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Atividade para a disciplina de História do Ceará II

Aluno: Daniel Felipe Gadêlha Bessa

Questão: A passagem do século XIX marca uma série de transformações, continuidades


e tensões na esfera social, cultural, política e econômica da sociedade cearense. Os
negros e a abolição, os protestos populares, e a multidão de retirantes nas grandes secas
constrói um quadro histórico da influência desses sujeitos subalternos no processo
histórico regional. Assim, disserte acerca de como foi essa experiência dos escravizados,
afro-brasileiros, homens livres e pobres no seu cotidiano de exploração, organização e
resistência no Ceará no fin-de-siècle.

Resposta: Iniciando o que foi proposto, vale falar, inicialmente, sobre a classe
escravocrata que vivia – e sobrevivia – no Ceará. Há quase 137 anos, o Ceará se via
ainda nas amarras da escravidão, tendo parte da população aqui residente, ou cativa, ou
livre, mas em forma de servidão. Tendo como maior vítima a população negra, vinda da
África, tais indivíduos, além de serem tratados de forma inferior e desumana, estavam
também sujeitos a trabalhos sobre-humanos, injurias raciais, violência verbal e física e
também a total segregação da sociedade, até que se torne livre ou servo. À medida em
que a colonização se ampliava e o comércio, posteriormente, também, haveria uma certa
necessidade de mão-de-obra, esta que seria usada em fazendas de criar, em lavouras, até
em trabalhos domésticos e servis. Como explorados, eram usados nessas atividades e
seu papel era fundamental no que tange a ascensão das economias cafeeiras, açucareiras
e de gado, tendo em vista que a sua população era maior – e mais acessível - do que a de
trabalhadores livres. Tratando-se da organização social e também da resistência, ambas
atreladas uma à outra, levando em conta que os escravos se reuniam como uma forma
de resistir às opressões, o professor Janote Pires Marques retrata que “a resistência
podia assumir uma infinidade de formas simbolizadas nas festas, que eram espaços para
trocar ideias, tecer acordos, fazer críticas sociais por meio das letras das músicas”
(JANOTE, 2020, pág. 123). Ainda ele, dissera que “a festa se constituía, pois, numa
forma de resistência. Para os negros cativos, a festa era um espaço para fruírem uma
liberdade” (pág. 122). Diante desses fatos supracitados, vale dizer que, mesmo
explorados, esses indivíduos que tinham sua liberdade suprimida e anulada, envolviam-
se e se organizavam, ora em quilombos – como é o caso de quilombo de Alto Alegre,
em Horizonte, “levantado” em 1890 – ou em pequenos grupos, até mesmo artísticos, de
resistência e reciprocidade um para com o outro. No Ceará, portanto, nada era diferente.
Partindo agora para os afro-brasileiros, Eurípedes afirma que “no início do século XIX,
a presença de afro-brasileiros já era significativa por estas terras cearenses, onde negros
e pardos libertos somavam 60,7% de uma população total de 77.375 habitantes”
(EURÍPEDES, 2000, pág. 104). Dentro desses dados, é perceptível, então, que a
população cearense, no século referido, era majoritariamente negra, sejam eles cativos,
livres ou proprietários de terras e desbravadores. Para Eurípedes, “a raça negra, sempre
teve seu lugar na história do Ceará, não só no ponto demográfico” (pág. 106).
Tristemente, tais indivíduos, separados de sua gente e de sua terra – geralmente vindas
do Congo e regiões circunvizinhas -, transportados de forma desumana e sem dignidade
alguma, serviam de mão-de-obra para a ascensão de culturas econômicas no Ceará,
como também trabalhos domésticos, civis e familiares.
Acerca dos homens livres e, geralmente, pobres, vale dizer que a abolição, mesmo que
tardia, fez com inúmeros indivíduos, antes escravos e cativos, pudessem participar,
agora, de todo um processo social de sua ascensão. Contudo, tal processo era puramente
limitado, tendo em vista que, como outrora eram escravos, suas oportunidades como
homens livres eram totalmente desiguais ante outros indivíduos que não participaram do
contexto de subjugação e sujeito escravista. Eurípedes dissera que, “por sua vez, os
cativos, libertos e pobres livres, compartilharam outras experiências com o fim do
cativeiro. Essas três categorias sociais passam a ser vistas como uma classe homogênea
e perigosa pelas autoridades, alvos de medidas de coerção” (EURIPEDES, 2020, pág.
28). Mesmos libertos e “fora” da escravidão, sofriam com muitos algozes, até mesmo o
racismo, fruto ainda do processo escravagista. “Ex-escravizado — uma nova categoria,
uma nova adjetivação para qualificar uma grande massa de trabalhadores, livres, pobres
e ex-escravos. As marcas da condição da servidão” (pág. 30), dissera o professor. Além
de perecerem com as desigualdades socias nas sociedades em que viviam, ainda eram
alvos de estereótipos e afins, sendo ainda mais segregados de um processo mais
humanitário de organização. Sua exploração, principalmente por proprietários de terras
e latifúndios, era muito evidente e, mais do que isso, remete que, mesmo pós-abolição, a
desigualdade continuaria, como uma Hidra – conta-se um problema, nasce-se outro. E
outro. E outro. Revoltas, como a da rasga lista e a da quebra quilos, são exemplos de
protestos ascendentes dessa classe, uma vez que ela sempre sofria com imposições e
exigências sobre-humanas, e uma forma de lidar com tais injustiças, era fazendo parte
de rebeliões e insurreições. Sob outra questão social, a seca era algo que atingia ainda
mais fortemente e diretamente as classes pobres – homens livres, negros, etc – fazendo-
as, além de sucumbirem por falta de aparato politico e representativo, perecerem direta
ou indiretamente com a falta de recursos básicos de sobrevivência. Tendo tudo isso
supradito, vale dizer que, as classes e categorias mais subalternas – ex-cativos,
trabalhadores livres, pobres e servos – estão, ainda hoje, sofrendo com os algozes das
desigualdades que sempre houveram no Ceará, e que, mesmo com tentativas – algumas
delas supérfluas e ineficazes – de cessarem tais desigualdades, essas “castas”
permanecem do jeito que estão – segregadas, estereotipadas e miseráveis.

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