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13
Jul/Dez 2009
CENTRO DE ESTUDOS E APERFEIÇOAMENTO FUNCIONAL
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Santo Agostinho, Belo Horizonte - MG Santo Agostinho, Belo Horizonte - MG
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(Contact: Alessandra de Souza Santos, Ms.)
Semestral.
ISSN: 1809-8487
Continuação de: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
O novo título mantém a seqüência numérica do título anterior.
CDU. 34
CDD. 342
Descritores / Main entry words: Direito, Ministério Público, Direito Coletivo, Direitos
Fundamentais, Neoconstitucionalismo, Multidisciplinariedade, Transdisciplinariedade
/ Law, Public Prosecution Service, Collective Rights, Fundamental Rights,
Neoconstitutionalism, Multidisciplinarity, Transdisciplinarity.
PEDE-SE PERMUTA
WE ASK FOR EXCHANGE
ON DEMANDE L’ÉCHANGE
MANN BITTET UM AUSTAUSCH
SI RIQUIERE LO SCAMBIO
PIDEJE CANJE
Foto da capa:
Escultura barroca em pedra-sabão representando a Justiça, cuja autoria
é atribuída ao português Antônio José da Silva Guimarães e datada como
anterior a 1840. Faz parte da obra que representa as quatro virtudes cardeais
– Prudência, Justiça, Temperança e Fortaleza – que se encontram na antiga
Câmara e Cadeia de Vila Rica, atual Museu da Inconfidência de Ouro Preto.
Linha Teórica:
A Revista De Jure foi sistematizada dentro de uma nova filosofia pluralista trans-
e multidisciplinar, permitindo o acesso à informação em diversas áreas do Direito
e de outras ciências. A revista destina-se aos operadores de Direito e sua linha
teórica segue, principalmente, o pós-positivismo jurídico no que é denominado
neoconstitucionalismo, valorizando a Constituição Federal de 1988 como centro
de irradiação do sistema e como fonte fundamental do próprio Direito nacional. O
neoconstitucionalismo é a denominação atribuída a uma nova forma de estudar,
interpretar e aplicar a Constituição de modo emancipado e desmistificado. A
finalidade é superar as barreiras impostas ao Estado Constitucional Democrático
de Direito pelo positivismo meramente legalista, gerador de bloqueios ilegítimos
ao projeto constitucional de transformação, com justiça, da realidade social.
Theoretical Profile:
The Journal De Jure was systematized according to a new philosophy pluralist,
trans- and multidisciplinar, allowing the access to information in many areas of
Law and of other Sciences. It is intended for law enforcement agents and its
theoretical grounds mainly follow the legal post-positivism doctrine, with a special
emphasis on the neoconstitutionalist approach. Neoconstitutionalism is a new
theory to study, interpret and enforce the Constitution, aiming at overcoming
barriers imposed to the lawful democratic states by the legal positivism,
which blocks the constitutional project of transformation of the social reality.
The responsibility for the content of the articles is solely of their respective authors.
De Jure - Revista Jurídica do Ministério
Público do Estado de Minas Gerais
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
Procurador de Justiça Alceu José Torres Marques
EDITOR RESPONSÁVEL
Promotor de Justiça Gregório Assagra de Almeida
CONSELHEIROS CONVIDADOS
Prof. Antônio Gidi (Houston University, USA)
Prof. Eduardo Ferrer Mac-Gregor (Universidad Nacional Autônoma de México, México)
Prof. Eduardo Martinez Alvarez (Universidad Del Museo Social Argentino, Argentina)
Prof. Juan Carlos Ferré Olivé (Universidad de Huelva, Espanha)
Prof. Mário Frota (Associação Portuguesa de Direito do Consumo, Portugal)
Prof. Michael Seigel (University of Florida, USA)
Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (Mininstro do STJ)
Prof. Aziz Tuffi Saliba (Fundação Universidade de Itaúna)
Prof. Humberto Theodoro Júnior (UFMG)
Prof. Juarez Estevam Xavier Tavares (Sub-Procurador-Geral da República, UERJ)
Prof. Luciano José Alvarenga (Fundação Comunitária e Cultural de João Monlevade - FUNCEC)
Prof. Luiz Flávio Gomes (Coordenador Rede LFG – São Paulo)
Prof. Luiz Manoel Gomes Júnior (Fund. Uni. de Itaúna, Consultor da ONU, Consultor do Ministério de Justiça)
Profª. Maria Garcia (PUC/SP)
Profª. Maria Tereza Aina Sadek (USP)
Prof. Mário Lúcio Quintão Soares (PUC/MG)
Profª. Miracy Barbosa de Sousa Gustin (UFMG)
Prof. Nelson Nery Junior (PUC/SP)
Prof. Nilo Batista (UERJ)
Prof. Ricardo Carneiro (Fundação João Pinheiro)
Profª. Rosânia Rodrigues de Sousa (Fundação João Pinheiro)
Prof. Rosemiro Pereira Leal (PUC/MG)
Promotor de Justiça Robson Renault Godinho (Estado do Rio de Janeiro)
Promotor de Justiça Emerson Garcia (Estado do Rio de Janeiro)
EDITORAÇÃO
Alessandra de Souza Santos
Fernando Soares Miranda
João Paulo de Carvalho Gavidia
Luciana Perpétua Corrêa
Luciano José Alvarenga
Paôla Bruna de Oliveira
Samuel Alvarenga Gonçalves
REVISÃO
Alessandra de Souza Santos
Dalvanôra Noronha Silva
Daniela Paula Alves Pena
Beatriz Garcia Pinto Coelho (estágio supervisionado)
Gabriela Nunes Gomes (estágio supervisionado)
CAPA
Alex Lanza (Foto da Estátua da Justiça)
João Paulo de Carvalho Gavidia (Arte)
TRADUÇÃO
Alessandra de Souza Santos
De Jure - Journal of the Public Prosecution
Office of the State of Minas Gerais
ATTORNEY-GENERAL
Minas Gerais State Prosecutor Alceu José Torres Marques
CHIEF EDITOR
Minas Gerais State Prosecutor Gregório Assagra de Almeida
PROOF READING
Alessandra de Souza Santos
Dalvanôra Noronha Silva
Daniela Paula Alves Pena
Beatriz Garcia Pinto Coelho (intern)
Gabriela Nunes Gomes (intern)
COVER
Alex Lanza (Photo of the Statue of Justice)
João Paulo de Carvalho Gavidia (Design)
TRANSLATION
Alessandra de Souza Santos
Prefácio
C
hegamos ao número 13 da nossa ao Ministério Público do Estado de Minas
Revista De Jure – Revista Jurídica Gerais, com o fito de oxigenar a discussão
do Ministério Público do Estado e a produção intelectual da Instituição
de Minas Gerais, compartilhando os frutos mineira!
do nosso sucesso com nossos caríssimos
colaboradores e leitores! Nesta edição, dentre outras preciosas
colaborações, a Revista De Jure aborda a
A Revista De Jure apresenta nova forma de diversidade cultural derivada de processos
submissão de artigos. A partir de agora, essa de imigração e suas conseqüências do
etapa tornar-se-á eletrônica e será feita por ponto de vista do sistema penal europeu,
intermédio do sítio sob a ótica do renomado
www.mp.mg.gov.br/dejure. Prof. Juan Carlos Ferré
Os autores deverão "O Conselho Olivé, da Espanha; aborda
inscrever-se em formulário
próprio constante do
Editorial conta com ainda em sua seção de
Doutrina Internacional o
sítio, enviando o arquivo diversos e notáveis crime organizado do ponto de
vista da Criminologia, em um
por upload. O novo sítio
exclusivo da revista traz juristas convidados, estudo local sobre a máfia
também todas as edições russa, de autoria do ilustre
produzidas, inclusive os provenientes Prof. Miguel Ángel Núñez
Paz, da Espanha. A Profª.
números já esgotados,
que foram digitalizados, as
de instituições Maria Coeli Simões Pires nos
normas de submissão e
informações gerais acerca
exógenas ao brinda com um estudo sobre
a proteção ao patrimônio
da revista. Ministério Público." cultural, abordando aspectos
conceituais e a valorização
Além disso, buscando da participação da sociedade
sempre aprimorar a qualidade de nossas nas políticas públicas. Na
publicações, o Conselho Editorial priorizará seção “Palestra”, a Promotora de Justiça
a publicação de artigos inéditos, para Maria Elmira Evangelina do Amaral Dick
cumprirmos o propósito vanguardista e brilhantemente discorre sobre o tema
inovador da De Jure. "Improbidade Administrativa e Lesão ao
Patrimônio Cultural".
Outra novidade que, certamente, abrilhantará
ainda mais nosso Conselho Editorial é a O êxito de nossas edições se deve à
recente inclusão dos renomados juristas participação não somente dos membros
e acadêmicos: Prof. Eduardo Martinez e servidores do Ministério Público mas
Alvarez (Universidad Del Museo Social também de operadores do Direito externos
Argentino, Argentina) e Prof. Luiz Manoel à Instituição, que contribuem sobremaneira
Gomes Júnior (Fundação Universidade de para um verdadeiro debate acadêmico das
Itaúna, Consultor do Ministério da Justiça e mais variadas questões.
da ONU). O Conselho Editorial conta com
diversos e notáveis juristas convidados,
provenientes de instituições exógenas Gregório Assagra de Almeida
Diretor do CEAF
Colaboradores desta edição
NORMÉLIA MIRANDA
Oficial do Ministério Público do Estado de Minas
Gerais; Graduada em Gestão Pública pelo Centro
Universitário Belo Horizonte – Uni-BH
E-mail: normeliam@yahoo.com.br
"A
liberdade sem o essenciais. Nesse contexto, a “De
aprendizado está Jure” é uma importante ferramenta
sempre em perigo. O de divulgação da produção técnico-
aprendizado sem a liberdade é sempre científica não somente em nível
em vão”. Sabiamente, John Fitzgerald institucional mas também como
Kennedy proferiu essa célebre instrumento fomentador de debates
frase em um de seus discursos. A necessários para a compreensão
sociedade brasileira tem passado por dessas transformações sociais. Seu
inúmeras transformações desde a caráter pluralista, sua estruturação
Constituição de 1988, a acadêmica, amplitude
chamada “Constituição
cidadã”. Essa nova
“... a 'De Jure' é interdisciplinar credenciam
temática e vocação
1 ASSUNTOS GERAIS
Doutrina Internacional • 25 Doutrina Nacional • 63 Palestra • 124 Diálogo Multidisciplinar • 139
Português 537
English 541
Assuntos
Gerais
1 Doutrina Internacional
KEY WORDS: Cultural diversity; European penal systems; Ethnic, racial or religious
reasons.
1. Aproximación
Uno de los fenómenos más complejos de nuestro tiempo - desde un punto de vista
jurídico y social – se encuentra en el modelo de convivencia multicultural que están
adoptando los seres humanos, producto de los procesos migratorios. Se puede
Podemos afirmar que a comienzos el siglo XXI prácticamente todos los Estados del
mundo son multiculturales. El problema se localiza en las formas de interrelación
entre estos modos de vida tan diversos, es decir, la tendencia a enfrentamientos y
desencuentros que puede llevar a situaciones de conflicto. El punto de partida es
el de la desigualdad entre culturas, que en ocasiones conduce al etnocentrismo, es
decir, como lo define el Diccionario de la Real Academia de la Lengua, “una tendencia
emocional que hace de la cultura propia el criterio exclusivo para interpretar los
comportamientos de otros grupos, razas o sociedades”. Por este motivo y como
principio aplicable a todas estas situaciones se hace necesario subrayar que ninguna
cultura es portadora de verdades absolutas2.
2. La multiculturalidad en Europa
26 • Doutrina Internacional
Podemos afirmar que en principio todo aquel que se traslada debe adaptarse al
país de acogida, incluso renunciando parcialmente a sus hábitos y tradiciones. Pero
la integración no supone que deban asumirse todos los valores dominantes en el
lugar de destino. Se pretende la convivencia pacífica entre todos los grupos sociales
y culturales, sin olvidar que la migración humana es tan necesaria para los que
ofrecen como para los que reciben el trabajo. Esto supone que todos los grupos
implicados deben conciliar sus diferencias guiados por el diálogo y el principio de
tolerancia. Corresponde a cada Estado planificar la integración, salvaguardando los
distintos espacios culturales y sin olvidar en ningún momento que existe un auténtico
Derecho a la diversidad.
Como presupuesto básico debemos recordar que todos aquellos que pertenecen
a una minoría étnica, religiosa o lingüística son titulares del conjunto de Derechos
consagrados en la Declaración Universal de Derechos Humanos de Naciones Unidas
y demás instrumentos jurídicos internacionalmente vinculantes4. Sin embargo,
necesariamente deben existir limitaciones o restricciones a ciertas manifestaciones
culturales, pues algunas costumbres aceptadas en los países de origen pueden
ser totalmente incompatibles con el marco jurídico del país de acogida. Piénsese
en ciertas prácticas que son punibles para la cultura europea, como por ejemplo
la mutilación genital femenina que es habitual en distintos países africanos, o la
propensión a la poligamia, que es plenamente legal en algunas naciones asiáticas.
Una vez trazado este marco global, analizaremos algunos problemas penales que
plantea la multiculturalidad en Europa. Por una parte, la diversidad debe encontrarse
penalmente protegida de eventuales excesos y ataques. Uno de los motivos de
mayor preocupación es el de la violencia racista, que ha ido potenciando la aparición
en los distintos Estados de normas penales antidiscriminatorias. Así, por ejemplo, el
Código Penal español considera como circunstancia agravante genérica obrar con
finalidades excluyentes, es decir, “cometer el delito por motivos racistas, antisemitas
u otra clase de discriminación referente a la ideología, religión o creencias de la
víctima, la etnia, raza o nación a la que pertenezca, su sexo u orientación sexual, o
4
Así, el Pacto Internacional de Derechos económicos, sociales y culturales de la ONU de 1966, el Pacto
Internacional de Derechos Civiles y Políticos de la ONU de 1966, la Convención Europea de Derechos
Humanos de 4 de noviembre de 1950 y sus Protocolos adicionales.
5
Cfr. Bernardi, op. cit. P. 29 y sig.
Por otra parte, la ancestral costumbre que existe en algunos países africanos de
practicar la mutilación genital femenina pretende encontrar amparo en motivos
sociológicos, sexuales o religiosos. UNICEF cifra en más de 100 millones las
mujeres actualmente vivas pertenecientes a 28 países que padecen la mutilación
del clítoris, lo que les genera problemas de salud irreversibles7. Evidentemente se
trata de una conducta punible, al menos en los Códigos penales europeos, a través
de distintas modalidades de lesiones corporales o como ha estructurado el Código
penal español, a través de la tipificación de una figura específica:”El que causara a
otro una mutilación genital en cualquiera de sus manifestaciones será castigado con
la pena de prisión de seis a doce años.. ”(art. 149.2)8. Sin embargo, se ha constatado
una práctica frecuente que consiste en enviar a las menores a los países de origen,
presuntamente para visitar a su familia, pero con la auténtica finalidad de practicar
allí la mutilación genital. Al ser en ese país una práctica permitida, la conducta de los
progenitores o tutores deviene impune. Para intentar impedir estos comportamientos
se han articulado importantes cambios legislativos. Así, en España se ha llevado
a cabo una modificación del Principio de Justicia Universal. En la actualidad, la
Ley Orgánica del Poder Judicial establece en su art. 23.4, letra h, la competencia
de los Tribunales españoles para juzgar los delitos relativos a la mutilación genital
femenina, siempre que los responsables se encuentren en España. En consecuencia,
la responsabilidad penal podrá recaer en los tutores, padres o responsables que
envíen dolosamente a las menores a sus países de origen consintiendo la práctica
de mutilaciones genitales.
28 • Doutrina Internacional
penal, ya que los Códigos penales europeos sancionan contraer un matrimonio
ulterior conociendo que subsiste legalmente el anterior. En algunos supuestos
podrán presentarse situaciones de error sobre la vigencia del matrimonio anterior,
o incluso sobre el marco normativo que establece la prohibición, lo que puede tener
consecuencias jurídicas importantes en materia de error9.
