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O novo ambiente de negócios e as competências para o estrategista.

Professor David Menezes Lobato

Com uma população global que já ultrapassou os sete bilhões de


habitantes, teremos cada vez mais que refletir sobre a relação demanda x oferta
de bens e serviços. Esse cenário impõe a necessidade das empresas em tratar
estrategicamente suas opções, no sentido de enfrentar as turbulências
ambientais com proatividade e vigor.

Já se tornou um truísmo a afirmação que o mundo vem passando por


mudanças frenéticas. As empresas já atuam num ambiente disruptivo há vários
anos. Quando falamos em ambiente disruptivo, estamos falando em um
ambiente em que ocorrem transformações radicais e que pode tornar obsoleto o
modelo de negócios das empresas. Como exemplo, temos o caso da empresa
Kodak que dominava 85% do mercado de filmes fotográficos no ano 2000 e que
teve o seu modelo impactado pela tecnologia digital e como consequência houve
a falência da empresa.

Sabemos que o mundo não será o mesmo depois dessa pandemia.


Trabalhar num cenário incerto requer mais qualificações e a mente do
estrategista deve estar sempre buscando uma ação efetiva. Os gestores,
verdadeiros responsáveis pela performance das empresas, devem estar
preparados para gerenciar essas mudanças, aprimorando, cada vez mais, suas
habilidades para atuarem em um ambiente de negócios diferente e complexo
que, em muitos aspectos, ainda não existe. Esse mundo com mudanças
aceleradas de hoje tem sido chamado de mundo VUCA.

VUCA é um acrônimo para descrever quatro características marcantes do


momento em que estamos vivendo: volatility (volatilidade), uncertainty
(incerteza), complexity (complexidade) e ambiguity (ambiguidade). Apesar de o
termo ter sido incorporado mais recentemente ao vocabulário corporativo, ele
surgiu na década de 1990 no ambiente militar. O U.S. Army War College, uma
instituição educacional do Exército dos EUA, utilizou esse conceito para explicar
o mundo no contexto pós Guerra Fria. Encontramos as seguintes características
no mundo VUCA:

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Volatilidade: trata-se da velocidade em que ocorrem as mudanças e seus
impactos. Atualmente, somente a mudança é permanente, temos um mundo que
é muito fluido, ou seja, muda de forma rapidamente. O cenário de hoje pode ser
outro amanhã. Essa volatilidade faz com que o mundo empresarial seja bastante
desafiador. Estar pronto para lidar e trabalhar com o inesperado é uma valiosa
atitude para o processo de planejamento.

Incerteza: é uma característica relacionada com as nossas dúvidas,


indecisões e imprecisões num contexto marcado pela necessidade de assumir
que o conhecimento sobre uma dada situação é muitas vezes incompleto. As
soluções, de hoje, podem não ser aplicáveis aos problemas do futuro. Mesmo
que consigamos compreender as relações de causa e efeito de uma mudança,
suas consequências são banhadas pela incerteza.

Complexidade: retrata interações não lineares, é a dificuldade de


compreender o resultado das interações das inúmeras variáveis de uma
determinada situação, desafio ou problema. É comum encontrarmos contextos
que possuem múltiplos aspectos ou elementos cujas relações de
interdependência são incompreensíveis ou complexas. As respostas para o
mundo são muito difíceis assim como as relações são diferentes.

Ambiguidade: existem várias formas de interpretar e analisar os contextos.


A ambiguidade está relacionada com a falta de clareza e o número de
possiblidades de soluções para o mesmo problema. Os impactos de uma
transformação disruptiva não podem ser analisados com base no histórico e em
experiências anteriores. Podemos ter várias respostas certas para a mesma
questão.

A empresa que atua num ambiente VUCA está sujeita a vários paradoxos,
que são expressões numéricas ou verbais com uma contradição interna. É uma
figura de linguagem caracterizada pela associação de conceitos contraditórios
na representação de uma só ideia. Convido o leitor a refletir sobre alguns
paradoxos, tendo por exemplo a equação simplificada da empresa:

2
2 3 ½
|

L P F
Temos a seguinte legenda: L – Lucratividade da empresa, P - Produção da
empresa e F – Número de funcionários. Observamos que a equação retrata que
a empresa tem o dobro de lucratividade, produz três vezes mais com a metade
do número de funcionários que trabalhavam nessa empresa. Vamos analisar o
primeiro paradoxo:

3 ½

P F

Podemos focar, inicialmente, a seguinte contradição: A empresa está


produzindo três vezes mais com a metade do número de funcionários que nela
trabalhavam antes. A empresa está fazendo melhor e muito mais com muito
menos recursos. Esse aumento de produtividade pode ser obtido por meio de
vários fatores. Analisando, inicialmente, os recursos tecnológicos: No lugar do
homem máquina, coloca-se a máquina. Note que esse aumento de produtividade
gerado pela tecnologia pode não ocasionar vantagem competitiva pois o mesmo
fornecedor que vende recursos tecnológicos para uma empresa, vende,
também, para os concorrentes dessa empresa.

