Fortaleza – Ceará
2012
KALINA GALVÃO CAVALCANTE
Fortaleza – Ceará
2012
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CDU 616.8-004
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À vida, pela grata possibilidade da experiência vivida.
À minha mãe.
AGRADECIMENTOS
À Deus, que me permite exercer, todos os dias, a tarefa do existir e permitiu essa
À minha família, principalmente minha mãe, Maria do Socorro – meu exemplo, por
confiança e compreensão;
nos momentos de tristeza; que caminhou comigo durante toda essa trajetória e soube
reflexões, por dividir seu conhecimento e experiências comigo, por ter possibilitado tantos
diálogos teóricos durante a minha jornada e por me apresentar a Psicanálise de uma forma
singular;
Aos professores Dra. Júlia Sursis Nobre Ferro Bucher-Maluschke, Dr. Rosendo
Freitas de Amorim e Dra. Patrícia Helena Carvalho Holanda, que aceitaram gentilmente
especial à Hilda, Ana Rosa, Flávia, Lamartine, Jaiana, Germana, Virgínia e Daniele
Feitosa;
- LEIPCS, pelas trocas e articulações teóricas nas reuniões de estudo que contribuíram
carinhosamente como estagiária docente em sua disciplina e por me cativar ainda mais
À Claudia, Armando, Amanda, Armando Filho, Érica e Armando Neto, pelos finais
pela caminhada e saberes de mais de cinco anos, em especial às pacientes que, com suas
dessa dissertação.
Vivem em nós inúmeros,
(Fernando Pessoa)
RESUMO
afeta adultos jovens e, com maior frequência, mulheres. Pela complexidade que envolve a
sujeito, indagações foram suscitadas diante da escuta no cotidiano da prática clínica com
questões do corpo, demarcando a necessidade de uma clínica a partir de uma “outra cena”,
em seu adoecer as marcas de sua singularidade, na qual se acha presente uma demanda de
reorganização, muitas vezes, restrita ao plano biológico, mas que pode expressar
exigências que incluem planos subjetivos e sociais. Atentamo-nos também para a carência
degenerativas.
da Saúde.
ABSTRACT
Multiple sclerosis is a neurological disease, chronic and debilitating part, which affects
young adults and, more often women. Due to the complexity surrounding the pathology of
sudden onset, which may involve serious damage to the subject's life, questions were
raised before the hearing in everyday clinical practice with these women, about the
subjective transfigurations that reveal the vulnerability and psychic body. The paper in
with multiple sclerosis, seizing the reinterpretation of the experience of embodiment from
the implications of the subject in his suffering. The body that is the subject of
psychoanalysis beyond the somatic and a functioning whole is consistent with the history
of the subject, inserted in language, memory, meaning and representation. For this route,
we used two case reports that raised the theory, based on psychoanalysis, body issues,
pointing out the need for a clinic from an "other scene", which goes beyond the biomedical
dimensions of the phenomenon of illness . Each subject in his prints ill marks its
uniqueness, which is present in the demand for a reorganization, often restricted to the
biological level, but which can express requirements that include subjective and social
plans. Also reflect the lack of public health policies, education and health promotion, to
meet the demand for the need to think about new ways of acting in front of degenerative
diseases.
Health.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12
ESCLEROSE MÚLTIPLA............................................................................................. 27
O Relato de Lidwina............................................................................................... 37
O Relato de Cláudia................................................................................................ 54
DO ADOECIMENTO...................................................................................................... 65
MÚLTIPLA...................................................................................................................... 95
3.1 A Relação com a Medicina: Identidade da Doença x Implicação do Sujeito com seu
Sofrimento........................................................................................................................... 96
ANEXOS.......................................................................................................................... 149
APÊNDICE...................................................................................................................... 153
12
INTRODUÇÃO
sinaliza a mortalidade, a finitude do corpo e a falta de controle sobre este e sua vida,
que cada pessoa guarda sobre seu futuro (Kübler-Ross, 2008; Jeammet, Reynaud &
Consoli, 2000).
A esclerose múltipla (EM) é uma doença crônica que afeta o sistema nervoso. Não
restrições cognitivas e motoras ao sujeito acometido. Sua causa ainda não tem uma origem
definida. Tal patologia é mais comum em caucasianos, pessoas do sexo feminino e com
idade entre 15 e 50 anos. Seus principais sintomas são: visão dupla ou embaçada, perda da
intenso, fadiga, perda da força de alguma parte do corpo, tontura ou vertigem, falta de
mas também para a família. A família, considerada pela ótica sistêmica como um sistema
13
quem recebe o diagnóstico e na vida dos familiares (Kübler-Ross, 2008; Ávila & Ferreira,
2001).
sofrimento psíquico, na medida em que esse diagnóstico interfere na construção das metas
1999).
Atualmente, as estatísticas apontam uma média de 2,5 milhões de pessoas com a patologia
considerada uma região de baixa prevalência, com taxa menor que 05 casos por 100.000
habitantes, sendo que no Brasil, o índice é de aproximadamente 30 mil pessoas com essa
doença.
controle estatístico preciso relativo a essa patologia. Foi fundada em dezembro de 2004 e
14
vem, desde então, desenvolvendo trabalhos de assistência às pessoas com EM, com
enfoque de reinserção social, objetivando conhecer as pessoas que possuem essa patologia
seus direitos, além de aproximá-los uns dos outros estabelecendo uma troca de
atividades que realizo são visitas domiciliares aos portadores, devido às dificuldades
locomotoras dos mesmos, onde estes e seus familiares, diante um processo sofrente,
familiar.
ou não ser mãe; o medo de sofrer discriminação no trabalho; o confronto com a finitude
Nesse contexto, surgiu a intenção de elaborar tal pesquisa com a finalidade analisar
partir da escuta clínica à luz da psicanálise. Assim, através das vicissitudes subjetivas
A dificuldade em ter um diagnóstico preciso, visto que ainda não há um para tal
família que, em geral, passam pelas mais variadas especialidades médicas em busca de
uma justificativa para os sintomas. Os impasses causados pela etiologia da patologia levam
dos recursos terapêuticos. Tudo isso devido a um modelo que possui poucas ferramentas
(Camargo Jr., 1997) e a crescente intermediação tecnológica da prática médica atual, têm
sujeito. Muitas das dificuldades da atenção àquele que sofre estão baseadas em práticas
isto é, o objetivo do médico é identificar a doença e a sua causa. “Basta remover a causa
para que haja a cura da doença” (Guedes, Nogueira & Camargo Jr., 2008, p. 136). Apesar
16
dos progressos trazidos por essa perspectiva, entende-se que este modelo trouxe algumas
adoecimento humano, como lidar com pacientes com queixas dificilmente enquadráveis,
biomedicina” (Guedes, Nogueira & Camargo Jr., 2008, p. 136), estes são freqüentemente
conceitual em relação a esses tipos de sintoma (sintomas corporais sem causas orgânicas
documentáveis).
paciente como sujeito adoecido implica considerá-lo em todos os seus aspectos, como
de um processo de interação.
nortear nossas discussões acerca do objeto de estudo do presente trabalho. Contudo, faz-se
necessário enfatizar que este estudo é fruto da minha inserção no campo da psicanálise,
como teoria e clínica, pelo fato ter iniciado minha formação em psicanálise recentemente.
A opção pela psicanálise como suporte teórico-metodológico se deu por tal vertente do
acreditando que essa perspectiva possibilite a discussão do tema de uma maneira fértil.
17
corporal e do controle sobre o seu esquema corporal (Schilder, 1999). Muitas delas não
sabem como lidar com essa “passividade” que a doença lhes impõe, e como conviver com
essa descontínua relação. O corpo se torna de suma importância neste contexto, pois é a
parte mais tangível da existência humana, por onde primeiro fazemos contato com o
mundo e por onde, a partir da psicanálise, reflete o sujeito na relação com o mundo: corpo
fantasias, escolhas, sonhos, sintomas, angústia, afetos, e fenômenos da vida cotidiana (atos
através da associação livre, método por excelência criado pro Freud. A originalidade do
conceito da instancia psíquica inconsciente introduzida por Freud deve-se à clínica, lócus
simultaneamente, é:
1. um procedimento para a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por
linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina científica (Freud, 1912a/1996
p.253).
18
também, uma ciência, aquela do psiquismo, aquela dos processos inconscientes que se
desenrolam não apenas no indivíduo isolado, mas nos grupos e nas instituições.
O corpo é nosso primeiro Universo. Nele somos concebidos, abrigados. A partir dele
corpo é tão antigo quanto investigar o mundo que nos cerca. Desde os tempos mais remotos
dedica-se o homem a decifrar tais mistérios, inspirado por imagens oriundas de seu corpo.
A presença do corpo vai muito além da queixa somática, isto é, o corpo se faz
presente também pelo negativo. Dessa forma, o corpo que é objeto da psicanálise
sujeito (Teixeira, 2006a). Freud, ao articular uma teoria da sexualidade, inicia uma
do corpo Soma, corpo biológico, corpo da pura necessidade, vai desembocar na noção de
seja, corpo próprio da psicanálise (Freud, 1905a/1996; Lazzarini & Viana, 2006).
sofrimento histérico, Freud (1894/1996) percebeu que o corpo das histéricas estava
fundado nas representações subjetivas. As manifestações corporais das histéricas, que não
psíquico inconsciente. Com isso, Freud abre uma ruptura com a medicina da época ao
instituir realidade ao corpo da histérica que, desta forma, foi transformado em paradigma,
ao delinear uma nova leitura sobre a corporeidade (Lazzarini & Viana, 2006).
Assoun (1996) demarca que, a partir da psicanálise, o corpo não pode ser mais
concebido como princípio autógeno, portador de seu sentido próprio; o corporal forma a
como uma espécie de alma, mas como um elo, um lugar de interferência onde as “vozes do
tem por efeito neutralizá-la (...). É nessa capacidade de conversão que Freud localiza “o fator
característico” da histeria (...). O efeito corporal traduz o destacamento de uma energia oriunda
da tensão representativa. Não é, pois, o corpo que fala, mas, através dele, as representações
com a história do sujeito. O que dá aos processos psíquicos inconscientes uma saída no
dos órgãos e dos sistemas funcionais, objeto de estudo e intervenção da medicina. Ele se
teoria evidencia que o somático é habitado por um corpo atravessado pela pulsão e pela
linguagem e que obedece às leis do desejo inconsciente, coerente com a história do sujeito
uma escuta livre de qualquer julgamento ou seleção para que, dessa forma, o sujeito fale.
estabelecidos pelo discurso médico. São patologias que se manifestam por meio de lesões
crônicas e seu desenrolar caracteriza-se por crises sucessivas com período de remissão,
vista, a esclerose múltipla seria considerada um quadro pathológico que poderia ser
apreendida pelos fenômenos psicossomáticos que acometem o sujeito, visto que está
fenômeno psicossomático, visto que não se trata de uma via metafórica de expressão
tal manifestação capturada por exames clínicos, laboratoriais e imagéticos. Há uma lesão (...).
É, portanto, preciso distinguir que nem todas somatizações são da mesma ordem, já que as
somatizações histéricas não afetam o real do corpo, embora possam paralisá-lo, cegá-lo,
O FPS não serve para designar o sujeito, mas, sim, algo que se passa nele, onde a
forma como isso ocorre em cada um é de uma ordem absolutamente particular. É uma
escrita, e essa denominação vem porque é algo que se mostra, que está ao lado da estrutura
do sujeito, ou seja, não é efeito da estrutura, mas também, não está desvinculada dela
(...) fenômenos estruturados de modo bem diferente do que se passa nas neuroses, a saber,
onde há não sei que impressão ou inscrição direta de uma característica, e mesmo, em certos
casos, de um conflito, no que se pode chamar o quadro material que apresenta o sujeito
Em sua teoria, o FPS é trabalhado como uma das manifestações do real. Diferente
do sintoma, que inscrito no registro simbólico revela o desejo inconsciente, o FPS é uma
mostração não passível de ser decifrada pelo significante. Enquanto o sintoma se inscreve
acarretando lesões com as quais o sujeito não se vê implicado e algo do real faz incidência
direta sobre o corpo (Fonseca, 2007; Jorge, 2004; Lacan, 1955-1956/2002; Ribeiro &
Santana, 2003).
22
múltipla, foi o ponto de partida para pensar questões acerca das transfigurações subjetivas
adoecimento. A dissertação propõe tratar essas questões considerando como objetivo geral
experiência com esta é transformada em texto, que identifica e realça marcas no discurso,
momentânea, pois envolve uma construção que transforma os registros daquilo que se
um campo. O caso revela não só o pesquisado, mas também aquele que escuta e as
sinuosidades do campo que transita: “não seria o caso clínico um entre parênteses,
indicando um encontro interrompido entre alguém que fala e outro que escuta no limite do
fantasma que o suporta e da teoria que o orienta?” (Sousa, 2000, p. 17). O caso não se
confunde com a história, não é biográfico, “é ficção clínica, resultado de uma hipótese
transcritas para a construção do relato dos casos clínicos. Todos os relatos que, porventura,
A experiência que tenho com tal temática revela que existe um déficit significativo
incidência de doenças crônicas e degenerativas tende a aumentar. Esta realidade nos chama
a atenção para a carência de políticas de saúde pública que atendam a esta demanda
com prognósticos semelhantes (Borges, 2003). Pode-se, assim, contribuir cada vez mais
prejudiciais ao sujeito e sua inserção nos vínculos sociais, como na família, no trabalho, no
lazer, etc.
É importante atentar para o fato de que cada sujeito imprime em seu adoecer as
muitas vezes aparente restrita ao plano biológico, mas que pode expressar exigências que
sofrimento (doente) em sua doença, através da construção de um discurso sobre seu desejo,
suas fantasias, o acolhimento das formações do inconsciente (sintomas, atos falhos, lapsos
de memória, chistes), a ficção de uma história de vida (diferente da história incitada pela
1
Em alusão à obra de Susan Sontag “Diante da Dor dos Outros”. Tal obra que permite refletir acerca
da subjetividade individual e das nossas questões morais frente as imagens da guerra. Ao mudar de canal
quando uma imagem desagradável se apresenta, não estamos mudando a realidade, por isso somos levados a
concordar com a autora: as imagens de sofrimento tornaram-se importantes e inevitáveis enquanto pudermos
refletir sobre esses símbolos (Sontag, 2003).
25
o fenômeno psicossomático, optamos por iniciar o trabalho com os relatos de casos para
nortear o corpo teórico que sustentará o estudo. Este será apresentado no capítulo seguinte.
pesquisas sobre o tema da patologia em questão, assim como discorremos a respeito das
Favoreto & Cabral, 2009; Guedes, Nogueira & Camargo Jr., 2006, 2008; Maeda, Pollak &
Martins, 2009; Silva & Rocha, 2008; Uchôa & Camargo Jr., 2010) e psicanalítica (Assoun,
1926/1996; Lacan, 1966, 1955-1956/2002; Lazzarini & Viana, 2006; Nasio, 2009; Quinet,
2003; Teixeira, 2006a, 2006b; Volich, 2002), além de outros autores contemporâneos, na
de adoecer que estivesse para além do contexto biomédico, e que levassem em conta as
orgânica do adoecimento.
suas relações com os aspectos que nos chamaram atenção, em termos clínicos, nos casos
26
opção das mesmas de terem somente um atendimento clínico mensal (de acordo com a
proposta de atendimento da APPEM), mesmo tendo sido a elas sugerido uma outras
frequência nas sessões terapêuticas; a identidade fornecida pelo estatuto de ser doente ou
de ser “portador de”; as relações de perda, luto, morte e finitude, dentre ouros. Este tem
sujeito.
27
ESCLEROSE MÚLTIPLA
pesquisa qualitativa considera-se uma relação dinâmica entre o mundo objetivo e subjetivo
do sujeito. Os dados adquiridos neste tipo de pesquisa não podem ser traduzidos em
números, visto que, preocupa-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado,
qualitativa (Turato, 2003), pois se compreende que este método pode abranger uma forma
de apreensão dos sentidos e significados que o sujeito atribui à sua prática cotidiana,
Turato (2003, 2000) discute sobre uma forma diferenciada de se fazer o método
método nas ciências sociais associando aos elementos teóricos reconhecidos no método
prática clínica. Por sua vez, o mesmo autor destaca que a psicanálise apresenta suporte
dos resultados da pesquisa (Turato, 2003, 2000). Assim sendo, o campo investigativo da
psicanálise debruça-se sobre a subjetividade e a singularidade, que também não pode ser
28
qualitativa, pois é uma pesquisa do singular, ou seja, ela se considera e se produz a partir
(2002, 1993) corrobora propondo que o modelo psicanalítico supõe que o singular, aquilo
que é característico de uma situação tomada em sua unicidade, seja tomado como
determinado grupo.