Queda por último formular una breve referencia a una tesis en relativo auge en
Europa, que a mi entender guarda relación con la multiculturalidad. Me refiero a la
pretensión de crear un nuevo espacio punitivo conocido como “Derecho penal del
enemigo”. Debe atribuirse a Günther Jakobs el haber acuñado esta terminología
–con toda la carga ideológica que entraña- sentando las bases científicas para
defender y expandir este modelo10. Jakobs divide a los individuos que participan en
la sociedad en dos grupos: por un lado, los que colaboran con el funcionamiento del
orden jurídico, a quienes llama ciudadanos. Por otro lado, un grupo de sujetos que
habría degenerado, respecto a quienes no existen expectativas de cumplimiento
de sus deberes hacia la sociedad. Estos sujetos no colaboran con el orden jurídico
por diversos motivos (puede pensarse, por ejemplo, en delincuentes terroristas,
delincuentes profesionales o multirreincidentes). Todos ellos se han convertido en
enemigos de la sociedad, en “No Personas”, porque ponen en peligro la vigencia del
ordenamiento jurídico. Se propone para estos sujetos un tratamiento jurídico distinto,
en términos generales mucho más duro, sometiéndolos a una pérdida sustancial
de garantías penales y procesales. Según este planteamiento, sus conductas
deben “combatirse” con medidas especialmente asegurativas. Pero en esta lista de
enemigos o inadaptados pueden tener fácil cabida todos aquellos que pertenecen
a otra etnia, lengua, raza o religión. Considero que en última instancia el Derecho
penal del enemigo está basado en el etnocentrismo y en una pretendida superioridad
europea.
9
Cfr. Mir Puig, Matrimonios ilegales en el Código Penal, Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales,
1974, III p. 433 y sig. , en particular p. 457 y sig.
10
Cfr. Jakobs y Cancio Meliá, Derecho penal del enemigo, 2ª. ed. Madrid, 2006, passim.
11
Cfr. Muñoz Conde, Edmund Mezger y el Derecho penal de su tiempo, 4ª. ed. Valencia, 2003, pp. 124.
30 • Doutrina Internacional
fue expropiado por los colonizadores. El Derecho de estos últimos desplazó a las
normas de convivencia consuetudinarias por las que se regían las comunidades
indígenas hasta entonces. En la España del momento se cuestionaba si los indios
eran hombres libres o esclavos, lo que originó un gran debate teológico y jurídico en
la Universidad de Salamanca. Los indígenas contaron con la extraordinaria defensa
del padre Bartolomé de las Casas y en la discusión académica cobró gran relevancia
Francisco de Vitoria inspirador de una importante escuela de Derecho Internacional,
conocida como Escuela de Salamanca. Se llegó a la conclusión de que los indios
no eran esclavos ni seres inferiores: eran iguales a cualquier otro ser humano y
podían ser dueños de tierras y bienes. Sin embargo, la aplicación política posterior
de estas ideas se concretó en la consideración de que eran ciudadanos libres pero
no del todo, pues tenían una capacidad disminuida o limitada. Por ello, debían estar
sometidos a tutela (libertad tutelada) y trabajar en las llamadas “encomiendas”, que
estando ideadas para velar por su bienestar y formación, se convirtieron de hecho en
una sucesión de trabajos forzados. Este sistema beneficiaba económicamente a la
Corona, que necesitaba grandes sumas de dinero para poder sufragar sus guerras
en Europa. En este marco es evidente la pérdida de autogobierno que padecieron
estas sociedades y consecuentemente la imposibilidad de contar con un sistema
punitivo propio.
15
Cfr. Hurtado Pozo, El indígena.. op. cit. p. 36 y sig.
16
Sobre la génesis y contenido del Convenio, Cfr. GÓMEZ, El convenio 169 de la Organización Inter-
nacional del Trabajo, en AAVV, Pueblos Indígenas y Derechos Humanos, Bilbao, 2006.
17
Dice el Convenio OIT 169: Art. 8.1. Al aplicar la legislación nacional a los pueblos interesados
deberán tomarse debidamente en consideración sus costumbres o su derecho consuetudinario. 2. Dichos
pueblos deberán tener el derecho de conservar sus costumbres e instituciones propias, siempre que éstas
no sean incompatibles con los derechos fundamentales definidos por el sistema jurídico nacional ni con
los derechos humanos internacionalmente reconocidos. Siempre que sea necesario, deberán establecerse
procedimientos para solucionar los conflictos que puedan surgir en la aplicación de este principio. 3.
La aplicación de los párrafos 1 y 2 de este artículo no deberá impedir a los miembros de dichos pueblos
ejercer los derechos reconocidos a todos los ciudadanos del país y asumir las obligaciones correspon-
dientes. Art. 9.1. En la medida en que ello sea compatible con el sistema jurídico nacional y con los
derechos humanos internacionalmente reconocidos, deberán respetarse los métodos a los que los pue-
blos interesados recurren tradicionalmente para la represión de los delitos cometidos por sus miembros.
2. Las autoridades y los tribunales llamados a pronunciarse sobre cuestiones penales deberán tener en
cuenta las costumbres de dichos pueblos en la materia. Artículo 10.1 Cuando se impongan sanciones
penales previstas por la legislación general a miembros de dichos pueblos deberán tenerse en cuenta sus
características económicas, sociales y culturales. 2. Deberá darse preferencia a tipos de sanción distintos
al encarcelamiento.
18
Cfr. Ardito, Cambios y perspectivas dentro del derecho consuetudinario q’eqchi, en Revista Pena y
Estado nº 4, 1999, p. 17.
32 • Doutrina Internacional
consuetudinario ya desaparecido. Por el contrario, existen pueblos que mantienen
plenamente vigente un sistema sancionatorio basado en costumbres ancestrales.
Evidentemente será distinta la situación en los países que son signatarios del
Convenio 169 de la OIT respecto a los que no lo han suscrito o ratificado. En relación
a los países signatarios del Convenio, es necesario saber cuándo la actividad punitiva
ejercitada por las autoridades indígenas es conforme a la Constitución y las leyes. La
aplicación del Convenio exige que el derecho positivo establezca los parámetros de
compatibilidad con el sistema jurídico formalizado: la validez de los procedimientos y
el reconocimiento de las sentencias que evite el doble juzgamiento. En otras palabras,
las normas del Estado deben permitir expresamente a las comunidades indígenas
o campesinas el ejercicio de este ius puniendi19. Esto es lo que ha ocurrido con los
países andinos, concretamente Colombia, Perú, Bolivia, Ecuador y Venezuela, que se
declaran Estados multiétnicos y en consecuencia han consagrado en sus respectivas
constituciones un sistema jurídico dualista en el que, junto al marco normativo estatal
formalizado, convive el reconocimiento pleno del derecho consuetudinario indígena.
Por ello puede apreciarse que coexisten dos sistemas jurídicopenales20, aunque el
problema sea, lógicamente, compatibilizarlos21. Para poder hacerlo se debe contar
con normas de desarrollo. Así, por ejemplo, en el caso colombiano se recurre a la
Ley Estatutaria de la Administración de Justicia, que coloca dentro de la estructura
judicial una Jurisdicción de las comunidades indígenas, estableciendo en su artículo
12: [...]“Las autoridades de los territorios indígenas previstos en la Ley ejercen sus
funciones jurisdiccionales únicamente dentro del ámbito de su territorio y conforme
a sus propias normas y procedimientos los cuales no podrán ser contrarios a la
Constitución y las leyes”. Sin embargo, hay que tener presente lo que ha puesto de
manifiesto la Corte Constitucional colombiana, entendiendo que la responsabilidad
de las autoridades indígenas que ejercen funciones jurisdiccionales es igual a la
de un funcionario o empleado judicial, por lo que además de estar sometidos a
la Constitución y a las leyes “adquieren por igual la responsabilidad de respetar,
garantizar y velar por la salvaguarda de los derechos de las personas que intervienen
en el proceso, sin importar el sexo, la raza, el origen la lengua y la religión”22. En
19
Cfr. Ramírez, Diversidad cultural y sistema penal: necesidad de un abordaje interdisciplinario, en Re-
vista Pena y Estado nº 4-1999, p. 71.
20
Cfr. Yrigoyen Fajardo, Reconocimiento constitucional del derecho indígena y la jurisdicción especial
en los países andinos (Colombia, Perú, Bolivia, Ecuador), en Revista Pena y Estado nº 4, 1999, p. 129.
21
Dispone la Constitución política de la República de Colombia de 1991 en su artículo 246 “Las autorida-
des de los pueblos indígenas podrán ejercer funciones jurisdiccionales dentro de su ámbito territorial, de
conformidad con sus propias normas y procedimientos, siempre que no sean contrarios a la Constitución
y leyes de la República. La ley establecerá las formas de coordinación de esta jurisdicción especial con el
sistema judicial nacional”. En sentido similar o con ligeras variaciones, cfr. el art. 171.III de la Constitu-
ción del Estado boliviano de 1994, el art. 191 de la Constitución Política del Estado de Ecuador de 1998,
el artículo 149 de la Constitución del Perú de 1993 y el artículo 260 de la Constitución de la República
Bolivariana de Venezuela de 1999. Pese a las previsiones del art. 63 de la Constitución de Paraguay de
1992, no parece existir en la práctica un sistema dualista. Cfr. Vera Viveros, Revista Pena y Estado nº 4,
1999, p. 258 y sig.
22
Cfr. Sentencia C 037-96 de la Corte Constitucional de Colombia. Debemos destacar que la Corte Cons-
Afirmar que la costumbre es fuente del Derecho penal para los pueblos indígenas
de América Latina exige preguntarnos por qué dicha costumbre es unánimemente
rechazada como fuente en los sistemas punitivos del resto del mundo. En este
sentido, hay que tener en cuenta que en la actualidad ni siquiera el derecho
anglosajón se rige por la costumbre en materia penal23. El argumento para excluir
la costumbre y la analogía siempre ha venido dado por los abusos y arbitrariedades
que pueden producirse, en cualquier tiempo y lugar, cuando se impone una pena.
Tal vez las comunidades indígenas reivindiquen el reconocimiento pleno de un
ius puniendi consuetudinario, asentado en la tradición y la historia, con el objetivo
político de lograr un mayor autogobierno o incluso pensando en sus integrantes a
título individual, para poder resocializarlos dentro de la comunidad. Pero es evidente
que los miembros de estas comunidades individualmente considerados no pueden
convertirse en instrumentos para ejercitar reivindicaciones políticas o asentar la
cultura, es decir, tienen pleno derecho a gozar de un completo marco garantista.
¿Por qué se rechaza que una secta religiosa, un grupo neonazi, una organización
sindical o un club de pensionistas cuenten con un sistema penal consuetudinario
que resuelva sus problemas cotidianos? En realidad, las comunidades indígenas
no se parecen en lo más mínimo a todos los colectivos enunciados. No constituyen
un grupo socialmente diferenciado sino auténticas naciones, que poseen raíces
étnicas y culturales históricamente consolidadas24. La admisión del Derecho penal
consuetudinario sólo se justifica porque las comunidades indígenas carecen de un
cuerpo normativo formalizado que regule su sistema punitivo, y el sistema formalizado
titucional de Colombia se ha convertido a través de una riquísima jurisprudencia en el tribunal que más
ha contribuido hasta el presente en la conciliación de un sistema penal consuetudinario indígena con otro
formalizado, respetando los Derechos fundamentales.
23
En el sistema norteamericano e incluso actualmente en el británico la materia penal no se rige por el
common law, sino que prevalece casi unánimemente el derecho legislado o statutory law. Dichas normas
están sistematizadas y por lo tanto son objeto de la interpretación jurídica. En todo el mundo anglosajón
puede afirmarse la vigencia de los principios fundamentales en materia penal, como legalidad, irretroac-
tividad, etc. Cfr. Hendler, Derecho penal y procesal penal de los Estados Unidos, Buenos Aires, 1996,
passim.
24
Cfr. Binder, Proceso penal y diversidad cultural: el caso de las comunidades indígenas, en Justicia
Penal y Sociedad nº 3-4, Guatemala, 1993, p. 24.
34 • Doutrina Internacional
por el Estado, estructurado en torno a la Ley penal, en muchos casos resuelve
inapropiadamente sus conflictos. En síntesis, el sistema penal basado en la costumbre
se acepta en beneficio de los propios miembros de las comunidades indígenas, para
no perjudicar una posición ya de por sí muy desfavorable. Sin embargo existe una
limitación territorial, pues no es aceptable la pretensión de imponer el Derecho penal
consuetudinario indígena fuera de su jurisdicción, como por ejemplo cuando a través
de migraciones internas un nutrido número de miembros de la comunidad se asienta
en el extrarradio de las grandes ciudades25. En este caso la reinserción social debe
tener como referencia la gran ciudad y no los territorios indígenas.
29
Cfr. Ramírez, Diversidad cultural... op. cit. p. 71.
30
Cfr. Ardito, Cambios y perspectivas, op. Cit. p. 21.
31
Cfr. Villavicencio, Mecanismos alternativos, op. cit. p. 114.
32
Cfr. Yrigoyen Fajardo, Reconocimiento.. op. cit. p. 134.
33
Cfr. Ramírez, Diversidad cultural, p. 74.
34
En Guatemala existen varios ejemplos recientes de linchamientos, que gozan de bastante respaldo entre
las comunidades indígenas. Cfr. Ardito, Cambios y perspectivas, op. cit. p. 24. Considera sin embargo que
estos delitos poco tienen que ver con el Derecho penal indígena, sino con la ineficacia del sistema judicial
que genera impunidad Sieder, Derecho consuetudinario y poder local en Guatemala, en Revista Pena y
36 • Doutrina Internacional
sentenciada en proceso informal por 218 comuneros35 o, sin llegar a matar, se golpee
o azote públicamente al condenado nos retrotrae varios siglos de cara al respeto de
los Derechos fundamentales. Como manifiesta Ardito “Esta identificación de justicia
con castigo, y de castigo con violencia física ha penetrado el tejido social, al punto
que, para muchas personas, los delincuentes deben morir, independientemente de
la gravedad del crimen que cometen”36. Al margen de la muerte, tampoco pueden
tolerarse las penas corporales. El cepo nocturno no sólo priva de la libertad, sino
que también humilla y degrada al ser humano. El baño de agua fría seguido de
ortigamiento genera picores, eczemas y una irritación generalizada37. En el Perú se
relata la actuación de las rondas campesinas, una especie de patrullas indígenas que
para salvaguardar los intereses comunales toman la justicia por su cuenta. Aunque
parece que ya están más controladas, relata Villavicencio cómo son sus sanciones.
“Inicialmente, los castigos físicos comprendían los denominados “pencazos” (azotes)
hasta la muerte del sujeto. También se aplica el “baño” (sujeto obligado a sumergirse
en un río o pozo en la noche o madrugada), la ronda obligatoria (en rondas vecinales)
y el trabajo comunal (en caminos, posta médica, etc.)38. Las penas corporales no
sólo son pura retribución, sino también una forma de tortura, y por lo tanto resultan
inadmisibles en cualquier tipo de sociedad y en todos sus términos prohibidas por la
Comunidad Internacional39.
Estado, nº 4, 1999. Tal vez la responsabilidad sea compartida y fruto del fracaso de los dos sistemas.
35
Es el llamado caso Huancay de 1974 en el Perú, relatado por Villavicencio, Mecanismos alternativos,
op. cit. p. 111.
36
Cfr. Ardito, Cambios y perspectivas, op. cit. p. 24.
37
Cfr. Borja Jiménez, Sobre los ordenamientos.. op. cit. p. 679.
38
Cfr. Villavicencio, Mecanismos alternativos, op. cit. p. 113.
39
Sólo a título de ejemplo diremos que la legislación española prohíbe la extradición de los delincuentes
“Cuando el Estado requirente no diera la garantía de que la persona reclamada de extradición no será
ejecutada o que no será sometida a penas que atenten a su integridad corporal o a tratos inhumanos o
degradantes” (art. 6º Ley 4/1985 de 21 de marzo, de extradición pasiva). Esto supone que en cada proceso
de extradición de un presunto delincuente miembro de una comunidad indígena el Estado solicitante de-
berá garantizar que no será juzgado por estas comunidades, ante la posible aplicación de penas corporales
por parte de la justicia indígena.
40
Cfr. Borja Jiménez, Sobre los ordenamientos.. op. cit. p. 680.
41
Así, Ramírez,. Diversidad cultural... op. cit. p. 73.
42
Considera que el Derecho consuetudinario indígena debe aplicarse obligatoriamente a los no indígenas
que delincan en sus territorios, para reforzar el Derecho indígena Yrigoyen Fajardo, Reconocimiento..
op. cit. p. 134, argumentando que en muchas ocasiones estos delitos quedan impunes. Este razonamiento
supone, como ya hemos manifestado, una instrumentalización del ser humano poco compatible con el
Estado de Derecho.
