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Julio Cesar Dias Chaves nasceu em 1981 Vicente Dobroruka nasceu no Rio de Janeiro
em Brasília, onde se graduou em em 1969 e cursou graduação e mestrado em
História pela UnB. É ainda mestre e História na PUC-Rio. É doutor em Teologia
doutorando em Ciências das Religiões pela Universidade de Oxford (pela qual é
pela Université Laval, em Québec, e também mestre em Estudos Orientais),
professor de História do Antigo Oriente estudando os processos visionários dos
Espectadores do Sagrado
na UPIS. Especialista em cristianismo apocalipses judaicos e persas. É professor de
antigo, interessa-se pelo estudo da História Antiga na Universidade de Brasília
literatura apocalíptica, do gnosticismo desde 1997.
e dos códices de Nag Hammadi e suas Após 2010 Vicente Dobroruka tornou-se
relações com a literatura copta na membro vitalício de Clare Hall (Cambridge,
Antiguidade tardia. Entre 2008 e 2009, Eliade já dizia em sua clássica obra, O Sagrado e o onde foi professor visitante) e do Ancient
foi professor de Patrologia na Profano, que o “sagrado” aparece na experiência India and Iran Trust, na mesma cidade. É
Faculdade de Teologia da Arquidiocese membro do projeto internacional de
humana como um ponto fundamental de orientação,
de Brasília, e desde 2010 é Auxiliar de estudos da literatura judaica do Segundo
Pesquisas e Ensino na Université Laval.
permitindo ainda o acesso à realidade ontológica a partir
Templo da Universidade de Michigan
Julio Cesar Dias Chaves faz ainda parte da qual se origina e à qual o homo religious aspira. 4Enoch (http://www.enochseminar.org) e
do Groupe de recherche sur Le Espectadores do Sagrado é uma obra que traduz com coordena o Projeto de Estudos Judaico-
christianisme ancien et l'antiquité exemplos tirados da Antiguidade essa aspiração do Helenísticos - PEJ (www.pej-unb.org). Nos
tardive – GRECAT e do Seminário homo religious pelo sagrado. As contribuições contidas últimos anos tem se dedicado ao estudo da
Permanente Bibliothèque copte de Nag neste volume tratam dessa busca pelo sagrado por meio literatura apocalíptica em persa médio.
Hammadi, colaborando na elaboração de análises que visam desde as interpretações do livro de
Espectadores do Sagrado
de edições críticas e traduções Daniel feitas por Josefo e 4 Esdras até as sete idades do
francesas de textos apócrifos coptas. mundo de Agostinho, passando ainda pelas
experiências visionárias de Paulo, pelo Evangelho de
Mateus, pelo recentemente descoberto Evangelho de Literatura apocalíptica, apócrifos do Novo Testamento
Judas e pela literatura apócrifa copta. Seja por meio da e experiência visionária
Bíblia, seja por meio da literatura gnóstica, o homo
religious da Antiguidade era seguramente um
ISBN 978-85-230-1158-1 espectador do Sagrado.
9 788523 011581
Fundação Universidade de Brasília
Copyright © 2015 by
Editora Universidade de Brasília
ISBN 978-85-230-1158- 1
CDU 225
Impresso no Brasil
Para Andrea e Shelley
̓ λπὶς καὶ κίνδυνος ἐν ἀνθρώποισιν
Ε
ὁμοῖοι.
Teógnis, Elegia 1.637
Agradecimentos
Introdução.........................................................................17
Julio Cesar Dias Chaves
Bibliografia.............................................................................313
Índice onomástico........................................................................349
Introdução
1
Outros pesquisadores de renome podem ser citados, como os professores Martin
Goodman (Universidade de Oxford), Steve Mason (York University, Toronto) e
Almut Hintze (Universidade de Cambridge e School of Oriental and African Studies -
SOAS - da Universidade de Londres).
Espectadores do sagrado
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Espectadores do sagrado
20
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2
Cabe ainda enfatizar que os pontos de vista expressos nos diferentes artigos do
presente volume são de inteira e exclusiva responsabilidade de seus autores e não
refletem necessariamente a opinião dos organizadores.
21
Prefácio: o tempo, a eternidade e a razão
1
Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:
Contraponto / PUC-Rio, 2006. P.13 [orig. alemão 1979].
Espectadores do sagrado
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Espectadores do sagrado
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Flávio Josefo, Daniel e a Providência
Divina nas Antiguidades Judaicas
Victor Passuello
1
O conceito de história apocalíptica pode ser definido de muitas maneiras. Não existe
um consenso sobre esse termo. Porém pode-se dizer que esse termo está ligado a uma
clara revelação sobre o fim dos tempos (i.e. eschaton). Dentro dessa perspectiva, o final
dos tempos para os autores apocalípticos era uma realidade. Deve-se notar, no entanto,
que muitos textos antigos apresentam uma concepção escatológica da história sem
necessariamente serem apocalípticos, pois em muitos desses textos a revelação sobre
o final dos tempos não é precisa. O texto de Flávio Josefo, por exemplo, apresenta
uma mensagem escatológica que não possui uma clara mensagem apocalíptica, pois a
mensagem apocalíptica não foi reveladada.
Espectadores do sagrado
2
Flávio Josefo, por exemplo, durante toda a sua vida sempre seguiu o código religioso
e ético imposto pelas leis judaicas (i.e. pela Torah). Sua identidade judaica dentro de
suas obras não pode ser contestada.
3
John Goldingay. “Daniel in the context of Old Testament theology”. In: John J.
Collins e Peter W. Flint (Ed.). The Book of Daniel: Composition and Reception. Leiden:
Brill, 2002. Vol.2. p. 650-654.
28
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4
A partir de agora as Antiguidades judaicas de Flávio Josefo serão abreviadas pelas letras AJ.
5
Para maiores detalhes sobre as versões do texto de Daniel consulte os comentários de
John J. Collins. Daniel: A Commentary on the Book of Daniel. Minneapolis: Fortress
Press, 1993.
6
Para mais detalhes, cf. os comentários de Louis H. Feldman. Josephus’s Interpretation of the
Bible. Berkeley; Los Angeles; London: University of California Press, 1999.
29
Espectadores do sagrado
7
Para um estudo aprofundado sobre a função e o sentido da história dentro do livro de
Daniel, veja o livro de Paul Niskanen. The Human and the Divine in History. Herodotus
and the Book of Daniel. London: T & T Clark International, 2006.
8
Jonathan A. Goldstein. Maccabees. Garden City, New York: Doubleday, 1979. p. 63.
30
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9
1 Mc 1:11-15.
10
Dn 7.
11
Deve-se notar que os autores de Daniel e 1Mc usaram a mesma linguagem simbólica
para descrever os reis helenísticos (1Mc 1:10).
31
Espectadores do sagrado
12
O conceito de aliança divina desenvolvido nos textos canônicos judaicos não
é transmitido por Josefo. Desse modo pode-se dizer que Josefo desenvolveu uma
diferente interpretação teológica sobre a história.
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13
Dn 4:27, “E assim talvez a sua prosperidade continue”.
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40
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16
Esses lapsos são demonstrados por Shaye J. D. Cohen. Josephus in Galilee and
Rome. Leiden: Brill, 2002. Entretanto deve-se notar que Cohen exagerou em seus
comentários sobre a inconsistência de Josefo. Cohen, por exemplo, não procura
entender os motivos que levaram Josefo a omitir algumas passagens da Carta de
Aristeias em sua paráfrase nas Antiguidades (idem, p.34-35).
41
Espectadores do sagrado
17
Para maiores detalhes, cf. Steve Mason. “Josephus, Daniel and the Flavian house” in:
Fausto Parente e Joseph Sievers (Ed.). Josephus and the History of the Greco-Roman
Period. Essays in Memory of Morton Smith. Leiden: Brill, 1994 e Feldman, Josephus’s
Interpretation of the Bible.
