de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
www.claudioulpiano.org.br
Centro de Estudos Claudio Ulpiano
Receba noticias do Centro de Estudos Claudio Ulpiano no seu e
mail
digite seu email:
Inscrevase
Centro de Estudos
Sobre o Centro
Claudio Ulpiano
Biografia em fragmentos
Manuscritos
Ensaios sobre Claudio
Depoimentos
Fale conosco
Aulas
Aulas em Áudio
Aulas em Vídeo
Aulas Transcritas
Atividades
Doações
Publicações na Mídia
Aulas em Video
Pensamento e liberdade em Espinoza
Em busca do tempo puro
A experiência transcendental
A vontade espiritual na vida humana
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 1/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
Hábito e renovação: uma aula dadaísta
Uma personagem Original
Tópicos recentes
Aula de 23/02/1996 – A vida criativa e a construção de um estilo
Uma nova imagem do pensamento – Claudio Ulpiano
VIVA CLAUDIO ULPIANO – EVENTO – DIA 18/09
O que é o ato de criação? – Gilles Deleuze (legendas em português)
A Grande Beleza – Paulo Domenech Oneto
Aula de 19/03/1992 – Platão e Aristóteles: ousia, substantia, essentia
L'Abécédaire de Gilles Deleuze legendado em portugues clique
na imagem
Categorias
Aulas em Áudio
Aulas em Vídeo
Aulas Transcritas
Escritos íntimos e filosóficos
Ensaios sobre Claudio
Deleuzeanos
Filmes
Downloads
COLUNA DE FILOSOFIA por Paulo Domenech Oneto
COLUNA DE CINEMA por Mariza Gualano
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 2/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
Colaboradores
Arte – ensaios
Arte – multimídia
Ciência
Cinema – ensaios
Filosofia e Política
Literatura – ensaios e narrativas
Poesia
Colunistas
BUQUINISTA (literatura) – por Marici Passini
SHORT CUTS e PLANO GERAL (cinema) – por Mariza Gualano
MISTURAS (filosofia) – por Paulo Domenech Oneto
CONSTELAÇÃO – por LIA SAMPAIO
PEQUENA ANTOLOGIA DE POESIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA
Lista de Links
Deleuze Studies – Manchester Metropolitan University, UK
Dossiê Gilles Deleuze
Siganos também no…
DOEVIAJE NESTA ONDA
Anterior<<
>>Próximo
Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão
sábado, fevereiro 20, 2010 @ 04:02 AM
postado por: Editoria
Olha, eu vou usar… – muito pouco, porque nem todas as pessoas viram… um pouquinho do
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 3/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
Scarface. (Certo?) Não muito, pouco. Scarface foi um filme do Howard Hawks, que passou agora. E o
que me importa, em primeiro lugar, nesse filme, é a classificação que eu vou fazer nele… de
imagemação. Essa questão da imagemação, ela é como que um solo, onde eu vou passar muito –
para que vocês entendam o resto.
Quando eu falar imagemação.. (eu vou devagar porque vai chegar mais gente, viu?) Eu vou utilizar –
representação orgânica como sinônimo de imagemação e a presença integral, no cinemaação, do
chamado esquema sensóriomotor conforme eu coloquei ontem. Então, na imagemação, o esquema
sensóriomotor tem que funcionar perfeitamente. Mas nesse filme – Scarface (estou indo devagar
porque vai chegar mais gente) para os que viram – depois eu mudo, e não uso mais esse filme – nota
se que ele vai.. se auto destruindo em função de certos comportamentos que ele tem – até que no
final ele revela o amor incestuoso pela irmã e ali é a queda dele.
(Eu vou fazer o seguinte: eu vou dizer – e aqui tem que ser marcado – porque é para entrar no curso…
não tem jeito!) Eu vou dizer que o Scarface está num meio histórico. E o meio histórico pertence à
imagemação. Nesse meio histórico – que eu posso também chamar de situação as personagens se
comportam. Então, no cinemaação a gente tem o meio histórico e tem as personagens com um
comportamento. Esse comportamento – no Scarface se altera. Ele tem [seu] comportamento
alterado, em primeiro lugar, porque o meio do qual ele participa – que é o meio dos gângsteres – é um
meio em que as alianças são frágeis e reversíveis. (Quando vocês não entenderem levantem o dedo…)
Alianças frágeis e reversíveis – eu vou dar uma explicação do que é uma aliança frágil e reversível.
Um antropólogo chamado Pierre Clastres (Clas…tres) – no livro chamado A Sociedade contra o
Estado. .. – diz que uma sociedade primitiva… tem uma tendência para a guerra. Então, as sociedades
primitivas vivem em guerra e essa guerra não é jamais para conquistar território, jamais por objetivos
econômicos, jamais por objetivos estratégicos. A guerra geralmente tem um objetivo – roubar
mulheres (Tá?) Mas então, os primitivos fazem uma prática muito original. Numa determinadas tribo,
eles cedem as suas mulheres para se casarem com os rapazes de uma outra tribo. Cedendo suas
mulheres, eles tornam, os rapazes dessa outra tribo, cunhados. Eles fundam a cunhadagem – que é
levar suas mulheres para se casarem com rapazes da outra tribo. E aí eles têm uma certeza relativa, de
que os cunhados não irão atacálos enquanto estiverem em guerra com os outros. Então, essa prática
que os primitivos fazem, é o que eu estou chamando de uma aliança frágil e reversível.
Essa aliança frágil e reversível está inscrita no mundo dos gângsteres. Então, o gângster tem um meio
histórico falso, sofrendo muita variação – que é o meio dos gângsteres – e faz alianças, como eu falei,
frágeis e reversíveis; quer dizer, alianças que se quebram e se revertem. Quem, por exemplo, o
Scarface mata no filme? O melhor amigo dele! Ele mata seu melhor amigo – pá – porque o amigo
estava com a irmã dele. Então, nesse mundo dos gângsteres, as personagens têm fissuras. Elas são
fissuradas, elas têm falhas… – falhas no comportamento (Atenção, que a aula vai começar a ficar
muito difícil!) Elas têm falhas no comportamento, elas têm fissuras. Então, as personagens do filme
noir se assemelham ao cônsul de À sombra do vulcão, no sentido de que o cônsul é uma personagem
que tem fissura, fendas, ele é falhado e… o mesmo ocorre com as personagens de filme de gângster.
Eles são todos falhados, todos fissurados. E essa fissura… – já, no início do filme, você sabe quem vai
perder. O gângster é um perdedor nato. Ele sempre perde. E ele perde porque ele é fissurado.
Aluno: Essa fissura da personagem, ela não se deve a uma posição moralista?
Cláudio: Não… não, não… Eu vou tentar explicar o que é fissura… talvez não dê agora para vocês
entenderem, mas não tem nada a ver com moral. Nada, nada a ver com moral! De forma nenhuma! De
forma nenhuma! A única coisa que eu disse é que quando o meio, como o do gângster por exemplo, é
um meio falso – de falsas amizades, de falsas alianças, de falso coleguismo… emergem os
comportamentos fissurados. A questão da fissura, se você me permite, vou jogála um pouco pra
frente, porque não tem como passála agora com a beleza que ela tem… e, [além disso,] nesse
momento, a proposição teórica não se comportaria bem.
