais livre, ao realizar uma decoração num espaço
ainda não decorado. Pelos contratos assinados com as
Ordens Terceiras, o artista desempenhou atividades como
arquiteto, desenhista, escultor e administrador de obras; na
Academia atuou como professor, arquiteto , escultor,

95
matemático e desenhista.
Henrique Bernardelli, na década de 1920, desejando
homenagear os artistas brasileiros que contribuíram para o
desenvolvimento das nossas artes, confeccionou diversos
bustos de artistas, em forma de medalhões, para serem
fixados na fachada do prédio da Escola Nacional de Belas
Artes/MNBA. Graças a essa iniciativa o busto de Antônio
de Pádua e Castro passou a figurar na fachada do prédio
entre o do pintor e ex-diretor da AIBA, Manuel de Araújo
Porto-Alegre e o do escultor Manuel Chaves Pinheiro. Pádua
e Castro foi também agraciado com o título de Patrono da
Modelagem e homenageado com uma placa de bronze que
denomina uma das salas da Escola Nacional de Belas Artes/
MNBA.
Mesmo antes de ingressar na AIBA o nome de Pádua
e Castro tornara-se respeitado na cidade, uma vez que os
projetos apresentados pelo artista iam ganhando as diversas
concorrências para a realização de obras, muitas vezes a
serem executadas de forma concomitante, em diferentes
igrejas (como ocorreu nas obras na igreja da Ordem Terceira
do Carmo - 1850 a 1855; de Nossa Senhora Mãe dos
Homens- 1852 a 1857; da Cruz dos Militares- 1853; da
Ordem Terceira da Penitência, Capela do Hospital-1855;
da Ordem Terceira do Sacramento - 1855 a 1859; e da
Ordem Terceira de São Francisco de Paula 1855 a 1865,
nas quais o artista trabalhava com vários auxiliares e
aprendizes. Quando na Academia, Pádua e Castro continuou
a incentivar o caráter profissionalizante do ensino, como se

96
pode depreender do programa apresentado para aprovação
dos professores, em 29/02/1864:

O artigo 25 ordena ao professor fazer trabalhar os alunos


mais adiantados em diversos materiais, como madeira e
mármore. Não tendo a Academia acomodações para esses
trabalhos não poderão ser eles feitos na aula; porém a maior
parte dos alunos que vão freqüentar o estudo de ornatos no
corrente ano acadêmico são moços que já trabalhão em
diferentes materiais e alguns trabalham com madeira sob
minha direção5 .

Sendo já professor da A lBA, Pádua e Castro assumiu


diversas obras na cidade, nas quais introduzia os alunos da
Academia na arte do entalhe: Igreja da Irmandade Terceira
de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores- 1869 a 1872;
de São Francisco Xavier do Engenho Velho- 1869 a 1876;
de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte - 1875; de
Santa Luzia- 1870 a 1873; de Nossa Senhora da Ajuda, Ilha
do Governador- 1865 a 1871. O artista trabalhou ainda na
década de 1870 nas obras da Santa Casa de Misericórdia,
sendo sua a decoração da Capela do Imperador; na Igreja
de Nossa Senhora do Rosário (provavelmente entre 1862 e
1863) e na igreja de Nossa Senhora da Apresentação do
Irajá (segundo Moreira de Azevedo, Pádua e Castro dirigiu
as obras da Capela-mor, em data que não conseguimos
precisar) 6 .
Sobre a sua obra, em 1856, o então diretor da
Academia, Manuel de Araújo Porto-Alegre, escreveu:

... os nossos entalhadores, à exceção de dois, não têm

97
cabeça nem mão e se o senhor Pádua não restaurar essa
arte muito terão que sofrer os nossos templos em
conclusão ... A arte da torêutica está em decadência e
não poderá ser restaurada porque o senhor Pádua, único
que merece o nome de artista, não poderá dominar o espírito
mercantil da época ... Os exemplos que está dando
atualmente na igreja do Sacramento não hão de frutificar
convenientemente, porque estamos em época em que cada
homem pensa saber mais da profissão alheia do que da
própria 7 .

Em 1865, tendo sido agraciado com a Medalha de


Ouro na Expos ição Geral da AIBA, o artista foi co ndecorado
pelo imperador O. Pedro 11 ; a ata da Sessão Pública daquele
ano registra o seguinte sobre a obra de decoração da Igreja
de São Fra nc isco de Pa ula, cuja po rta, exposta na
Academia, motivou a premiação:

... a porta principal da igrejá de São Francisco de Paula,


grande e precioso trabalho do Senhor Antônio de Pádua e
Castro, que por esta porta coroa a magnífica ornamentação
escultural daquele templo, devido ao seu esmerado talento.
O melhor toque de mérito deste imenso trabalho é a
dificuldade de distinguir os ornatos do Senhor Pádua
daqueles com que o célebre Mestre Valentim adornou a
8
capela-mor .

Em 1867 Pádua e Castro foi indicado para dirigir as


obras de reforma a se rem executadas no edif ício da
Academia, substituindo o professor de arquitetura, que não
aceitou a indicação. Tal fato comprova que o artista possuía
grande co nhecimento da arte arquitetônica:

98
... nomeia o senhor Pádua para esta comissão porque, ao
zelo e interesse que distinguem todos os senhores
professores, reúne longa prática de obras e trato com
operários9 .

O reconhecimento do mérito do artista ainda pode


ser testemunhado por Morales de los Rios Filho:

A geração de entalhadores ou lavrantes, do tempo da


Colônia, na qual se sobressaíram Mestre Valentim ... tem
como sucessora aquela outra de que é incontestável chefe,
na metade do século XIX, o doura dor, escultor e arquiteto
Antônio de Pádua e Castro 10 .

A atuação de Pádua e Castro como artista abrange


cerca de quarenta anos (1840 a 1880) e não poderia ser
analisada de forma completa na dimensão deste artigo.
Assim sendo, faremos apenas a análise de uma obra na
qual o artista decorou um interior ainda não trabalhado:
referimo-nos à obra na chamada Capela do Imperador,
pertencente ao conjunto da Santa Casa de Misericórdia do
Rio de Janeiro. Acompanhando o movime nto de
modernização da cidade, em 02/07/1840 foi lançada a
pedra fundamental do novo edifício do Hospital da Santa
Casa da Misericórdia, sendo as obras entregues a artistas
portugueses e brasileiros, segundo o desejo do Provedor
José Clemente Pereira: "Entregou os trabalhos de escultura,
inclusive o teto do Salão Nobre, a um grupo de artistas
alheios à escola de Montigny, como Antônio de Pádua e
Castro, que fez os florões ... "11 . As obras estenderam-se no

99
período entre 1840 e 1874, quando trabalharam no novo
hospital: Domingos Monteiro, José Maria Jacinto Rebello,
Francisco Joaquim Bittencourt da Silva (arquitetos);
Francisco Chaves Pinheiro e Luís Giudice (escultores)
Francisco Alves Nogueira (estucador), dentre outros.
O Hospital da Santa Casa de Misericórdia do Rio de
Janeiro localiza-se na antiga Praia de Santa Luzia; tem planta
retangular, em partido neoclássico. A fachada foi idealizada
por Domingos Monteiro, e sofreu algumas modificações
introduzidas por Jacinto Rebello; tem um corpo central com
escadaria de pedra que dá para um átrio em cantaria com
sete portas no primeiro pavimento, sete janelas no segundo,
arrematado por um frontão reto , em cujo tímpano figura a
alegoria à Misericórdia ladeada pelas alegorias à Medicina
e à Religião, obra de escultor Luís Giudice, que trabalhou
com mármores trazidos de Lisboa. O edifício possui três
corpos de dois pavimentos cada, exceto nos quatro torreões
de esquina, que têm três pavimentos. Considerando esse
conjunto, a Capela do Imperador, que ora nos interessa mais
diretamente, fica situada no segundo corpo do edifício, na
altura do segundo pavimento.
É uma capela de pequenas dimensões, em planta
circular inserida em um quadrado (portanto, só movimentada
internamente). É coberta por um zimbório, (cujo risco
pertence a Cândido Guilhobel) única parte visível da capela,
que fica disfarçada no conjunto porque o zimbório perde-se
bastante na construção, devido à extensão da planta do
edifício. O acesso à capela é feito por uma escadaria que

100
nasce no terceiro corpo e , correndo em direção à frente do
edifício, une o primeiro ao segundo pavimento. A Capela do
Imperador é dedicada ao Santíssimo Sacramento: é um
espaço elegante que, embora de pequenas dimensões,
torna-se imponente pela harmonia do conjunto, que revela
uma tendência ao equilíbrio entre os motivos formais
classicizantes, combinados com a graça daqueles tomados
ao Rococó. O equilíbrio e elegância do conjunto são ainda
percebidos no contraste entre as paredes claras e os
elementos dourados da talha, que nela se sobrepõe, exceção
apenas notada na presença da cor, em tons marmóreos, do
revestimento interno da cúpula.
Pádua e Castro deve ter trabalhado na decoração
dessa capela entre os anos de 1873 e 1878, período que
poderemos apenas considerar como aproximado, porque
não encontramos documentação direta sobre o assunto e
sim referências, sem datas precisas, nas atas da Academia
Imperial. Por outro lado, encontramos recibos de pagamentos
(21/01/1873 e 02/07/1878) feitos a Chaves Pinheiro, que
formava equipe de trabalho com o artista e que com ele
trabalhou no Salão de Honra , inaugurado em 1874.
A capela possui uma porta principal e duas laterais;
todas são retangulares e decoradas com um florão central,
do qual partem elementos vegetais em espiral, prolongados
em cada lado por motivos de inspiração grotesca. Tanto o
retábulo quanto as portas são ladeados por pilastras
assentadas em altos pedestais, decorados de modo singelo
com delicada moldura que lhes contorna o desenho. As

101
pilastras têm fuste canelada e capitel compósito e sustentam
um entablamento bem pronunciado com arquitrave em
sucessão de molduras, friso liso, cornija denteada.
A cúpula circular apóia-se nesse entablamento: tem uma
decoração pictórica em mármore fingido imitando caixotões,
com florões em relevo. A lanterna tem tambor vasado por
janelas e o teto decorado com um grande fiarão, do qual
pende um lustre. Sobre as portas um elemento decorativo
do estilo Adam, em forma de leque; nos espaços restantes
foram colocados medalhões circulares, também tipicos do
estilo Adam , que lembram espelhos, com pinturas,
decorados na parte superior, com elemento simétrico em
forma de laço, do qual pendem grinaldas de flores em ambos
os lados do eixo de simetria. Sob os medalhões circulares
foram colocados apliques de cinco braços, ligados a um eixo
de simetria , do qual pende um motivo vegetal, semelhante
ao que encontramos nas late.rais das portas.
O altar-mor estrutura-se em nicho não muito profundo,
aberto em arco pleno, apoiado em duas pilastras com fustes
decorados com elementos vegetais. Esse altar compõe-se
de mesa e retábulo propriamente dito. A mesa tem formato
retangular, frontal reto, decorado com motivos em grinaldas.
Nessa mesa encosta-se uma banqueta em formato de
sarcófago, com frontal decorado com um motivo central
simétrico em folhas de acanto, sugerindo um vaso do qual
pendem motivos em espiral. Uma grande folha de acanto
marca os limites entre o frontal e as paredes laterais e um
friso formado também por folhas de acanto sucessivas

102
completa a decoração do frontal, na parte que não fica
encoberta pela banqueta. Todos os elementos da talha são
dourados e destacam-se da superfície de fundo claro.
Sobre a mesa encontra-se o sacrário, uma peça de
grande beleza que se destaca no cunjunto por suas
proporções incomuns.Tem a forma de um baldaquino
sustentando uma grande coroa. O retábulo é original , não
possui suportes ou sustentantes e assim também não
apresenta , no nível do sacrário, os embasamentos dos
mesmos, o que faz com que o terceiro nível do retábulo
confunda-se com o segundo . O plano de fundo desse
sacrário é um painel de linhas c;ássicas, retangular, decorado
com uma moldura reta com cantos quebrados, onde se
inserem quatro botões fechando os ângulos; a superfície
contornada por essa moldura é também decorada com
motivos tomados ao grotesco.
Esse painel, que faz fundo ao saçrário, corresponde
à mesa de apoio da imagem do orago. No entanto, esse
retábulo não possui uma imagem em um nicho,e sim um
quadro pintado com o tema da Santa Ceia (obra do pintor
Raimundo da Costa e Silva). O que se poderia considerar
como a "boca do trono" é , na verdade, um grande arco que
abarca o nível do sacrário e do quadro pintado: esse arco é
marcado por uma grinalda de flores que, como todos os
demais elementos, destaca-se do fundo claro porque é
totalmente dourada. O coroamento do retábulo também é
muito elegante: encontra-se elevado, no nível da cornija que
contorna a nave, e tem formato de mísula ladeada por dois

103
querubins.
Considerando o retábulo como um todo, entendemos
que o artista o concebeu como uma solução muito original,
na qual combinou elementos classicizantes (o nicho em arco
pleno, os elementos formais decorativos como os cordões,
os painéis de molduras quebradas, a colocação de um
quadro pintado no lugar de uma imagem), com elementos
formais do Rococó. Além disse , o artista suprimiu os
elementos de suporte (colunas, pilastras, quartelões)
sublinhanho assim a tendência clássica do retábulo, no qual
o alto sacrário, que destaca-se à frente da Santa Ceia
pintada, faz com ela um contraponto. Note-se ainda que, na
tentativa de equilibrar os elementos classicizantes com os
do estilo Rococó, o artista manteve a mesa do altar em
formato de sarcófago, que contrasta evidentemente com a
mesa de frontal reto que apóia o quadro da Santa Ceia.
Esse jogo está prese·nte em toda a capela, na qual
flui uma decoração leve e graciosa, sóbria e elegante, que
remete ao gosto Luís XVI, observada no uso preferencial da
pilastra em lugar das colunas; nos painéis decorativos, nos
óvulos e pérolas, frisos em folhas de acanto, grinaldas e
arranjos florais, desenvolvidos a partir de um eixo de simetria.
Some-se a esses elementos o estilo Adam, do final do século
XVIII, presente nos motivos em leque sobre as portas e na
movimentação dos motivos fitomorfos, além dos elementos
decorativos grotescos, tão ao gosto da escola de Rafael.
A importância dessa capela dentro do conjunto da
obra de Pádua e Castro é significativa por marcar a fase

104
final da sua carreira, decorando um espaço ainda não
trabalhado anteriormente, dando-lhe liberdade de criação e
deixando mais evidente a sua tendência estilística. Tratava-
se de uma obra incluída num projeto maior, do qual
participavam outros artistas da Academia, ( Bittencourt da
Silva, Chaves Pinheiro), numa fase em que buscava-se
nacionalização do ensino e do fazer artístico. Era fato
relevante, ainda, a valorização do artista luso-brasileiro,
identificado no desejo do então Provedor da Santa Casa de
Misericórdia, testemunho de resistência em relação ao
academismo francês imposto pela Academia Imperial, em
favor de uma arte de cunho nacionalista ainda ligada, de
certo modo, à arte setecentista, na qual o gosto pela
decoração a talha prolongou-se ao século XIX, embora
reinterpretada da melhor maneira naquele momento.
Analisando a obra de Pádua e Castro observamos
que, ao longo de sua atividade artística ocorreram oscilações
estilísticas revelando-se três fases em sua obra, nas quais o
artista esteve sempre sensível à tendência classicizante,
embora de forma mais acentuada na fase final. Essas fases
estão mais ou menos relacionadas com os tipos de contrato
assinados pelo artista. Desse modo, quando trabalhou de
forma mais independente, sem precisar ajustar-se a uma
obra anterior, adotou uma solução mais classicizante na sua
arte: são exemplos dessa fase as igrejas do Sacramento e
a Capela do Imperador I Santa Casa da Misericórdia (há,
entre as duas obras, um espaço de cerca de vinte anos).
Ao restaurar parte da talha e completá-la com

105
apainelados, aberturas de balcões e portas, acomodou-se
à feição setecentista de uma arte inicial, adaptando a talha
a essa tendência geral, da melhor maneira possível , sem
deixar de considerar também as tendências do seu tempo,
como o fêz na igreja da Lapa dos Mercadores, dos Terceiros
do Carmo, de São Francisco de Paula.
Se como professor da Academia Pádua e Castro
estava comprometido com a sua filosofia de ensino, como
artista atuante, ao trabalhar na talha- técnica decorativa de
certo modo desprestigiada no período- o artista ligava-se a
uma forma de arte que inegavelmente o envolvia com um
período anterior, ainda que aceita pelas Mesas das
Irmandades Terceiras, com quem contratava serviços.
Se o artista, no entanto, revelava em sua obra um certo
atavismo ao passado , ao dedicar-se à arte da talha,
reinterpretando o vocabulário setecentista, por outro lado
modificava as fachadas dando-lhes feição classicizante.
Desse modo buscava equilibrar esse jogo de forças
revelando uma espécie de modernismo de fachada, uma
solução que o justificaria ao mesmo tempo, perante à
Academia e às lrnandades para as quais trabalhava, que
assim adaptavam as fachadas de seus edifícios ao gosto
da época. Essa solução reflete o caráter ambíguo da arte
da época e, ao mesmo tempo, como observou Germain
Bazin, estabelece uma agradável convivência entre as duas
tendências. Seja num espaço de dimensões discretas, como
o da Capela do Imperador, ou de grandes dimensões, como
o da igreja de São Francisco de Paula, a técnica da talha,

106
que parecia declinar em meados do século XIX, renasceu
na obra de Antônio de Pádu a e Castro, o nosso último
grande toreuta; sua obra é ampla, original, fecunda; revela
um traço próprio, uma tendência à movimentação e à
volumetria, equilibradas cuidadosamente na harmonia das
linhas da composição.