Desta forma é que a psicanálise foi inventada, como conhecimento, quer dizer, é porque um
caso exibe características comuns a todos os sujeitos de uma determinada classe que a teoria
sobre a neurose obsessiva pôde ser reformulada inteiramente a partir do estudo do Homem dos
universal de humanos que, a partir deste mesmo caso, temos condições de entender melhor a
função paterna e o campo humano das superstições e da relação com a morte (Sampaio, 2006,
p. 249).
psicanálise nasce da insatisfação com o “já sabido”. O que especifica sua legitimidade é a
estrutura própria do desse campo de saber, atravessado pelo seu próprio objeto mediante
derivação, ou seja, a psicanálise deriva da ciência, mas não se reduz a ela, diferindo no
29
“uma operação de ‘subversão’ pelo viés do sujeito”, o sujeito do inconsciente (Elia, 2000,
p. 21). Elia (2000) afirma que a pesquisa em psicanálise é uma dimensão essencial da
práxis analítica. Trata-se de um modo de conceber e de fazer pesquisa que deve ser
Toda pesquisa em psicanálise é uma pesquisa clínica: qualquer que seja a temática
da pesquisa, qualquer que seja a problemática investigada, faz com que o analista-
pesquisador dirija sua escuta, sua intenção de pesquisa ao que visa saber, a ser verificado
ou refutado (Albert & Elia, 2000; Cancina, 2008; Nasio, 2001). É nesse sentido que Elia
(2000) refere-se a Lacan, quando este, tomando a frase de Picasso, diz, referindo-se à
constituição de seu campo, à pratica de um discurso constituído pela prática mesma, por
sua clínica e pela teoria necessária e decorrente. Prática, clínica e teoria estão enlaçadas na
prática e clínica, onde pressupõe que os laços existentes entre essas três vertentes se
constituem de tal modo que, se uma das ligações se desfaz se soltam todas. A justificação
dessa proposta feita por ela se dá ao pensar que a psicanálise é uma práxis, que ocorre
entre o analista e o analisante, e que essa “prática que se produz na intimidade do ato onde
se exercita este método que Freud considerava que investigava ao mesmo tempo em que
curava” (Cancina, 2008, p. 54). Desse modo, a autora afirma que é a partir dessa prática
coloque de dois modos, sendo estes: aquele que produz efeitos, e o que teoriza sobre os
efeitos produzidos. Desse modo, é essencial que o analista teorize acerca dos efeitos que
30
produz para que possa produzi-los. Esta idéia corrobora com a formulação proposta
anteriormente pela autora, pois demonstra a importância do elo existente entre teoria,
prática e clínica.
Trata-se de um método que trabalha através do discurso do sujeito, sendo que, através
modo singular, através de uma escuta do sofrimento de cada sujeito, considerando que é
sobre sua história que cada um fala. Assim sendo, para que cada caso seja dito como novo,
como inédito, é necessário que, ao longo dessa pesquisa, seja permitida a construção e
Nesse sentido, para Nasio (2001), o relato escrito do caso clínico constituiria a emergência
de uma terceira forma de subjetivação. Desse modo, faz-se uma construção com base nos
elementos que são reconhecidos no discurso do sujeito e permite-nos inferir sua posição
relato de caso clínico – observando que a expressão caso designa para o analista “o
interesse muito particular que ele dedica a um de seus pacientes” (p. 11). Para ele, além de
servir para trocas com colegas em discussões clínicas ou mesmo em supervisão, o caso,
que tem o caso para transmitir a teoria por meio da sensibilização da emoção e da
imaginação do leitor. Na função metafórica, observa que nos célebres casos da psicanálise
(O homem dos ratos, Dora, Schreber, etc.) há uma espécie de imbricação entre a
observação clínica e o conceito que ela ilustra, de maneira que a observação termine por
do que propriamente o reflexo fiel do fato concreto, Nasio (2001) atribui ainda outro
uma ficção, e, através dessa ficção, induzimos efeitos reais no leitor. A partir do real,
O termo “caso” se refere ao latim cadere, que quer dizer “cair”. De acordo com
elementos do discurso do sujeito que ‘caem’, se depositam com base em nossa inclinação
para colhê-los, não ao pé do leito, mas ao pé da letra” (p.79). A mesma autora afirma que
nunca é demasiado lembrar que o caso não é o sujeito, é uma construção com base nos
elementos que são reconhecidos em seu discurso e permitem-nos inferir sua posição
subjetiva.
formulação da questão ocorrer a partir da fala do paciente nas sessões. Ele construiu sua
teoria baseada em seus atendimentos clínicos, porém, não se tratava aqui apenas de uma
mera descrição do caso. Ia além do descritivo, construindo sua teoria a partir da análise e
De acordo com Vorcaro (2010, 2003), para problematizar o lugar do caso clínico
clínico sobre um tema de pesquisa reverbera sobre o método com o qual o caso foi
da psicanálise para o tema tratado, mas também sobre o sujeito a que tal clínica se dirige.
Mostrando a oposição entre método psicanalítico e método científico, o caso clínico tem por
O legado dos ensinamentos de Freud nos foi deixado através dos casos clínicos que
ele atendera, logo, “é graças ao sujeito em análise que as teorias vão sendo construídas,
refutadas e reformuladas” (Guimarães e Bento, 2008, p. 96). Deste modo, pode-se dizer
que fazer um estudo de caso clínico numa pesquisa psicanalítica é escrever sobre a clínica.
sofrimento psíquico e da fala que ele dirige. Assim, a teoria psicanalítica vai se
incidir sobre o sujeito afetado. Nasio (2001, p. 11-12) define, assim, um caso clínico como
(...) o relato de uma experiência singular, escrito por um terapeuta para atestar seu encontro
com um paciente e respaldar um avanço teórico. Quer se trate do relato de uma sessão, do
sempre um texto escrito para ser lido e discutido. Um texto que, através de seu estilo narrativo,
põe em cena uma situação clínica que ilustra uma elaboração teórica. É por essa razão que
podemos considerar o caso como passagem de uma demonstração inteligível a uma mostra
clínicos mensais – visto que esse é o modo de intervenção privilegiado pela equipe da
mesmos foram gravados e transcritos após cada sessão para, posteriormente, ser construído
(Anexo II). A mesma seguiu os princípios éticos, determinados pela Resolução 196/96 do
os riscos envolvidos, tanto pelos procedimentos, como pela divulgação dos resultados,
pertençam” (Conselho Federal de Psicologia, 2000, p.02). Em vista disso, considera-se que
esta foi uma pesquisa de risco mínimo, pois seus procedimentos não sujeitam os
34
Por se tratar de uma pesquisa clínica com a proposta de acontecer mediante livre
isenção de custos, como também o direito de desistir a qualquer momento sem nenhum
tipo de prejuízo em sua relação com o pesquisador, com a instituição e com a continuidade
do tratamento mesmo após o término da pesquisa, foi garantido que “os danos seriam
Múltipla. A inclusão dos sujeitos nesse estudo só foi permitida após a leitura, compreensão
sujeitos da pesquisa foram comunicados dos aspectos éticos do estudo, onde é lhes
assegurado o seu bem-estar e sua dignidade, bem como o sigilo e o anonimato, a partir do
patologia, mas que tenham alguma síndrome grave, depressão aguda, transtorno de
têm a função de avaliar as demandas dos pacientes e de seus familiares em que vem,
aos portadores. O termo atendimento domiciliar é aqui empregado em seu sentido amplo,
XIX, organizações de home care (termo americano para assistência domiciliar utilizado,
em geral, por empresas privadas no Brasil) eram formadas por associações de enfermeiras
Jacob Filho (2000) descreve que a perspectiva da assistência domiciliar surge como
diversos profissionais nos cuidados oferecidos ao paciente em sua casa, seja com objetivo
casos, vão ser assistidos em domicílio pessoas acometidas pelas mais variadas doenças, em
geral crônicas, que impossibilitem ou pelo menos dificultem sua locomoção para o
A assistência domiciliar está cada vez mais presente no cenário atual da saúde a
fatores, sendo a redução de custo o principal. Todavia, segundo Loretta (2009), outros
campo da psicanálise, não precisa se limitar à situação clínica de consultório, desde que se
importante é problematizar o objeto de estudo de tal modo que só a psicanálise possa dar
respostas ou, ao menos, que ela seja imprescindível para a efetivação do estudo”.
Nesta pesquisa, a escrita dos casos tenta explicitar o momento em que a vivência
que poderiam comprometer o anonimato e/ou expor os sujeitos nos relatos dos casos
apresentação, os sujeitos tiveram suas identidades protegidas por meio de nomes fictícios,
escolhidos com base nas leituras sobre a história da patologia e por figuras públicas que
tem esclerose múltipla que, de alguma forma, ampliam nosso conhecimento sobre a
vivência da doença.
No primeiro caso, o nome atribuído à paciente foi Lidwina. A escolha deste nome
ocorreu em razão do registro mais antigo da história da patologia (Hill, 2010), que
pertence ao esqueleto de uma mulher conhecida como Lidwina Van Schiedam (este
sobrenome significa “sofrer largamente”). Ela viveu na Holanda do século XIV e textos
históricos revelam que era atormentada com uma doença debilitante. A doença de Lidwina
começou pouco após ter tido uma queda aos dezesseis anos de idade. Desde então,
desenvolveu dificuldade a andar, cefaléias e dores. Aos dezenove anos, ambas as pernas
estavam paralisadas e tinha problemas de visão. Durante os trinta e quatro anos seguintes,
sua condição piorou lentamente, apesar de ter períodos aparentes de remissão, até que
faleceu aos cinquenta e três anos de idade. Sua história ficou conhecida como a “estranha
Para o segundo caso, Cláudia foi o nome atribuído. Tal escolha se justifica pela
“um exemplo de determinação e alegria é aquela atriz Cláudia Rodrigues (...). Acho que
somos muito parecidas, somos divertidas, não perdemos o humor por qualquer coisa e a
O Relato de Lidwina
Considera-se calma, comunicativa e receptiva. Mãe de Lucas, de doze anos, filha única de
38
João e Maria. Mora com o pai e o filho. A mãe faleceu em 2000, ano em que foi
sempre no dia em que ela se acha estar mais disposta, devido aos efeitos advindos da
paciente, assim como acontece com os outros profissionais inseridos na APPEM, é sempre
realizado uma vez ao mês em data e horário determinados em sessão anterior. As sessões
com Lidwina ocorreram entre os meses de outubro de 2010 a outubro de 2011, totalizando
quinze encontros.
possível futuro da doença em sua vida. O filho dela quase sempre estava presente,
questionando, tentando fazer parte dos assuntos relacionados à mãe. Em nenhum momento
a paciente se mostra incomodada pela presença do filho, colocando este momento até
como propício para que ele também pudesse tirar algumas dúvidas que ela não conseguira.
Lidwina mostrava caminhar com dificuldade, com lentidão. Nos momentos que iria pegar
algum objeto ou fazer força com a mão esquerda, não conseguia controlar o braço que
Sua entrada na associação se deu no ano de 2008, por intermédio de uma amiga que
também tinha a patologia, mas sempre falta às reuniões, como uma forma de resistência.
Nos primeiros encontros, Lidwina discorre sua história de vida com ênfase na
doença, atravessada por mitos e fantasias. Começou a ter os primeiros sintomas, “acho que
foi aparecer em 1998”. Teve uma perda de equilíbrio, relatando que toda vez que andava,
39
tropeçava “do nada, como se estivesse bêbada”. Sentia muita fraqueza muscular, “minhas
quilos”, mas achava que era por causa do estresse da profissão de médica, pois diz que
sempre dedicou-se muito à sua vida profissional, “acho que até demais. Minha mãe sempre
Contou sobre sua “peregrinação médica”, onde os médicos que vai sempre a
diagnosticavam com isquemia, “esse braço aqui que fica tremendo, achando que poderia
ter surgido provocada pela diabetes”. No ano 2000, conheceu sua atual neurologista,
indicada por uma amiga, e vizinha, que também tinha esclerose múltipla, “e como ela já
tinha experiência com esse tipo de paciente, foi fácil pra ela me diagnosticar”.
Com o diagnóstico, relembrou o quanto abalada ficou, “eu não queria acreditar,
sabe, ‘não, não pode ser, Meu Deus, nessa altura do campeonato’, logo uma doença
dessas”. Envergonhada, com a cabeça inclinada pra baixo e falando em um tom muito
baixo, Lidwina contou que fez “o que muita gente faz pra saber de uma coisa quando não
se sabe muito dela”, referindo-se à procura de informações sobre a doença na internet. “Eu,
como médica, mesmo tando acostumada com doença, gente doente, inválida, essas coisas,
fiquei chocada”.
como as imagens que surgiam diante da tela lhe tocavam: “eu tava numa aflição (...)
mulheres nuas e homens nus em outdoors, era tão estranho. Eram dois outdoors pra uma
propaganda só, mas um tinha só a cabeça da mulher e o corpo ficava no outro, assim,
como se tivesse uma separação. Ai que eu fico aflita lembrando daquelas coisas”. Por mais
que “pesquisasse”, a paciente, na época, não quis admitir que estava com “aquela doença”,
que poderia “ficar daquele jeito”, não aderindo ao tratamento, ou seja, não tendo uma
tomar a medicação religiosamente, seguir uma dieta específica e mudar seu estilo de vida,
já que trabalhava com um carga horária elevada. Passados dez anos de diagnóstico, “veio o
primeiro surto mais brabo, eu fiquei louca”. Relatou que se sentiu como se fosse “mesmo
uma coisa muito frágil, sentia uma sensação de impotência tão grande. Foi a prova de fogo
pra mim”.
incerteza, e surpresa, sobre a reação e aceitação de sua família perante essa nova condição.
necessidade de cuidados e atenção: “parecia que eles não estavam muito surpresos com
minha situação, mas eu preferia que eles ficassem mais preocupados, porque é boa essa
sensação de se sentir importante na vida das outras pessoas”. Entretanto, queria mostrar o
lado da mãe boa, capaz de fazer as mesmas coisas que as outras mães, “que supre as
necessidades do filho, acima de tudo”. Disse que sempre teve o cuidado com o que o filho
iria pensar sobre futuro, como iria cuidar dele, o que ele iria pensar sobre a mãe, sobre a
doença: “não queria que ele tivesse a sensação, ou mesmo só um pensamento de que tinha
uma mãe inválida, que não podia fazer nada por ele”. “Hoje eu tento suprir tudo”,
relatando sobre a viagem que fez com o filho para Buenos Aires.
Em meio às histórias sobre essa viagem, a paciente sempre se referia ao filho como
um garoto inteligente, muito parecido com ela, tendo a mesma garra que ela tinha nos
estudos, desenvolto com a fala e com as pessoas, “não tem um pingo de vergonha em falar
de perder o controle total de mim, do meu corpo, das minhas atividades, eu não me
imagino sendo dependente de uma cadeira de rodas, para mim essa é a pior coisa que essa
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doença pode me trazer”. Além de referenciar outras pessoas com a patologia que estão em
situação mais grave que a sua, a paciente começa a fazer questionamentos sobre
prognósticos e lamentar-se de uma sucessão de lutos, onde alguns nem pudessem vir a
para colocar Lidwina na sua nova dinâmica, de médica à paciente: “tudo isso ainda é muito
novo pra mim, apesar da minha profissão de médica, mas isso tá acontecendo comigo,
podia ser eu ali naquela cadeira de rodas, sem falar nem andar, dependendo de gente pra
fazer minhas coisas, até minhas coisas intimas (...) eu não saberia como seguir daqui para
frente, me dá até medo de pensar mais sobre o futuro, até ir ao banheiro está cada vez mais
difícil. É sempre assim?”. Admitiu relutar muito, apesar de já ter aderido ao tratamento,
Em outro dia de sessão, mostrou-se reflexiva, repetindo, várias vezes, “que um dia
a gente deve acabar se acostumando com tanta surpresa na vida”. Questionada sobre essas
surpresas, Lidwina mencionou uma nova postura em relação ao filho, novamente tomando-
o como um filho mais maduro, mais inteligente, que ajudava nos serviços de casa,
mencionando o ex-companheiro pela primeira vez, ao dizer que o filho em nada se parece
com ele.
Lidwina questionava muito sobre as pessoas que tinha visto na APPEM, se aquilo
era uma condição crucial da doença, se ela também iria ficar como elas. Esse é um
pensamento frequente que a paciente diz ter, aparecendo frequentemente em seu discurso.
Relatou que, em decorrência de sua preocupação fantasiosa com seu estado físico ao ver
outras pacientes mais debilitadas que ela, seu lado religioso “aflorou”. Fala da necessidade
que teve em se sustentar em “algo maior”, algo divino, começando a rezar todos os dias,
pedindo para que não ficasse como as pessoas mais debilitadas que viu na associação. Diz
ter fé em Deus, de que vai melhorar cada vez mais, “até porque eu tenho um filho que tá
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carreira, em vestibular, e eu pretendo estar presente em todas essas etapas da vida dele,
podendo ajudar em alguma coisa, porque mãe é pra essas coisas”. Nisso, surge um
sentimento de culpa em Lidwina por só querer ter tido um filho, e já o ter com idade
sobre desconfortos na sua vida profissional por causa da doença, ficando receosa em sair
de casa, chegando a ligar para o trabalho informando que faltará. Reclama muito da
Com o passar das sessões, Lidwina já não questiona, ou menciona, tanto sobre o
futuro da doença. Falou, mencionando, pela segunda vez, o ex-marido, sobre a relação do
filho com a família dele, sobre a relação dela com o ex-marido, pois ambos tinham saído
de casa a pouco tempo. Diz deixar o filho sair com o pai, porque é uma forma dos dois não
perderem o contato, além disso, faz questão de o pai ensinar português ao filho, já que é
professor, mencionando também as notas baixas que o filho tirou na matéria. Remetendo à
dela com o filho, dizendo que ele quer fazer Direito numa instituição pública.