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 4/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
Mas o que me importa aqui? Importa dizer que no filme noir nós temos um meio histórico… E que
nesse meio histórico a personagem se comporta. Então, no filme do chamado cinemaação, no cinema
da representação orgânica, você sempre tem um meio histórico e o comportamento da personagem. A
única diferença que o filme noir traz é que esse comportamento é fissurado. Um dos grandes
exemplos de comportamento fissurado – os mais jovens ou os menos amantes do cinema talvez não
conheçam – mas um grande intérprete do cinema noir, ou de filmes policiais ou de filmes de gângster
foi o James Cagney. O James Cagney se destacava exatamente porque tinha uma postura muito
fissurada. Ele era muito pequenininho, mas era todo fissurado. E vocês vão conhecer…
evidentemente, quem não conhece vai acabar conhecendo James Cagney, um dos grandes atores do
cinema de gângster americano.
(Eu queria que vocês então gravassem o que acabei de colocar). O cinemaação – eu apliquei todos os
dois nomes em cima dele – representação orgânica e esquema sensóriomotor.
Agora, a explicação do esquema sensóriomotor. No meio histórico o que se tem necessariamente que
ter é um esquema sensóriomotor perfeito. Perfeito… no sentido de que a personagem tem que agir e
reagir sobre o meio. Ela age e reage sobre o meio. Então, o esquema sensóriomotor tem que ser
perfeito. Aí se explica o fracasso do gângster. Pelo fato de ele ter isso que eu chamei de fissura ou
falha. (Vamos ver se eu consigo dar fissura aqui. Não sei se eu vou conseguir… Muito bem! Tá?)
Agora… no cinemaafecção eu já coloquei duas coisas pra vocês – eu coloquei o primeiro plano e o
espaço qualquer. O espaço qualquer vocês podem dividir em espaço desconectado e espaço
esvaziado. (Daqui a pouco vocês já vão saber o que é isso). Então, a noção de “espaço qualquer” é de
um meio diferente do meio histórico. Por quê? Porque num espaço qualquer não há como a
personagem agir. A personagem não tem como agir no espaço qualquer – ela só pode agir no meio
histórico.
(Eu vou colocar agora, para vocês verem, mais um filme do Joris Ivens chamado A Ponte. E nesse
filmizinho – de 12 minutos – vocês vão ver o espaço qualquer. Vai aparecer o espaço qualquer aí.
(Tá?) Na hora que o filme acabar, é de importância vital que vocês perguntem qualquer coisa que tiver
sentido.
Eu vou dar uma fortalecida pra vocês: vou voltar ao cinemaação.
No cinemaação, nós temos o meio histórico – podese usar também o nome de meio geográfico ou
podese usar o nome de situação. A personagem tem que ter o esquema sensóriomotor em perfeito
funcionamento e o que ela faz é agir ou reagir sobre o meio ou situação. É isso que a personagem vai
fazer no cinemaação.
Quando a personagem age, eu posso utilizar o nome função a função dos órgãos. Quando, no meio
histórico, uma personagem age, quem determina a ação dessa personagem é o organismo ou a função
dos órgãos – que é um dos mecanismos motores de um corpo. (Atenção!) No cinemaação a
personagem (a) age ou reage sobre o meio que ela percebe; (b) o esquema sensóriomotor [tem que
estar] perfeito e (c) essa ação é uma função de órgão.
Quando nós passarmos para o cinemaafecção não vai haver o meio histórico. Vai haver o que eu
chamei de espaço qualquer. Num espaço qualquer não pode haver função. Por quê? Porque o espaço
qualquer não é construído para receber ações dentro dele. Ele não é construído para isso.
Na penúltima aula, eu coloquei dois retratos – um barroco e um renascentista – e disse que aqueles
dois retratos chamavamse ícone de contorno e ícone de traço. Foi a primeira vez que eu tive
condições de ligar o cinema a uma semiótica. Agora é preciso que vocês marquem: um espaço
qualquer chamase qualisigno. Então, na imagem afecção, nós temos três tipos de signos – que seriam
(1) o ícone de contorno; (2) o ícone de traço; e (3) o que eu chamei de qualisigno. O que nós temos
que fazer nesse momento (porque essa aula vai crescer muito, viu?) é… usar a palavra opor – opor o
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 5/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
espaço qualquer ao meio histórico; e usar a diferença de espaço qualquer para meio histórico – porque
dentro do espaço qualquer o que ocorre são afetos como por exemplo no filme A Chuva afetos de
chuva. Em vez de ser açãoreação de personagens, o que se passa no espaço qualquer é o seremsi
das coisas que nele aparecem. Em A Chuva foi o emsi da chuva; em A Ponte , o emsi da ponte.
Então, quando a gente tem essa noção de emsi excluise da noção de emsi a idéia de função.
A função é uma associação da coisa com o meio histórico. Então, quando não há uma associação da
coisa ou da personagem com o meio histórico – que é o caso do espaço qualquer – você não tem
nenhuma ação. Nesse tipo de espaço é impossível haver ação – porque ele não é constituído para ter
ação.
O filme – A Ponte de Joris Ivens, de 1928, também chamado A Ponte de Roterdan, é o cinema
afecção. E nele você encontra o espaço qualquer. E a coisa que aparece aí, nesse filme, é uma ponte.
No outro, foi a chuva. Agora, o que aparece da ponte e o que aparece da chuva são afetos de chuva e
afetos de ponte. O que significa que no espaço qualquer você não necessita obrigatoriamente de uma
personagem humana – pode ser uma coisa, pode ser um objeto, pode ser uma nuvem, pode ser uma
chuva, pode ser uma ponte. Então, no espaço qualquer, você pode ter uma personagem humana, mas
quando a personagem humana entrar no espaço qualquer ela vai se desumanizar porque a questão
no espaço qualquer é que o que entra dentro dele expressa afetos.
(Eu volto a esse tema daqui a pouco…)
No cinemaação – que é o cinema da representação orgânica – você não tem o espaço qualquer, você
tem o meio histórico. Você pode usar outros dois nomes – bloco de espaçotempo ou situação. No
meio histórico há o pressuposto da personagem humana. Essa personagem humana se comporta no
meio histórico e o comportamento é regulado pelos sentimentos. Então, meio histórico no cinema
ação e espaço qualquer no cinemaafecção.
No cinemaafecção, o que participa do espaço qualquer pode ser qualquer coisa – pode ser um animal,
um homem, um objeto… não importa o que seja. Porque a questão, no espaço qualquer, é aparecer o
afeto daquilo que está sendo dado; e esse afeto seria a essência daquele objeto – a essência da ponte; a
essência da chuva.
Já no cinemaação o que você tem é o meio histórico e a personagem humana ou todos que
participarem do cinema ação – e todos são humanizados – como, por exemplo, os cachorros e assim
por diante. Então, o que aparece no cinemaação são os comportamentos regulados pelo sentimento.
E hoje eu vou introduzir um terceiro. Eu vou introduzir pra vocês o cinema naturalista. Eu vou
introduzir… pra vocês terem mais poder de compreensão. No cinema naturalista o que vai aparecer
não é meio histórico nem espaço qualquer. Vai aparecer… o que eu vou chamar de mundo originário.
Então, vamos lá! Vamos fixar o nosso saber. É: cinema ação – meio histórico; cinema afecção –
espaço qualquer; e cinema naturalista – onde aparece o mundo originário. E no mundo originário não
há comportamento nem afeto. O que há no mundo originário é pulsão. Então, nós teríamos no mundo
originário: pulsão; no espaço qualquer: afeto; e no meio histórico: comportamento.
No mundo originário, a personagem – não importa o que ela seja – tende a uma animalização. A
personagem tende a uma animalização. Mas eu coloquei que no mundo originário do cinema
[naturalista] não há comportamento. O que há no mundo originário são as pulsões. Agora, o que é
pulsão? Por enquanto, para nós entendermos, a pulsão é um comportamento perverso.
Comportamento perverso. Por exemplo: necrofilia, antropofagia e, assim por diante. Então, o
comportamento perverso como sinônimo de pulsão . Sinônimo de pulsão: comportamento perverso.
