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FACULDADES DE CAMPINAS

CURSO DE ECONOMIA

NATHAN PATRICIO DANIEL

Desafios da gestão da economia contemporânea.

CAMPINAS
2020

1
Introdução.

Os economistas de tradição Neoliberal nortearam o pensamento econômico das


principais autoridades econômicas ocidentais desde o fim de Bretton Woods. Suas
ideias, que foram introduzidas ao campo político/institucional pelos economistas
monetaristas, paulatinamente, após sofrerem críticas com relação a sua eficiência e
eficácia, passaram por revisões e atualizações, realizadas pelos economistas Novo
Clássicos e Novo Keynesianos (Novo Consenso Macroeconômico - NCM), que
garantiram com que essa visão se mantivesse hegemônica até a grande crise econômica
de 2008. Apesar de algumas mudanças realizadas no campo metodológico, foi mantida
intacta a essência teórica que embasava as ferramentas de gestão de que as autoridades
econômicas deveriam fazer uso na execução principalmente da Política Monetária,
tendo sempre como prioridade a manutenção da estabilidade dos níveis de inflação.

Seguindo esses preceitos, esses economistas ignoraram a instabilidade financeira


que passou a se desenvolver no núcleo do sistema capitalista, desde pelo menos a
metade dos anos 1970. Nesse cenário, a partir dos anos 1980, é possível observar que as
economias ocidentais passaram por importantes processos de liberalização financeira.
Nesse período a inflação passou a se tornar a grande preocupação das autoridades
monetárias, que acreditavam que o próprio sistema financeiro, por meio de uma
disciplina de mercado, adotaria práticas de auto-regulação. Essas transformações na
economia possibilitaram com que instituições financeiras não-reguladas, tais como
fundos mútuos se desenvolvessem e passassem a ganhar espaço e relevância nas
negociações de ativos financeiros e na geração de moeda privada, prática que antes
pertencia apenas aos bancos. O aumento da influência dessas instituições
paulatinamente fez com que os Bancos Centrais (BC) passassem a ter sua capacidade de
ancorar as grandezas nominais, ou seja, garantir o caráter público da moeda,
prejudicada.

Esse fato, no entanto, se manteve despercebido pelos economistas que geriam a


Política Monetária dos principais BC’s e veio à tona apenas quando a Grande Crise
Financeira de 2008 (GCF) atingiu as principais economias mundiais. Com a quebra do
Lehman Brothers, um dos principais bancos dos EUA, em 2008, os economistas
passaram a perceber que as medidas convencionais de Política Monetária, baseada em
conceitos desenvolvidos pelos economistas do Novo Consenso não eram capazes de
promover a estabilidade da economia. A partir disso, esses economistas passaram a

2
flertar uma aproximação com alguns preceitos pós-Keynesianos e buscaram novas
ferramentas para conter a crise. Essa aproximação, no entanto, apesar de não promover
alterações tão amplas quanto as desejadas pelos economistas Pós-Keynesianos na gestão
das políticas econômicas (fiscal e monetária), foi responsável por desenvolver medidas
não convencionais de Política Monetária que foram essenciais para contornar a crise.

Desta maneira, o artigo buscará entender alguns dos desafios enfrentados pela
estrutura teórica atual utilizada pelo mainstream e sua influência sobre a
institucionalidade dos órgãos de gestão da política monetária. Para isso ele será dividido
em duas seções. Na primeira seção, sob uma perspectiva pós-keynesiana, se buscará
entender como as propostas defendidas pelos economistas do Novo Consenso criaram
um ambiente propício para a gestação e desenvolvimento da grande crise financeira
internacional de 2008. Na segunda seção o objetivo será analisar como as medidas
utilizadas para conter a crise, apesar de representarem um avanço quanto à gestão da
política monetária, ainda ignoram as principais políticas defendidas pelos economistas
Pós-Keynesianos, de modo a ainda limitarem a capacidade de os Estados garantirem a
estabilidade financeira e o crescimento econômico sustentável de suas economias.

1.0 Teoria Ortodoxa como dominante da estrutura dos Bancos Centrais.

A segunda metade dos anos 70 representou uma inflexão nos rumos da Política
Monetária. Alguns países Europeus, como Alemanha e Suíça, com o objetivo de se
livrarem da inflação, passaram a basear sua política monetária na evolução dos
agregados monetários já na metade da década. Essas políticas ainda eram, no entanto,
muito questionadas no campo acadêmico e pelos formuladores de políticas monetárias
por todo o mundo. Estudiosos e formuladores de política econômica que ainda
defendiam um Sistema Financeiro altamente regulado, e uma política monetária que
visava o estabelecimento do Pleno emprego, assim como estabelecido ao longo de 1930
até a primeira metade dos anos 70. Esse receituário teórico, no entanto, paulatinamente,
ao longo dos anos 60 e 70, foi sucumbindo às críticas monetaristas de que levavam a
economia a um estado de alta inflação. Por fim, a deterioração monetária dos EUA,
decorrente da rápida aceleração da inflação, serviu para dar legitimidade a esse
argumento (AGLIETTA, 2004, p. 89-90,).

Para conter esse drástico cenário, no início da década de 80, Paul Volker, então
presidente do Federal Reserve – FED, elevou unilateralmente as taxas de juros básicas.

3
Além disso, o Banco Central dos EUA passou a realizar uma política de controle da
quantidade de reservas bancárias, seguindo a cartilha proposta pelos economistas
monetaristas1. Essas políticas, associadas a liberalização e desregulação financeira, se
constituíram como um estimulo para que o sistema financeiro dos EUA se
transformasse. Com o relaxamento da Regulação Q2 e a elevação nas taxas de juros,
diversos agentes, que possuíam acesso a várias aplicações financeiras passaram a se
aproximar dos chamados Money Market Mutual Funds (MMMF)3, visando ampliar seus
rendimentos, como ilustrado no gráfico 1. Em resposta a esses novos concorrentes os
bancos passaram a criar inovações financeiras como securitização 4, derivativos5 e swaps
(BULLIO, 2015, p. 52- 54).