43
Por el contrario, considera Yrigoyen Fajardo que ninguna constitución establece límites como los aquí
enunciados y por lo tanto la competencia penal indígena debe referirse a todas las materias susceptibles
de juzgamiento, incluyendo delitos graves. Cfr. Reconocimiento.. op. cit. p. 133
38 • Doutrina Internacional
mentado principio de humanidad de las penas. Si son intolerables todas las sanciones
corporales, las comunidades deberán eliminarlas completamente y recurrir a otro
tipo de penas: pecuniarias, privativas de derechos, expulsión, trabajo comunitario,
etc. Ante el temor a una disminución de garantías debe asegurarse un permanente
control de constitucionalidad, el derecho a obtener un juicio justo y a una defensa
con asistencia letrada.
Todas las situaciones tratadas hasta aquí toman como punto de partida la vigencia del
Convenio 169 de la OIT y la pertinente normativa estatal que de validez al Derecho
penal indígena consuetudinario. Pero, ¿qué ocurre cuando no se ha realizado
una transferencia formal del ius puniendi a favor de las comunidades indígenas?
44
Entendemos, como venimos manifestando a lo largo de esta exposición, que la
coexistencia de dos sistemas sancionatorios es beneficioso para las comunidades
y sus miembros individualmente considerados. De esta forma muchos conflictos
encontrarán una solución más justa. Sin embargo, es necesaria una regulación
legal proveniente del Estado que regule los parámetros de compatibilidad. Si esta
regulación no existe, la costumbre no puede convertirse en fuente del sistema
penal. En consecuencia, si fácticamente se establecieran penas no autorizadas los
responsables deberían sufrir las sanciones penales que correspondan a la entidad
de derechos violentados (detenciones ilegales, torturas, delitos patrimoniales, etc.).
En este caso la única exoneración de responsabilidad podría venir dada por la
apreciación de un error de prohibición culturalmente condicionado.
bición culturalmente condicionado, es decir, la situación de un sujeto normal que se equivoca respecto a
la norma penal aplicable por su cultura indígena. Lo regulado es otra cosa: se considera al indígena como
un inimputable por motivos culturales, lo que es bastante inapropiado. No está actuando por error, sino en
base a pautas culturales diferentes. Cfr. al respecto Hurtado Pozo, El indígena..op. cit. p. 40. Villavicen-
cio, Mecanismos Alternativos, op. cit. p. 125.
46
Villavicencio nos indica que “la situación de escasez de recursos naturales originada en la pobreza del
suelo en el que habitan guarda relación con los infanticidios selectivos en grupos amazónicos aislados”.
Cfr. Mecanismos alternativos.. op. cit. p.114.
47
Cfr. Zaffaroni, Alagia, Slokar, Derecho Penal, Parte General. Buenos Aires, 2000, p.127.
40 • Doutrina Internacional
Doutrina Internacional
1. Introducción
42 • Doutrina Internacional
La banda organizada presenta unas características coincidentes en algunos aspectos
con el grupo organizado, si bien aparece con niveles más altos de organización, con
una estabilidad más marcada en cuanto al tiempo de permanencia de sus miembros en
la misma y más cohesión entre ellos4.
Dentro de estas organizaciones criminales podemos incluir las “mafias” italianas (la
“Camorra”, la “Ndrangheta” y la mafia “siciliana”), las “triadas” o mafias chinas, los
“Boryokudan” (japonesas) y, hoy en día, también la mafia Rusa.
Sus características son coincidentes con las de la banda organizada, con diferencias en
el superior nivel de organización, número de componentes y variedades delictivas5.
c) Se trata de una delincuencia muy peligrosa, por falta de preparación ante situaciones difíciles y peligrosas
para ellos mismos.
d) Empleo de violencia innecesaria, como consecuencia de lo anterior.
4
Sus características son las siguientes:
a) Un fin delictivo único, referido a una sola especialidad delictiva, aunque presentan gran capacidad para
cambiar a modalidades criminales más propicias.
b) El nivel de organización es más definido que en el grupo, requiriéndose un “historial profesional”, conocido
a nivel policial o no, para formar parte de ella.
c) Sometimiento a códigos de conducta estrictos, para evitar delaciones y traiciones (a veces dan lugar a ajustes
de cuentas).
d) La estructura suele ser rígida y jerarquizada, tanto a niveles de dirección como de mandos intermedios, y al
igual que en el grupo, aparece un jefe o responsable de la misma con plenos poderes.
e) Sus miembros son generalmente extranjeros, aunque pueden admitir en su seno a delincuentes españoles.
f) Sólo utilizan la violencia cuando sea estrictamente necesaria.
5
Podríamos resumirlas en las siguientes:
a) Dirección única jerarquizada, pero con mayor número de responsables intermedios y disciplina rígida.
b) El beneficio nunca va a repartirse entre los ejecutores; éstos reciben ayuda económica por su trabajo o perte-
nencia, ayuda que se extiende a sus familiares en el caso de detención, así como asistencia jurídica.
c) Infraestructura capaz de realizar inversiones en negocios legales (lavado de dinero), para lo que cuentan con
expertos financieros y hombres libres de toda sospecha delictiva que puedan realizarlas.
Actividad de grupo
Autorrenovación: en cuanto que la estructura orgánica se mantiene
y evoluciona a pesar de las bajas individuales.
Jerarquía
Coacción: existen ciertas obligaciones o pautas internas de
comportamiento que tienden a fortalecer la solidaridad interna.
Estructura: asimilable a cualquier forma de organización
empresarial.
Medios: utilizan sus particulares métodos, entre los que destaca
especialmente la discreción, para evadir la justicia penal.
Objetivos: el poder económico y, de forma secundaria pero
importante, el poder sociopolítico.
d) Disponen de personas perteneciente a las grandes esferas del poder, al que corrompen para someterlo
a las directrices de la organización.
44 • Doutrina Internacional
1.2.1. A nivel nacional
2. Antecedentes históricos
El significado del término vory v zakone9 podría interpretarse como “los ladrones
que obedecen el vorovskoi zakon –código de los ladrones-”. Estos vory v zakone
administran su propia justicia, vorovskaia spravedlivost, a través de un jurado interno
o corte –skhodka- que resuelve los conflictos en cuanto a la aplicación del citado
código.
Tras la caída del Zarismo propiciada por la Revolución de 1917, los opositores al
nuevo régimen establecido intentaron utilizar a los criminales para conseguir sus
propósitos. Algunos políticos tomaron el control y la dirección de bandas juveniles
-zhigani- y les marcaron una serie de normas, normas que en su conjunto forman el
germen de lo que se conoce como vorovskoi zakon.
9
De entre sus componentes un 33% es ruso, un 31% georgiano, un 8% armenio, un 6% azerbaijano y el
22 % restante está formado por uzbecos, ucranianos, kazacos, abkacianos. La mayoría de sus componen-
tes son jóvenes (85.6 % entre 30 y 40 años).
46 • Doutrina Internacional
Hallar un compromiso en esta convivencia forzada y de conveniencia entre políticos
y delincuentes no era tarea fácil puesto que podían diferenciarse dos actitudes
distantes entre los propios criminales: algunos zhigani aspiraban a conseguir un
reconocimiento o estatus social, mientras que los ladrones en sí, siempre involucrados
en pequeños delitos, no tenían intención de cambiar su naturaleza.
En los años treinta, un gran número de ladrones se desmarcó de los zhigani y creó
grupos autónomos llamados urki, bajo el liderazgo de otros jefes. A partir de estos
conflictos, los zhigani crean el vorovskoi zakon, como elemento de unión y
diferenciación, por el que un ladrón está obligado a:
Hoy en día el vory v zakone constituye un tipo de “aristocracia criminal” con un sistema
de reclutamiento similar al usado en los años treinta, que se nutre de las cárceles,
y un modo de comportamiento que continúa adheridos a rígidas reglas. No existen
“Padrinos” al estilo de la Cosa Nostra, puesto que ningún líder de los clanes aceptaría
jamás ningún tipo de subordinación jerárquica; las únicas ocasiones en que las
grandes bandas unen sus fuerzas es en el caso de operaciones internacionales11.
Para los vory v zakone, el honor constituye un concepto fundamental y una valiosa
pertenencia, definida por Anton P. Chéjov al decir que “el honor no puede ser
quitado, sólo puede ser perdido”; esto es bien conocido por los ladrones, aunque
nunca hayan leído al gran autor ruso. El honor es una cualidad sometida al escrutinio
público y su valor se legitima por el grupo al que se pertenece, debido a lo cual, sólo
existe cuando es reconocido.
En Rusia, al igual que en otros países del mundo, ciertos matices del honor se
relacionan con la capacidad sexual: el marido traicionado es el símbolo del deshonor
por excelencia. Tanto es así, que la viuda de un miembro no puede volver a casarse,
puesto que supondría una deshonra para el fallecido. La masculinidad, como
expresión del honor, también se identifica con la capacidad de imponerse sobre los
demás, recurriendo a los métodos que sean necesarios, incluida la violencia. Así,
el recurrir a las autoridades de la justicia para resolver un conflicto estaría fuera de
lugar.
Existe una estrecha conexión entre honor, violencia y distribución de roles y recursos
en el vorovskoi zakon; aquel que insulta a un vor debe ser castigado y el asesinato
de un vor debe ser vengado.
Sólo aquellos que poseen esta cualidad, el honor, pueden ser vory v zakone, al igual
que ocurre con los miembros de la Mafia italiana.12
11
En 1992, Praga acogió varias cumbres mafiosas en las que se reunieron representantes de varias orga-
nizaciones criminales rusas con representantes de la mafia italiana y cárteles colombianos.
12
Este es el caso de Sasha, un jefe ruso perteneciente a esta elite criminal, que ingresó en prisión a los
16 años por un delito de robo y aumentó su condena por asesinar a otro joven de inferior categoría que le
había faltado al respeto.
48 • Doutrina Internacional
Últimamente, y en especial, tras la disgregación de la Unión Soviética, “honor” ha
pasado a ser sinónimo de abundancia, en tanto que la acumulación de capital,
independientemente del modo en que haya sido obtenido, sirve para conseguir
honor, poder y, consecuentemente, una posición de supremacía.
Especial atención merecen los smotryaschiy, que son supervisores que mantienen
el poder del vor en las distintas ciudades y controlan un “fondo de seguros” –el
obshchak u obochek-, que constituye una especie de fondo mutuo utilizado para
apoyo a las familias de miembros convictos, para preparación de nuevos crímenes,
corrupción de funcionarios y garantizar los préstamos de la usura.
Pero incluso entre los distintos vori existen diferencias substanciales y así, los
georgianos son totalmente diferentes de los rusos; para los primeros, la sangre
familiar es un vínculo esencial, algo que no ocurre con los segundos, cuyo nexo
común lo constituye únicamente el trabajo.13
familias han tendido a casar a los hijos con miembros de la misma familia mafiosa, en gran parte debido
Hace unos años, tuvo lugar una cumbre de la mafia rusa en Viena, a fin de definir
las esferas de influencia en la Rusia post-perestroika; a ella asistieron Timofeev
desde Rusia, Mihas desde Austria, Yaponchick desde Estados Unidos y Petrik desde
Alemania, entre otros.
Más de 30 vory v zakone importantes han sido asesinados en este proceso: Otari
Vitalievich Kvantrishvili (uno de los más importantes jefes de la mafia en Rusia),
Seghej Timofeev alias Silvestr, Vjaceslav Vinter alias Bobon, Serghej Sokolov, Sultan
Daudov (el único vor reconocido por la mafia chechena) y Mikhailovic Berazde alias
Scarface, un georgiano muy influyente en Moscú.
Otros elementos característicos de los vory v zakone son la jerga, los tatuajes y los
apodos.
La jerga criminal o fenia15 consta de cerca de diez mil palabras y expresiones, que
50 • Doutrina Internacional
incluyen una parte común a los diversos grupos y una parte que se utiliza en sectores
Brodyagi Casta criminal situada inmediatamente por debajo de los vor, son líderes “en prác-
ticas”; literalmente “vagabundos”
Byki Guardaespaldas; literalmente “toros”
Chainik Matón de cárcel; literalmente “tetera barata”, como las usadas en prisión
Choirs Nombre dado a las bandas de San Petersburgo en el siglo XIX
Chorniye smoridiny Mote usado para denominar a los caucasianos (o chorniye, “negros”)
Dan Tributos, tasas, impuestos,... cobrados por los extorsionadores
Fartsovchik Denominación aparecida en los 80 para los tratantes del Mercado Negro, usual-
mente jóvenes, que operan en puestos montados en las esquinas de las calles
Gastralyor Criminal “invitado”, proveniente de otras ciudades
Grokhnut Disparar, matar,...; literalmente “hacer bang”
Kaif Palabra centroasiática referida al “subidón” (por drogas)
Kalol “Pico”, inyección de drogas
Kit’ “Pez gordo”, objetivo de un crimen,...; literalmente “ballena”
Klichka Apodo, título
Krysha Protección por parte de la Mafia; literalmente, “tejado”.
Lavit kaif “Colocarse” (con drogas), el verbo kaifu’ se refiere a sentir placer al estar “colocado”
Lavrushniki Otro mote para los caucasianos
Limoni/tri limona Un millón de rublos/tres millones de rublos
Loshadka Metadona; literalmente “pequeño caballo”
Lunakhod Coche-patrulla; literalmente “caminante lunar”
Mafiya Término genérico usado en la antigua URSS desde los ‘70 para denominar a diri-
gentes de partidos acusados de corrupción, especuladores del Mercado negro o todos aquellos sectores de
la sociedad que no gustasen a quien lo usaba. Desde 1992, adquiere un significado adicional para describir
a aquellos grupos de empresarios criminales y funcionarios corruptos que tomaron relevante cariz en la
era post-soviética
Maslinichnii mak heroína; literalmente “aceite de amapola”
Ment Policía
Moschenniki Estafadores
Mussor Policía; literalmente “basura”
Na narakh Entre rejas, en prisión
Na svobodye Salido de prisión, en libertad
Nayekhat Asaltar, aplicar la presión de la banda, extorsionar; literalmente “encontrarse con, atropellar”
Nomenklatura Son los miembros de la elite del sistema del Gobierno soviético, llamados así por-
que sus nombres aparecían en la Nomenklature o lista de los más leales funcionarios del partido, elegibles
para puestos superiores en el país o en el extranjero.
Obshchak Ministerio del Interior
Opuschiny Personas que han sido violadas en la cárcel; literalmente “ceños fruncidos”.
Panama Empresa fantasma
Patsani Chicos jóvenes/ guerreros que componen las bandas criminales
Pika Cuchillo, palabra usada en toda la Unión Soviética
Poblatu Uso de los contactos para obtener un favor o una posición
Po ponyatiyam Modo de ofrecer servicios de seguridad, pacto entre caballeros.
Podkhod Coronación de un vor; literalmente “propuesta”
Posadit’ na piku Matar o herir con un cuchillo; literalmente “empalar en una estaca”
Prishit’ Asesinar; literalmente “coser”
Prishli mne kapustu Es lo que se dice a alguien que te debe dinero; literalmente “envíame la verdura”
Razboiniki Guerreros de una banda
Razborka Ajuste de cuentas, juicio
Sborschiki Recaudadores que recogen las tasas de los comerciantes en los mercados
Los tatuajes funcionan para los criminales como un documento acreditativo que les
permite identificar con quién se está tratando y cuál es su campo de actuación. De esta
manera, presentar tatuajes incorrectos, desautorizados o que no se corresponden
con el rango reconocido a esa persona está absolutamente prohibido, llegando a
castigarse con la muerte.
Uno de los grandes estudiosos del papel de los tatuajes entre los delincuentes rusos
es el criminólogo ruso Arkady G. Bronnikov, quien ha estudiado este fenómeno
durante treinta años en las cárceles de su país. Este autor ha constatado que, de
los treinta y cinco millones de personas que aproximadamente fueron encarceladas
desde mediados de los años sesenta, se tatuaron más de veintiocho millones –un
85%-. Bronnikov afirma que los tatuajes representan los galones de cada rango
criminal, desde las altas esferas hasta los más bajos niveles, constituyendo una
especie de pasaporte, de biografía, de “uniforme engalanado con las medallas
ganadas en el campo de batalla”, es decir, del pasado criminal del individuo.
