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Olavo de Carvalho

As garras da Esfinge
Leituras básicas para o curso
Esoterismo na História e Hoje em Dia 
!

Sumário
As garras da Esfnge: René Guénon e a islamização do
Ocidente................................................................................3
Inuncias discretas............................................................!"
A Igre#a $umil$ada...............................................................31
$umil$ada...............................................................31
3

As garras da Esfinge
René Guénon e a islamização do Ocidente

I
As transformações históricas e espirituais profundas que
vão determinar o futuro da humanidade estão tão distantes da
nossa mídia, da nossa vida universitária e, de modo geral, de
todos os deates p!licos neste país, que com certe"a aquilo que
vou di"er neste artigo parecerá estratosf#rico e alheio $ realidade
imediata%
O doente incurável que geme de dor num leito de hospital
dificilmente se interessará, nessa hora, pelas controv#rsias
m#dicas, ioquímicas e farmacológicas que se desenrolam em
 países longínquos e em idiomas que ele desconhece, mas das
quais poderá vir, um dia, a cura da sua doença% O que mais de
 perto di" respeito ao seu destino lhe parece distante, astrato e
alheio $ sua dor%
Os que se interessam pelo futuro do &rasil deveriam
 prestar atenção ao que vou lhes di"er aqui, mas será muito difícil
fa"'(los ver que uma coisa tem algo a ver com a outra%
)ou começar analisando a resenha que um autor 
desconhecido neste país fa" do livro de outro autor igualmente
ignorado por aqui%
O livro #  False Dawn: The United Religions Initiative,
Globalism, and the Quest for a One-orld Religion, de *ee +enn
-ophia +erennis, .//01, que 2á recomendei muitas ve"es mas
 poucos leram, por ser um calhamaço de documentos longos e
chatíssimos% O resenhista # Charles 3pton, autor de The !"stem
of the #nti$hrist id%, .//41, que foi menos lido ainda, 2á que o
recomendei com menos 'nfase e const5ncia% A resenha foi
 pulicada num livro mais recente de 3pton,  Findings:  In
 %eta&h"si$, 'ath, and (ore, # Res&onse to the
Traditionalist)'erennialist !$hool id%, ./4/1 e reprodu"ida na
revista eletr6nica da editora,
htt&:))www*so&hia&erennis*$om)dis$ussion-forums)so&hia-
 &erennis-boo+-reviews)false-dawn-the-united-religions-initiative-
 globalism-and-the-uest-for-a-one-world-religion) * 7ue tudo
%

venha pela mesma editora # um detalhe ao qual voltarei mais


adiante%
O livro de *ee +enn descreve e documenta com
aund5ncia de fontes primárias a formação e desenvolvimento de
uma religião i6nica mundial, com todas as características de
uma paródia sat5nica, so os auspícios da O83, do governo
americano, de praticamente toda a grande mídia ocidental e de
um punhado de megafortunas% Iniciado em 4990 por :illiam
-;ing, ispo da Igre2a <piscopal, com o nome de United 
 Religions Initiative  3=I, v% http>??;;;%uri%org1, emora e@tra(
oficialmente e@istisse desde muito antes remontando ao  (u$is
Trust   fundado em 49.. por Alice &aile1, o empreendimento,
sustentado por recursos financeiros incalculavelmente vastos e
apoiado por todo um $ast  de estrelas do  show business e da
 política, conquistou at# o apoio informal do +apa Brancisco v%
http>??remnantne;spaper%com?;e?inde@%php?articles?item?044(
 pope(francis(and(the(united(religions(initiative1%
Com o lindo o2etivo de criar um mundo de pa",
sustentado por comunidades enga2adas e interconectadas,
comprometidas com o respeito $ diversidade, com a resolução
não(violenta dos conflitos e com a 2ustiça social, política,
econ6mica e amientalD, o movimento re!ne, em festivas
celerações ditas ecum'nicasD, católicos, protestantes, 2udeus,
muçulmanos, udistas, @intoístas, animistas, espíritas, teosofistas,
bahais, si+hs, adeptos da .ew #ge, da i$$a, do satanismo, do
=everendo Eoon, dos /are 0rishna e de qualquer culto indígena
ou ufológico que se apresente, dando a tudo um sentido de
fraternidade universal que dissolve entre sorrisos de
condescend'ncia m!tua as mais óvias e insuperáveis
incompatiilidades entre essas diversas crenças%
Fodas as religiões e pseudo(religiões somadas, fundidas e
mutuamente neutrali"adas redu"em(se assim a um instrumento
au@iliar do pro2eto gloalista voltado $ criação de um Governo
Eundial%
Grosso modo, a ideologia que gruda uns nos outros esses
elementos heterog'neos e inconciliáveis # o universalismo low
brow da 8ova <raD, que, copiando mal e mal a linguagem da
tradição hindu, proclama serem todas as religiões nada mais que
aspectos locais e acidentais assumidos por uma =evelação
+rimordial !nica, donde se conclui que, por este ou aquele
caminho, todo mundo chegará mais dia, menos dia, aos mais
&

altos estágios da reali"ação espiritual humana ou mesmo sore(


humana%
<ssa ideologia teve precursores no s#culo HIH, como
Allan ardec, Jelena +etrovna &lavatsKi, a c#lere teosofista e L 
literalmente L atedora de carteiras, Mules Noinel, fundador da
Igre2a Gnóstica francesa 49/1, Gerard <ncausse, mais
conhecido como +apusD, Mean &ricaud e, de modo geral, todos
os componentes do movimento que viria a se chamar ocultistaD%
<sse universalismoD, que no início do s#culo HH soava
apenas como uma fantasia e@ótica, acaou por penetrar tão fundo
no senso comum das multidões que ho2e a equival'ncia de todas
as religiões em dignidade e valor # um dogma suscrito por toda
a grande mídia mundial, pelos parlamentos, pelas legislações da
quase totalidade dos países e pela maioria das próprias
autoridades religiosas%
*onge de ser um fen6meno espont5neo, essa radical
transformação das crenças coletivas reflete o traalho incessante
dos onipresentes agentes da 3=I, a cu2a interfer'ncia nenhuma
organi"ação socialmente relevante está imune%
 8ão # necessário, portanto, enfati"ar a import5ncia desse
 pro2eto dentro dos planos gloalistas, nem, # claro, # possível
negar o valor do traalho de *ee +enn ao reunir e ordenar 
documentação mais que suficiente para provar a unidade de
inspiração e de estrat#gia por trás de fen6menos que ao
oservador leigo podem parecer dispersos e incone@os%
O resenhista, Charles 3pton, enaltece os m#ritos do livro e
acrescenta(lhe um esclarecimento que, di" ele, 2á havia
transmitido pessoalmente ao autor, com total concord5ncia deste%
O esclarecimento # este> 8ão se deve confundir o
universalismoD paródico da 8ova <ra e da 3=I com o
universalismo high brow da escola dita tradicionalistaD ou
perenialistaD inspirada em =en# Gu#non, Brith2of -chuon,
Ananda % Coomaras;am e seus continuadores%
P verdade% -ão muito diferentes% Com muita anteced'ncia,
o fundador da escola, =en# Gu#non, 2á havia sumetido a
devastadoras análises críticas toda a ideologia ocultistaD que
d#cadas mais tarde viria a constituir a ase doutrinal L se cae o
termo L da 8ova <raD e da 3=I%
Eemro e at# ispo da Igre2a Gnóstica na 2uventude, logo
saiu atirando e não fe" prisioneiros% 8em um pouco mais intactos
'

ficaram o espiritismo de Allan ardec, a teosofia de Eadame


&lavatsKi e mil e um outros movimentos nos quais Gu#non via a
encarnação mesma daquilo que ele chamava pseudo(iniciaçãoD
e contra(iniciaçãoD L a primeira constituindo a imitação
simiesca da espiritualidade, a segunda a sua inversão sat5nica%
 8a verdade o contraste entre o universalismo da 3=I e o
da corrente gu#noniana(schuoniana vai muito al#m da mera
diferença entre low brow e high brow, emora essa diferença se2a
 patente aos olhos de quem os compare%
Ne um lado vemos um pastiche de sincretismos
inconseqQentes reforçados por alguma retórica humanitária
sentimentalóide ou futurista ora progressistaD, ora
conservadoraD, para agradar a todos1 e adornado no má@imo,
aqui e ali, pela adesão superficial de algum escritor da moda,
como Aldous Ju@le e Allan :atts%
No outro lado, construções intelectuais sofisticadas, uma
compreensão profunda e organi"ada dos símolos religiosos e
esot#ricos de todas as tradições, um domínio caal das fontes
reveladas e uma t#cnica comparatista que se apro@ima, em
 precisão, quase que de uma ci'ncia e@ata% +or acr#scimo,
algumas das análises mais consistentes da crise civili"acional do
Ocidente nas suas várias e@pressões> cultural, social, artística etc%
A diferença salta aos olhos de qualquer leitor culto% <m
contraste com a mi@órdia sincretística da 8ova <raD, temos aqui
um universalismo no sentido forte da palavra, uma visão
arangente e ordenante que não somente apreende com e@trema
eficácia os pontos comuns entre as várias cosmovisões
espirituais, mas dá a ra"ão e fundamento da sua diversidade, de
modo que a essa articulação do uno e do m!ltiplo se suordina,
na verdade, toda a história universal das id#ias e das crenças, das
teorias e práticas, numa palavra> tudo o que o ser humano fe" e
 pensou na sua caminhada sore a Ferra% 8ão há praticamente
nada, nenhum fen6meno, nenhum pensamento, nenhum
acontecimento fausto ou infausto, que de algum modo não
encontre alguma e@plicação perenalistaD eficiente e persuasiva,
quando não irrefutavelmente vera"%
No ponto de vista do uscador comum que, proveniente
dos meios revolucionários, modernistas e ateísticos, # alertado
 para a import5ncia dos temas espirituaisD e, após uma ilusão
temporária com a 8ova <raD, se desilude com a sua
superficialidade e sai em usca de alimento mais nutritivo, a