Questionada sobre a relação do filho com o pai, a paciente diz que eles “até que se
dão bem”, e logo enfatizou o seu relacionamento bom com o filho, o quanto estão mais
próximos desde que se separou do ex-marido. Diz que quando ele era pequeno, sempre deu
muito carinho pro filho e fazia de tudo por ele: “acho que ele foi um presente de Deus pra
mim, nasceu sadio, saudável, inteligente, sem nenhum defeito, graças a Deus, e eu tenho
que preservar isso”. Disse que o ex-companheiro sempre foi muito distante, embora “ele
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diga hoje em dia que quando o neném tava doente era ele que botava o neném no colo
A paciente conta outros exemplos que o pai de seu filho não a ajudou, por exemplo,
“levar o neném pra vacinar, nunca levou”, enfatizando que o marido sempre dava alguma
desculpa para nunca poder realizar atividades de cuidado com o filho. Mais uma vez,
Lidwina demarca seu relacionamento com o filho, como sendo “muito estável”, de muita
confiança, dizendo que o filho só gosta de viajar com ela, “porque ele diz que eu já
conheço tudo, já sei me virar. Eu digo ‘não, se preocupe não, porque enquanto sua mãe
tiver viável, não se preocupe não que a gente vai viajar””, falando que já prometeu a ele
Conta que se separou do companheiro há, mais ou menos, seis anos. Relatou
sempre achar que foi um relacionamento conturbado, com muitas discussões e brigas.
esperanças de que quando casassem e tivessem filhos, ele iria parar. Conta que a “gota
d’água” aconteceu quando ele chegou, no domingo a noite, falando alto, quebrando alguns
ornamentos da casa e falando mal com seu pai. “Meu pai disse logo pra mim pra eu
estressores e o aparecimento dos surtos e de sua separação: “não sei se pode ter alguma
coisa a ver, mas acho que das muitas vezes que eu discutia com ele, eu sempre tinha uma
piora do meu quadro, sabe, acho que a gente se separou também por causa das minhas
crises. Não sei se ele entendia, ou não queria suportar aquilo”. Nesse momento, a paciente
relata que o ex-marido pediu, recentemente, para voltarem a morar juntos. Relata que
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chegou a ficar “balançada”, mas tudo por causa do filho, questionando se o melhor para ele
era ter os pais juntos novamente por perto, já que o ex-marido tinha parado de beber
frequentemente.
Questionada se o filho sabia e sobre o que ele pensava, Lidwina disse que ele não
gostou muito da idéia. “Hoje mesmo a gente tava conversando sobre o pai dele, mas não
sobre ele querer voltar pra cá, e ele tava chateado, dizendo que o pai não cumpre as coisas
que promete”. Chateada, disse que essa não é a primeira vez que ele faz isso com o filho,
Revela que seu medo sobre isso tudo é em relação ao seu pai. A paciente diz não
saber como esse vai reagir, tendo, também, dúvidas sobre estar fazendo a coisa certa, não
sabendo se faz bem para o seu filho, para ela ou para o seu pai. Quando fala na
criar expectativas sobre os relacionamentos atuais do ex-marido, “eu tenho quase certeza
que ele não está com outra pessoa”. Ao mesmo tempo, receia-se de ele queira voltar por
comodismo, já que foi o mesmo que propôs essa volta. Diz não ser mais “boba como era”,
tanto que colocou algumas condições para o ex-marido voltar, comparando a contratos pré-
nupciais, como, por exemplo, o mesmo não beber durante a semana. “Ai eu quero ver se
ele aguenta”. Em meio a medos e expectativas, diz estar com uma “auto-estima elevada”,
sustentando isso no fato do ex-marido saber de suas condições físicas, da doença, das
limitações, do ressentimento do pai dela, do filho dos dois, e, mesmo com tudo isso, ainda
fazia cada vez menos presente. Lidwina conta que o filho, na época de sua separação, não
chegava nem a perguntava sobre a ausência do pai, “ele nem sentiu falta, de tamanha que
era a ausência do pai em casa. Ele nunca perguntava pra mim, ele nunca perguntou ‘mãe
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cadê o papai?’, nunca, nunca, nunca”. Apesar disso, conta que acha que o filho gosta
quando o pai vem ensinar o dever de casa pra ele, mas é apenas pela dificuldade que ele
tem em tirar uma nota boa pra escola, e a paciente diz contribuir para o relacionamento dos
dois, relatando um diálogo que teve recentemente com ele: “eu sempre digo, ‘meu filho,
tem que ser mais amigo, é seu pai’, e ele fica ‘ah mãe, mas ele me deixou quando era
pequeno’, eu digo ‘sim, foi uma burrada que ele deu, agora tá pagando pela burrada que
fez’, Deus é que vai se encarregar de abrir os olhos do seu pai, de fazer vê onde foi que ele
errou, em que momento ele errou, pra vir atrás do filho dele, de ver como ele tá, perguntar
como ele tá”. Conta que o filho não gosta de conversar sobre isso, mudando logo de
Lidwina relata que não gostava, e nunca gostou, dos amigos de seu ex-marido. Diz
que ele nunca respeitou nem “meu estado de resguardo, o neném, nem meu estado quando
a mamãe faleceu”, contado o episódio de um surto onde teve que ficar internada durante
três dias, e que o ex-marido não gostava de vê-la, aparecendo esporadicamente na janela
do quarto com o filho no colo. Conta que era sua mãe que estava com ela ajudando o
tempo todo. Depois que ele fez a proposta de voltarem a morar juntos, e Lidwina teve que
passar pelo mesmo procedimento de internação, conta que o ex-marido já se fez presente,
mas durante apenas alguns minutos de um dia de internação. Logo mostra-se arrependida
de falar sobre o assunto, “não vale a pena eu ficar pensando nisso, remoendo”. Logo
com o filho sobre a situação, pois o ex-marido estava a pressionando, cada vez mais, por
uma resposta. Em seu discurso, parece notória sua vontade de voltar ao convívio com o ex,
mesmo tendo a reprovação do filho: “ele disse pra mim ‘mamãe, eu sei que a volta do
papai pode ser boa, mas ele já fez muitas coisas ruins, mentiu muito’, eu disse pra ele ‘meu
filho, ele não mentia o tempo todo, às vezes vocês combinavam umas coisas e não davam
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certo praquele dia, mas depois vocês acabavam fazendo o combinado’”, falando de um
episódio onde eles combinaram de ir ao circo, mas o pai teve que trabalhar até tarde e
filho, como ele “ficava toda hora com uma resposta na ponta da língua, ele dizia ‘sim mãe,
isso pode até ser, mas teve outras vezes que ele prometia e não cumpria, chegou em casa
várias vezes foi bêbado, e vem dizer que a senhora não lembra dele bêbado brigando com
o vovó’”. A paciente conta que ficou sem reação ao ouvir o filho, argumentando que não
tinha de sua infância. Disse que se lembra de tudo dessa época, e enfatiza várias vezes que
essa foi “a fase mais feliz da minha vida”. Lembra de pequenos brinquedos e costumes da
época, mencionando retratos de monóculos, “sentada na cadeira com uma boneca e tudo.
Conta que não recorda exatamente de tudo, a maioria de suas lembranças vinha do
que sua mãe lhe contava. Falou sobre a época em que morou em Teresina, ainda quando
criança, pois nasceu e morou por alguns anos em Belém, no Pará. Lembrou que tinha uma
vida calma e tranquila, morava com os pais e com uma tia paterna, “eu era doida por essa
tia, pena que ela já faleceu”. Descrevia tudo como algo fantástico, algo que simbolizava a
melhor experiência da sua vida, repetindo frequentemente: “foi uma fase fantástica da
minha vida”.
Cidade Velha. Conta que ia pra porta da rua, ficava passeando e brincando com um senhor,
que morava no apartamento abaixo do dela, mas não recorda o nome dele, apenas o nome
da esposa. Sorrindo, conta que todos os dias, no período da tarde, ficavam na porta do
prédio onde morava, “ele pegava uma cigarra pra mim, só pra eu ver, uma cigarra do pé de
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manga que tinha bem na frente, ai ele pedia pra eu imitar a cigarra, eu ficava imitando a
cigarra. Ai ele me pedia pra ver minha bonecas, ai eu pegava e pedia pra mamãe ‘mamãe,
Lembrou do colégio em que estudava, onde ficava perto desse apartamento, “que
foi também um colégio que eu achei fantástico. Acho que eu vou morrer me lembrando
desse colégio”, pois conta que era sozinha, por ser filha única, e não ter com quem brincar.
Quando ia pra escola, achava o paraíso porque sabia que lá haviam muitos colegas pra
brincar, tanto que relatou nunca ter dificuldade ou algum problema pra ir ao colégio, “para
mim era o paraíso e minha felicidade”, conta emocionada sobre a fase em Belém.
Nisso, recorda-se de uma viagem recente que fez á cidade natal, passando cinco
dias. Lembra dos nomes de bairros, dos costumes, elogia a cidade que está desenvolvida e
bonita. Descreve com clareza sua saudade do gosto que a cidade traz, mencionando uma
apartamento que era cercado por pés de jasmim. Em meio às lembranças, aspectos da
patologia se fizeram presentes por alguns instantes, relatando a “chatice de ter que andar
Teresina. De forma confusa e sem ter certeza da ordem dos acontecimentos, conta que o
pai era bancário, e que a empresa ficava remanejando seus funcionários para outros
estados. Dentre as opções que seu pai tinha, escolheu morar em Teresina, pois era da
cidade e sua família residia lá. Conta que sua mãe insistiu pra que seu pai fosse para o
Lidwina narra que usa a ordem cronológica das escolas em que estudou para
lembrar-se de sua infância. Conta que tinha doze anos quando, o seu pai foi transferido pra
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São Luis, passando pouco tempo lá e retornando para Teresina. “Ai começou, eu acho que
foi na minha adolescência, que eu comecei a ficar assim, decepcionada, preocupada com
tudo”, menciona isso por causa das novas obrigações que tinha na época, como o
vestibular. Conta que ficava com medo de não passar e decepcionar seus pais: “porque
todo mundo me dizia que ‘ah, uma filha única estudar desse jeito não é todo dia que a
gente vê’, e eu já via isso como uma cobrança, então, pra mim, eu me sentia na obrigação
de passar no vestibular e isso era uma preocupação pra mim”. A paciente relata que na
primeira vez que tentou, não passou, mas no segundo semestre da mesma época, foi para
São Luis e conseguiu, tendo que morar seis meses na cidade. Trancou o curso para poder
transferir e voltar para Teresina, passando mais seis meses longe da universidade, “ai foi
quando meu pai me botou pra fazer concurso e, ai, já veio mais essa responsabilidade”.
Diz que teve sorte, pois passou logo no primeiro concurso, que foi para uma instância
federal.
Teresina, achando que foi nele onde começaram suas cobranças, “eu ficava naquela
cobrança comigo mesmo”, relando que foi a partir dessa época que se tornou uma pessoa
rígida com os estudos, principalmente durante a época das disciplinas práticas do curso.
Questionada sobre a escolha de sua profissão, Lidwina diz que sempre gostou de
medicina, “quando eu era menina, pequenininha, que eu via nas novelas, aquelas atrizes
doutoras e achava lindo aquilo, principalmente porque no tempo que eu era menina não
tinha muitas médicas, a gente via mais em televisão”. Nessa recordação, a paciente lembra
exatamente da novela em que havia a personagem médica, bem como a trilha sonora e os
nomes dos atores e personagens. “Desde ai meu interesse foi crescendo, minha vontade de
ser médica, ‘eu vou ser médica, eu vou ser médica, eu vou ser médica’”.
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Nisso, Lidwina retoma a época em que cursou seis meses do curso em São Luiz,
contando que não conseguia concentrar-se nas aulas, “eu não conseguia nada, até espinha
começou a estourar no meu rosto, era um estresse terrível”. Lembrou que o pai alugou um
apartamento pra ela ficar e que isso gerou uma discussão entre ele e sua mãe: “minha mãe
dizia, ‘não, eu não vou deixar minha filhinha só num apartamento não em São Luis’, ela
não me deixava ir de jeito nenhum, ficou aquela superproteção em cima de mim”. Pedi-lhe
para falar sobre isso, relatou que sempre teve a superproteção da mãe, “ela sempre foi
super protetora, sempre foi, sempre foi. Eu adolescente, grande, adulta, já formada, a
mamãe era desse jeito. Às vezes eu tava de plantão e ela mandava uma marmita, era uma
vasilha de inox que ficava dentro de uma de isopor pra conservar, com meu almoço, lá pro
meu trabalho”. Isso me remeteu a imagem da mãe que Lidwina é hoje com seu filho, em
do óbito dela: “quando ela faleceu, eu fiquei perdida, foi em 2000, meu filhinho tinha
apenas um ano”. Conta que sua vida parecia que tinha acabado, sentia que não tinha mais
laço algum com seu passado, expressando não ver sentido em “cortar tudo aquilo”. Ainda
relata que tal episódio ocorreu no momento em que estava em fase de separação com o ex-
marido, com constantes discussões, enfatizando esse momento como o estopim de sua
doença: “eu acho que isso foi o início pra desencadear tudo isso, essa doença. Eu me senti
Sobre a doença de sua mãe, Lidwina não soube contar com exatidão a data em que
sua mãe adoeceu, ficando em dúvida nos anos de 1997 e 1998. Devido às diabetes e uma
paciente ficou um ano e dois meses fazendo diálise, tendo como primeiro sintoma uma
disfunção na marcha. Esse fato relatado por Lidwina me remeteu ao primeiro sintoma
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descrito por ela no começo das sessões, quando reclamava e apresentava, notoriamente,
dificuldade em caminhar, devido à esclerose múltipla. “Ai nisso ela foi definhando, mas
ela era assim, viva, ela não era assim de amofinar não. Foi desse jeito, terrível pra mim, e
não desejo isso pra ninguém. Apegada com a mamãe do jeito que eu era... Enquanto isso,
Lidwina. Dos doze tios maternos que tinha, todos vieram a óbito devido a complicações
provocadas pela diabetes, inclusive a mãe da paciente. Apenas quatro tias ainda são vivas,
sendo duas delas, diabéticas. Lidwina também é diabética. “Mas é assim mesmo. Isso é
Diante dessas perdas relatas pela paciente, pedi-lhe para ela falar sobre como ela, e
do processo de luto. Prontamente, Lidwina responde que eles a encaram como uma coisa
natural, principalmente a família de sua mãe, “acho que pelo fato de não ter tanto contato,
mas eles sempre passaram essa impressão de não ficar toda hora perguntando como tá”.
Sobre seus avós, Lidwina falou pouco, pois eles morreram pouco tempo depois que ela
tinha seis anos, tendo pouco contato. Mas lembrou o fato, que sua progenitora lhe contou,
de seu avô materno falecer no ano que ela nasceu, por causa da diabetes.
vivenciou a perda de sua tia paterna, com quem morou durante sua infância. Apesar de dez
anos de um acontecimento para o outro, Lidwina fala, muito emotiva, sobre as perdas que
passou ao longo de sua vida. “Começaram daí essas perdas, depois foi a perda da minha
mãe, a separação, o divórcio, e não sei se tô nadando em águas calmas, mas tô muito
todo esse processo. Ao relatar como o conheceu, começa, a partir de sua história depois de
formada, já trabalhando no emprego federal para o qual fez concurso, numa época em que
não tinha mais “obrigação com nada, obrigação no sentido de estudar, de exercer minha
profissão”. Nessa época, por volta de 1997, sua mãe teve que ficar internada numa clínica
cardiológica, foi quando o dono de lá a viu e convidou-a para trabalhar lá, aonde trabalha
até hoje. Conta, também, que nessa época fez sua primeira viagem pra a Europa, “porque
eu tinha loucura pra conhecer. Eu falei ‘mãe a senhora tem que conhecer, é tão lindo,
porque se a senhora morrer agora – eu dizia brincado pra ela – se a senhora morrer agora, a
senhora não pode falar que nunca foi pra Europa. Ai levei minha mãe”. Conta que, na volta
dessa viagem, conheceu o ex-marido, que era irmão de uma enfermeira da clínica.
Casaram-se em 1998, em 1999 tiveram o filho, “agora vai fazer seis anos que eu tô
Lidwina também relatou que, no começo do casamento, era “tudo muito tranquilo,
um mar de rosas, se bem que desde o início do namoro que eu sempre fui assim um pouco
insegura em relação a ele. Eu não sei porque eu era insegura desde quando eu era menina,
que eu fiquei nessa insegurança”. Também ilustra sua insegurança em relação ao trabalho,
quando, já depois de formada, pensava que iria “ficar mais tranquila”, mas diz sempre
sentir insegurança, de passar o remédio errado para os pacientes e acabar matando um,
“tanto que eu ia pegar o plantão, mas eu ia com uma réca de caderno na mão pra ver ali,
já o notava diferente. Foi quando começou o problema com a bebida, passando a noite na
rua. Lidwina conta toda sua lamentação e que não acreditava que isso poderia estar
acontecendo com ela, “ainda bem que nunca teve agressão física, mas a pior agressão era
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essa, era a falta de consideração, que eu acho muito pior”. Relata que quando o filho
Nas sessões seguintes, a paciente declarou gostar de falar dessas situações que
passou na vida, principalmente sobre o ex-marido, pois, para ela, as sessões são como uma
forma de desabafar: “Eu sempre digo pro neném, ‘filho conversa com um psicólogo, você
vai simplesmente desabafar, conversar sobre o que você tá sentindo, pra tirar alguma coisa
Nesse período, o filho de Lidwina que, no começo das sessões estava presente, já
não estava mais junto à mãe. Agora sua presença se fazia na fala da paciente, em meio à
preocupações com o futuro dele em relação às escolhas profissionais. Tal fato sugere uma
mudança na relação terapêutica, já que a paciente não precisava mais da presença do filho
na realidade, mas ele podia, e ela suportava isso, representá-lo, fantasiá-lo. Isso denuncia,
terapeuta e não para alguém da família que pudesse testemunhar seu sofrimento. Uma
Em outra sessão, Lidwina relatou que se considera outra pessoa, “eu já me ajudei
pra caramba”. Menciona fatos, como o casamento, que hoje diz ver de uma forma
diferente: “eu achava que era uma obrigação que ele tinha de casar comigo, mas ai eu
fiquei pensando ‘poxa, mas por quê? Eu num pedi favor pra ninguém’. Mas eu segui”.