Existe una constante presente: el tatuaje aparece siempre después de una frase y
se dibuja después de haber cometido el crimen.
Una vez descubierta su función, la policía los ha usado para identificar a los
delincuentes. Hoy en día, los tatuajes están cayendo en desuso, precisamente por
ese motivo y por discreción.
Sdelat kozyol Convertirse en una cabra o clase más baja en prisión, esclavo homosexual
Shalit Hacer daño
Skhodka Asamblea criminal, junta de vori
Shpana Grupo de matones
Sidet’ Estar en prisión; literalmente “estar sentado”
Stakan Medida de drogas; literalmente “vaso”
Strelka Reunión o cita, literalmente “pequeña flecha”
Suki Chaqueteros, esquiroles, traidores; literalmente “putas”
Tat Ladrón
Telet chefir Expresión usada en prisión para hacer té fuerte o no tener nada que hacer
Torpedo Asesino a sueldo
Tsekhovik Propietario de empresas del mercado negro de los bajos fondos
Tusovka “Rebanada”, como la porción de la sociedad ocupada por los adolescentes y jóvenes mafiosos
Ubrat Matar, devastar; literalmente “eliminar”
Uryt Asesinar; literalmente “enterrar”
Vorovskoe blago Bienestar criminal, que todo vor debe defender
Vorovskoi mir Mundo de los ladrones
Vzyat Hostigar, robar; literalmente “coger”. En la jerga también significa sobornar
Zamochit Matar de una paliza; literalmente “mearse en”
Zapodlo Negocios turbios, comercio de los bajos fondos
Zhoglo Cárcel
52 • Doutrina Internacional
3. Génesis
Las primeras estructuras mafiosas rusas, como tales, surgen en los años ‘80 con
la “Perestroika” de Gorbachev, aprovechando el vacío legal de la transición del
Comunismo al Capitalismo. Así, las actividades delictivas de todo tipo, incluidas las
relativas al crimen organizado, son un fenómeno arraigado en dicho proceso de
privatización de la propiedad estatal.
Las fuerzas de mercado compiten con el Estado para hacerse con el control de las
actividades privadas. Junto con el establecimiento de la liberalización económica,
se desarrolla un creciente sector privado sumergido, así como el aumento de
participación de las elites burocráticas en dichas actividades ilegales.
Un vacío legal puede producirse por ausencia de normas legales, o por su falta
de calidad, o por conflictos entre ellas o por su no entrada en vigor debido a un
pobremente organizado mecanismo estatal: todas estas características estaban
presentes en la Rusia post-soviética.
En esa emergente inseguridad que producía el vacío legal y que beneficiaba las
actividades ilegales de ciertas estructuras delictivas, los hombres de negocios
reales llegaron a la conclusión de que necesitaban la protección (krysha) de dichas
estructuras para prosperar y competir con el resto: el pago a las mafias constituía
un mal menor .
Un informe del Ministerio de Asuntos Interiores ruso de 1993 indicaba que más de
5.000 grupos relacionados con el crimen organizado estaban actuando en Rusia,
comprendiendo cerca de 100.000 miembros dirigidos por unos 18.000; de esos 5.000,
las autoridades rusas estiman que sólo unos 300 tienen una estructura organizada
identificable.
En 1994, se realizó una encuesta en Rusia tomando como base la cuestión ¿quién
controla Rusia?, a la que un 23% respondió la mafia, un 22% dijo nadie, un 19% no
lo sabe y sólo el 14% respondió el Presidente Yeltsin.
- un funcionario limpio es visto como un peligro potencial por los colegas y superiores
inmersos en la corrupción, puesto que es muy poco probable que testifique sobre
determinadas actuaciones un cómplice de las mismas.
- reemplazando al funcionario limpio por uno corrupto, la autoridad que lo decide una
54 • Doutrina Internacional
importante cantidad de dinero e, incluso, pagos continuados por parte de la persona
elegida, quien considera estos pagos como el coste comercial de la posibilidad de
extraer una ganancia ilegal.
De esta manera, cuando la Mafia está interesada en que se tome una decisión
específica, el funcionario se ve obligado a aceptar el soborno o a arriesgarse en un
país donde ninguna agencia puede ofrecerle protección contra la poderosa Mafia.
Con todo ello, la corrupción no constituye una práctica precisamente forzada en una
nación cuya renta media anual ronda los 2.500 dólares y donde aquella es una de
las oportunidades más lucrativas de ganarse la vida.
Actualmente, está demostrado que los capos rusos están adquiriendo en la zona de
Málaga, y concretamente en las zonas colindantes de Marbella, hoteles, restaurantes,
viviendas de lujo y terrenos.
16
Uno de los ejemplos que sirve para ilustrar esta afirmación es la adquisición de urbanización de lujo en
las proximidades de Málaga, construida por financieros árabes que escrituraron cada chalet a nombre de
una sociedad distinta, aunque todas con sede en Luxemburgo. Posteriormente, un grupo ruso compró toda
la propiedad pagando 6.000 millones de pesetas.
56 • Doutrina Internacional
Por otro lado, las Fuerzas de Seguridad del Estado también han detectado en estos
últimos años un incremento del número de mujeres dedicadas a la prostitución
procedentes de los países de la antigua Unión Soviética y han descubierto que
existen organizaciones que surten los prostíbulos de España de “empleadas” para
sus locales. Durante el año de 1999, la Guardia Civil y el Cuerpo Nacional de Policía
detuvieron a más de un centenar de ciudadanas rusas en operaciones realizadas en
clubes de alterne.17
Una de las formas principales por las que se introduce a estas mujeres en España
se basa en el procedimiento legal: las chicas presentan un visado turístico por un
mes, que se consigue en el Consulado español de Moscú. Cada pasaje de ida y
vuelta, junto con el visado, cuesta unas 46.000 pts. La parte ilegal es que las chicas
no se dirigen al destino turístico, sino que entran en contacto con los encargados
de clubes de alterne, desde los que rotarán a diferentes zonas. En este sentido, la
prensa habla de que este tipo de locales puede llegar a pagar hasta un millón de pts
por mujer.
Uno de los casos que más escándalo ha suscitado, y que merece la pena destacar
por su relevancia, ha sido el de Vladimir Putin. En marzo del año 2000, la revista
Novaya Gazeta denunciaba que desde el Ayuntamiento de San Petersburgo Vladimir
Putin autorizó, entre 1993 y 1996, una serie de créditos para construir un centro de
negocios y restaurar un monasterio, que finalmente fueron utilizados, a través de una
compañía denominada “Trust-20”, para adquirir 32 apartamentos en la urbanización
La Paloma, en Torrevieja.
17
“La mafia del blanqueo y la prostitución”, publicado en El Mundo, viernes, 24 de marzo de 2000.
Sin embargo, para los soviéticos, Sovhispán fue la cobertura oficial en España bajo
la que subyacía todo un entramado a disposición del servicio de inteligencia militar.
Todo el personal ruso de esta empresa, desde las secretarias hasta los directores,
pertenecía a los servicios secretos, si bien sólo unos pocos fueron investigados y
expulsados del país por parte de las autoridades españolas.
Con la caída del comunismo soviético este negocio perdió su identidad ideológica,
pero pasó a manos de las mafias rusas; actualmente, el negocio ilícito de armas
en esta zona se dirige esencialmente a los países africanos en conflicto –Angola,
Sierra Leona- y a los mismos grupos mafiosos establecidos en el archipiélago. Los
servicios de información de la Policía y de la guardia Civil han detectado una red de
tráfico ilegal dirigida por miembros asentados en el Sur de Tenerife que siguen los
mismos procedimientos: el armamento llega a Canarias a bordo de pesqueros rusos
que faenan en el banco sahariano y que, ocasionalmente recalan en los puertos para
operaciones de reparación, suministro y cambio de tripulaciones.
Pero, el negocio inmobiliario no es nuevo para la mafia rusa en esta zona: en los
años ‘90 fueron los artífices de numerosos fraudes a sus compatriotas, relacionados
con el time-share –viviendas compartidas- y compra de viviendas de lujo. Las
agencias inmobiliarias desaparecieron a finales de esta década, cuando los clientes
denunciaron que los contratos de las casas por los que habían llegado a pagar hasta
100 millones de pesetas no eran sino contratos de alquiler por cinco años.
58 • Doutrina Internacional
En nuestra legislación, a fin de intentar esbozar una posible definición, ha de buscarse
una aproximación por vía de la Jurisprudencia, en base a sentencias del Tribunal
Supremo (relacionadas fundamentalmente con el delito de tráfico de drogas: SS. de
5-2-88, 20-10-88, 6-7-90, 18-4-91, 12-2-93, 17-3-93,...), la Ley 19/93 sobre medidas
de prevención del blanqueo de capitales y su posterior reglamento de 9-6-95, etc...
1. una labor de análisis para diferenciar los delitos susceptibles de ser cometidos por
organizaciones criminales de los efectuados por otro tipo de delincuentes.
2. determinada ya la existencia de la organización, su ámbito de actuación y los
delitos en que pudiera implicada, la investigación correspondiente y la puesta a
disposición judicial de los presuntos delincuentes.
Una respuesta afirmativa en todos estos indicadores nos llevaría a establecer que se
trata de criminalidad organizada, grado más alto de organización delictiva.
Otra cuestión es la dificultad para la lucha legal contra una mafia –o quizá deberíamos
hablar de muchas mafias- que supone un ejemplo de perfección en el desarrollo de
actividades ilegales sutilmente encuadradas en actividades legales.
Lo intrincado del entramado operativo de estas organizaciones hace más que ardua
la tarea de las llevar a su cúspide ante los Tribunales y conseguir aplicar la sentencia
que se corresponda con la índole de los delitos.
Por otro lado, sería muy interesante como materia de estudio, puesto que ya ha
quedado señalada la génesis y estructura de los mismos, la posible expansión a
nivel mundial de estos grupos. Zonas como EE.UU. y Canadá18 ya han sido tomadas,
pero la incursión en países como los latinoamericanos –con su tristemente conocida
indefensión legal- podría repetirse en todo el mundo. Quizá esta expansión dependa,
en última instancia, del cariz que tomen los acontecimientos políticos y sociales
en las naciones resultantes de la escisión de la antigua U.R.R.S. y de si estos les
obligarán o no a establecerse en paraísos fiscales.
Este podría ser el caso de España, donde las actividades se han centrado
esencialmente en los negocios inmobiliarios para el blanqueo de dinero, hasta que
determinadas detenciones y hechos delictivos alertaron de su presencia.
18
En el caso de Canadá la falta de experiencias en el trato con mafias ha hecho que los grupos rusos,
presionados por la creciente persecución de sus actividades en EE.UU. y aprovechando el vacío legal
existente respecto a este tema, hayan comenzado a trasladar sus operaciones a este país.
60 • Doutrina Internacional
6. Bibliografia básica consultada
OTROS:
Informe sobre delincuencia organizada: “California Department of Justice”, 1996.
Telltale Tattoos in Russian Prisons, publicado en Natural History Magazine, noviembre
de 1993.
62 • Doutrina Internacional
Doutrina Nacional
ABSTRACT: First, one deals with competence, discussing when the case of money
laundrying would be judged in a federal or state court. Then, one considers the
independence of a money laundrying case in relation to the criminal records, as
well as the possibility of putting cases together for simultaneous judgement. After,
one supports the content of paragraph 1st , of the art. 2nd of the Law 9.613, in
other words, the possibility of prosecuting with a minimum evidence support of the
existance of criminal records. One defends, likewise, the constitutionality of the
inapplicability of the determination in the art. 366 of the penal code regarding money
laundrying crimes. One also understands that the prohibition of the release on own
rocognizance and of appellating in such a condition does not violate the principle of
presumption of innocence. Finally one analyses the warranty remedies, sustaining
that the the burden of proof does not exist.
1. Competência
O art. 2º., em seu inciso III, alíneas “a” e “b” define as hipóteses de competência no
que concerne aos crimes de lavagem. Assim reza o dispositivo: “Art. 2º. O processo
e julgamento dos crimes previstos nesta lei: III – são de competência da Justiça
Federal: a) quando praticado contra o sistema financeiro e a ordem econômico-
financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas
entidades autárquicas ou empresas públicas; b) quando o crime antecedente for de
competência da Justiça Federal”.
Luiz Flavio Gomes entende que a Justiça Federal sempre deterá a competência para
o processo dos crimes de lavagem de dinheiro. Argumenta o autor:
Esclarece Ângelo Roberto Ilha da Silva que os crimes contra o sistema financeiro
constituem espécies de infrações de competência da Justiça Federal em virtude da
previsão da própria lei de lavagem, bem como do disposto no art. 109, inciso VI da
Constituição, que fixa a competência da Justiça Federal “nos casos determinados
por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira”.
64 • Doutrina Nacional
Enfatiza o autor que:
Como bem colocado, nem todos os crimes que afetarem a ordem sócio-econômica
serão de competência da Justiça Federal, vez que, somente quando a própria lei
fizer tal previsão é que tal ocorrerá.
1
Esse é o teor da Súmula 522 do STF: “salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando então a
competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados e processo e julgamento dos crimes
relativos a entorpecentes”.
2
TRF4, ACR 2003.70.02.010137-8, Oitava Turma, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, pub. em 22/12/2004.
3
STJ – CC 15.532, Rel. Min. Edson Vidigal, 3ª Seção, DJU 3.6.1996.
4
STF – HC 74.479, Rel. Min. Carlos Veloso, 2ª Turma, DJU 28.2.1997.
O problema que se coloca, porém, é o rito a ser adotado. No que tange ao tráfico
de armas (inciso III do art. 1º.), cujos delitos estão previstos nos arts. 17 e 18 da lei
10.826/03, esclarece Marcelo Batlouni Mendroni que:
Como anota Ângelo Roberto Ilha da Silva, “as infrações penais perpetradas contra
a Administração Pública dependerão de esta ser do âmbito da União, caso em que
5
Nesse sentido é a Súmula 52 do extinto TFR, reafirmada pela Súmula 122 do STJ.
66 • Doutrina Nacional
a competência será da Justiça Federal, ou se darem em face de Estado-Membro ou
Município, o que leva à competência da Justiça Estadual” (SILVA, 2001B, p. 308).
Assim, se o agente pratica um delito de peculato contra o patrimônio da União, ou
suas autarquias ou empresas públicas, e lava o dinheiro, a competência será da
Justiça Federal.
Roberto Delmanto Junior, com quem concordamos, insurgiu-se contra a criação das
Varas Especializadas através das resoluções, sob o argumento de que tal só poderia
ocorrer através de lei formal, nos termos do art. 96, II, “d”, art. 105, § único, art.
62, § 1º., I, “b”da Constituição, e não por ato administrativo dos Tribunais. Desta
forma, sustenta o autor que as resoluções são inconstitucionais, por violarem os
princípios da legalidade, do devido processo legal e do juiz natural (art. 5º XXXVII)
(DELMANTO, 2006, p. 568).
O art. 2º, inciso II da lei 9613/98, prescreve que “o processo e julgamento dos crimes
previstos nesta lei independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes
referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país”. A intenção do
legislador, como se denota pelo dispositivo transcrito, é a de assegurar a punição
do autor do crime de lavagem, de forma independente do resultado do processo do
crime antecedente.
No caso de o delito antecedente ter sido praticado em outro país, conforme escólio
de Guilherme de Souza Nucci, “deve-se respeitar o princípio da dupla tipicidade (ser
crime tanto no Brasil quanto no exterior)” (NUCCI, 2006, p. 426).
Várias hipóteses podem ocorrer quanto ao processo pelo crime antecedente, caso
este já esteja sentenciado, o que impede, obviamente, a conexão (art. 82 do Código
de Processo Penal).
68 • Doutrina Nacional
Menezes, não restará afastado o delito de lavagem de dinheiro, caso a absolvição do
processo pelo crime antecedente tenha se fulcrado em “falta de provas”, ou de não
ter prova de haver “o réu concorrido para o crime”, ou, ainda, por “não ser o réu o
autor”. Tal ocorrerá, porém, conforme ensina o autor, se a decisão absolutória estiver
fundamentada em “não ter havido o fato” (MENEZES, 2000).