42
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Espectadores do sagrado
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18
Veja os comentários de Daniel Smith-Christopher. Prayers and dreams: power and
Diaspora identities in the social setting of the Daniel tales. In: Collins e Flint, The
Book of Daniel, p. 286-287.
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19
Niskanen, The Human and the Divine in History, p. 57.
47
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20
O artigo de Spilsbury pode ser acessador pelo seguinte endereço: <http://www.
josephus.yorku.ca/pdf/spilsbury2002.pdf> . Acesso em: 10 set. 2007.
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Julio Cesar Dias Chaves | Vicente Dobroruka (Org.)
profecia de Balaão pode ser lida como uma chave teológica que
complementa sua interpretação escatológica sobre o significado
da pedra jogada sem mão alguma descrita no livro de Daniel.
Para Spilsbury, Josefo tinha elaborado discretamente um
sentimento escatológico que deixava claro que o império romano,
o último império dentro da sequência dos impérios elaborada por
Josefo, seria destruído pelos judeus. Spilsbury também postula
que a reinterpretação de Josefo sobre os oráculos de Balaão era
messiânica porque Josefo tinha uma atitude ambivalente para com
a Dispersão judaica. Dessa forma, para Spilsbury, nem mesmo
o apreço que Josefo tinha para com o Judaísmo da Diáspora o
impediu de elaborar uma crítica messiânica em relação aos impérios
mundiais. Deve-se notar aqui que a mensagem messiânica entre
os judeus da Diáspora apresentava uma diferente conotação em
relação ao sentimento messiânico expressado na terra de Israel.
Para os judeus da Diáspora, uma relação harmoniosa com os
líderes dos impérios mundiais não era uma opção, mas sim uma
necessidade mais urgente. Sem o constante apoio desses líderes,
a manutenção do específico status quo das comunidades judaicas
espalhadas ao longo da costa do Mediterrâneo (i.e. Alexandria,
Antioquia e Roma) era praticamente impossível.21
Porém deve-se notar que o argumento de Spilsbury apresenta
algumas contradições. Primeiramente, o seu argumento é altamente
especulativo porque dentro das obras de Josefo a mensagem
apocalíptica da história não é desenvolvida ou revelada. Para Josefo,
21
Deve-se notar aqui que o sentimento messiânico também estava presente entre os
judeus da Diáspora. Porém esse messianismo apresenta diferentes características, pois
o sentimento nacionalista ligado ao messianismo davídico tinha que ser articulado
com alguns valores do mundo grego. Dessa forma pode-se dizer que os judeus da
Diáspora tinham que negociar suas identidades com o mundo helenizado que os
rodeava. Esse tipo de negociação não tinha a mesma força dentro de Israel. Porém, a
influência da civilização grega dentro da Palestina não pode ser menosprezada, como
bem disse Martin Hengel no seu livro sobre a helenização da cultura judaica depois
da morte de Cristo (cf. The ‘Hellenization’ of Judaea in the First Century after Christ.
London: Wipf & Stock Publishers, 2003).
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Nas asas da águia: a exegese visionária
dos impérios mundiais de Daniel no
Vicente Dobroruka
1
Uma versão preliminar deste capítulo foi apresentada, sob o título de “4Ezra e os 4
impérios mundiais daniélicos: algumas considerações” no II Seminário Interno do
Projeto de Estudos Judaico-Helenísticos – PEJ –, em 21 de novembro de 2007, na
Universidade de Brasília. O autor é professor associado de História Antiga na UnB,
mestre em Estudos Orientais e doutor em Teologia pela Universidade de Oxford,
e gostaria de agradecer a Fabrício Santos Barbacena pela ajuda com as discussões
linguísticas nas diferentes versões de 4Ezra.
2
Óbvio como o comentário possa parecer atualmente, remeto o leitor de língua
portuguesa a duas obras de referência sobre o assunto: Julio Trebolle Barrera. A Bìblia
judaica e a Bíblia cristã. Petrópolis: Vozes, 1996 e Gonzalo Aranda Pérez et alii.
Literatura judaica intertestamentária. São Paulo: Ave-Maria, 1996.
Espectadores do sagrado
3
Trebolle Barrera, op.cit. p. 26.
4
Teodocião pode ter feito uma revisão do texto da LXX ou trabalhado a partir de
manuscritos hebraicos independentes; foi considerado importante o bastante para
compor uma das colunas da Hexapla de Orígenes. O texto de Dn que nos era
utilizado pela maior parte dos cristãos primitivos compunha-se daquele editado por
Teodocião, cuja tradução é por vezes excessivamente literal.
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10
Norman Cohn. Cosmos, Chaos and the World to Come: The Ancient Roots of
Apocalyptic Faith. New Haven / London: Yale University Press, 1993, p. 133.
11
Daniel Merkur. “The visionary practices of Jewish apocalypticists”. In: L. Bryce
Boyer e Simon Grolnik (Ed.). The Psychoanalytic Study of Society. Hillsdale: Analytic
Press, 1989. p.120-123; a variedade de testemunhos sobre o Além é marca registrada
dos apocalipses e de seus testemunhos proféticos anteriores – por exemplo, Amós,
Zacarias e Jeremias.
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Espectadores do sagrado
12
Michael Stone. “On reading an apocalypse”. In: John J. Collins e James H.
Charlesworth (Ed.). Mysteries and Revelations. Apocalyptic Studies since the Uppsala
Colloquium. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1991, p. 72.
13
Uma das ideias metodologicamente mais absurdas nesse campo de estudos é a de
preencher a lacuna do Bahman Yašt (BY – um texto que pode ter constituído um
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Julio Cesar Dias Chaves | Vicente Dobroruka (Org.)
apocalipse persa, mas que chegou até nós em manuscritos tardios e que compõe-se
apenas de comentários a um original perdido) referente ao que está misturado ao
ferro (não se sabe) com base no texto de Dn, que apesar de completo, fornece uma
interpretação completa e acabada do problema e o relaciona aos casamentos entre
Lágidas e Selêucidas. Nada permite concluir que fosse essa a intenção do autor do
BY, quer pelos manuscritos serem muito tardios e remeterem a contextos que hoje
nos escapam, quer por ter existido um (hipotético) BY avéstico, anterior às confusões
dinásticas do período helenístico. Cf. Philippe Gignoux. “Sur l’inexistence d’un
Bahman Yasht avestique” in: Journal of Asian and African Studies 32, 1986.
14
O tema dos 4 reinos encontra novos desenvolvimentos na literatura rabínica (Lev.
Rabbah 13:5 afirma que os 4 reinos foram antecipados em Gn 2:10 – os 4 rios –; em
Gn 15:12 – a escravidão –, e Lv 11:4-8 – camelo = Babilônia, fuinha = Média, coelho
= Grécia, porco = Roma). Tudo isso implicaria uma nova razão para o descrédito de
Roma como última monarquia, a cristianização do Império. Cf. Collins. Daniel: a
Commentary on the Book of Daniel, p. 72.
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Eu continuava contemplando,
quando foram preparados alguns tronos
e um Ancião sentou-se.
Suas vestes eram brancas como a neve;
e os cabelos de sua cabeça, alvos como a lã.17
Seu trono eram chamas de fogo
com rodas de fogo ardente.
Um rio de fogo corria,
irrompendo diante dele.18
[...]
O tribunal tomou assento e os livros foram abertos.19
16
Para uma discussão das posições correntes no mundo acadêmico até meados do séc.
XX, cf. Harold H. Rowley. Darius the Mede and the Four World Empires in the Book of
Daniel. Cardiff: University of Wales Press Board, 1959.
17
Não necessariamente um traço positivo: no ApEl é algo que está associado ao
Anticristo (ApEl 3:15.).
18
Evocando de um lado 1En 52 com as montanhas de metal que se derretem como
cera e também se encontram associadas aos metais e principalmente, ao Juízo Final
na tradição persa – por exemplo, Bundahišn 12.