Apesar disso, ainda mostra rancor por parte do ex-marido, por este nunca ter dito “’por
favor vem, vamos voltar’. Mas já foi embora. Eu não queria, mas já que quis, tudo bem,
vou partir pra outra”. Reforça, mais uma vez, sua sustentação com o sagrado, pedindo pra
seguir sempre adiante, “eu tô indo, com Deus aqui comigo e tô muito bem”.
o ex-marido tentou voltar, mas sem sucesso, pois disse que o mesmo não mudara.
Questionei-a se essa atual possibilidade de volta não tivesse sucesso, Lidwina respondeu
enfaticamente que mudaria muito, pois ela não era mais a mesma. Na tentativa anterior, se
colou como boba e com “os dois pés na frente”, mas agora “eu tô sempre com um pé atrás
e nunca iludida”.
Disse estar se “livrando de preocupações”, que quer sempre estar bem, focada no
futuro de seu filho, “quero recomeçar minha vida, já que Deus me deu essa oportunidade
tudo quanto era problema, tudo quanto foi de causa de problema, de preocupação, que
processo terapêutico, devido a uma viagem de férias longa duração (três meses) de férias
tendo feito contato sucessivos com no período previsto para o retorno da paciente.
Lidwina, nesse momento, diz, durante contato telefônico, não ser possível continuar as
sessões alegando ter sido uma pausa muito longa. É interessante ressaltar que a decisão de
viajar foi de Lidwina e que, talvez o recuo frente às mudanças que as intervenções
situação terapêutica, assim entendida pelo viés da psicanálise. Como a mesma diz: “Tô
chutando tudo quanto era problema, tudo quanto foi de causa de problema, de
preocupação, que possa agravar o meu. Eu quero pensar daqui pra frente. E só”.
que me deixa frente a um paradoxo dela ter demandado uma quebra no processo
terapêutico, onde ficou sem uma elaboração frente a este luto, já que a mesma se negou a
retomar as sessões. Haveria ai lugar para uma demanda de análise? Será que as
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O Relato de Cláudia
classe média alta, aposentada por invalidez, mora com o esposo e um casal de filhos,
convive há treze anos com esclerose múltipla e diz aceitar a doença completamente, apesar
mesma, e aconteceram de acordo sua disposição física por causa das medicações, pois
relata sentir um mal-estar muito grande, “uma fraqueza”, após cada aplicação intravenosa
dos imunomoduladores, que visam reduzir a inflamação das sequelas no sistema nervoso.
totalizando 10 sessões.
Em suas falas, nunca menciona a patologia como algo ruim, pois através dela, pode
ajudar outras pessoas na mesma situação. Desde os primeiros encontros, Cláudia sempre se
mostrou disponível e alegre. Foi uma das primeiras pessoas no Estado do Piauí a ter
Casou-se muito cedo, foi embora pra Fortaleza com o marido, porque este
trabalhava na cidade na época e, assim que aqui chegou, começou a sentir “umas coisas
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estranhas”. Começou a sentir dormência nas pernas, nos braços, ia aos médicos, no clínico
geral, em tudo, e eles diziam que esses sintomas eram causados pelo estresse. Na época,
Cláudia fazia duas faculdades, tinha uma filha pequena, recém nascida. Ela diz: “e pra
onde eu corria o diagnóstico era estresse, estresse, estresse, estresse. Não resolvia nada”.
Ela entrou de férias, viajou com o marido e voltou pior. Voltou completamente
tonta, completamente dormente, o corpo inteiro, a língua dormente. Não conseguia ficar
em pé direito, não tinha equilíbrio. Indicaram a Cláudia que ela fosse ao neurologista.
Começou a fazer os exames, tirou o liquor, o sangue, fez exame de visão, ressonância.
Enfatizou que todos esses procedimentos foram feitos há quatorze anos atrás, numa época
em que “era uma luta pra chegar a uma diagnóstico. Hoje em dia as pessoas tão mais
informadas, tem mais acesso, tem mais máquinas de ressonância”. Foi então que o médico
Assustada, conta com revolta sobre a maneira como o médico se comportou, dando
o diagnóstico de “uma maneira muito grosseira. Ele era muito grosso”. Cláudia relatou que
a mãe pediu que a filha voltasse para Teresina. Foi quando as duas foram em outro
médico, que é seu médico até hoje. Começou uma maratona de internações, várias
internações, chegando a internar-se oito vezes em um ano. Na época, conta, tinha vinte e
um anos. “Eu vinha de Fortaleza direto pra me internar, porque o médico dizia ‘acredite,
que nós vamos parar essa doença’. Eu não tava sentindo nada, mas eu vinha me internar.
Passava um semana aqui internada, voltava pra Fortaleza, passava vinte e oito dias lá e
Disse acreditar muito que sua estabilidade em relação a doença foi por conta de
“trabalhar muito o psicológico”, já que fez vários anos de terapia. Relatou que, no começo,
foi muito difícil receber um diagnóstico como este, principalmente da forma como foi
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diagnosticada, “o médico que me deu o diagnóstico era um cavalo batizado, deu a notícia
Questionada a falar mais sobre o momento do diagnóstico, pois percebi que fala
com muita frieza e voracidade sobre tal episódio, Cláudia diz ter imaginado: “minha vida
acabou. O médico só me disse o seguinte: ‘é uma doença crônica, que não tem cura,
degenerativa, que daqui a um ano você vai morrer, quase. Você é novinha assim,
bonitinha, mas daqui há um ano, mais ou menos, você já vai tá toda paralisada em uma
Procurando maneiras de lidar com a situação, Cláudia conta que descobriu uma
desiludida pela falta de informação das pessoas. “Só fui a uma reunião lá, e no dia que eu
sentei lá, eu fui com o meu marido, e a mulher que tava do meu lado: ‘ai e seu marido
veio? Mas é porque é sua primeira reunião, porque na próxima ele já não vem mais. Meu
marido me largou, nenhum marido não aguenta’. Eu fui embora da reunião morrendo de
chorar”.
Relata que, pouco tempo depois desse episódio, quando via alguém com cadeira de
rodas, pensava que era alguém com esclerose múltipla e dizia: “olha, daqui a um ano eu
vou tá daquele jeito, eu não vou ver minha filha crescer, eu não posso ter mais filhos”.
Medos, fantasias e lutos que Cláudia vivenciava, mas que ainda eram incertos em seu
futuro. A paciente admite que hoje ainda tem medo, mas tenta controlar tirando o melhor
das coisas, fazendo disso uma missão de vida, tentando “ajudar da melhor forma possível
as pessoas que tem a doença. Eu acho que isso é uma forma de retribuição que eu tento
fazer, perante Deus, por eu ainda estar desse jeito com tanto tempo de doença. Eu acho que
eu tenho mais é que agradecer, do que eu ficar me queixando”. Além disso, acredita que a
família foi, e é, seu suporte principal nesse processo. Mas na época do diagnóstico, se
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sentia incomodada, contando que todos queriam saber o que era, como era, “fica todo
mundo com pena, fica todo mundo olhando pra você com aquela cara de pena. Até hoje
É marcante nos discursos de Cláudia, sua fé, como seu ponto de sustentação. “Eu
nunca perdi a fé em Deus, eu nunca deixei de acreditar, sempre pedi forças, sempre”. Além
desse, a paciente fala de sua relação com o marido como mais um ponto de sustentação.
Na época do diagnóstico, ficou com muito medo de como ele iria encarar, relatando que
foi muito difícil no começo. Eles tinham se casado muito jovens, quando várias pessoas já
diziam ser contra, que não iria dar certo. Ela reforça que isso nunca abalou a relação entre
os dois, “quando à doença chegou, também nunca abalou, ele nunca saiu do meu lado, eu
nunca reclamei de alguma coisa pra ele dizer ‘Ave Maria, não aguento mais essa doença’.
Isso eu nunca ouvi dele, nunca. Ele sempre tá do meu lado, graças a Deus”.
Começou seu tratamento em Fortaleza, mas o Estado do Ceará ainda não distribuía
surtos e estabilizar a doença ao longo dos tempos, apesar de não ser a cura. Para receber o
remédio que vinha de Teresina, a mãe recebia a medicação no Piauí e mandava pra
Fortaleza. Como é uma medicação refrigerada, a mãe sempre tinha o cuidado de enviar a
medicação através de uma pessoa conhecida da família, para mandar em um isopor com
gelo. Cláudia tinha que ir até o aeroporto esperar a medicação para tomar, pois não podia
ficar muito tempo fora da geladeira, senão estragava. “Sempre foi muito difícil, mas eu fui
tentando. Fiz o estado do Ceará me fornecer a medicação, que, na época não era
distribuída. Hoje em dia todo mundo lá recebe porque eu entrei na justiça contra o governo
do Estado. Entrei na justiça e, na época que eu entrei na justiça, que eu consegui o Rebif,
eu tive alergia do Rebif. Ai tive que tomar o Copaxone, não tinha o Copaxone. Entrei na
justiça de novo pra tomar o Copaxone. Então, assim, sempre fui atrás mesmo dos meus
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direitos, das minhas coias pra poder melhorar, de tudo, tudo que eu tinha direito”. Ressalto
que Interferon, Rebif e Copaxone são tratamentos medicamentosos que visam reduzir a
que está se adaptando melhor, pois todos os outros que já tentou teve algum tipo de reação,
sempre tinha alguma coisa que a fizesse ter que parar de tomar. Ela começa a tomar, tá
tudo indo bem, quando por volta de dois ou três meses, aparecem algumas alergias que
alguns anos sem tomar medicamento algum. Fazia uma pulsoterapia – que significa a
corticóides) por curtos períodos de tempo na corrente sanguínea – por ano, pois não se
adaptava a nenhuma medicação. Relata que começava a tomar uma medicação, tinha todos
os efeitos colaterais necessários que tem no começo para a adaptação do organismo, como
manchas vermelhas no seu corpo todo, que coçavam muito. Ficava toda cheia de alergia
depois já de dois, três meses tomando a medicação, daí ter que suspender.
A última vez que teve um surto, ainda morava em Fortaleza, já na época de sua
mudança para Teresina. Para Cláudia, foi o único surto que a deixou uma sequela maior, e
que já faz sete anos desde que aconteceu. Ainda hoje tem uma sequela, uma mancha na
medula, que tem, mais ou menos, o tamanho de um limão. Ela irradia a sensação de dor
nas duas pernas da paciente: “As minhas duas pernas são normais, não adianta eu fazer
fisioterapia, não adianta eu fazer nada, nem tomar remédio não passa, nenhum remédio
passa, nem morfina”. A convivência com a dor já dura quatro anos e meio. A paciente já
59
fez várias intervenções no hospital, “vou pro centro cirúrgico, o médico bota um catéter na
minha coluna, pra ficar irradiando morfina direto na minha medula. As três ultimas vezes
que eu fiz isso não adiantou. Não passa mais, nem com morfina”.
Cláudia relata sobre os dias em que a dor se torna insuportável: “eu não consigo me
levantar da cama. Tem dias que eu me levanto e consigo dirigir, tem dias que eu não me
levanto. É é o maior tipo de dor que o ser humano pode suportar. Não adianta eu fazer
nada, não adianta eu tomar nada porque não passa, eu tomo seis medicamentos por dia, pra
tentar fazer com que o cérebro não perceba que ele tá recebendo esse impulso da dor”.
Revela que, atualmente, a dor é pior do que a doença em si, pois a sente todos os dias, toda
hora, e que não passa com nada, “mas eu não me entrego”, diz ela.
Enfatiza que não se entrega de forma alguma. Levanta todo dia, quando pode, deixa
os filhos no colégio, dirige. Conta que já se sentiu muito impotente com a dor,
“principalmente quando você quer fazer uma coisa que você não consegue, principalmente
quando você se propõe a fazer uma coisa naquele dia e você não tem condição de levantar,
principalmente quando seu filho tem uma apresentação no colégio e você não consegue
ir”. Apesar do sofrimento, diz não ficar limitada, principalmente quando viaja com a
família. Viaja e faz tudo o que lhe está ao alcance, “tava no meio do dia e eu tinha que
voltar pro hotel sozinha pra eles continuarem o passeio, porque eu não tava conseguindo.
Então é uma coisa ruim, você tem que tentar ir levando, você tem que aceitar. É muito
difícil, é, mas eu acho que tem coisa pior. Então eu penso sempre assim, ‘podia ser pior’”.
Falando sobre as viagens, fala sobre a reação dos filhos em relação à patologia. No
colégio dos filhos todo mundo já sabe da doença, os diretores e professores. O proprietário
da instituição, quando era vivo, acompanhou de perto por muito tempo a situação de
Cláudia, porque ele era amigo de sua mãe. A filha de Claudia acompanhou tudo. Hoje,
com quinze anos, ela é mais preocupada, “‘mãe tá sentindo isso?’, ‘mãe tu quer isso?’,
60
‘mãe fica ai que eu vou pegar pra ti’, mãe não levanta’”. O filho, que só tem seis anos,
ainda não entende, não sabe o que é, mas a filha sim, “e eu acho que ela já se envolveu até
demais”. Cláudia conta que os filhos nunca reclamaram, nunca disseram uma queixa sobre
a doença, a filha apenas perguntou uma vez por que a mãe tinha essa doença. Essa foi a
Por conta disso, mãe e filha estão numa relação muito interligada. A paciente assim
expressa: “tanto é que tudo dela é comigo, ela disse que a pessoa mais especial que ela
conhece no mundo sou eu, ele me chama de melhor amiga, ela me leva para aonde for”.
Cláudia se sente orgulhosa por achar que a filha a vê com orgulho, por eu enfrentar tudo
sempre dizia que “não nasci pra ser mãe de um filho só, eu quero ter, pelo menos, outro
filho, porque eu queria ter três, mas pelo menos dois eu vou ter”. Os médicos sempre a
aconselhavam a não engravidar, pois não sabiam dos riscos que poderiam causar. Segundo
ela: “Ele dizia ‘você é louca’, a coisa que ele sempre dizia pra mim: ‘time que tá ganhando
não se mexe. Você tá tão direitinho, tá tudo tão no lugar, não mexa, não mexa, não vá
entrar nessa, a gente não sabe, eu não tenho nenhuma paciente que engravidou, eu nunca
acompanhei ninguém’”. Cláudia conta que parou de tomar os remédios, as injeções, fez
todos os seus exames de sangue, estavam todos bem próximos das taxas de normalidade, e
decidiu engravidar, por sua conta e risco, sem o seu médico saber. Só disse a ele quando já
tava no segundo mês de gravidez. Ligou e disse por telefone, pois não teve coragem de
dizer na frente dele. “Minha gravidez foi muito difícil, mas valeu a pena. Você tem que
Conta que sentia muita dor, entrava em trabalho de parto toda hora, tomou Inibina
gravidez, internou-se por volta de três vezes para tomar Inibina na veia. Relata que ia pro
meu médico toda segunda e sexta-feira pra ver se estava tudo bem com o bebê e saber se
ele não iria nascer no final de semana. O bebê nasceu de oito meses, seu médico disse para
não avisar a ninguém sobre o nascimento, pois não se sabia como ele iria nascer, “ele pode
ir pra incubadora, ele não pode receber muita visita, ele pode nascer com uma imunidade
muito baixa”. Surpreendentemente para o médico, o bebê de Cláudia não precisou de nada,
não foi pra incubadora, veio “todo perfeitinho”. Conta que não podia amamentá-lo, mas o
amamentou durante cinco meses. Observa-se aqui durante todo o relato da paciente, seu
Por conta do imprevisível e do novo, conta que passavam muitas fantasias em sua
cabeça, fazia ultra-sons constantemente pra ver se o feto estava bem, contava os dedos,
fazia morfológica. “Eu acho que em toda gravidez a mãe já fica nessa ansiedade né, e a
minha então, eu ainda fiquei muito mais. Era todo tempo me questionando, eu dizia ‘meu
Deus se nascer uma criança doente, como é que vai ser’, era o que me preocupava muito.
Questionada sobre a importância que essa gestação teve na sua vida, Cláudia vê
essa experiência como algo positivo em sua vida, melhorando até sua relação com a
doença. “Eu não sei se é porque a natureza é tão perfeita, né? O corpo se organiza de um
jeito, se adapta de um jeito que fica tudo direitinho”. É interessante como o desejo de
Cláudia vai além das recomendações médicas. Ela foi orientada a não ter filhos, mas teve.