 passagem ao tradicionalismo de Gu#non e -chuon # um u&grade


intelectual formidável, um impacto desaculturante, quase uma
transfiguração interior que repentinamente o isolará do amiente
mental em torno, marcado a um tempo pelo descr#dito das
religiões e pela vulgaridade sem fim do ocultismo onipresente, e
o dei@ará so"inho, face a face com a sua consci'ncia% Cumpre(se
assim, na escala individual, a c#lere profecia emitida por um
 iógrafo an6nimo de =en# Gu#non logo após a morte do mestre>
Chegará o momento em que cada um, so"inho, privado de
todo contato material que possa a2udá(lo em sua resist'ncia
interior, terá de encontrar em si mesmo, e só nele mesmo, o meio
de aderir firmemente, pelo centro de sua e@ist'ncia, ao -enhor de
toda )erdade%D4
=aros, raríssimos são os que chegam a esse ponto L a
maioria vai tomando pelo caminho L, mas, para aquele que
chega, # difícil resistir, então, ao impulso de fa"er contato pessoal
com os círculos gu#nonianos e schuonianos, em usca de alívio,
apoio e orientação% P por esse processo de seleção espont5nea
que se forma a elite intelectualD que, como veremos adiante,
Gu#non tinha em vista no livro Oriente e O$idente, de 49.R%
+ois # evidente que, entre as várias cosmovisões em luta, a
mais arangente, que asorve e e@plica todas as outras, está no
topo% P o cume da consci'ncia de uma #poca, o ne$ &lus ultra da
intelig'ncia e do inteligível%
O que confere ainda mais autoridade ao ensinamento
 perenialista # a afirmação reiterada de seus e@positores, de que
ele não # invenção sua, mas o mero traslado, em linguagem
teórica atual, de revelações imemoriais que remontam a uma
Bonte originária !nica, a Fradição +rimordial% Afirmação
id'ntica, na superfície, $ dos próceres da 8ova <raD, mas agora
fundamentada numa superaund5ncia de provas documentais, de
argumentos racionais, de toda uma ci'ncia organi"ada do
simolismo universal e do comparatismo, da qual nascem tours
de for$e intelectualmente deslumrantes como os !"mboles de la
!$ien$e !a$r1e do próprio =en# Gu#non. e  # Treasur" of 
Traditional isdom, de :hitall 8% +err,S um dos mais pró@imos
colaoradores de B% -chuon nos <3A, monumental colet5nea de
te@tos sacros organi"ados de modo a ilustrar, acima de qualquer 
1
 (. ).* +,uel-ues remar-ues sur loeu/re de René Guénon+* em Études
Traditionnelles * &!e. Année* 1"&1* ns. !"30!"%0!"&* . 32.
!
 Gallimard* 1"'! 4colet5nea 6stuma de artigos so7re o sim7olismo8.
3
 9arer  Ro;* 1"<'* reed. =ons >itae* !222.
<

d!vida ra"oável, a converg'ncia essencial das doutrinas e


símolos das grandes tradições religiosas e espirituais, a Unidade
Trans$endente das Religi2es  como a denominava -chuon no
título de um livro que ningu#m menos que F% -% <liot considerou
o maior feito de todos os tempos no campo da religião
comparada%
Foda semelhança com o universalismoD da 3=I #
enganosa%
<m primeiro lugar, todos os perenialistas, sem e@ceção,
insistem que as doutrinas, símolos e ritos das várias tradições
em particular, malgrado apontem sempre para uma =ealidade
suprema que # a mesma em todos os casos, t'm uma integridade
 própria, não podem ser o2eto de fusão, mescla ou sincretismo%
Ou se2a> não podem sofrer o tipo de operação unificante que,
 precisamente, caracteri"a a 8ova <raD%
<m segundo lugar, nem tudo o que se apresente com o
nome de religião, espiritualidade, esoterismo ou coisa parecida
 pode entrar nessa síntese% &em ao contrário, # comum a todos os
 perenialistas a distinção precisa, rigorosa e at# intolerante entre
Fradição, +seudo(Fradição e Antitradição% &oa parte do material
compactado na 8ova <raD entra nestas duas !ltimas categorias
e, longe de integrar a unidade da fonte primordial, representa a
 paródia ou negação de tudo o que vem dela%
<m terceiro e mais importante lugar, a unidade
transcendente das religiões # mesmo transcendente, não
imanente% As religiões aí estão unificadas apenas &elo to&o, pelo
cume e n!cleo vivo das suas concepções doutrinais, e não pela
variedade irredutível das suas liturgias, dos seus códigos morais e
das suas diferentes viasD de reali"ação espiritual% < onde,
 precisamente, está esse n!cleo e topoT <stá nas suas respectivas
concepções metaf3si$as, que de fato são convergentes, como a
simples colet5nea organi"ada por :hitall +err asta para
demonstrá(lo acima de toda possiilidade de controv#rsia% 8esse
sentido, as religiões e tradições espirituais podem ser vistas, sem
distorção, como adaptações de uma mesma )erdade +rimordial
$s condições histórico(culturais, lingQísticas e psicológicas dos
vários tempos, lugares e civili"ações% Os vários e4oterismos
refletiriam, nas suas diferenças, a unidade de um mesmo
esoterismo  primordial% Os homens que chegaram a apreender 
claramente a unidade desse esoterismo superaram,
intelectivamente, a diferença entre as religiões, mas, como não
são feitos de puro intelecto e t'm ainda uma e@ist'ncia histórico(
"

temporal de pessoas de carne e osso, continuam suordinados


cada um $ sua respectiva tradição religiosa, sem poder fundi(la
ou misturá(la com qualquer outra% O e@emplo clássico # o grande
mestre sufi Eohieddin InU Arai% Afirmando e@plicitamente que
seu coração podia assumir todas as formas L a do br5hmana
hindu, a do raino caalista, a do monge cristão ou qualquer 
outra L(, ele continuava, na sua vida de indivíduo real e concreto,
inteiramente fiel $ mais estrita ortodo@ia isl5mica%
Eas # aí que começam os prolemas%

II

Nesde logo, essa concepção e@ige, ao lado da


diferenciação hori"ontalD entre as várias tradições no tempo e
no espaço, uma distinção verticalD, ou hierárquica, entre as
 partes inferioresD e superioresD de cada uma% As inferioresD,
ou e4ot1ri$as, são historicamente condicionadas e por elas as
tradições de afastam umas das outras at# o ponto da hostilidade
m!tua e da total incompatiilidade% As partes superioresD,
esot1ri$as, refletem a eternidade imutável da )erdade, onde todas
as tradições convergem e se encontram%
Já, em suma, uma religião popular, feita de ritos e normas
de conduta, igual para todos os memros da comunidade, e uma
religião de elite, apenas para as pessoas qualificadasD, que por 
trás dos símolos e das leis podem apreender o sentidoD !ltimo
da revelação% +ela prática dos ritos de agrega67o que os integram
na tradição religiosa e pela oedi'ncia as normas, os homens do
 povo ot'm a salvaçãoD &ost mortem das suas almas% +or meio
de ritos de ini$ia67o, os memros da elite ot'm 89 em vida, e
muito acima da mera salvaçãoD, a realia67o es&iritual   que os
arreata do simples estado individualD de e@ist'ncia para
transfigurá(los na própria =ealidade Vltima, ou Neus%
P om não falar muito dessas coisas perante o p!lico em
geral, que pode escandali"ar(se ante a decifração de um mist#rio
que deve permanecer opaco para a sua própria proteção
espiritual% P em conhecida a história do sufi Eansur Al(Jalla2
0(9..1, que após ter chegado $ !ltima reali"ação espiritualD,
saiu gritando  #na al-/a;D <u sou a )erdadeD1 e foi
decapitado pelas autoridades e@ot#ricas% #l-/a não quer di"er 
somente a verdadeD no sentido gen#rico e astrato% P um dos
noventa e nove 8omes de NeusD impressos no Corão, de modo
12

que a declaração de Al(Jalla2 equivalia literalmente a <u sou


NeusD% No ponto de vista da ortodo@ia esot#rica, isso resultava
em negar o princípio cor5nico da unicidade de Neus, constituindo
um crime que devia ser castigado com a morte% Eais tarde os
 2uristas isl5micos admitiram que afirmações proferidas por sufis
em estado de arreatamento místicoD escapavam $ alçada da
 2ustiça comum e deviam ser aceitas como mist#rios indecifráveis%
 8o sentido e@plícito, legal e oficial, a distinção entre
e@oterismo e esoterismo só e@iste numa !nica tradição> o Islam%
Corresponde $ distição entre shariah e tariat % Ne um lado, a lei
religiosa origatória para todosW de outro, a viaD espiritual, de
livre escolha, só para as pessoas interessadas e dotadas% A
aplicação dessa distinção a todas as outras tradições # meramente
sugestiva ou analógica L uma figura de linguagem e não um
conceito descritivo apropriado% Com isso o edifício inteiro do
perenialismoD começa a alançar um pouco%
<@istem, por e@emplo, e@oterismo e esoterismo na tradição
hindu, 2ustamente aquela de cu2o vocaulário =en# Gu#non se
serve mais freqQentemente, por 2ulgar que o hinduismo alcançou
clare"a má@ima na e@posição da doutrina metafísicaT
<videntemente não% A distinção de castas # algo de
completamente diverso% +rimeiro, porque o ingresso na casta
superior não # de livre escolha> o su2eito nasce shudra, vaishia,
+shat"ia ou br5hmana e assim permanece para sempre% -egundo,
 porque acidentalmente memros das castas inferiores podem
alcançar os mais altos níveis de reali"ação espiritual sem mudar 
de casta% Ferceiro, porque os ritos da casta superior, ou
br5hmana, nada t'm de secreto ou discreto> qualquer "#(man#
 pode conhec'(los, só não tem a autori"ação de praticá(los%
<@iste um esoterismo cristãoDT A coisa, aí, complica(se
formidavelmente% <@istiram, aqui e ali, organi"ações esot#ricas
que se professavam cristãs e que, por meio de ritos especiais,
diferentes dos sacramentos da Igre2a, transmitem iniciações% A
Companheiragem, os  Fedeli d#more, a Eaçonaria e a Ordem
Femplária são e@emplos% Eais modernamente, in!meros
ocultistas, como Eadame &lavatsKi, =udolf -teiner e Georges
Ivanovich Gurd2ieff apresentaram seus ensinamentos como
modalidades de esoterismo cristão%
Eas restam alguns fatos que astam para dar por terra com
essas pretensões%
11

