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Janaina Trajano1
Apresentação
2
SAUER, S. e PEREIRA, J.M.M., Capturando a Terra: Banco Mundial, Políticas fundiárias neoliberais
e reforma agrária de mercado. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 174.
3
CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma Agrária: compromisso de todos. Presidência da Republica,
Brasília, 1997, p. 25.
evasão do ato desapropriatório pelos proprietários de terra 4. Em segundo lugar, houve
um aumento na criminalização das ocupações de terra, proibindo a realização de
vistorias do INCRA em áreas ocupadas, inviabilizando assim sua desapropriação, bem
como suspendendo negociações em casos de ocupação de órgão público, penalizando
funcionários do INCRA que negociassem com os ocupantes e vetando o acesso a
recursos públicos por entidades que fossem consideradas suspeitas de serem
participantes, co-participantes ou incentivadoras de ocupações de terras5.
Concomitantemente a Polícia Federal foi requisitada para monitorar a ação dos
movimentos sociais, gerando, por certo, o aumento da violência contra os trabalhadores
rurais, praticada impunemente tanto pelo Estado, por meio de prisões seletivas, despejos
violentos e arbitrários, bem como pelo poder privado, auxiliados pelos policiais civis e
militares.
Em terceiro lugar, houve uma grande manifestação no sentido de construir uma
imagem positiva do governo FHC em relação à reforma agrária e, ao mesmo tempo,
uma imagem negativa das ocupações de terra e dos movimentos sociais através dos
grandes meios de comunicação.6 Em quarto lugar, houve a desfederalização da política
de reforma agrária, transferindo para a esfera estadual a competência para a condução
de todo o processo mais amplo de “reforma do Estado” então em curso. Tal
descentralização serviria para desonerar a esfera federal, cujas receitas eram cada vez
mais comprometidas com o ajuste fiscal e o serviço da dívida pública externa e interna,
ademais, fragmentaria a política fundiária, de modo que esta viria a ser tratada caso-a-
caso em uma nova jurisdição e de maneira restrita. 7 Finalmente, a quinta medida seria o
início de uma política agrária “amiga do mercado”, em que o governo FHC contaria
fundamentalmente com os financiamentos oferecidos pelo Banco Mundial.
O discurso do governo brasileiro em favor do modelo de mercado, com base nas
justificativas do próprio BIRD, fundamentaram-se em três pilares: primeiro que a
desapropriação para fins de reforma agrária, conforme previsto na Constituição Federal
de 1988, havia se tornado um instrumento inadequado para a realidade brasileira, uma
vez que este estaria vinculado a um modelo de ação fundiária centralizador, arbitrário,
4
MEDEIROS, Leonilde S de. Movimentos sociais, disputas políticas e reforma agrária de mercado no
Brasil. Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ e UNRISD, 2002.
5
Idem, Idibem.
6
CARVALHO Fº., José Juliano de. Política agrária do governo FHC: desenvolvimento rural e a Nova
Reforma Agrária, in Sérgio Leite (org.) Políticas públicas e agricultura no Brasil. Porto Alegre,
EDUFRGS, 2001.
7
SAUER, S. e PEREIRA, J.M.M., Capturando a Terra: Banco Mundial, Políticas fundiárias neoliberais
e reforma agrária de mercado. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 175.
propenso à corrupção e lento8, sendo necessário, então, substituir esse instrumental por
mecanismos mais eficientes, baseados na “livre transação” de mercado entre agentes
privados.9
Outro argumento residiria no fato de que o orçamento da União não tinha
condições de financiar programas como a reforma agrária, dadas as indenizações
elevadas arbitradas pelo Poder Judiciário. Desse modo, com o apoio do Banco Mundial,
o governo poderia promover uma inovação no rol de políticas públicas dirigidas ao
agro, colocando em teste um modelo novo de reforma agrária. Por fim, o último
argumento baseava-se no fato de que as ações do governo federal estariam relacionadas
às pressões exercidas pelos movimentos sociais, leia-se MST, uma vez que os
assentamentos rurais eram resultado de ocupações e acampamentos, conforme previsão
do Banco Mundial:
O modelo governamental de reforma agrária através da distribuição
de terras é um círculo vicioso: a terra é redistribuída onda há conflitos
sociais e os conflitos sociais pressionavam o programa de
redistribuição de terras do governo. À medida que novas alternativas
começam a fazer efeito, o governo poderá reduzir a ênfase nas
desapropriações e, consequentemente, quebrar a ligação entre sua
política de reforma agrária e os conflitos rurais. 10
8
BANCO MUNDIAL, Project appraisal document to Brazil for land reform and poverty alleviation
pilot project. Report nº 16342-BR, Washington DC, 1997.