19
É de se notar que Esdras apresenta-se como “escriba” e é cercado de outros cinco
escribas que realiza a performance final do apocalipse, após a ingestão do líquido na
taça (4Ezra 14:19 ss.).
61
Espectadores do sagrado
20
“Et vidi, et ecce expandebat alas suas in omnem terram”. Aqui a imagem é comum no
AT é pode ser encontrada em diversas passagens – a título de exemplo, Ex 19:4; Dt
32:11; Jn 48:40; 49:22; Ez 17:3; 7; Pr 23:5.
21
Em Dn 7 os quatro ventos agitam o mar, não as bestas, nem mesmo a última – que é,
em 4Ezra, a águia.
22
Imagem apavorante a princípio, mas que faz sentido no conjunto da visão: não seria
lógico a cabeça referir-se a si mesma em terceira pessoa, tanto mais que a águia tinha
três delas.
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23
Possível referência ao assassinato de Tito por Domiciano, jamais confirmado, mas
justificável pelo caráter despótico do reinado deste último. Cf. Suetônio. Vida de
Domiciano 2, em que se afirma que Domiciano sempre cobiçara o trono e que havia
sido traído num testamento falso, que estipularia a divisão deste último com Tito.
24
“Et iudicasti terram non cum veritate”; o siríaco sem variantes para o versículo.
63
Espectadores do sagrado
25
Stone, Fourth Ezra, p. 363-364; trata-se da tese proposta por Richard Laurence.
Primi Ezrae Libri Versio Aethiopica. Oxford: Oxford University Press, 1820; Friedrich
Lücke. Versuch einer vollständigen Einleitung in die Offenbarung des Johannes und in
die apokalyptische Literatur überhaupt. Bonn: Weber, 1852; Jacob C. van der Vlis.
Disputatio Critica de Ezrae Libro Apocrypho Vulgo Quarto Dicto. Amsterdam: Müller,
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65
Espectadores do sagrado
28
Para essas suposições, cf. August F. von Gförer. “Das Jahrhundert des Heils”
in: Geschichte des Urchristentums. Stuttgart: Schweitzerbart, 1838. Vol.1; Karl G.
Wieseler. “Das vierte Buch Esra nach Inhalt und Alter untersucht”. In: Theologische
Studien und Kritiken 43, 1870; Richard Kabisch. Das vierte Buch Esra auf seine Quellen
untersucht. Göttingen: Vandehoeck & Ruprecht, 1889 e William O. E. Oesterley. 2
Esdras (The Ezra Apocalypse). London: Methuen, 1933.
29
Stone, “On reading an apocalypse”, p. 66.
30
Idem, p. 73 ss. e, do mesmo autor, “Apocalyptic – vision or hallucination?”. In: Selected
Studies in Pseudepigrapha and Apocrypha with Special Reference to the Armenian Tradition.
Leiden / New York / Kobenhavn / Köln: Brill, 1991 e “A reconsideration of apocalyptic
visions”. In: Harvard Theological Review 96 (2), 2003, p. 169.
66
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31
O argumento me parece completamente especulativo e incongruente com o caráter
simbólico das visões apocalípticas como um todo; acrescente-se a isso o fato de
os apocalipses não se notabilizarem pelo entendimento minucioso da história,
nem servirem-se de abordagens historiográficas (afinal, não se trata de obras de
história, mas quando muito de textos sagrados que se servem de um tipo peculiar de
entendimento do sentido da história para explicar suas teodiceias).
32
Cf. Vicente Dobroruka. “Chemically-induced visions in the Fourth Book of Ezra
in light of comparative Persian material” in: Jewish Studies Quarterly. Vol.13.1.
Princeton: Mohr Siebeck, 2006. Nesse artigo busquei aprofundar a discussão
iniciada por Anders Hultgård. “Ecstasy and vision” in: Nils Holm (ed.). Religious
Ecstasy. Based on Papers read at the Symposium on Religious Ecstasy held at Åbo,
Finland, on the 26th-28th of August 1981. Stockholm: Almqvist and Wiksell,
1982.
67
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33
A possível influência do Romance de Alexandre do Pseudo-Calístenes sobre o autor
de Daniel – através de uma passagem semelhante na Vida de Apolônio de Tyana de
Filostrato – implica na identificação da “quarta besta” com um rinoceronte. “Então
apareceu uma besta muito diferente, maior do que um elefante, armada na testa com
três chifres, [um animal] que os indianos costumavam chamar odontotyrannos, (cuja
cor é escura, semelhante à de um cavalo). Depois de ter bebido água, olhou para o
nosso acampamento e atacou-nos de surpresa, e não recuou nem diante de grandes
68
Julio Cesar Dias Chaves | Vicente Dobroruka (Org.)
labaredas de fogo” (cf. Wilhelm Kroll. Historia Alexandri Magni. Berlim: Weidmann,
1926; a versão armênia foi editada por Albert M. Wolohjan. The Romance of Alexander
the Great by Pseudo-Callisthenes. Nova York: Columbia University Press, 1969. Outras
versões da passagem encontram-se na edição do Josippon pelo próprio Flusser
( Jerusalém: Bialik, 1980 - em hebraico) e na edição de Adolf Ausfeld. Der griechische
Alexanderroman. Leipzig: /s.ed./, 1907. Cit. por David Flusser. “The fourth empire – an
Indian rhinoceros?” in: Judaism and the Origins of Christianity. Jerusalem: Magnes Press,
1988, p. 348.
69
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34
Aqui, como noutras passagens da Guerra dos judeus, Josefo deve ter tido acesso a uma
fonte excepcionalmente detalhada quanto à turbulenta sucessão neroniana.
35
“Nonne tu es, quae superasti de quattuor animalibus quae feceram regnare saeculi mei , et ut
per eos veniret finis temporum meorum? Et quartus veniens devicit omnia animalia quae
transierunt, et potentatum tenens saeculum cum tremore multo et omnem orbem cum labore
pessimo, et inhabitabant tot temporibus orbem terrarum cum dolo”.
36
Stone, Fourth Ezra, p. 363. Aqui temos notável – embora evidentemente não
intencional – semelhança entre a crítica moderna e as ideias do filósofo Porfírio de
Tiro (233-305 d.C.). As ideias de Porfírio encontram-se em Adversus Christianos,
produzidos em algum momento entre os reinados de Décio e de Diocleciano
(“Porfírio escreveu seu décimo segundo livro contra a profecia de Daniel, negando
que tenha sido composto pela pessoa a que é atribuído no título, mas sim por alguém
que viveu na Judeia no tempo de Antíoco, de sobrenome Epífanes. Além disso,
ele afirmou que ‘Daniel’ não predisse o futuro, mas relatou o passado”). Cf. Robert
Berchman. Porphyry Against the Christians. Leiden / Boston: Brill, 2005; Maurice
Casey. “Porphyry and the origin of the book of Daniel” in: Journal of Theological
Studies, 27 (1), 1976 e Gleason L. Archer Jr. Jerome’s Commentary on Daniel.
Grand Rapids: Baker, 1958.
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37
Box, p. 265.
71
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38
Talvez a referência a um reino excepcionalmente maligno seja uma forma velada
de falar do reinado de Domiciano (nesse caso, a lenda do assassinato de seu irmão
Tito por ele mesmo tornar-se-ia mais palatável e menos absurda no conjunto do
apocalipse).