Nesde logo, não há traços de nenhuma organi"ação


esot#rica cristã nos primeiros de" s#culos da Igre2a% <m segundo
lugar, o próprio 8osso -enhor Mesus Cristo afirmou
ta@ativamente> 8ada ensinei em segredo%D Eesmo -uas
 paráolas, cu2o sentido não era imediatamente evidente a todos,
eram ditas em p!lico, não a um círculo reservado% Como #
 possível então que o n!cleo do ensinamento do -alvador fosse
conservado em segredo durante de" L ou vinte L s#culosT
<m contraste, no Islam a diferença de e@oterismo e
esoterismo aparece nitidamente desde o primeiro momento% Ao
ver um grupo de companheiros do +rofeta praticando certos ritos
estranhos, diferentes das cinco preces diárias, os fi#is foram
 perguntar a ele de que se tratava% <le e@plicou que eram devoções
voluntárias, meritórias mas não origatórias% <sse foi o primeiro
sinal da e@ist'ncia do tasawwuf  ou sufismoD, o esoterismo
isl5mico%R
<m terceiro lugar, e mais decisivo> os sacramentos da
Igre2a não são meros ritos de agregaçãoD% -ão iniciáticos de
 pleno direito% 8ão dão acesso somente $ comunidade de fi#is L 
ou $ sua egr#goraD ou consci'ncia coletiva L, mas, Deo 8uvante,
ao conhecimento mais íntimo da =ealidade -uprema a que um
ser humano pode aspirar% 8ão sou mais eu que e@istoD, di" o
Apóstolo, # Cristo que e@iste em mimD%
Moão +aulo II, no seu <ate$ismo, declara e@plicitamente
que os sacramentos são os passos da iniciação cristãD, e não #
conceível que, num te@to tão formalmente doutrinário, usasse o
termo como mera figura de linguagem%
O +e% Muan Gon"ále" Arintero, em dois livros memoráveis
que provavelmente constituem o cume da literatura mística no
s#culo HH, demonstra com aund5ncia de argumentos e
e@emplos que a via dos sacramentos foi aerta 2ustamente para
dar a todos, sem e@ceção, o acesso aos mais altos patamares da
reali"ação espiritual%0 A distinção de e@ot#ricos e esot#ricos só
serve aí como uma nomenclatura convencional para designar o
diferente aproveitamento espiritual otido por este ou aquele

%
 Outras modalidades de esoterismo isl5mico desen/ol/eram0se mais
tarde* esecialmente na ?érsia* mas não /m ao caso. >. 9enr@ )or7in*
En Islam Iranien.
&
La Evolución Mística en el Desenvolvimiento y Vitalidad de la Iglesia*
alamanca* =ides* 1"%2* /Brias reediçCes ela D.A.)* adrid* a artir de
1"&!* e Cuestiones Misticas, o Sea, Las Alturas de la Contemlación
 Accesi!les a Todos* adrid* D.A.).* 1"&'.
1!

indivíduo conforme suas aptidões, seu empenho e os movimentos


da Graça divina%
Fodos os cristãos que receeram os sacramentos são,
 portanto, iniciados, no sentido estrito que o perenialismo dá a
essa palavra% A diferença entre os vários resultados espirituais
otidos pode ser e@plicada por um conceito desenvolvido pelo
 próprio =en# Gu#non, o de ini$ia67o virtual % 8em todos os ritos
de iniciação produ"em imediatamente os resultados espirituais
que lhes correspondem% <sses efeitos podem permanecer retidos
 por muito tempo at# que algum fator e@terno L ou a evolução do
 próprio recipiente L os convoque $ plena manifestação%
+ara complicar um pouco mais as coisas, o próprio B%
-chuon reconheceu que os sacramentos cristãos tinham alcance
iniciático% +ara voc's avaliarem o quanto essa questão #
espinhosa para a escola perenialista, asta lemrar que, pulicada
a opinião de -chuon a respeito, Gu#non reagiu com indignação e
f!ria, chegando a romper relações com o seu discípulo e
continuador%X
Gu#non continuou teimando que os sacramentos cristãos
eram apenas ritos de agregação e que aut'nticas iniciações só
e@istiram em determinadas organi"ações secretas ou discretas,
como a Companheiragem ou a Eaçonaria% +ara sustentar essa
tese, inventou uma das hipóteses históricas mais artificiosas que
algu#m 2á viu> o cristianismo teria surgido inicialmente como um
esoterismo, mas, em vista da decad'ncia geral da religião greco(
romana, teria sido forçado e4 &ost fa$to a populari"ar(se,
acaando por redu"ir(se a um e@oterismo% 8ão há asolutamente
nenhum sinal de que isso 2amais tenha acontecido% &em ao
contrário, Mesus falou aertamente $s multidões desde o início da
sua pregação, e os sacramentos não sofreram nenhuma mudança
sustancial de forma ou conte!do ao longo dos tempos%
7uaisquer que possam ter sido os seus erros em outros domínios,
nesse ponto -chuon estava com a ra"ão%
P tam#m só como figura de linguagem que a distinção de
e@oterismo e esoterismo L ou de ritos de agregação e de iniciação
 L pode se aplicar ao 2udaísmo, 2á que os cultores de mist#rios
caalísticos ali não são outros senão os próprios sacerdotes do
culto oficial%

'
 >.* entre outros* Fimot$@ cott* René Guénon and t$e ,uestion oH
Initiation* So"ia# T"e $ournal o% Traditional Studies * !22<* reroduzido
em $tt:JJtimot$@scott.com.auJAssetsJdHsJGuenonKinitiation.dH .
13

Fão inapropriada # a aplicação dessa dupla de conceitos ao


território e@tra(isl5mico, que memros da própria escola
 perenianista acaaram tendo de reconhecer a e@ist'ncia de
iniciações e@o(esot#ricasD e at# e@ot#ricasD ao lado das
 propriamente esot#ricasD,Y o que 2á asta para mostrar que esses
conceitos servem para pouca coisa%
A falta de argumentos ra"oáveis e a reação
desproporcional de Gu#non ante o que poderia ter se limitado a
uma discussão entre amigos sugerem que nesse episódio ele
 podia estar escondendo alguma coisa% 8ão podendo falar claro,
apelou a uma hipótese asurda e tentou redu"ir o interlocutor ao
sil'ncio mediante uma e@iição de autoridade, que -chuon
educadamente re2eitou%
7ual a ra"ão pela qual Gu#non teria escolhido enquadrar $
força todas as tradições numa dupla de conceitos que não se
aplicava apropriadamente a nenhuma delas e@ceto o islamismo
em particularT +or que esse homem, tão criterioso em tudo o
mais, se permitiu tamanha aritrariedade, colocando(se assim
numa posição vulnerável que se viu posta em risco tão logo
-chuon levantou a questão das iniciações sacramentaisT 7uase
com certe"a teve, para fa"'(lo, motivos que, ao menos naquele
momento, não podiam ser discutidos aertamente%
Eas antes mesmo de esclarecer esse ponto # preciso
levantar uma outra questão%

III

7ue as tradições materialmente diferentes convergem na


direção de um mesmo con2unto de princípios metafísicos # algo
que não se pode mais colocar seriamente em d!vida% A tese da
Unidade Trans$endente das Religi2es # vitoriosa so todos os
aspectos%
-ó há um detalhe> 7ue # propriamente uma metafísicaT
 8ão uso o termo como denominação de uma disciplina
acad'mica mas no sentido muito especial e preciso que tem nas
oras de Gu#non e -chuon% 7ue # uma metafísicaT P a estrutura
da realidade universal, que desce desde o +rimeiro +rincípio
infinito e eterno at# os seus inumeráveis refle@os no mundo


&indings * . !<&.
1%

manifestado, atrav#s de uma s#rie de níveis ou planos de


e@ist'ncia%
O fato de que ela se2a essencialmente a mesma em todas as
tradições indica que e@iste uma &er$e&67o normal da estrutura
b9si$a da realidade, comum a todos os homens de qualquer 
#poca ou cultura%
<ssa percepção e@ige uma consci'ncia clara ou ao menos
um pressentimento da escalaridade do real, isto #, das distinções
entre diferentes planos ou níveis de realidade, desde os o2etos
sensíveis da percepção imediata at# a =ealidade !ltima, o
+rincípio asoluto, eterno, imutável e infinito, passando por uma
s#rie de graus intermediários> histórico, terrestre, cósmico,
ang#lico etc%
A perfeita sumissão da su2etividade humana a essa
estrutura está suentendida em todas as tradições como uma
$onditio sine ua non da vida religiosa e, mais ainda, da
reali"ação espiritual% -ua negação, mutilação ou alteração # a rai"
de todos os erros e desvarios da humanidade%
P por isso que B% -chuon propõe uma distinção entre
heresia essen$ial e heresia a$idental % A palavra heresiaD vem de
uma rai" grega que tem as acepções de escolherD e decidirD%
3m heresiarca # algu#m que, por vontade própria, escolhe da
verdade total as partes que lhe interessam e ignora as demais%
 /eresia a$idental , segundo -chuon, # a negação,
mutilação ou alteração dos c5nones de uma tradição em
 particular, como por e@emplo o monofisismo na Cristandade a
teoria de que Mesus tinha só a nature"a divina, não a humana1 ou
o asso$ia$ionismo no Islam associar Neus a outros seres1%
 /eresia essen$ial   # a negação, mutilação ou alteração da
 própria estrutura da realidade L um erro, portanto, que seria
condenado não apenas por esta ou aquela tradição em particular,
mas por todas elas% O materialismo ou o relativismo, por 
e@emplo%
Fudo isso está muito em, mas há um prolema lógico% -e
a metafísica # comum a todas as tradições, como pode ser o topo
e a suprema perfeição de cada uma delasT +or definição, a
 perfeição de uma esp#cie não pode estar no seu g'nero> tem de
estar na sua diferença específica% A perfeição do leão e da pulga
não pode residir no simples fato de que amos são animais%
1&