E aí eu distribuo três tipos de cinema. Todos três pertencendo à imagem e movimento.
O cinema ação – em que nós teríamos: o meio histórico e esse meio histórico chamase situação; e a
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 6/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
personagem – que tem que agir sobre essa situação. Ela age dentro do meio histórico, e essa ação é o
comportamento dela – aí dá o cinema realista. O cinema realista é exatamente o modelo de
Hollywood: o cinema em que você tem o esquemasensório motor em perfeito funcionamento. Menos
– às vezes, nem sempre – no cinema noir, porque nele vai aparecer o que eu chamei de
comportamento fissurado ou falhado ainda não posso explicar o que é isso – ou fendido. Vocês usem
um pouco a relação que vocês tiveram com a fenda sináptica e basta isso por enquanto.
Agora, no cinema afecção não aparece nenhum meio histórico – nunca! O que aparece no cinema
afecção é esse espaço qualquer. No espaço qualquer, os movimentos… – aí vocês se lembram que no
princípio, o filme A Chuva, do Joris Ivens, parece que é um cinema ação; depois você percebe que
não, que não é um cinema ação. Então, o que se dá dentro do cinema do espaço qualquer são as
afecções. Pode ser um homem, não é necessário que seja uma ponte, não é necessário que seja uma
chuva… – o que significa que tudo o que existe tem afetos.
Al.: Tem o quê?
Cl.: Afetos. Tudo que existe tem afeto, sempre: um copo de cerveja, um copo de vinho, uma boca,
uma garrafa. Tudo tem afeto.
Agora, no cinema naturalista, o que aparece nele é o mundo originário. Esse cinema naturalista vai
expulsar o comportamento e vai fazer aparecer o que se chama comportamento perverso.
(Vamos dar uma olhadinha para ver se eu consigo colocar alguma coisa pra vocês.)
Por exemplo: no cinema noir, é muito fácil entender que o gângster é… violento. Então, no cinema
ação aparece a violência com muita clareza, com muita nitidez – que no caso do cinema noir ou no
caso do faroeste são as ações que as personagens fazem dentro desse cinema. Agora, no cinema
naturalista, a violência é uma violência contida é uma violência que não se efetua…. porque…, se
ela se efetuar, a própria personagem se destrói. A própria personagem se destrói. Então, quando você
se depara… (e isso para o ator é uma coisa magnífica, vocês tomarem conhecimento disso…)…
quando vocês se deparam com a personagem pulsional, o rosto dela é de uma violência assustadora!
O rosto!… É um rosto que tem o que eu estou chamando de violência contida. É uma violência que
está presa no rosto. E esta violência não é, como no cinema realista, uma violência efetuada. No
cinema naturalista a violência é contida pela personagem.
Dos três grandes autores do cinema naturalista, o que mais trabalha com a violência contida chamase
Losey – Joseph Losey. Agora, tem mais dois que vocês vão conhecer e que eu vou trabalhar – o
Buñuel e o Stroheim. Stroheim, Buñuel e Losey nesses três cineastas aparece o que se chama cinema
naturalista.
(Eu vou voltar… e começar a explicar o cinema naturalista).
A primeira coisa que a gente tem que entender do cinema naturalista, é que nele não há um espaço
qualquer, nele não há um meio histórico, (tá?) – nele há um mundo originário. Então, existe um
filme, de um tal de Sjöström (alguns pedaços dele vão ser passados aqui), chamado O Vento [na
tradução brasileira] é Vento e Areia em que você tem a impressão de entrar em contato com o meio
histórico, com o espaço qualquer e com o mundo originário. Então, nele, a gente tem assim a presença
dos três componentes.
Esse filme é quase um filme afectivo, é quase um filme naturalista – mas é um filme realista. Por isso,
nas imagens do filme, ora temse a impressão de que se está no meio histórico, ora temse a impressão
de que se está no mundo originário, ora temse a impressão de que se está no espaço qualquer. Então,
esse filme vai [trazer] essa revelação para nós.
Em, o que eu fiz com vocês? O que nós fizemos aqui? Nós descobrimos duas coisas fundamentais
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 7/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
que um filme supõe um lugar onde ele se dá: o filme afecção é o espaço qualquer; o filme realista é o
meio histórico, o filme naturalista é o mundo originário. Então, todo filme da imagemmovimento
supõe um lugar. Supõe um lugar. E, desses três filmes, o único [cujas] personagens podem ser coisas é
o cinema afetivo. Por quê? Porque tudo o que existe tem afeto. Tudo que existe tem afeto e o
sentimento só existe no comportamento. O sentimento só aparece no comportamento. Por isso, o
sentimento é o componente principal do cinema realista. Você vai para o cinema realista e… todas as
personagens têm sentimento. O modelo de cinema realista é a novela de televisão: todo personagem
tem sentimento. Tem sentimento e… manifesta esse sentimento.
Agora, quando você passa para o cinema naturalista, o sentimento vai desaparecer, e vai começar a
aparecer o que eu chamei de pulsão. A pulsão é um comportamento pervertido. O que quer dizer
“comportamento pervertido”? Quer dizer que a personagem do cinema naturalista não age nem reage
no mundo histórico. Porque a personagem realista, o que ela pretende é transformar ou manter, como
ele é, o meio histórico. Já a personagem naturalista, o que ela quer é extinguir o lugar [em] que ela
está – ela quer extinguir o mundo originário. Então, a personagem naturalista trabalha com pulsão, e o
que a pulsão pretende é exaurir o lugar onde ela está se dando. Ou seja: o comportamento perverso, a
prática pulsional, é uma prática de exaustão. Ela quer destruir o mundo originário. É isso que a
personagem naturalista pretende. No espaço qualquer, não. No espaço qualquer os afetos se
expressam. No naturalismo é extinguir exaurir é o melhor nome.
Expressão, no espaço qualquer; exaurir, no mundo originário; e comportarse, no meio histórico.
Então, quando você pega esse três filmes, você tem três tipos de atores – três tipos de atores
diferentes. Por exemplo, um dos grandes atores do cinema naturalista é o Stanley Baker – que é pouco
conhecido. Ele é pouco conhecido, mas tem um grande ator, muito conhecido, que é o Dirk Bogarde.
O Dirk Bogarde, num filme chamado O Criado, do Losey, marca com uma precisão excepcional o
que eu chamei de comportamento perverso ou pulsão. Agora… comportamento perverso ou pulsão é
diferente do que vem a ser o comportamento num meio histórico. O comportamento no meio histórico
é variável ele varia por causa da oscilação do sentimento. O ator, então, tem que está preparado para
fazer variação de sentimentos – ora ele chora, ora ele grita – porque o comportamento é regulado
pelos sentimentos. Quando você vai para o cinema naturalista, já não há mais sentimentos – mas
idéias fixas. A idéia fixa torna a pulsão sempre a mesma. Ela é sempre a mesma ela não varia.
Aquela personagem tem sempre aquele mesmo índice pulsional, (não é?) e a pulsão torna a
personagem… – que é sempre homem, ou mulher, claro, mas geralmente o pulsional é o homem. No
Losey, por exemplo, é o homem, no Buñuel varia …a personagem tem um comportamento que a
torna um bicho. Parece uma hiena, parece um cão, parece um camelo, parece um tigre. Não [] parece
nas formas – mas na atitude.