Notas
1
O Livro de Matrículas do Arquivo do Museu D. João VI/EBNUFRJ ,
período 1833 a 1844, registra a inscrição de Pádua e Castro como
aluno da Classe de Escultura de Ornatos, tendo o mesmo estudado
com certeza com Marc Ferrez, responsável pela Classe entre os anos
de 1837 e 1850. Não foi encontrado mais nenhum registro referente à
formação do artista, no Brasil ou no Exterior, embora o mesmo tenha
exercido atividades nos ramos da Arquitetura, do Desenho, Escultura,
Matemática e Administração de obras, segundo registros de diferentes
Comissões de que participou, como professor da AIBA e de diversas
obras contratadas na Corte do Rio de Janeiro.
2
A vaga ocupada na AIBA por Antônio de Pádua e Castro fora
anteriormente pleiteada por Quirino Antônio Vieira que, apesar de ter
obtido diversas premiações, inclusive medalhas de ouro e prata, tivera
o seu pedido negado pela congregação da Academia , que decidira
aguardar pelo ensejo de aumentara pessoal do corpo docente com
um artista de superior e reconhecido talento, ficando a vaga aberta
por mais um ano.
3 Os arquivos da A lBA registram as seguintes Comissões: 1) Escolha

de Pensionista do Estado, 1865; 2) Avaliação da obra do gradil de


ferro feito para circundar a estátua eqüestre de O. Pedro I, 1866; 3)
Fiscalização das obras a serem realizadas no prédio da AIBA, 1867;
4) Avaliação dos trabalhos enviados a Europa pelo pensionista Cândido
de Almeida Reis, quando a obra O Paraíba foi julgada fora dos padrões
acadêmicos adotados pela A lBA, o que resultou no retorno do artista
ao Brasil , 1868; 5) Exposição Geral de 1870; 6) Exames finais das
Classes de Matemática e Desenho, 1870; 7) Avaliação final da obra
do Mausoléu erguido por Bittencourt da Silva para a Princesa
Leopoldina, 1871; 8) Avaliação do Projeto para o Monumento à
vitória do Brasil na Guerra do Paraguai, a ser erguido no Campo da
Aclamação, 1872; 9)Trabalhos participantes da 25·a Exposição Geral

107
de Belas Artes, 1879.
4
O retrato do artista encontra-se localizado no corredor lateral esquerdo
da igreja de São Francisco de Paula, na Galeria dos Irmãos
Definidores.
5 Ata do arquivo do Museu D. João VI/EBA/UFRJ, fevereiro de 1864.
6 Ver sobre o assunto AZEVEDO, Moreira de. O Rio de Janeiro. Sua

história, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades. Rio de


Janeiro: Livraria Brasiliana Editora, 1969, 2V. 1969, p. 319. V. 1. No
início de sua carreira Pádua e Castro restaurou o Trem do Paço que
serviu ao segundo casamento de D. Pedro I (1829). trabalhou no
nicho de Nossa Senhora das Dores. da igreja da Candelária, um dos
seus primeiros trabalhos ; confeccionou oito andores para a Procissão
de Cinzas . e completou a talha do teto da capela do Santíssimo
Sacramento da igreía de São Francisco da Penitência ( 1848 a 1855).
7
PORTO-ALEGRE, Manuel de Araújo. Mestre Valentim. In: Revista IHGB.
Rio de Janeiro:, tomo 19, p. 370.
8
Ver sobre o assunto, atas de 1865, Arquivo do Museu D. João VI/EBA.
9
Ver sobre o assunto,atas de 1867, Arquivo do Museu D. João VI/EBA.
10
MO RALES DE LOS RIOS FILHO, Adolfo. Grandjean de Montigny e a
evolução da arte brasileira. Rio de Janeiro: Empresa A Noite, 1941, p.
225.
11
ZARUR, Dahas. Histórico da Santa Casa. Rio de Janeiro: Binus Artes
Gráficas Ltda, 1978, p. 19.

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. O Rio de Janeiro. Sua história,


monumentos, homens notáveis e usos e curiosidades. Rio de Janeiro:
Livraria Brasiliana Editora, 1969, 2 V.
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Editora Record, 1965.
CHRIST, Ivan. A arte do século XIX. Coleção A Gramática dos estilos.
Lisboa: Edições 70, 1986, 2 V.
FERNANDES, Cybele Vidal Neto. A talha religiosa da segunda metade
do século XIX no Rio de Janeiro, através do seu artista maior Antônio
de Pádua e Castro. Rio de Ja'!eiro: EBA I UFRJ - Dissertação de
Mestrado, 1991 ( não publicada ) .
MEYER, F. E. Manual de ornamentatión. Barcelona: Editorial Gustavo
Gilli S. A .1986.
MO RALES DE LOS RIOS FILHO, Adolfo. O ensino artístico - subsídios
para a sua história. In: Terceiro Congresso de história nacional,

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SMITH, Robert. A talha em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1962.
SPELZ, Alexander. Estilos de ornamentos. Rio de Janeiro: Editora
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1981.
ZANINI, Walter.História Geral da arte no Brasil. Rio de Janeiro:
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ZARUR, Dahas._Histórico do Hospital da Santa Casa de Misericórdia do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Edição da Fundação Romão Mattos
Duarte, 1979.

Fontes Arquivísticas
MUSEU O. JOÃO V I da Escola de Belas Artes da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.

A Autora

Cybele Vidal Neto Fernandes


Mestre em História e Crítica da Arte EBA/UFRJ
Doutoranda do Programa de História da Cultura IFCS/UFRJ

109
-
Gênese da gravura moderna na Escola
Nacional de Belas Artes

Maria Luisa Luz Tavora

Gravura moderna: de técnica de reprodução a meio


expressivo.

No Brasil, falar das iniciativas que concorreram para a


consolidação da gravura como linguagem expressiva é
referir -se ao que foi produzido entre nós, a partir da primeira
década deste século até os dias de hoje. O universo da
gravura é amplo, compreendendo a gravura de reprodução
e a gravura artística. Em séculos anteriores, a gravura aqui
produzida, restringiu-se às técnicas de reprodução e
documentação numa trajetória afinada à da gravura européia
tradicional.
O reforço ao aspecto artesanal do trabalho,
consequência do entendimento da gravura como meio de
reprodução, processo multiplicador, fazia parte da tradição
deste meio, no continente europeu. Na Europa, esta visão
fora consolidada, no séc. XVI, através do gravador Marco
Antonio Raimondi (1480- 1534) que passou a documentar
e a registrar com o buril 1 , obras famosas de pintores e
desenhistas. Rapidamente, os artistas cujas obras foram

111
reproduzidas perceberam a importância da gravura como
meio de divulgação de seus trabalhos, garantindo através
de encomendas, a atividade intensa dos gravadores. Esta
situação contribuiu para lançar a gravura à pesquisa de novos
procedimentos técnicos que se aproximassem, cada vez
mais, dos valores tonais dos trabalhos reproduzidos 2 .
Difundiu-se assim a gravura de reprodução e documentação
que resultava do trabalho técnico de alguém que fazia cópias
dos originais criados pelos artistas. Neste processo, a
unidade do trabalho do artista era rompida: de um lado
permanecia o artista, criador de imagens, e do outro, o
gravador, artesão habilidoso e qualificado em técnicas de
reprodução.
Dentro desta nova realidade , a gravura em madeira
sofreu um retraimento, até que no séc. XVIII, o inglês Thomas
Berwick apresentou, em Londres, um novo processo de
gravação de madeira que ficou conhecido como gravura de
topo 3 . O aparecimento desta técnica de gravar respondeu a
uma demanda da imprensa que buscava processos menos
dispendiosos de reprodução de imagens. Como vantagem,
a gravura de topo oferecia valores tonais semelhantes aos
da técnica de buril. A partir de então, essa técnica recuperou
para a xilogravura sua contribuição para a ilustração em
livros, jornais e revistas, situação que se manteria até o sec.
XIX, quando a litografia passou a ser largamente utilizada,
expandindo o seu uso para além da esfera comercial.
Este quadro será revertido, na Europa , na segunda
metade do séc. XIX, quando processos fotomecânicos de

112
impressão passarão a ser incorporados à reprodução de
imagens, desbancando uma certa hegemonia da litografia.
Formaram-se também grupos de artistas, as Sociedades
dos Aguafortistas ( 1862) e dos Pintores Gravadores
Franceses (1889), interessados em destacar cada vez mais,
as possibilidades expressivas da gravura, através das
técnicas mais tradicionais da madeira e do metal. O mundo
artístico europeu incorporava a gravura original como
linguagem, campo criativo e de expressão4 .
No Brasil, inicialmente, as gravuras documentais dos
costumes indígenas, da flora e fauna tropicais foram
realizadas por estrangeiros que aqui passaram recolhendo
imagens do novo mundo para publicacões européias.
Posteriormente, no séc. XVIII, através de alguns padres
jesuítas, foram realizados trabalhos de reprodução em metal.
Notícias mais precisas situam no início do séc. XIX, a
existência de gravadores dedicando-se à diferentes técnicas
de gravura como metal, madeira e litografia.
Com a vinda da Família Real para o Rio de Janeiro,
foram criadas instituições que ativaram a produção local. A
Impressão Régia, o Arquivo Militar, a Estamparia de Chitas
e a Real Fábrica de Cartas de Jogar utilizaram-se dos
processos mais diversos de gravar. Todavia, sua produção
limitou-se a um papel puramente técnico, utilitário, comercial,
incluindo ilustrações de faturas e papéis comerciais,
matérias publicitárias, além da variante documental.
Podemos assim afirmar, que as gravuras aqui realizadas
no séc. XIX cumpriram muito mais uma função utilitária que

113
estética e que, neste âmbito, os valores buscados
concentravam-se numa artesania, onde a destreza manual
e o aprimoramento técnico constituiam fundamentos para a
avaliação dos resultados.
A apropriação da gravura como forma de expressão
deu-se em nosso país, no início deste século, em 1914,
através de Carlos Oswald (Florença, 1882 I Rio de Janeiro,
1971) que fora tocado pelas propostas dos movimentos
europeus em favor da divulgação de técnicas de gravura
como a água-forte, xilogravura e litografia integradas às
propostas plásticas dos artistas. Com este artista iniciou-se
a história moderna da gravura entre nós, "uma história de
insistências'15, que incluiu outros protagonistas de peso
como Oswaldo Goeldi, Lívio Abramo e Lasar Segall. O
trabalho destes artistas contribuiu e consolidou a renovação,
tendo em vista o caráter moderno que imprimiram ao papel
do gravador e à sua forma de expressão.
Num trabalho solitário e pioneiro, esses artistas
fincaram em nosso solo as raízes qa gravura artística,
ampliando suas possibilidades, partilhando suas
experiências através do ensino. Estes artistas fazem parte
da chamada FASE HERÓICA da história da gravura 6 .
A partir dos anos 50 produziu-se significativamente
gravura de arte, em nosso país, fato que está estreitamente
ligado, à abertura de cursos e ateliês coletivos. Esta
reativação e expansão da gravura como meio expressivo,
deu-se em diferentes centros como São Paulo, Rio Grande
do Sul, Pernambuco, entre outros. Neste processo, o Rio

114
de Janeiro ocupou posição de destaque por sua
característica de centro emergente e irradiador enquanto
capital do país. Várias instituições estiveram envolvidas
neste processo, contribuindo, segundo suas especificidades
para a formação de novas gerações de artistas gravadores,
entre elas, a Escola Nacional de Belas Artes. Dentro da
perspectiva de integração artística da gravura, a então
Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) introduziu, em 1951 ,
o ensino da gravura através do Curso de "Especialização
da Gravura de Talho-Doce, da Água-forte e Xilografia". Até
então, a trajetória do ensino da gravura nesta Instituição fora
irregular, marcada por sucessivas interrupções provocadas
I
por interesses específicos e lutas internas que I
comprometeram o aprendizado tanto da gravura em I
medalhas quanto o da gravura plana. Interessa-nos retomar I
parte desta trajetória para uma melhor compreensão do I
papel dos artistas Raimundo Cela e de Oswald Goeldi na I
orientação do ensino nesta nova fase, na qual vão ter lugar
I
mudanças significativas.
I
Trajetória irregular do ensino da gravura na
Academia Imperial de Belas Artes

Desde a criação da Academia Imperial de Belas Artes,


seu projeto incluia o ensino da gravura.Todavia, inúmeros
decretos testemunham decisões que retardaram e
perturbaram o plano original. Vindo com a Família Real, o
gravador Charles Simon Pradier (1785-1848) aqui
permaneceu apenas dois anos. Em 1818, retomou à França,

115
de onde não mais voltaria, a pretexto de realizar, com infra-
estrutura mais adequada, reproduções de obras de Debret
entre as quais, o Desembarque da Arquiduquesa Leopoldina
e o retrato de D. João VI. A formação de Pradier siuava-se
nos limites da gravura de interpretação. Embora nomeado
por decreto real, este não chegou a exercer suas atividades
de professor de gravura .
Em 1820, em decreto de 23 de novembro, anuciava-se
o início das aulas na Academia, constando a gravura ao lado
do desenho, da pintura e da escultura.Como professor
nomeado, o gravador Zepherin Ferrez, especialista em
cunhagem de medalhas, com destacada atividade na Casa
da Moeda. No âmbito oficial, sua atividade estendeu-se à
escultura em baixo-relevo, com trabalhos rea lizados
juntamente com seu irmão Marc Ferrez7 . Não tendo sido
registrada inscrição para a gravura em medalhas durante
onze anos, a cadeira sob sua responsabilidade foi extinta,
vindo a ser reabilitada em 1837, ainda sob sua orientação,
com a inscrição de três alunos, um dos quais José da Silva
Santos, posteriormente nomeado seu substituto por Carta
Imperial de 2 de junho de 1840. Em 1851, morre Zepherin
Ferrez. José da Silva já se tranferira para a cadeira de
Escultura, tornando-se seu proprietário em 1869, ano
também do seu falecimento. Assim, mai~ uma vez, por
vacância , a cadeira de gravura em medalhas era extinta
sendo substituida por uma de xilografia que, de imediato,
não chegou a ser provida com titular, permanecendo vaga
até sua extinção em 1890. No plano oficial, o ensino da