Lembra Lino Edmar de Menezes, finalmente, que, caso tenha ocorrido a extinção da
punibilidade do autor do crime antecedente, pela prescrição ou pela morte, tal não
impedirá o oferecimento de denúncia em face de algum beneficiário dos bens ilícitos
utilizados na sua atividade econômica ou financeira (MENEZES, 2000, p. 26).
3. Denúncia
O § 1º. do art. 2º. determina que “a denúncia será instruída com indícios suficientes
da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta lei,
ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime”. O legislador,
nesse dispositivo, corrobora sua intenção de que o autor do crime de lavagem seja
punido, independentemente do resultado do processo do crime antecedente.
De outro lado, em posição antagônica, outro setor da doutrina entende que não há
necessidade de prévia condenação pelo crime antecedente para a caracterização
do crime de lavagem. William Terra de Oliveira, partidário de tal corrente, afirma que
“em razão disso, não é exigida prova cabal dos delitos antecedentes (sentença penal
condenatória), bastando apenas indícios da prática das figuras mencionadas nos
incisos I a VII, para que se complete a tipicidade” (OLIVEIRA, 1998, p. 125).
Em que pese o brilhantismo dos que pensam de modo contrário, entendemos que a
segunda corrente não está em dissonância com os postulados do Estado Democrático
de Direito. De se salientar, primeiramente, que, para oferecimento de denúncia, deve o
Ministério Público narrar o fato, com todas as suas circunstâncias, qualificar seus autores,
classificar o delito e apresentar o rol de testemunhas (art. 41 do Código de Processo
Penal). Além das condições da ação (interesse, legitimidade e possibilidade jurídica),
deve estar presente, também, a justa causa, ou seja, “um lastro mínimo de prova que
deve fornecer arrimo à acusação”, que deve resultar do inquérito policial ou das peças de
informação, que devem acompanhar a acusação penal (JARDIM, 1998, p. 36).
Como já visto anteriormente, pode ocorrer que sequer tenha sido instaurado processo
pelo crime antecedente, em face da extinção da punibilidade pela prescrição, pela
morte do agente; ou tenha sido oferecida denúncia, e o agente absolvido.
70 • Doutrina Nacional
pelo legislador nos crimes dolosos contra a vida, vez que o art. 408 do Código de
Processo Penal exige, para o juízo de pronúncia, a existência de indícios de autoria
e prova da materialidade.
Destarte, tem-se que a denúncia oferecida pelo Ministério Público deverá conter
a exposição fática do crime de lavagem, incluindo os indícios suficientes do
crime antecedente, a qualificação dos autores, a classificação do delito e o rol de
testemunhas.
Uma observação que deve ser feita refere-se ao fato de o legislador dispensar a
comprovação da culpabilidade do tipo antecedente.
O § 2º. do art. 2º. da lei determina que “no processo por crime previsto nesta lei, não
se aplica o disposto no art. 366 do Código de Processo Penal”.
Até a entrada em vigor da lei 9.271, de 14 de abril de 1996, que alterou a redação
do art. 366 do Código de Processo Penal, o Código determinava que, quando o réu
fosse citado por edital e não encontrado, devia ser-lhe nomeado um defensor e o
processo continuava até final sentença. O dispositivo foi modificado, passando a
estipular que, caso o réu fosse citado por edital e não encontrado, o processo seria
suspenso, com a conseqüente suspensão do prazo prescricional e decretação da
prisão preventiva.
Além disso, Rodolfo Tigre Maia assevera que não houve restauração da revelia, vez
que esta foi revogada. Ensina o autor que:
72 • Doutrina Nacional
Assim, como não houve repristinação expressa da revelia, para o autor, o dispositivo
seria inaplicável.
O terceiro questionamento refere-se à contradição entre o § 2º. do art. 2º., que reza
que o art. 366 do Código de Processo Penal não será aplicado, no que tange à
citação, e o § 3º. do art. 4º. da lei de lavagem, que determina a aplicação do mesmo
art. 366 do estatuto processual concernente à restituição dos bens apreendidos,
onde está consignada a necessidade de comparecimento pessoal do acusado para
a realização de tal restituição.
Luiz Flavio Gomes, um dos críticos da disposição, afirma que se trata de uma
contradição autofágica, questionando: “Como pode o legislador dizer no art. 2º. que
um tal dispositivo não é aplicável e logo em seguida, dois artigos depois, dizer que
esse mesmo preceito é aplicável ?” (GOMES, 1998B, p. 14). Concluindo, acrescenta
o autor que deve prevalecer o preceito que mais ampla a liberdade.
Além disso, é de se ver que os autores dos crimes previstos na presente lei,
geralmente, são pessoas abastadas, que facilmente se dirigem para o exterior,
impossibilitando a persecução penal. Aduz Marcelo Batlouni Mendroni: “haverá forte
suspeita de que poderá enviar o dinheiro para o exterior e para lá viajar e fixar
residência – fazendo a justiça passar a depender de demoradas solicitações de
cumprimento de cartas rogatórias, fornecimento de dados e pedidos de extradições”
(MENDRONI, 2005, p. 117).
Finalmente, a contradição entre o § 2º. do art. 2º. com o § 3º. do art. 4º. é muito mais
aparente do que real. Isso porque ambas as disposições referem-se a questões
distintas. Como explica José Paulo Baltazar Junior:
O art. 3º. da lei 9.613, torna defeso ao juiz a concessão de liberdade provisória
com ou sem fiança aos autores dos crimes de lavagem, e, ainda, prescreve que o
juiz decidirá, fundamentadamente, se o réu poderá apelar em liberdade. Disposição
similar constava do § 2º. do art. 2º. da Lei 8072/90 (lei dos crimes hediondos),
revogada pela Lei 11.464.
74 • Doutrina Nacional
de que o legislador, assim agindo, impede que o juiz avalie as circunstâncias de
cada caso concreto. Afirmam ainda, que só se pode impor a segregação provisória
aos acusados, quando presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo
Penal, quais sejam, garantia da ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal e
a instrução probatória, e, finalmente, a ordem econômica. Aduzem, outrossim, que a
proibição da concessão da liberdade provisória, sem motivação, viola os princípios
da culpabilidade e presunção de inocência.
Primeiramente, cabe salientar que a própria Constituição permite que o legislador faça
tal opção, vez que o art. 5º., inciso LXVI reza que “ninguém será levado à prisão ou nela
mantido quando a lei admitir liberdade provisória, com ou sem fiança”. Assim, quando
a lei permitir a concessão de liberdade provisória, deve fazê-lo o juiz, se presentes os
requisitos legais (art. 310, § único do Código de Processo Penal). A contrario sensu,
quando a lei vedar a liberdade provisória, está o legislador se utilizando do comando
constitucional para impedir o benefício.
Logicamente que existem limites para atuação do legislador, pois, do contrário, o mesmo
estaria autorizado a estabelecer a vedação em quaisquer crimes, de forma desnecessária.
Assim, há de se fazer interpretação da lei de forma sistemática, para saber se a opção
do legislador encontra fundamento. No caso em tela, como já colocamos anteriormente,
temos que os autores dos crimes de lavagem são pessoas abastadas, que facilmente
se evadem para o exterior, frustrando a aplicação da lei penal.
Assevera Rodolfo Tigre Maia que: “não há que se cogitar de qualquer vulneração
do estado de inocência, eis que a compatibilização dos dois mandamentos
constitucionais envolvidos conduz a que a regra da ‘não-culpabilidade’ não afetou e
nem suprimiu a decretabilidade das diversas espécies que assume a prisão cautelar
em nosso Direito Positivo” (MAIA, 1999, p. 126).
Áureo Rogério Gil Braga, em estudo sobre o tema, argumenta que há necessidade
da vedação à liberdade provisória no caso em tela, em face da necessidade de
assegurar a ordem econômica, de forma a se combater a macro criminalidade.
Afirma que:
76 • Doutrina Nacional
Contudo, ensina Rodolfo Tigre Maia:
Assim, temos que, tanto o seqüestro quanto a apreensão dos bens são medidas de
natureza cautelar, cujo deferimento está sujeito à presença dos requisitos do fumus
boni iuris e do periculum in mora. O primeiro requisito, a fumaça do bom direito,
consubstancia-se nos indícios de que os valores, bens ou direitos são provenientes
de atividade ilícita, oriundos dos crimes de lavagem. Já o perigo da demora está
sempre ínsito na possibilidade de o agente utilizar de artifícios para se desfazer
dos bens, direitos e valores, comprometendo a comprovação da materialidade do
crime.
O § 1º. do art. 4º., acima transcrito, determina que os bens, direitos ou valores sejam
levantados caso não proposta a ação penal no prazo de 120 dias. De outro lado, o
próprio caput do art. 4º., reza que serão aplicáveis o disposto nos arts. 125 a 144
do Código de Processo Penal, sendo que o art. 131 deste diploma legal estabelece
que o seqüestro será levantado em 60 (sessenta) dias, se não for intentada a ação
penal.
As maiores discussões, porém, referem-se ao § 2º. do art. 4º. da lei, que autoriza
o levantamento do seqüestro ou apreensão dos bens, direitos ou valores quando
o autor comprovar a licitude da procedência dos mesmos. Alguns doutrinadores
defendem que há inversão do ônus da prova, o que violaria o princípio da presunção
de inocência. Roberto Delmanto et al chegam a afirmar que “ao assim estipular, o
legislador inverte o ônus da prova, submetendo o acusado a uma verdadeira probatio
diabólica” (DELMANTO et al., 2006, p. 579).
78 • Doutrina Nacional
processual, desde que compareça pessoalmente (§ 3º.), os
bens serão liberados. Se não comprovar, advindo sentença
condenatória, como efeito, será declarado o perdimento dos
bens em favor da União, nos estritos termos do inciso I, art. 7º.
da lei, em consonância com o art. 5º., XLVI, ‘b’ da Constituição
Federal (MENDRONI, 2005, p. 121).
Luiz Flavio Gomes, no mesmo sentido, afirma que o que o dispositivo quer dizer é
que “durante o curso do processo, tendo havido seqüestro ou apreensão de bens,
se o acusado, desde logo, já comprovar sua licitude, serão liberados imediatamente,
sem necessidade de se esperar a decisão final” (GOMES, 1998A, p. 11).
De outro lado, também como ocorre nas medidas cautelares, cessado um dos
requisitos, a cautelar deve ser revogada. Assim, sobrevindo a ausência da fumaça
do bom direito ou do perigo da demora, impõe-se a revogação da medida, no caso,
o levantamento dos bens. O não oferecimento da denúncia no prazo de 120 dias
(§ 1º.) é indicativo da ausência do fumus boni iuris, motivo pelo qual admite-se o
levantamento dos bens.
Finalmente, o § 3º. do art. 4º. prescreve que “nenhum pedido de restituição será
conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado, podendo o juiz determinar
a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, nos casos
do art. 366 do Código de Processo Penal”.
7. Conclusões
80 • Doutrina Nacional
3. A denúncia deverá ser instruída com indícios suficientes do crime antecedente,
sendo que tal previsão não viola qualquer princípio constitucional, vez que, o que
está a se exigir, é que exista justa causa a supedanear a prefacial acusatória.
4. A previsão da não incidência do art. 366 do Código de Processo Penal aos crimes
de lavagem de dinheiro não viola o princípio constitucional da ampla defesa, vez
que trata-se de opção legislativa, em virtude do fato da necessidade da sentença
condenatória nos crimes da lei em comento, para aplicação dos efeitos secundários
da sentença, como o perdimento dos bens e imposição de vedações.
8. Referências bibliográficas
BRAGA, Áureo Rogério Gil. Revista do Ministério Público. Porto Alegre, n. 46, p.
166, jan/mar. 2002.
GOMES, Luiz Flavio. Leis de Lavagem de Capitais: Aspectos Processuais. São Paulo:
Boletim do IBCCRIM. São Paulo, n. 65, p. 10-11, abr. 1998A.
______. Art. 366 do CPP e a Lei de Lavagem de Capitais. Boletim do IBCCRIM, São
Paulo, n. 70, p. 14-15, set. 1998B.
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006.
SILVA, César Antonio da. Lavagem de Dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001A.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 03. São Paulo:
Saraiva, 1995.
82 • Doutrina Nacional
Doutrina Nacional
ABSTRACT: Since the Roman Classical Antiquity Law has been bi-parted in Private
Law and Public Law. The horizontal relations, the cooperation ones, were related to
the private sphere and the subordination relations were related to the public sphere.
During the Middle Ages in Europe, political descentralization and the consequent
accumulation of power by the lords provoked the almost complete elimination of
division, later thrived with the rise of the bourgeuise. The liberal ideal worshiping the
individual and property brought back the classic summa divisio, thus consolidating the
public and private spheres. In Brazil it was not different, since there had been stablished
the dicotomy between public and private law, a notion so dear to the Liberal State
KEY WORDS: Classic Summa divisio; Public Law; Private Law; Constitutional
Summa divisio.
84 • Doutrina Nacional
quais ultrapassariam as escalas anteriores, mas se limitam a
valores referentes a grupos sociais ou categorias definidas;
d) interesses gerais ou interesses públicos, na condição
de interesses pertinentes à coletividade representada pelo
Estado, os quais se exteriorizam em determinados padrões
estabelecidos (bem comum, segurança pública, etc.) e e) em
um grau mais elevado e mais abrangente do que interesses
públicos ou gerais estariam os interesses difusos, que são
interesses de conteúdo fluído, como a qualidade de vida”
(MANCUSO apud ALMEIDA, 2008, p. 370-371).
2
Segundo Joaquim Carlos Salgado, “No Estado Romano, a igualdade é completa somente no direito
privado em que tem sua existência, pois o direito privado é aquele em que a pessoa vale pela realidade
que ela se dá, a propriedade. O mundo do direito é assim um mundo contraditório entre o uno e a multi-
plicidade, entre a igualdade dos particulares no plano do direito privado e a sua desigualdade no plano do
direito público ou político.” (SALGADO, 1996, p. 184).
Considera-se, dessa forma, que o marco inicial de tal dicotomia – Direito público,
Direito privado – tenha raízes fincadas no Direito Romano, pois o Corpus Iuris Civilis
consagrava os termos ius publicum e ius privatum, bem como lex publica e lex
privata.
86 • Doutrina Nacional
Sobre a clássica divisão, ensina Miguel Reale que:
3
Dentre tantas alterações significativas, merecem destaque o renascimento comercial, o renascimento
urbano e o início do processo de fortalecimento do poder na figura do rei. Não é objetivo deste trabalho
voltar-se à análise histórica deste momento, embora ele seja relevante – pois nele se alteram as relações
sociais, econômicas e políticas, o que acabará por refletir na divisão entre o direito público e privado.
Ganham vida, ainda no final do século XVIII, as primeiras Constituições ditas liberais
e que tutelavam, primordialmente, os direitos fundamentais de primeira geração.
4
Vale ressaltar que, entre a Baixa Idade Média e o início da Idade Moderna, há um período de transição,
em que ocorrem mudanças em torno da vida social, econômica, política e jurídica. Na avaliação de Mi-
chele Costa da Silveira, “Durante o séc. XIII até o séc. XVIII, a distinção entre direito público e direito
privado se esvanece, em razão de que a discussão que então predomina no Direito é a precedência do
direito natural em relação ao direito positivo, quando a comunhão até então existente entre indivíduo e
Estado é rompida, e são reconhecidos ao homem direitos naturais, inerentes e privados, inderrogáveis
pelo direito positivo ou pela autoridade civil.” (SILVEIRA, 2002, p. 26).
88 • Doutrina Nacional
singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da
sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade
civil, da linguagem jurídica mais usual. (BONAVIDES, 2003,
p. 563-564)
5
“O século XIX foi o século das grandes codificações. Os modelos implantados nesta época, denomi-
nados códigos oitocentistas eram rígidos, fechados, estáticos e totalizantes. Constituíam-se de sistemas
impermeáveis às modificações econômicas e sociais que eram resultado do positivismo neutralizante,
liberal-individualista e do racionalismo que reinavam na época.” (ALMEIDA, 2007, p.2).
6
“Como se sabe, os códigos oitocentistas foram fruto de transformações revolucionárias e se antepunham
aos costumes e aos preconceitos que caracterizaram suas épocas e que justificaram as revoluções. Assim
se deu, também, com o mais famoso de todos eles, o Código Francês de 1804, de inspiração racionalista,
que pretendeu aprisionar, imutavelmente, normas completas, claras, de interpretação linear, e que não ad-
mitia a existência de lacunas ou de episódios não previstos, exatamente porque a sistematização abrangia
– ou pretendeu abranger – todos os problemas jurídicos que pudessem ser suscitados. Daí a sua pretensa
eternização.” (HIRONAKA, 2003, p.97).