Gráfico 1- Ativos dos Money Market Mutual Funds Estados Unidos, 1978 a 1992

Fonte (BULLIO, p. 53, 2015)

Esse processo de liberalização da emissão e negociação de ativos financeiros,


associado aos custos sociais das políticas prescritas pelos economistas monetaristas,
foram responsáveis por sua derrocada no campo político institucional. Por acreditar, de
acordo com Aglietta (2004), que a demanda por liquidez era relativamente estável,

1
Escola de pensamento econômico que defende o uso de agregados monetários como instrumento de
Política Monetária para conter a inflação.
2
Foi implementada através dos Banking Acts de 1933 e 1935 e consistia na proibição dos bancos pagarem
juro a nos depósitos a vista e estabelecia um limite nos juros que poderiam ser pagos nos depósitos de
poupança. Visava diminuir a concorrência pela captação de recursos, melhorar a lucratividade bancária e
evitar que os bancos buscassem ativos com maior retorno e risco. (BULLIO, p. 52, 2007).
3
fundos que aplicam seus recursos em instrumentos de curto prazo.
4
retirada de empréstimos do balanço do banco (operação off balance sheet) através de sua venda para
outra instituição, que “transforma” os empréstimos em títulos negociáveis em mercados, em um processo
chamado de “originar e distribuir” (BULLIO, p. 34, 2007).
5
Instrumentos criados para administração dos riscos (de variação de preços de commodities, de índices
financeiros, de default de uma determinada carteira de crédito, etc) (BULLIO, p. 34, 2007).

4
devido ao fato de a moeda ser, de acordo com seu entendimento, apenas um meio de
facilitação das transações entre os agentes, a autoridade monetária deveria realizar a
oferta monetária baseado em uma previsão da demanda, caso contrário a economia
entraria em um estado de desequilíbrio que elevaria o nível geral de preços. Essa crença,
de acordo com Bullio (2015), em um ambiente de liberalização financeira, não foi capaz
de ser aplicada devido ao fato que se passou a se tornar cada vez mais difícil determinar
o nível desejado dos agregados monetários.
Associado a esse fator, os custos sociais das políticas adotadas foram muito
grandes. Apesar de conter rapidamente a inflação nos EUA e Reino Unido, as medidas
estabelecidas colocaram a economia em deflação e comprometeram a estabilidade dos
sistemas bancários desses países. Em agosto de 1982, com a declaração da moratória no
México, depois da imposição dessas medidas, e do salto inesperado dos juros, que levou
a economia mundial à crise da dívida, essa experiência foi abandonada. Apesar de ter
fracassado no campo político, o monetarismo conseguiu convencer os gestores de
política monetária que o único objetivo deles deveria ser garantir a estabilidade dos
níveis de preços (AGLIETTA, 2004, p. 90).
Desta forma o debate sobre a condução da política monetária passou a se
estabelecer principalmente no campo institucional. As duas escolas econômicas que
estabeleceram o Novo Consenso Monetário (NCM) a partir dos anos 90 passaram a
balizar as políticas adotadas pelos Bancos Centrais da maioria dos países ocidentais.
Ambas as escolas, Novo clássico e Novo keynesiano, buscam, de forma complementar
entre si, por meio de sua observação individual das ações de curto e longo prazo dos
agentes econômicos, orientar as políticas das principais autoridades econômicas ao
redor do mundo. Como herdeiros do pensamento monetarista, acreditam que o Estado
não deveria realizar políticas fiscais, concentrando sua ação, de acordo com os
economistas Novo-keynesianos, apenas na tentativa de corrigir falhas oriundas de
situações de rigidezes de mercado. Essas rigidezes afetariam a capacidade de o nível de
preços ser um bom balizador das decisões capitalistas, de modo a afetar a velocidade
com que agentes moldam suas expectativas quanto ao futuro (SARAIVA et all, 2017, p.
3).
Essa noção de mundo nasce como complemento à visão proposta pelos
economistas Neoclássicos, de que os agentes, por meio das expectativas racionais, são
sempre capazes de se anteciparem a políticas monetárias anunciada de forma
transparente, ou mesmo não anunciadas de forma clara, no entendimento da escola dos

5
Ciclos Reais6. Desta forma o Estado deveria atuar, juntamente com agências
independentes, na regulação, com a finalidade de mitigar essas falhas e criar um
ambiente onde os agentes conseguissem estabelecer suas expectativas de forma clara.
Associado a esse movimento, o Banco Central deveria realizar política monetária de
forma transparente e seguindo a Regra de Taylor, com o fim de recolocar a economia
em seu nível de desemprego natural e de estabilidade inflacionária (SARAIVA et all,
2017, p. 3).

Essa regra é extremamente importante dentro desse arcabouço teórico, pois dá


um instrumento para que os agentes, que possuem pleno conhecimento das ações do
BC, possam balizar suas expectativas quanto ao futuro. Caso não houvesse uma regra
clara e mecanismos que garantissem o seu cumprimento, esses agentes poderiam
assumir que ao realizar uma política monetária o BC estaria buscando enganá-los. Essa
ação faria com que todos os agentes ajustassem seus preços antes mesmo da execução
da política. Desta maneira, seguindo os princípios de Wicsell, essa escola de
pensamento acredita que quando a economia se encontra em equilíbrio a taxa de juros
figura em um patamar natural. A autoridade monetária tem condições de monitorá-la
através da taxa de juros de mercado, em caso de elevação dos preços, este saberá que o
crédito bancário está alto devido a uma taxa básica de juros abaixo do nível natural,
desta forma o policemaker terá apenas que ajustá-la e deixar com que o mercado se
encarregue do resto (BULLIO, 2015, p. 130).