9
TEOFILO, Edson, Brasil: novos paradigmas para a reforma agrária. Brasília, NEAD, 2000.
10
BANCO MUNDIAL, Rural poverty alleviation in Brazil: toward na integrated strategy. Washington
DC, 2003, p. 127.
11
MEPF. Banco da Terra. Brasília, 1999.
12
BANCO MUNDIAL. Country Assistance Strategy – Brazil. Washington DC, 2000-2002.
A REFORMA AGRÁRIA NO GOVERNO LULA
Sendo assim, o novo governo poderia limitar-se a lidar com o “passivo”, sem
aportar novos recursos para a expansão do modelo de mercado, poderia, ainda,
continuar a implementação do novo modelo, de forma limitada, ou ainda, radicalizar a
expansão do modelo, ora proposto, tal como seu antecessor, em detrimento da política
de reforma agrária ora idealizada pela Constituição Federal de 1988. No entanto, o
governo se propôs a delinear um pouco destes três caminhos, de modo que passou a
lidar com o passivo existente, mas ampliou a implementação do modelo em um patamar
superior àquele realizado pelo governo FHC. Passou, também, a comprometer-se
publicamente com as políticas de reforma agrária, por meio das desapropriações,
conforme previsto no Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), com o
financiamento da compra de terra por parte de 130 mil famílias14. Em termos
comparativos pode-se dizer que os programas de financiamento à compra de terras
representam um número mais expressivo do que o governo anterior conseguiu colocar
em prática.
13
SAUER, S. e PEREIRA, J.M.M., Capturando a Terra: Banco Mundial, Políticas fundiárias neoliberais
e reforma agrária de mercado. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 198.
14
MDA. Programa Nacional de Crédito Fundiário: Plano anual de aplicações de recursos. Brasília,
2003/2004.
Uma característica marcante no governo Lula, qual seja a sua diplomacia
permitiu a não criminalização pela luta por terra e, por conseqüência, o governo pode
contar com o apoio de todos os movimentos sociais agrários e entidades sindicais de
representação de trabalhadores rurais. Tal feito proporcionou uma estabilização entre a
reforma agrária constitucional e os programas neoliberais de financiamento de compra
de terras propostos pelo Banco Mundial.
Houve então a manutenção do programa Banco da Terra, porém com um novo
nome Consolidação da Agricultura Familiar, com algumas reformulações, tais como, o
implemento do projeto Crédito Fundiário de Combate à pobreza Rural, a criação de uma
linha de financiamentos para jovens agricultores comprarem terra e também a
reformulação do Fundo de Terras, com a finalidade de fortalecer o instrumento a longo
prazo para financiamento de compra de terras, e, ainda, criou o Programa Nacional de
Crédito Fundiário, responsável pela gestão do Fundo de Terras e de todos os programas
e projetos nessa área.15
Em 2003, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) realizou uma
auditoria interna com relação ao projeto do Banco da Terra, devido aos inúmeros
indícios de irregularidades e aos questionamentos dos movimentos sociais. Então, o
MDA anunciou sua suspensão, alegando a existência de problemas sérios em sua
gestão. Foi divulgado que o programa havia financiado 34.759 famílias, em 18.294
operações, totalizando 2.537.621 hectares, ao custo de R$ 744.216.746.16
Posteriormente, o MDA impulsionou a implementação do programa
“Consolidação da Agricultura Familiar”, passando a firmar termos de cooperação com
governos estaduais, a partir do final de 2003, para que o mesmo pudesse ser
estabelecido na maioria possível dos estados brasileiros. De lá para cá, sua fonte de
financiamento é exclusivamente nacional, isto é, os recursos orçamentários do Fundo de
Terras, sem o aporte de recursos do Banco Mundial. 17
Outra ação importante do governo Lula foi com relação ao Crédito Fundiário de
Combate à Pobreza Rural, com o apoio da CONTAG, com sua gênese a partir de um
empréstimo junto ao BIRD autorizado em 2001, esse novo projeto deu seqüência ao
Cédula da Terra, mas com a possibilidade de participação dos sindicatos, bem como a
15
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. II Plano Nacional de Reforma
Agrária – PNRA: www.incra.gov.br
16
MDA. Programa Recuperação e Regularização dos Projetos financiados pelo Fundo de Terras.