7
Segundo Liszt Vieira (1997, p. 21-22) “A dicotomia universal-particular expressa no conflito Estado x
indivíduo do período moderno encontra suas raízes na filosofia medieval. De um lado, a escolástica de
Tomás de Aquino retoma a tradição aristotélica ao subordinar o particular ao universal concebido ideal-
mente como um todo. De outro, a concepção nominalista de Guilherme de Occan substitui a preocupação
aristotélica com o geral pelas substâncias individuais. Só são reais os seres singulares designados por
nomes próprios. Os universais não tem existência real, pois o mundo não é um cosmo ordenado, mas um
agregado de individualidades isoladas que são a base da realidade.
O individualismo e o pragmatismo da cultura anglo-saxã derivariam da tradição nominalista, enquanto
nos países latinos, sobretudo na cultura ibérica, teria prevalecido a tradição neo-escolástica que suavizou
o individualismo moderno, temperando-o com ênfase no público, no Estado, no todo, em lugar do priva-
do, do individuo, do particular.”
8
A liberdade religiosa deve ser relativizada, pois em diversos reinos, os súditos deviam seguir a religião
de seus monarcas. Afora isso, a inquisição impedia manifestações religiosas diferentes da católica em
diversos países, tendo encontrado maior influência em Portugal e Espanha.
90 • Doutrina Nacional
iluministas sobressaem Diderot9, Montesquieu10, Voltaire11, Rousseau12 e Adam Smith13.
Importante também foi a Revolução Francesa e seus desdobramentos. Pondo fim ao
absolutismo e ao mercantilismo, ela sepultou o Antigo Regime e inaugurou para o
mundo uma nova era, a era do Estado de Direito.
9
Denis Diderot era racionalista, defendia o liberalismo político e mostrava-se teísta. Foi atribuída a ele
a famosa frase: “Os homens só serão livres quando o último rei for enforcado com nas tripas do último
padre”, em uma clara condenação do absolutismo e da tentativa de domínio do pensamento pela Igreja.
“Nenhum homem recebeu da natureza o direito de comandar os outros. A liberdade é um presente do céu,
e cada indivíduo da mesma espécie tem o direito de gozar dela logo que goze da razão... Todo outra autori-
dade (que a paterna) vem duma outra origem, que não é a da natureza. Examinando-a bem, sempre se fará
remontar a uma destas duas fontes: ou a força e a violência daquele que dela se apoderou; ou o consenti-
mento daqueles que lhe são submetidos, por contrato celebrado ou suposto entre eles e a quem deferiram
a autoridade. O poder que se adquire pela violência não é mais que uma usurpação e não dura senão pelo
tempo por que a força daquele que comanda prevalece sobre a daqueles que obedecem [...]. O poder que
vem do consentimento dos povos supõe necessariamente condições que tornem o seu uso legítimo útil à
sociedade, vantajoso para a República, e que o fixem e restrinjam entre limites; pois o homem não pode
nem deve dar-se inteiramente e sem reserva a outro homem.” (DIDEROT, 1997, p.22-23).
10
Montesquieu tornou-se conhecido principalmente por sua obra O espírito das leis, onde desenvolveu a
teoria da separação dos Poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário.
11
Foi um árduo defensor das liberdades individuais (“Posso não concordar com uma só palavra do que
disseres, mas me baterei a vida toda pelo direito que tens de dizê-las.”) e contrário ao absolutismo e à
tirania da Igreja (“Se Deus criou o homem, o homem pagou-lhe na mesma moeda.”).
12
“Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é, em certo sentido, difícil de ser enquadrado entre os filósofos
iluministas. Naturalista, criticava aqueles que elevavam a razão à categoria de uma verdadeira deusa.
Enquanto Voltaire e Montesquieu expressavam os ideais da burguesia francesa, Rousseau representou o
pensamento das camadas populares da época. Exigia uma República e afirmava que a fonte de poder era o
próprio povo. Em seu livro Da origem da desigualdade entre os homens, Rousseau afirmava: ‘O primeiro
que concebeu a idéia de cercar uma parcela de terra e de dizer ‘isto é meu’, e que encontrou gente sufi-
cientemente ingênua que lhe desse crédito, este foi o autêntico fundador da sociedade civil. De quantos
delitos, guerras, assassínios, desgraças e horrores teria livrado a o gênero humano aquele que, arrancando
as estacas e enchendo os sulcos divisórios, gritasse: ‘cuidado, não dai crédito a esse trapaceiro, perecereis
se esqueceres que a terra pertence a todos’.
Rousseau, entretanto, apesar de considerar a aparição da propriedade privada um mal, reconhecia-a como
inevitável. A solução que propunha era a limitação da propriedade. ‘Para melhorar o estado social, é pre-
ciso que todos tenham o suficiente e que ninguém tenha demasiado’. Suas teorias teriam larga aceitação
entre a pequena burguesia (artesãos e camponeses) e as camadas de trabalhadores mais miseráveis que
sonhavam com um mundo onde todos fossem pequenos proprietários.
A principal obra de Rousseau foi O Contrato Social, onde advogava que a sociedade e o Estado nascem
segundo convênio entre as diversas pessoas, em benefício de seus interesses comuns. O poder, ou sobera-
no, é o próprio povo. Rousseau assumia, dessa forma, o papel de crítico da ordem burguesa, antes mesmo
que ela se estruturasse definitivamente na França.” (MELLO, 1993, p.87-88).
13
Adam Smith é considerado o pai do liberalismo econômico. Em sua obra A riqueza das nações, de-
fendeu a teoria de que a economia funcionava sozinha, sem intervenção do Estado, através de uma “mão
invisível”. Seu pensamento exerceu profunda influência nas doutrinas econômicas do século XX.
92 • Doutrina Nacional
estatal na ordem social, ofertando serviços sociais, principalmente na área da
educação, saúde e previdência, através de uma bem-sucedida rede de proteção
social; b) respeito integral às liberdades fundamentais, como o direito de greve, de
locomoção e de expressão; c) direitos fundamentais ampliados para os campos
econômico, social e cultural; d) consecução do bem-estar social; e) igualdade
substancial e não meramente formal; f) solidariedade. Enfim, um Estado marcado
pela implementação dos direitos de terceira geração14 (incorporando, obviamente,
as outras duas gerações), sem abandonar a dicotomia Direito privado e Direito
público.
Sobre os direitos de terceira geração: “Na segunda metade do nosso século (XX), surgiram os chama-
14
dos ‘direitos de terceira geração’. Trata-se dos direitos que tem como titular não o indivíduo, mas grupos
humanos como o povo, a nação, coletividades étnicas ou a própria humanidade. É o caso da autodetermi-
nação dos povos, direito ao desenvolvimento, direito a paz, direito ao meio ambiente, etc. Na perspectiva
dos ‘novos movimentos sociais’, direitos de terceira geração seriam os relativos aos interesses difusos,
como direito ao meio ambiente e direito do consumidor, além dos direitos das mulheres, das crianças, das
minorias étnicas, dos jovens, anciãos etc.” (VIEIRA, 1997, p.23).
15
Para o Professor Pierpaolo Cruz Bottini, “A sociedade de risco é fruto do desenvolvimento do modelo
econômico que surge na Revolução Industrial, que organiza a produção de bens por meio de um sistema
de livre concorrência mercadológica. Este modelo econômico exige dos agentes produtores a busca por
inovações tecnológicas que permitam a produção e a distribuição de insumos em larga escala, sob pena
de perecimento por obsolescência. [...] A criação de novas técnicas de produção não é seguida pelo de-
senvolvimento de instrumentos de avaliação e medição dos potenciais resultados de sua aplicação. Do
descompasso entre surgimento de inovações científicas e o conhecimento das conseqüências de seu uso
surge a incerteza, a insegurança, que obrigam o ser humano a lidar com o risco sob uma nova perspectiva.
O risco, fator indispensável ao desenvolvimento econômico de livre mercado, passa a ocupar papel cen-
tral no modelo de organização social. O risco torna-se figura crucial para a organização coletiva, passa a
compor o núcleo da atividade social, passa a ser sua essência. Surge a sociedade de riscos.” (BOTTINI,
2007; p. 33-34).
16
Segundo o Professor Luis Roberto Barroso a expressão constitucionalização do direito privado está as-
sociada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia,
com força normativa, por todo o sistema jurídico, pois os valores, os fins públicos e os comportamentos
contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de
todas as normas do direito infraconstitucional. (BARROSO, 2007).
17
Neste sentido, o Professor Gregório Assagra de Almeida ensina que “Em razão da grave crise resultante
da inadequação dos sistemas jurídicos implantados nos códigos civis clássicos e, pela mesma simetria,
nos códigos de processos civis como seus correspondentes naturais, houve a necessidade de criação dos
denominados microssistemas (polissistemas ou plurissistemas) ou estatutos especiais, também conheci-
dos como códigos setorizados.
Os sistemas de direito civil e de direito processual civil até então implantados, pela generalidade, pela
abstração e impermeabilidade às mudanças sociais, não respondiam bem aos anseios da sociedade mas-
sificada. Questões relacionadas não só ao consumidor, mas também à criança e ao adolescente, ao am-
biente, aos portadores de necessidades especiais, aos idosos etc., ficavam à margem da tutela jurídica
adequada como garantia constitucional fundamental de um sistema jurídico justo e democrático.
[...]
Os sistemas auto-suficientes, impermeáveis às mudanças sociais, começam a ser abalados com a criação
cada vez mais incessante dos microssistemas como a expressão do particularismo jurídico necessário
para atender a peculiaridades de muitos direitos materiais, especialmente de cunho social. A própria idéia
clássica de legislação geral e abstrata teve de ser abandonada para uma concepção mais particularizada.”
(ALMEIDA, 2007, p. 29-30).
18
“O Terceiro Setor tem sido identificado com o conceito de sociedade civil. É formado pelas entidades
jurídicas não governamentais, sem finalidade lucrativa, objetivando o bem da coletividade. A natureza
jurídica deste setor ainda está em construção, havendo, por conseguinte, diversos conceitos para defini-lo,
uns o descrevem como sendo o setor solidário, outros como sendo setor coletivo, independente. Há quem
o classifique como integrante do Direito Social. Importa destacar o objetivo perseguido pelo Terceiro
Setor, composto por organizações ou instituições dotadas de autonomia, que apresentam como função e
objeto principal a atuação voluntária junto à sociedade civil, visando o seu aperfeiçoamento. Inquieta-se,
essencialmente, com os homens e a propagação da justiça social entre eles. Preocupa-se com o desenvol-
vimento humano e maior equilíbrio social. As entidades que integram o Terceiro Setor originaram-se a
94 • Doutrina Nacional
divisão de poderes na criação e aplicação do direito; n) superação da idéia de que o Direito é
um sistema de normas hierárquicas e axiomáticas; o) personalização do Direito civil19.
partir dos movimentos sociais, que funcionam como interlocutores, e transformaram-se em importantes
instrumentos para a consecução de uma nova dinâmica social e democrática, em que as relações são
orientadas pelos laços de solidariedade entre os indivíduos, espírito voluntariado, consenso e anseio do
bem comum.” (SOUZA, 2008).
19
O Professor Francisco Amaral (1998, p. 147) explica: “Personalização do direito civil, no sentido de
crescente importância da vida e da dignidade da pessoa humana, elevadas à categoria de direitos e de
princípio fundamental da Constituição Federal. O princípio da subjetividade jurídica do direito moderno,
expresso na figura do sujeito de direito como centro de atribuição de direitos e deveres, evolui para o
princípio do personalismo ético, da época contemporânea, segundo o qual todo ser humano é pessoa,
individual e concreta. O homem, porque é pessoa em sentido ético, é um valor em si mesmo”.
20
Analisando-se os critérios apresentados, não há como discordar das críticas devidamente fundamenta-
das e expressas pelo autor, que, em síntese, assim se manifesta: “Nota-se que todos os critérios apresenta-
dos são falhos e impedem uma tutela jurídica ampla, integral e irrestrita, própria do Estado Democrático
de Direito. Eles fundamentam-se no dualismo que separa Estado da Sociedade, hoje incompatível com
o novo paradigma do Estado Democrático de Direito e inconciliável com uma teoria dos direitos funda-
mentais integral, democrática e transformadora, como a inserida na Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988. Nenhum dos critérios volta-se para a conjugação entre os planos da titularidade e da
proteção e efetivação dos direitos. Atualmente, o plano da efetivação dos direitos é o campo mais farto e
próprio para uma ciência jurídica, direcionada para a construção de uma dogmática crítica e transforma-
dora.” (ALMEIDA, 2007, p. 389).
21
Nas palavras do Professor Luis Fernando Coelho, “A esta corrente filia-se uma plêiade de renomados
juristas, entre os quais Radbruch, Thon, Jellinek, [...] As relações de coordenação, cujos sujeitos estão
em pé de igualdade, são estabelecidas pelo direito privado; as de subordinação, em que um dos sujeitos
aparece revestido de autoridade ou imperium, constituem o âmbito do direito público.” (COELHO, 2004,
p. 92-93).
Há ainda a corrente negativista cujo maior expoente foi Hans Kelsen, partindo-se da
premissa de que o sistema jurídico é inquebrantável, filiando-se desta forma a uma
concepção normativa finalista.
A obra continua a analisar as demais teorias citadas. A formalista está centrada em critérios baseados
22
na forma assumida pelas relações jurídicas, sendo o primeiro deles a natureza das relações jurídicas e o
segundo, o modo como as normas jurídicas se fazem valer.
96 • Doutrina Nacional
4. Summa divisio constitucionalizada
A sociedade brasileira conviveu durante longo período com a divisão entre o Direito
público e o Direito privado, seguindo tradição mundial e demonstra estar em seus
estertores finais. Já não se consegue imaginar o Direito bipartido nos moldes
tradicionais. O Direito tem sua gênese a partir de regras e princípios que, em última
análise, buscam a realização dos anseios da sociedade, ou seja, é um fenômeno
histórico em permanente evolução.
1. Há expressamente a previsão de ação popular e esta deve ser vista sob o prisma
de garantia constitucional fundamental, sendo inserida no rol dos direitos coletivos
fundamentais. Nas palavras de Paulo de Tarso Brandão,
5. Considerações gerais
Procurou-se demonstrar, nas páginas anteriores, que a divisão entre Direito público
e Direito privado remonta, no mínimo, à civilização romana antiga, pois, para os
jurisconsultos romanos, o Direito público versava sobre o modo de ser do Estado
romano, enquanto o Direito privado versava sobre os interesses dos particulares. O
mundo medieval, com sua organização feudal marcada pela descentralização política
e uma forma peculiar de organização social, viu ficar adormecida a tradicional summa
divisio, pois os senhores feudais tomaram para si o que poderia ser o Direito público,
confundindo-o com o Direito privado. As lentas modificações operadas no feudalismo, a
partir do século XII, erigiram a sociedade chamada de moderna, que cronologicamente
vai de 1453 a 1789. Denominada de Antigo Regime, estava alicerçada no Absolutismo
e no Mercantilismo23. O monarca centralizava e controlava todos os poderes e, com
isso, possibilitou a criação de uma esfera autônoma do poder público. Na aurora do
liberalismo anunciada pelas revoluções burguesas, o poder público passou a ser visto
como inimigo e as declarações de direito e cartas constitucionais delas derivadas
registraram e consagraram os ideais liberais, os direitos de primeira geração e os
limites da ação do Estado, ampliando e resguardando a autonomia dos indivíduos e
os princípios da legalidade e da segurança jurídica. Ganham contornos importantes os
movimentos em prol da codificação que influenciam sobremaneira o Direito privado.
A divisão entre Direito público e Direito privado tornou-se consistente e consolidou-
se, mesmo sob a égide do Estado Democrático de Direito, que sucedeu ao Estado
Liberal e ao Estado Social.
23
A influência do mercantilismo foi tão intensa que se fez sentir nos séculos posteriores, como se de-
preende do fragmento: “O mercantilismo, segundo grande ciclo ideológico, a partir de 1450, consagraria
a nova ideologia. O comércio sem fronteiras criou os princípios que iriam formatar a nova ideologia
dominante. Os três séculos que se seguiram, ainda que pagando os tributos de transição ao romperem
com o aparato ideológico medieval, permitiram a renovação dos costumes, das artes e da ciência.Caíam
as barreiras da intolerância, ou pelo menos se abrandavam, favorecendo a eclosão de novos ideários,
formulações filosóficas, métodos científicos ainda que sob forte condicionamento religioso.O comércio
se internacionalizou em escala mundial, diferenciando dois grandes empreendimentos: o estatuto da con-
quista, e com ele o estabelecimento do sistema colonial, e uma nova estrutura para as relações comerciais.