39
Aqui parece que pisamos terreno firme: não faz sentido uma referência a Tibério,
e o apocalíptico, sensatamente, parece inicar a contagem com Julio César o qual,
evidentemente, não era imperador, mas estabeleceu as bases definitivas para o
principado de Augusto e sucessores e governou um território administrativamente
unificado de extensão bem próxima à de seus limites máximos e, portanto, imperiais
(exceção feita, obviamente, ao Egito – tomado por Augusto em 31 a.C. – e aos
territórios anexados de forma mais ou menos provisória por Trajano, mais de 100 anos
depois). A sequência de doze imperadores harmoniza-se também com a classificação
de Suetônio em sua obra, e excluiria usurpadores como Piso, Mimphidius ou Vindex,
o que se explica tanto pelo caráter efêmero de sua atuação como pelo fato de não
terem eles deixado nenhum legado, mesmo que destrutivo, digno de nota. Esse é
outro argumento contra a ideia de que o visionário de 4Ezra “sabia mais do que nós”
(Stone, Fourth Ezra p.365); seria de se esperar o mesmo de um autor erudito como
Suetônio, o que, no entanto, não ocorre.
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40
Nas versões siríaca e armênia, “no meio” ou “entre” ( – )ܬܢܝܒo que sugere que, nessas
versões, o conhecimento dos eventos posteriores à época do visionário fosse mais preciso.
Uma outra possibilidade, até aqui não levantada por qualquer investigador, é a de que
o “centro” da águia esteja associado ao seu coração, e, portanto, ao que os apocalípticos
entendiam como a sede do pensamento ou do caráter – exemplos paralelos podem ser
encontrados em Test12Jud 13:2; Test12Rub 3:6; ApAbr 23:30, Jb 1:15; 12:20; 1En 91:4.
Cf. David S. Russell. The Method and Message of Jewish Apocalyptic. Philadelphia: The
Westminster Press, 1964, p.142-143.
41
Na versão siríaca, simplesmente “asas pequenas” ou “asinhas” ()ܐܦܓ ܐܪܘܥܙ.
42
Isto é, no Império?
73
Espectadores do sagrado
43
Na versão latina, três “reinos” (In novissimis eius suscitabit Altissimus tria regna [...]);
“reis” na siríaca ( )ܢܝܟܠܡetiópica, armênia e árabe.
44
Se a referência a Vespasiano estiver correta, há aqui um semiparalelo com Suetônio:
Vespasiano efetivamente morreu em agonia, mas não em seu leito. Sofrendo de
disenteria, fez questão de permanecer em pé, como deve morrer um imperador (cf.
Suetônio. Vida de Vespasiano 24 – alvo repente usque ad defectionem soluta, imperatorem
ait stantem mori oportere; dumque consurgit ac nititur, inter manus sublevantium extinctus
est).
45
Nova possível referência ao assassinato de Tito por Domiciano – Unius enim gladius
comedet qui cum eo, sed tamen et hic gladio in novissimis cadet.
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Apocalíptica e interações culturais no
mundo romano-helenístico: o caso do
apóstolo Paulo
Monica Selvatici
1
Martin Hengel. “Judaism and Hellenism revisited”. In: John J. Collins e Gregory
E. Sterling. Hellenism in the Land of Israel. Notre Dame: University of Notre Dame
Press, 2001, p. 8.
Espectadores do sagrado
2
Alguns autores que partilham da tese de que Paulo foi o helenizador do cristianismo
são William D. Davies. “Paul and Jewish Christianity according to Cardinal Daniélou:
a suggestion”. In: Judéo-Christianisme. Recherches de Science Religieuse. Paris: Beauchesne,
1972; Nobert Hugédé. Paul et la Grèce. Paris: Belles Lettres, 1982 e, mais recentemente,
Jerome Murphy-O’Connor. Paulo. Biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000.
3
Atribui-se, usualmente, a autoria de Atos a Lucas, o médico e discípulo de Paulo que o teria
acompanhado em suas segunda e terceira viagens missionárias. No entanto, essa questão
não é certa porque tal atribuição foi obra do bispo Irineu de Lyon no final do séc.II, com
base em suas suposições sobre quem teria redigido essa obra e o terceiro evangelho. Por
questões didáticas, no entanto, eu me referirei ao autor de Atos como Lucas.
80
Julio Cesar Dias Chaves | Vicente Dobroruka (Org.)
4
Martin Hengel. The Pre-Christian Paul. London: SCM Press, 1991, p. 3.
5
Werner Jaeger. Cristianismo primitivo e paideia grega. Lisboa: Edições 70, 1991, p. 25,
n. 28 recorda que Clemente de Alexandria foi o primeiro autor a prestar atenção às
citações literárias da poesia grega presentes no Novo Testamento. Segundo ele, além
da referida citação em 1 Cor 15:33, pode-se identificar outra na Tt 1:12, e aquela em
At 17:28, no discurso que Lucas põe na boca de Paulo no Areópago em Atenas.
81
Espectadores do sagrado
6
Alan Unterman. Dicionário judaico de lendas e tradições. Rio de Janeiro: Zahar, 1992, p. 100.
7
Hengel, The Pre-Christian Paul, p. 30-31.
8
Murphy-O’Connor, op.cit. p. 71.
9
Trata-se de um “método homilético de interpretação bíblica no qual o texto é
explicado diferentemente de seu significado literal” (cf. Unterman, op.cit. p. 174).
Também significa as várias coleções de comentários bíblicos que foram compilados e
antes compunham a Torah oral.
82
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10
Em Nm 20:8, Iahweh fala a Moisés: “Toma a vara e reúne a comunidade, tu e teu irmão
Aarão. Em seguida, e sob os olhos deles, dize a este rochedo que dê as suas águas. Farás,
pois, jorrar água deste rochedo, e darás de beber à comunidade e aos seus animais”.
11
Por escatologia apocalíptica, entendemos “uma perspectiva religiosa, uma maneira
de encarar o plano divino em relação às realidades mundanas [terrestres]. Essa
perspectiva ou cosmovisão pode ser adotada por vários grupos sociais, em vários
graus, em vários momentos. Nessa perspectiva, o plano salvífico de Deus é concebido
como resgate da atual ordem para uma nova ordem da realidade, transformada [...].
A escatologia apocalíptica não trata somente da expectativa futura (a época vindoura),
83
Espectadores do sagrado
84
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13
William D. Davies. “Paul: from the Jewish point of view”. In: William Horbury
et alii. The Cambridge History of Judaism, 3: The Early Roman Period. Cambridge:
Cambridge University Press, 1999. p. 686.
14
Robert G. Hall. “Arguing like an Apocalypse: Galatians and an ancient topos outside
the Greco-Roman rhetorical Tradition”. In: New Testament Studies 42/3, 1996, p. 452.
15
Já a informação sobre Paulo ter estudado na escola de Gamaliel é de comprovação
mais difícil.
16
Hengel The Pre-Christian Paul, p. 33.
17
Murphy-O’Connor, op.cit. p.73, também não acredita que tenham existido escolas
farisaicas fora da Palestina. Para ele, só havia fariseus na cidade de Jerusalém.
85
Espectadores do sagrado
18
Cit. por Hengel, The Pre-Christian Paul, p. 32.
19
Há especulações de que a presença farisaica era forte também na Galileia em razão
das passagens do Evangelho de Marcos 10:2 e, principalmente 12:13, em que se lê:
“Enviaram-lhe, então, alguns dos fariseus e dos herodianos para enredá-lo [ Jesus]
com alguma palavra”. Como os “herodianos” deviam se tratar de funcionários da
administração da tetrarquia sob governo de Herodes Antipas (a Galileia), a passagem
constitui um indício forte da existência de fariseus nessa região. Para o caso da
Diáspora, no entanto, não existe evidência alguma de sua presença fora da Palestina.
20
Murphy-O’Connor, op. cit. p. 67.
86
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87
Espectadores do sagrado
Igreja, [katà zēlos diōkōn tēn ekklēsían]; quanto à justiça que há na Lei
‘de meu povo’, irrepreensível [katà dikaiosúnēn tēn en nómō genómenos
ámemptos]”.