Dentro dessa concepção teórica, os preços dos ativos financeiros não deveriam
ser uma preocupação para o BC devido ao fato de estes serem determinados com muito
mais eficiência pelo mercado. Assim, o BC não deveria fazer uso de uma política
monetária para conter uma “bolha”, exercendo, desta maneira, uma negligência
benigna. Caso a estabilidade de preços estivesse assegurada, o próprio mercado, através
de regras de supervisão prudencial e autorregulação, garantiria a estabilidade financeira.
(BULLIO, 2015, p. 131).

Sendo a única função do BC gerenciar a liquidez do sistema bancário, através da


manipulação da taxa básica de juros, de modo a trazer estabilidade monetária à
economia ele deveria se atentar aos mecanismos de formulação desta taxa. Desta forma
a utilização de Operações Compromissadas e definidas, além de uma atenta observação
6
Escola de pensamento econômica desenvolvida que tinha entre seus principais expoentes Edward
Prescott, Finn Kydland e Charles Ploser. Defendia que flutuações nos ciclos de negócios existem em
decorrência de choques reais na economia.

6
do fluxo de entrada e saída de dinheiro do sistema bancário deveriam estar na pauta
principal do BC. Além disso o BC deveria se preocupar em se comunicar com o
mercado de forma confiável e transparente, através de um comitê de política monetária,
de modo a orientar aos agentes quanto a condição do mercado de reservas de longo
prazo e sobre a formulação e confiabilidade de suas metas para as taxas básicas de juros
(SICSÚ, J, 2006, p. 195- 209).

Associado a esses elementos de credibilidade o BC busca, através dos


mecanismos de transmissão de política monetária, influenciar o comportamento dos
agentes privados. Desta maneira, dentro dessa concepção os canais de transmissão
deveriam ser bem claros e eficientes. Caso o fossem, o BC apenas precisaria se atentar
severamente às instruções da Regra de Taylor para que a economia se mantivesse em
estabilidade. Dentro dessa concepção, 3 canais de transmissão de política monetária são
de essencial importância, sendo eles, o canal do valor dos ativos, o da taxa de câmbio, e
o do crédito (SICSÚ, J, 2006, p. 195- 209).

Ao fazer uso do primeiro canal, o BC, através de uma comunicação crível, seria
capaz de influenciar o gasto das famílias e empresas, fazendo com que as expectativas
dos agentes de que o valor dos ativos sofreria uma variação na direção anunciada,
dirigissem a economia, através de uma simples alteração das taxas de juros de curto
prazo, a uma situação de equilíbrio. Variações nas taxas de juros de curto prazo, em
economias que se utilizam de câmbio flutuante e são abertas a livre movimentação de
capitais, também seriam capazes de influenciar o canal do câmbio, pois dependendo da
direção dessa variação o BC conseguiria estimular ou desestimular a compra de ativos
denominados em moeda nacional, fazendo com que houvesse uma valorização ou
desvalorização cambial, dependendo da intenção do BC. Por fim o canal de crédito
também é influenciado por essa política, pois variações nos rumos da política monetária
influenciam no montante de reservas bancárias, podendo influenciar no aumento ou
diminuição da concessão de crédito às famílias e empresas por parte dos bancos
(SICSÚ, J, 2006, p. 195- 209).

Esse receituário econômico pensado pelos economistas do NCM, colocado em


prática de 1990 até próximo à grande crise monetária internacional foi responsável por
uma aparente estabilidade econômica. De acordo com Bernanke (2004), o período
conhecido como a “Grande Moderação” teve a utilização de um regime de metas de
inflação como ferramenta essencial para controlar os ciclos econômicos sem provocar

7
grandes variações no produto e nos gastos públicos. Toda a estabilidade observada,
principalmente na economia norte-americana, ao longo de um período tão grande de
tempo fazia parecer que o modelo econômico desenvolvido pelos economistas do NCM
realmente era eficiente. Essa aparente estabilidade, no entanto, escondia uma série de
problemas que estavam sendo gestados no núcleo do sistema capitalista (SARAIVA et
all, 2017, p. 2).
A partir dos anos 1970 o processo de desregulamentação financeira, estabelecido
pelas principais economias mundiais, que passaram a se submeter a uma lógica
neoliberal em nome de uma maior integração entre os mercados, permitiu o crescimento
da liquidez nos mercados de capitais. Essa dinâmica favoreceu o processo de
desintermediação financeira dando, desta maneira, um grande poder aos Investidores
Institucionais. Diante dessa lógica esses agentes aceleraram as inovações financeiras
como securitização e derivativos financeiros no sentido se alavancarem (CINTRA, M;
FARHI, M, 2008, p. 26- 30).
Isso estimulou a criação de bancos universais que passaram a convergir a um
Sistema Financeiro Market-based. Todos os agentes da economia, principalmente os
bancos, passam a tomar suas decisões de negócio pautadas sobre a égide de valorização
de capital no curto prazo. Nessa lógica os bancos passam a atuar como supermercados
financeiros, de modo a incorporar fundos de investimentos e a operar nos mercados de
capitais, tendo em grande parte seus ativos e passivos ligados aos mercados de capitais.
Nesse cenário os bancos passam a ficar cada vez mais interconectados com os
Investidores Institucionais, que se encontram no sistema de Shadow Banking, e os
Bancos Centrais passam a perder, cada vez mais, o controle da expansão monetária,
visto que não conseguem fiscalizar esses agentes financeiros, que estão concentrados
nos mercados off shore7 (CINTRA, M; FARHI, M, 2008, p. 26- 30).
O Shadow Banking System é composto por instituições financeiras não-bancárias
que se encontram a sombra da regulamentação dos Estados e atuam junto aos bancos no
sentido de expansão a liquidez. Nesse sentido esse sistema atua transformando prazos,
ao comprar títulos de longo prazo e transformá-los em títulos de curto prazo. Esses
fundos também atuam transformando liquidez, pois a partir do processo de securitização
transformam um ativo não negociável em um ativo negociável, com elevado rating e
com alta liquidez. Desta forma eles passam a se tornar intermediadores financeiros ao