116
xilografia não teve melhor sorte: " ...criou-se a cadeira de
xilografia, mas para instalar-se na Academia de Belas
Artes, ambiente muito elitista e pouco favorável à iniciativa'f3.
Neste ano, com a aprovação do Novo Estatuto, a extinta
cadeira de gravura em medalhas foi restabelecida . Assumiu-
a Augusto Giorgio Girardet, em 1891, permanecendo
quarenta e dois anos à sua frente. A partir de 1934, Dinorah
Azevedo de Limas Enéas, aluna de Girardet, em caráter
provisório, tornou-se responsável por este ensino até 1956,
quando o prof. Leopoldo Alves Campos conquistou a cátedra,
em caráter definitivo, após concurso, cujos resultados foram
submetidos à Congregação da Escola em reunião realizada
em 9 de maio daquele ano. Este professor permanece na
cátedra de Gravura de Medalhas e Pedras Preciosas até
1957, quando se aposentou.
Pontuada por diversas interrupções, a trajetória irregular
da gravura plana ou em relevo, na Belas Artes, reflete
questões relativas ao papel social do gravador definido pela
sociedade. No âmbito da gravura plana, o interesse por sua
aplicação direcionava-se ao campo da ilustração comercial,
anúncios, vinhetas de livros e periódicos, valorizando-a
enquanto técnica de reprodução.
Quando a Família Real aqui aportou, a gravura plana já
possuia nível técnico elaborado, dada a essa destinação
comercial. O principal centro de produção de inúmeros
artífices era a Casa da Moeda , em cujas máquinas,
posteriormente, em 1839 , os alunos da Academia
buscariam intensificar a sua prática. Posteriormente, a

117
Impressão Régia e o Arquivo Militar tornaram-se importantes
centros para o trabalho de gravadores, conforme afirmamos
anteriormente. A Belas Artes, porém, teve papel secundário
na formação de gravadores, tendo em vista a visão
pragmática que acompanhava o ofício de gravador. Nesta
Instituição , a gravura constituia campo de treinamento e
preparação para a pintura e escultura .
Assim, podemos compreender o que afirma Morales
de Los Rios Filho quanto à atuação insólita de Charles
Pradier: "Não formou discípulos, não só pelo pequeno
espaço de tempo que aqui permaneceu, como também por
ser a gravura a única das artes praticadas com real esmero,
quando a Missão chegou ao Brasi/'19.
Nos períodos subsequentes, a formação de gravadores
dava-se em espaços que buscavam a pronta resposta de
um técnico especializado à crescente demanda comercial.
Os que faziam o serviço eram considerados gravadores
comerciais, "abridores" de chapas de metal, madeira, cobre
e pedra , situação que os distanciava do perfil e o lugar social
pretendidos para os discípulos das Belas Artes, que muitas
vezes, numa prática desinteressada da gravura, buscavam
a depuração do gosto e a habilidade artística.
O Liceu de Artes e Ofícios, criado em 23/11/1856,
tornou-se um núcleo de formação dos "abridores". Sua
proposta era "formar os artífices da indústria nacional e os
operários aperfeiçoados" para construirem "o progresso do
país". O tipo de formação oferecida respondia a uma
demanda social mais objetiva. Nestes mesmos termos mas,

118
em escala menor, outro núcleo ativou a gravura, ainda no
sec. XIX. Em 1850, foi criado o Instituto Artístico, núcleo
independente, uma espécie de empresa tipo-litográfica, na
qual seu idealizador Henrique Fleiuss, seu irmão Carl e o
litógrafo Carl Linde produziram e ofereceram cursos de
xilogravura . Segundo Morales de Los Rios 10, o curso de
gravura em madeira era oferecido gratuitamente, sendo
realizado em três anos. A partir do segundo ano, o aluno
recebia uma gratificação. O aluno participava das
encomendas. Este curso garantia uma inserção imediata no
mercado de trabalho, e em ourtos termos um lugar social
para o gravador.
Os resultados das atividades deste Instituto fizeram-se
sentir de imediato no campo da gravura de ilustração, através
da edição da revista- Semana Ilustrada, lançada em 1860.
O reconhecimento da atuação deste núcleo independente
veio através do decreto de 3/10/1863, quando recebeu a
honra de acrescentar o título de Imperial ao Instituto Artístico.
Este núcleo desenvolveu suas atividades até 1876, ano em
que morreu Carl Fleiuss.
Na passagem do século, e nas suas primeiras décadas,
a sobrevida da xilogravura deveu-se à Casa da Moeda,
núcleo de burilistas da madeira, dentro da concepção
largamente difundida de técnica de reprodução . Todavia, o
tom nostálgico da declaração de Oswaldo Silva, um dos seus
mestres, aponta para transformações nos conceitos de
utilização da gravura plana , descoberta como linguagem
expressiva pela estética moderna. A gravura de topo

11 9
comercial e documental cederia lugar à gravura de fio que
conquistou pintores, desenhistàs e pintores. Se para alguns
como Carlos Oswald era positiva a possibilidade de
integração da gravura ao campo artístico, para outros tal
situação constituía-se num grande problema:"... sentimos
que a nossa causa , que defendemos, está perdida; o
mundo artístico de hoje está sendo educado com as noções
de uma estética revolucionária ''~ 1 •
Estes núcleos que desenvolveram um ensino melhor
adequado aos fins comerciais da técnica de gravar, por
certo, contribuíram para o esvaziamento do curso de gravura
em medalhas exilo oferecidos pela Academia, cuja trajetória
atribulada refletia o papel secundário desses cursos no
quadro geral da formação artística proposta pela Belas Artes.
As sucessivas interrupções refletiram interesses políticos
específicos de manutenção do sistema de ensino
acadêmico, traduzindo a reduzida valorização do seu
aprendizado quer como gravura em medalhas, quer como
gravura plana. Até os anos quarenta de nosso século, a
gravura plana correspondeu naquela Instituição, a uma
prática a mais na formação do gravador de medalhas ou
mesmo do pintor e do escultor. Este fato se prende à
própria origem da gravura, relacionada com a incisão na
pedra ou na cerâmica. A especialidade da medalha ( por
fundição ou gravação) exigia artistas aplicados ao processo
de gravação, com perícia no manuseio dos buris, exigência
que se estendeu às pedras preciosas (glíptica) e conchas.
No Regimento da Belas Artes, aproyado pelo Conselho

120
Universitário, em 17/ 8 / 1946 e que entrou em vigor em 1949,
encontramos elementos que bem exemplificam o tratamento
que a gravura plana mereceu dentro do próprio curso de
Gravura . Doze disciplinas constam do currículo, divididas
numa seriação de 5 anos. A gravura plana entra somente
no 5° ano. A prática incipiente da gravura por certo não
correspondia aos pretendidos objetivos do curso, também
apresentados no referido Regimento: "... Formar técnicos,
tanto na gravura de Medalhas e Pedras Preciosas, como
no Talho-Dôce , Agua-forte, na Xilografia e outras
modalidades da gravura, dotando-os de conhecimentos
científicos e artístico que os habilitem a atingir alto grau,
nas realizações da especialidade" 12 .
Embora a intenção de oferecer o ensino de gravura
plana (metal ou xilo) nas Belas Artes, datasse de sua
fundação, somente em 1951 este se efetivou numa atuação
não mais interrompida por decretos oficiais, porém marcada
por uma singularidade no tratamento reservado por essa
Instituição a esta atividade. Tratamento que materializa o lento
processo de assimilação da gravura como meio expressivo
e sua total integração ao ensino oficial através dos
procedimentos administrativos de legitimação dos cursos
da então Escola Nacional de Belas Artes 13.
Assim, dentro da perspectiva de integração artística da
gravura, foi oferecido pela Belas Artes, naquele ano, o curso
de especialização abrangendo as ténicas do talho-doce, da
água-forte e da x ilografia. Abria-se um espaço de
aprendizado voltado para a integração da gravura artística

121
no ensino oficial. Nossas considerações vão concentrar-se
nos seus dois primeiros orientadores, pioneiros na
construção do perfil inovador do ensino praticado na Belas
Artes.

A gravura artística pelas mãos de Raimundo Cela


e Oswald Goeldi

O artista Raimundo Brandão Cela (Ceará, 1890 I Rio


de Janeiro,1954) foi escolhido e indicado pela Congregação
da Escola de Belas Artes para orientar o primeiro curso de
especialização em gravura em metal e xilogravura. Ex-aluno
de pintura de Eliseu Visconti, de Batista da Costa e de
Zeferino da Costa, Raimundo Cela aprendera gravura, em
Paris com o gravador inglês Frank Brangwyn.
Ao assumir a oficina de gravura na Belas Artes, Cela
tinha um currículo enriquecido com a premiação de Viagem
ao Exterior obtida com pintura, em 1917, além de duas
medalhas de ouro no Salão Nacional de Belas Artes de 1945
e de 194 7, relativas respectivamente à pintura e à gravura.
Pesou em sua formação uma orientação acadêmica,
embora o contato com Visconti estimulasse uma atualização
de sua pintura, busca da luz brasileira nos motivos mais
próximos, um espírito aberto e desarmado frente as
transformações que se operavam na arte de alguns artistas
brasileiros. Para Quirino Campofiorito, Cela "Foi artista de
formação acadêmica, com a persistência do rigor do
desenho, mas teve que elaborar uma nova expressão para
poder colher um pouco o homem rude do nordeste, cuja

122
realidade formal não é propriamente a dos modelos da
escultura"14•
Campofiorito ressalta a flexibilidade de Cela de
emancipar-se da orientação sujeita a influxos
internacionalistas pregada pela Belas Artes. Este fato se dá,
em especial, em sua produção de gravura em metal, pouco
numerosa, mas significativa. O quadro que Cela apresentara
no Salão de 1917, Ultimo diálogo com Sócrates, foi alvo de
severa crítica de Monteiro Lobato, por seu caráter
classicizante. Em suas críticas, Lobato cobrava dos artistas
uma postura mais ligada com as nossas raízes, o que
Raimundo Cela apresentou posteriormente a este prêmio.
Diz Lobato:

... A mania de sair do presente compreensível e mergulhar


em mundos mortos, como o grego, é uma balda da velha
Escola, que não perceberá nunca o absurdo contido nisso,
diante da moderna concepção da arte. Como pode um
menino nascido no Ceará, transplantado para o Rio, e que
não é um helenólogo com cincoenta anos de estudo, como
pode essa moderníssima e brasileiríssima criatura
interpretar com sua alma virgem de filosofias, uma cena do
século de Péricles ? Fará artificialismo puro, está claro, à
custa de reminiscências visuais ... 15

A metodologia de ensino no ateliê de gravura de Cela


estava ainda comprometida com sua formação acadêmica.
Baseava-se na cópia de modelos e estampas estrangeiras.
Por outro lado, com as imagens gravadas no metal libertava-
se desta herança, produzindo estampas voltadas para uma
temática regional nordestina 16 . A experiência européia

123
marcara-o profundamente mas o retorno à cidade cearense
onde viveu sua infância temperou seu trabalho. A presença
do mar e dos elementos que gravitam em torno de uma vida
livre , a luminosidade dos céus nordestinos foram
incorporados à sua gravura.
Sem dúvida, o agenciamento de certas marcas da nossa
condição tropical constituiram uma estratégia de liberdade
moderna, um dos vetores da arte modernista , caracterizando
uma manobra possível desta liberdade, entre nós. O caso
de Cela porém requer outra leitura . A busca de certos
aspectos da vida nacional como motivação para seus
trabalhos ( pescadores, jangadas, bumba-meu-boi) explica-
se mais por uma retomada de raízes pessoais e uma
expressão pessoal de vivências do que por um engajamento
ao projeto modernista, no qual a elaboração de uma temática
nacionalista espelhasse autonomia na construção de uma
visualidade brasileira.
Raimundo Cela ainda se mantém preso à contemplação
deste mundo que lhe é próximo, situando-se numa posição
clássica de vê-lo de fora . A coragem e a obstinação dos
pescadores, tratados como verdadeiros heróis, glorificados
em seu árduo trabalho ainda é o assunto das obras. Cela
subordina sua composição a uma inteligência ilustrativa
desses valores. Não há questionamento em relação aos
modos de ver e à propria noção de espaço, indagações
pontuais da modernidade artística européia.
Preso ainda ao sentido de representação, Cela alargou
o repertório temático, mantendo-se no entanto, arredio às

124
especulações plásticas que tomavam vulto no pós-guerra.
Como afirmou Estrigas, estudioso de sua obra:

Em tese, Cela permaneceu nos princípios adquiridos do


academismo, dentro de sua estrutura técnica, mas percebeu
e aceitou as nuances novas que se apresentavam, a visão
renovadora que a vida lhe oferecia, a percepção reavivada
do seu meio de origem que o atingiu em seu retorno ao
Brasil, e aproveitou todo esse oferecimento, utilizando o
que pôde em seu trabalho de arte" 17 .

Sem ser moderno no sentido das rupturas que esta


condição configurava, Raimundo Cela renovou a gravura,
tornando-a na temática, contemporânea da realidade que
o cercava, reforçando a dimensão expressiva desta técnica,
aspecto destacado pioneiramente por Carlos Oswald.
O lançamento do curso de especialização em gravura
não foi acompanhado de uma divulgação que refletisse um
maior comprometimento da Instituição com essa arte,
entendida numa visão moderna. Muitos alunos na Escola não
sabiam da presença de Cela à frente do ateliê de gravura. A
personalidade retraída e discreta do orientador escolhido e
a fragilidade de sua saúde contribuiram ainda, para um
certo isolamento vivido pela gravura no âmbito da Escola
de Belas Artes 18 . A Escola espelhava uma realidade ambígua
em relação ao desenvolvimento desta forma de expressão.
A desvalorização desta técnica, conforme Campofiorito era
uma prática comum:

No Brasil, infelizmente os artistas têm poucas


oportunidades que, à vezes, apenas podem, quando são

125
pintores, mostrar que são bons pintores, mas são forçados
a esconder sua capacidade como bons desenhistas, tal
Cela ocultou o bom gravador que era porque naquele tempo,
a gravura era muito esquecida 19". (grifo nosso)

Dentro deste contexto de "esquecimento", Raimundo


Cela acreditou nas possibilidades artísticas da gravura em
metal, deu início ao seu ensino elaborando um programa
que contemplava o aprendizado das técnicas do talho-doce
e aspectos da história da gravura.
Pouco tempo permaneceu Raimundo Cela neste
trabalho pioneiro. Em 1954 morria de câncer. Lançara porém
as sementes de um trabalho que não cessaria de articular-
se com a produção artística brasileira, através da gravura
de seus orientadores e numerosos alunos.
Para assumir a orientação do ateliê em substituição a
Cela , foi contratado Oswaldo Goeldi ( Rio de Janeiro, 1895-
1961 )2J. Ao chegar à Escola, este artista, homem maduro,
às vésperas dos GO anos, já desfrutava de prestígio por sua
xilogravura, que além de ser amplamente utilizada em
ilustrações de livros e periódicos, participara da
representação brasileira da Bienal de Veneza de 1950, fôra
premiada na I Bienal de São Paulo, em 1951 , e obtivera a
Medalha de Ouro no Salão de Belas Artes da Bahia, em
1950. Desde 1951, até o ano de sua contratação, Goeldi
atuara como membro da Comissão Nacional de Belas
Artes, contribuindo para a seleção e premiação de artistas
no Salão Nacional.
A contratação de Goeldi foi destacada na imprensa,
em artigo de Mario Barata, também professor da Belas
126
Artes:

A grande notícia desta semana é a de que Oswaldo Goeldi-


após Edson Mola, Henrique Cavaleiro e Santa Rosa- entrou
para o corpo docente da Escola Nacional de Belas Artes,
onde lecionará a arte da estampa, as belas técnicas de
gravar em madeira, água-forte e a buril. Contribui assim, o
grande artista, no ano em que chegará ao seu sexagésimo
aniversário, para a renovação do ensino artístico do país
que se está processando atualmente 21 .