Em suma, Paulo estudara em Jerusalém e se aprimorara na
observância e interpretação dos detalhes da lei judaica segundo a
vertente farisaica. Assim, havia progredido mais que seus pares “na
justiça que há na Lei”, tornando-se “irrepreensível”. Observem
como os dois trechos estão intimamente ligados: a perseguição
à igreja cristã promovida por Paulo depende diretamente de seu
seguimento irrepreensível da lei judaica.23 Isso quer dizer que
certas práticas do grupo cristão, e não somente as suas assertivas
cristológicas, desde muito cedo fugiram à regra ditada pela lei de
Moisés. O fariseu partira, então, de Jerusalém para perseguir os
judeus, segundo ele, desviantes da Lei.
Paulo era um judeu originário da Cilícia que, ao contrário
de desenvolver uma identidade judaica em termos dos aspectos
comuns entre o seu judaísmo e a atmosfera do pensamento filosófico
helenístico que o cercava, optou por construir a sua identidade
judaica baseada na ênfase às características particulares dos judeus: ele
abandonou a sua cidade natal e foi estudar em Jerusalém e se tornar
fariseu. Como os estudos de etnicidade recentes têm averiguado, um
meio favorável contribui para a maior integração dos membros de um
grupo étnico a esse meio e, em contrapartida, um meio desfavorável,
hostil, provoca nos membros do grupo étnico em questão a reação da
autopreservação por meio do reforço da identidade étnica. A trajetória
inicial da figura de Paulo, dentro do universo judaico, é aqui tomada
de maneira a levantar a hipótese de que os judeus da província romana
23
Hengel, The Pré-Christian Paul, p. 65, também compreende a perseguição de Paulo
aos cristãos como fruto de seu zelo criterioso pelo seguimento da Lei.
88
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89
Espectadores do sagrado
90
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28
Tradução minha. Mary E. Smallwood. “The Diaspora in the Roman Period before
CE 70” in: William Horbury et alii. The Cambridge History of Judaism, 3: The Early
Roman Period. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 168-191.
91
Espectadores do sagrado
29
Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 2168, nota j.
30
Murphy-O’Connor, op.cit. p.93.
31
Alan F. Segal. Paul the Convert. The Apostolate and Apostasy of Saul the Pharisee. New
Haven/London: Yale University Press, 1990, p. 284.
92
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93
Espectadores do sagrado
34
John J. Collins. “A symbol of otherness: circumcision and salvation in the First
Century”. In: Seers, Sibyls and Sages in Hellenistic-Roman Judaism. Leiden/New York:
Brill, 1997, p. 234.
94
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35
Tradução de Martin Goodman. “Jewish proselytizing in the First Century”. In:
Judith Lieu et al. The Jews among Pagans and Christians In the Roman Empire. London
e New York: Routledge, 1992, p. 63.
95
Espectadores do sagrado
96
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38
Idem, p. 108.
39
Se os autores posteriores contribuíram para essa fusão e, mais tarde, tudo foi atribuído
à figura de Paulo, isso é outra história.
40
Barclay, “Paul among Diaspora Jews: anomaly or apostate?”, p. 109.
97
Espectadores do sagrado
98
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99
Espectadores do sagrado
41
José M. González-Ruiz. O Evangelho de Paulo. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 5.
100
P aulo apóstolo nos estudos de religião:
a importância de sua experiência
visionária apocalíptica
Jonas Machado1
102
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7
Ernst Käsemann. “Os inícios da teologia cristã” in: Apocalipsismo, 1983, p. 231.
8
Christopher C. Rowland. Christian Origins: The Setting and Character of the Most
Important Messianic Sect of Judaism. Wiltshire: Cromwell Press, 2002, p.195.
103
Espectadores do sagrado
primeiro século.9 Para ele, Paulo, o fariseu que adotou uma nova,
apocalíptica, mística e herética forma de judaísmo entre seus com-
patriotas, é o principal testemunho sobre questões que afetavam a
vida religiosa de judeus do primeiro século.10
Apesar de sua inegável grandeza literária, não há certeza de
tal grandeza de Paulo como indivíduo religioso em seu tempo.
Segundo Segal,11 a surpreendente independência dos evangelhos
(geralmente considerados um pouco mais tardios) em relação
a Paulo é evidência de que ele não era tão influente quanto se
tornou posteriormente.
Para Stendahl, apesar de Paulo ser citado pelos primeiros pais
cristãos, as evidências são de que representou muito pouco para o
pensamento da igreja nos primeiros trezentos e cinquenta anos.12
Especialmente a justificação pela fé, conceito tão importante no
Ocidente a partir de Agostinho e depois na Reforma, ficou esquecida.
No entanto, essas considerações de Stendahl dão a impressão de
que, na verdade, a grandeza paulina da perspectiva principalmente
protestante da justificação pela fé é que não era tão conhecida.
Agostinho de Hipona foi, de fato, apenas um marco na história da
igreja, que lançou luz sobre o tema, posteriormente retomado na
Reforma Protestante.
O procedimento típico de um discípulo que cita o que o
mestre disse em vida não caracteriza Paulo. Não há evidências
de que ele tenha falado com Jesus de Nazaré, o tenha conhecido
pessoalmente ou mesmo que o tenha visto. Daí, a relação de Paulo
apóstolo com Jesus tem sido motivo de grande debate.
9
Alan F. Segal. The Other Judaisms of Late Antiquity. Atlanta: Scholars Press, 1987, p.
xvi-xvii (Brown Judaic Studies 127).
10
Cf. Segal. Paul The Convert, p. xii exvi.
11
Alan F. Segal. Life After Death: A History of the Afterlife in the Religions of the West.
New York: Doubledy, 2004, p. 400.
12
Krister Stendahl. Paul among Jews and Gentiles. Philadelphia: Fortress Press, 1986, p. 83.
104
Julio Cesar Dias Chaves | Vicente Dobroruka (Org.)
13
David Wenham. Paul Follower of Jesus or Founder of Christianity? Grand Rapids /
Cambridge: Eerdmans, 1995, p. 408-410.
14
Nicholas T. Wright. What Saint Paul Really Said: Was Paul of Tarsus the Real Founder
of Christianity? Grand Rapids / Cincinnati: Eerdmans / Forward Movement
Publications, 1997, p. 179.
15
Archibald M. Woodruff. “A Igreja Pré-Paulina”. In: Revista de Interpretação Bíblica
Latino-Americana 22, 1995, p. 73.
16
Friedrich Nietzsche. “The first Christian (1880)” e “The Jewish dysangelist (1888)”.
In: Wayne A. Meeks (ed.). The Writings of St. Paul. New York: W. W. Norton &
Company. INC, 1972, p. 291 e 294 (A Norton Critical Edition).
105
Espectadores do sagrado
17
Rodrigo da Silva. “Cristianismo e corrupção paulina segundo a interpretação de
Friedrich Nietzsche”. Revista de Iniciação Científica da FFC 4 (3), 2004, p. 85.
18
Daniel Boyarin. A Radical Jew: Paul and the Politics of Identity. Berkeley/Los Angeles:
University of California Press, 1994, p.41 ss.
19
Margaret Y. MacDonald. “The shifting centre: ideology and the interpretation of
1 Corinthians”. In: Edward Adams e David G. Horrell (Ed.). Christianity at Corinth:
the Quest for the Pauline Church. Louisville / London: Westminster John Knox Press,
2004, p. 279-281.
20
Num importante trabalho, Seyoon Kim (The Origin of Paul’s Gospel. Grand Rapids:
Eerdmans, 1982. p. 2) defensor de que a origem do evangelho paulino está na
revelação de Jesus Cristo a ele na estrada de Damasco, afirma: “Estamos convencidos
de que quando tivermos respondido a questão [da origem do evangelho paulino]
depois de ouvir cuidadosamente o próprio testemunho de Paulo, seremos capazes
de entender muito melhor a verdade teológica que Paulo expõe em suas cartas – que
certamente é a preocupação de Barth e deveria ser a preocupação de todo exegeta
sincero da Escritura”. A questão aqui é que, influenciado por Karl Barth, Kim
relaciona a sinceridade do exegeta e o correto entendimento com descobrir a “verdade
teológica” que Paulo expõe. Mas é preciso reconhecer que a sinceridade do exegeta e
a precisão de seu trabalho não dependem de este concordar com Paulo.