7
Mercados que não estão ligados a nenhuma jurisdição e onde os investidores negociam títulos sem a
necessidade de pagar nenhum tipo de tributação

8
captar recursos de famílias e emprestarem a outros fundos e agente financeiros, e criam
ativos com caráter de quase moedas, a partir da transformação e securitização de títulos.
Além disso é possível observar que existe uma relação muito importante entre bancos e
esses fundos, pois esses bancos atuam de modo a impulsionarem a liquidez desses
fundos por meio de linha de créditos (CINTRA, M; FARHI, M, 2008, p. 26- 30).
O sistema financeiro, especificamente norte americano, que se observa a partir
de 1980, passou por grandes transformações, que o deixou extremamente dinâmico,
inovativo e criativo. Com o fim de se alavancar e fugir da regulamentação estabelecidas
em Basiléia 18, diversas inovações foram desenvolvidas e os bancos tradicionais
passaram a se aproximar cada vez mais dos mercados monetários de capitais. A emissão
de títulos de securitização desta maneira permitiu que bancos e instituições financeiras
não bancárias se alavancassem e captassem recurso nos mercados de curto prazo com
muita facilidade. Essas instituições não-bancárias passaram a ser um novo intermediário
dentro do mercado, que dava mais liberdade à atuação dos bancos para operar de uma
forma mais independente das determinações do BC (BULLIO, 2015, p 83-88).

Além das operações de securitização uma inovação que passou a ser muito
utilizada pelas instituições financeiras foi o derivativo financeiro. Por meio deles os
bancos e instituições financeiras transferiam o risco de inadimplência para outras
instituições e assim conseguiam se alavancar ainda mais. Ambas inovações e o aumento
da interdependência entre os bancos e instituições pertencentes ao shadow banking
system foram consequências de um processo que teve como reflexo uma alta
transformação na forma com que os bancos passaram a operar seus ativos e passivos.
Nesse novo sistema o mercado passou a ganhar muito mais força e relevância sobre as
decisões de empréstimo bancário (CINTRA, M; FARHI, M, 2008, p. 26).

Esse cenário, foi suficiente para iniciar e alimentar a euforia especulativa e a


bolha imobiliária dos Estados Unidos. Os bancos, dentro de sua estrutura de crédito,
forneciam grandes hipotecas a seus clientes. Esses bancos, visando se livrar do risco de
crédito, transformavam essas hipotecas em títulos e vendiam para outras instituições
financeiras, como ativos securitizados, que os organizavam nos chamados Mortgage
Backed Security- MBS’s, que eram avaliados pelas agências de rating e vendidos para
fundos de investimentos e outras instituições dentro do shadow banking. Essas uniam
MBS’s de diferentes qualidades em um título chamado Collaralized Debt Obligations -
8
Marco regulatório estabelecido em 1988 que determinava que os bancos deveriam provisionar em seu
balanço um coeficiente capital próprio para as operações ativas, ponderadas pelo seu respectivo risco

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CDO’s e vendiam para outros bancos e instituições financeiras com o objetivo de se
alavancarem. Esse movimento, com o tempo, foi se tornando cada vez mais instável a
ponto de algumas instituições criarem Credits Dafault Swaps – CDS’s, um derivativo
que tinha como objetivo de apostar contra o mercado de títulos de CDO’s (TEIXEIRA,
L; BASTOS, C; 2019; p. 2).

Essa bolha, criada no núcleo do sistema financeiro, através de complexos


movimentos entre bancos e instituições financeiras estourou com a quebra, em março de
2008, do banco de investimentos Bear Stearns e posteriormente a falência do banco
Lehman Brothers, em setembro do mesmo ano. Com a quebra desses bancos todo o
sistema entrou em estado de atenção e desespero. A liquidez criada no shadow banking
system começou a evaporar e os bancos norte-americanos passaram a buscar o Federal
Reserve – FED com o fim de encontrar uma solução para a contenção da crise.
(BULLIO, 2015, p. 139).

Seguindo a cartilha do Novo Consenso, o FED imediatamente buscou fazer uso


dos instrumentos convencionais de Política Monetária, com prioridade para taxas de
juros, para tentar conter a crise. Rapidamente, no entanto ele percebeu que esses
instrumentos não funcionavam para influenciar as posições dos agentes financeiros, pois
tinham sido desenvolvidos com o fim de lidarem com um sistema de bancos tradicionais
e não compreendiam o funcionamento, dinâmica e conexão das instituições financeiras
do shadow banking e os bancos tradicionais. Essa conexão prejudicou a eficácia da
política monetária, pois passou a influenciar as posições dos bancos. Os canais de
transmissão da política monetária passaram a não obedecerem aos estímulos do banco
central. Sendo assim, por não contemplar em seu modelo de atuação a interconexão
entre instituições financeiras, o tamanho do shadow banking system e o risco sistêmico,
esses canais foram vertiginosamente perdendo sua eficácia (BULLIO, 2020, p. 4).