Trabalhei numa empresa de tecnologia e serviços chamada IBM que


ensinava aos seus executivos uma regra de ouro: GI = GO, Garbage In é igual a
Garbage Out, traduzindo: Lixo na entrada é igual a lixo na saída. Se processo
não está eficiente e a tecnologia for implementada, não haverá a otimização de
resultados pois a empresa deve, primeiro, melhorar o processo. A melhoria de
processos é realizada por colaboradores capacitados, onde a qualificação dos
talentos gera a vantagem competitiva. É claro que existem outros fatores para
aumento da produtividade mas, de forma resumida, a empresa consegue mais

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produtividade com a melhoria de processos, aplicação da tecnologia e
colaboradores qualificados. Convido, você, leitor, para a análise do segundo
paradoxo da equação da empresa apresentada, anteriormente:

2 3
|

L P

Observamos a seguinte contradição: A lucratividade da empresa dobra e a


produção triplica. Ou seja, a empresa terá que produzir mais, porém a
lucratividade não terá o mesmo crescimento percebido na lucratividade.
Podemos justificar esse paradoxo através do aumento de competição, onde as
empresas trabalham com margens de contribuição cada vez menores. É claro
que as empresas podem buscar um oceano azul, explorando nichos de mercado
que se caracteriza pela inovação e pouca concorrência todavia em cenários
altamente competitivos e com margens menores, a busca de escala é
fundamental e, não raramente, encontramos um ambiente banhados de M&A,
Merges and Aquisitions, traduzindo: Fusões e Aquisições.

O objetivo dessa estratégia de crescimento pela incorporação de outras


empresas é a busca de economia de escala, tanto interna quanto externamente.
A economia de escala interna ocorre quando a empresa aumenta a sua produção
para reduzir os seus custos e a economia de escala externa ocorre quando um
setor industrial expande suas atividades e as empresas atuam na área em
podem desfrutar melhores condições, por exemplo: redes de fornecimento mais
especializadas, mão de obra mais qualificada, resultando em custos menores de
suas produções.

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Muitas Competências são consideradas e valorizadas no mercado de
trabalho, sendo que algumas delas podem ser aprendidas com o tempo
enquanto outras são mais naturais de cada pessoa. As chamadas soft skills são
de extrema importância para as empresas e dizem muito sobre os profissionais.
Soft skills são um conjunto de habilidades e competências relacionadas ao
comportamento humano. Elas são características necessárias para que um
profissional alcance os objetivos estabelecidos para a sua carreira.

Que competências, softskills, são necessárias para prosperar no mundo


vuca? Para se destacarem num ambiente de negócios volátil, incerto, complexo
e ambíguo, os estrategistas bem como as equipes e organizações, precisam
aprimorar algumas competências, tais como: resiliência, raciocínio estratégico,
melhoria contínua (kaizen), efetividade e sinergia. Não são competências novas,
mas certamente serão cada vez mais importantes para lidar com os desafios do
novo mundo de negócios.

A primeira competência a ser destacada é a resiliência. Se as mudanças


são inevitáveis é preciso ter resiliência para lidar com elas. Resiliência é um
conceito multidisciplinar e podemos encontrar sua aplicação em várias áreas do
conhecimento: No campo da Física, Engenharia, Psicologia, Administração e
na área de Gestão Estratégica. A palavra vem do latim resilio, resilire. Resilio, é
a derivada de re (partícula que indica retrocesso) e salio (saltar, pular),
significando saltar para trás, ou voltar ao estado natural.

Para a Física, resiliência é conceituada como a propriedade pela qual a


energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a
tensão causadora da deformação elástica. Historicamente, a
a noção de resiliência vem sendo, primeiramente, utilizada pela Física e
Engenharia. Um de seus precursores foi o cientista inglês Thomas Young, que
em 1807, buscando a relação entre tensão e compressão de barras metálicas,
descreve a noção de módulo de elasticidade. Neste contexto, a resiliência foi
utilizada para dar a noção de flexibilidade ou elasticidade.

Para a Psicologia, o conceito de resiliência é utilizado para definir um


conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam indivíduos a

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manifestarem o máximo de inteligência, saúde e competência em ambientes de
complexidade, instabilidade e pressão. Observamos que para a Psicologia,
resiliência está relacionada com a capacidade para se recuperar de abalos
sofridos e tem a ver com o conceito físico da resiliência como elasticidade.