21
Segal, Paul The Convert, p.xiii-xvi.
106
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22
Cf. também Segal, Life After Death, p. 399-400.
23
Stendahl. Paul among Jews and Gentiles, p. 85.
24
Paul J. Achtemeier. “Finding the way to Paul’s theology. A response to J. Christiaan
Beker and J. Paul Sampley” in: Jouette M. Bassler (ed.). Pauline Theology. Volume I:
Thessalonians, Philippians, Galatians, Philemon. Minneapolis: Fortress Press, 1994, p. 25.
25
James D. G. Dunn. “In quest of Paul’s theology: retrospect and prospect”. In:
Elizabeth E. Johnson e David. M. Hay (Ed.). Pauline Theology. Volume IV Looking
Back, Pressing on. Atlanta: Scholars Press, 1997, p. 95.
107
Espectadores do sagrado
26
Cf. Udo Schnelle. A Evolução do Pensamento Paulino. São Paulo: Loyola, 1999.
(Coleção Bíblica Loyola 27). P. 9-12 e 109-110. Por outro lado, Juan Luis Segundo,
em A História Perdida e Recuperada de Jesus de Nazaré – dos Sinóticos a Paulo. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 370-373, considerou que a ressurreição em 1º Tessalonicenses
4,13-18 tem caráter mais primitivo que o desenvolvimento em 1 Cor 15. Markus
Cromhout. “The Dead in Christ: recovering Paul’s understanding of the after-
life” in: Harvard Theological Studies 60 (1/2), 2004, p.83-84 e 87-100), por sua vez,
apresentou o que chama de “necrologia de Paulo”. Ele usa a expressão para descrever
um desenvolvimento das crenças de Paulo sobre o assunto. Desenvolvimento que
ocorreu a partir das circunstâncias em que viveu e de sua rica herança judaica. Para
esse autor, Paulo não tem uma escatologia fixa do estado dos mortos como produto de
uma teologia sistemática preconcebida ou como resultado de especulação quanto ao
além túmulo. Passagens como 1 Ts 4:13-18, 1 Cor 15, 2 Cor 5:1-10, abordadas por
Cromhout, ilustram bem as diferenças. Enquanto 1 Cor 15 e 1 Ts 4:13-18 falam da
ressurreição, esta última passagem como consolo para os que perderam entes queridos,
2 Cor 5:1-10 fala estranhamente de “estar no corpo” e “deixar o corpo”. Cf. Rudolf
Bultmann. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004, p. 258; nessa
última passagem Paulo se aproxima muito do dualismo gnóstico-helenista.
27
Mauro Pesce. As duas fases da pregação de Paulo. São Paulo: Loyola, 1996 (Coleção
Bíblica Loyola 20), p. 9.
28
Rowland, Christian Origins, p. xiii.
108
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29
Idem, p. 190.
30
Como mostram os artigos de Denise K. Buell e Caroline J. Hodge. “The politics of
interpretation: the rhetoric of race and ethnicity in Paul” in: Journal of Biblical Literature
123 (2), 2004, p. 235-251; e Charles H. Cosgrove. “Did Paul value ethnicity?”. In: Catholic
Biblical Quarterly 68 (2), 2006, p. 268-290, por exemplo, a reivindicação da identidade
judaica de Paulo está em vigoroso debate recentemente.
31
A separação entre judaísmo palestino, judaísmo helenista e samaritanismo tem sido
reconhecida ultimamente como uma ilusão moderna. Cf. Wayne A. Meeks. “Moses
as God and King” in: Jacob Neusner (ed.). Religions In Antiquity: Essays in Memory
of Erwin Ramsdell Goodenough. Eugene: Wipf & Stock Publishers, 2004, p. 354-371.
A opinião largamente aceita no início do séc. XX d.C. de que havia um judaísmo
normativo ortodoxo centrado em Jerusalém tem sido agora moderada pela aceitação de
que o judaísmo do séc. I d.C. não era nem uniformemente normativo, nem caoticamente
diverso ( James H. Charlesworth. “Introduction for the General Reader” in: The Old
Testament Pseudepigrapha. Vol.2. New York / London / Toronto / Sydney / Auckland:
Doubleday, 1985, p. xxix).
109
Espectadores do sagrado
32
Ben Witherington. The Paul Quest: The Renewed Search for the Jew of Tarsus. Downers
Grove / Leicester: InterVarsity Press, 1998, p. 142-143.
33
Nicholas T. Wright. “Putting Paul together again: toward a synthesis of Pauline
theology (1 and 2 Thessalonians, Philippians, and Philemon)” in: Jouette M.
Bassler (ed.). Pauline Theology. Vol. I: Thessalonians, Philippians, Galatians, Philemon.
Minneapolis: Fortress Press, 1994, p. 197.
34
Timóteo Carriker. “A apocalíptica judaica e o evangelho de Paulo”. In: Vox Scripturae
6 (2), 1996, p. 175.
35
Archibald T. Robertson. Épocas na Vida de Paulo. Rio de Janeiro: JUERP, 1982, p. 71-72.
110
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36
David S. Russell. Desvelamento Divino. São Paulo: Paulus, 1997, p. 19-59 (Nova
Coleção Bíblica).
37
Classificação semelhante também aparece em autores como Henry H. Rowley.
A Importância da Literatura Apocalíptica. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 54-156, e
Christopher C. Rowland. The Open Heaven: A Study of Apocalyptic in Judaism and
Early Christianity. New York: Crossroad, 1982, p. 14-22.
38
John J. Collins. The Apocalyptic Imagination. An Introduction to the Jewish Matrix of
Christianity. New York: Crossroad, 1989, p. 1-32.
39
Idem, p. 6.
111
Espectadores do sagrado
1 – Apocalipse de Sofonias
2 – Testamento de Abraão
3 – 3 Baruch
4 – Testamento de Levi 2-5
5 – 2 Enoch
6 – Similitudes (1 Enoch)
7 – Livro astronômico (1 Enoch)
8 – 1 Enoch 1-36
9 – Apocalipse de Abraão
10 – 2 Baruch
11 – 4 Ezra
12 – Jubileus
13 – Apocalipse das semanas (1 Enoch)
14 – Apocalipse dos animais (1 Enoch)
15 – Daniel
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
Cosmogonia x x x
Eventos
x x x x x x
primordiais
Revisão do
x x x
passado
Profecia ex
x x x x x x x
eventu
Perseguição x x x x x x
Outros
transtornos x x x x x x x x x x
escatológicos
Julgamento/
destruição do x x x x x x x x x x x x x x x
ímpio
Julgamento/
destruição do x? x x? x x? x x
mundo
Julgamento/
destruição dos x x x? x x x x x
seres do além
Transformação
x x x x x x x x x? x x x
cósmica
Ressurreição x x x x? x x
Outras formas
de vida após a x x x? x x x x x x x x? x?
morte
112
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40
Martinus de Boer. “A influência da apocalíptica judaica nas origens do cristianismo:
gênero, cosmovisão e movimento social”. In: Estudos de Religião 19, 2000, p. 11-24.
41
Adela Y. Collins. “Apocalyptic Themes in Biblical Literature”. In: Interpretation 53
(2), 1999, p. 117.
113
Espectadores do sagrado
Paulo está ligado a esta última situação. Não cabe aqui, portanto,
adentrar o extenso debate sobre as questões que envolvem as obras
apocalípticas,42 mas apenas abordar as relações temáticas paulinas
com tais obras e seus conceitos.
A combinação de elementos das obras tipicamente
apocalípticas também caracteriza uma espécie de escatologia
apocalíptica fora dos apocalipses, que identifica afinidades entre
alusões apocalípticas e o cenário apocalíptico das referidas obras.