2.0 A política monetária não convencional, uma alternativa ao pensamento


hegemônico.
Com a crise de 2008 o FED percebeu que não conseguiria controlar o preço dos
ativos financeiros somente por meio de variação das taxas de juros de curto prazo. Desta
maneira, o caráter privado da moeda, deixado livremente e associado às inovações
financeiras, tinha proporcionado um ambiente de alta instabilidade financeira na
economia, que ameaçava o caráter público da moeda. Ao se deparar com esse cenário, a

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política monetária, determinada pelos economistas do Novo Consenso, passou a ser
questionada e o FED passou a fazer uso de outros mecanismos para controlar a crise
financeira e fazer com que os agentes retomassem a confiança no caráter público da
moeda (BULLIO, 2015).
Associado a essa dinâmica o FED passou a entender que a economia pode
aparentar estabilidade monetária, mesmo em um ambiente onde desequilíbrios perigosos
no setor financeiro se desenvolvem. A inflação controlada e a produção em pleno
potencial, desta maneira passaram a não ser suficientes para garantir a estabilidade do
sistema econômico, como defendido pelo Novo Consenso. Em contra partida a forma
como a atividade real, principalmente as atividades que apresentam uma dinâmica mais
lucrativa, é financiada passou a ser um componente de vital importância para as ações
estabelecidas pelo FED, com o fim de monitorar potenciais riscos financeiros que
viessem a desencadear novas crises (BLANCHARD, O. et all, 2013, p. 17).
Desta forma a política monetária não convencional passou a ser utilizada para
conter a crise. Essa política passou a observar não apenas o que Bullio (2015) chama de
Market liquidity, que é a capacidade de uma instituição financeira manter sua liquidez, o
que já era considerado na PM convencional, mas também o “Funding Liquidity” , que é
a capacidade que as instituições financeiras tinham de expandir sua liquidez a partir de
captação no interbancário, ancorada em seus ativos, o que não era considerado antes da
crise. Ao identificar esse problema o FED iniciou um plano de três fases com o objetivo
de reestabelecer a liquidez na economia e interromper o ciclo de desvalorização dos
ativos (BULLIO, 2015, p. 139).
A primeira fase buscou reestabelecer a liquidez no curto prazo. Para conseguir
esse feito o FED desenvolveu uma série de programas, sendo alguns deles Term Action
Facility (TAF), os swaps de moeda com outros BCs (Central Bank Liquidity Swaps -
CBLS), operações de open market, Term Security Lending Facility (TSLF) e o Primary
Dealer Credit Facility (PDCF). Esses programas tiveram como objetivo atingir todas as
estruturas do mercado financeiro, que, por estar extremamente fragmentado, necessitava
de uma atenção especifica para cada uma de suas instituições (BULLIO, 2015, p. 140).
O TAF, estabelecido em dezembro de 2007, foi a primeira medida de política
monetária não convencional. Com ele o FED buscou prover liquidez para instituições
através de leilões de recursos com uma maior variedade de colaterais aceitos do que o
redesconto tradicional e por um período mais longo do que o convenientemente
realizado. Diversos bancos foram beneficiados com essa medida e conseguiram prestar

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socorro às instituições do Shadow Banking. Com o agravamento da crise o FED lançou
uma linha de swap de moedas com BCs estrangeiros (CBLS) com o fim de manter a
moeda de outras economias estável (TEIXEIRA, L; BASTOS, C; 2019; p. 4).
Com a queda do Market liquidity o FED lançou o Term Securities Lending
Facility (TSLF) e o Primary Dealer Credit Facility (PDCF). Com o primeiro programa
ele buscou permitir com que as instituições financeiras que estivessem com problema de
liquidez pudessem trocar seus MBS por títulos públicos, no período de 28 dias. Com o
segundo o FED, desejando dar dinâmica ao mercado de repôs passou a aceitar como
colateral qualquer título que estivesse no balanço das instituições. Além disso o FED
socorreu, por meio de empréstimo, diversas instituições bancárias e agências de rating
com o fim de não permitir que a liquidez das instituições evaporasse, podendo ocasionar
um problema sério a economia (TEIXEIRA, L; BASTOS, C; 2019; p. 5).
Após essa primeira fase o FED continuou com suas medidas de política
monetária não convencional, com o fim de restaurar o fluxo de crédito dos mercados
financeiros. Com a quebra do Lehman Brothers e o agravamento da crise muitas
instituições pararam de emprestar. Desta forma para tentar estimular essas instituições a
retomarem suas operações uma série de programas foram desenvolvidos, alguns deles
são: Backed Commercial Paper Money Market Mutual Fund Liquidity Facility
(AMLF), Commercial Paper Funding Facility (CPFF) e Term Asset-Backed Securities
Loan Facility (TALF) (TEIXEIRA, L; BASTOS, C; 2019; p. 6).
O AMLF teve como objetivo fortalecer o mercado de comercial papers, onde os
fundos mútuos tinham grande parcela de seus ativos. Ao realizar essa política o FED
conseguiu fazer com que investidores intermediários como JP Morgan Chase e State
Street Bank, entre outros comprassem títulos desses fundos. Devido ao fato que os
problemas no mercado de Commercial papers continuaram o FED desenvolveu o plano
CPFF, onde foi criado um veículo, visto que, devido ao estatuto do FED ele não poderia
ajudar diretamente estas instituições, com o fim de comprar títulos desses fundos
visando restaurar o mercado de curto prazo. Por fim o TALF teve como função
primordial fortalecer e estimular o mercado de títulos securitizados (TEIXEIRA, L;
BASTOS, C; 2019; p. 6-7).
Por fim, depois de a liquidez do mercado já ter sido restaurada, o FED lançou
um último programa com o fim de estimular o crédito e a atividade econômica, de modo
a gerar emprego e renda para a sociedade. Esse programa, conhecido como,
Quantitative Easy – QE, foi dividido em 3 fases especificas e em uma conhecida como