P admissível que, na escalada iniciática do indivíduo, a


chegada $ =ealidade -uprema, que o eleva acima do seu estado
individual e o asorve no próprio -er da divindade, # a
culminação dos seus esforços% <la corresponderia tam#m,
segundo o perenialismo, ao momento em que as diferenças entre
as tradições espirituais são definitivamente transcendidas, sem
dei@ar de continuar valendo para a e@ist'ncia empírica do
iniciado no plano terrestre% P Eohieddin In ZArai sendo
cristão, "oroastriano ou 2udeu por dentroD sem dei@ar de ser 
ortodo@amente muçulmano por foraD%
Eas, por isso mesmo, a metafísica só pode ser a
culminação das tradições enquanto tais se aceitarmos uma
indistinção entre a ordem do !er  e a ordem do $onhe$er , que,
segundo ensinava Aristóteles, são inversas% O topo da escalada
iniciática não pode ser, ao mesmo tempo, a culminação das
religiões porque, sendo comum a todas elas, # apenas o g'nero a
que pertencem e não a suprema perfeição específica de cada uma%
Eais ra"oável seria supor que a Fradição primordial # a
base comum não só a todas as tradições espirituais, mas a todas
as culturas e, no fim das contas, ao n!cleo de intelig'ncia sã
 presente em todos os seres humanos% +artindo dessa ase, ou
origem, as várias tradições se desenvolvem em direções
diferentes, cada uma uscando refletir mais perfeitamente o
+rincípio asoluto e dar aos homens os meios de retornar a <le%
 8esse sentido, a culminação de cada tradição não # o +rincípio
em si, mas o sucesso que ot#m na operação de retorno% < não há
 por que supor que, das várias esp#cies, todas e@pressem
igualmente em a perfeição do g'nero> as pulgas e os leões são
igualmente animais, mas nem por isso a pulga e@pressa a
 perfeição da animalidade tão em quanto o leão, para nada di"er 
do ser humano%
-chuon afirma que a pretensão de cada religião de ser 
melhorD que as outras só se 2ustifica pelo fato de que todas elas
são legítimasD, isto #, refletem a seu modo a Fradição
+rimordial, mas que vistas na escala da eternidade e do asoluto,
essa pretensão se revela ilusória%  8o entanto, se a perfeição de
uma esp#cie não pode residir apenas no seu g'nero, e sim na sua
diferença específica, não há nenhum motivo para dar por provado
que todas as esp#cies representem por igual a perfeição do
g'nero% Fodas as religiões remetem a uma Fradição +rimordial,
<
 Lidée du MmeilleurN dans lordre conHessionnel* Etudes Traditionnelles*
1"<1* /ol. <!* n o %1* . 301!.
1'

O, mas todas a representam igualmente emT A pergunta #


inteiramente legítima, e em parte alguma a escola perenialista lhe
ofereceu L ou tentou oferecer L uma resposta aceitável% 8a
verdade, nem colocou a pergunta% -erá que at# nessas altas
esferas encontraremos o fen6meno da  &roibi67o de &erguntar ,
que <ric )oegelin discerniu nas ideologias de massaT
1

I)

A geração da <scola Fradicionalista reunida em torno de


Brith2of -chuon L escreve Charles 3pton L apresentou e revelou
as religiões em suas ess'ncias celestiais, sub s&e$ie =ternitatis%D9
-e as ess'ncias celestiais das religiões são
sustancialmente a mesma, a diferença entre elas # puramente
terrestre e contingente, as formas particulares de cada uma nada
tendo de sagrado em si mesmas sem a seiva que receem da
Fradição +rimordial> só esta, a =eligio +erennis,4/ # verdadeira
em sentido estrito% As demais são símolos ou apar'ncias
imperfeitas de que ela se reveste nas suas várias encarnações
terrestres%
Eas L prossegue o mesmo 3pton L essas revelações são
consideradas ramos da Fradição +rimordial, mas esta Fradição
não # presentemente vigente enquanto sistema religiosoW não #
uma religião que possa ser praticada% Os !nicos caminhos
espirituais viáveis e@istem so a forma L ou dentro L das
 presentes revelações viventes> Jinduísmo, [oroastrismo,
&udismo, Mudaísmo, Cristianismo e Islam%D 44
Eas esses caminhos levam somente $ salvaçãoD numa
vida &ost mortem% +ara suir um pouco mais alto 2á na vida
 presente # preciso, sem aandoná(los, filiar(se a uma organi"ação
esot#rica e praticar, al#m dos ritos e mandamentos da religião
 popular, alguns ritos e mandamentos especiais, de caráter
iniciático%
Nito de outro modo, a religião popular # um atestado de
qualificação e@igido do postulante na entrada do caminho
iniciático% +ara o muçulmano, isso não # um grande prolema%
<mora tenham uma e@ist'ncia $ parte, as tariqas turu, em
árae1 são em geral reconhecidas como legítimas pela religião
oficial, de modo que o fiel interessado pode transitar livremente
entre os dois tipos de práticas%
+ara o hindu, tam#m não # prolema> ainda que
ine@istindo propriamente um esoterismo hindu, o hinduísmo
aceita e asorve todas as práticas de outras religiões, de modo
que L descontados os conflitos políticos entre hinduístas e
"
 Findings, p% .R%
12
 <les usam o termo numa acepção diferente da que tem para os católicos%
11
 Id %, p% .9R%
1<

muçulmanos L nada impede que um hindu se filie a uma tariqa, $


Eaçonaria, a uma Fríade chinesa ou a qualquer outra organi"ação
esot#rica sem mudar de estatuto na sua sociedade de origem%
 8o caso de um católico, por#m, a coisa se complica%
-egundo Gu#non, todas as organi"ações iniciáticas cristãs foram
desaparecendo depois da Idade E#dia, dei@ando os pores fi#is
limitados a um e@oterismo espiritualmente capenga% -oraram só
uns resíduos de organi"ações e@tintas e%%% a Eaçonaria%
Acontece que uma sentença do +apa Clemente HII, em
4YS, condenou $ e@comunhão automática todo fiel católico que
se filiasse $ Eaçonaria ou a qualquer outra sociedade secreta1% A
decisão foi reforçada pelo +apa *eão HIII em 49/ e formali"ada
 pelo <>digo de Direito <an?ni$o de 494Y% O novo Código do
+apa Moão +aulo II, em 49S, falava somente em sociedades
secretasD, sem mencionar nominalmente a Eaçonaria, o que por
 reves instantes deu a impressão de que a e@comunhão fora
suspensa, at# que a Congregação para a Noutrina da B#, em
novemro daquele mesmo ano, esclareceu que não era nada
disso, que a proiição de ingressar na Eaçonaria continuava em
vigor%
Isto #, o fiel católico que lesse =en# Gu#non e acreditasse
nele, vendo na perda da dimensão iniciática a rai" de todos os
males do mundo moderno, era espremido contra a parede pela
opção entre desistir de ve" do esoterismo, contentando(se com
um e@oterismo cada ve" mais redu"ido a um moralismo e@terior,
e aceitando portanto ser c!mplice da degradação espiritual
moderna, ou então uscar uma iniciação maç6nica e ser
e@comungado, isto #, perder a filiação e@ot#rica que, segundo o
mesmo Gu#non, era a $onditio sine ua non do ingresso no
esoterismo%
O conflito não era somente de ordem legal% <mora tivesse
origem remota em organi"ações esot#ricas professadamente
cristãs, a Eaçonaria tinha se tornado, em várias partes do mundo,
uma força ostensivamente e violentamente anticatólica,
incentivando perseguições e matanças de católicos,
 principalmente na Brança durante a =evolução e depois de novo
no princípio do s#culo HH1,4. no E#@ico onde isso provocou a
1!
 )% Mean Numont, (a R1volution Fran6aise ou (es 'rodiges du !a$ril@ge,
+aris, Crit#rion, 499SW Mean -#villia, Quand les <atholiues Ataient /ors la
 (oi, +aris, +errin, .//XW Brancis Clement elle, Blood-Dren$hed #ltars: #
<atholi$ <ommentar" on the /istor" of %e4i$o, Fan &ooKs, 499W =oert
=oal, <atholi$ %art"rs of the Twentieth <entur", Fhe Crossroad
1"

guerra dos <risteros1 e na <spanha, onde, com a mal disfarçada


coniv'ncia do governo repulicano maç6nico, padres e fi#is
foram mortos a granel e muitas igre2as destruídas antes mesmo
da eclosão da Guerra Civil%
7uer di"er> o católico que se filiasse $ Eaçonaria não
apenas incorria em e@comunhão automática, mas se tornava um
traidor de seus correligionários assassinados%
Gu#nonianos católicos como Mean Fourniac fi"eram o
diao para provar que as doutrinas maç6nicas eram compatíveis
com o catolicismo, mas, # claro, isso ficou na teoria% 4S
Conversações entre líderes católicos e maçons em usca de um
acordo não deram em nada% A e@comunhão continuava em vigor,
e o risco moral continuava altíssimo%
A partir dos anos X/, quando esses prolemas começaram
a tornar(se o2eto de discussão mais aerta nos círculos de
interessados em tradicionalismo, o grupo perenialista começou a
sugerir ao católico encurralado as seguintes soluções possíveis>
4% *argue tudo e converta(se ao Islam%
.% &usque arigo na Igre2a Ortodo@a =ussa, onde ainda há
um resíduo de esoterismo e cu2os sacramentos, no fim das contas,
são aceitos como válidos pela Igre2a Católica%
S% Bilie(se $ tariqa multiconfessional de B% -chuon, onde
voc' poderá praticar ritos iniciáticos isl5micos sem conversão
formal e mantendo(se a uma prudente dist5ncia dos muçulmanos
e@ot#ricos%
A primeira opção era com certe"a a mais traumática%
Afinal, o próprio -chuon tinha escrito que mudar de religião não
# como mudar de país> # como mudar de planetaD%4R
A segunda era mais confortável, mas esarrava num
ostáculo que 2amais vi algum autor perenialista sequer
mencionar> a Igre2a Ortodo@a =ussa estava infestada de agentes
da G&, sendo quase impossível ao rec#m(chegado orientar(se
naquela selva selvaggia de conspirações e fingimentos% 8ão por
coincid'ncia, a G& estava, naquele mesmo momento,
+ulishing Compan, .//XW -antiago Eata, /olo$austo <atoli$o: (os
 %artires de la Guerra <ivil , Eadrid, *a <sfera de los *iros, ./4S%
13
 )% 'ro&os sur Ren1 Gu1non, +aris, Nerv, 49YS%
1%
 <ntre duas mudanças de casa, minha ilioteca está toda guardada num
depósito, de modo que farei algumas citações de memória% Agradeço
eventuais correções%
!2

organi"ando e treinando organi"ações terroristas isl5micas para a


guerra contra o Ocidente cristão%40
-orava a terceira, a mais fácil e natural% A tariqa de
-chuon estava, de fato, repleta de memros de origem católica L
a começar pelo próprio -chuon e por alguns de seus
colaoradores mais pró@imos, como Eartin *ings, Fitus
&urcKhardt e =ama +% Coomaras;am, dos quais os dois
 primeiros converteram(se ao Islam, o terceiro continuou católico
ao menos em p!lico, sem dei@ar de prestar ao shei+h o voto
regulamentar de oedi'ncia total e@igido nas tariqas%4X
 8as almas daqueles que permaneciam católicos L e4
 &rofesso ou de coração apenas L, reali"ava(se assim, em escala
microscópica, o plano que, desde 49.R, =en# Gu#non traçara
 para o Ocidente inteiro%