Paulo está inserido nesse campo,43 embora, até onde se sabe, não
tenha escrito um apocalipse.
Vários temas que constam na tabela anterior são encontrados
em Paulo: perseguição (2 Cor 4:8 ss etc.); transtornos escatológicos,
julgamento e destruição dos ímpios, do mundo (1 Ts 5:1-10) e
dos anjos maus (1 Cor 6:3?); transformação cósmica e ressurreição
(Rm 8:18-23; 1 Cor 15 etc.). Consta ainda o tema da revelação dos
mistérios divinos (Gl 1:11ss; 1 Cor 2:6 ss), que não aparece na tabela.
A questão é também de cosmovisão apocalíptica, o modo
de ver o mundo que caracteriza os apocalipses, mas que não está
confinado a eles. Conforme Collins, a cosmovisão apocalíptica
não está presa a uma única forma literária, mas está, por exemplo,
presente em obras que pressupõem uma revelação apocalíptica, o
que seria o caso de Paulo.44
Mas Paulo deve ter sido um apocalipsista até mesmo quando
era fariseu, antes de se tornar seguidor de Jesus. Beker45 vê
evidências disso em seus próprios relatos de sua carreira farisaica
anterior em Gl 1 e Fl 3.46 Como fariseu, era integrante dos que se
42
Para Johan C. Beker ( Paul The Apostle: The Triumph of God in Life and Thought.
Philadelphia: Fortress Press, 1980, p. 136), a apocalíptica envolve três ideias básicas:
1) Dualismo histórico; 2) Expectativa cósmica universal; 3) Fim do mundo iminente.
43
Collins, The Apocalyptic Imagination, p. 9
44
John J. Collins. Apocalypticism in the Dead Sea Scrolls. London / New York: Routledge,
1997, p. 8.
45
Beker, Paul the Apostle, p. 143-144.
46
Adolf Deissmann. Paul: a Study in Social and Religious History. New York: Harper &
Row Publishers, 1957, p. 152, já havia dito algo parecido em relação ao misticismo
114
Julio Cesar Dias Chaves | Vicente Dobroruka (Org.)
paulino. Para ele, enquanto fariseu, Paulo era um místico acionário que se tornou um
místico reacionário a partir de sua experiência na estrada de Damasco.
47
Wayne A. Meeks. Os primeiros cristãos urbanos: o mundo social do apóstolo Paulo. São
Paulo: Paulinas, 1992, p. 251.
48
“Misticismo” é geralmente definido como experiência religiosa interior que
acompanha fenômenos de visões, transes e estados de êxtase e que, em alguns casos,
denota uma unio mística, isto é, uma unificação com o divino (Helmer Ringgren.
“Mysticism” in: David N. Freedman (ed.). The Anchor Bible Dictionary. Vol. 4. K-N.
New York: Doubleday, 1992, p. 945). Mas o termo aqui tem conotações ligadas ao
estudo do misticismo judaico em obras mais recentes (Gershom Scholem. As grandes
correntes da mística judaica. São Paulo: Perspectiva, 1972). Nesse sentido, Paulo era
tanto um místico como um apocalíptico, porque o misticismo judaico do primeiro
século era apocalíptico (Segal, Paul The Convert, p. 34). As definições desse tipo são
úteis para fins de clareza, ainda que seja necessário lembrar, com Meeks, Os primeiros
115
Espectadores do sagrado
cristãos, p. 261, que o uso delas cria certa abstração, até porque os religiosos antigos
não as usaram para definir suas próprias crenças.
49
Deissmann, Paul: a Study in Social and Religious History, p. 135-157.
116
Julio Cesar Dias Chaves | Vicente Dobroruka (Org.)
50
Albert Schweitzer. O misticismo de Paulo o Apóstolo. São Paulo: Novo Século, 2003, p.
7-63.
51
Martin Dibelius. “Mystic and prophet” in: Wayne A. Meeks (ed.). The Writings of St.
Paul. New York: W. W. Norton & Company. INC, 1972, p. 395-396, 398, 405 ss.
52
Dibelius exemplifica dizendo que Paulo declarou que Cristo vive nele (Gl 2:20) e que ele pode
todas as coisas em Cristo (Fl 4:13), mas nunca disse: eu sou Cristo e Cristo sou eu.
53
Rudolf Bultmann. Jesus Cristo e mitologia. São Paulo: Novo Século, 2000, p. 26-27.
54
Bultmann, Teologia do Novo Testamento, p. 242 ss.
117
Espectadores do sagrado
118
Julio Cesar Dias Chaves | Vicente Dobroruka (Org.)
Paulo era algo que ficava mais ou menos suspenso no ar. O que
significa misticismo nesse caso? Em outras palavras, se não existe
misticismo como tal, mas somente misticismo de um sistema
religioso,60 a que sistema religioso pertenceria o misticismo do
apóstolo Paulo?
Schweitzer criticou a exposição do misticismo paulino feita
por Deissmann porque parecia estar ancorada nas águas inseguras
da experiência subjetiva damascena, visto que o próprio Paulo
quase não se refere a ela.61
Na verdade, Paulo não se refere a qualquer experiência
damascena específica. O máximo que ele mesmo diz é que ao
receber a revelação divina não foi a Jerusalém buscar confirmação
Religion of Paul the Apostle. New Haven / London: Yale University Press, 2000, p. 243).
Esses estudos vêm ganhando ímpeto principalmente a partir das duas últimas décadas
do séc.XX. Merkavah ou “misticismo da merkavah” se refere a uma literatura judaica
que gira em torno da merkavah, palavra hebraica que significa “carruagem”, aludindo
a uma experiência visionária da glória de Deus numa espécie de “trono-carruagem”.
Essa palavra deriva de 1 Cr 28:18 que fala da “carruagem do querubim” que suportava
a Arca da Aliança no Santo dos Santos e foi bem cedo ligada às visões de Ezequiel
conforme Eclo 49:8 e 4Q385 fr.4 (Christopher Morray-Jones. “The Temple within:
the embodied divine and its worship in the Dead Sea Scrolls and other early Jewish
and Christian sources”. In: Society of Biblical Literature Seminar Papers 1 (37), 1998,
p. 400-409). Está geralmente ligada a um tipo de misticismo que tem na visão de
Ez 1 uma fonte primária (Scholem, Grandes correntes, p. 41) como seu texto mais
importante (Alan F. Segal. The Other Judaisms of Late Antiquity. Atlanta: Scholars
Press, 1987, p. 25), mas que recebeu desenvolvimento na literatura mística judaica
posterior, de modo especial na apocalíptica. Embora a palavra merkavah não apareça
no texto de Ezequiel, dele se desenvolveu o conceito no misticismo judaico que vai
até os tempos da Kabala. George A. Cooke. A Critical and Exegetical Commentary on
the Book of Ezekiel. Edinburgh: T & T Clark, 1985, p. 22-23; Joseph Dan. The Ancient
Jewish Mysticism. Tel-Aviv: Mod Books, 1993, p. 7-24 apresentam uma introdução
resumida desse tipo de literatura.
60
Scholem, Grandes correntes, p. 6-8, embora fale desse fenômeno genericamente como
“experiência fundamental do eu íntimo que entra em contato imediato com Deus
ou com a Realidade metafísica”, afirma que se trata de um estágio bem definido no
desenvolvimento histórico da religião e que aparece sob condições bem definidas.
Para ele, não há misticismo como tal, mas apenas misticismo de um sistema religioso
particular.
61
Schweitzer, O misticismo de Paulo, p. 57-58.
119
Espectadores do sagrado
62
Tradicionalmente essa passagem é entendida como uma referência ao que At 9:1 ss.
narra. Entretanto, isso tem sido questionado, como será visto na abordagem de Gl 1
adiante. De qualquer forma, a referência à “experiência damascena” de Paulo precisa
levar em conta que, em última análise, depende de um relato de segunda mão em At.