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operação twist. A primeira fase (QE 1) foi de novembro de 2008 a dezembro de 2009.
Nesta fase o FED comprou o equivalente a aproximadamente, US$ 1,75 trilhões sendo
“300 bilhões em Treasuries, US$ 175 bilhões em títulos de dívida das agências (GSEs)
e US$ 1,25 trilhões em MBS”. Essas medidas, no entanto, não tiveram um efeito efetivo
na expansão do crédito, assim como a autoridade monetária esperava, mas sim uma
retenção em excesso de reservas, assim como ilustrado no gráfico abaixo (TEIXEIRA,
L; BASTOS, C; 2019; p. 8)
Gráfico 2-Base monetária e excesso de reservas (US$ Bilhões): 2004 – 2015/fev

Fonte: Extraído de (TEIXEIRA, L; BASTOS, C; 2019; p. 6-7).

Após essa fase o FED passou a observar que os níveis de desemprego da


economia estavam muito altos e a inflação muito baixa, desta maneira ele lançou uma
segunda fase do QE. Nesta fase ele comprou US$ 600 bilhões em títulos de longo prazo
do Tesouro Americano até junho de 2011. De setembro de 2011 a dezembro de 2012 ele
realizou a operação Twist, com o fim de comprar de US$ 667 bilhões de títulos de
longo prazo do Tesouro, e paralelamente a esta ação vender títulos de curto prazo. Por
fim na última fase deste programa (QE 3), iniciada em setembro de 2012 e prolongada
até outubro de 2014 o FED buscou aumentar os níveis de preço da economia e
impulsionar o crescimento. Para isso comprou uma grande quantidade de títulos de
longo prazo e abaixou substancialmente as taxas de juros com o fim de melhorar a
dinâmica do mercado de trabalho (BULLIO, 2015, p. 145-147).
O gráfico abaixo ilustra o montante utilizado pelo FED em cada uma das fazes
de seu programa de estímulo ao crescimento econômico, o Quantitative Easy. Antes
mesmo desse programa ter iniciado ações tanto do lado do passivo quanto do ativo,
como a a troca de títulos do Tesouro de curto prazo (T-Bill) por outros ativos menos
líquidos já aconteciam frequentemente. No entanto, a partir do final de 2008, assim

13
como observado, o Fed passou a comprar uma série de ativos, com o fim de estimular a
economia. Desta maneira é possível observar que as operações, apenas na primeira fase
do programa, saltaram de aproximadamente US$ 900 bilhões em títulos detidos em
setembro de 2007 para US$ 2 trilhões em novembro de 2010. Apesar desse grande
estimulo, não se observou um crescimento efetivo da economia, e assim como analisado
as outras fases do programa promoveram uma ampliação sem precedentes dos ativos
totais detidos pelo Fed. (SARAIVA et all, p. 19)

Gráfico 3 -Programas de Compra de Ativos em Grande Escala (LSAP) - jan./2007 a


dez./2014

Extraído de (SARAIVA et all, p. 19)

As medidas colocadas em prática pelo FED levantaram a questão sobre como o


banco central deveria passar a agir com respeito a política monetária, instituições
financeiras, criação de moeda e crédito. Segundo Mehrling (2010, apud BULLIO, 2015,
p. 145-147) a atuação não convencional não foi nada além de uma política de
“emprestador de última instância dos dias atuais”, considerando as instituições do
Shadow banking sistem e o risco sistêmico, decorrente da interligação dessas
instituições com os bancos convencionais. Dizer que essa política representa um novo
modelo de orientação por parte da política monetária, no entanto, é algo muito difícil. A
pesar de alguns autores pós Keynesianos como Heintz e Pollin (2013 apud BULLIO,
2015, p. 159) afirmarem que o modelo de política monetário utilizado pelo FED se
afastou do pensamento ortodoxo, questões como dependência de liquidez e tendência à
alavancagem com base em valorização dos ativos ainda permanecem. A crise e a
utilização de ferramentas fora do espectro teórico defendido pelo NCM, no entanto

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serviu pelo menos para levantar alguns questionamentos quanto aos limites desse
modelo (BULLIO, 2015, p. 159)
Para Borio (2011, apud BULLIO, 2015, p. 159), a crise questionou as crenças
do NCM, em especial que i) a estabilidade de preços é condição suficiente
para a estabilidade financeira; ii) a regulação financeira deve ser separada da
política macroeconômica e iii) a taxa de juros de curto prazo deve ser o único
instrumento. O NCM falhou em lidar com a enorme complexidade do sistema
financeiro. As dificuldades de realizar essa tarefa usando somente a taxa de
juros de curto prazo como instrumento, em uma regra única como a regra de
Taylor, são enormes.

Para Aglietta (2004) o Banco Central tem dois papeis fundamentais na condução
de uma política monetária; são eles: a preservação da ancoragem nominal bem como a
prevenção de riscos sistêmicos. O autor destaca que para compreender o papel do Banco
Central enquanto agente de política monetária é preciso entender também a
ambiguidade que reside na moeda. Isso é, a moeda abriga em si uma ambiguidade que é
determinante para definir seu lugar na sociedade e na economia de maneira geral, e que,
portanto, tem de ser levado em conta na construção de uma política monetária e na
atuação dos Bancos Centrais enquanto agentes dessa política. A moeda, ainda que possa
ser criada de maneira privada, endógena, é um bem público extremamente importante
para a manutenção do bem-estar numa sociedade capitalista.