Observa-se aqui um modo ambivalente de lidar com a patologia. Ao mesmo tempo em que
doença no momento em que não segue as orientações médicas. Tal desafio se amplia para
a medicina, para os médicos e suas prescrições, já que seu discurso sobre si mostra-se
62
melhor, de ter o discernimento do que pode, do que não pode. Remete-se, então, às pessoas
que tem esclerose múltipla, mas que “ainda são muito leigas, que não sabem quando é que
tá tendo um surto, que não sabem que atitude deve tomar na hora de um surto. Tem muita
gente que liga pra mim ‘acordei sem andar, será o quê que eu tô tendo?’, eu digo ‘gente,
você tá num surto, tem que correr pra tomar uma medicação, tem que tomar uma
medicação na veia, tem que fazer uma pulsoterapia”. Nesse momento, a fala de Cláudia
reconhecimento no social, isto é, ela tem uma posição frente a si mesma e aos outros,
expert” no assunto, tal como uma especialista, que pode transmitir conhecimentos aos
outros, ajudar. Vale, mais uma vez, pontuar o aspecto que a identidade de portadora
podem lhe oferecer como significantes e como sentidos para sua vida.
Conta que são nesses momentos em que agradece a Deus por tudo que colocou em
sua vida, até a doença, que serviu como uma forma de ajudar outras pessoas, “um exemplo
de determinação e alegria é aquela atriz Cláudia Rodrigues, ela é tão engraçada e passa
uma mensagem tão legal sobre a esclerose. Acho que somos muito parecidas, somos
divertidas, não perdemos o humor por qualquer coisa e a gente ainda ajuda aqueles
diabetes ou câncer. Cláudia conta, sorrindo, que acha que é a primeira da família a ter uma
Reflexiva, diante dos acontecimentos de sua vida, elenca algumas perdas que foram
duas faculdades, ao mesmo tempo em que foi a única aluna de nutrição a ser chamada pra
direito privado e sem fins lucrativos, tendo que abrir mão de tudo isso. Caracterizava sua
vida como uma correria, trabalhava no hospital, assistia aulas na faculdade, assistia aula de
informática. “Primeira coisa que você vai pra um hospital daquele, era tratar pessoas que
estavam do jeito que eu poderia estar”. Deixou de ir para o trabalho, mesmo que tivesse
Conta que havia dias que não aguentava assistir aula. Sua faculdade era no turno da
tarde, e tinha que ir dirigindo. O marido não podia deixá-la, pois trabalhava o dia todo, não
tinha ninguém para acompanhá-la: “não tinha minha mãe, não tinha minha sogra, não tinha
ninguém”. Em Fortaleza era só ela e o marido. Havia dias que parava o carro no
meia hora, quarenta minutos pra poder voltar pra sua residência, sem assistir aula: “isso me
deixou muito triste, me formei mas não pude exercer minha profissão”. Com sua fé
inabalável, acha que Deus foi tão perfeito com ela, que hoje em dia já é aposentada, como
se uma “coisa compensa a outra, eu tive essa sorte, de ter o meu salário, de tudo”.
Lamenta por não poder ajudar mais ainda as pessoas, principalmente algumas
pessoas da APPEM, onde “tem muita gente que não tem aposentadoria de nada, tem gente
que não consegue nem metade de um salário mínimo. Então eu consegui, apesar de todas
Cláudia fala sobre seu corpo, que “não me entrego, é todo tempo fazendo
massagem, fazendo isso, fazendo aquilo, porque eu tenho medo de engordar”. Toma vários
remédios muito fortes, seis remédios por dia, fora a injeção. Todos esses remédios fazem-
na reter líquido, mas “vou tentando compensar, até porque eu sempre fui muito
perfeccionista em relação ao meu corpo, em relação a beleza, mas numa hora dessas você
pára e diz ‘gente isso não é nada, eu quero tá viva, eu quero tá caminhando’, numa hora
dessas você pára pra pensar o quê que vale a pena, eu tá bonitinha, magrinha, mas uma
porque tem gente mais gordinha do que eu, tem gente que reclama de cólica, mas eu sofro
Cláudia justificou a interrupção do processo terapêutico por “não ter mais tempo”
devido a sua nova posição de vice-presidente da APPEM. Ainda como justificativa, alegou
não precisar mais dos atendimentos terapêuticos pois, como havia dito, “trabalhei muito o
reconhecimento como portadora, é solicitada para dar uma palestra aos novos associados,
ou seja, àquelas pessoas que foram recém-diagnosticadas. Claudia parece ter organizado
sua vida pela doença, as limitações que tem parecem servir como “exemplo de vida” aos
outros, aqueles que ainda não chegaram “ao ponto dela”, ao seu nível em lidar com a
doença e suas implicações no cotidiano, no projeto de vida. Daí pode-se observar o sentido
organizador do sofrimento.
65
DO ADOECIMENTO
A esclerose múltipla (EM) é uma das doenças mais comuns do Sistema Nervoso
Central (SNC) em adultos jovens. De causa ainda desconhecida, foi registrada pela
primeira vez em 1822 por Sir Augustus D’Este que, aparentemente, tinha a doença. Mas
foi descrita somente em 1868, pelo neurologista francês Jean Martin Charcot, que, ao
processo inflamatório, o que contribui para a invalidez. Os pontos onde se perde mielina
a expressão esclerose múltipla, significa episódios que se repetem várias vezes (Fragoso &
Peres, 2007).
diferentes áreas do SNC, prolongarem-se por mais de 24 horas e estar separados por um
período de pelo menos um mês (Costa et al, 2005). É efetuado um detalhado exame
66
neurológico para a confirmação dos sintomas a fim de que sejam descartadas outras
causas. Uma história confiável do paciente ajuda a definir os surtos episódicos. Confiável
sujeito, quando doente, passa a ser tratado não como tal, mas sim como aquele que carrega
sua própria passividade frente ás perspectivas existenciais, faz com que haja uma
Camon, 2002).
experimentarem mais de um sintoma, piorando com a presença de calor (Fragoso & Peres,
2007). Estes ainda podem ser difíceis para serem descritos, inclusive pelos familiares, ou
pelos cuidadores da pessoa com a doença, que não os notam, e também podem passar
claramente.
Na maioria dos cometidos pela esclerose múltipla, a doença provoca uma série de
crises, cujos sintomas podem ser discretos ou intensos e que aparecem e desaparecem. Isso
faz com que o sujeito se recupere parcial ou totalmente das dificuldades resultantes desses.
EM que não ocorre em outros tipos de doenças do sistema nervoso (Barreto et al, 2009;
Pereira, 2009).
qualidade de vida desses sujeitos, na medida em que têm possibilidade reduzida de terem
sequelas, não havendo progressão dos déficits entre os surtos; os ataques podem durar de
por uma fase precedente de recorrências e remissões seguida de progressão dos déficits,
caracteriza, desde o início, por doença progressiva, porém intercalada por surtos
Não existe cura para a esclerose múltipla, no entanto, muito pode ser feito para
ajudar as pessoas acometidas pela doença a serem independentes e a terem uma vida
qualidade de vida faz com que existam várias formas de definição que se referem à
valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, preocupações e
vida abrange uma ampla variação, desde as questões macro sociais até o mundo particular
Em sua pesquisa realizada com pacientes com esclerose múltipla, Morales et al.
prejudicado no aspecto físico do que nos domínios psicossociais. Tal impacto pode ser
incapacitante e até o momento sem cura, pode repercutir de forma contundente na vida dos
pacientes.
não há cura e ainda não foi descoberto o meio de restaurar a mielina danificada ou as
funções perdidas, sendo o seu enfoque principal o controle dos sintomas, reduzindo
fim de reduzir o impacto da fadiga; a fonoaudiologia, que ajuda aqueles pacientes com
devido às mudanças repentinas nos papeis sociais, elaboração dos lutos, bem como
consenso de que pacientes com a doença são mais vulneráveis a transtornos psiquiátricos.
Estudos mostram que 2/3 dos pacientes apresentam transtornos neuropsiquiátricos durante
desde suas primeiras descrições pelos sujeitos com a doença, tanto após o diagnóstico
frequentemente encontra-se na EM, embora estudos sobre tal sintoma ainda sejam escassos
causa biológica, orgânica, relacionada com a possível desconexão a nível cortical nas áreas
de projeção do sistema límbico (Mendes et al., 2003; Kesslring & Klement, 2001).
Por vezes, o sintoma depressivo nos sujeitos com EM podem aparecer mascarados
pelos próprios sintomas da doença, como perturbação no sono, disfunção sexual, insônia,
70
No que diz respeito aos fatores ambientais da etiologia da EM, alguns estudos
(Fragoso & Peres, 2007; Moreira et al., 2002). O Brasil é uma área de baixa prevalência
habitantes, no entanto, como ocorre na cidade do Recife, a taxa é de 1,36 casos por
geográfica, como se pode observar nos diferentes estados do Brasil. Assim, enquanto
estima-se uma prevalência de, apenas, 5% para a região nordeste, a prevalência nas regiões
sul e sudeste variam entre 15% a 18% (Finkelsztejn et al., 2009; Silvia et al., 2009;
sistema nervoso que são afetadas pela ocorrência da doença, esta é uma patologia que traz
fragilidade, já que a doença traz consigo situações de dependência e insegurança. Pode ser
com tal patologia está justamente num período que se revela crucial para o
série de limitações impostas pela doença. Para Kantor (2004), existem outras situações
com que o paciente sinta-se frustrado e desmotivado pela EM: a notícia do diagnóstico,
que gera incertezas diante do futuro; os surtos, que podem ser seguidos de internação após
desaparecer ou aparecer e permanecer. Por causa disso, um dos sentimentos mais comuns é
a ansiedade, desde a busca do diagnóstico, que ainda não tem um exame específico para
sinaliza a mortalidade deste, a finitude do corpo e a falta de controle sobre este e sua vida,
linha de continuidade da vida do sujeito, das funções desempenhadas por ele na família e
na sociedade e da previsibilidade aparente que cada pessoa guarda sobre seu futuro
das perdas e do processo de luto. As perdas e sua elaboração fazem parte do cotidiano, já
que são vividas em todos os momentos da vida do sujeito. São consideradas “pequenas
pelo nascimento de um filho, já que o sujeito perde algo “conhecido”, como o papel de
solteiro e de filho, para viver o “desconhecido” de ser cônjuge ou pai. Essas situações têm
analogia com a morte, podendo despertar, assim, angústia, medo, solidão, como também
do sistema nervoso. Descritas por Kovács (2003), as perdas decorrentes de doença são
formas de mortes simbólicas, a morte de si como uma pessoa ativa, profissional, genitora,
Para alguns sujeitos, a condição que a doença impõe é devastadora e pode culminar
alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como os pais, a liberdade ou o
ideal de alguém, e assim por diante” (p.275). Ele afasta o sujeito de suas atitudes normais
para com a vida, mas sabe-se que este afastamento não é patológico sendo, normalmente,
Um desses mecanismos pode ser apresentado pelo processo regressivo, marcado por um
mais simples ou mais infantil. A regressão é mobilizada por uma reação de proteção do
ansiedade. Trata se, por exemplo, do sujeito doente que adota uma postura infantil frente à
uma fase de maior dependência do meio externo por não ter autonomia sobre a
coordenação de seus movimentos, no qual esse sujeito recebe cuidados básicos de higiene,
alimentação e medicação.
indefinido, supõe-se sempre que o sofrimento tenha uma causa, esteja ligado à uma
vezes, os sujeitos se questionam se estão sendo punidos por algo de errado que fizeram no
castigadas e merecedoras desse castigo, outros se sentem injustiçados por estarem sendo
castigadas.
satisfações pulsionais e se origina do medo. Para ele, a culpa pode provir do medo da
exige punição, pois “a continuação dos desejos proibidos não pode ser escondida do
supereu” (p. 95). Ele ainda coloca, como uma das possíveis fontes de sofrimento humano,
o poder superior das forças naturais, “que podem voltar-se contra nós com forças
nós se comporta, sob determinado aspecto, como um paranóico, corrige algum aspecto do
mundo que lhe é insuportável pela elaboração de um desejo e introduz esse delírio na
A culpa também pode ser considerada como um mecanismo defensivo usado pelo
sujeito frente aos sentimentos, de raiva, revolta, ressentimento, despertados pela condição
de doente. Nesses casos, o sujeito desloca a raiva numa tentativa de aplacar a angústia e a
lentamente. Este processo pode ser mais doloroso para as mulheres, visto que são as mais
afetadas pela patologia e por esta ser típica de mulheres jovens, a questão relacionada à
idealizado desde os primórdios do gênero feminino (Teixeira, Parente & Boris, 2009). A
75
história natural da doença deve motivar as mulheres a constituírem sua prole o quanto
antes possível. Doenças auto-imunes como a esclerose múltipla tendem a melhorar durante
a gravidez em virtude das alterações imunológicas que esta proporciona, não alterando,
é um tipo de doença que tem maior incidência em adultos jovens. Nesses sujeitos é
de qualquer sujeito, seja pelo estigma, seja pelos tratamentos, ou mesmo pelas limitações
da medicina em uma área onde ainda há muito a ser descoberto. É um fato que estimula
uma complexa rede de condições que modificam a dinâmica de vida do sujeito, desde sua
rotina diária até sua estrutura conjugal e familiar (Duarte, 2001). A família também
familiares mais próximos e os cuidadores sofram com a nova e dura realidade, tendo que
onde muitas famílias, embora sofram com a doença, conseguem se superar e lidar bem
Os membros da família podem compreender o quanto devem ajudar a pessoa com esclerose
múltipla, eles podem sentir-se oprimidos pela sua dependência e podem ficar preocupados com
o futuro, no que diz respeito às questões financeiras, e exaustos pelos requisitos de assistência
modo geral, são propiciadoras de crises, e em casos de adoecimento, tais crises advêm
repentinas e forçadas dos papéis familiares, do aumento de custos, das inseguranças, das
culpas, enfim, das exacerbações e atualizações de crises antigas e de sentimentos antes não
para receber o familiar doente e prestar-lhe apoio. Há uma mudança na hierarquia familiar,
acometido pela doença crônica é um sub-sistema e o seu cuidado não se restringe à prática
paciente articula-se com o conjunto em que ele se insere, o sistema familiar (Bucher-
Maluschke, 2009).
Walsh e McGoldrick (1998, citado por Borges, 2003) afirmam que o choque de
uma perda ou do diagnóstico de uma doença, quando atinge uma família, faz exigências
urgentes, ou seja, uma nova organização deve ser estabelecida e vai se refletir na
identidade, na dinâmica e nos objetivos dessa família, talvez até mesmo de forma
irreversível. Questões como essas são geradoras de grande angústia, sendo este um afeto
que constantemente se faz presente. A angústia surge, dentro de uma visão freudiana
77
(1926/1996), como uma reação a um estado de perigo que pode levar à vivência de
só como uma reação à perda, mas também como um sinal quando uma situação de perigo,
real mediante o qual o sujeito pode ter uma ação motora ou uma grande inibição causada
sujeito doente, os familiares e cuidadores que também precisam de cuidados e ajuda, como
o auxílio dos profissionais de saúde, mantendo a família mais informada sobre a evolução
clínica da doença.
aumentar a capacidade de um trabalho conjunto, e de lidar com os desafios de viver com uma
doença crônica. Vale ressaltar que parte dos sintomas da esclerose múltipla é invisível, como
fadiga, neurite ótica e dor, havendo dificuldade dos familiares entenderem o que ocorre com o
sua rotina de vida. Por ser uma doença crônica e potencialmente incapacitante, a EM exige
sempre uma forma de adaptação por parte do portador e daqueles que convivem com o
pode não ter outra opção além de ajustar-se e adequar-se às condições impostas pela
doença, ou buscar saída na a ideação suicida. Pesquisas européias mostram que tal
pensamento está presente em até 30% dos pacientes, relacionado com a presença e
78
mostra-se 7 vezes maior do que a da população em geral e do que na maioria das doenças
múltipla não é fácil, isso se deve ao seu curso clínico onde, na maioria das vezes, é
variável e incerto. Assim, o sujeito pode estar convivendo bem com a EM até que um surto
mais forte mude seu quadro sintomático e, conseqüentemente, exija maior adaptação à sua
nova condição física e às perdas que poderão decorrer como as econômicas, as familiares,
em todos os seus aspectos, não somente biológicos e psíquicos, mas também enquanto
interação.
dificuldades da atenção àquele que sofre estão baseadas em práticas que, ao privilegiarem
Num passado ainda recente, a doença era frequentemente definida como "ausência
de saúde", sendo a saúde definida como "ausência de doença" - definições que não eram
emocionais e sociais da saúde e da doença. Definições mais flexíveis, quer de saúde quer
Categoria operacional, o termo “racionalidade médica” foi criado por Madel Luz.
origem ou causa, sua evolução ou cura), todos embasados em uma sexta dimensão
1995).
prática clínica não consegue cumprir este ensejo, pois a subjetividade apresenta-se em
vários momentos: na sua experiência, nas interpretações dos exames, ao tomar decisões e
julgamentos.
clínica médica passa a ser a doença e a lesão, isto é, o objetivo do médico é identificar a
doença e a sua causa. Basta remover a causa para que haja a cura da doença. Doença e
lesão estabelecem uma relação de co-dependência, uma necessita da outra para existir
De acordo com Camargo Jr. (1997), a racionalidade biomédica pode ser resumida
em três preposições:
(...) dirige-se à produção de discursos com validade universal, propondo modelos e leis de
“Universo” a ser visto como uma gigantesca máquina, subordinada a princípios de causalidade
Esse modelo, que teve seu auge em meados dos anos 70, permitiu enormes
todo, foi substituída pela tendência a reduzir os sistemas a pequenas partes, podendo cada
O modelo biomédico teve tanto sucesso que, no final da década de 70, nos Estados
Unidos, rareavam os sujeitos com menos de 75 anos, cuja morte fosse devida a doenças
representações que os sujeitos fazem sobre o seu estado de saúde. É o caso, por exemplo,
das avaliações subjetivas sobre os sintomas, das interpretações ou das significações sobre
saúde. Com efeito, diversas investigações empíricas têm demonstrado que as significações
biomédico que reside no fato de supor que todo sujeito, para preservar a vida, está disposto
engano, que ainda se faz muito presente nas práticas de saúde, pois não leva em
82
conceitual do sujeito - ou seja, que este não seria capaz, ou não tivesse responsabilidade de
“produzir” uma patologia - é consistente com as definições de saúde e doença com ele
mortais, seu discurso prende-se a uma prática clínica centrada entre o olhar médico e o
órgão em mau funcionamento, assim, aponta Silva e Rocha (2008), há uma inconsciência
na forma dos médicos exercerem a medicina. Os autores dão o exemplo do próprio avanço
tecnológico da saúde que abre, cada vez mais, espaço para uma “medicina do órgão”, onde
o próprio sujeito adoentado é capaz de fazer exames e receber tratamento de maneira até
médico entender a vida como um processo que escoa por fendas diversas até um oceano de
O olhar focado na especificidade do órgão, sem articular uma visada mais ampla, enfocando
custo crítico, na maioria das vezes menosprezado, mas nunca deixando de produzir sérias
em relação à forma do paciente aderir ao tratamento e influir no seu resultado” (Silva &
experiencial, nunca chegou a ser objeto das ciências biomédicas, uma vez que o modelo da
perspectiva, a medicina que toma como base a evidência não representa uma revolução
paradigmática, mas a ratificação de uma tendência que tem suas raízes nos séculos
passados: substituição da subjetividade pela objetividade técnica (Uchôa & Camargo Jr.,
Favoreto e Cabral (2009) afirmam que a atenção realizada pelos médicos em uma
efetividade, sobretudo no que tange à atenção aos portadores de doenças crônicas. Neste
uma anamnese restrita à coleta de sinais e sintomas das doenças e sob uma perspectiva da
sofrimento, para que possa falar a “língua” de seus pacientes. O predomínio do conceito
84
aprendizado que propicie mais ao aluno a prática integrada dos recursos organicistas e
ser a doença e a lesão, isto é, o objetivo do médico é identificar a doença e a sua causa.