Após descrever com as cores somrias de um genuíno


Apocalipse a degradação espiritual da civili"ação no Ocidente,
atriuindo(a $ perda das verdadeira metafísicaD e das ligações
entre a Igre2a Católica e a Fradição +rimordial ligações que só
 poderiam ter sido mantidas por interm#dio das organi"ações
iniciáticas1,4Y =en# Gu#non prev' tr's desenvolvimentos
 possíveis do estado de coisas no Ocidente>4
4% A queda definitiva na arárie%
.% A restauração da tradição católica, so a orientação
discreta de mestres espirituais isl5micos%

1&
 )% Ion Eihai +acepa, Disinformation: Former !&" <hief Reveals !e$ret
!trategies for Undermining Freedom, #tta$+ing Religion, and 'romoting
Terrorism, :8N ooKs, ./4S há tradução rasileira1%
1'
 -chuon regulava at# o estilo de moiliário permitido nas casas de seus
discípulos e o n!mero de cigarros que eles poderiam fumar por dia ele
 próprio dava uma fumadinha de ve" em quando, em contraste com o
taagismo vora" de =en# Gu#non1%
1
 Nas igre2as protestantes Gu#non nem fala, pois tinha todas na conta de
desvios antitradicionais% -chuon, mais tarde, atenuaria esse diagnóstico sem
impugná(lo formalmente%
1<
 )% Orient et O$$ident , +aris, )#ga, 49.R%
!1

S% A islami"ação total, se2a por meio da infiltração e da


 propaganda, se2a por meio da ocupação militar%
<ssas tr's opções redu"iam(se, no fundo, a duas> ou o
mergulho na arárie ou a su2eição ao Islam, se2a discreta, se2a
ostensiva%
A eclosão da II Guerra Eundial pareceu mostrar que o
Ocidente preferira a primeira opção, sendo um detalhe ir6nico o
fato de que importantes autoridades religiosas isl5micas deram
apoio total ao FChrer , especialmente na questão do e@termínio
dos 2udeus%49 Coincid'ncia macara ou profecia auto(reali"ávelT
 8ão sei%
Após a Guerra, a colaoração íntima entre governos
isl5micos e regimes comunistas no esforço anti(Ocidental
con2unto veio a se tornar tão notória que nem # preciso insistir
nesse ponto% 8ão dei@a de ser oportuno lemrar que ho2e em dia
a esquerda mundial empenhada em corromper o Ocidente at#
fa"'(lo federD, como preconi"ava Andr# &reton, # a mesma que
apóia ostensivamente a ocupação muçulmana do Ocidente pela
imigração em massa, em como oicota por todos os meios
qualquer esforço s#rio de comate ao terrorismo isl5mico, de
modo que há entre os dois locos como que um acordo leninista
de fomentar a corrupção e denunciá(laD% 8ovamente cae a
mesma pergunta do parágrafo anterior, com a mesma resposta%
+ara o aspirante de origem católica, tudo o que a tariqa
oferecia era a escolha entre tornar(se muçulmano ou ser católico
so orientação muçulmana% A mesma escolha que Gu#non
oferecia a todo o mundo Ocidental%
Creio que com isso fica mais clara a intenção de Gu#non
ao espremer todas as religiões, especialmente a cristã, no molde
forçado de um conceito descritivo isl5mico, a distinção
e@oterismo(esoterismo% Ne fato, como dominar toda uma
civili"ação sem enquadrá(la primeiro no sistema de coordenadas
intelectuais da civili"ação dominadora, onde ela dei@ará de ser
uma totalidade aut6noma para se tornar parte de um mapa
arangenteT Fam#m # óvio que não astava fa"er isso em
teoria> era preciso conquistar para essa nova visão das coisas os
elementos mais valiosos, mais ativos intelectualmente, da elite da
civili"ação(alvo% -ó quando esta começasse a se compreender a

1"
)% &arr =uin, .ais, Islamists, and the %a+ing of the %odern %iddle
 ast , \ale 3niversit +ress, ./4R, e Navid Eotadel,  Islam and .ai
German"s ar , &elKnap +ress, ./4R%
!!

si mesma nos termos do dominador, em ve" dos seus próprios,


ela estaria madura para aceitar, sem maiores reações, uma
operação mais vasta de ocupação cultural% Fanto mais que a
redução do cristianismo ao in6mio e@oterismo(esoterismo,
acompanhada do diagnóstico somrio da perda da dimensão
esot#rica, culminava ine@oravelmente na conclusão de que a
restauração da cristandadeD, das suas cone@ões com a Fradição
+rimordial e portanto das dimensões mais altas da sua
espiritualidade, só poderia reali"ar(se so a direção de um
esoterismo viventeD, isto #, do sufismo% +ara usar os termos do
 próprio Gu#non, era preciso sumeter o Ocidente $ autoridade
espiritualD do Islam antes de sumet'(lo ao seu poder
temporalD%
A teoria de -chuon, segundo a qual os sacramentos
cristãos conservavam o seu poder iniciático, parecia atenuar um
 pouco a força do argumento islami"ante, mas na verdade não o
fa"ia de maneira alguma% -em a devida instrução espiritual, que
só um esoterismo viventeD poderia lhe oferecer, o portador de
uma iniciação virtualD permanecia inconsciente de t'(la
receido e não apenas ficava paralisado no meio da escalada
iniciática, mas se arriscava, com isso, a sofrer toda sorte de
dist!rios espirituais e psíquicos% -ó a espiritualidade sufi L
encarnada, neste caso, na pessoa de B% -chuon L poderia salvar os
católicos de si mesmos%
A islami"ação do Ocidente L discreta ou ostensiva, pacífica
ou violenta L # o o2etivo central e, na verdade, !nico, de toda a
ora de =en# Gu#non% <la inteira converge para essa meta, não
como uma mera conclusão lógica, mas como uma esp#cie de
!nica saída $ qual o leitor L e, idealmente, o Ocidente inteiro L
vai sendo levado, entre os muros de uma construção lairíntica,
 por um senso de fatalidade ine@orável% <@cluído esse o2etivo,
ela não passaria de um con2unto de especulações teóricas sem
finalidade, um edifício de elas possiilidades espirituais
irreali"áveis, coisa que ele sempre negou que ela pudesse ser%
-e fosse preciso uma confissão e@plícita para confirmá(lo,
 astaria lemrar que, 2ustamente no momento em que B% -chuon
voltava da Arg#lia com o título de shei+h, alardeando sua
intenção de islami"ar a <uropaD  si$1, Gu#non declarava que a
fundação da tariqa de -chuon em *ausanne, -uíça, era o primeiro
e !nico fruto produ"ido pelo seu esforço de d#cadas%
!3

)I

O que pode tornar esse o2etivo neuloso ou at# invisível


aos olhos do p!lico são dois fatores>
 +rimeiro> Gu#non afirma reiteradamente seu total
despre"o por qualquer atividade, corrente ou ideologia política,
assegurando que seus interesses nada t'm a ver com a luta pelo
 poder e se voltam e@clusivamente $ esfera do espiritual e do
eterno% Isso parece colocá(lo, aos olhos de muitos,
incomparavelmente acima da atual disputa entre os países
isl5micos e o Ocidente%
<sse modo de ver não # propriamente falso, # apenas
va"io% P óvio que Gu#non não está disputando poder político%
<stá disputando algo que está infinitamente acima disso e do
qual, segundo ele mesmo e@plica, o poder político não # senão
um refle@o secundário, quase despre"ível> está disputando
autoridade espiritual% <stá disputando(a com a Igre2a Católica,
colocando(se muito acima dela e pretendendo orientá(la desde as
alturas sulimes da espiritualidade sufi não necessariamente em
 pessoa, # claro1%
<le # muito e@plícito quanto a esse ponto% A Igre2a
Católica, em algum ponto da sua história, di" ele, perdeu contato
com a Fradição +rimordial e 2á não tem sequer uma compreensão
das partes superioresD da metafísica> det#m(se na pura
ontologia, ou teoria do -er, sem penetrar nos mist#rios supremos
do 8ão(-er -chuon prefere di"er -upra(-erD1%
Má me e@pliquei em outras ocasiões quanto ao que me
 parece ser a asurdidade intrínseca da doutrina do 8ão(-er, e não
vou voltar a esse assunto aqui% O que interessa no momento #
salientar que, segundo Gu#non, o catolicismo, a partir dessa
mutilação inicial, veio decaindo acentuadamente at# redu"ir(se a
uma mera devoção sentimental para as massas%
Como só quem pode reergu'(la desse aismo # quem ainda
 possua a cone@ão originária com a Fradição +rimordial, #
evidente que a salvação da Igre2a e, atrav#s dela, de todo o
Ocidente, só pode vir de fora% Ne onde, precisamenteT
No udismo não pode ser, 2á que Gu#non nem mesmo o
considera uma tradição inteiramente válida%
No hinduísmo tam#m não, porque não pode ser praticado
fora da ]ndia nem por quem não se2a de nacionalidade indiana%
!%