A espectativa de Mário Barata de Goeldi poder


contribuir para o redirecionamento do ensino, ou melhor, de
que este artista influiria de maneira decisiva no ensino na
Escola, parece não ter sido de todo possível. Os próprios
mecanismos de sua incorporação à Escola estavam eivados
de uma visão discriminadora em relação à hierarquia das
artes. Falar de participação no corpo docente, como no
artigo citado, significaria dar ao professor oportunidades
de participar dos coleg iados decisórios, o que não acontecia
com os professores contratados, cuja atuação prevista em
regimento era de menor porte.
Na Congregação, órgão superior da direção didática
da Escola, participavam por regulamentação regimental de
1948, (Cap. I, art 67 e 68) os professores catedráticos
efetivos e aqueles em disponibilidade, os professores
interinos nomeados , um professor docente livre e os
professores eméritos. Excluído do limbo decisório da
Instituição, cabia ao professor contratado a regência de
turma, a colaboração com o catedrático quando fosse esse
o caso, e a realização de cursos de especialização ou
127
aperfeiçoamento. A proposta de contratação dos
professores devia ser iniciativa do Conselho Departamental
à Congregação da Escola que, por sua vez, encaminharia à
Reitoria da Universidade do Brasil. Era preciso apresentar
as vantagens didáticas, culturais ou artísticas que
sustentavam tal contratação. O Regimento exigia que o
contratado apresentasse títulos culturais e artísticos
compatíveis com o nível do corpo docente da Escola. Como
a gravura de medalhas ou plana caracterizavam-se por sua
natureza prático-especial, sua responsabilidade devia caber
a um especialista. Goeldi foi contratado dentro desta
realidade . Se como professor, este artista criou um ambiente
de ampla liberdade para seus alunos, estendendo em muito
sua missão , no campo institucional Goeldi vivia dentro de
limites que impediam uma participação efetiva na esfera
das decisões que transformavam e atualizavam o ensino
na Bela Artes. Acrescente-se a este aspecto, as
características da personalidade do orientador, homem
discreto e reservado .
Ao destacarmos a trajetória do ateilê de gravura da
Belas Artes como um foco modernizador da arte gráfica e
do seu ensino, somos levados a tecer algumas
considerações a respeito dos pressupostos da estética
abraçada por Goeldi, ainda que não seja nossa intenção
tratar da extensa obra deste artista, face aos limites deste
trabalho.
A "renovação do ensino", de que trata o artigo de Barata,
se não constituiu processo amplamente vivido pela Escola

128
revestiu-se, no caso da gravura, de um caráter muito singular.
A gravura de Goeldi, diferentemente da de Cela, insere-se
no processo de crise da representação vivido por artistas
expressionistas alemães, voltados no início do século, para
a subjetivação da realidade.
Afrontando a história, estes artistas concretizaram a
visão nietzschiana da existência em luta contra a rigidez dos
esquemas lógicos. Não há que imitar a realidade mas criá-
la a partir de uma ação onde se dê a expressão, condição
de existência e do entendimento humanos. Esta ação dá-se
no âmbito cotidiano, conforme as palavras do crítico de arte
Giulio Carlo Argan : "A experiência que o artista tem do
mundo não é, em princípio distinta de qualquer outra. Esta
é a matéria sobre a qual atua o artista"22. Os expressionistas
alemães propunham a reconciliação do homem e do artista,
buscando constituir uma linguagem própria para tal. A
exploração da xilogravura tornou-se o ponto alto da proposta
expressionista. A imagem gravada é registro da força da
mão laboriosa. Fazer arte para os expresionistas dizia
respeito ao trabalho do homem cuja exigência se fundamenta
não na racionalidade e especulação puramente intelectual,
não em um a priori, mas na vivência cotidiana com
sensibilidade e o desenvolvimento moral desta experiência.
Ao artista cabia o agenciamento primeiro dos elementos
para a criação artística, artesão de um estado que não
préexiste a sua ação. A arte constitui ação no mundo para
criá-lo.
Certa vez, Goeldi declarou ao poeta e crítico Ferreira

129
Gullar que não sabia gravar e Gullar, assim entendeu:

"Na verdade. ele queria dizer com isso que não possuía
nenhuma fórmula, nenhum truque. e que se entregava a
cada nova gravura como se a gravasse pela primeira vez,
Mas essa é a condição de toda arte verdadeira- e e lição
do mestre Goeldi aos seus companheiros mais jovens"23 .

Goeldi adere à esta visão do artista e da arte. Os seus


contatos com artistas europeus, em especial com Alfred
Kubin , com quem manteve farta correspondência, deram-
lhe certeza da escolha desta via para seu trabalho artístico.
O Goeldi dos anos 50, contratado pela ENBA, era o
artista que, explorando a madeira de fio , obtinha variações
de intensidade das superfícies negras. 'Intimo das coisas que
o cercavam, apropriava-se delas fazendo-as gerarem formas
num jogo de correspondências misteriosas e espaços de
tensão e densidade, expressão muitas vezes agressiva de
sua solidão. Era um artista moderno mas que trilhava um
caminho singular, se considerarmos sua inserção no
modernismo brasileiro. Se por um lado, sua gravura rompera
com os esquemas compositivos e estrutura espacial de
representação do mundo, por outro, sua obra passava ao
largo da hegemônica preocupacão modernista de busca de
interpretação da cultura nacional, dos anos 30 e 40. Manteve-
se alheio aos manifestos, discussões e proposições de
grupos que impulsionaram o nosso modernismo. O próprio
artista declarava , em 1946: " ... aprendi mais na rua do que
com as teorias e complicações dos últimos 40 anos. A rua
foi minha melhor academia. E já não tenho vergonha de

130
dizer que voltarei a um novo realismo , caso sinta
necessidade disso''24 •
A realidade brasileira vinha-lhe filtrada por uma
experiência profunda de isolamento e abandono por seu
retorno ao país. O seu trabalho criava um embate tanto com
os "modernos oficiais", comprometidos com o vetor da
identidade nacional, por não se reconhecer como tal, quanto
com os abstracionistas em suas diferentes tendências, nos
quais sua figuração não encontrava respaldo, e ainda com
o ambiente cultural acadêmico hostil à especificidade
artística de um expressionista. Quirino Campofiorito define
com muita propriedade a situação de Goeldi: "Oswaldo
Goeldi era um isolado, apenas admirado por alguns,
Poucos reconheceriam valor mesmo num Kubin, ou num
Munch que, naquele tempo, por aqui se viesse a perder'125•
Não havia qualquer espaço para a figuração nos moldes
"goeldianos", figuração esta que muito influenciou um grupo
dissidente, formado na ENBA, o Grupo Paisagem
Brasileira 26 .
Preferimos, em vez de isolamento, identificarem Goeldi
um autonomia no trato com a arte que se refletiu no ateliê da
ENBA. Bastaram seis anos sob sua orientação para que
este espaço ganhasse um perfil próprio: fazia parte da
Escola mas independente das questões que esta priorizava
para seu ensino regular. Esta autonomia devia -se conforme
dissemos, à personalidade de Goeldi, retraído e solitário.
Resultava também de sua opção estética na via
expressionista, cuja positividade estava na ruptura radical

131
com os pressupostos estéticos da tradição acadêmica, e
ainda explicava-se pela escolha da técnica de gravura, de
pouco reconhecimento na "Academia", onde tinha lugar
reservado como arte menor.
A metodologia de Goeldi afastava-se da orientação
geral da Escola e, mesmo de seu antecessor conforme
depoimento de Adir Botelho. Discípulo e assistente de Goeldi
até 1961, quando este morreu, e de Raimundo Cela, Adir,
até hoje à frente do Curso de Gravura da EBA, apontou uma
mudança significativa na metodologia de ensino daquele em
relação aa primeiro orientador:

O comportamento de Goeldi como professor era bastante


diferente, o trabalho de cópia foi abandonado e, mesmo
nos exercícios com a linha, este valorizava uma atitude
criadora por parte do autor. Isso ficou bem nítido e hoje,
talvez tenha sido a transformação mais radical de uma
orientação à outra2 l

Entusiasmado com a orientação de Goeldi, Adir não


abandonaria mais a xilogravura, tornando-se um herdeiro
privilegiado do legado deste artista no ensino e na opção
estética.
Confirmam ihuo depoimento de Adir, as palavras de
Goeldi que, considerando o desenho a base principal para
a gravura, define-o fora do território menor onde era colocado
pelas Belas Artes, o de desenho preparatório para o trabalho
quer em pintura , gravura ou escultura. Diz o artista: "Falo
do desenho como expressão autônoma'128 .
Dentro desta visão, o aprendizado com Goeldi garantia

132
o exercício da liberdade, a exploração do pensamento
plástico estruturado a partir da ação sobre a madeira e sobre
o papel. A proposta de curso elaborada por Raimundo Cela
-procedimentos técnicos- foi mantida , porém o método de
trabalho espelhava escolhas feitas para a sua própria
trajetória de artista. O hábito de espalhar sobre os trabalhos
dos alunos papéis brancoscaracterizava sua intervenções.
Era uma forma prática de analisar as incisões e orientar-se
frente as decisões sobre o que fazer na madeira.
Na memória dos que passaram pelo ateliê da ENBA,
permaneceu a grande lição de liberdade, as lembranças de
um "espaço-refúgio" para os que se inquietavam com a
orientação mais tradicional desenvolvida nos cursos oficiais
da Escola. lsa Aderne, artista gravadora que também cursou
pintura na ENBA relembra :

... eu senti que , lá na Escola, a gravura floresceu com


Goeldi. Ele passou a empolgação dele para os alunos. Eu
me lembro: Antonio dias, Roberto Magalhães, Rubens
Guerchman, Ana Maiolino, Marília Rodrigues, Laís Aderne,
éramos todos contemporâneos. Talvez a gravura trouxesse
a liberdade de que estávamos precisando e a orientação
de Goeldi fugia do academismo, o que na Belas Artes nos
prendia um pouco29 .

No conjunto dos depoimentos sobre o ensino da


gravura, praticado quer pelas mãos de Cela ou de Goeldi,
são destacados sistematicamente dois aspectos de sua
orientação: o rigor do ensino das técnicas e a liberdade de
criação.
Dentre as considerações que podemos apresentar, uma

133
diz respeito ao caráter positivo da autonomia do ensino
praticado no ateliê, em relação à estrutura curricular da
Escola. A condição de contratados dos professores que
orientaram a implantação do ensino da gravura na Belas
Artes pode ser visto na dupla face de suas relações .
Primeiramente, no que ela reduz sua atuação, em termos
institucionais : "Os professores contratados, conforme o
disposto neste regimento, não fazem parte da Congregação
da Escola Nacional de Belas Artes, nem poderão propor,
nem ser propostos Chefes de Departamento"30 . Excluídos
por sua condição, do espaço de deliberações da Escola, a
Congregação e o Conselho Departamental , constituíram
segmento frágil para empreender mudanças estruturais no
ensino da Escola.
Por outro lado , embora excluídos da tradicional
hierarquia do poder administrativo, os professores
contratados eram senhores de um conhecimento específico
e portadores de uma visão ampla das questões da arte.
Experienciaram uma nova relação com os alunos, fundada
na autoridade de um mestre, não imposta institucionalmente
com a cátedra, relação que emergia de um saber e de uma
poética compartilhados com os alunos. Uma relação menos
formal, mais próxima.
A respeitabilidade pública de que gozava Goeldi, por
exemplo, permitiu que imprimisse em seu ateliê uma
metodologia de ensino autônoma, livre do quadro de
referência ideológico da conservadora Escola. Se no âmbito
da Belas Artes permanecia a visão da gravura como arte

134
menor, coisa de especialista , seu orientador era artista
maior, celebrado pelo conjunto do sistema de arte, em
eventos legitimadores da sensibilidade moderna de suas
obras. Era indiscutível seu valor no cenário artístico nacional
e a independência que gozava do controle e da avaliação
da Escola.
Pelas mãos de seus orientadores, a gravura consolidou-
se como algo mais que um desenho multiplicado,
incorporando as propostas modernas de livre criação e
consequente adequação técnica. Para tanto, não foi preciso
operar rupturas ou desencadear lutas. O lugar resevado à
gravura, pelas vias regimentais , não constituía ameaça às
lutas internas pela hegemonia de visão e métodos de
trabalho, diferentemente da pintura que conheceu episódios,
os mais diferentes, pela hegemonia das idéias, disputas
protagonizadas por alunos e professores modernos e
31
conseNadores .

O misto de desinteresse deste segmento pela gravura


como linguagem artística , e a inexistência (e ou o
impedimento regimental) de ambição política nos
gravadores-orientadores, gerou uma autonomia de trabalho
que permitiu fosse criada com a Escola uma relação menos
tensa com seus princípios e metodologias. Pelo
distanciamento que manteve e de que foi vítima, em relação
ao círculo do poder, a gravura estruturou-se numa convivência
pacífica, que, em muitos casos significou ausência ou
insignificativa presença nos discursos e falas oficiais.
Esta autonomia propiciou um diálogo extra muros, uma

135
frequentação externa, que oxigenava a discussão sobre a
gravura e seus fins num contexto das artes plásticas, em
geral. A prática da liberdade de criação, mais que as técnicas
ensinadas co nstituíram a lição para a continuidade do ensino
da gravura que findou sendo oficializado 32 , sem perder as
ca racterísticas que tã o· positivamente o constituíram e o
marcaram, nos primeiros anos, características
profundamente ligadas a seus orientadores, Cela e Goeldi,
mestres da gênese da gravura moderna na Escola Nacional
de Belas Artes.

Notas
1 O buril é uma ferramenta concebida para retirar o metal, deixando
atrás de si sulcos triangulares. Esta técnica, de ataque direto ao metal,
constitui um dos processos mais difíceis de gravação, exigindo do
artista mão firme no uso deste instrumento para a exploração do ponto
e da linha, vocabulário específico da técnica.
2 Sobre a gênese e desenvolvimento dos processos da gravura em metal
ver ROUIR, Eugéne. La gravure: des origines au XVI e siêcle. Paris:
Somogy, 1971.
3 Nesta técnica, a matriz é obtida pelo corte da madeira no sentido
perpendicular ao eixo da árvore. Sobre o assunto ver ROGER MARX,
Claude. La gravure origina/e au XVIII siêcle, .Paris: Somogy, 1963
4 Fizeram parte destas sociedades artistas como Manet, Daumier,
Jongkind, Degas, Pissaro, Courbet e Eugéne Boudin .
5
DOCTORS, Márcio. A insistência da marca. MODULO ( 83), novembro
de 1984, p.61.
6
TEIXEIRA LEITE, José Roberto. A gravura brasileira contemporânea.
Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1966, p.5
7
Sobre os artistas ver FERREZ, Gilberto Os irmãos Ferrez da Missão
Artística Francesa IHGB, Separata vol. 275, abril I julho I 1967. Rio
de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1968.
8
COSTELLA, Antonio . Introdução à gravura e história da xilografia.
Campos do Jordão: Mantiqueira, 1984, p.90.
9
RIOS FILHO , Morales de los. O ensino artístico- subsídio para sua
história. Um capítulo, 1816-1889 Rio de Janeiro, 1938 p.49.