Assim, há uma contradição na concepção da moeda que é refletida na maneira


como ela é empregada. Os bancos e instituições financeiras, principalmente a partir dos
anos 70 tornam-se cada vez mais capazes de gerar moedas privadas, através dos ativos e
passivos financeiros, e além disso, mesmo o crédito concedido pelos bancos comerciais.
já atua como uma antecipação da liquidez para os agentes da economia. Há então, uma
liberdade para que agentes privados criem moeda ainda que os efeitos dessa criação de
liquidez impactem severamente a sociedade, ou fazendo com que a moeda perca sua
ancoragem nominal, gerando assim inflação, ou deflagrando crises sistêmicas. Nesse
sentido aparece o Banco Central enquanto agente de política monetária (AGLIETTA,
2004, p. 99-101).

A dificuldade principal dos Bancos Centrais é justamente lidar com regimes


monetários múltiplos e independentes entre si, de modo que o controle da emissão de
moedas, ou ainda, o controle da demanda por liquidez, não está inteiramente em suas
mãos e sim distribuído entre agentes privados com interesses, por vezes, contrários aos
movimentos necessários a geração de bem-estar, emprego e desenvolvimento. Assim,

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ainda que o Banco Central crie mecanismos de transmissão de política monetária tendo
em vista o controle da inflação e a prevenção de crises sistêmicas, ele encontra
dificuldades em alcançar seu principal objetivo que é a garantia da estabilidade
econômica, pois a concorrência entre bancos e a complexidade do sistema financeiro
permitem o acesso facilitado à liquidez fora de seu controle, mesmo com a constituição
de uma estrutura dual de taxas que visa limitar a concessão de liquidez por parte dos
bancos privados (AGLIETTA, 2004, p. 98).

De acordo com Aglietta (2004) é imprescindível que ao definir uma meta de


inflação o Banco Central (BC) atue de forma discricionária. Isso devido ao fato de esta
meta ser importante na definição da estratégia do banco. Desta maneira, devido ao fato
de o BC ser responsável por conter choques econômicos que modificam as variáveis
exógenas e administrar crises de liquidez, ele deve realizar Política Monetária (PM)
observando a trajetória passada da economia e de forma discricionária. Apesar disso é
importante que ele também seja guiado por meio de regras e o gestor do BC deve ser
sábio para saber os momentos certos para atuar da melhor maneira possível
(AGLIETTA, 2004, p. 99-101).
Desta forma, ao gerir o BC de forma transparente e responsável, caso precise
adotar alguma política discricionária não causará desconfiança na formação das
expectativas dos agentes. Assim eles serão compreensíveis caso a meta não seja
cumprida, em um momento de instabilidade econômica. Ao definir sua meta o BC deve
tomar muito cuidado com a reflexão, devido ao fato de a formulação de uma meta ser
dada a partir de uma previsão anterior de inflação. A partir disso ele pode cair em uma
armadilha de definir sua meta a partir de previsões estabelecidas pelo mercado
(AGLIETTA, 2004, p. 99-101).
O grande problema é que, os mercados baseiam suas posições nos comunicados
do BC, isso cria um ambiente de dependência e uma auto referência, que o leva a um
equilíbrio múltiplo autorrealizador. Desta forma o autor ressalta a importância de o BC
ser independente dos mercados, de modo a prever a inflação a partir de seus próprios
instrumentos. Assim o BC consegue realizar PM sem a influência direta dos mercados
(AGLIETTA, 2004, p. 99-101).
De acordo com Blanchard (2013) outro aspecto importante, considerado pelo
Banco Central após a crise foi o uso das políticas macro prudenciais. A regulação micro
prudencial, exercida pelos bancos e instituições financeiras não é capaz de compreender

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a interação entre as instituições financeiras e o setor real e financeiro da economia.
Desta maneira é necessário que o Banco Central atue de modo a identificar e conter o
risco sistêmico, com o fim de controlar o ímpeto do mercado e fortalecer a estabilidade
da economia.
Para fazer uso das políticas macro prudenciais os BC’s podem usar 3 tipos de
categorias de ferramentas. A primeira categoria visa induzir a ação dos credores,
algumas das ferramentas utilizadas para isso são o estabelecimento de requisitos de
capital cíclicos, índices de alavancagem, ou provisionamento dinâmico. Ao estabelecer
um parâmetro de capital cíclico os BC’s impõem aos bancos que estes aprovisionem
uma porcentagem maior de capital em períodos de bonança, com o fim de poderem se
proteger contra perdas em momentos ruins. Impor uma ação como esta, no entanto não é
tão fácil devido ao perímetro regulatório, que pode fazer com que os bancos passem a
buscar recursos com intermediários não bancários e bancos estrangeiros, além de
incentivar atividades fora do balanço. Um outro ponto a ser considerado é sobre que
ponto a ciclicidade do recurso deve ser considerada: crescimento (como sugerido em
Basiléia III), crédito ou dinâmica de preços de ativos. Por fim a instituição de índices de
alavancagem mais restritos e o provisionamento dinâmico, não foram capazes de conter
o mercado de crédito imobiliário, apesar de em alguns caso se verificar que sua
utilização pode limitar o crescimento de alguns segmentos de empréstimo
(BLANCHARD, O et all, 2013 p. 18-19).
Uma segunda categoria busca influenciar o comportamento dos emprestadores e
algumas das ferramentas que podem ser utilizadas para esse fim são: estabelecimento de
um teto para empréstimos em uma relação de valor ou em relação a dívida / renda e
gestão do fluxo de ferramentas. Estabelecer limites para empréstimos limita a geração
de vulnerabilidades por parte dos emprestadores, com o fim de evitar inadimplência.
Fazer uso dessa ferramenta, no entanto carrega uma série de complexidades, pois esses
agentes podem passar a buscar crédito em instituições do Shadow banking, que estejam
fora da regulação. Apesar disso é possível observar que a utilização desses instrumentos
ao longo da crise imobiliária foi responsável por uma queda na concessão de crédito
(BLANCHARD, O et all, 2013 p. 19-20).
Por fim a terceira categoria de ferramentas a serem utilizadas pela política macro
prudencial é o controle dos fluxos de capitais. Utilizado de forma complementar ou
substituta a intervenção cambial com o fim de intensificar os efeitos de uma variação
cambial. Nesse cenário o controle de capitais exerce uma vantagem sobre a intervenção