(Programas Banco da Terra e Cédula da Terra). Brasília, Departamento do Crédito Fundiário, 2004. p.
1.
17
MDA. Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Regulamento Operativo. Brasília. CONDRAF, 2004.
proibição de compra de áreas passiveis de desapropriação, porém com possíveis
ressalvas. Houve ainda, conforme dito anteriormente, um projeto chamado nossa
primeira terra, criação do governo Lula de uma linha de financiamento para compra de
terra dirigida a jovens agricultores, tendo como público-alvo a população rural pobre
entre 18 e 24 anos, contando com o apoio das federações sindicais de trabalhadores
rurais ligados à CONTAG e à CUT.
Com a reestruturação do Fundo de Terras/Banco da Terra, foi oficializado como
a fonte financiadora de todos os programas de “crédito fundiário” em curso,
viabilizando a contrapartida nacional aos empréstimos do BIRD. De modo que poderia
então, funcionar como uma grande imobiliária pública subsidiada, evidenciando que os
programas governamentais de financiamento a terras rurais por agentes privados
passaram a assumir a lógica e o status de política de Estado, com um caráter
permanente.
O governo Lula também criou o Programa Nacional de Crédito Fundiário
(PNCF), com a finalidade de unificar a gestão das três linhas de financiamentos supra
citadas e do Fundo de Terras por um único órgão competente, qual seja a Secretaria de
Reordenamento Agrário (SRA) do MDA, hegemonizada pela CONTAG. Por fim, em
2006, o governo criou o projeto Terra Negra, com o objetivo de financiar a compra de
terra para negros não quilombolas. Tal inovação evidencia o ímpeto em estender para
diferentes grupos sociais esquemas de compra e venda entre agentes privados
financiados pelo Estado, em detrimento de políticas redistributivas de caráter
estrutural.18
No entanto, não restam dúvidas de que este novo modelo de reforma agrária pelo
BIRD, em curso há quase dez anos, pelo governo brasileiro é a mais importante no
plano internacional. Em nenhum outro país se investiu tanto ou se contratou tal volume
de empréstimos para financiar a compra de terras como no Brasil, constituindo, de fato,
um caso exemplar de implementação desse modelo. Tendo seu início em um contexto
polarizado politicamente, os principais projetos (cédula da terra e banco da terra),
angariaram adesão imediata de entidades de representação do patronato rural, a exemplo
da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Pode-se dizer que este novo formato
conferido a reforma agrária encontrou, neste ponto, o apoio ostensivo do setor privado,
justamente por tratar-se de um instrumento que não só remunera o proprietário à vista e
18
SAUER, S. e PEREIRA, J.M.M., Capturando a Terra: Banco Mundial, Políticas fundiárias neoliberais
e reforma agrária de mercado. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 203.
a preço de mercado, mas também compete com a mobilização popular por reforma
agrária. Para melhor evidenciar o exposto neste estudo, segue abaixo gráficos
comparativos das políticas fundiárias aplicadas nos governos FHC e Lula.
BANCO MUNDIAL, Project appraisal document to Brazil for land reform and
poverty alleviation pilot project. Report nº 16342-BR, Washington DC, 1997.
CARVALHO Fº., José Juliano de. Política agrária do governo FHC: desenvolvimento
rural e a Nova Reforma Agrária, in Sérgio Leite (org.) Políticas públicas e agricultura
no Brasil. Porto Alegre, EDUFRGS, 2001.
TEOFILO, Edson, Brasil: novos paradigmas para a reforma agrária. Brasília, NEAD,
2000.