63
Ashton, The Religion of Paul, p. 143-144.
64
Kim, Paul’s Gospel, p.1-2, 78, 233 ss.
65
Idem, p. 3.
66
Günther Bornkamm. Pablo de Tarso. Salamanca: Sigueme, 1991, p. 48.
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Paulo, o visionário
Existem testemunhos na correspondência paulina que dão
indícios de um contexto mais amplo visionário revelacional de
sua experiência religiosa. Nesse contexto estaria inserida sua
concepção de transformação no sentido místico apocalíptico
(2 Cor 3:7-18).68
67
Segal, Paul The Convert, p.37; Christopher Morray-Jones. “Paul’s heavenly ascent and
its significance” in: Harvard Theological Review 86.3. Boston: Harvard University
Press, 1993, p.1 ss; James M. Scott. 2 Corinthians. Peabody / London: Hendrickson
Publishers / Paternoster Press, 1998, p. 237.
68
Foi principalmente esse conceito de transformação que desenvolvi em minha tese
de doutorado ( Jonas Machado. Transformação mística na religião do apóstolo Paulo.
A recepção do Moisés glorificado em 2 Coríntios na perspectiva da experiência religiosa. São
Bernardo do Campo, UMESP, 2007, p. 63 ss).
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Espectadores do sagrado
2 Cor 12:
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69
As traduções dos textos paulinos são minhas a partir do NTG.
70
Bultmann, Teologia do Novo Testamento, p. 409.
71
Victor P. Furnish. II Corinthians. New York: Doubleday, 1984, p. 524 e 543.
72
Scott, op.cit, p. 458 concluiu de modo tipicamente tradicional dizendo que Paulo não
considerava importantes experiências privadas desse tipo.
73
Robertson, A Grammar of the Greek New Testament, p. 790 ss.
74
Morton Smith. The Cult of Yahweh. Leiden / New York/ Köln: Brill, 1996, vol. 2, p. 64-67.
75
Smith cita Rm 15:17 ss; 1 Cor 1:29-31;2 Cor 10:17; 12:5; Gl 6:14.
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Espectadores do sagrado
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81
Rowland, Paul, p. 3.
82
Rowland, The Open Heaven, p. 386.
83
As possíveis relações entre a quantidade dos céus (três/sete) e o paraíso foram
apresentadas em Machado, Paulo, o visionário, p. 181-185.
84
Scholem, As grandes correntes, p. 53.
125
Espectadores do sagrado
85
Ct 4:13; Ecl 2:5; Ne 2:8.
86
Test12Lv 18:10-11; Lc 23:43; Ap 2:7. Cf. Machado, Paulo, o visionário, p. 182-183.
87
Morray-Jones, “Paul’s heavenly ascent”, p.1 ss.
88
Scott, 2 Corinthians, p. 223.
89
Machado, Paulo, o visionário, p. 173-174.
90
Morray-Jones, “Paul’s heavenly ascent”, p. 3.
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91
Esta é a transliteração de Morray-Jones.
92
Mircea Eliade. O xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase. São Paulo: Martins Fontes,
1998, p. 152-153.
93
Segal, Paul the Convert, p. 58-59.
94
Is 6, Ez 1, 1 En 14, 2 En 21, 4Ezra 7, Ap 1:17 (Machado, Paulo, o visionário, p. 175-177).
127
Espectadores do sagrado
Palavras indizíveis
A expressão no versículo 4 “palavras indizíveis” não se refere
a palavras impossíveis de serem ditas, como indicam algu-
mas versões.95 Eram coisas que não podiam ser pronunciadas
abertamente. Este parece ser o sentido para o que vem na sequência
do versículo: “as quais não é permitido a um homem falar”.
No mundo judaico, Jeremias cita Hagigah 2.1 e chama isso
de “tradição esotérica”, na qual os segredos divinos eram temas
de conversas privadas entre mestre e discípulo. Lembra o enigma
das parábolas (Mc 4:11 e paralelos) em que só aos iniciados é
permitido conhecer os mistérios do reino de Deus.96
Essas palavras podem indicar uma proibição divina típica na
mística judaica e na restrição geral na apocalíptica em descrever
certos aspectos da jornada celestial.97
Pode ser que nesse texto paulino a proibição seja temporária.98
De qualquer forma, para o momento o importante não era o
95
Neste caso, “palavras inexprimíveis” (Bíblia Tradução Ecumênica. Vários Tradutores.
São Paulo: Loyola, 1994) ou “inefáveis” (Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira
de Almeida. Edição Revista e Atualizada no Brasil. Barueri: Sociedade Bíblica do
Brasil, 1993 e Bíblia de Jerusalém) não é a melhor tradução. A NVI (Bíblia Sagrada
Nova Versão Internacional. Tradução da Sociedade Bíblica Internacional. São Paulo:
Editora Vida, 2000) também traz “indizíveis”.
96
Jörg Jeremias. Jerusalém no Tempo de Jesus: Pesquisas de História Econômico-Social
no Período Neotestamentário. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 323.
97
Cf. Scott, 2 Corinthians, p.223. Em Dn 12:4 o visionário recebe ordem de guardar segredo
no momento até que chegue o tempo certo de revelá-lo. Em Ap 10:4 João é proibido
de escrever as palavras dos “sete trovões” e em 14:3 só os cento e quarenta e quatro mil
aprendem o novo cântico. No Testamento de Levi 8:19 há algo semelhante, embora não em
tom de proibição. Ali o visionário guarda segredo no seu coração e não conta a nenhum dos
homens na terra. Em certos casos, a ordem ou decisão de guardar segredo concorre com o
paradoxo de deixá-lo registrado no livro.
98
Rowland, The Open Heaven, p. 383.
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99
Em At 2:11, em que o falar em línguas é falar em idioma conhecido, este fenômeno é
descrito como falar das grandezas de Deus. Talvez uma versão lucana missionária do
falar em línguas, mas que foi influenciada pela tradição da glossolalia paulina.
100
Ernst Käsemann. Commentary on Romans. Grand Rapids: Eerdmans, 1980, p. 240.
101
Peter Schäfer. Synopse zur Hekhalot-Literatur. In Zusammenarbeit mit Margarete
Schlüter und Hans Georg Von Mutius. Tübingen: Mohr, 1981, p.146-149 § 348-352.
102
Scholem, As grandes correntes, p. 75-79.
103
“Moisés disse a eles, a estes e aqueles, não batei com palavras de assim é dito:
abençoada a glória de JaHVeH desde o lugar dele” – tradução minha a partir do
hebraico in: Schäfer, Synopse zur Hekhalot-Literatur.
104
Morray-Jones, “Paul’s heavenly ascent”, p. 8.
105
Furnish, II Corinthians, p. 547 ss.
106
Murphy-O’Connor, Paulo: biografia crítica, p. 325.
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Espectadores do sagrado
1 Coríntios 2
A possessão por espírito divino é uma das características
principais do êxtase e viagens ao além em praticamente todas as
religiões.110 Ao mesmo tempo, numa abordagem dessa passagem
da primeira Carta aos Coríntios, Belleville constatou que a
107
O Rabi Akiba fala que em sua ascensão saíram “anjos da destruição para me destruir”.
Essa narrativa está em Schäfer, Synopse zur Hekhalot-Literatur p. 248 § 673. Algo
semelhante também é narrado em outros lugares (idem, p. 92-93 § 213-215; p. 96-99
§ 224-228; p. 114-117 § 258-259; p. 146 § 346; p. 172-173 § 407-410). Cf. também
Morray-Jones, “Paul’s heavenly ascent”, p. 8 e Scott, op.cit. p. 228.
108
Jeremias, op.cit. p. 324.
109
Rowland, The Open Heaven, p. 70-72.
110
Ioan M. Lewis. Êxtase religioso. São Paulo: Perspectiva, 1977, p. 14-17 e 52-58.
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