“Basta remover a causa para que haja a cura da doença” (Guedes, Nogueira & Camargo
Jr., 2008, p. 136). Apesar dos progressos trazidos por essa perspectiva, entende-se que o
adoecimento humano, como lidar com pacientes com queixas dificilmente enquadráveis
neste modelo.
biomedicina” (Guedes, Nogueira & Camargo Jr., 2008, p. 136), estes são freqüentemente
conceitual em relação a esses tipos de sintoma (sintomas corporais sem causas orgânicas
modelo que possui poucas ferramentas para deparar-se com a singularidade do sofrimento
do sujeito e, sobretudo, com a sua dimensão experiencial (Guedes, Nogueira & Camargo
Jr., 2008).
85
outra posição epistemológica, oferece uma escuta livre de qualquer julgamento ou seleção
para que, dessa forma, o sujeito fale. O psicanalista deve assumir, e dar conta, daquilo que
é banido do corpo pela ciência, que ao corpo retorna como fenômeno, para, assim,
autorizar o paciente em sua posição de sujeito, sujeito que caminha em busca de novas
psiquismo como uma unidade (psicossoma), bem como a etiologia multifatorial das
corpo, a tendência é realizar uma ampliação de seu campo clínico. Ocorre, segundo a
autora, que, na atualidade, a presença do corpo na psicanálise vai muito além da queixa
somática, isto é, o corpo se faz presente também pelo negativo. Dessa forma, o corpo que é
fronteiriço, fundador e constitutivo, bem como encoberto e descoberto. É sob todas estas
perceptível; é o corpo pulsional, das pulsões da vida que nos ligam ao mundo, bem como
86
das pulsões de morte que nos separam de tudo que ameaça nossa integridade; é uma forma,
uma silhueta, um protótipo universal de todos os objetos criados pelo homem; é o símbolo
do inconsciente, sua vitrine. “Seja organismo, força, forma ou símbolo, o corpo continua
O corpo é nosso primeiro Universo. Nele somos concebidos, abrigados. A partir dele
corpo é tão antigo quanto investigar o mundo que nos cerca. Desde os tempos mais remotos
dedica-se o homem a decifrar tais mistérios, inspirado por imagens oriundas de seu corpo.
A presença do corpo vai muito além da queixa somática, isto é, o corpo se faz
presente também pelo negativo. Dessa forma, o corpo que é objeto da psicanálise
sujeito (Teixeira, 2006a). Freud, ao articular uma teoria da sexualidade, inicia uma
do corpo Soma, corpo biológico, corpo da pura necessidade, vai desembocar na noção de
seja, corpo próprio da psicanálise (Freud, 1905a/1996; Lazzarini & Viana, 2006).
sofrimento histérico, Freud (1894/1996) percebeu que o corpo das histéricas estava
fundado nas representações subjetivas. As manifestações corporais das histéricas, que não
psíquico inconsciente. O discurso freudiano passou a afirmar que o corpo na histeria não
poderia mais ser confundido com o corpo da medicina e da anatomia, nem ser regulado por
seus estatutos. Com isso, Freud abre uma ruptura com a medicina da época ao instituir
delinear uma nova leitura sobre a corporeidade (Lazzarini & Viana, 2006).
Assoun (1996) demarca que, a partir da psicanálise, o corpo não pode ser mais
concebido como princípio autógeno, portador de seu sentido próprio; o corporal forma a
como uma espécie de alma, mas como um elo, um lugar de interferência onde as “vozes do
corpo. A clínica freudiana inaugural da psicanálise, a das histéricas, era uma clínica
o corpo importa de saída. Nos Estudos sobre a histeria, Freud (1894/1996) afirmava que o
corpo da histérica só poderia ser definido se fosse considerada não somente a anatomia (as
social. Freud percebe que a fala das histéricas afeta o seu corpo. O que elas mostram é algo
mostra é sua alma, visível em seu corpo pelo sintoma. É ele que “faz dialogar a alma e o
corpo”, “o corpo é o medium do sintoma” (Assoun, 1996, p.178). O que sobressai desse
ordem sexual.
tem por efeito neutralizá-la (...). É nessa capacidade de conversão que Freud localiza “o fator
88
característico” da histeria (...). O efeito corporal traduz o destacamento de uma energia oriunda
da tensão representativa. Não é, pois, o corpo que fala, mas, através dele, as representações
com a história do sujeito. O que dá aos processos psíquicos inconscientes uma saída no
Ao defender a noção de que o corpo da histérica era algo mais do que o corpo
repressões nascidas na relação do corpo com o seu meio cultural. Surgia, então, uma nova
entre o psíquico e o somático, ou seja, que nem é apenas psique e nem unicamente soma,
mas que se encontra na interface dessas realidades e que se inscreve na história de vida de
cada sujeito. Como se pode perceber, o corpo como território sitiado pelo organismo, por
sua estrutura biológica, colonizado pelo saber médico e desencarnado do psiquismo, perde,
Com esta leitura, foi sendo construída uma metapsicologia do corpo em Freud.
informações sensoriais ao organismo que, através delas, organiza suas ações voltadas à
89
sobrevivência e à interação com o meio ambiente. No entanto, além dos estímulos físicos,
os estímulos pulsionais (Leo & Vilhena, 2010). Freud é bastante claro quando afirma que
psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente [psiquismo],
como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em conseqüência de sua
Freud (1905a/1996) o concebe como algo fundamental que ancora o psiquismo no corpo,
isto é, o registro psíquico não seria apenas algo da ordem da idealidade, mas movido pelas
pulsões.
provenientes tanto de seu interior como do mundo externo. Sempre considerou que as
com suas necessidades fisiológicas, onde antes eram satisfeitas automaticamente pelo
próprio corpo materno. Ele se vê necessitado do outro para satisfazer tais necessidades
(Volich, 2002). Para diminuir ou eliminar esse desprazer provocado por essa experiência
90
de desamparo, é necessária uma ação específica para obter satisfação. Após a satisfação da
fome pelo seio materno, por exemplo, o bebê faz a repetição dos movimentos se sucção
com os lábios, mesmo dormindo, o que indica um registro de memória, uma lembrança do
necessidade corporal para a alucinação primitiva, uma experiência marcada pelo prazer,
que inaugura a experiência erógena do corpo. Essa mesma dinâmica funda o aparelho
faz com que ele necessite de alguém que o acolha e que dele cuide. Esta prematuridade
exige um trabalho de cuidados realizados pelo outro, a mãe, que acolhe o bebê oferecendo-
corpo próprio. Se o corpo pulsional remete a uma dispersão da pulsão, o corpo narcísico se
sexualidade no qual as pulsões procuram satisfação no próprio corpo, uma satisfação não
libidinal, mas partes de um corpo vivido como fragmentado, sem unidade. Não há no auto-
erotismo uma representação do corpo como uma unidade. O que nele falta é o eu,
momento em que a criança toma a si mesma como objeto de amor, antes de escolher
91
discurso dos pais, efeito de um discurso apaixonado que abandona qualquer forma de
éticos transmitidos pelos pais, exigência estas às quais o sujeito terá como norma
satisfazer. Veiculadas pela linguagem, essas leis operam a mediação entre o eu e o outro
(Freud, 1914/1996).
os objetos externos. A libido, que anteriormente investia o eu, narcisismo primário, passa a
assim, num redimensionamento daquele corpo narcísico primeiro. Freud (1914/1996) nos
mostra que o eu possui uma natureza dupla, uma espécie de assimetria que vai se constituir
na presença do outro, isto é, a unificação do corpo pelo olhar do outro seria constitutivo do
eu. Esse olhar seria um olhar idealizante dos pais, na medida em que o narcisismo deles
vai ficar evidenciado diante de seu filho, pois os pais esperam que esta criança possa ser e
fazer todas as coisas que eles mesmos, pais, não puderam realizar (Freud, 1914/1996).
dos órgãos e dos sistemas funcionais, objeto de estudo e intervenção da medicina. Ele se
teoria evidencia que o somático é habitado por um corpo atravessado pela pulsão e pela
92
linguagem e que obedece às leis do desejo inconsciente, coerente com a história do sujeito
uma escuta livre de qualquer julgamento ou seleção para que, dessa forma, o sujeito fale.
estabelecidos pelo discurso médico. São patologias que se manifestam por meio de lesões
crônicas e seu desenrolar caracteriza-se por crises sucessivas com período de remissão,
vista, a esclerose múltipla seria considerada um quadro pathológico que poderia ser
apreendida pelos fenômenos psicossomáticos que acometem o sujeito, visto que está
2004; Mello Filho & Burd, 2010; Ribeiro & Santana, 2003; Valas, 1990).
fenômeno psicossomático, visto que não se trata de uma via metafórica de expressão
tal manifestação capturada por exames clínicos, laboratoriais e imagéticos. Há uma lesão (...).
É, portanto, preciso distinguir que nem todas somatizações são da mesma ordem, já que as
somatizações histéricas não afetam o real do corpo, embora possam paralisá-lo, cegá-lo,
O FPS não serve para designar o sujeito, mas, sim, algo que se passa nele, onde a
forma como isso ocorre em cada um é de uma ordem absolutamente particular. É uma
escrita, e essa denominação vem porque é algo que se mostra, que está ao lado da estrutura
do sujeito, ou seja, não é efeito da estrutura, mas também, não está desvinculada dela
(...) fenômenos estruturados de modo bem diferente do que se passa nas neuroses, a saber,
onde há não sei que impressão ou inscrição direta de uma característica, e mesmo, em certos
casos, de um conflito, no que se pode chamar o quadro material que apresenta o sujeito
Em sua teoria, o FPS é trabalhado como uma das manifestações do real. Diferente
do sintoma, que inscrito no registro simbólico revela o desejo inconsciente, o FPS é uma
mostração não passível de ser decifrada pelo significante. Enquanto o sintoma se inscreve
acarretando lesões com as quais o sujeito não se vê implicado e algo do real faz incidência
direta sobre o corpo (Fonseca, 2007; Jorge, 2004; Lacan, 1955-1956/2002; Ribeiro &
Santana, 2003).
psíquico que atinge o aparelho somático. Corroborando, McDougall (1996) afirma que,
inconsciente, estando ligado “aos FPS tudo aquilo que atinge a saúde ou a integridade
física quando os fatores psicológicos desempenham algum papel” (p.22). Essas aparições
94
somáticas vão coincidir, na maioria das vezes, com acontecimentos que ultrapassam a
dificuldade de outra forma, por exemplo através da palavra. A lesão do corpo do sujeito
A experiência clínica com pacientes crônicos nos defronta com sujeitos que
experimentam, em seu próprio corpo, perdas concretas e permanentes, marcas que deverão
carregar por toda vida. O adoecimento, seja abrupto ou insidioso, confronta o sujeito a uma
realidade corpórea que lhe é desconhecida. No caso das pacientes com esclerose múltipla,
adoecimento adquire, pela palavra, um valor específico. É nesse contexto clínico que
trazemos nossa colaboração no sentido de investigar a função que o adoecimento tem para
96
seu Sofrimento
A doença é o lado sombrio da vida, uma espécie de cidadania mais onerosa. Todas as pessoas
vivas têm dupla cidadania, uma no reino da saúde e outra no reino da doença. Embora todos
prefiram usar somente o bom passaporte, mais cedo ou mais tarde cada um de nós será
obrigado, pelo menos por um curto período, a identificar-se como cidadão do outro país
Para Sontag (2007), estar doente significa ganhar uma nova cidadania, um atestado
existem dois grupos: o reino dos sãos e o reino dos doentes (p. 11). Para ela, a doença
tende a ser vista não apenas como uma entidade física, biológica, mas principalmente
como figura de linguagem, como metáfora. Ela se torna um tabu, não apenas por trazer em
representações.
destas, constroem de uma forma banal, uma nova e conturbada identidade no ser doente, a
partir de uma ruptura ontológica vivida por este. Para superar a crise de se estar doente,
Meu ponto de vista é que a doença não é uma metáfora e que a maneira mais honesta de
encará-la – e a mais saudável de ficar doente – é aquela que esteja mais depurada de
pensamentos metafóricos, que seja mais resistente a tais pensamentos (p. 8-9).
Para alguns autores, não é a dor, nem as perdas ou o mal-estar que a doença
provoca no sujeito que constituem o verdadeiro sofrimento durante esse processo, mas sim
gênero, a cor da pele, a cor dos cabelos, a altura, a religião, a classe social, entre outras.
Portanto, qualquer sujeito que não possua as qualificações previstas por cada sociedade ou
que não esteja no lugar pré-determinado por ela, torna-se problemática ou socialmente
marcada. Daqui resulta o termo estigma, tal como é entendido e definido por este autor e
onde se acredita que é possível enquadrar as pessoas com determinadas patologias, dentre
diferença da "normalidade" são particularmente visíveis: em braço que treme, uma perna
que falta, um caminhar irregular, o uso de uma cadeira de rodas – sinais referidos pelas
pacientes. Mas estes fatos e estas evidências do estigma podem levar ao engano de se
pensar que sua natureza é meramente física, não o sendo. Pelo contrário, um estigma, que
pode ser físico, é também moral e é sempre uma marca socialmente imposta. Assim, um
sujeito com problemas físicos não é portador nato de um estigma, apenas possui um corpo
98
com uma "diferença física" numa sociedade que não o aceita como normal, ou a vê como
menos por um instante, o lugar dos enfermos. Elias (2001) imagina que isso seja de algum
modo compreensível, pois faltaria a esses sujeitos algo importante para a construção de
Há uma dificuldade de imaginar que um dia o corpo poderá ser palco de alguma
degradação:
Não é fácil imaginar que nosso próprio corpo, tão cheio de frescor e muitas vezes de sensações
agradáveis, pode ficar vagaroso, cansado e desajeitado. Não podemos imaginá-lo e, no fundo,
não o queremos. Dito de outra maneira, a identificação com os velhos e com os moribundos
de socialização: ideias e ritos comuns unem pessoas e grupos. A doença e seus significados
momentos históricos, a expectativa de vida tornou-se mais elevada, através dos avanços da
exigindo maior grau de antecipação e de autocontrole. Não é a própria morte que desperta
vivos. O determinante na relação com a morte não é o processo biológico em si, mas a
ideia que se tem de vida, de morte e da atitude associada a elas (Elias, 2001).
passa a não ser mais considerado responsável pelo seu estado e fica legitimamente isento
das obrigações sociais normais, desde que procure ajuda competente e coopere com o
Pôde-se observar, nos dois relatos clínicos, o reconhecimento das pacientes como
“ser doente”, “portadora”. Observou-se, na vivência com essas pacientes, que a própria
estrutura do discurso médico, e das instituições por ele regidas, sustenta essa identificação.
A busca pelo reconhecimento junto ao médico implica algum tipo de adoecimento, pois,
embora ele tenha em vista a cura, ou o alívio do mal-estar, seu interesse está voltado para a
doença, ou seja, ela é seu objeto de pesquisa. O sujeito se faz passar nas brechas do
adoecimento.
Nesse caso, caberá ao médico escutar, traduzir e alcançar sua resposta íntima, senão para
trabalhá-la em direção à cura, pelo menos para não transformá-la em apoio à doença.
do visível, não serão, por certo, os psicanalistas os únicos habilitados a entender que a
100
doença física pode ser um campo privilegiado para a presentificação de conflitos arcaicos.