Alº.: A personagem naturalista não teria uma alteração, ela não tem comportamento ela tem apenas a
contenção da violência. –?–
Cl.: A contenção da violência… A violência aparece no rosto, mas existe nele. .. e é preciso que
vocês percebam bem isso, porque o rosto da personagem naturalista explode de violência! Você olha e
você se assusta. É literal – você se assusta! Há um filme do Losey, Casa de bonecas, com a Jane
Fonda, a Delphine Seyrig, etc. que tem uma personagem – que é o Edward Fox – em que o rosto é
assustador, de tanta violência que o rosto dele tem. E eu estou chamando essa violência de violência
contida. Essa violência contida não aparece no cinema realista – porque a violência do cinema
realista se atualiza, se manifesta através do… comportamento. Você vai encontrar então a
personagem naturalista com esse aspecto pulsional, com a idéia fixa e com a violência contida. Mas
aparece uma coisa notável aqui. É que a pulsão, ou seja, os comportamentos perversos, são altamente
inteligentes. Então, não é pensar que as personagens pulsionais não tenham capacidade de efetuar o
que elas querem. De forma nenhuma! As personagens pulsionais têm uma inteligência privilegiada. ..
uma inteligência privilegiada!
Al.: –?– os filmes do Polanski?
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 8/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
Cl.: É possível. É possível que sim. Por exemplo, O inquilino tem muita coisa de pulsional.
Al.:O Dirk Bogarde, em Porteiros da Noite, –?–
Cl.: Realista! Realista!
O Dirk Bogarde trabalha com o Losey, mas trabalha também com dois diretores do cinematempo – o
Visconti e o Resnais. Ele trabalha com os dois. Mas isso aqui não importa. O que importa é ver se a
gente entendeu um pouco do processo naturalista. Então, vamos fazer comparativamente, dizendo que
a personagem naturalista é pulsional. A pulsão não tem alteração de sentimentos, não tem sentimento
nenhum. É até ridículo você pensar em sentimento naquele mundo ali – não existe! Não há remorso,
não há arrependimento, não há nenhuma dessas figuras ali dentro e… a personagem tem uma idéia
fixa. E essa idéia fixa, ela pode ser jogada no mundo originário, ou pode ser jogada em outra
personagem… – num dos dois. Por exemplo: no filme chamado O Criado, a personagem pulsional
quer destruir duas coisas – a casa e o dono da casa. Ela dirige a pulsão dela para os dois. Ela quer
domina r, arrasar, exaurir aquilo. Então, eu queria que vocês usassem esse nome – exaurir na
personagem naturalista. Ela visa à exaustão do que eu estou chamando – por enquanto, porque não
tem outro meio – que eu estou chamando de mundo originário.
Então, antes de entrar, antes de penetrar mais, vamos fazer uma confrontação entre espaço qualquer,
mundo originário e meio histórico. O meio histórico é muito fácil de entender. Ele está no faroeste, no
cinema noir, no cinema histórico, no cinema psicossocial. .. Ou seja: todo filme realista implica o
meio histórico. Eu posso acrescentar pra vocês que o documentário também faz parte do realismo. O
documentário traz um pequeno problema, quando é sobre o mar ou sobre o Alasca ou sobre o deserto
– que você não tem o meio histórico – e aí você chama de meio geográfico: é a mesma coisa, sem
nenhum problema. (Tá?)
[Vejamos,] agora, o confronto do meio histórico com o espaço qualquer. No espaço qualquer não
pode haver comportamento, também não pode haver pulsão – só pode haver expressão de afeto.
Então, eu acho que esse filme daqui e A Chuva dão conta disso. É o afeto de alguma coisa: a revelação
da essência daquilo. Então, não importa, no espaço qualquer, que seja um objeto, um bicho ou um
homem. Tanto faz! Porque [a questão] ali é a expressão de afetos. Então, por isso, o grande modelo de
expressão de afetos será o rosto no primeiro plano; as sombras e… o que eu ainda não dei para vocês,
que é o branco do abstracionismo lírico – hoje não vai aparecer, (tá?)
Por que eu estou trazendo o cinema naturalista? Porque o cinema naturalista é o que há de mais
assustador na história do cinema. Por quê? Porque o que se chama naturalismo… – e isto, inclusive
na literatura e, por conseqüência, e em função dela, no cinema …o que se chama naturalismo é um
realismo acentuado. Você tem um mundo realista, normal… – normal, como se fosse imagemação –
e naquele mundo realista vão começar a aparecer os tais comportamentos perversos. Então, o
naturalismo – numa classificação definitiva – acentua os traços do realismo – a grande classificação
naturalista é essa. (Foi bem até aqui? Acho que foi, não é?)
Agora, nós temos que ver o que é mundo realista. E o sinônimo que eu dei para o mundo realista ou
imagemação foi o de representação orgânica. O que quer dizer, que o que existe no mundo realista
são organismos o que nós chamamos de seres vivos. [O que] nós chamamos de ser vivo é o ser
orgânico. Então, no mundo realista aparece o que se chama representação orgânica e essa
representação orgânica tem um meio um modo de existir. Esse modo de existir é circular. Por
exemplo: na representação orgânica formase uma cadeia circular, no sentido de que A precisa de B,
que precisa de C, que precisa de D, que precisa de E, que precisa de A. É um ciclo. A representação
orgânica é um ciclo e esse ciclo é onde as personagens realistas estão incluídas. Elas habitam esse
ciclo!
O que vai acontecer no cinema naturalista é que as personagens naturalistas vão querer destruir o
ciclo. Ou seja, a personagem naturalista – eu vou m arcar assim, porque é a melhor maneira para se
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 9/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
entender – traz duas [questões] ódio e amor pelo realismo. Ela traz essas duas [questões]. Se o ódio
prevalecer, ela vai procurar destruir o ciclo orgânico, pra desfazer aquilo. Por isso, a personagem
naturalista se torna degradada. Ela degrada, pega o meio em que ela está habitando e degrada aquilo
tudo. Ela vai degradando, exaurindo, vai destruindo aquilo dali.
Então, eu estou colocando agora uma coisa um pouco difícil – que é o que eu chamei de ciclo
orgânico. Isso é muito difícil. A noção de ciclo orgânico é uma tese de que a vida – ao se constituir
neste planeta e parece que ela só se constituiu no nosso planeta – ela se constituiu por um ciclo, que
nós chamamos de ciclo da vida, o ciclo do organismo.
LADO B
O ciclo orgânico é nascer, envelhecer, morrer, nascer, envelhecer… Nasce, envelhece e morre… Aí
deixa os descendentes, que nascem, envelhecem e morrem… É exatamente isso o ciclo orgânico.
Então, o mundo realista – eu já estou começando a tentar explicar a falha, explicar a fissura. O mundo
realista é o mundo do organismo. E todos os seres orgânicos se comportam, eles têm um
comportamento e esse comportamento do organismo é um comportamento cíclico. (E como a C…
notou), nasce, envelhece, morre, nasce… Por enquanto é só isso, (tá?).
Agora, a personagem naturalista… vai pegar esse meio histórico ela pega esse meio histórico do
realismo e procura destruir esse meio histórico. Há, então, uma diferença do processo da personagem
realista para a personagem naturalista. A realista conserva ou reforma o meio… e a naturalista vai
tentar destruir o meio. Na hora em que ela destrói o meio, esse meio, ao invés de se chamar meio
histórico, vai se chamar meio derivado. Então, no realismo, você teria o meio histórico e no
naturalismo, você teria o que se chama meio derivado. Por que meio derivado? Porque por trás do
meio histórico naturalista – que se chama meio derivado – estaria o mundo originário. Quando a gente
vê um filme naturalista… – o exemplo que eu vou dar para vocês é “Casa de Bonecas”.
“Casa de Bonecas” é um texto do Ibsen que é dirigido pelo Losey. É uma cidade que está montada em
cima da neve. E tem planos gerais em que você tem a impressão de que a neve vai comer a cidade, vai
engolir as casas. Então, essa neve, onde as casas estão assentadas, é o que se chama mundo originário.