Na área de gestão estratégica, podemos definir resiliência como a


flexibilidade para aprender novos coisas mesmo sob pressão. A aplicação da
resiliência, na gestão estratégica, exige um processo integrado de atualização,
ajuste do modelo mental da empresa e sua capacidade para aprender novos
conhecimentos e novas competências. O resultado é uma empresa mais
preparada e engajada para construir seu futuro sustentável.

A segunda competência destacada é o raciocínio estratégico que é


fundamental diante de transformações disruptivas, é preciso que os estrategistas
das organizações aprendam a lidar com o futuro de modo não linear; é
necessário aprender a lidar com o pensamento complexo e sistêmico e
abandonar, na maioria das situações de tomadas de decisões, o modelo linear
e cartesiano de conceber e analisar as coisas. (BOSSIDY, 2005; HAMEL;
PRAHALAD, 1995; MINZTBERG, 2004; SENGE, 2006)

Ohmae (1985), em sua obra clássica: O Estrategista em Ação, já ressalta


a importância da competência do raciocínio estratégico. Os estrategistas
visionários e realistas devem ser capazes de exercitar o raciocínio estratégico
na elaboração de planos estratégicos. O raciocínio estratégico envolve analisar
os problemas e as oportunidades a partir de uma perspectiva ampla, pensando
no longo prazo e compreendendo o impacto de suas ações sobre os outros e
vice-versa.

Para lidar com essas transformações, é preciso que as organizações


aprendam a lidar com o futuro de modo não linear; é necessário aprender a lidar
com o pensamento complexo e sistêmico e abandonar, na maioria das situações
de tomadas de decisões, o modelo linear e cartesiano de conceber e analisar as
coisas. (HAMEL; PRAHALAD, 1995; MINZTBERG, 2004; SENGE, 2006)

Hoje, se reconhece que um processo de estratégia envolve além de


análise de dados, também, percepção, insight, intuição, criatividade, síntese

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e a capacidade de interconexão de processos complexos de observação que
ocorrem na mente, formando obviamente uma rede intrincada de
pensamentos. (MINTZBERG, 2004)

Neste sentido, pode-se observar o destaque que é dado à função do


estrategista e o funcionamento da sua mente. O raciocínio estratégico está
presente quando o estrategista percebe a relação de causa e efeito de suas
decisões no longo prazo. Para desenvolver o raciocínio estratégico é
preciso entender o quadro geral (big picture), ter visão não só das árvores mas,
também, da floresta, ter os objetivos claros, identificar relações de causa e efeito
e analisar os grupos de interesse.

A terceira competência é Kaizen, palavra que tem origem japonesa Kaizen


e significa melhoria ou mudança para melhor e refere-se à filosofia da melhoria
contínua. Nesta competência do Kaizen, é sempre possível fazer melhor: O hoje
melhor do que ontem, o amanhã melhor do que hoje. Tanto para o estrategista
quanto para as organizações a aplicação de pequenas mudanças diárias resulta
em grandes melhorias ao longo do tempo.

Imai (1994) destaca que a essência do Kaizen é simples e direta: Kaizen


significa melhoramento. Mais ainda, Kaizen significa contínuo melhoramento,
envolvendo todos, inclusive gerentes e operários. A filosofia do Kaizen afirma
que o nosso modo de vida, seja no trabalho, na sociedade ou em casa, merece
ser constantemente melhorado.

A melhoria pode ser gerada pelo Kaizen ou pela inovação. A inovação se


baseia no salto quântico no processo, ou seja, traz uma transformação disruptiva
que pode tornar obsoleto o processo existente. O kaizen se baseia em melhorias
contínuas no processo que traz benefícios de longo prazo para a empresa,
valorizando o trabalho em equipe e a eficiência operacional.

Nesse cenário atual, melhorar processos e criar uma cultura ágil tornou-se
vital para o sucesso das organizações. Thomas Edison, o inventor da lâmpada
incandescente e um dos fundadores da empresa GE, General Eletric, ressaltava

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que para ter sucesso é necessário um por cento de inspiração e noventa e nove
por cento de transpiração. Parafraseando para gestão estratégica, para ter
sucesso é necessário um por cento de inspiração e noventa e nove por cento de
Kaizen.

A quarta competência é a efetividade que é o resultado da eficiência e da


eficácia aplicadas. Para o alcance da efetividade, temos que equilibrar a eficácia,
que é uma medida do alcance de resultados, e a eficiência, que é um conceito
mais relacionado ao nível operacional. O quadro, a seguir, apresenta as
diferenças entre os conceitos de eficiência e eficácia.