E nem deve ser tido como próprio do clínico o desconhecimento de regressões de maior ou
Mais ainda, é necessário que o médico aceite que também ele mantém expectativas
inconscientes no exercício de sua função, o que o obriga à reflexão constante sobre suas
existe outra dimensão para além do que é dado a ver (Teixeira, 2002).
pessoas que também foram diagnosticadas com a patologia. Uma tentativa de desenvolver
A paciente admite que hoje ainda tem medo, mas tenta controlar tirando o melhor
das coisas, fazendo disso uma missão de vida, tentando “ajudar da melhor forma possível
as pessoas que tem a doença. Eu acho que isso é uma forma de retribuição que eu tento
fazer, perante Deus, por eu ainda estar desse jeito com tanto tempo de doença. Eu acho
responsabilidade pela mesma, o que sem dúvida são novas expressões desse sujeito que é
101
enfermidade é o resultado dos diferentes meios pelos quais elas adquirem seus
conhecimentos médicos. Tais conhecimentos são diferentes entre as pessoas, por serem
pacientes tem sempre uma história particular, pois este se constituiu de e por experiências
Cada vez mais os saberes sobre o corpo são marcados por uma crescente influência
metafísicas estaria sendo afastada e deixada em segundo plano. Enfim, parece haver maior
que havia, por exemplo, há duzentos anos (Elias, 2001, p.86-96). No entanto, diz Elias, o
aumento do saber e das possibilidades de controle sobre a doença, a velhice e a morte não
superou completamente a limitação humana em relação à natureza. Por mais adiada que
compreensão do mundo. Ele foca sua atenção nos médicos: seriam eles, em face do papel
escolhas e ações dos sujeitos sociais. Aos médicos caberia colocar em questão
para além do sofrimento físico nos levou ao estudo das vicissitudes subjetivas do sujeito
durante seu adoecimento e ao interesse por uma escuta mais atenta dessa experiência.
Ampliou-se, então, o foco de atenção sobre eles, para verificar como buscam lidar suas
implicações das perdas, passaram a ocupar lugar subjacente aos relatos pessoais na
contemporaneidade.
doença, seu universo de investigação clínica incluiu os sujeitos para quem o diagnóstico
acompanhamento revelou tanto aspectos clínicos quanto sociais, assim como individuais e
coletivos.
base na enfermidade. Com base nos escritos sobre as histórias de vida, foram construídas
103
narrativas de doença das pacientes. Pudemos observar que os relatos evidenciaram que elas
apresentavam ora narrativa sobre doença, ora narrativa como doença, utilizando-se deste
enfermidade.
A partir do relato dos casos, podemos construir algumas indagações sobre a história
de vida de cada uma das pacientes. Nos relatos clínicos apresentados anteriormente,
podemos observar que as pacientes relatam suas histórias de vida no momento em que
foram diagnosticadas com esclerose múltipla, ou seja, a doença tomando o lugar de ponto
possível futuro da doença em sua vida (...) discorre sua história de vida com ênfase na
observar que no começo das sessões havia uma necessidade dela falar sobre suas angústias
paciente se dirigiam apenas a questões fantasmáticas, como o medo que sentia por achar
que a doença também poderia atingir o filho ou pela apreensão em pensar na possibilidade
Frente a essa nova condição de vida decorrente do adoece, pudemos observar no relato de
apresentou desapontada com o comportamento dos mesmos: “parecia que eles não
estavam muito surpresos com minha situação, mas eu preferia que eles ficassem mais
104
preocupados, porque é boa essa sensação de se sentir importante na vida das outras
pessoas”.
Aqui, Lidwina toma uma posição que não estava acostuma a ter, a de enferma.
colocando-a, assim, numa posição que a remete a sua vivência em idade inferior.
psíquico em que o ego recua, fugindo de situações conflitivas atuais, para um estágio
No seu sentido temporal, a regressão supõe uma sucessão genética e designa o retorno do
identificações, etc.). A regressão pode aparecer num sistema de defesa contra uma
frustrante.
se encontra em uma fase de maior dependência do meio externo (cuidadores) por não ter
autonomia sobre seu corpo, sobre a coordenação de seus movimentos, recebendo cuidados
Em relação à Cláudia, desde o início das nossas sessões, a mesma não quis trazer
para o centro da narrativa posicionamentos relacionados à sua história de vida, aos seus
problemas cotidianos que estão aquém da esclerose múltipla. Sempre iniciava perguntando
se deveria me contar sobre toda sua vida ou apenas a parte que dizia respeito da doença.
Comecei a me indagar se esta era uma posição onde ela indicava que sua vida vai além
105
desse posicionamento de “mulher esclerosada”. A partir de então, pude observar dois tipos
Cláudia sobre sua vivência com a patologia, as dificuldades que teve a partir do ponto que
sobre assuntos relacionados ao dia-a-dia, a sua família, seu passado, sempre atendendo a
pedidos meus de falar sobre isto, e dando-me às vezes a impressão de que a conversa a
violentava.
Apesar de falar sobre eventos difíceis que passou por causa da doença, o modo
como alinhava esses eventos nos lembra a descrição feita por Gergen (1999) das “sagas
heroicas”. Para o autor, estas narrativas seguem fases progressivas e regressivas, onde a
pessoa descreve dificuldades que teve, acompanhadas por vitórias, seguidas por mais
dificuldades e por mais vitórias. Começou a sofrer com os primeiros sintomas muito nova,
em outra cidade e com uma filha recém-nascida, mas teve todo o apoio do esposos e da
mãe. Sofreu com a notícia de um diagnóstico que pra ela soou como uma sentença de
morte, mas conseguiu estabilizar a doença. Teve muitas perdas durante os primeiros anos
com a doença – faculdade, autonomia, empregos – mas superou e conseguiu diretos legais
em relação aos tratamentos. Sente dor vinte e quatro horas por dias que não passa “nem
com morfina”, mas não deixa de fazer suas tarefas diárias e ajudar outras pessoas que
Gergen (1999) nos fala que uma narrativa, para ganhar inteligibilidade, precisar ter
um ponto final, que geralmente é carregado de valor, sendo algo desejado ou indesejado. A
impressão que tive nas sessões é que Cláudia gostou de ter encerrado em seu auge, em seu
ponto final, em sua conquista por um posto de confiança e responsabilidade para ela e para
os outros portadores. Essa pode ser uma forma de compreender os silêncios de Cláudia
frente às minhas questões sobre sua infância, sua vida pessoal e familiar. Em nossas
106
por isso, quando enfrentamos a interrupção do projeto de vida, vemo-nos como diante da
ameaça do não ser, que é a fonte da angústia normal que caracteriza o ser humano e nos
Ter um projeto de vida, nascer com um propósito mesmo ainda que desconhecido
para sua vida, é uma capacidade do sujeito de projetar-se para um futuro e fazer com que
estar vivo (Moffatt, 1982), principalmente quando este sujeito é acometido por um
adoecimento.
(...) “fico com medo de perder o controle total de mim, do meu corpo, das minhas
atividades, eu não me imagino sendo dependente de uma cadeira de rodas, para mim essa
(...) “olha, daqui a um ano eu vou tá daquele jeito, eu não vou ver minha filha
Medos, fantasias e lutos que essas pacientes vivenciaram e que ainda eram incertos
em seu futuro. O projeto de vida do homem está no futuro e quando esse projetar-se é
que é a perda de controle sobre sua própria vida (Moffatt, 1982). O adoecer propicia-nos
psicológicos múltiplos. Alguns desses conflitos podem ser caracterizados pela vivência da
perda da condição de pessoa (despersonalização), podendo levar o paciente à crise que tem
fica sem saber como perceber sua nova situação (como codificá-la) e sem saber como
atuar, pois suas estratégias não se adaptam às novas circunstancias [...] o homem fez o
verdadeiro salto qualitativo na sua evolução com relação aos animais, quando concebeu
O sujeito se concebe em sua vida, inclusive através de seus projetos, através do que
ele pensa acerca de si e do que espera em relação ao seu futuro. O fato de termos um
projeto em nossas vidas se torna uma força motriz que nos lança para frente e nos motiva a
crônica e degenerativa, o movimento de se lançar para uma perspectiva de futuro perde sua
força. Essa experiência propicia a vivência do trauma que traz com ele uma perda de
sentido, paralisação e desorganização corporal, uma vez que essa imagem é fragmentada
Tal fato pode ser compreendido levando-se me conta que a descoberta de uma patologia
108
crônica mostra ao portador que sua existência pode estar ameaçada, eliminando a fantasia
Passados dez anos de diagnóstico, “veio o primeiro surto mais brabo, eu fiquei
louca”. Relatou que se sentiu como se fosse “mesmo uma coisa muito frágil, sentia uma
sensação de impotência tão grande. Foi a prova de fogo pra mim” (Lidwina).
Cláudia diz ter imaginado: “minha vida acabou. O médico só me disse o seguinte:
‘é uma doença crônica, que não tem cura, degenerativa, que daqui a um ano você vai
morrer, quase. Você é novinha assim, bonitinha, mas daqui há um ano, mais ou menos,
pessoas com esclerose múltipla. Sendo uma recorrência o fato de que o sujeito com tal
conclusivo, pelo que o diagnóstico tardio/difícil referido pelas participantes continua a ser
central (Mimoso, 2007). Este tempo decorrente desde a presença dos primeiros sintomas
109
até ao diagnóstico afigura-se longo, frustrante e confuso, pois, durante a espera, o sujeito
profissionais de saúde que não lhe dão as certezas que querem ouvir, o que pode levar a
sentimentos de impotência e perda de controle, tanto para o sujeito acometido como para
empresta vida ao objeto, vitaliza o amor que se foi. O que se observa, segundo Freud
(1915/1996), é que nos processos de luto normal tal introjeção é rápida, transitória, e o
morto é produtora de muita angústia, pois, ao convocá-lo a fim de não se separar dele,
corporal é uma das características principais relatadas pelas portadoras durante o seu
mastigar, tocar uma pessoa, etc. Na esclerose, a condição da perda dos movimentos não é
Como pudemos observar, a menção desse tipo de perda é uma dentre as diversas
(...) “veio o primeiro surto mais brabo, eu fiquei louca”. Relatou que se sentiu
como se fosse “mesmo uma coisa muito frágil, sentia uma sensação de impotência tão
grande. Foi a prova de fogo pra mim”. (...) “fico com medo de perder o controle total de
(...), quando via alguém com cadeira de rodas, pensava que era alguém com
esclerose múltipla e dizia: “olha, daqui a um ano eu vou tá daquele jeito, eu não vou ver
prognóstico, a autonomia perdida também é marcante nos discursos das pacientes, como
em novas dimensões de sua vida, de não permitir que a doença lhe vença, de ser capaz de
se situar ativamente frente ao outro. A exemplo de Cláudia, o incômodo trazido por esse
aspecto fica mais evidente quando este interfere em suas atividades no papel de mãe.
Conta que já se sentiu muito impotente com a dor, “principalmente quando você
quer fazer uma coisa que você não consegue, principalmente quando você se propõe a
fazer uma coisa naquele dia e você não tem condição de levantar, principalmente quando
seu filho tem uma apresentação no colégio e você não consegue ir” (Cláudia).
Relatou que se sentiu como se fosse “mesmo uma coisa muito frágil, sentia uma
Conforme já apontado neste trabalho, Kovács (2003) destaca que uma situação de
doença pode acarretar perdas consideradas como mortes simbólicas, em que há perdas de
acontece pela perda de seus papéis desejados, e antes desempenhados – como uma pessoa
pessoas que faziam parte do seu círculo de relações interpessoais. Nos relatos de Lidwina,
fica evidente a relação com os pacientes e amigos de trabalho, pelos desconfortos trazidos
profissional.
sobre desconfortos na sua vida profissional por causa da doença, ficando receosa em sair
de casa, chegando a ligar para o trabalho informando que faltará. Reclama muito da
“meu braço começa a tremer e os pacientes ficam olhando pra mim” (Lidwina).
(...) estava fazendo duas faculdades, ao mesmo tempo em que foi a única aluna de
nutrição a ser chamada pra trabalhar em uma rede de hospitais de numa entidade de
serviço social autônomo, de direito privado e sem fins lucrativos, tendo que abrir mão de
tudo isso. Caracterizava sua vida como uma correria, trabalhava no hospital, assistia
aulas na faculdade, assistia aula de informática. “Primeira coisa que você vai pra um
hospital daquele, era tratar pessoas que estavam do jeito que eu poderia estar”. Deixou
112
de ir para o trabalho, mesmo que tivesse sido uma conquista ímpar em sua vida, não
podia ir (Cláudia).
a mesma levanta a hipótese da separação ter ocorrido devido à patologia: “acho que a
gente se separou também por causa das minhas crises. Não sei se ele não entendia, ou não
A dimensão social do luto também se faz presente na perda de si, como a exemplo
dos papéis que, principalmente as mulheres, vivenciam em seu cotidiano (Franco, 2002).
Um discurso importante em nossa sociedade fala sobre os papéis sociais de gênero. Com
este discurso, espera-se que mulheres adultas se casem e tenham filhos, e quando isto não
ocorre, muitas mulheres descrevem-se fracassadas. Esta descrição parece ajudar a construir
uma história de Lidwina, não como uma mulher fracassada por não ter filhos, mas descrita
diversas vezes como uma mãe que tenta suprir um possível fracasso diante do
A possibilidade de não estar viva para cuidar dos filhos se fez uma preocupação
desempenhar adequadamente o seu papel de mãe o que, portanto, indica uma disrupção na
identidade feminina.
113
(...) queria mostrar o lado da mãe boa, capaz de fazer as mesmas coisas que as
outras mães, “que supre as necessidades do filho, acima de tudo”. Disse que sempre teve
o cuidado com o que o filho iria pensar sobre futuro, como iria cuidar dele, o que ele iria
pensar sobre a mãe, sobre a doença: “não queria que ele tivesse a sensação, ou mesmo só
um pensamento de que tinha uma mãe inválida, que não podia fazer nada por ele”. “Hoje
Nos relatos de Cláudia, o lugar afetivo de mãe também é muito presente. Em seu
discurso, emergiu o valor atribuído à maternidade, a qual é considerada uma condição que
traz a possibilidade de realização plena enquanto mulher, a tal ponto que o desejo de ser
(...) “não nasci pra ser mãe de um filho só, eu quero ter, pelo menos, outro filho,
porque eu queria ter três, mas pelo menos dois eu vou ter”. Os médicos sempre a
aconselhavam a não engravidar, pois não sabiam dos riscos que poderiam causar (...)
Cláudia conta que parou de tomar os remédios, as injeções, fez todos os seus exames de
sangue, estavam todos bem próximos das taxas de normalidade, e decidiu engravidar, por
sua conta e risco, sem o seu médico saber. Só disse a ele quando já estava no segundo mês
de gravidez. Ligou e disse por telefone, pois não teve coragem de dizer na frente dele.
“Minha gravidez foi muito difícil, mas valeu a pena. Você tem que passar e tem que se
adaptar (...) Relata que ia pro meu médico toda segunda e sexta-feira pra ver se estava
tudo bem com o bebê e saber se ele não iria nascer no final de semana. O bebê nasceu de
oito meses, seu médico disse para não avisar a ninguém sobre o nascimento, pois não se
enfrentar o desafio de ser mãe na condição de ter uma doença degenerativa pode
papel de mulher.
natural, mas é uma representação ideológica que proporciona uma imagem total da
mulher-mãe, cuja incorporação faz com que a deseje, para que possa exercer a sua real
Poder gerar um filho representa para a mulher com esclerose múltipla uma
condição de normalidade, o que lhe confere um fator que a doença lhe roubou. Manter a
A decisão de ter um filho está condicionada por múltiplos fatores nem sempre
incapacidade que pode ser produzida pela doença e a mentalidade do incapacitado perante
as suas limitações pode ser um obstáculo na decisão sobre a possível maternidade, embora,
Ser mãe e estar diagnosticada com uma doença sem cura engendra uma árdua e
estratégias utilizadas pelas mulheres com diagnóstico de doenças degenerativas para lidar
com a situação da patologia na relação com seus filhos (Billhult & Segesten, 2003). Os
resultados apontaram para a necessidade da mulher conciliar entre o fato de ser necessária
e, talvez, não estar presente (morte); conciliar entre precisar ser forte e permitir-se estar
doente; por último, conciliar entre dizer a verdade e proteger seus filhos da verdade.
religiosidade. Embasados nesse tema, muitos pacientes conferem à doença uma punição
divina, recorrem à religiosidade para obter outras explicações sobre as causas da doença,
ou buscam a cura por uma intervenção sobrenatural. Contudo, esse tema apareceu tanto
Desde que nascemos, estamos frente a uma realidade que nos é apresentada,
vida do sujeito.
“Eu nunca perdi a fé em Deus, eu nunca deixei de acreditar, sempre pedi forças,
sempre” (Cláudia).
(...) em decorrência de sua preocupação fantasiosa com seu estado físico ao ver
outras pacientes mais debilitadas que ela, seu lado religioso “aflorou”. Fala da
necessidade que teve em se sustentar em “algo maior”, algo divino, começando a rezar
todos os dias (...) Diz ter fé em Deus, de que vai melhorar cada vez mais (Lidwina).