E as casas, meio derivado. Então, no mundo naturalista, você tem o mundo originário, que é
exatamente onde o meio histórico se instala. Ele se instala no mundo originário. No caso do mundo
realista, não. No mundo realista o meio histórico se dá isolado; e no naturalismo o meio histórico se
dá no mundo originário. E esse mundo originário é muito variado. Por exemplo: no Stronheim, é um
deserto assustador; e… no Losey, pode ser a neve, podem ser helicópteros batendo asas, podem se
pássaros, podem ser penhascos, ou seja, o mundo originário é uma coisa estranhíssima que o diretor
nos mostra no filme. E instalado nesse mundo originário estaria o meio histórico. O próprio meio
histórico realista. Mas como o meio histórico realista, no mundo originário, ele não vai receber
comportamento, e vai receber pulsões, esse meio derivado vai ser inteiramente destruído. Ele vai ser
exaurido. Há um grande exemplo pra isso que é um filme do Buñuel chamado O Anjo Exterminador.
Nesse filme, as personagens estão dentro de um palácio, uma casa riquíssima, e elas vão literalmente
destruir a casa. Vão arrancar tudo! Porque elas vão ficar presas dentro da casa e vão começar a
destruíla. Essa casa… (Nesse filme que vocês vão ver, O Anjo Exterminador) essa casa é um meio
histórico, mas se fosse num filme realista as personagens teriam, ali dentro, um comportamento de
manutenção ou transformação da casa. Mas como elas são personagens naturalistas vão destruir a
casa.. Por isso não se chama meio histórico, chamase meio derivado. E, no meio derivado, por baixo
dele, está o mundo originário. O que a personagem pulsional visa, é fazer o mundo originário subir.
Al.: Eu posso dizer que em vez de meio histórico, seria o meio histórico degradado?
Cl.: É o meio histórico degradado – é exatamente isso!
Você pega a casa de O Anjo Exterminador. .. e pega a casa… o palácio do filme do Scorsese! Esse
último filme do Scorsese…
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 10/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
Als: A Época da Inocência.
Cl.: A Época da Inocência. É um filme realista – as personagens, ali dentro, se comportam
magnificamente. E em O Anjo Exterminador , elas destroem a casa! {Essa casa] pode se chamar meio
derivado.
Alº.: No caso do Losey, naquele filme O Mensageiro é um filme naturalista, não é?
Cl.: Inteiramente naturalista!
Alº.: Então, se tem um ciclo orgânico ali, as personagens tentam atingir… seria a relação daquele
casal e a representação dessa pulsão seria aquela carta?
Cl.: Não, a pulsão ali é do casal Julie ChristieAlan Bates, em cima do garoto. O filme em inglês
chamase The gobetween. Então, eles estão…
Alº.: A pulsão seria dos dois então?
Cl.: Dos dois em cima do garoto… em cima do garoto. É.
Alº.: Ele seria o ciclo orgânico, então?
Cl.: E ele vai começar a sair, porque ele é devorado por aqueles dois. Tanto que o filme é um
flashback, porque realmente o filme é o garoto velho – que é o Michael Redgrave, (não é?) Se eu não
me engano, é ele – é ele velho e todo ligado ainda ao casal, todo ligado a casal (não é?) que levou ele
à exaustão. E o mundo originário ali (quem viu esse filme…) é o jardim onde ele tem a bela dona.
Esse filme é O Mensageiro (Vocês vão ver. Eu vou passar esse filme!)
Alª.: O Criado tem um jardim também… seria…
Cl.: O Criado tem um jardim com as estátuas. Aquelas estátuas… é o meio originário.
No mundo do cinema naturalista você sempre vai encontrar esse mundo originário. Esse mundo
originário é parte do cinema naturalista.
Alº.: Então, quer dizer que a pulsão ali [] brigava com o casal o tempo inteiro… A tentativa deles é
destruir…
Cláudio: O tempo inteiro. É… exaurir… tudo – eles querem exaurir tudo! Aquele caso de amor deles
é levar tudo à exaustão. A mãe é a reação realista.
Alº.: E Teorema, seria…
Cl.: Não! ( Teorema, não. Não, porque você nota que em Teorema você tem o mundo originário – que
é o mundo antropofágico; e você tem o meio histórico – que é a casa onde está a pocilga. Ah! Você
falou Teorema. .. eu confundi o Teorema com Pocilga! ) Não é. Também não é. Eu vou colocar O
Teorema como cinema tempo. O cinema tempo. Alguma coisa muito próxima do cinema tempo.
Porque, ainda que a personagem entre ali e ele comece a tomar conta de tudo, não faz como a
personagem naturalista. A personagem naturalista é – literalmente, assustadoramente destruidora:
DESTRUIDORA!
Alª.: No caso de O Anjo Exterminador também tem uma casa, um jardim… a pulsão não parte só das
personagens – mas também tem –?– a casa e –?– as personagens?
Cl.: É porque você tem a pulsão…A pulsão é dupla: tem um sujeito e tem um objeto. (Certo?) Então,
às vezes, você confunde! Porque o objeto pulsional é um objeto em pedaços, ele é sempre
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 11/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
despedaçado, ele está sempre em pedacos. Você nota que eles fazem isso na casa – eles vão
despedaçando… É como se fosse O Cortiço do Aloísio Azevedo. Eles vão despedaçando aquilo tudo.
Às vezes a gente confunde a noção de pulsão, porque a pulsão pode estar do lado do sujeito ou pode
estar do lado do objeto. (Depois eu vou explicar completamente, para vocês, o que é pulsão).
O que apareceu aqui? Meio histórico, espaço qualquer, meio derivado… sobre o mundo originário.
Quando ele fez a pergunta eu ouvi pocilga e Pocilga. .. – é muito interessante, vocês viram? Eu vou só
dar um exemplo rápido então, tá?. Em Pocilga há um momento, na primeira parte do filme, que é uma
prática antropofágica. Ali você tem o mundo originário. E a segunda parte é o meio histórico. Mas no
Pasolini há uma parte e a outra – estão separadas. No cinema naturalista elas estão um em cima do
outro. É essa a diferença! A diferença estaria aí: um está em cima do outro. (Tá?)
Então, nós vamos pegar agora – vou usar assim para ficar fácil: o cinema afecção – a personagem do
cinema afecção. Eu disse para vocês [que a personagem desse filme pode ser] qualquer coisa, mas
qualquer coisa no sentido que eu dei na aula de ontem ou de anteontem, (se vocês não pegarem,
avisem para mim!) que seria o sentido monadológico, que seria – as coisas espiritualizadas e o
espírito fragmentado!… O que eu quero dizer com isso? Eu quero dizer que, no filme do espaço
qualquer, o que aparece são os afetos das coisas ou dos homens – não importa! Afetos expressados
enquanto que os comportamentos são atualizados.
Alº.::–?— Isso que você está falando dessa coisa monádica e do espírito fragmentado, para mim está
indo de encontro à idéia de coisa em si, de uma essência.
Cl.: Porque o que eu disse é que, quando nós pensarmos a essência no plano das mônadas, ao invés de
pensar uma essência, as mônadas são uma multiplicidade de essências. Então, a chuva ela tem uma
multiplicidade de essências. (Certo?) Esse filme do Joris Ivens é uma expressão das essências da
chuva. Mas outro autor pode fazer outro tipo de filme – porque não é uma essência só. (Entendeu?)