Quadro 1
Eficiência x Eficácia

Eficiência Eficácia
Faz corretamente as coisas Faz as coisas certas
Soluciona problemas Antecipa-se aos problemas
Economiza recursos Otimiza a utilização de recursos
Cumpre tarefas Obtém resultados
Diminui custos Aumenta lucros
Foca o ambiente interno Foca o ambiente externo
Operacional Estratégico
Fonte: Adaptado LOBATO et al. (2012)

A eficiência dá ênfase aos meios, ela se insere no operacional e está


voltada para os aspectos internos da organização. A eficácia dá ênfase aos fins,
está voltada para o êxito do alcance dos objetivos, com foco nos aspectos
externos da organização.

A Eficiência e a eficácia são conceitos clássicos, Chiavenato (1987) já


ressaltava que nem sempre se é eficiente e eficaz ao mesmo tempo. Uma
organização pode ser eficiente e não ser eficaz e vice-versa. O ideal é ser
igualmente eficiente e eficaz, ou seja, ser efetivo. Drucker (1998) propôs o
julgamento do desempenho de um executivo através dos critérios de eficácia,
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que é capacidade de fazer as coisas certas, e eficiência que é a capacidade de
fazer as corretamente as coisas.

O estrategista que tem a competência da efetividade é aquele que


consegue o equilíbrio de esforços interno com as demandas externas. Ter
efetividade é obter o desempenho da eficiência no operacional e conquistar os
resultados planejados na gestão estratégica.

A quinta competência destacada é trabalhar com sinergia, onde a conquista


dos objetivos desejados tem maior chance de acontecer se o estrategista
incentiva a postura colaboradora de todos os envolvidos, existindo um processo
com foco participativo na elaboração e implementação da gestão estratégica.

Sinergia é um termo de origem grega que significa cooperação, se referindo


ao esforço para realizar algo muito complexo e ter êxito no final, ou seja, é
quando o trabalho conjunto acaba sendo maior que a soma dos trabalhos
individuais, ou seja, por definição, ter sinergia é saber que o todo é maior do que
a soma das partes.

Um ambiente empresarial que tem sinergia é caracterizado principalmente


pelo fato de que os participantes de uma equipe conseguem realizar determinada
atividade em sintonia e de maneira bem executada e para que isso aconteça é
fundamental: Administrar os conflitos de opiniões entre a equipe, extraindo o
melhor da diversidade de ideias e buscando o comprometimento com o
alinhamento de ideias em vez da unanimidade; valorizar as competências
individuais e o resultado coletivo, mostrando a importância de cada talento no
desempenho do trabalho em equipe.

Num cenário atual disruptivo, podemos chamar de VUCA, uma organização


tem mais chance de sucesso se tiver trabalhando com resiliência, aplicar o
raciocínio estratégico, melhorar continuamente os seus processos através do
Kaizen, buscar a efetividade e possuir a sinergia no ambiente de trabalho, onde
o resultado obtido tenha a eficácia do todo maior do que o somatório da eficiência
das partes.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHIAVENATO, Idalberto, Teoria geral da administração: Abordagens


descritivas e explicativas, 3ª. edição, São Paulo: McGraw-Hill, 1987.
HAMEL, G.; PRAHALAD, C. K. Competindo pelo futuro: estratégias inovadoras
para obter o controle do seu setor e criar os mercados de amanhã. 15. ed. Rio
de Janeiro: Campus, 1995.
IMAI, M. A Estratégia para o Sucesso Competitivo, 5ª Edição, Instituto IMAM,
1994.
KIM, W. Chan; MAUBORGNE, Renée. A Estratégia do Oceano Azul: como criar
novos mercados e tornar a concorrência irrelevante. 10 a ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005.

LOBATO, David Menezes. Administração Estratégica: Uma Visão Orientada


para a Busca de Vantagens Competitivas. Rio de Janeiro: P&C de Botafogo,
1997.

______. Administração Estratégica. Rio de Janeiro: Editoração, 2002.

LOBATO, David Menezes et al. Gestão Estratégica. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2012.

LOBATO, David Menezes. Gestão Resiliente: Um modelo eficaz para a cultura


empresarial brasileira contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 2013.

MINTZBERG, H. Ascensão e queda do planejamento estratégico. Porto Alegre:


Bookman, 2004.
MINTZBERG, H. Managing: desvendando o dia a dia da gestão. Porto Alegre:
Bookman, 2010.
OHMAE, Kenichi Ohmae, O Estrategista em ação: A arte japonesa de negociar,
São Paulo: Editora Pioneira, 1985.
SENGE, Peter. A quinta disciplina. São Paulo: Best Seller, 2006.

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