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cambial, pois eles podem ser manipulados para fluxos específicos, apesar disso também
são mais expostos a evasão (BLANCHARD, O et all, 2013 p. 19- 20).
Associado a uma nova maneira de conduzir a política monetária e de regulação,
a política fiscal figura como um elemento central para garantir a estabilidade da
economia. É possível observar uma tendência estrutural, ao longo dos últimos anos, de
queda das taxas de juros, tanto nas economias desenvolvidas como em seus títulos
públicos e privados. Essa queda tem sido puxada pelo setor privado, que tem alterado
sua relação entre poupança e investimento de forma drástica (RACHEL, L;
SUMMERS, L, 2019, p. 8-9).

Essa queda, no entanto, só não foi maior devido a atuação do Estado, que por
meio de uma política fiscal ativa, aumentos na dívida pública e expansões em
programas de seguro social conseguiu evitar com que diversas economias entrassem em
colapso. Desta maneira, de acordo com o modelo analisado pelos autores existe uma
perspectiva de que, caso as taxas de juros não caiam abaixo de zero o setor privado irá
diminuir os níveis de investimento, de modo a levar a economia a um ponto de
equilíbrio de subemprego. Isso faz com que a atuação governamental, por meio de uma
política fiscal ativa passe a ser cada vez mais necessária para a manutenção da
estabilidade e crescimento econômico (RACHEL, L; SUMMERS, L, 2019, p. 21-24).

Conclusão

Apesar de algumas poucas mudanças, a base do pensamento econômico que fez


a gestão da política Monetária, nas principais economias Ocidentais, de meados da
década de 1960 até 2008 foi praticamente a mesma. Um modelo de pensamento que ao
longo de anos defendeu que a economia deveria ser dirigida no piloto automático, com
baixa intervenção estatal e pautado apenas sob pequena margem de manobra para a
política monetáriavariações na política monetária. Nem mesmo o fracasso das ideias
monetaristas, que levaram diversas economias a crises políticas, econômicas e sociais,
escantearam essa lógica, que se manteve presente e foi fortalecida e aprimorada ao
longo do período em que os pensadores do Novo Consenso comandaram as principais
instituições econômicas de grande parcela das economias mundiais.
A implementação dessas ideias, associadas àa desregulação financeira, criou um
ambiente instável na economia. ÀA sombra da baixa regulação existente, os bancos e
instituições financeiras do Shadow Banking syistem passaram a se alavancar por meio
de operações de securitização e derivativos, que fugiam ao controle dos Bancos
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Centrais. Essas operações aumentaram vertiginosamente o risco sistêmico, pois
elevaram a euforia especulativa sob diversos ativos da economia, e ao longo de anos foi
responsável pelo desenvolvimento da bolha imobiliária dos Estados Unidos.
Esse cenário foise gestadoou debaixo sob dos olhos das principais autoridades
econômicas e regulatórias dos EUA. Autoridades que, por seguirem rigorosamente as
diretrizes estabelecidas pelo Novo Consenso, acreditavam que a economia, por
apresentar estabilidade monetária (inflação sob controle), se encontrava em equilíbrio.
Esse equilíbrio, no entanto, se mostrou enganoso, com a quebra do banco de
investimentos Bear Stearns e posteriormente a falência do banco Lehman Brothers. A
partir disso o FED percebeu que tinha que mudar sua lógica de atuação para conter o
que até então já era uma das piores crises econômicas da história, com inúmeras
consequências sob a economia real.
A atuação por meio de uma Política Monetária não convencional, no entanto,
apesar de ter sido suficiente para conter a crise e ter suscitado questionamentos e
avanços importantes na gestão da economia, não mudou de maneira efetiva com a
lógica de pensamento desenvolvida pelos economistas do Novo Consenso. Isso se deve
ao fato de ainda existir uma alta tendência à alavancagem com base em valorização dos
ativos, por parte das instituições financeiras. Além disso, os Bancos Centrais ainda
encontram grandes dificuldades em manter a estabilidade financeira, devido ao fato de
os mecanismos de regulação existentes serem insuficientes para que eles consigam lidar
com os regimes monetários múltiplos e independentes que alimentam o ímpeto das
instituições presentes no mercado financeiro.
Associado a uma nova maneira de pensar a Política Monetária e a regulação
financeira, diversos autores Pós- Keynesianos defendem a ideia da importância da
Política Fiscal. Desta forma, uma reforma sistêmica na forma de pensar a economia
seria o passo inicial para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, iegqualitária
e estável. Interesses, no entanto, desenvolvem barreiras políticas e acadêmicas para que
este cenário possa se concretizaracontecer. A partir disso, essas ideias são ignoradas em
prol do ganho dos grandes bancos e empresas, que abominam a intervenção estatal. Até
quando essa lógica se manterá predominante é difícil dizer, mas o questionamento das
bases ideológicas que promovem concentração de renda e diversos problemas sociais
deve ser algo ininterrupto.

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