Isso é que é a monadologia. No cinema afeto você espiritualiza o espaço qualquer. O espaço qualquer
é espiritualizado. (Se estiver difícil vocês falem, heim?) E esse espaço espiritualizado é –
imediatamente – fragmentado. Esses fragmentos chamamse… afetos. São os fragmentos espirituais,
são fragmentos do espírito. Ou melhor: o espírito nada mais é do que expressão de afetos. Esse
cinema… esse cinema afecção chamase cinema expressivo. É o cinema expressivo. Por exemplo, a
Falconetti, estão lembrados? A Falconetti… a Joana D’Arc… do Joana D’Arc. O que ela faz ali não é
de maneira nenhuma encarnar sentimentos. O que ela faz é. .. expressar afetos. São PURAS
EXPRESSÕES AFETIVAS do cinema de PRIMEIRO PLANO. Então, isso seria o espaço qualquer…
– e a esse espaço qualquer eu vou voltar: porque é um caminho de uma riqueza e de uma beleza
extraordinária eu vou voltar muito forte nele; e… dos dois lados, o cinema realista e o cinema
naturalista.
Agora, eu chamei o cinema realista… Agora é que vem a grande questão! Dificílima! Se eu não
conseguir governar o discurso pra vocês, eu faço uma deriva, (tá?).
No cinema realista nós temos o que se chama representação orgânica (tá?). Então, o cinema realista
pressupõe o organismo – e o organismo é aquilo que se comporta por variação de sentimentos. Agora,
a pergunta é… que é uma pergunta biológica, é uma pergunta de biologia evolutiva… (ninguém fica
preocupado, pensando que vai ouvir uma coisa impossível de ser entendida. Não!) O organismo…
para você pensar o organismo há um pressuposto – você não pensa o organismo por estética, por
religião, por ciências sociais… Você pensa o organismo por biologia… por biologia.
Então, quando você investe na biologia para entender o que é um organismo, você descobre que, no
nascimento do organismo, pressupõese uma força genética que produz o organismo – mas que essa
força genética não é orgânica. (Ficou muito difícil?). Ela é uma força genética, não orgânica – ela não
é inorgânica… (Deixa eu explicar para vocês o mais que eu puder!…)
No século passado, um cientista chamado Pasteur provou – ele provou que o organismo não se
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 12/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
origina no inorgânico. Ou seja, o que não for o organismo não tem sua origem no inorgânico. Tudo
que é orgânico nasce – vai dizer o Pasteur – nasce do orgânico (Certo?). Então, você não pode ter um
ser vivo nascendo do inorgânico.
Mas, o que eu estou dizendo agora para vocês é que o orgânico – que não nasce do inorgânico – nasce
de uma força genética – que eu vou chamar de anorgânica. Não vou dizer que é in orgânica: vou dizer
a norgânica. Ou seja, tudo que está vivo, que nós conhecemos, é o orgânico – mas o orgânico
pressupõe uma gênese. Essa gênese é o ANORGÂNICO. E o que é exatamente a gênese… (Está
muito difícil aqui? Vocês acham que dá para atravessar isso aqui – na biologia? Como é que vocês
acham? Está muito difícil? Eu vou tentar dar uma explicação de outro modo pra vocês.)
Existe uma palavra chamada hábito (eu falei nela ontem) que nós costumamos compreender como
sendo repetição o hábito seria um processo repetitivo. [Mas] n ão é. Hábito é um processo
contraente; hábito é uma contração como se gente diz: contrair matrimônio, contrair uma dívida.
Hábito é uma prática de contração. Dois elementos que estão separados se juntam e isso é uma
contração, é uma síntese. Nessa contração, nessa síntes e, na junção de dois elementos que estão
separados é que vai nascer o organismo. Então, – basta que vocês entendam isso , há um
pressuposto para a [aparição] do organismo: a contração de elementos que estão separados. [Ou seja:]
todo organismo pressupõe uma contração. A contração chamase habitus (com us) habitus.
Habitus é a contração de dois elementos que estão separados… – aí aparece o organismo. E, no
organismo, aparece o comportamento. Então, a fissura é um relaxamento da contração. (Ficou muito
difícil, não é? – risos Ficou barra pesada!). É muito simples: nós…, os seres vivos, neste instante,
todos nós aqui estamos contraindo – o nosso corpo está fazendo contrações (não é contorções, é
contrações! ) Ele está juntando [reunindo, fazendo uma síntese, contraindo] elementos que estão
separados – por exemplo: água, terra, fogo e ar; fósforo, carbono e outros elementos atômicos estão
sendo contraídos; e, nessa contração, surge o organismo. Então, nós, os vivos, somos constituídos
pelo habitus. O habitus é (muito difícil ainda? Fala, C…) O habitus é um anorgânico, um anorgânico.
O habitus (usa com o s) é a contração, aquilo que constitui o nosso organismo.
Então, se o nosso organismo parar de contrair ele tem uma fissura; uma falha. A falha vem
exatamente da quebra do habitus. E no cinema noir é isso – o habitus pára; e aí o personagem se
fissura. Porque os elementos, que estão juntos, se separam e o personagem é fissurado. Ele ganha uma
fissura, ele ganha uma falha dentro dele – e aí ele não consegue mais ter comportamentos normais:
passa a ter comportamentos assustadores, como é o caso do Paul Muni no Scarface.
Então, o que eu chamei de fissura seria uma… (é difícil, não é?)…um relaxamento. .. re laxa. De
repente todo o nosso corpo – que se constitui por um conjunto ilimitado de habitus, um conjunto
ilimitado de contrações de repente as contrações param. E quando elas param – emerge uma fissura
dentro de você. Surge alguma coisa ali – surge uma falha. É como uma falha de São Francisco – a
falha na rocha! É a mesma falha que tinha o cônsul – aquele cônsul de A Sombra do Vulcão. Aquela
falha ali é uma falha do habitus. Quando essa falha se dá, a personagem costuma jogar dentro dela o
álcool. O álcool o alcoolismo está associado com o habitus.
Al.: Posso comparar a fissura com a fenda?
Cl.: Pode! É a própria fenda. (Deixa eu explicar pra você entender).
Quando essa fenda se dá, a personagem é levada a tomar atitudes incríveis – dentre elas o alcoolismo,
que é uma tentativa de endurecer aquela fenda. Endurecer… A personagem tenta endurecerse no
presente – ela não quer que o presente passe: ela quer se prender no presente, ela quer se segurar
naquela fenda, ela não quer cair lá – dentro da fenda. Então, ELA BEBE para endurecer o presente.
Ela quer se esquecer, ela não quer se lembrar, ela não quer projetar. Ela produz essa fenda.
Alº.: E a personagem naturalista também tem fenda?…
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 13/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
Cl.: Não, não! O personagem naturalista não tem nenhuma fenda. O problema naturalista é
completamente diferente. O problema naturalista é o problema da pulsão. É o problema da violência
excessiva que a personagem naturalista possui – ela possui uma violência excessiva – e ela está
sempre visando à exaustão dos meios. Ela quer exaurir tudo. Ela quer exaurir tudo. Por isso ela
compõe uma inteligência muito poderosa. As personagens naturalistas são excessivamente
inteligentes.
Alª.: Mas o alcoólatra não é degradante?
Cl.: Não é degradante! Eu estou colocando a posição do alcoólatra, e da fenda e da fissura no cinema
realista. Eu estou colocando no realismo. A fenda é no comportamento, a fenda é o relaxamento do
habitus. Ela não é um comportamento degradante. Ela não é um comportamento degradante porque,
inclusive, no realismo (você deve saber muito bem disso!)… no realismo, normalmente, a personagem
alcoólatra é curada. Ela é curada. Há um exemplo de um grande filme realista, famoso, chamado
Farrapo Humano, com o Glenn Miller, que ele é curado no final… Ele é curado no final.
Alº.: Destruir o mundo real… e não o mundo original?