O mercantilismo estabeleceu a era do comércio, do enriquecimento de nações e pessoas pela exploração
colonial e pelas trocas comerciais.” (VIEIRA; VIEIRA, 2004, p. 44-45).
98 • Doutrina Nacional
Entretanto, os dias atuais não comportam a divisão clássica, sendo oportuno acatar
a tese defendida pelo Professor Gregório Assagra de Almeida, no sentido de aceitar
a existência da nova summa divisio constitucionalizada: Direito coletivo e Direito
individual. O Texto Constitucional, como restou demonstrado alhures, expressamente
a recepcionou, abandonando de vez a dicotomia tradicional entre Direito público e
Direito privado. Inegavelmente a nova divisão é coerente com o Estado Democrático
de Direito, pois o dualismo Estado e sociedade está ultrapassado. A obra norteadora
e inspiradora deste trabalho – Direito material coletivo: superação da summa divisio
Direito público e Direito privado por uma nova summa divisio constitucionalizada –
propicia o entendimento e a confirmação de que no constitucionalismo democrático
pós-positivista, os direitos e garantias constitucionais fundamentais contêm valores
que devem irradiar todo o sistema jurídico, de tal forma que possibilite a vinculação
e orientação da atuação do legislador, seja constitucional ou infraconstitucional, do
administrador, de magistrados e de particulares. Por fim, “A nova summa divisio leva
em conta não só o plano da titularidade dos direitos, mas também e especialmente o
plano da proteção e da efetivação, que constitui o cenário capaz de fazer do Direito
instrumento de transformação com justiça da realidade social.” (ALMEIDA, 2008, p.
418).
6. Referências bibliográficas
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo: superação da summa divisio
direito público e direito privado por uma nova summa divisio constitucionalizada.
Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros,
2003.
DIDEROT. Denis. Autoridade Política. In: FREITAS, Gustavo de. 900 textos e
documentos de história. Lisboa: Plátano, 1997.
SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Hegel. São Paulo: Edições Loyola,
1996.
SOUZA, Celso Jerônimo de. O Ministério Público e o Terceiro Setor. Disponível em:
<http://www.ac.gov.br/mp/4/files/tese>. Acesso em: 12 dez. 2008.
WAGNER, Eugênia Sales. Hannah Arendt e Karl Marx: o mundo do trabalho. Cotia,
SP: Ateliê Editorial, 2000.
1. Introdução
Sem ainda adentrar muito nas variações, lingüísticas apenas, do estado puerperal,
vale ressaltar que, como elementar do delito de infanticídio este estado que afeta
a parturiente, em regra, pode ser visto segundo dois critérios: psicológico ou
fisiopsíquico.
1
Delictum exceptum: trata-se de delito autônomo; delito privilegiado (em relação ao delito de homicí-
dio).
Uma questão merece toda atenção: não configurado o referido estado puerperal,
não haverá que se falar em infanticídio e sim homicídio, como se nota da exposição
de motivos do Código Penal de 1940: “Fora daí, não há por que distinguir entre
infanticídio e homicídio. Ainda quando ocorra a honóris causa (considerada pela lei
vigente como razão de especial abrandamento da pena), a pena aplicável é a de
homicídio”. (BRASIL, 2007, p. 17).
2
Seria o caso em que a parturiente, em decorrência do estado puerperal, crie aversão de cunho social à
própria cria.
Nesse sentido vai a dogmática penal determinando que, quando se tratar de morte
provocada de vida intra-uterina, estaremos diante das possibilidades do delito de
aborto (artigos 124 a 128 do CP); quando se tratar de morte provocada de vida extra-
uterina, estaremos diante das possibilidades do delito de homicídio (artigo 121, ou
até mesmo, excepcionalmente, lesão corporal seguida de morte – art.129, §3º, CP) e
quando se tratar de morte provocada de vida nascente – iniciado o trabalho de parto
e logo após sua realização – vamos ter 1º) se houver estado puerperal: infanticídio
e 2º) se não houver estado puerperal: homicídio, ou, como já referido, lesão corporal
seguida de morte, a depender da reconstrução probatória dos elementos subjetivos
necessários e indispensáveis ao juízo de tipicidade.
Assim, podemos notar que o estado puerperal poderá em tese durar mais tempo que
o período de nascimento de sua cria, mas, segundo a legislação brasileira, apenas
justificará o delictum exceptum o atentado contra vida nascente, ou seja, durante
ou logo após o parto. Como conseqüência poderá haver a possibilidade, em tese
de, mesmo sob o efeito de estado puerperal, uma mãe matar seu filho e responder
por homicídio, desde que o tenha praticado tempos depois do parto realizado e as
circunstâncias objetivas da situação aquietadas.
Mais uma vez, recorremos às lições de Luiz Régis Prado (2002b, p. 84):
Nesse sentido, não parece mais nebulosa a interpretação do tipo do artigo 123 do
Código Penal brasileiro quando descreve a conduta de infanticídio: “Infanticídio: Art.
123. Matar, sob a influência de estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou
logo após. Pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos” (BRASIL, 2007, p. 53).
“Art. 121. Matar alguém. Pena seis a vinte anos – Tipo simples.”
Mas tal coincidência de tipos é meramente aparente e, por isso mesmo, recebe
tratamento teórico-penal sob o título de conflito aparente de leis ou, no caso específico,
conflito aparente de tipos (PRADO, 2002a, p. 185). Antes da objetiva distinção entre
os referidos tipos, cabem algumas considerações sobre o tipo de homicídio.
Como observa Luiz Regis Prado (2002b, p. 43) “[...] o homicídio consiste na destruição
da vida humana alheia por outrem”.
Dispõe o Texto Constitucional que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade” (BRASIL, 2007, p. 9), e assim sendo não há nem poderá haver nenhum
tipo de valoração em relação a tipos de vida, o que implica uma co-significação
indiferente a qualquer diferença. Assim, o mesmo desvalor que existe na morte de
uma pessoa da zona sul existe na morte de uma pessoa moribunda, paciente final ou
monstruosa (PRADO, 2002b, p. 44).
Voltando ao início deste capítulo, existem condutas que podem se adequar a mais
de um tipo, o que enseja o conflito aparente de normas. Assim sendo, quando é
que matar alguém será homicídio e quando é que matar alguém será infanticídio?
Antes, algumas considerações sobre o conflito aparente de leis, ou no caso, de tipos
penais.
O concurso de leis ou tipo se dá quando mais de uma norma tem incidência sobre
uma conduta, contudo, não se trata verdadeiramente de um conflito de normas, tendo
em vista que apenas uma delas será aplicável, o que quer dizer que o concurso
ou conflito é meramente aparente, porque na realidade apenas uma norma será
aplicada ao caso concreto posto em tela.
Existem alguns critérios para a resolução do problema. São eles: “[...] especialidade,
subsidiariedade e consunção” (PRADO, 2002a, p. 187). O presente trabalho utilizar-
se-á apenas do primeiro critério.
Muito embora tanto o homicídio quanto o infanticídio tenham como núcleo matar
(matar alguém), resta a averiguação das já referidas “especializantes”. Aí estará a
diferença na prática de cada um destes delitos. Pode-se então concluir que, no caso
em tela, matar alguém será sempre homicídio, salvo quando forem constatadas as
seguintes especializantes: sujeito ativo mãe, influência de estado puerperal, durante
ou logo após o parto. Se estas especificantes forem detectadas na conduta do
sujeito que mata alguém, estar-se-á, portanto, diante da incidência do tipo do artigo
123 e não 121 do Código Penal brasileiro. Do mesmo modo, a falta de qualquer uma
das especificantes acarretaria falta de tipicidade em relação ao tipo do artigo 123 e
provavelmente a tipificação do artigo 121, no caso, tipo geral da prática de matar
alguém.
Não é objeto desta reprodução analisar a questão de prova, e sim constatar, também
pela jurisprudência, que, não sendo verificados os elementos especializantes do
delito de infanticídio tipificado, estará o delito de homicídio, tendo em vista que são
exatamente estes elementos especializantes objetivos e subjetivos que determinam
e resolvem o aparente conflito de normas penais incriminadoras.
“Dono do fato é quem o executa em forma finalista, sobre a base de sua decisão de
vontade” (Hans Welzel).
No que tange à autoria do delito, o Código Penal brasileiro de 1940, quando tratou do
concurso de pessoas4, adotou a teoria unitária nos termos da qual “[...] autor é todo
aquele que contribui de modo causal para a realização do fato punível” (PRADO,
2002A, p. 1395).
Ou seja, todo aquele de atua na relação causal é autor. Contudo, este critério
não parece perceber que pode haver graduações na realização de um delito que
é praticado por mais de uma pessoa. Não necessariamente todos que atuam em
um delito têm o mesmo grau de culpabilidade e não merecem o mesmo grau de
reprovação pela conduta realizada. Por isso mesmo o legislador ateve-se às críticas
doutrinárias e, mesmo optando pela teoria unitária, fez um tempero graduando a
responsabilidade penal pelo delito segundo a medida de culpabilidade.
Assim, muito embora haja um único delito em tela, a valoração negativa recairá de
forma individualizada, seguindo os preceitos constitucionais de individualização da
pena e também de proporcionalidade penal lato sensu.
3
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA ESTADO DE MINAS GERAIS. Número do processo: 1.0120.03.900021-
7/002(1). Relator: Paulo Cézar Dias. Data do Julgamento: 17/05/2005. Data da Publicação: 02/08/2005.
4
TÍTULO IV
DO CONCURSO DE PESSOAS
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida
de sua culpabilidade.
§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.
§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste;
essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.
Circunstâncias incomunicáveis
Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares
do crime.
Casos de impunibilidade.
Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não
são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. Brasil. Código e Constituição Federal.
São Paulo: Saraiva, 2007. p. 38 - 39.
Seguindo a doutrina de Luiz Régis Prado, “Tem-se como autor aquele que domina
finalmente a realização do tipo de injusto. Co-autor aquele que, de acordo com um
plano delitivo, presta contribuição independente, essencial à prática do delito - não
obrigatoriamente em sua execução. Na co-autoria, o domínio do fato é comum
a várias pessoas. Assim, todo co-autor (que é também autor) deve possuir o co-
domínio do fato – princípio da divisão do trabalho”. (PRADO, 2002a, p. 397).
Hans Welzel parte do pressuposto de que toda a vida social é estruturada pelo
Aqui vale lembrar as lições de Hans Welzel: “A característica geral de autor: o domínio finalista do fato.
5
Dono do fato é quem o executa em forma finalista, sobre a base de sua decisão de vontade”. (WELZEL,
2003, p.158).
Assim dirá Welzel: “O homem é pessoa no duplo sentido quando é um ser que atua
com finalidade, e quando é moralmente responsável por suas ações” (WELZEL,
2003, p. 77).
Interessa neste momento tratar o dolo e a culpa como elementos do tipo penal.
Se alguém tem a intenção de matar outrem (finalidade), seja lá qual for o resultado
alcançado estaremos a falar do delito de homicídio, porque o dolo de matar do
agente é elementar do tipo de homicídio e não de outro delito. Assim, nessa mesma
hipótese, se este sujeito ativo apenas causa um corte na região do tórax da vítima,
por exemplo, não há que se falar em lesão corporal, porque faltaria à configuração
desta o elemento subjetivo do tipo, dolo de ofender a integridade física de outrem.
Outro exemplo se dará com o sujeito que, com o dolo de lesar, acaba por causar
a morte de outrem. Neste caso não responderá por homicídio, tendo em vista que
este não tinha o dolo de matar e sim o dolo específico de lesar a integridade física
de outrem, fato este que determina qual tipo de delito lhe será imputado. No caso,
pela especificidade do dolo pertencente ao tipo de lesão corporal, o sujeito ativo
responderia por lesão corporal seguida de morte.
Com estes exemplos, pretende-se mostrar que o dolo enquanto elemento do tipo
penal determina, em regra, qual será a tipificação da conduta em análise.
Numa pacata cidade do interior de Minas Gerais, Brenda e seu namorado Peter,
insatisfeitos com a gravidez daquela, planejam dar cabo à vida do nascente logo
após o parto. O casal da pequena cidade do interior de Minas Gerais pretendia com
isso poder continuar a vida sem o peso que a responsabilidade de criação de uma
criança acarretaria.
Numa pacata cidade do interior de Minas Gerais, Peter, indignado com o nascimento
de seu filho, desabafa com um amigo que irá matar a referida cria assim que esta
nascer. Peter não só confessa suas intenções como a reafirma várias vezes dizendo
estar determinado a colocar sua finalidade em prática. Ao chegar em casa de noite,
percebe que sua esposa acabara de dar à luz e também que esta se encontra
insana e descompensada afogando o recém-nascido na banheira. De imediato
Peter aproveita-se da situação e empreende na realização de seu plano apertando o
pescoço do próprio filho que vem rapidamente a falecer.
Como pode ser observado, em ambos os exemplos é praticada a hipótese “a”: a mãe
e o terceiro realizam dolosamente o núcleo do tipo – matar.
No primeiro caso, a conduta objetiva realizada foi “matar alguém”. Não havia os
elementos especializantes capazes de tipificar o delito de infanticídio, ou seja, em
momento nenhum foi cogitada ou provada a ocorrência do estado puerperal, o que
indica a tipificação do delito de homicídio. Não bastasse a tipificação do delito de
homicídio, ambos agentes – Brenda e Peter – atuaram diretamente na causa do
resultado morte.
Para as conclusões, vale lembrar o conceito de autor que fora adotado neste
trabalho:
Tem-se como autor aquele que domina finalmente a realização do tipo de injusto. Co-
autor aquele que, de acordo com um plano delitivo, presta contribuição independente,
6
Estas mesmas hipóteses foram levantadas por Luiz Regis Prado (2002b, p. 81).
Dessa maneira, na questão “a” – primeiro caso –, como ambos os sujeitos foram
autores do delito, há co-autoria no delito de homicídio. A conduta praticada é matar
alguém, os sujeitos ativos são Brenda e Peter e, por fim, o sujeito passivo é o filho
do casal.
No segundo caso, parece claro que Brenda estava sob a influência do estado
puerperal7, enquanto Peter aproveitou-se da situação para realizar o plano pessoal8
de não ter filhos. Nesse difícil caso, há um resultado objetivo comum, mas existem
especializantes e elementos objetivos diversos.
Levando em conta que dolo e culpa são elementos do tipo penal, resta perguntar: Quem
mata dolosamente, com a finalidade de manter a vida sem muitas responsabilidades,
realiza qual delito? Quem mata sob a influência de estado puerperal realiza qual
delito?
Pode-se então concluir que, no caso em tela, matar alguém será sempre homicídio,
salvo quando forem constatadas as seguintes especializantes: sujeito ativo mãe,
influência de estado puerperal, durante ou logo após o parto. Se estas especificantes
forem detectadas na conduta do sujeito que mata alguém estar-se-á, portanto, diante
da incidência do tipo do artigo 123 e não 121 do Código Penal brasileiro. Do mesmo
modo a falta de qualquer uma das especificantes acarretaria falta de tipicidade em
relação ao tipo do artigo 123 e provavelmente a tipificação do artigo 121, no caso tipo
geral da prática de matar alguém.
Neste sentido, não parece haver dificuldade em concluir que na Questão “a” –
segundo caso, Brenda pratica infanticídio e Peter pratica homicídio.
7
“[...] Brenda, durante e logo após o próprio parto, em decorrência da perda de sangue, da força realizada
e do abalo psicológico que a totalidade da circunstância lhe causara [...]”.
8
“[...] realizando a pretensão de continuar sem filhos, acaba por junto com aquela colocar o recém-
nascido em um saco plástico e joga-lo em um riacho [...]”.
Neste prisma, no caso, questão “a” - segundo caso, a doutrina tem-se limitado à
literalidade do disposto no artigo 30 do Código Penal.
Assim, a doutrina tomada como referência daria à questão “a” – segundo caso,
resposta diversa da que será aqui prescrita.