Fudo o que o hinduísmo pode fornecer # uma compreensão mais


aprofundada da doutrina metafísica L e de fato Gu#non recorre
aundantemente aos te@tos hindus para isso L, mas a mera
compreensão teórica, sendo indispensável, nem de longe pode
fornecer por si mesma a aut'ntica reali"ação metafísicaD%
No 2udaísmo, menos ainda, pois seria inconceível que a
Igre2a, tendo nascido dele, voltasse ao ventre materno sem
anular(se i&so fa$to e cessar de e@istir%
Na EaçonariaT Impossível, não só por causa das
incompatiilidades acima apontadas e 2amais vencidas, mas
 porque, segundo Gu#non, as iniciações maç6nicas são apenas de
+equenos Eist#riosD, segredos do cosmos e da sociedade que
nem de longe tocam as alturas da suprema reali"ação metafísica,
os Grandes Eist#riosD%
Ne ostáculo em ostáculo L não # preciso e@aminar todas
as alternativas L, a conclusão ine@orável # que o lairinto de
impossiilidades só tem uma saída> o catolicismo só pode ser
devolvido $ sua integridade originária se consentir em sumeter(
se ao guiamento de mestres isl5micos% Ou isso, ou a ocupação do
Ocidente pelos muçulmanos% Tertium non datur %
7ue, en &assant , Gu#non e seus continuadores tenham
feito várias contriuições valiosas at# mesmo $ compreensão do
catolicismo pelos próprios intelectuais católicos, especialmente
no que concerne ao simolismo e $ arte sacra, # coisa que
ningu#m em seu 2uí"o perfeito poderia negar %./
Eas, tam#m aí, nada a estranhar% 7ue autoridade poderia
um mestre sufi pretender e@ercer sore os católicos se, pelo
menos em alguns pontos seletos, não provasse compreender a sua
religião melhor do que eles mesmosT.4
Os artigos católicosD de Gu#non pulicados na revista
 Regnabit  entre 49.0 e 49.Y não provam, nem mesmo sugerem,
que ele tivesse aceitado a independ'ncia e muito menos a
superioridade do catolicismo em relação ao Islam% +rova apenas
!2
 Nestaquei algumas dessas contriuições no ensaio Arte sacra e estupide"
 profanaD, em # Filosofia e !eu Inverso e Outros studos, Campinas, )ide
<ditorial, ./4., pp% .S4 ss%
!1
 Fam#m # certo que qualquer cristão inteligente, católico ou não, pode
tirar proveito desses ensinamentos sem aderir ao pro2eto gu#noniano, mas
como recusar adesão sem saer ou querer saer que o pro2eto e@isteT Fodo
idiota !til # idiota e !til na medida mesma em que nega a e@ist'ncia daquele
que o utili"a%
!&

que, nesse período, ele ainda acreditava na possiilidade de


dirigir o curso das coisas na Igre2a Católica por meio da
 persuasão gentil e da infiltração%.. -ua partida para o <gito, em
49S/, com a firme decisão de não mais voltar e de só se
comunicar com o seu p!lico daí por diante por meio da revista
 Atudes Traditionelles, assinala o momento em ele perde essa
esperança e, integrando(se cada ve" mais nos meios esot#ricos
egípcios at# mesmo casando(se com a filha do prestigioso
 shei+h <lish <l(eir1, passa a ola de volta $s autoridades
isl5micas que de longe haviam orientado suas ações no quadro
europeu% Como as coisas evoluíram desde esse ponto at# a
adoção da política de terrorismo e ocupação pela imigraçãoD
coisa que, # claro, 2amais aconteceria sem o eneplácito das
autoridades espirituais isl5micas1, # uma história que ignoramos e
que só poderá ser contada, talve", daqui a várias d#cadas% O que #
asolutamente certo # que Gu#non, desde o início da sua
atividade p!lica, declarou não falar em seu nome próprio mas
seguir estritamente a orientação de representantes qualificados
das tradições orientaisD, entre os quais, sae(se ho2e,
 principalmente o próprio shei+h <l(eir% P uma oagem
descomunal di"er que Gu#non se converteu ao IslamD em 49S/%
<le 2á era memro regular de uma taria pelo menos desde os
vinte e um anos, o que asta para mostrar que foi longamente
 preparado para a missão dificílima que iria desempenhar%

)II

O segundo fator que dificulta a percepção da identidade de


Gu#non como agente isl5mico # o próprio impacto da ora dele
sore os seus discípulos% 7ualificada como o mais deslumrante
milagre intelectual da nossa #pocaD,.S essa ora lança tantas lu"es
imprevistas sore o fen6meno religioso e sore a decad'ncia
espiritual do Ocidente, e # tão grande o seu contraste com todo o
!!
 A presença de =ama +% Coomaras;am filho de Ananda1 como professor 
num seminário católico prova que ainda nos anos / do s#culo HH B%
-chuon acreditava nessa possiilidade, 2á aandonada por Gu#non meio
s#culo antes% O dr% Comaras;am, conhecido como teólogo católico e
 rilhante defensor do catolicismo tradicional tive o pra"er de v'(lo redu"ir
a pó o +e% Gutierre", prócer da teologia da liertaçãoD, num deate em
*ima, +eru1, era mais que um memro comum da taria> era o raço direito
de -chuon%
!3
 Eichel )als5n%
!'

 pensamento moderno ateu ou cristão, que se torna quase


irresistível a tentação de encará(la realmente como um milagre,
uma intervenção divina no curso da Jistória% -eed Jossein
 8asr, em no;ledge and the -acred,.R não hesita em apresentar
toda a história intelectual do Ocidente como se fosse uma longa,
tateante e semicega preparação para o advento das lu"es
gu#nonianas% )ista desse modo, a ora de Gu#non parece uma
mensagem supra(histórica vinda da aurora dos tempos, da própria
Fradição +rimordial e não de um shei+h egípcio contempor5neo%
O dese2o de apagar suas raí"es contempor5neas e pairar
acima das conting'ncias históricas # manifesto em vários trechos
dessa ora, e reforçado ainda por várias e@pressões de despre"o $
meraD perspectiva histórica, segundo Gu#non um ilusório v#u
de apar'ncias passageiras encorindo a realidade das coisas
eternas% <le chega a criticar o apego da mentalidade ocidental aos
fatosD como se fosse um vício de pensamento%
Mean =oin, caracteristicamente, proclama o guenonismo
uma intervenção providencial e a !ltima chance do OcidenteD%.0
P um direito inalienável do discípulo entusiasta celerar a ora
do mestre com os qualificativos mais enfáticos% Eas um
qualificativo nada significa quando separado da sust5ncia que
ele qualifica% 3ma coisa # falar, genericamente, de !ltima
chance do OcidenteD L e todos em saemos que o Ocidente
 precisa de uma% Eas outra coisa completamente diversa #
esclarecer que não se trata de uma chance qualquer, de uma
astrata e gen#rica restauração da espiritualidadeD e sim de uma
salvação pela islami"ação% Mean =oin simplesmente omite esse
 ponto%
Fam#m # muito 2usto privilegiar o eterno e imutável
acima do temporal e transitório% Eas qualquer fiel católico
haituado ao sacramento da confissão entende que o salto para o
eterno, sem passar pela consci'ncia dos detalhes factuais da vida
terrestre, tão freqQentemente humilhantes e deprimentes, não #
espiritualidade, # angelismo% O apóstolo que afirma Má não sou
eu quem vivo, # Cristo que vive em mimD # o mesmo que
confessa tra"er um espinho na carneD at# o fim dos seus dias%
O dese2o de voar para o mundo dos arqu#tipos eternos
saltando por cima da realidade histórica concreta não aparece

!%
 Crossroad, 494%
!&
 Ren1 Gu1non, (a Derni@re <han$e de lO$$ident , <ditions de la Eaisnie
( Gu Fr#daniel,, +aris, 49S%
!

somente nos perfis hagiográficos da missão de =en# Gu#nonD,


mas em pelo menos tr's livros de importantes autores
 perenialistas sore o Islam%
 Ideals and Realities of Islam, de -eed Jossein 8asr,.X
<om&rendre lIslam, de Brith2of -chuon,.Y e %oorish <ulture in
!&ain, de Fitus &urcKhardt,. mal escondem sua estrat#gia
retórica de mostrar a vida muçulmana só pelos arqu#tipos eternos
que simoli"a, contrastando(os, e@plícita ou implicitamente, com
as mis#rias factuais rutas do Ocidente materialista% A coisa
chega at# a ser um pouco ing'nua% At# uma criança percee que
não # 2usto comparar as virtudes de um com os defeitos do outro,
em ve" de virtudes com virtudes e defeitos com defeitos%
Fudo isso torna difícil, tanto ao leitor rec#m(chegado
quanto $s ve"es aos próprios porta(vo"es do perenialismo,
admitir o óvio> a ora de =en# Gu#non pode ter todo o caráter
 providencial e salvador que se dese2e, com a condição de que se
admita claramente o óvio> que, no fim das contas, ela 2amais
ofereceu outra via de salvação para o Ocidente e@ceto a
islami"ação%
Fam#m # certo que qualquer cristão inteligente, católico
ou não, pode tirar proveito dos ensinamentos de =en# Gu#non
sem aderir ao pro2eto gu#noniano, mas como recusar adesão sem
saer ou querer saer que o pro2eto e@isteT Fodo idiota !til #
idiota e !til na medida mesma em que nega a e@ist'ncia daquele
que o utili"a%
Euitos cristãos, católicos ou não, sentiram(se tão
indignados ante os ensinamentos de =en# Gu#non que fi"eram
várias tentativas de refutá(lo e at# de achincalhá(lo% <ssas
tentativas só provaram a superioridade intelectual do adversário e
caíram no ridículo ou no esquecimento%
-o esse aspecto, os discípulos de Gu#non não estavam
totalmente errados ao considerá(lo insuperável a !ssola
infalívelD, di"ia Eichel )als5n1% Eas Gu#non não precisa ser
comatido nem vencido% Ao adotar o pseud6nimo de <sfingeD
nos seus primeiros escritos, ele saia que aqueles que não
decifrassem a sua mensagem seriam engolidos e redu"idos $
oedi'ncia% Aqueles que esperneiam entre gritos de revolta não

!'
 &eacon +ress, 49Y.%
!
 <ditions du -euil, 49YX%
!<
 George Allen ^ 3n;in *td%, 49Y.%
!<

dei@am se prestar(lhe oedi'ncia, a contragosto ou mesmo


inconscientemente%.9 3ma ve" decifrada, por#m, a <sfinge não
tem rem#dio senão soltar gentilmente a presa, que sairá das suas
garras não somente livre, mas fortalecida%

+etersurg, )A, . de 2ulho de ./4X

!"
 O e@emplo mais típico são os cristãos conservadores antiguenonianos
que, revoltados ante a decad'ncia do OcidenteD, aderem $ política
eurasiana de Ale@andre Nuguin, isneto espiritual de Gu#non% -ão talve" as
 pessoas mais urras do universo%
!"