Cl.: Heim?… A personagem realista, mesmo com a fenda, ela não busca destruir o mundo – ela quer
destruirse a si. A si, a si própria.
Alª.: Ela quer a paralização, não é?
Cl.:Ela quer a paralização do tempo. Ela quer endurecer o presente. Ela não quer mais que as
dimensões do passado e do futuro apareçam para ela. Ela endurece ela endurece o presente. (Eu vou
voltar com isso na próxima aula).
Alª.: E aí ela vai criar uma fenda?
Cl.:Não, a fenda já apareceu. A fenda já apareceu!. (Eu vou contar pra vocês… só um minutinho, tá?
Então pode falar, pode falar…)
Alº.: Não, eu queria falar isso. Voltar com a proposta a respeito da fenda é um fato irreversível, não é?
Quer dizer: toda a compreensão — ela cessa –?–
Cl.: Você sabe que os filmes realistas, eles… por exemplo, o Farrapo Humano, eles curam, eles
curam – o Glenn Miller foi curado no filme. Mas o importante aqui é que essa personagem, ela vai ser
(como eu coloquei para vocês) penetrada de luz, lembra?. A fenda sináptica ela é penetrada de luz.
Então, eu vou dizer uma coisa muito violenta agora! A única maneira que nós temos para pensar é –
se nós formos fendidos.
Alª.: Formos, o quê?
Cl.: Fendidos, falhados, fissurados.
A fissura é um componente essencial para o pensamento… porque – se você não fissura – você entra
na banalidade do meio histórico; no comportamento banal. (Então, essa questão da fissura – eu só
estou começando a tocar nela: vou voltar mais tarde.)
Agora, o exemplo que eu ia dar… eu vou dar o exemplo de um autor chamado Scott Fitzgerald. O
Scott Fitzgerald tem um texto chamado The Crackup (crack up). Que é traduzido em português
por A derrocada. O Fitzgerald, ele viveu nele mesmo a fenda, tanto ele quanto a Zelda. Eles viveram a
fenda. E o grande exemplo de fenda, na obra do Fritzgerald, é o Gatsby”. O Grande Gatsby.
(Marquem aí que a gente vai ver o filme.) O Grande Gatsby, com Robert Redford… é um filme que a
gente não pode deixar de ver… faz parte da nossa história… O Gatsby é um alcoólatra… com… dez
anos de alcoolismo, quando reencontra a Mia Farrow, casada com o Bruce Dern. (Não me lembro o
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 14/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
nome das personagens fora do cinema).
Então, eu só estou passando a idéia de fenda e a idéia de fissura.
Alª: É Roberto Ford, Mia Farrow, Bruce Dern, Karen Black
Cl.: Karen Black – ela fez O Dia dos Gafanhotos.
Mas, então, eu vou deixar a personagem realista com duas posições: ela… no cinema noir, é que vai
aparecer a fenda, por causa do meio – eu não estou dizendo que o meio é causa: eu não estou dizendo
isso. Mas a gente pode pensar no meio como causa porque o Fritzgerald (não sei se vocês conhecem
a obra do Fitzgerald…)
Alº.: Suave é a noite.
Cl.: Heim? Suave é a noite. .. Belos e Malditos. .. Belos e Malditos seria o mais interessante para
vocês lerem, no sentido de que o Fitzgerald tinha talento, mocidade, beleza física, dinheiro, sucesso
assustador, freqüentava um dos melhores meios aristocráticos norteamericanos, casado com a Zelda –
belíssima!… Então, ele tinha TUDO, mas ainda assim, a fenda apareceu. Então, a fenda é como se
fosse um rio que corresse por baixo de nós. O Rio Aqueronte. O Rio Aqueronte é o rio que banha o
inferno. É como se corresse um rio tórrido, um rio de fogo, dentro de cada um de nós. Então esse rio,
de repente, sobe e produz o relaxamento ou a perda do habitus e produz a fenda.
Eu vou abandonar o realismo. (Tá?) Não tenho tempo para [trabalhar] o realismo.
Alª.: Me diz só qual é a fenda do cinema noir, esse do gângster?
Cl.: No cinema noir é esse menino o (como é o nome dele?) Paul Muni que, como todos os gângsteres
feito ele, vai conquistando todo o meio. Ele conquista todo o meio… e chega a um ponto de ter um
domínio total sobre ele. O que vai destruílo é a fissura. Essa fissura aparece na relação que ele tem
com a irmã, que é uma relação incestuosa; na relação violenta que ele tem com os outros; e no fato de
ele ter quebrado a principal aliança que ele tinha, com o maior amigo dele. Ele mata a maior aliança
que ele tinha. Então, a fenda aparece aí. A fenda aparece. Ele fica falhado. E isso vai leválo à morte.
E o que eu estou dizendo pra vocês… – e aí eu estou colocando o cinema e a literatura noir – [é que
ambos] implicam a personagem falhada. (Tá?)
Agora, eu os aconselharia, nesse caminho que a gente está fazendo, a pegar o cinema noir e os
grandes textos de literatura noir… – como o David Goodis. Eu aconselho o Atire no Pianista do
David Goodis, pronto! Quem ler esse livro cresceu na vida cem metros. É um obra prima! Atire no
Pianista!
Há um Truffaut… Truffaut fez o filme, com o Aznavour – mas o filme não chega aos pés do livro. É
uma obra prima. Aconselho vocês a terem contato com esse livro.
Vou largar o realismo. Vou agora para o naturalismo. (Tá?)
(Prestem agora atenção sobre o que é uma aula. O professor… – ele tem o pensamento dele. Eu tenho
o meu pensamento, quando eu estou lendo um texto, quando eu estou escrevendo. Mas… há o
processo da aula. O processo da aula é um agenciamento. E nesse agenciamento… eu tenho que dar
um certo conforto a vocês. O conforto de não jogálos numa… fenda, não tornálos alcoólatras. E isso
daí faz com que eu diga muitas coisas provisórias que depois eu vou mudar! Há muitas coisas que
eu digo provisoriamente, para que vocês possam ganhar um pé, ganhar um eixo, ganhar… como se
diz vulgarmente, ganhar uma referência, um eixo. O ponto de apoio de Arquimedes. Aquele ponto de
apoio.
Agora, eu volto para o naturalismo. Volto para o naturalismo e nós vamos conhecer então uma das
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 15/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
coisas mais bonitas da história do pensamento. O grande pensador do naturalismo, que é um literato,
chamase Émile Zola, francês, [que desempenha] o primeiro, o principal [papel de defesa] do caso
Dreyfus – e o livro do Émile Zola que eu vou aconselhar nesse instante para vocês (na próxima aula
vou aconselhar outro, por supor que vocês leram esse) é A Besta Humana. Atenção! No cinema vai
aparecer um diretor de altíssimo nível que faz diversos filmes dos livros do Zola – é o Jean Renoir.
Jean Renoir é filho do pintor Auguste Renoir. Mas o Jean Renoir não é um cineasta naturalista.
Incrível, mas não é! Não é! (Viu? Depois eu volto ao Jean Renoir. Eu volto ao Jean Renoir para
explicar a vocês.)