136
10
Idem, obra citada, p.384.
11
SILVA, Orlando apud COSTELLA, Antonio, obra citada, 1984, p.93
12
REGIMENTO da Escola Nacional de Belas Artes . 17 I 8 I 1946. p.6
13
Com relação aos Prêmios de Viagem, podemos constatar uma
hierarquização no tratamento dispensado à gravura. Conforme o art.
175 do Regimento citado, a distribuição do prêmio previa a seguinte
ordem: Pintura, Escultura e Gravura. Todavia, o art.178 traz a seguinte
ressalva: "Não havendo concorrente em uma matéria, passar-se-á à
seguinte e assim sucessivamente, conforme a ordem estabelecida
no art. 175, entende-se porém, que os concursos de gravura nunca se
sucederão com intervalo menor de 3 anos... " ( o grifo é nosso ) . A
exceção feita reflete claramente os juízos que criavam mecanismos
internos de controle e de definição dos valores na formação dos
diferentes profissionais.
14
CAMPOFIORITO, Quirino. Raimundo Cela: Luz, Natureza e Cultura.
Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 1994, p.15.
15
LOBATO, Monteiro. O Salão de 1917. Revista do Brasil, ( 22) out.
1917.
16
Após gozar por 5 anos o Prêmio de Viagem ao Exterior, recebido em
1917, Cela volta de Paris para a cidade cearense de Camocin onde
passara sua infância e adolescência. Afastou-se do Rio por causa de
um derrame que lhe exigiu cuidados médicos. O contato renovado
com suas raízes reavivou-lhe sentimentos e experiências condensadas
em suas gravuras.
17
ESTRIGAS , Nilo de Brito Firmeza. Contribuição ao reconhecimento
de Raimundo Cela. Fortaleza : Tukano, 1988 p.27
18
Tendo em vista problemas de saúde que Cela enfrentava, os alunos
preocuparam-se em manter a dinâmica do ateliê. Solicitaram a
aprovação do nome de Henrique Oswald para auxiliar o mestre. Em
reunião do Conselho Departamental , realizada no dia 31 I 3 I 52, tal
pedido foi aprovado e encaminhado para a Congregação. Todavia,
esta solicitação foi rejeitada pelo Prof. Quirino Campofiorito que
defendeu , para esta função, o aproveitamento de alunos da própria
Escola .
19
CAMPOFIORITO, Quirino. Obra citada, 1994, p.20.
2
°Com formação europeia ( Genebra ), Goeldi aprendeu a técnica de
gravura com o artista brasileiro Ricardo Bampi, formado na Alemanha.
Sua inscrição na tendência expressionista concretizou-se sob a
influência de Alfredo Kubin, artista austríaco, pertencente ao grupo
alemão Blaue Reiter, com quem Goeldi manteve contato por toda a
vida. Sobre o assunto ver RIBEIRO, Noemi. Oswaldo Goeldi- um auto
retrato .CATÁLOGO. Rio de Janeiro: CCBB, 1995. Pp. 159-180.

137
21
BARATA,Mário. Goeld1 na Escola Nacional de Belas Artes . Diário de
Notícias, Suplemento Literário, 16 11 11955. p.5.

22 ARGAN, Giulio Carla. E/Arte Moderno 1770-1970. Valencia: Fernando

Torres. 5 ed , 1983, p.287.


23 GULLAR, Ferreira . CATÁLOGO VI BIENAL DE SÃO PAULO. São

Paulo, 1961.
24
GOELDI , Oswald. Em depoimento a BENTO, Antonio. No atelier de
Oswald Goeldi. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 3 I 2 1 1946.
25
CAMPOFIORITO, Quirino . O Jornal , Rio de Janeiro, 19 1811956.
26
Grupo do Diretório Acadêmico que, em 1959, fundou a galeria
MACUNAIMA, cuja atividade voltou-se para os modernos brasileiros,
para os jovens artistas da Escola e para as vanguardas internacionais.
27
BOTELHO, Adir. Em depoimento gravado para o Projeto Gravura
Hoje: depoimentos . Rio de Janeiro: Sesc I Tijuca , 17 I 91 1986.
28
GOELDI, Oswald. Em depoimento a GULLAR, Ferreira . Jornal do
Brasil, Suplemento Dominical, 12 1 1 1 1957.
29
ADERNE, lsa . Gravura Hoje :depoimentos. V oi 11 , 1996, p. 83. lsa
não chegou a ser aluna regular de Goeldi pois, no dia de sua matrícula,
a quarta-feira de cinzas de 1961 , ocorreu a morte do mestre. Todavia
, ela acompanhou de perto a orientação de Goeldi , mestre de sua
irmã Lais Aderne e de Marília Rodrigues, sua amiga.
30
REGIMENTO DA ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES,
1948, Art. 73, p.39.
31
Em 1942, por exemplo, o radicalismo tomou conta de alunos que,
apoiados pelo professor consevador ·Augusto Bracet , destruíram
pinturas e esculturas dos alunos modernos, trabalhos expostos no
espaço da ENBA, por ocasião da exposição de fim de ano. Tal fato
teve repercussão no meio artístico e cultural da cidade, provocando na
imprensa matérias de repúdio à tamanha demonstração de intolerância
numa escola de arte.
32
Posteriormente à sua integração ao Curso de Desenho e Artes Gráficas,
em 1959, é criado o Curso de Graduação em Gravura , em 1971, no
bojo de nova reforma dos cursos da ENBA.

A Autora
Maria Luisa Luz Tavora
Professora Adjunta de História da Arte dos Cursos de Graduação
e Pós-Graduação da Escola de Belas ArtesiUFRJ.
Mestre em História da ArteiEBNUFRJ.
Doutoranda em História Social (Cultura), IFCSIUFRJ .

138
A Questão da Ornamentação
na Arquitetura Eclética
Sonia Gomes Pereira

Uma revisão historiográfica vem sendo feita nas últimas


três décadas sobre a arquitetura eclética por autores como
François Loyer, Claude Mignot, Luciano Patetta, Arthur
Drexler, Richard Chafee, David Van Zanten, Neil Levine,
Joseh Rykwert, Robin Middleton, Annie Jacques, David
Watkin, entre outros. Vários tópicos se destacam nesta
revisão como questões fundamentais a serem aprofundadas
para que seja possível uma melhor compreensão do
Ecletismo: a estrutura de ensino e sua internacionalização-
o sistema Beaux Arts; a formação de tipologias, unindo
programas a modelos revivalistas ; a relação da técnica com
a persistência do historicismo; e o papel do ornamento nesta
arquitetura embricada entre tradição e modernidade.
Destas questões, a que parece ter avançado menos é
justamente a relativa à ornamentação. Muito pouco se fez a
partir dos trabalhos de Nikolaus Pevsner, que exploraram
sobretudo a relação com a técnica, e de François Loyer, que
apontaram a relação básica entre decoração e a constituição
do caráter da arquitetura no século XIX. Por este motivo,
torna-se interessante retormar Peter Collins, procurando
resenhar as suas principais idéias quanto à conceituação

139
do ornamento.
É compreensível que a arquitetura eclética tenha
merecido a crítica mais severa possível das gerações
seguintes, comprometidas com a arquitetura moderna e,
portanto, preocupadas primordialmente com a relação forma/
função, como ela é colocada pelo Funcionalismo .
Supervalorizando a funcionalidade , optando pelo
despojamento decorativo, desejando a ruptura radical com
a tradição e acreditando na validade internacional de
algumas fórmulas geométricas simples, os artistas e teóricos
modernos rejeitaram drasticamente o Ecletismo, como uma
maneira totalmente conservadora e ultrapassada de lidar
com espaços, volumes e planos.
Certamente, nesta rejeição generalizada ao Ecletismo,
a ornamentação desempenhou um papel especial, sendo
reconhecida, não apenas por técnicos e especialistas, mas
também pelo público em geral, como um dos fatores
distintivos de apreensão mais imediata entre a arquitetura
dos dois séculos. O repúdio aos prédios ecléticos
fundamentou-se durante muito tempo numa verdadeira
ojeriza ao ornamento- ou pelo menos ao amamento da forma
como ele foi concebido e aplicado no século XIX.
A importância da decoração em toda a arquitetura de
meados do século XVIII ao início do século XX logicamente
se deve ao desenvolvimento dos estudos históricos e das
pesquisas arqueológicas, marcados neste período pela
preocupação primordial com a descrição e a classificação
dos estilos, sendo a precisão de sua metodologia apoiada

140
justamente nas características ornamentais. Era, portanto,
o ornato, muito mais do que qualquer outro elemento
arquitetônico, o que possibilitava a identificação e a datação
corretas dos monumentos históricos . A crescente
especialização daqueles estudos levará a um conhecimento
mais aprofundado dos diversos estilos, possibilitando a
compreensão de sua adequação a diferentes funções- uma
verdadeira tipologia para a aplicação do historicismo à
cidade industrial. O reconhecimento imediato da função do
prédio fica creditado à escolha do estilo, e na maior parte
das vezes ao seu vocabulário decorativo, que lhe confere
caráter e legibilidade.
O uso da decoração na arquitetura historicista esteve
também vinculado a todo o movimento romântico de resgate
da Idade Média e de aparecimento de novas categorias
estéticas como o sublime. Em meados do século XVIII ,
quando se intensifica o interesse pelos assuntos medievais,
os termos chinês e gótico eram quase intercambiáveis, já
que ambos eram sinônimos de estranho, raro e exótico e,
dentro das classificações usuais de ornamentação, eram
considerados como variantes do estilo barroco ou derivados
da decoração rococó . Grande parte da motivação inicial ao
desenvolvimento do neo-gótico esteve ligada à imensa
popularidade da chamada novela gótica- novelas históricas,
em geral escritas por e para mulheres, que se caraterizavam
por um clima peculiar de estranheza, mistério e fascinação,
em ambientes desconhecidos. Faziam referências
frequentes à arquitetura, que era tomada como elemento

141
importante na construção da trama - em geral eram as
descrições das decorações góticas que conferiam a essas
novelas o caráter de fascinante obscuridade ou temor
emocionante . A estas leituras se deve certamente a
preferência do estilo gótico para a arquitetura doméstica
inglesa, sobretudo nos arredores das cidades ou no campo,
da qual Strawberry Hill e Fonthill Abbey são alguns dos
exemplos mais notáveis. Foram exatamente a obscuridade
e a fantasia dessa concepção de gótico que passaram a
corresponder na arquitetura à categoria do sublime.
Entrelaçada à questão do sublime, aparece também o
conceito de pitoresco - uma decorrência clara da fixação
dos ingleses pela natureza e a admiração pela pintura de
paisagem, nos moldes de Nicolas Poussin e Claude Lorrain.
Tratava-se, na verdade, da construção de um outro tipo de
sublime: o agenciamento de parques e construções dispostos
em suave desordem, com o objetivo de conseguir inúmeros
pontos de vista agradáveis, como na pinturas de paisagem.
Archibald Alison , em sua obra Essays on the nature and
principies oftaste publicada em 1750, afirmava que uma cena
só é pitoresca se conseguir despertar muito mais
associações adicionais do que as previstas. Certamente, é
mais fácil provocar evocações românticas ou históricas com
as construções do que com a vegetação e, assim, a
arquitetura acabou asumindo o papel importante na
construção do caráter evocativo das paisagens pitorescas.
Novamente aqui a ornamentação vai-se constituir no traço
essencial desta arquitetura, responsável por sua variedade

142
e por sua imediata identificação.
Um outro aspecto importante para a compreensão da
importância da decoração neste período é a sua vinculação
à simbologia de status social. Antes patrimônio exclusivo
dos ricos, torna-se agora também como recorrência da
classe média enriquecida e ávida de reconhecimento social.
Tratava-se, sobretudo, como afirmou Gustave Planche em
1857 de querer "aparentar o que não somos" (Collins, 1965:
123), ou o que César Daly chamou de "necessidade de luxo
e brilho" (Collins, 1965: 124).
A questão da ornamentação na arquitetura eclética
deve, portanto, ser vista no horizonte de uma compreensão
mais ampla do fenômeno do Ecletismo, ou melhor ainda, de
toda a arquitetura historicista, de meados do século XVIII ao
início do século XX, tentando esclarecer as relações que
então se estabeleceram com a tradição e a memória, com
a técnica e a funcionalidade, com o público e o consumo.
É interessante examinar um pouco mais
demoradamente a maneira como a ornamentação foi vista
por arquitetos e teóricos de sua própria época. Certamente
houve posições extremadas contra e a favor da decoração
arquitetônica. Entre aqueles que se posicionavam
radicalmente contra é já famoso o exemplo de Durand que,
muito provavelmente pela sua formação como discípulo de
Perronet e pela sua atuação como professor de arquitetura
na Escola Politécnica, afirmava com convicção que os
ornamentos não tinham nada a ver com a beleza
arquitetônica, já que um edifício só era belo quando satisfazia

143
a uma necessidade, a uma função- prenunciando, portanto,
a postura essencialmente funciona lista que será tomada no
século seguinte.
No extremo oposto à posição de Durand, podemos
verificar as idéias de John Ruskin, crítico de grande atuação
nos círculos intelectuais e artísticos ingleses e ligado ao
movimento de revitalização religiosa de Oxford. Para Ruskin,
a ornamentação era a parte principal da arquitetura, uma
vez que o mais importante eram as possibilidades
decorativas de suas superfícies- daí certamente a sua grande
admiração pelo românico e o gótico do norte da Itália. Ruskin
acreditava ainda que a decoração tinha implicações morais,
pois a construção das igrejas era, para ele, um ato de
devoção, tal como expõe numa das Sete Lâmpadas, a
Lâmpada do Sacrifício. Este tipo de pensamento, que
privilegiava o papel do o mato, gozou de bastante aceitação,
mesmo fora da perspectiva medievalista ruskiniana. É o
caso, por exemplo, de Robert Kerr, professor de construção
do Kling's College de Londres e um dos fundadores da
Architectural Association, em uma conferência proferida em
1869 no Royallnstitute of British Architects: "A arquitetura é
um vestido. O lápis do arquiteto é como uma varinha mágica
que transforma a estrutura de um objeto triste e inanimado
em algo eloquente. Este vestido é o ornamento, que
caracteriza a inteligência do homem, diferenciando-o dos
animais, que não desejam o ornato" (Collins, 1965: 125).
Mas, à parte destas posições extremadas, a grande
maioria dos arquitetos da época aceitava a ornamentação

144
sem preconceitos, chegando inclusive a considerá-la como
o fator diferenciador entre a verdadeira arquitetura e a mera
construção. É interessante observar que mesmo os
arquitetos que se diziam racionalistas aceitavam o ornato
como parte inerente à arquitetura. Basta observar a
definição que James Fergusson apresenta na sua História
da Arquitetura: "arquitetura é a arte do ornamental ou da
construção ornamentada" (Collins, 1965: 124). Também
César Daly, em um artigo escrito em 1864, traduzido e
publicado no mesmo ano em The Builder, define
racionalismo como a crença comum a classicistas, goticistas
e ecléticos de que a arquitetura é uma construção ornamental
ou ornamentada. O mesmo Daly ainda acrescentava que
racionalismo para ele era a convicção de que as formas
arquitetônicas não só requerem uma justificação racional,
como somente podiam justificar-se pelo uso de leis
derivadas da ciência. Em outras palavras, os racionalistas
do século XIX eram simplesmente aqueles arquitetos que
acreditavam que a forma arquitetônica era essencialmente
a forma estrutural, mesmo que se adornassem ou refinassem
a posteriori tais formas básicas.
Em geral, portanto, não se criticava o ornamento por
princípio, mas certamente se criticou, e muito, a forma como
era empregado- sobretudo naquilo que era chamado falta
de conveniência, de adequação ou de decoro. Até meados
do século XVIII, o ornato se aplicava unicamente aos edifícios
mais importantes e era constituído a partir de um vocabulário
relativamente limitado. A generalização do uso da decoração