Influências discretas
Mornal do &rasil,  de maio de .//

7uando o pintor e poeta suíço Brith2of -chuon 49/Y(4991


voltou do Oriente nos anos R/, transfigurado em mestre supremo
de uma das mais influentes organi"ações esot#ricas muçulmanas
e anunciando que iria islami"ar a <uropa, deu a clara impressão
de que estava completamente louco% Jo2e conv#m e@aminar com
humildade as suas palavras e o curso das suas ações, cu2a
efici'ncia avassaladora contrasta com a total discrição com que
foram empreendidas%

Nesde logo, a criação da tariqa lo2a iniciática isl5mica1 de


-chuon em *ausanne foi saudada pelo escritor esot#rico =en#
Gu#non 4X(49041 como o !nico resultado promissor otido
 pelos seus próprios esforços de quatro d#cadas% Isso mostra
claramente o sentido desses esforços e, malgrado a posterior 
ruptura entre Gu#non e -chuon, evidencia a perfeita continuidade
da ora desses dois esoteristas, cu2os discípulos respectivos ho2e
em dia preferem odiar(se mutuamente em ve" de celerar a
vitória comum sore uma <uropa espiritualmente deilitada%

 8a d#cada de ./, Gu#non, autor de análises magistrais sore a


decad'ncia do Ocidente europeu, havia concluído que só tr's
caminhos se ofereciam a essa civili"ação> a queda na arárie, a
restauração da Igre2a católica ou a islami"ação% 7uando
 pronunciou aquelas palavras sore Brith2of -chuon, ele 2á havia
desistido da segunda alternativa% O fiasco do Concílio )aticano
II, cu2as apar'ncias os papas em vão tentam ainda salvar, veio a
 provar que seu diagnóstico, em linhas gerais, estava certo%

A <uropa radicalmente descristiani"ada # ho2e o palco de uma


concorr'ncia aerta entre a arárie e o islamismo% 8ão há
terceira via, aparentemente _civili"ação laica_ # piada1% A
 possiilidade de um resgate da opção cristã depende inteiramente
da influ'ncia americana ou da dedicação admirável de padres e
 pastores orientais e africanos que, num giro parado@al da
Jistória, voltam para tentar recatequi"ar o povo que os
cristiani"ou%
32

A ação de personagens como Gu#non e -chuon passa


desperceida $ mídia, aos analistas políticos e aos _intelectuais_
em geral, que t'm os olhos fi@ados hipnoticamente na superfície
vistosa dos acontecimentos% Eas sem ela a _ocupação por dentro_
 por meio da imigração teria permanecido inócua, por falta das
condições culturais que desarmaram a elite intelectual e política
europ#ia% Gu#non e -chuon muito contriuíram para criá(las,
su2ugando as camadas mais altas e circunspectas dessa elite ao
culto da superioridade intelectual do Oriente em todas as áreas
decisivas, fora as ci'ncias naturais e a tecnologia%

Gu#non assinava seus primeiros artigos com o pseud6nimo


-phn@ <sfinge1, denotando que seus leitores não tinham opção
senão aproveitar inteligentemente suas lições ou dei@ar(se
dominar por elas sem entend'(las% 8um !nico país europeu essas
lições foram meditadas com seriedade por pensadores
independentes> a =om'nia% 7uando morei em &ucareste, não
encontrei ali um só intelectual eminente que não tivesse uma
compreensão profunda e crítica da ora de Gu#non%

 8o resto da <uropa, o que se viu foi a altern5ncia entre a recusa


incompreensiva e a sumissão devota, incluindo um n!mero
significativo de conversões secretas ao islã e a arregimentação de
muitos intelectuais e líderes L entre eles o futuro rei da Inglaterra
 L no esquema de proteção estatal ao e@pansionismo isl5mico%
 8ão por coincid'ncia, a =om'nia # um dos raros países europeus
onde a penetração muçulmana # irrisória%

+ara fa"er uma id#ia da força da influ'ncia sutil de Gu#non e


-chuon, asta saer que este !ltimo interferiu diretamente na
 produção da crise entre monsenhor *ef`vre e o )aticano, em
49YX, e at# ho2e os historiadores católicos L se2am progressistas
ou conservadores L nem se deram a mínima conta disso%

-ei que escrevi este artigo para poucos leitores e que, destes,
alguns dos que podem mais ou menos compreend'(lo vão
seguramente detestá(lo% Eas há coisas que # preciso di"er só
 para, no futuro, não ser acusado de dar testemunho tardio%
31

A Igreja humilhada
.R de 2ulho de ./40

Os c#reros iluminados da mídia nacional e internacional


en@ergaram aí toda sorte de intenções ecum'nicas e diplomáticas,
mas não creio que esse simples detalhe de um discurso papal
 possa ser compreendido sem um recuo histórico de muitos
s#culos%
8ós falamos com palavras, mas Neus fala com palavras e
coisasD, di"ia -to% Fomás de Aquino% 8a #poca dele, e de fato
desde o começo do cristianismo, isso era uma oviedade de
domínio p!lico%
Euito antes de ditar aos profetas as palavras da &ília, Neus
havia criado o universo, sendo inconceível que não dei@asse aí
as marcas da sua Intelig'ncia, do *ogos divino que cont#m em si
a chave de todas as coisas, fatos e conhecimentos%
 8ada mais lógico, portanto L assim pensavam os santos e
místicos (( , do que uscar nas formas e apar'ncias do universo
físico os sinais da intenção divina que tudo havia criado%
O próprio te@to da &ília está tão repleto de refer'ncias a
animais, plantas, minerais, partes do corpo humano, acidentes
geográficos, fen6menos astrais e climáticos, etc%, que sem algum
conhecimento da nature"a física sua leitura se torna
completamente opaca% 8ão havia e não há como fugir desta
constatação elementar> o universo era a primeira das =evelações%
<ssa intuição não havia escapado aos povos pagãos da
Antiguidade, cu2as culturas se erguem inteiramente em cima de
 prodigiosos esforços para apreender alguma mensagem divina
 por trás dos fen6menos da nature"a terrestre e celeste e fa"er da
sociedade inteira um modelo cósmico em miniatura a
 iliografia sore isso # tão aundante que não vou nem começar 
a citá(la1%
Apesar da imensa variedade das linguagens simólicas que se
desenvolveram nas mais diversas #pocas e lugares, elas todas
oedecem a um con2unto de princípios que permitem estaelecer 
correspond'ncias entre as concepções cosmológicas e
antropológicas dessas civili"ações%
3!

<ssas concepções foram asorvidas e apenas ligeiramente


remodeladas pela <uropa cristã para tornar(se veículos de uma
cosmovisão ílica%
A principal modificação foi um senso mais apurado da índole
dial#tica do simolismo natural, onde os fatos da nature"a física
 2á não apareciam como e@pressões diretas da presença divina,
como no antigo culto dos astros, mas como indícios analógicos
que ao mesmo tempo revelavam e ocultavam essa presença
e@pliquei um pouco disso no meu livro A Nial#tica -imólica,
-ão +aulo, P(=eali"ações, .//Y1%
A cosmologia medieval incorporava o velho mapa planetário
 ptolemaico, com a Ferra no centro e as várias esferas planetárias
 L correspondentes a distintas dimensões da e@ist'ncia L 
afastando(se at# o !ltimo c#u, morada de Neus% 7ue esse mapa
não devesse ser interpretado como um simples retrato material do
mundo celeste, prova(o o fato de que ele era compensado
dialeticamente por uma concepção oposta, na qual Neus estava
no centro e a Ferra na e@trema periferia%
A tensão entre as duas esferas condensava de uma maneira
arangente os parado@os da e@ist'ncia humana num amiente
natural que era ao mesmo tempo um templo e uma prisão% A
visão medieval do c#u não era uma cosmografia, mas uma
cosmologia L uma ci'ncia integral do significado da e@ist'ncia
do homem no cosmos%
A eclosão do deate heliocentrismo versus geocentrismo ai@ou
o nível da imaginação p!lica para um confronto entre duas
concepções puramente materiais, rompendo a tensão dial#tica
entre as duas esferas e reai@ando a cosmologia ao estado de
mera cosmografia%
Os progressos e@traordinários desta !ltima serviram para
mascarar o fato de que a modernidade assim inaugurada ficou
totalmente desprovida de uma cosmologia simólica, não
havendo at# ho2e nenhum meio de articular a visão material(
científica do universo com os conhecimentos de ordem espiritual>
essas duas dimensões pairam uma sore a outra sem 2amais
interpenetrar(se, como água e óleo num copo, de tempos em
tempos ressurgindo, so formas variadas, o conflito entre
ci'ncia e religiãoD, ou entre ra"ão e f#D, o qual, nesses termos,
só pode ser apa"iguado mediante arran2os convencionais de
fronteiras, tão artificiais e instáveis quanto qualquer tratado
diplomático%
O que era tensão dial#tica tornou(se um dualismo estático, como
numa guerra de posições entre e@#rcitos imoili"ados cada um na
33