O cinema naturalista quer se libertar do meio histórico. Ele quer sair do meio histórico – no sentido de
que o meio histórico seria… (aqui é um pouco difícil… as palavras não serão difíceis, mas o
entendimento pode ser confuso nesse momento.) O meio histórico é onde predominam os movimentos
– e o que o artista naturalista objetiva conquistar o tempo puro (é a primeira vez, neste curso, que
vocês estão ouvindo isso). Ele objetiva conquistar o tempo puro. (Nós não sabemos ainda o que é o
tempo puro, nós temos que usar essas palavras – tempo puro – como um mero nome…) O artista
naturalista quer conquistar o tempo puro. Mas quando ele vai fazer um investimento para produzir
essa conquista, ele começa a gerar os componentes negativos do tempo. E esses componentes
negativos são: entropia, degradação, violência contida, e agora, surpresa, ciclo. Ele começa a gerar os
elementos negativos do tempo. Esse momento de aula é um momento gravíssimo, porque é o
momento que eu tenho para passar da imagemmovimento pra imagemtempo. Nós vamos passar da
imagemmovimento para imagemtempo pelo cinema naturalista. Eu poderia fazer como Deleuze –
ele passa pelo cinema relação. Eu vou passar pelo cinema naturalista. Então, o diretor do cinema
naturalista, Buñuel, no caso, (quem mais?) Losey e Stronheim. Esses três. O que eles querem? Eles
querem o tempo. Eles querem o tempo. Então, aquele que quer o tempo – aquele que quer o tempo
como a sua salvação, como a saída para a vida a primeira coisa que ele tem que fazer é destrui r o
mundo realista, é destruir o ciclo realista, é destruir a representação orgânica. Então, o primeiro
confrontamento que o cineasta ou o artista tem é exatamente com o que eu chamei o meio histórico e
o comportamento. Ele se defronta com aquilo, ele não quer aquilo para a vida dele.
Vejam bem: não há aqui uma posição clássica – porque muita gente pode pensar nestes termos – uma
posição clássica, digamos, marxista…. Não é em termos de luta de classes – porque o naturalista ele
rejeita o bom e o mau, o doente e o sadio, o pobre e o rico. Ele rejeita tudo… Ele rejeita tudo que está
no mundo realista – ele não quer aquilo, ele não quer aquilo de forma nenhuma. Mas… essa matéria
realista é a matéria em que ele vai se efetuar. Ele vai se efetuar em cima dessa matéria realista. Então,
o cinema naturalista… – ele se constitui em cima do realismo.(Tá?)
Cl.: Que horas são, heim?
Al.: Dez para as nove.
Cl.: Vamos tomar um café? Para eu continuar a aula… Eu vou descansar um pouquinho.
PARTE 2
(com a entrada de mais um grupo de alunos)
Quem não ouviu a primeira parte da aula não tem a menor importância… Tá?)
Há um diretor de cinema, ainda vivo, excessivamente famoso, que é o Kurosawa. (Acho que todo
mundo conhece. Nem sei se a pronúncia é essa… Porque eu não sei japonês… Eu falo dentro das
minhas possibilidades brasileiras.)
Eu vou me referir a um filme do Kurosawa, que mesmo que vocês não tenham visto, não tem
problema – mas vai implicar que depois eu quero que vocês vejam. É Os Sete Samurais. ..
Provavelmente Os Sete Samurais e Rashomon seriam os dois filmes mais famosos dele.
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 16/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
(Eu vou esperar mais três minutos, porque está entrando gente.)
Eu vou começar a aula usando um conceito básico da filosofia do Deleuze. Esse conceito chamase
REPETIÇÃO. O primeiro exemplo que eu dou do conceito de repetição…
(É melhor eu segurar mais um pouco, tá faltando… tem muita gente lá embaixo. Dá pra chamar?…)
(Ninguém precisa ficar preocupado, pensando se eu vou falar coisas impossíveis de serem entendidas,
não, viu?)
Eu vou começar fazendo uma distinção uma distinção entre discurso científico… Discurso quer dizer
um conjunto de palavras; esse conjunto de palavras pode ser escrito ou falado; isso é discurso. Então,
existem diversos tipos de discurso: o discurso do padre, que é o discurso religioso, o discurso do
camelô; o discurso científico, certo? Então, eu estou fazendo assim uma espécie de cartografia dos
discursos – e estou dizendo que existe um discurso chamado discurso científico. E um discurso
chamado discurso poético por exemplo: João Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoa, Cassiano
Ricardo… tanto faz… discurso poético. E do lado de cá o discurso científico. No discurso poético, eu
vou colocar um atributo – é o discurso poético lírico, a lírica. Porque a poesia pode ser épica, pode ser
lírica (esse “troço” que está passando lá embaixo parece um discurso lírico… – referindose à sirene
de ambulância ou carro de bombeiro, estridente…). Pode ser poética, pode ser épica, pode ser lírica…
Então, eu vou começar falando sobre a distinção entre o discurso científico e o discurso… só que eu
chamei de poesia lírica. Não é a poesia épica, não é a parnasiana, não é a romântica, é a lírica… (Tá?)
E esses dois discursos têm uma diferença no sentido de que o discurso científico, quando você o
produz, (Se vocês não entenderem me avisem) ele traz uma permissibilidade que é a troca das
palavras. Por exemplo, vamos dizer: se num discurso científico…você usou a palavra mar, mas quiser
usar a palavra oceano, [em substituição a ela] você pode usar. Ou seja, o discurso científico traz a
possibilidade da troca das palavras. As palavras podem ser trocadas, podem ser mudadas; enquanto,
no discurso lírico, as palavras não podem ser mudadas – só podem ser repetidas. Quando você faz o
discurso da lírica você vai encontrar esse fenômeno chamado repetição das palavras e no discurso
científico você vai encontrar o fenômeno mudança, (tá?)
Por que no discurso científico há mudança e no lírico há repetição? Porque a lírica se constitui pelo
ritmo e o científico pelo significado. Então, o campo do discurso científico é o campo do significado.
O campo da lírica é o campo do ritmo – e o ritmo é aquilo que pode ser repetido, jamais mudado.
Então, o discurso científico, onde se dá mudança de palavras ou troca de palavras, (vocês estão
entendendo?) mudança de palavras ou troca de palavras… e quando se usa a expressão troca, o
sinônimo da palavra troca é símbolo. Símbolo quer dizer: aquilo que pode ser trocado. Então, o
discurso científico… é simbólico, porque ele pode ter troca de palavras; enquanto que na lírica só
pode haver repetição, porque a lírica se sustenta pelo ritmo.
Agora, atenção! O mundo realista… na literatura, mundo realista; no cinema, imagem ação; na
biologia, representação orgânica; realismo, na literatura; imagem ação, no cinema; na biologia,
representação orgânica. Esse mundo realista é o mundo em que há mudança, onde tudo está
permanentemente mudando.
Al.: Esse é o mundo que a ciência trabalha?
Cl.: É esse o mundo em que a ciência trabalha, claro! É o mundo da mudança.
Imprima este post Envie este post
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 17/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
Curtir 9 pessoas curtiram isso. Seja o primeiro entre seus amigos.
Tags: Curso Filosofia e Cinema I realizado no Castelinho do Flamengo Imagem Movimento
Postado sábado, fevereiro 20th, 2010 às4:35 sob as categorias: Aulas Transcritas. Você pode acompanhar as respostas
aqui RSS 2.0. Você pode deixar uma resposta, ou trackback de seu próprio site.
2 Comentários para “Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão”
1. Iza Quelhas disse:
8 de outubro de 2011 às 17:15
Aulas geniais.
2. Elizabeth Medeiros Pacheco disse:
20 de fevereiro de 2012 às 14:05
eu gostaria de ouvir / ler mais sobnre “pulsão”
Deixe um comentário
Nome (required)
Email (não será publicado) (required)
Website
Centro de Estudos Claudio Ulpiano
Editoria de Texto: Marici Passini Editoria de Arte: Renata Aguiar Editoria WordPress: Nati Murlakov
Powered by Web Design Company Plugins
carregando
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 18/19
04/09/2015 Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão « Centro de Estudos Claudio Ulpiano
http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=121 19/19