145
arquitetônica a prédios com funções as mais variadas e para
diferentes classes sociais constituía uma novidade difícil de
ser absorvida nos meios intelectuais e artísticos. As posições
aqui variam: a mais comum parte do medo da
estandartização, como fica evidente nas violentas críticas
às fachadas urbanas uniformes, que aparecem com
frequência na Revue Générale de I'Architecture, dirigida por
César Daly. Mas há também posições mais radicais, como
a de Ruskin. Apesar de sua teoria arquitetônica ser
essencialmente ornamental, Ruskin, a propósito de uma
polêmica sobre a conveniência de se decorar as estações
ferroviárias , aconselhava a não se utilizar ornatos em
construções voltadas para a vida ativa ou do trabalho. Dizia
ele que "aonde quer que se possa descansar, aí se decora;
onde o descanso é proibido , também o é a beleza",
concluindo que não se deviam misturar"ornamentação com
os negócios" (Collins, 1965: 126).·
De qualquer maneira, a crítica é muito mais freqüente
nas artes decorativas do que na arquitetura propriamente
dita. Eram sobretudo os objetos - como aqueles
apresentados nas Expos ições Internacionais - que
despertavam os comentários mais incisivos, como os de
Owen Jones, que os identifica como "caprichos do gosto
mais vil, feio e incongruente" em sua Gramática do
Ornamento de 1856 (Collins, 1965: 124). A ornamentação
arquitetônica era muito mais conservadora, geralmente
apoiada na imitação das referências históricas e, desta
forma, se não envolvia grande invenção, pelo menos estava

146
escorada na tradição.
É importante ainda observar que a crítica ao uso
excessivo ou generalizado do ornamento ou ainda ao seu
gosto duvidoso nada tem a ver com o uso das máquinas,
porque a maioria dos adornos arquitetônicos se fazia ainda
esculpidos a mão ou moldados. Sabe-se de alguns casos
de mecanização, como uma máquina utilizada para talhar
madeira , utillizada na decoração interior do Palácio de
Westminter. Cinco máquinas deste tipo foram expostas na
Exposição Internacional de 1851 , mas na verdade os
equipamentos mecânicos para a ornamentação foram muito
pouco freqüentes. Certamente por este motivo, a decoração
se converterá num futuro próximo num procedimento
antiquado, porque não era possível levá-la a cabo por
processos de fabricação mecânica , próprios da época
industrial.
No século XX, seguindo certamente a sentença de Adolf
Laos de que o ornamento é crime, a decoração
arquuitetônica tenderá a desaparecer, num processo de
despoja mente formal igual ao da pintura e da escultura. A
ausência de adorno será, como também havia sido o seu
uso, de caráter simbólico - o poder dos prorprietários ou a
função dos edifícios passarão a ser expressos por
composições formais ou por um determinado tipo de
monumentalismo. Estava-se, na verdade, criando, como
aponta Peter Collins, um outro tipo de ornato - não como
algo aplicado às superfícies, mas como um fator básico da
composição arquitetônica. O próprio Walter Gropius, em seu

147
livro A nova arquitetura e a Bauhaus, de 1935, expressa esta
idéia, ao afirmar que o objetivo último da arquitetura é atingir
"a união inseparável, em que a velha linha entre elementos
monumentais e decorativos haja desaparecido para sempre"
(Collins, 1965: 127). O adorno, portanto, não deixou de existir,
apenas uniu-se imperceptivelmente à estrutura. Desta forma,
não foi a escultura que desapareceu na arquitetura moderna,
mas ao contrário foi a arquitetura moderna que se converteu
numa escultura abstrata.

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A Autora
Sonia Gomes Pereira
Mestre em História da Arte pela Universidade de Pennsylvania
Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ
Professora titular da Escola de Belas Artes/UFRJ.

150
O Laboratório de Computação Gráfica
da Escola de Belas Artes
lsis Fernandes Braga

Quando, após concurso público, tornei-me docente da


Escola de Belas Artes, unidade da UFRJ pela qual eu havia
recebido minha formação acadêmica, encontrei novas
disciplinas e novos cursos; entretanto a metodologia de
ensino continuava bastante semelhante a que eu conhecera
como discente.
Hoje, 14 anos após, constato, com alegria, mudanças
radicais , não só na estrutura da própria Escola, como na
metodologia do ensino, e até mesmo na apresentação dos
trabalhos práticos acadêmicos, feitos pelos alunos.
Há 14 anos, o único progresso que se tinha alcançado,
como apoio didático, eram as cópias de textos, em xerox, e
as projeções de diapositivos, que substituíam os antigos
epidiascópios. Eram melhorias muito bem vindas e os
docentes as aproveitavam para ministrarem suas aulas mais
objetivamente.
Já se ouvia falar em informática, em computadores; até
mesmo existia algo no Campus da Praia Vermelha e no
Centro de Tecnologia, mas para nós, de uma Escola de
Artes, era uma possibilidade remota. Já havia, no entanto,
professores que sonhavam com as melhoras de condições

151
para o trabalho neste campo, e que decidiram agir.
Cabe aqui, creio eu, uma reflexão sobre a Universidade,
desde sua criação até chegar à sua estrutura atual. Reflexão
essa que nos permitirá entender melhor as mudanças às
quais me referi e que foram resultado de ajustes durante este
longo período, desde que a universidade foi instituída como
difusora de saber.
A Instituição universidade teria suas origens na Grécia
antiga, quando pequenos grupos se reuniam para discutir
idéias. O conhecimento então era quase todo transmitido
de forma oral e dessas reuniões nasceram a aritmética e a
geometria, a filosofia e até mesmo a medicina como ciência.
Esses pensadores eram abertos ao novo, ao
desconhecido, questionavam e procuravam respostas. Eram
ilhas do saber no meio de um povo de iletrados e o saber
era passado apenas para uma minoria de pessoas.
Com a difusão do Cristianismo, o saber migrou para o
domínio dos religiosos. Sómente eles tinham acesso aos
manuscritos e uma minoria leiga , que ousou se lançar no
mundo do conhecimento, foi condenada pela Inquisição,
sobretudo durante a Idade Média, por práticas de bruxaria
ou por heresia.
Já no século XI em Bolonha, o ensino era voltado para
a legislatura. Na França, nas abadias de São Victor ou em
Santa Geneviéve, estudantes vindos de todas as partes do
mundo estavam recebendo conhecimentos ministrados pelo
clero. Os pensadores dessa época encontravam-se
exclusivamente entre os religiosos, e esta foi a organização

152
das universidades, da Idade Média até o século XVII.
No século XIII a Universidade de Paris já possuía o
direito de conferir diplomas de bacharel, licenciado e doutor.
Paris tornou-se um importante centro de cultura e ensino e
sua universidade, a Sorbonne, serviu como modelo para uma
série de universidades pelo mundo afora, como Oxford e
Cambridge, na Inglaterra, as quais, por sua vez influenciaram
outras, principalmente nos EUA.
Em toda a Europa eram criadas novas universidades e
na segunda metade do século XV surgiram, entre outras, as
de Basiléia, Upsala, Copenhagem, Barcelona e Glascow.
Com o fim do feudalismo a universidade começou a
adquirir a sua moderna configuração, pois a educação
vigente nesta época, com sua estrutura rígida, não era
apropriada às novas idéias do Renascimento e não se
harmonizava com o pensamento Humanista. Foi nessa
época que o clero começou a perder a sua hegemonia e as
universidades passaram para o Poder Real, tornando-se
questão pública dirigida por uma administração centralizada
e totalitária .
Em princípios do século XVIII, professores
universitários, como lsaac Newton, William Whiston e
Richard Cotes, tornaram-se os responsáveis pela
valorização das ciências exatas. Até então a Universidade
possuía um modo elitista, voltado para a educação de
privilegiados, que seriam os futuros líderes da sociedade.
Pouco a pouco a direção foi se deslocando para as
mãos de um Conselho Universitário, composto por membros

153
de todas as unidades liderados por um Reitor, muitas vezes
eleito por votação, direta ou indireta.
Paralelamente existiam as Corporações de Ofícios, nas
quais o saber prático era passado pelo Oficial ao seu
aprendiz ou a seu filho. Esta foi uma evolução natural
causada pela nova configuração em cidades, dos centros
populacionais , já então com centenas de milhares de
habitantes e todas as suas necessidades implícitas. O
Oficial desempenhava um papel intermediário entre o
produtor rural , o comerciante e o consumidor, habitante da
cidade.
A Universidade, tal qual é hoje, surgiu como
consequência da Revolução Industrial, em um lento e firme
processo, que teve repercussões no ensino superior no
Brasill.
No período co lon ia l brasileiro ainda não existiam
universidades. Os nossos joVens eram obrigados a
frequentá-las em Coimbra, Paris, Montpellier, Toulouse, ou
na Inglaterra. As nossas primeiras Escolas Superiores foram
criadas no século XIX.
A fundação da Escola de Belas Artes é anterior à
organização acadêmica da Universidade em nosso país,
pois ela se efetuou com a chegada, em 1816, da Missão
Artística Francesa, cuja formação deveu-se à vinda para o
Brasil da Família Real portuguesa. Os fatos passaram-se
assim:
embora não fosse culto, Dom João admirava e
respeitava a erudição, preocupando-se em garantir uma

154
elite civil e militar. Assim, trouxe a primeira tipografia, que
logo começou a funcionar, em maio de 1908, imprimindo
livros científicos, literários e um jornal- A Gazeta do Rio de
Janeiro. Por sugestão do conde de Unhares o príncipe
regente estimulou a criação de museus, bibliotecas e
escolas. Sucessivamente foram criados diversos
estabelecimentos de ensino superior. Professores, cientistas
e artistas vieram participar da organização das escolas.
Dentre eles os integrantes da Missão Artística Francesa
São ainda obscuras as circunstâncias que deram origem
à Missão Artística Francesa . De acordo com alguns
estudiosos, a iniciativa de formá-la deveu-se ao marquês
de Marialva, que nisso teria sido aconselhado pelo naturalista
Humboldlt. Depois de obter o consentimento do conde de
Barca, ministro dos Assuntos Estrangeiros de Dom João
VI, o marquês teria convidado os artistas franceses.
Outros acreditam que estes artistas procuraram o Brasil
como refúgio. Esta hipótese seria confirmada pela carta de
Nicolas Antoine Taunay à rainha de Portugal, rogando-lhe
que persuadisse Dom João a contratá-lo a a seus
companheiros da Missão para lecionar no Brasil.
Esta chamada "Missão Artística Francesa" deu origem
à Imperial Academia de Belas Artes. Também ela passou
por várias reformas, além da volta para a Europa de alguns
de seus membros, não adaptados ao Novo Mundo.
Com o advento da República, a Imperial Academia de
Belas Artes transforma-se na Escola Nacional de Belas Artes
que, só em 1931 foi incorporada à Universidade, então do

155
Rio de Janeiro. Em 1937 ela passou à Universidade do
Brasil e, desde 1965 até hoje, é uma das Unidades da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, pertencendo ao
Centro de Letras e Artes.
Segundo o professor Carlos Zílio, uma instituição deve
estar sempre se questionando para se manter viva. Isso me
levou a pensar nas razões que nos levaram a lutar pela
criação de um Laboratório de Computação Gráfica no seio
de uma Escola de Belas Artes que, de certa maneira, ainda
guardava costumes das academias.
Cabe-nos aqui fazer um reparo. Em artes plásticas o
termo acadêmico tomou um significado um pouco diferente
de acadêmico em função de procedimento de membros de
uma universidade. A verdade é que muitos dos
procedimentos da antiga Academia Imperial de Belas Artes
foram prejudiciais ao desenvolvimento da arte brasileira,
mantendo, com mão de ferro, normas e preceitos de um arte
que já não satisfazia os anseios de muitos artistas, os quais,
ao exemplo dos impressionistas na França, eram relegados
a um segundo plano.
Em plena década de 80 ainda havia procedimentos
acadêmicos, mas acadêmicos em termos de restringir e
constranger a livre criação de jovens artistas, e não em
termos de vida acadêmica. Era a política do acadêmico, do
artista preocupado ainda com procedimentos técnicos do
século XIX. Tal termo, mal empregado, ainda hoje persegue
a Escola de Belas Artes , não como uma unidade acadêmica
da universidade, mas como uma Escola de Artes acadêmica

156
no sentido de atrasada em relação ao novo.
Uma grande parte dos docentes e estudantes já se
questionava antes dos anos de repressão , quanto a esses
procedimentos. Tenho certeza de que foi essa inquietação,
esse desejo de estar a pardo novo, do progresso, que moveu
as engrenagens.
É sabido que muitos dos grandes artistas do passado
e da atualidade frequentaram nossas salas de aulas e
oficinas, embora muitos deles silenciem a esse respeito ,
talvez como resultado da acima citada pecha de acadêmicos
e da repressão política. É verdade que entre os docentes
do passado próximo tivemos nomes como Oswaldo Goeldi,
Quirino Campofiorito, Aloysio Zaluar, Fernando Pamplona,
Rosa Magalhães, Maria Augusta , Mário Barata, e tantos
outros, todos eles expoentes do modernismo. É v.erdade que
na atualidade temos docentes ativos da categoria de Lygia
Pape, Elizabeth Filipecki, José Dias, Adir Botelho, Almir
Paredes Cunha, Carlos Zílio, Paulo Houayek, Lourdes
Barreto e outros, cuja produção está perfeitamente
enquadrada na modernidade.
Nossa Escola de Belas Artes tem tentado acompanhar
as mudanças ocorridas no mundo em relação às artes
plásticas e aplicadas. Entretanto, apesar de todas as
reestruturações em seu currículo e do esforço de seus
docentes, ela ainda é vista como uma escola acadêmica
(no sentido que abordamos acima) e de currículo retrógrado.
Nada mais injusto: o currículo da EBA é dos mais atuais,
estruturalmente baseado em escolas de arte como a

157
Bauhaus, ou a Escola de Design de Ulm, em que o ensino
de Arte se alia ao ensino de Desenho Industrial e das artes
.aplicadas como a Cenografia, Composição Paisagística e
Composição de Interiores, porém adaptado às necessidades
da vida atual.
Esse contexto possibilita trocas e interação de idéias
e técnicas, inexistentes na maior parte dos estabelecimentos
de ensino artístico no Brasil. É também um fator de dinâmica
e modernidade.
As formas de produção, captação, transmissão,
reprodução, processamento e armazenamento da imagem
têm mudado vertiginosamente neste século: o microscópio,
o telescópio, a radiografia, a fotografia , o cinema, a televisão,
o radar, o vídeo, o satélite, a fotocopiadora, o ultrasom, a
ressonância magnética , o raio lazer, o telefax, a infografia
são provas. Estas máquinas permitiram ao homem alargar
o âmbito de visão de um Úniverso que jamais seria
conhecido à olho nu. Desde o infinitamente pequeno ao
infinitamente grande a visão moderna estabeleceu entre o
homem e o seu mundo uma relação objetiva. Essa visão
tem o poder de tornar real tudo o que ela traduz através de
máquinas. É como se, à maneira de Paul Klee, mas em outro
contexto, pudessemos dizer: Não mais representara visível,
mas tomar visível.
A nossa Escola de Belas Artes visa, em primeiro lugar,
o estudo da imagem. Ao abrigar em seu seio um Laboratório
de Computação Gráfica, que trabalha com a imagem de
síntese, numérica, a Escola de Belas Artes está se afirmando