116
A relação delas com o sagrado não tem, nem houve menção, de intermediários
e pediam em suas preces não a cura, mas alívio para a dor e força para que as mesmas
pudessem lidar com o sofrimento de uma maneira mais branda e que não causasse tanto
paciente possa desenvolver quanto a sua doença e à sua vida em geral (González Rey,
2005, p. 134).
combate à doença.
vez mais notório do seu papel na compreensão de atitudes, comportamentos e crenças dos
sentido para a vida, lidando com os acontecimentos negativos e, ainda, rever e interpretar
espiritualidade é uma das estratégias utilizadas pelos enfermos como forma de lidar com as
O adoecer faz parte da natureza humana e o seu processo apresenta fatores tanto
ponto de vista psíquico, possui uma dimensão psíquica hereditária, mesmo que não haja
psicodinâmica familiar que comprometem a condição de saúde dos membros. Isto nos leva
a pensar que certas condições psíquicas da família podem ser caracterizadas como fatores
Considera-se que o adoecimento pode ser fruto de uma ligação inconsciente com um traço
inconscientes que são estabelecidas entre seus membros. Nesse quadro, o inconsciente
de cada sujeito leva a marca, na sua estrutura e nos seus conteúdos, do inconsciente de
crise graves ou crônicas, por exemplo, o início e a evolução desses adoecimentos devem
1892/1997). A transmissão havia sido nomeada por Freud, primeiramente, como herança,
longo da história de sua família materna. Ressalta-se ainda que há uma relação familiar
peculiar, onde todos os seus doze tios maternos, até mesmo a mãe da paciente, vieram a
óbito devido complicações provocadas pela diabetes. Lidwina também é diabética, assim
operatório de catarata, a mãe da paciente ficou um ano e dois meses fazendo diálise,
tendo como primeiro sintoma uma disfunção na marcha. Esse fato relatado por Lidwina
me remeteu ao primeiro sintoma descrito por ela no começo das sessões, quando
múltipla (Lidwina).
No processo de escuta clínica, as falas dos sujeitos são influenciadas por ideias
construídas por histórias contadas sobre doenças e mortes. Dessa forma, alguém se
119
parentes doentes como modo de inserção em uma linhagem ou em uma ordem familiar,
estando afinado com um material integrador ou destruidor. Desse modo, presume-se que a
a doença seria a ligação entre família e a herança alimentada por mitos e fantasias,
paterna mais presente possibilitou-o experimentar uma série de papéis e ações. Cada um
pode ser alternadamente objeto de identificação. A relação vertical entre mãe e filho havia
O filho pode vir a ser um substituto para a figura parental pela reversão de passivo
algumas vão representar o projeto materno, enquanto outras o paterno, além de que cada
filho será marcado pela árvore genealógica de uma forma diferente, pois cada um receberá
de forma pessoal o que lhe foi transmitido (Goldsmid & Féres-Carneiro, 2011).
120
ocorre também com as formas de subjetivação, inscritas que seriam essas em diversas
O corpo é, atualmente, cada vez mais concebido como objeto, quer seja pela
cultura, quer seja pelo discurso médico. Porém, todas as formas pelas quais um indivíduo
experiencia e conceitua seu próprio corpo são englobadas em sua imagem corporal.
Por, na maioria das vezes, deixar sua marca visível no corpo, a patologia remete a
essas mulheres uma situação da perda. Além disso, o corpo está intimamente relacionado à
doença, mas abrange também o tipo de relação estabelecida por essas mulheres com o
próprio corpo ao longo de sua existência (Rossi & Santos, 2003). O corpo ideal feminino
tem, hoje, como modelo um corpo esbelto, magro, sem imperfeição, com leveza de
Cláudia colocou o cuidado que tem com o próprio corpo. Nunca o deixou de ter,
complicações.
(...) “não me entrego, é todo tempo fazendo massagem, fazendo isso, fazendo
aquilo, porque eu tenho medo de engordar”. Toma vários remédios muito fortes, seis
remédios por dia, fora a injeção. Todos esses remédios fazem-na reter líquido, mas “vou
tentando compensar, até porque eu sempre fui muito perfeccionista em relação ao meu
corpo, em relação à beleza, mas numa hora dessas você para e diz ‘gente isso não é nada,
eu quero tá viva, eu quero tá caminhando’, numa hora dessas você para pra pensar o quê
que vale a pena, eu tá bonitinha, magrinha, mas uma cadeira de rodas, ou eu tá gordinha,
mente, nem em uma total objetificação anatômica, pois o indivíduo como sujeito social
físico, ou negar um corpo que adoece, não pode ser entendido apenas como uma
tratar o corpo e as doenças, há um limite para esta determinação. Este limite é o que prende
o sujeito a sua história, ao seu tempo, as suas experiências. É neste tempo ontológico, tanto
suas qualidades como sujeito e objeto, e que o prende a sua condição de ser dotado não
Em relação ao corpo, Cláudia também menciona uma dor nas pernas que dura vinte
“As minhas duas pernas são normais, não adianta eu fazer fisioterapia, não
adianta eu fazer nada, nem tomar remédio não passa, nenhum remédio passa, nem
morfina” A convivência com a dor já dura quatro anos e meio. A paciente já fez várias
intervenções no hospital, “vou pro centro cirúrgico, o médico bota um cateter na minha
coluna, pra ficar irradiando morfina direto na minha medula. As três ultimas vezes que eu
fiz isso não adiantou. Não passa mais, nem com morfina” (Cláudia).
Admite-se, cada vez mais, que existam componentes psíquicos e sociais, na forma como se
sente e se vivencia a dor. Esta concepção, no entanto, implica a dor como uma experiência
corporal prévia, à qual se agregam significados psíquicos e culturais. Assim sendo, o social
constitui o corpo como realidade, a partir do significado que a ele é atribuído pela
Nasio (2008) afirma não tratar das perturbações psicológicas que a dor acarreta, ou
seja, das repercussões da dor, mas “do fator psíquico que intervém na gênese de toda dor
constituição do corpo, ali onde a dor se produz e se manifesta, mediante formas culturais.
Toda lesão dolorosa, na visão do autor, será percebida como uma lesão e uma dor
externa, porque o próprio corpo é percebido pelo eu como um invólucro que nos contém e
nos carrega, ou seja, como uma periferia ora externa (pele, mucosas), ora interna (órgãos
internos). Assim, toda lesão corporal será vivida pelo sujeito sofredor como uma ruptura
cotidiano da prática clínica, no contexto analítico, cujo objetivo foi investigar como
esclerose múltipla.
bastante adequado aos propósitos desta, porque pôde dar conta de tomar o discurso das
pacientes diante de sua experiência com o adoecimento, onde a perspectiva de dar voz ao
em psicanálise é uma pesquisa clínica, fazendo com que o analista-pesquisador dirija sua
escuta ao que se visa saber, pois o processo de produção dos conhecimentos adquiridos é
estabelecida através da escuta clínica (Albert & Elia, 2000; Cancina, 2008; Nasio, 2001).
pela vivência clínica de alguns anos e implica em trabalhar conceitos teóricos, articular
ideias e passagens clínicas. Assim, não é uma área que pesquisa apenas “fatos”, apesar
destes ensinarem muito ao analista, mas que estes fatos estão materializados numa pessoa,
construção do relato de caso clínico. Demarcando ser o relato clínico mais a reconstituição
ficcional do encontro clínico do que propriamente o reflexo fiel do fato concreto, Nasio
onde extraímos uma ficção de uma experiência verdadeira, real, se tratando da história do
sujeito padecido, e não sobre a doença, seguiram uma ordem de surgimento dos temas,
Seguindo os relatos dos casos clínicos, norteamos nosso referencial teórico, onde
fazemos uma reflexão acerca de algumas questões que envolvem o sujeito contemporâneo
este como uma máquina complexa, com partes que se inter-relacionam, obedecendo a leis
natural e psicologicamente perfeitas. A forma imprecisa como este modelo lida com os
é uma questão que merece ser problematizada no âmbito da Psicologia, sobretudo porque
concerne a sua prática cotidiana deparar com o sofrimento e com a singularidade humana
(Koifman, 2001;).
biomedicina, dada sua estreita vinculação com disciplinas oriundas das ciências biológicas.
tem como objetivo identificar a doença e sua causa, e entende que, ao remover a causa,
ocorre a cura da doença (Guedes, Nogueira & Camargo Jr., 2006, 2008). A díade doença-
lesão aparece tão fortemente nas representações do saber médico que se estabeleceu um
Camargo Jr. (2003) de “teoria das doenças”. Segundo esse autor, as doenças são vistas
conjunto de sinais e sintomas que são manifestações de lesões, e que, por sua vez, devem
ser buscadas no âmago do organismo e corrigidas por algum tipo de intervenção concreta.
Não parece haver espaço, portanto, dentro dessa estrutura, para as questões sociais,
seus sintomas e sua evolução e, posteriormente, investigar seus sinais físicos, tem sido
e a interpretação dos sinais físicos por parte do médico - e na ênfase em métodos objetivos.
A partir disso, um sofrimento somente é tido como legítimo quando apresenta uma
fisiológicos, celulares e biomoleculares. Desse modo, aquilo que possui legitimidade para
o paciente não corresponde ao que é legítimo para o médico. O primeiro remete a suas
Paradoxalmente, ignora-se aquilo que deveria ser a categoria central que nortearia a
prática médica: o médico, em última instância, deveria trabalhar sabendo que lida com um
paciente que sofre e que esta experiência envolve uma série de questões que escapam da
ainda existe uma total primazia do campo biológico sobre os demais. Assim, a medicina
que se constitui a partir desse paradigma, é uma medicina do corpo tomado como
orgânico, das lesões e das doenças (Guedes, Nogueira & Camargo Jr., 2006, 2008;
funcionamento coerente com a história do sujeito. Birman (2005) chama a atenção para o
Segundo o autor, a saúde se inscreve num corpo que é simbólico, marcado pela linguagem,
pelos códigos culturais, o que impede sua representação como uma máquina regida por
campo teórico permitiu a inclusão do corpo, esse corpo de que trata a psicanálise num
momento inicial é, prioritariamente, o corpo doente. O corpo se faz presente pelo negativo,
2002).
daquela que vigorava em sua época. Freud (1893/1996, 1894/1996) postula, desde o início
de seu trabalho, um corpo erotizado, erogenizado, que é também auto erótico e pulsional.
Ele fazia isto por meio de seus estudos sobre a histeria. É nos sintomas histéricos que se
127
pôde observar o surgimento de uma nova forma de se olhar para o corpo, diferente da
psíquico. O corpo pulsional não se reduz seja ao corpo simbólico (representado), seja ao
corpo biológico, sem, no entanto, excluí-los. Digamos que a complexidade da questão não
da pulsão, o corpo narcísico se refere a uma unidade do corpo realizada pela presença
dimensão erógena do corpo. Não é à toa que a incidência dos fenômenos psicossomáticos
(FPS) crescem a cada dia, denunciando a situação de um corpo que volta à condição de
vista a especificidade erógena e pulsional com que Freud e Lacan delimitaram o corpo
para a psicanálise (Fonseca, 2007; Mello Filho & Burd, 2010, Teixeira, 2006a; Valas,
1990).
subjetivo. Ele expõe modos de expressão do sofrimento psíquico no corpo organismo, por
O psicanalista deve intervir e dar conta daquilo que é esquecido do corpo pelas
ciências médicas, que ao corpo retorna como fenômeno, para demarcar o paciente em sua
128
social do humano. Por meio de seu corpo, de suas relações e das sensações que o atingem,
sujeito que padece. A (re)construção envolve reconhecer os ditos, ainda velados, do sujeito
que sofre, e também (re)ver a demanda que é lançada pelo saber biomédico em busca de
doenças degenerativas, ressaltando que tal objetivo somente será alcançado a partir da
sofrimento.
As primeiras narrativas sobre a esclerose múltipla, com base nas falas das minhas
concedido à pesquisa e às descobertas deste campo médico foi invadido pela voz daqueles
acometimento com reflexos sociais que suscitava reações, evocando atitudes, crenças,
valores pertinentes aos sujeitos adoecidos. Portanto, é preciso reunir esforços numa busca
disciplinas médicas.
129
transgeracional; a perca dos papeis sociais – papel de mãe, cuidadora, profissional, esposa
questões de morte e luto frente à possibilidade de finitude; além das implicações desses
traduzem nas suas emoções, nas relações interpessoais e profissionais e mesmo na sua vida
futura. Esta continua a revelar-se uma doença muito temida, não só por se tratar de uma
mas também porque o processo terapêutico passa muitas vezes por procedimentos com
uma perspectiva de futuro perde sua força, propiciando a vivência de um trauma que
suscita perda de sentido, paralisação e desorganização corporal (Kerbauy, 2002). Para elas,
a doença alterou seu estado de “normalidade” anterior ao adoecimento, que lhe permitia ter
uma margem maior de autonomia, fazer as coisas sem depender dos outros ou sem estar
patologia, ocorrendo mudanças importantes em suas vidas para adaptar-se à nova situação,
torna-se não somente um estado de sofrimento, mas também uma realidade social.
em relação ao seu (re)posicionamento para com as outras pessoas. Como forma de lidar
com a nova situação que o adoecimento impõe, identificam-se com uma posição de
suposto saber, tomando o lugar de professora, cuidadora, auxiliadora de outras pessoas que
estão diagnosticadas com a esclerose múltipla e não tem muito conhecimento sobre a
doença, como um modo de superação. Outra colocação identitária evocada nos discursos
mãe.
aos grupos aos quais participa um indivíduo; uma combinatória de elementos que ele
mobiliza em função das circunstâncias. Trata-se então de gerir essa diversidade sem se ser
dividido por ela. Num processo biográfico movente, o indivíduo deve recompor
prognóstico leva as pessoas a refletirem sobre a finitude humana, tanto a própria quanto a
131
banalizadas e tidas como estáveis e certas, como pode acontecer entre os membros de uma
formas que podem contribuir para o seu bem estar. Isto pôde ser identificado nos discursos
patologias e sintomas que evocaram uma discussão de questões que dizem respeito à
Não se trata apenas de passar conteúdos, mas de estabelecer uma cadeia que marca
lugares. Isto é, uma continuidade que não se dá só num eixo vertical da geração antiga para
a mais nova, mas no plano horizontal, já que pudemos observar a ocorrência na posição
ocupada pelo(a) filho(a) frente à mãe, para o qual a experiência seria transmitida e
compartilhada.
membros tem influência sobre o outro, sendo que o adoecimento de um dos integrantes,
clínica psicológica, visto que, ao construir uma nova visão sobre o (re)posicionamento do
132
sujeito sofrente, passa-se a encarar a doença como uma experiência que envolve o contexto
cultura se destaca.
profissional da área da saúde estabeleça uma relação efetiva com seus pacientes. Há que se
lograr êxito na abordagem do adoecimento, ressaltando que tal objetivo somente será
dissertação buscou estabelecer essa delimitação, bem como contribuir para o entendimento
seu sofrimento.
explicar fenômenos que ocorrem fora do espaço da situação dual de análise, voltando-se
para o cotidiano da sociedade em geral. Birman (1994, p.7) desenvolve esse pensamento,
psicanálise com algumas das ciências humanas.” A interlocução pode ser fecunda,
operando-se nas fronteiras da psicanálise com outros saberes que abordam temáticas
Esta incursão da psicanálise para além das fronteiras tradicionais de seu campo, de
acordo com Birman (1994), só faz sentido se o movimento de saída for acompanhado, em
do novo e inédito:
É o problema escolhido pelos diferentes saberes que será o canal para o diálogo entre as
dispositivo para dar conta de certas necessidades de natureza individual. Pode-se utilizar,
atenção quando se planeja e se reflete sobre uma ação de intervenção implica sustentar a
postura do olhar da clínica ampliada, incluindo dados contextuais e que vão além do
paciente e de sua doença e ou sua queixa. Quando se concorda com este olhar se está
significar e adaptar sua prática a fim de propiciar uma escuta contextualizada, cujo
como a capacidade de considerar o outro “na sua alteridade, independente do lugar” (p.22).
presença de saberes que vão além daqueles que guiam tradicionalmente a formação do
intervenção.
A psicologia insere-se nesse meio como mediadora dessa nova relação, buscando dirigir os
buscam saúde para aqueles em sofrimento psíquico, enfatiza a necessidade de uma equipe
integrada para oferecer assistência integral à pessoa, principalmente àqueles que padecem
envolvidos na reabilitação integral e na busca pela qualidade de vida das pessoas com essa
135
palestra, cada visita domiciliar, cada grupo, o cuidado com a escolha do tema e a forma
que é repassada aos portadores e seus familiares, visa que os mesmos ganhem
disponíveis e com os conteúdos articulados entre si. A procura é por ligações entre os
longo do tempo, a educação em saúde trouxe em sua prática uma maior influência das
ações médicas, focalizada apenas na parte doente se esquecendo da ideia que o indivíduo é
um todo, precisando ser atendida e mudada para uma perspectiva para uma área temática
promoção, não entendida somente como transmissão de conteúdos, mas também como a
adoção de práticas educativas que busquem a autonomia dos sujeitos na condução de sua
que precisa ser realizado de forma constante tendo a participação individual e coletiva, na
esfera familiar, no grupo de trabalho, nos grupos sociais, nas comunidades ou até mesmo
acometidos pelas doenças degenerativas tenham seu direito de trabalho. Com a garantia
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149
ANEXOS
150
ANEXO I
Autorização da Associação Piauiense dos Portadores de Esclerose Múltipla (APPEM)
151
ANEXO II
Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza
(COÉTICA-UNIFOR)
152
ANEXO III
Declaração revisão ortográfica e gramatical.
153
APÊNDICE
154
APÊNDICE I
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)