sua trincheira% Falve" o traço mais característico da modernidade


se2a precisamente a coe@ist'ncia enervante entre uma ci'ncia sem
espiritualidade e uma espiritualidade sem ase natural%
+ara piorar ainda mais as coisas, a ruptura entre as duas
dimensões não se deu só no domínio da cosmologia, mas tam#m
na metafísica e na gnoseologia, onde =en# Nescartes, rompendo
com a antiga visão aristot#lico(escolástica do ser humano como
síntese indissol!vel de corpo e alma, ergueu um muro de
separação entre mat#ria e espírito, fa"endo deles sust5ncias
heterog'neas e incomunicáveis%
Ealgrado as in!meras contestações e correções que sofreu, o
dualismo cartesiano acaou por deitar raí"es tão fundas na
mentalidade ocidental, que suas conseqQ'ncias nefastas ainda se
fa"em sentir at# mesmo no domínio das ci'ncias físicas v%
:olfgang -mith, O <nigma 7u5ntico, trad% =aphael de +aola,
Campinas, )ide, ./441%
 8a esfera cultural, isso resultava em dividir o universo inteiro da
e@peri'ncia em duas categorias> os o2etos reais, isto #, materiais
e mensuráveis, conhecidos pela ci'ncia física, e os puramente
 pensados, para não di"er imaginários L leis, instituições, valores,
oras de arte, o mundo propriamente humano%
Nos primeiros, só o que se podia saer eram as suas propriedades
mensuráveis, sendo proiido querer descorir neles algum
significado ou intenção% Os segundos eram repletos de
significado, mas só e@istiam como pensamentos, como
construções culturaisD sem nenhum fundamento na realidade%
+or mais oviamente danosa $ cosmovisão cristã que fossem
essas ideias, elas foram rapidamente assimiladas pela
intelectualidade católica% Nurante todo o s#culo H)III o
cartesianismo foi a doutrina dominante nos seminários da Brança%
As chamadas heresias modernistasD ainda não haviam surgido,
mas a hegemonia intelectual cristã estava perdida% =endeu(se
 praticamente sem luta%
Começava uma era na qual uma alma cristã não teria alternativa
e@ceto amoldar(se $ mentalidade moderna ou esrave2ar em vão
contra o que não podia vencer L as duas atitudes que at# ho2e
caracteri"am respectivamente os modernistasD e os
tradicionalistasD%
A pá de cal foi lançada por Immanuel ant, quando cavou um
aismo intransponível entre conhecimentoD e f#D, enfati"ando
a autoridade universal do primeiro e trancafiando a segunda no
recinto fechado das meras prefer'ncias e fantasias particulares L 
uma doutrina que se tornou a ase não só do positivismo
3%

científico ainda imperante nas universidades em geral, mas


tam#m de todo o <stado laicoD moderno, onde não há
diferença legal entre crer em Neus, em duendes, em
e@traterrestres, nas virtudes espirituais das drogas alucinógenas
ou na ondade de -atanás%

II

Condenar a cosmologia medieval porque em alguns pontos ela


não coincide com os fatos oserváveis do mundo físicoD # tão
est!pido quanto condenar um desenho por não haver 
correspond'ncia iunívoca entre os traços a lápis e as mol#culas
que compõem o o2eto retratado%
<struturas representativas arangentes só podem ser 
compreendidas e 2ulgadas como totalidades% O fisicalismo
ing'nuo, apegando(se aos detalhes mais visíveis, dei@a sempre
escapar o essencial% A Bísica de Aristóteles foi re2eitada no início
da modernidade porque di"ia que as óritas dos planetas eram
circulares e porque sua e@plicação da queda dos corpos não
coincidia com a de Galileu%
-ó no s#culo HH o mundo acad'mico entendeu que, retiradas
essas miude"as, o valor da ora persistia intacto 2ustamente
 porque não era uma físicaD no sentido moderno do termo e sim
uma metodologia geral das ci'ncias% 7uatro s#culos de
orgulhosas cretinices científicas haviam tornado incompreensível
um te@to com o qual ainda se pode aprender muita coisa v% as
atas do congresso da 3nesco +enser avec Aristote, org% E% A%
-inaceur, Foulouse% Pr`s, 49941%
Foda a simólica natural da qual o cristianismo só pode
 prescindir em pre2uí"o próprio desapareceu de circulação porque,
visto com os olhos do fisicalismo ing'nuo, o deate entre
geocentrismo e heliocentrismo parecia colocar fora de moda o
desenho medieval das sete esferas planetárias, uma concepção
cosmo(antropológica enormemente comple@a e sutil%
<@pelido do universo intelectual respeitável, o simolismo
natural só soreviveu como fornecedor ocasional de figuras de
linguagem com que os poetas sentimentais da modernidade,
carentes de toda compreensão espiritual e e@tasiados na
contemplação do próprio umigo, pro2etavam nas formas da
nature"a visível as suas emoçõe"inhas% Georges &ernanos
escreveu em *UImposture algumas páginas devastadoras contra
esse emporecimento do imaginário moderno%
3&

Os estudiosos que conservaram o interesse pelo velho tema


tornaram(se esquisitões marginali"ados não só pela classe
universitária como tam#m pela própria intelectualidade católica,
mais interessada em fa"er oa figura ante o fisicalismo
acad'mico do que em defender o patrim6nio simólico da
religião%
3ma ora notailíssima como *e &estiaire du Christ% *a
Est#rieuse <ml#matique de M#sus(Christ, &ruges, Nescl#e de
&rou;er, 49R/1, em que o arquiteto *ouis Charonneau(*assa
foi de igre2a em igre2a copiando e e@plicando cada símolo
animal de 8osso -enhor Mesus Cristo na arquitetura sacra
medieval, passou quase desperceida dos meios católicos mas,
como veremos adiante, foi muito valori"ada por autores
muçulmanos1%
Eesmo escritores que compreendiam a cosmologia medieval só
ousavam falar dela em termos de valor est#tico, ao mesmo tempo
que ofereciam as genufle@ões de pra@e ante a autoridade do
fisicalismo acad'mico%
3m e@emplo característico foi C% -% *e;is, que montou o
edifício das suas Cr6nicas de 8arnia sore o modelo de uma
escalada espiritual pelas sete esferas planetárias mas manteve
essa chave simólica cuidadosamente escondida at# que ela fosse
descoerta, após a morte do autor, pelo erudito Eichael :ard v%
+lanet 8arnia% Fhe -even Jeavens in the Imagination of C% -%
*e;is, O@ford 3niversit +ress, .//1>
-eguindo(se $ sua conversão (( escreve :ard ((, *e;is
naturalmente considerava as religiões pagãs menos verdadeiras
do que o cristianismo, mas, olhando(as sem refer'ncia $ verdade,
sentia que elas possuíam uma ele"a superior% A ele"a e a
verdade podiam e deviam ser distinguidas uma da outra, e amas
da ondade%D +% .Y%1
 8ão dei@a de ser uma ironia que, restaurando na arte 2ustamente
aqueles elementos da simólica pagã que a cultura da <uropa
medieval havia asorvido e cristiani"ado, *e;is ao mesmo
tempo se opusesse tão frontalmente $ doutrina escolástica
segundo a qual o elo, o verdadeiro e o om L 3num, )erum,
&onum, na fórmula de Nuns -cot L eram essencialmente a
mesma coisa%
A timide" cristã ante os dogmas da modernidade chega a ser 
oscena%
O filósofo calvinista holand's Jerman Nooe;eerd L no mais,
um pensador de primeira grande"a (( foi um pouco al#m da
timide"%
3'

Alegando que a dial#tica hegeliana de tese, antítese e síntese só


se aplica $s coisas relativas, e que tão logo entramos no domínio
do asoluto o que vigora # o antagonismo irrecorrível e a
necessidade da escolha, ele condena a filosofia escolástica L 
 portanto a cosmologia medieval inteira L por não ter anido
completamente os resíduos culturais do paganismo e@ig'ncia
impossível que, # claro, o próprio calvinismo tam#m não
cumpriu1%
 8esse panorama, não estranha que o patrim6nio simólico
despre"ado e varrido para ai@o do tapete fosse rapidamente
colhido por intelectuais muçulmanos interessados, sim, numa
restauração da cultura cristã tradicional, mas so o guiamento e
controle sutil%%% de organi"ações esot#ricas isl5micas%
 8ingu#m, asolutamente ningu#m na <uropa cristã desde o
s#culo H)I dominou e e@plicou tão magistralmente o
simolismo espiritual cristão e demonstrou tão valentemente o
seu valor cognitivo, e não só est#tico, como o fi"eram =en#
Gu#non, Brith2of -chuon, Fitus &urcKhardt, Mean &orella e outros
autores meio impropriamente chamados perenialistasD%
Fodos eles memros de tariqas L organi"ações esot#ricas
isl5micas ((, e empenhados em arir na dura carapaça do
fisicalismo moderno um romo por onde pudesse se introdu"ir a
influ'ncia intelectual isl5mica e avolumar(se at# $ conquista da
hegemonia, usando o tradicionalismo cristão como força au@iliar,
mais ou menos como Mesus, na versão isl5mica do -egundo
Advento, será reai@ado a segundo(no(comando dos e@#rcitos do
Eahdi%
Autores não diretamente ligados ao esoterismo isl5mico que
e@ploraram o mesmo veio, como Eatthila GhKa, Ananda %
Coomaras;am e Eircea <liade, sempre foram devedores
intelectuais dos perenialistasD%
-e ho2e em dia a velha cosmologia readquire aos poucos o seu
estatuto de conhecimento profundo, necessário e respeitável,
multiplicando(se em todas as universidades do mundo civili"ado
os estudos a respeito, não há como dei@ar de reconhecer que isso
foi devido, soretudo, $ ora de Gu#non, de -chuon e de seus
seguidores%
A pedra que os construtores re2eitaram tornou(se a chave de
aóadaD, profeti"a a &ília% A profecia ainda não se cumpriu
totalmente, mas # óvio que só a restauração da cosmologia
simólica pode ser a chave de aóada numa reconstrução da
cultura cristã% Apenas, os muçulmanos perceeram isso antes dos
intelectuais cristãos e trataram de utili"á(lo em proveito próprio%

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