158
uma Escola atual e atuante.
Durante o IV Congresso Brasileiro de História da Arte,
Pierre Gaudibert membro do Centro Nacional de Artes
Plásticas de Paris explicou de forma concisa e clara o
conceito do moderno" ... indica o presente, o atual, o recente,
o jovem, e se opôe ao antigo, ao velho, ao ultrapassado.
Moderno é frequentemente contemporâneo à aquele que
fala. Na Idade Média ele marcou primeiro a separação com
a Antiguidade. Depois, no século XVI, com a Renascença,
ele tornou-se a separação com a Idade Média. De onde,
ainda hoje, a expressão Os Tempos Modernos, que cobrem
a duração da Renascença até hoje; ( ... )a data arbitrária
escolhida, no Ocidente, para marcar o início da Arte Moderna
é 1905, aparecimento simultâneo na Europa dos Fauves,
dos Cubistas e dos Expressionistas( .... ) a modernidade é
uma regulação cultural, uma sombra da Revolução sonhada
e abortada, mas também um esforço c_rítico para pensar a
história. Ela inclui o problema das "avant-gardes", termo de
origem militar, portador da idéia de avanço de pequenos
grupos de atores culturais sobre a grande massa da
população e que engendra uma série de revoluções
permanentes".
Concluímos, portanto, que o moderno é o que está
aberto ao novo, ao que vem substituir o antigo, enfim, aberto
ao criativo. Posição conscientemente adotada pela Escola
de Belas Artes.
Realmente a posição da Escola de Belas Artes em
relação à criação de seu Laboratório de Computação

159
Gráfica foi uma posição de avant-garde, uma reflexão crítica
sobre o futuro do design e das artes em geral, e uma
afirmação consciente de sua modernidade.
Desde 1985, quando voltou de um Mestrado em
fotografia no Brooks lnstitute of Photography, em Santa
Barbara, Califórnia , EUA, o professor Victorino de Oliveira
Neto lutou pela criação e instalação deste laboratório. Seu
entusiasmo pela informatização logo contagiou outros
professores.
Foi nomeada uma Comissão de Informatização EBA-
UFRJ, cuja primeira reunião deu-se em 08 de abril de 1987,
constituída de membros representantes de cada um dos
colegiados dos Departamentos da EBA, um representante
dos funcionários técnico-administrativos e um representante
da Bilbioteca, a qual, após muita reflexão e discussões
salutares, resolveu criar um Laboratório Interdisciplinar, ligado
à Direção da Escola.
Destes encontros surgiu o Conselho Coordenador do
Laboratório de Computação Gráfica, formado então pelos
professores Victorino de Oliveira Neto, seu Presidente, Profs
Celso Pereira Guimarães, Luiz Augusto Pedra! Sampaio,
Valdir Ferreira Soares, Carlos Alberto Murad, da Eba, prof.
Prometeu da Silveira da FAU e pelos representantes do NCE
Carlos Eduardo Mendes de Azevedo, Maurício Nunes da
Costa Bonfim e José Antônio Borges.
Com a criação deste Conselho fica também
estabelecido convênio com o Núcleo de Computação
Eletrônica/NCE, que nos prestaria apoio técnico e material

160

para a montagem do LCG. Com a saída do prof. Carlos
Alberto Murad para viajar em virtude do seu pós-
doutoramento na França assume, em 06/12/1988, como
membro do Conselho, a profa, lsis Braga.
Em portaria de 19 de setembro de 1989, o Diretor da
Escola de Belas Artes dispensa os professores acima
citados, da função de membros do Conselho de
Coordenação, aproveitando para agradecer a maneira
como conduziram os trabalhos até então. Em portaria desta
mesma data, o Diretor da Escola de Belas Artes e o
Coordenador do Núcleo de Computação Eletrônica da
UFRJ, no uso das atribuições que lhes confere o Regimento
Interno- resolvem constituir o Conselho de Coordenação
do Laboratório de Computação Gráfica da Escola de Belas
Artes, tendo como membros, os seguintes professores:
Victorino de Oliveira Neto, Coordenador do Conselho, Luíz
Augusto Pedral Sampaio , Valdir Ferreira Soares , lsis
Fernandes Braga, Maria lrene Moreira Pereira de Melo,
Maurício Nunes da Costa Bonfim e Prometeu da Silveira.
Como Secretária a funcionária técnico-administrativa Márcia
Dacache Felício. O representante dos discentes não foi
eleito pelos mesmos.
Posteriormente deixaram o Conselho de Coordenação
do LCG os professores Celso Pereira Guimarães, por
motivo de viagem de estudos e o prof. Prometeu da Silveira
por aposentedoria. O prof. Prometeu da Silveira foi
substituído pela profa. Eveline Santana Vieira.
Como suporte e consultoria, o Núcleo de Computação

161
Eletrônica da UFRJ, na pessoa do pesquisador Sérgio
Rocha, teve um papel importante. Além disso, dois de seus
funcionários técnicos administrativos, os pesquisadores
Antônio Borges (introdução à computação gráfica , 1987) e
Maurício Bonfim ( curso de programação em linguagem
Pascal, 1989) ministraram os primeiros cursos no então
recém inaugurado Laboratório Público de Informática do
Centro de Letras e Artes a um grupo de docentes da EBA e
da FAU, diretamente interessados no assunto, Victorino de
Oliveira Neto, Paulo Houayeck, Celso Pereira Guimarães,
Ricardo Wagner, Valdir Soares, lsis Braga, Francisco Gurgel
Salles, Lúcia Costa, Carlos Alberto Murad, Nilson Bastos,·
além de um aluno (Carlos Eduardo Moraes), e uma
funcionária técnica administrativa, Lúcia Blanco.
O segundo passo , no sentido de forçar uma resolução
quanto à instalação física do LCG/EBA, foi uma ocupação
maciça do Laboratório do CLA. -Assim os Professores Lygia
Pape, lsis Braga, Nelsi Saldanha da Gama, Victorino de
Oliveira Neto e Celso Guimarães começaram a ministrar as
suas respectivas disciplinas, desde 1988 no referido
Laboratório. O prof Frandsco Gurgel Salles fazia a sua
parte com os alunos da FAU, sendo mais tarde substituído
(por razão de falecimento) pelo pro f. José Kós. Nossos
alunos marcavavam e usavam todas as horas disponíveis
nos micros do Lab/CLA . Podemos dizer que vencemos
pela ocupação.
Os primeiros frutos da semente lançada em 1985,
quando da nomeação do prof. Victorino de Oliveira Neto

162
como Assessor da Diretoria em assuntos de informática já
amadureciam. Os profs. Celso Pereira Guimarães e lsis
Braga foram convidados pela organização do 8° Seminário
de Microcomputadores do NCE - SEMICRO, para
ministrarem um Metacurso Design Gráfico por Computador,
que foi dos mais concorridos durante o Seminário.
Em 1988 a disciplina Introdução à Computação Gráfica
nas Artes, BAW 471 , 3 créditos, quatro horas semanais, já
constava do ementário do Curso de Desenho Industrial,
habilitação Programação Visual, visando o "conhecimento
e utilização das ferramentas de computação gráfica. Prática
de composição. Incentivo à criatividade através do estímulo
de pesquisa com utilização das ferramentas apresentadas".
Os softwares utilizados eram Paint Brush e Dr. Hallo.
Finalmente , em dezembro de 1990, após muitas
démarches, com a ajuda da Fundação Universitária José
Bonifácio, além de algumas Sub-Reitorias e do CLA,
pudemos inaugurar o nosso Laboratório de Computação
Gráfica. O equipamento conseguido para a área de ensino
consistia de cinco micro computadores, dos mais modernos
na época, de monitores monocromáticos, compatíveis com
PC/ XT, com processador aritmético, dois acionadores de
disco flexíveis, disco rígido de 20 Mb monitor monocromático
e mo uses. Dois destes equipamentos estavam ,ligados a
impressoras matriciais de 1990 cps, para formulários de até
132 colunas.
Para a área de pesquisa e administração possuíamos
além de um microcomputadore, um scanner de mão, placa

163
tipo EGA, monitor colorido e mouse, conectado a uma
impressora matricial.
O público alvo, nesta primeira fase, foi constituido pelos
alunos de Desenho Industrial em suas duas habilitações,
Projeto de Produto e Comunicação Visual. Já estava criada
a disciplina de Iniciação à Computação Gráfica nas Artes,
e foi criada a de CAD (Computer Aided Design) que, nesta
primeira etapa, se limitavam a ministrar noções dos
programas oficialmente disponíveis, por razão da Política
de Reserva de Mercado em Informática muito rígida.
Foram anos de muita luta e esforço. Os estudantes
reclamavam e pediam maior abertura no LCG, melhores
equipamentos e mais turmas. Estudantes de outros cursos,
como a pintura, escultura e gravura, através de seu então
Coordenador, Prof. Adir Botelho, exigiam o direito de lhes
serem ministradas aulas de iniciação à Computação Gráfica.
O Professor Victorino, Coordenador do Laboratório e
presidente do seu Conselho, negociava, pedia, exigia,
argumentava. Conseguiu cinco microcomputadores 486
compatíveis com PC-XT, com monitores policromáticos, e
uma impressora a laser para substituir as velhas impressoras
matriciais. Euforia e esperança eram os sentimentos de seus
docentes.
No dia 25 de outubro de 1993, sendo coordenador do
Núcleo de Computação Eletrônica o prof. Júlio Salek Aude,
diretor da Escola de Belas Artes o prof. Leonardo Visconti
Cavalleiro, o coordenador do LCG, pro f. Victorino inaugurou
a atualização dos equipamentos computacionais do LCG-

164
EBA e a exposição Imagens lnfográficas, primeira mostra
dos trabalhos dos alunos da Escola de Belas Artes
envolvidos nas disciplinas do LCG.
Durante todo este processo contamos com o
inestimável concurso da engenheira e funcionária técnico-
administrativa Márcia Felício, transferida, a pedido, por
razões de moradia, para a UFF. Em 1990 o funcionário e
designer Roberto Pitombo transferiu-se, dos Serviços
Gráficos da UFRJ para o LCG, onde permanece prestando
serviços técnicos e de apoio. Hoje contamos ainda com o
funcionário técnico- administrativo Augusto, que ocupa-se
dos meandros burocráticos do LCG.
Em 1994 o prof. Leonardo Visconti Cavalleiro deixa a
Direção da EBA e o prof. Voctorino de Oliveira Neto coloca
o seu cargo em disposição , mas é mantido pela nova
Diretora, profa. Elizabeth Amália BoscherTorres.
Enquanto isso o panorama da informática no mundo ia
mudando, em velocidade incrível: Os micros se
miniaturizavam e sua configuração tomava-se cada vez ma i~
potente. Surgiram placas gráficas modernas, que substituíam
uma estação de trabalho inteira. A informatização invadia
os mais diversos campos de especialização.
A grande rede de comunicação mundial WWW se
instalou também no LCG, e os professores e alunos
passaram a possuir um poderoso recurso para pesquisas
e divulgação. O estagiário Marcelo Pinto Gonçalves dedica-
se à manutenção de rede e pesquisas sobre a Internet, no
que tem se mostrado inestimável. Cria um site sobre o LCG

165
e a Escola de Belas Artes.
A forma de trabalhar do designer foi mudando e seu
comportamento, seu modo de encarar os desafios inerentes
à sua profissão também. Hoje é inconcebível um escritório
não informatizado. A própria atitude mental mudou. O micro
é mais uma ferramenta, os profissionais que adicionaram o
computador ao lápis e à prancheta, podem visualizar cada
imagem e explorar suas inúmeras possibilidades,
modificando-as, substituindo suas cores, a um simples toque
de tecla.
A imagem tornou-se objeto de metamorfose. Essa
interatividade com o computador permite ao usuário variar,
improvisar, exercer controle. Dispositivos de saída gráfica,
plotters, impressoras, traduzem em velocidade e alta
resolução imagens precisas, que seriam imperfeitas se
executadas pela mão humana. Uma imagem pode ser
totalmente criada no micro, ou ela pode ser scaneada e,
dessa imagem geradora, surgirem as transformações
imaginadas e planejadas pelo seu autor, que já sairão em
forma de, por exemplo, fotolitos , que entrarão diretamente
nas impressoras, gerando um livro.
Quando iniciamos, nenhum Professor possuía o seu
próprio micro. Alunos, então, nem falar. Depois, um aluno
em dez era o feliz proprietário de uma máquina. Hoje, em
dez alunos, nove possuem seu computador, seu scanner e
sua impressora, e os dominam de forma satisfatória. Os
trabalhos teóricos são finalizados em editores de textos, os
projetos gráficos são ilustrados com imagens geradas por

166
computador, os projetos de produto são renderizados em
imagem de síntese ...
Finalmente, em junho de 1995, foi re-inaugurado o LCG,
como Laboratório de Graduação da EBA. Atualmente ele
possui 42 micros de última geração e uma impressora a
jato de tinta que permite impressões a cores. Seu espaço
físico não é mais suficiente e está aprovada uma expansão
para a sala vizinha.
Foi instalada uma sala de pesquisas, atualmente
possuindo cinco micros. Como forma de estímulo foram
concedidas cinco bolsas de estágio a alunos de Belas Artes
e de Engenharia, num intercâmbio saudável. Formou-se uma
fila de candidatos e, mesmo depois que a SR1 foi obrigada
a suspender essas bolsas eles continuaram a trabalhar com
afinco, desenvolvendo animações e se aprofundando nos
programas.
Os estudantes de Artes, Composição Paisagística,
Interiores e Cenografia já recebem aulas em turmas mixtas.
Creio que esse confronto é muito saudável, pois
indiscutivelmente os estudantes de Arte possuem uma
criatividade mais solta, menos contida e a interatividade com
os de outras carreiras, mais técnicas, é extremamente
proveitosa, para ambos os lados.
O futuro da informática está, creio eu, assegurado no
contexto do ensino artístico. Com o simples acesso à Grande
Rede Mundial, a WWW, rede de comunicações via satélite,
os professores de História da Arte já podem levar seus
alunos para passeios nos mais longínquos museus, ou

167
consultar centros de pesquisa até então inacessíveis, ou até
mesmo visitar o Website da EBA , criado por seus
estagiários. A UFRJ instalou um provedor e agora estamos
ligados à "Grande Rede".
O Correio Eletrônico tornou possível a conversa e troca
de informações em tempo real , entre pesquisadores de
todas as partes do mundo e planejamos, para futuro bem
próximo, a Universidade Virtual, na qual alunos ligados em
rede, receberão instruções e enviarão seus trabalhos para
professores do outro lado da rede.
Em 1998 foi adquirida uma Câmera Fotográfica Digital,
a Mavika FD5, da Sony, que tem se mostrado de auxílio
inestimável na captação de imagens a serem trabalhadas
em aula pelos alunos, trazendo assim a fotografia dentro da
Escola de Belas Artes para a era da eletrônica,.
O atual Coordenador do Laboratório de Computação
Gráfica, LCG/LIG, é o professor Luiz Antônio Braga, que
sucedeu ao professor Victorino de Oliveira Neto, o qual
deixou o cargo em 1996, quando eleito Diretor da EBA.
No futuro, o LCG pretende ampliar seu âmbito de
atendimento a todos os cursos e aprofundar suas pesquisas
atendendo assim a todos os membros da comunidade
acadêmica da Escola de Belas Artes.
Estamos formando a primeira geração de profissionais
aptos a utikizar, no mundo das imagens gráficas, uma nova
forma de per:sar e projetar. Estes alunos de hoje,
profissionais amanhã, são os pioneiros de uma nova era.
Em suma, a meta do LCG é criar uma categoria de

168
estud antes realm ente prepa rada para os desafios e
co mpetitividade do mundo profissional.

Referências Bibliográficas
ARTE NO BRAS IL. Rio de Janeiro : Abril Cultu ral, 1982
BRAGA, lsis, GUI MARÃES , Celso, NOÉ, Cláudia. Design Gráfico por
Computador. Rio de Janeiro : NCE-UFRJ 1998.
GAUDI BERT, Pierre. In: A modernidade. Anais do IV congresso brasileiro
de história da arte. [BRI TES, Blanca, CATTANI ,Icleia Borsa, KERN ,
Maria Lúcia Bastos, org.]. Porto Alegre : Instituto de Artes/UFRGS;
FAPERG,CNPq, 1991. (Coleção Estudos de Arte 2).
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência, o futuro do pensamento na
era da informática, tradução Carlos lrineu da Costa. Rio de Janeiro :
Ed. 34, 1993.
PARENTE, André (org .). Imagem Máquina, a era das tecnologias do
virtual, tradução Rogério Luz et alii. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

Fontes Primárias
Depoimento do Professor Victorino de Oliveira Neto, Coordenador do ·
LCG .

A Autora
lsis Fernandes Braga
Docente da Escola de Belas Artes/UFRJ , Computação Gráfica,
Fotografia, Tecnologia e Produção da Imagem A, Análise da
Imagem 1 e 2.
Mestre em História da Arte, concentração em Antropologia da Arte,
EBNUFRJ.

169
Futuro, uma palavra chave para o LCG
Luiz Antonio Fernandes Braga

O Laboratório de Computação Gráfica da Escola de


Belas Artes é, falando de maneira simples e sintética, uma
cunha do futuro no presente, e extrapolando, até no passado,
representado de forma tão significativa pela Escola.
O LCG, como passaremos a denominá-lo de agora em
diante, encara a cada dia a tarefa de trazer tecnologia
computacional para do campo das artes, possibilitando aos
aluno s da Escola manterem uma relação com esta
tecnologia, que avança a cada dia mais e mais, sem respeitar
cadências ou barreiras.
De certo modo , são bem parecidas , a arte e a
informática. Suas barreiras ...que barreiras?
Está aí , justamente, o desafio que enfrentamos e
procuramos superar no LCG-EBA, e que temos em mente
quando planejamos o desenvolvimento do Laboratório no
futuro . São estes dois elementos, a arte e a informática,
que se encontram na Escola (nas mentes e mãos dos alunos)
que devem ser administrados, dirigidos e gerenciados, ou
mesmo deixados soltos, para que não lhes sejam impostas
barreiras, que neles próprios não existem.
O LCG é utilizado por um elenco de disciplinas dos
cursos de graduação da Escola de Belas Artes, e algumas

171
dos cursos de pós-graduação. Hoje, diversos cursos de
graduação tem disciplinas de computação obrigatórias, que
obviamente tem o papel de trazer o conhecimento dos
recursos computacionais para as diversas áreas das artes
lecionadas nesta instituição.
O planejamento e a expansão das áreas cobertas pelas
disciplinas de computação levam em conta as necessidades
dos diversos cursos da Escola, os recursos disponíveis, em
termos de equipamentos, e as tecnologias existentes.
Atualmente, o laboratório oferece as seguintes
disciplinas:

Computação Gráfica nas Artes I

Esta é a disciplina introdutória, onde os alunos que não


tem conhecimento algum de computação têm o primeiro
contato com a máquina e se~s componentes. Nesta
disciplina também é feito o nivelamento dos alunos, porque
mesmo os que já possuem equipamento, muitas vezes, não
detém conhecimento sobre ele.
O trabalho é desenvolvido em cima do tratamento de
imagens com programas matriciais, envolvendo desde a
captura da imagem, através de digitalização ou fotografia
digital, até a criação sobre alterações da imagem capturada,
o que engloba o desenvolvimento de um trabalho dentro do
computador, baseado em projeto feito fora dele.

Computação Gráfica nas Artes A

Esta disciplina tem por objetivo apresentar as técnicas

172
básicas utilizadas em hipermídia, com uso de ferramentas-
programas- para composição de documentos eletrônicos e
ambientes virtuais.
O ambiente virtua l, ou seja, neste caso, o ambiente da
Internet, é o âmbito em que o campo do designer gráfico
mais tem crescido ultimamente.
Dotar o discente de ferramentas para melhor interagir
com este meio é fundamental para facilitar seu
desenvolvimento profissional, numa área extremamente
competitiva e de mudanças rápidas, uma vez que lida com
tecnologia de ponta e desenvolvimento de novos recursos
gráficos.

Computação Gráfica nas Artes D

Nesta disciplina o aluno aprende modelagem e


representação bi e tri-dimensional, em ambientes gráficos.
É uma disciplina muito importante para os cursos de Desenho
Industrial , uma vez que o domínio da técnica irá facilitar a
confecção e apresentação de seus projetos, quer no âmbito
acadêmico, quer no profissional. A representação gráfica,
com realismo, de objetos imag inados torna-se, quase, que
a materialização instantânea da imaginação.

Computação Gráfica nas Artes E

Para a área de Programação Visual em específico, as


transformações trazidas pelo computador e seus acessórios
foi muito grande. Todo o processo de produção das peças
gráficas foi alterado, sendo alterado inclusive o processo

173
criativo, uma vez que o computador permite que se faça,
instantaneamente, cópias de um trabalho com pequenas
alterações, de forma que se possa escolher a melhor opção.
Este processo anteriormente era todo muito demorado, e
exigia um nível de erro muito pequeno, de preferência, nulo.
Neste caso, estamos agora na era da interatividade,
onde podemos mudar sem medo do erro, porque tudo pode
ser corrigido ou alterado. A era do undo tornou o processo,de
certa forma, mais empírico. Justamente para levar ao
conhecimento dos alunos as novas tecnologias à disposição
nesta área , é que existe a disciplina ora referida.
Podemos resumir seu conteúdo como Editoração
Eletrônica, embora a tradução da denominação em Inglês
nos seja mais esclarecedora- Editoração de Mesa- ou seja,
feita em pequenas estações de trabalho.

Computação Gráfica nas.Artes F

Esta disciplina foi desenvolvida para os cursos de


Composição de Interiores, Cenografia, Indumentária e
Paisagismo, sendo uma disciplina introdutória à
computação, mas com desenvolvimento sobre recursos de
interesse específicos destas áreas, como desenho de plantas
baixas e representações tri-dimensionais, e não sobre
tratamento e captura de imagens, como ocorre com a
Computação I.
O espectro da área da Computação Gráfica coberto
por estas disciplinas, em relação ao todo, existente ou em
desenvolvimento, é pequeno; entretanto, novas disciplinas

174
estão sendo planejadas, e terão sua implantação em breve,
como por exemplo a que versará sobre o tratamento digital
da informação óptica, ou aind a as de animação digital.
Pode parecer ao leitor que o que se desenrola é muito
técnico, e muito específico para o aluno aprender e tirar
proveito, entretanto, hoje, o profissional que estará lidando
com recursos de desenho ou modelagem ou animação
computadorizados, não pode mais limitar-se a dizer o que
quer. Em primeiro lugar, tem que saber fazer ou pelo menos
saber como deve ser feito .
É por isso que o enfoque dado nas disciplinas de
Computação Gráfica , não é o técnico, mas o investigativo,
de pesquisa mesmo. O aluno não vai a aula para aprender
os comandos de um novo programa, ele vai investigar,
pesquisar o funcionamento de um sistema, a partir do qual
ele tirará suas conclusões para se aprofundar mais na
questão.
Uma vez que os programas são todos baseados em
atividades já desenvolvidas antes de seu advento, como por
exemplo a diagramação, torna-se claro, durante seu uso,
como aquela atividade era desenvolvida anteriormente.
Além do aspecto didático do laboratório, um outro
aspecto tem norteado as atividades ali desenvolvidas,
principalmente as atividades individuais, em horários livres.
Com o advento da Internet, o LCG passou a ser um portal
de comunicação dos nossos alunos com o mundo ,
conhecendo pessoas de outros países, fazendo pesquisas
para as demais disciplinas, em suma , buscando

175
informações disponíveis na grande Rede.
Como é natural, o futuro sempre está a nossa frente, e
as tecnologias que já estão disponíveis em outros pontos
do globo, muitas vezes, ainda têm que percorrer um longo
percurso - de tempo - até que cheguem em nosso meio
acadêmico. É preciso ressaltar ,e ntretanto , que o
conhecimento da existência de tais, ou quaisquer, novidades
em geral, encontra-se disponível ao acesso instantâneo no
ciberespaço formado pela www e pelo fluxo de informações
que trafega em publicações tradicionais, hoje mais
disponíveis.
Por essas razões , cremos que o Laboratório de
Computação Gráfica desempenha um importante papel na
Escola de Belas Artes, que por sua vez, representa, de certa
forma, o futuro presente.

Referências Bibliográficas·
BRAGA, Luiz Antonio Fernandes. O mundo digital. O homem e o
computador: uma comunicação em desenvolvimento. Rio de Janeiro :
EBA/UFRJ , 1998. (Dissertação de Mestrado).

O Autor

Luiz Antônio Fernandes Braga


Professor do LCG e do BAV- EBAIUFRJ
Mestre em História e Crítica da Arte/EBAIUFRJ

176
Educação, Design e Competitividade
Paulo de Oliveira Reis Filho

Ao passar pela Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, me


deparei com um triste manifesto, difícil de não ser percebido.
Na varanda de um luxuoso apartamento, enormes letras
penduradas no teto formavam a frase "exigimos segurança".
Os moradores manifestantes, certamente haviam sido
vítimas de algum tipo de violência ... O mesmo tipo de
manifestação, podemos ver e sentir todos os dias à nossa
volta, seja conversando com as pessoas, lendo jornais,
assistindo televisão ou mesmo sozinhos em nossos
pensamentos. Estamos todos assustados, o medo e a
revolta são sentimentos corriqueiros. Nossa reação imediata,
não costuma ser outra senão: "exigimos segurança", "alguém
tem que fazer alguma coisa", "tem que se prender essa
gente"... Sem dúvida nenhuma, a insegurança nos fez reféns.
Porém , ao me deparar com o manifesto naquela
varanda, ao ler "exigimos segurança", quase que
imediatamente visualizei a frase "precisamos de educação"
ou "exigimos educação".
É preciso perceber que só através da educação é que
podemos mudar esse quadro. E mais que isso, promover a
educação no país, é planejar a sociedade, é criar cidadania,

177
é promover o debate, é capacitar a criatividade, é sustentar
a cultura, é criar estímulo para a solidariedade, é promover
a pesquisa e, por fim , e onde eu queria chegar, é se
posicionar de forma eficaz para enfrentar os desafios e as
exigências que o novo cenário global impõe para quem
quiser competir.
O demagógico discurso de privilegiar a educação
básica , como sendo o primeiro passo para uma mudança
efetiva, considero pouco nítido, visto que de maneira geral,
apenas serve como uma desculpa oficial para se fazer muito
pouco. Não podemos pensar apenas nos frutos futuros que
podemos colher, é necessário e vital investir em diversas
linhas de ação simultaneamente e agora.
A educação, a formação profissional qualificada e o
estímulo à pesquisa devem ser consideradas ferramentas
estratégicas, capazes de dar sustentação a programas de
políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico, ou seja,
capazes de agregar valor diferencial competitivo no
selvagem mercado globçl. A educação deve merecer
portanto, um status de fator estratégico básico para
sobrevivência na economia global.
Hoje, não mais nos referimos ao nosso planeta como
"a terra", o "mundo" ou "o globo", nos referimos à ele como
"o mercado global".
Se no passado recente , ainda valiam outros elementos
qualitativos essenciais para delinear a imagem institucional
de uma nação, hoje estamos diante de um quadro mais
secamente objetivo. Um país, nesse mercado global, é

178
-
considerado e avaliado, cada vez mais, pelo que suas
empresas representam ao novo mundo ligado em rede.
Nesse grande mercado interligado, as nações parecem
se diluir, na forma de empresas, e se entrelaçam mundo à
fora , participando da vida econômica de distintos países,
através de cotas acionárias nas várias mega empresas
transnacionais. Mas, apesar de diluídas, a soma das atitudes
e posturas das distintas empresas é que vão passar a
representar o país nesse cenário.
Dessa forma, voltando ao problema da educação, torna-
se fundamental, nossas empresas estarem sustentadas por
uma mão-de-obra com qualidade educacional e profissional,
e ainda mais, que tenha arraigada e viva em si , a nossa
cultura.
Esse mercado, ou melhor, esse novo paradigma, tem
uma característica de considerar como globais, ou
universais , certos conceitos, hábitos e regras. São
parâmetros que foram se formando (alguns de forma natural,
outros nem tanto), com a própria dinâmica evolutiva do
mercado, são posturas que passaram a ser fundamentos
básicos para a competição global : como a atenção e o
respeito aos direitos humanos, trabalhistas e sociais de todos
os cidadãos, a inofensividade ecológica, a qualidade dos
produtos e serviços, o preço justo, etc.
As empresas passaram a ter seus movimentos
monitorados permanentemente, não só pelas organizações
não governamentais (ONGs) como também pelos próprios
consumidores, que agora , com um espectro de informação

179
maior, questionam, investem e exigem competência,
qualidade e responsabilidades. Esses itens, de certa forma
passaram a ser elementos básicos vitais para a
sobrevivência das estruturas empresariais. Dessa forma, as
estratégias de diferenciação estão cada vez mais baseadas
no designe na mídia.
Esta tendência apresenta duas questões que considero
básicas, para qualquer país que queira sobreviver nesse
mundo global com alguma dignidade, ou seja competindo.
Primeiro, deve-se possuir uma mínima e sólida base
educacional, qual inclui conhecimentos básicos gerais e
capacidade mínima de reflexão e tomada de decisão.
Segundo, ser capaz de, apoiado em sua cultura, imprimir
sua marca, seu diferencial aos produtos e serviços
oferecidos. Falamos então, de identidade , e mais
especificamente de um tipo de identidade institucional que
podemos e devemos formar, à partir do desempenho de
nossas empresas.
É certo que tratar desse assunto de forma séria, seria
promover uma grande discussão entre os agentes
estrategistas oficiais, a classe industrial, os institutos de
pesquisa e as universidades, com o objetivo de se formular
uma política competitiva, tecnológica e industrial, baseada
na pesquisa e voltada para o novo paradigma mercadológico
global.
Infelizmente, o que temos visto em relação a política
estratégica, é um amontoado de ações desconexas, e
muitas vezes contrárias, que por possuírem um mesmo título

180
temático são enquadradas e agrupadas como algum tipo
de política setorial.
"Já existem várias políticas em andamento,( .. .) o país
precisa abandonar sua mentalidade pacoteira, ( ... ) o
aumento da base exportadora é a saída para combater o
desemprego ... ", esbravejam os assessores de imprensa,
como que justificando a letargia oficial. ..
Uma política não se faz de pequenas políticas, como
querem os defensores do "modelo" em andamento no país,
uma política industrial se baseia em uma visão estratégica
geral, com ações estratégicas específicas, baseadas em
táticas flexíveis e guiados por objetivos bem delineadas.
Nesse sentido, exportar não deve ser o objetivo, competir,
ter capacidade competitiva sim. Não precisamos ir ao
exterior para competir, "eles" estão aqui, e virão cada vez
mais em maior número.
O foco do discurso deve ser o da necessidade do
preparo para a competição, para a flexibilização ampla da
organização, para a adaptabilidade e para capacidade
reativa.
O Governo defende que ao incentivar (através de
pacotes) pequenas e médias empresas à exportarem,
sustentadas no apo io da Agência de promoção das
Exportações - APEX, elas serão orientadas a ganharem
nichos de mercado ... "Por outro lado, as importações são
fundamentais para o Governo, que se apoia na âncora
cambial para segurar a inflação, e que também beneficiam
o consumidor brasileiro, que pode escolher o melhor produto

181
pelo menor preço"1 . O discurso oficial e sua visão fraterna,