Cada sujeito é indivíduo e, por isso, pratica delitos separados, salvo quando há liame
psicológico objetivo e subjetivo. Ou seja, têm os agentes em concurso de cumprirem
os elementos objetivos e subjetivos do delito em tela (matar, filho próprio, estado
puerperal, durante ou logo após o parto, dolo de praticar infanticídio10). Além disso,
deverá haver os requisitos do concurso de pessoas (requisitos entre os concorrentes:
a) pluralidade de pessoas e de condutas; b) relevância causal de cada conduta; c)
liame subjetivo ou psicológico; d) identidade do ilícito penal).
Ora, só pode haver liame subjetivo (uma perfeita ligação psicológica) entre os agentes
e, sobretudo, uma identidade do delito praticado, se houver identidade material nos
9
“Matar, sob a influência de estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”.
10
Poderia ser alegado que não existe dolo de praticar infanticídio e sim de matar. Contudo, no infanticí-
dio, o dolo, que é de matar, é formatado pela incidência do estado puerperal. Essa formatação faz toda a
diferença, tanto que justificou uma tipificação própria.
Assim, quando duas pessoas subtraem para si ou para outrem coisa alheia móvel
com o dolo específico do delito, poderá se falar que houve uma sincronia psicológica
e conseqüentemente, por aderirem (a)os mesmos elementos objetivos e subjetivos,
uma identidade no delito praticado.11
Na questão “a” – segundo caso, não há que se falar em identidade de delito, porque
não há identidade dos elementos objetivos e subjetivos do delito, portanto, também
não há um perfeito liame psicológico direcionado ao mesmo tipo penal. Brenda
queria praticar infanticídio (dolo viciado pelo estado puerperal), Peter queria realizar
homicídio (plano particular, preexistente, autônomo de não ter filho e apenas se
aproveitou da situação). Não se visualiza, nesse caso, uma co-autoria perfeita, e sim
uma espécie de autoria colateral imprópria.12
Atente-se para o fato de que caso diferente seria se o segundo autor, digamos,
comprasse a idéia do primeiro autor e atuasse movido pelos interesses subjetivos do
primeiro autor, ou seja, tomasse como próprio o estado do co-autor. Seria o caso de
Brenda pedir apoio a Peter que, ao participar da execução delitiva, assim o fizesse
com o interesse exclusivo de consumar a pretensão de Brenda e não a pretensão
própria (o que configuraria elemento subjetivo de delito distinto).
Brenda, sob a influência de estado puerperal, mata o próprio filho. Para a garantia de
tal ato precisou que Peter, seu namorado, após a prática, jogasse o produto do crime
em um riacho que passava naquelas imediações.
Brenda, movida por vaidades fúteis e questões de honra, mata o próprio filho. Para
a garantia de tal ato, precisou que Peter, seu namorado, após a prática, jogasse o
produto do crime em um riacho que passava naquelas imediações.
Diz-se que na autoria colateral haveria contribuição para a prática de mesmo delito, contudo, sem
12
haver liame psicológico. Tratar-se-ia de falta de atuação conjunta; não há nessa hipótese atuação conjunta
consciente. Não é exatamente a possibilidade defendida no texto. O texto defende uma espécie de falso
consentimento, ou consentimento irreal.
E se Peter tivesse dolo de homicídio? Peter nem sequer iniciou a execução de sua
intimidade delinqüente. Abstém-se o Direito Penal.
Na questão “b”, segundo caso, Brenda não pratica infanticídio, e sim homicídio.
Como a participação de Peter é entendida como acessória, esta seguirá a imputação
principal de Brenda, e, portanto, responderá por participação no delito de homicídio
e Brenda responderá por homicídio.
Por último, cabe avaliar a seguinte questão: “O terceiro mata a criança, com a
participação da mãe”.
Questão “c”:
Brenda, sob a influência do estado puerperal, pede ao seu namorado, Peter, que
mate o próprio filho que acabara de nascer e Peter atende a tal pedido enquanto
Brenda apenas o assessora sem realizar a conduta típica.
Nesse caso, quem está em estado puerperal e possui a circunstância que gera toda a
dificuldade de análise na matéria (estado puerperal), não a executa nem tem domínio
final sobre a conduta típica, ou seja, não é autora. Já é entendimento firmado neste
caso que a conduta acessória segue a principal, não sendo admissível o contrário.
Assim, a conduta principal é a do autor que, nesse caso, pratica o homicídio, não
podendo ser beneficiado pela comunicação das circunstâncias pessoais do seu mero
partícipe, sob pena de inverter a ordem de determinação da unidade do acontecer
delitivo. Quer dizer então que, neste caso, pelo princípio da unidade do delito, a
partícipe que se encontra em estado puerperal será partícipe no delito de homicídio?
De modo nenhum. Para esta circunstância acredita-se ser adequado o disposto no
artigo 29, §2º, do CP quando diz: “Se algum dos concorrentes quis participar de
crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até
metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.”
O professor inicia dizendo que a comunicabilidade não é algo que possa estar em
questão, tendo em vista a clara e taxativa redação do art. 30: “Não se comunicam
as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime.” Acrescenta Bitencourt ainda que o estado puerperal é elemento do tipo e
seria estéril defender o contrário, ou seja, sua não comunicabilidade (BITENCOURT,
2008, p.127).
Bitencourt diz que a justiça ou injustiça do tratamento jurídico correto não justifica
a negação da posição tomada e firmada pelo Código penal ao determinar a teoria
monística da ação prescrita no art. 29 do CP: “Quem, de qualquer modo, concorre
para o crime incide nas penas a este cominadas [...]”.
De modo parecido com o que foi defendido neste texto, o professor conseguiu
identificar a hipótese em que um terceiro realiza, ainda que juntamente com a
infanticida, um plano próprio, ou seja, move-se por elementos anímicos próprios
do delito de homicídio não aderindo ou motivando-se pelos interesses ou estado
da infanticida, o que acarretaria a este sujeito uma imputação adequada aos seus
próprios e particulares desígnios, não compartilhados pela infanticida, ou seja, a
tipificação, para este terceiro, do delito de homicídio.
Ora, nesse caso, o terceiro age com dolo de matar alguém, age
com dolo de homicídio, que diríamos, é um dolo qualificado,
pois tinha a finalidade adicional de utilizar a puerpera como
Essa redução de pena (de um a dois terços) que a mãe receberia por ter praticado
homicídio sob a influência de estado puerperal seria uma medida de justiça no trato
dado à questão, aplicando, para fechamento dessa, o art. 29, §2º, primeira parte, do
CP, por reconhecer na hipótese um desvio subjetivo de conduta.
Quer dizer, então, que não poderá haver a possibilidade de duas pessoas que
matam alguém nascente ou recém-nascido responderem uma por homicídio e outra
por infanticídio? Isso não violaria a tão citada teoria da unidade da ação insculpida
no artigo 29 do CP? Sim para a primeira pergunta e não para a segunda, contudo a
discussão passa ao largo da manipulação do juízo de tipicidade.
Numa pacata cidade do interior de Minas Gerais, Peter, indignado com o nascimento
de seu filho, desabafa com um amigo que irá matar a referida cria assim que esta
nascer. Peter não só confessa suas intenções como a reafirma várias vezes dizendo
estar determinado a colocar sua finalidade em prática. Ao chegar em casa de
noite, percebe que sua esposa acabara de dar à luz e também que esta encontra-
se insana e descompensada afogando o recém-nascido na banheira. De imediato
Peter aproveita-se da situação e empreende na realização de seu plano, apertando
o pescoço do próprio filho que vem rapidamente a falecer.
Fica claro que Peter tem desígnios próprios, típicos do homicídio. Fica também
claro que sua esposa mata filho próprio logo após o parto, movida pela influência do
estado puerperal justificante da tipificação infanticídio.
Neste caso, ela (mãe) responderá por infanticídio e ele por homicídio sem violar a
unidade da ação justamente porque não há a incidência de concurso de pessoas na
hipótese, não havendo, portanto, que se falar na incidência do princípio da unidade
da ação. Unidade da ação é regra aplicável ao concurso de pessoas em sua forma
pura.
Contudo, não fora notado que tal fator excluiria a incidência do concurso de pessoas
e, conseqüentemente, das regras a ele referentes.
Neste caso parece mais adequada a configuração de autoria colateral que, pela
peculiaridade da questão poderia ser entendida como uma autoria colateral
imprópria.
6. Conclusão
Algumas situações geram uma estranheza típica (de justiça?), como ocorre com
o pai ou terceiro que, juntamente com a infanticida, mata alguém. Este terceiro
mesmo não estando sob a influência do estado puerperal poderia se beneficiar das
disposições do art. 30 do CP? Sim, quando houver concurso de pessoas e não,
quando não houver concurso de pessoas.
O art. 30 só incide quando houver uma adesão do(s) terceiro(s) ao plano e nos
termos do plano psicológico do sujeito portador das condições pessoais previstas no
tipo penal a ser aplicado.
7. Referências bibliográficas
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Martin Claret,
2002.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: dos crimes contra a pessoa.
Parte especial. v.2. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
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Martins Fontes, 2000.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. v. 1. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002a.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. v. 2. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002b.
WELZEL, Hans. Direito Penal. Tradução Afonso Celso Rezende. Campinas: Romana,
2003.
124 • Palestra
Ademais, como corolário da cidadania, exigem-se dos agentes políticos e públicos
não somente qualidades morais, impostas pela natureza do cargo, mas também
capacitação técnica e profissional para o desempenho de suas nobres e relevantes
funções, para o melhor servir a população destinatária desses serviços públicos.
Logo, há incidência da Lei nº 8.429/92 a todos aqueles que, mesmo não sendo
rigorosamente agentes públicos estejam em contato com o dinheiro público ou
se beneficiem, direta ou indiretamente, dos efeitos da improbidade administrativa,
culposa ou dolosamente3.
2
Ver: (PAZZAGLINI FILHO, 2005. p. 26).
3
Ver: (OSÓRIO, 1997. p. 74).
126 • Palestra
Toda e qualquer despesa dissociada do interesse público causa lesão ao erário.
Essa hipótese existe, por exemplo, no caso do agente público que dispensa
indevidamente uma licitação para permitir o restauro de um bem cultural por uma
empresa privada que não possui notória especialização. Outros exemplos de lesão
ao erário seriam a contratação de um escritório para a elaboração de inventário com
vistas a tombamento sem a devida licitação e a nomeação de funcionários para
exercerem função em área cultural sem o prévio concurso público.
Se, ademais, não se acatar recomendação ministerial para paralisação das obras,
cabe ao Ministério Público ingressar com a competente ação por improbidade
administrativa em face da violação do princípio da legalidade, nos termos do artigo
11, caput, da Lei nº 8.429/92, e, por ferir também as normas concernentes às
alterações em bens tombados, em detrimento do patrimônio cultural brasileiro, com
pedido liminar de suspensão da realização da obra e pedido definitivo de demolição
da construção com retorno da edificação ao seu volume original, quando possível.
A falta de observância por desobediência à recomendação caracteriza a ocorrência
de dolo, ensejando providências por parte do Ministério Público. Vê-se igualmente a
ocorrência da deslealdade e da desonestidade em relação ao órgão da administração
pública que representa o requerido autorizador da obra indevida.
128 • Palestra
as delimitações das áreas nas quais poderão ser impostas as obrigações de
parcelamento e edificações compulsórias. Assim, o plano diretor é ato-condição para
que o município exerça o seu direito de impor as referidas obrigações urbanísticas,
que, ao serem observadas, revelarão o cumprimento da função social da propriedade
urbana, nos termos do artigo 182, § 2º, da Constituição Federal.
A lei municipal que veiculará o plano diretor deverá estar harmonizada com a lei
federal que traçou as diretrizes e normas gerais da política urbana. E, quanto ao
interesse turístico, há de se compatibilizar as condicionantes previstas no plano
diretor, obtidas basicamente pela garantia da participação popular, publicidade
e garantia de acesso, com as disposições já previstas em legislação urbanística
complementar, que fundamentarão as ações municipais de sustentabilidade da área
cultural.
Mais do que pensar em anulação deste ato de cancelamento via ação civil pública
(artigo 5º, inciso II, da Lei nº 7.347/85) ou ação popular (artigo 5º, inciso LXXIII,
da Constituição Federal), existe na espécie um ato que decorre da transgressão
de princípio constitucional, notadamente, dos princípios da preservação e proteção
ao patrimônio cultural; da função sociocultural da propriedade e da fruição coletiva
(artigo 216 da Constituição Federal)4.
4
Segundo relação principiológica de: (MIRANDA, 2006, p. 24-32).
5
Ver: (DICK, 2006).
130 • Palestra
DIREITO ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –
PREFEITO – CONDUTAS QUE OCASIONARAM DANOS
AMBIENTAIS – INOBSERVÂNCIA DO ARTIGO 225 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CARACTERIZAÇÃO DE ATO
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – APLICAÇÃO DA LEI
8.429/92 (TJMG – Apelação Cível nº 1.0107.06.999989-7/001
– comarca de Cambuquira – Órgão julgador: 4ª Cam. Cív. –
Rel. Audebert Delage – julgado em: 05/10/2006).
Registre-se, por oportuno, que a Lei Federal nº 11.483/2007 que dispõe sobre a
revitalização do setor ferroviário, em seu artigo 2º, inciso II, determina que “os bens
imóveis da extinta RFFSA ficam transferidos para a União, ressalvado o disposto nos
incisos I e IV do caput do art. 8º desta lei”. Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN) receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor
132 • Palestra
argumentava acerca da condenação da realização da festa de carnaval e o tráfico
indiscriminado no centro histórico, por colocar em risco o patrimônio histórico
e urbano. O magistrado determinou ao Município de Ouro Preto, então, que se
abstivesse de promover, cooperar, patrocinar, colocar ou autorizar a colocação
de aparelhagem de sons mecânicos dirigidos – tão-somente – para a realização
das festas carnavalescas em locais determinados; que se abstivesse de conceder
alvarás para funcionamento de comércio no período carnavalesco, com sonorização
mecânica externa, além, dentre outras ações, de manter livres e desimpedidas pelo
menos duas vias de acesso ao hospital municipal.
Dick (1990b p. 22) leciona que “[...] se a Toponímia situa-se como crônica de um
povo, gravando presente para o conhecimento das gerações futuras, o topônimo é o
instrumento desta projeção temporal [...]”.
Dentro desse estudo, apresenta-se como tópico analítico de bem cultural imaterial
a contextualização do topônimo inserido em seu seio social.
Segundo Dick (1990a, p. 1), “[...] desde os mais remotos tempos, o homem sempre
deu nome aos lugares. E o sentido desses denominativos é o ponto de partida para
investigações no campo da lingüística, geografia, antropologia, psicossociologia,
enfim, da cultura em geral [...]”.
Como está escrito no Evangelho de São João (1,1), “No princípio, era o Verbo e o
Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. No início era o Verbo, o Verbo habitou
entre nós e a Palavra foi formada.
Os antigos não revelavam o nome a estranhos para que seu portador não
sofresse danos irreparáveis, como “perda da alma”, que passava, daí em diante,
a pertencer àquele que conheceu o segredo do nome. Este pensamento também
estava instalado entre os Tupinambás do litoral brasileiro. Do antigo Egito vinha a
crença, perpassando por várias regiões até chegar a nós, de que o nome revelado
a estranhos era um caso perdido, pois com ele ia também a própria personalidade.
Isso porque, na prática, acreditavam que o homem era formado de três elementos:
corpo, alma (ou espírito) e nome. O nome era, assim, uma entidade que caminhava
por forças mágicas paralelamente ao corpo.
Da palavra comum da língua forma-se o nome das coisas, dos objetos, das pessoas,
6
DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral, aulas ministradas no Curso de Graduação e Pós-Graduação
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
134 • Palestra
dos lugares. E esse nome específico torna-se a marca identitária ou a identificação
personalíssima desse objeto que não pode mais ser alterado. Segundo Dick, se
há mudança ou trocas, permitindo-se a alteração, instala-se o caos social e a
comunicação ou o traço identificador das coisas e seres não existe mais.
7
Ver: (TOLEDO, 2009, p. H 16).
Em São Paulo, por iniciativa do então Vereador Arnaldo Madeira, houve a inclusão
da Toponímia na Lei Orgânica Municipal, relacionada com a identidade, a ação e
a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade, para ser preservada
pelo município, em razão de seu valor histórico-cultural, nos termos do artigo 192,
parágrafo único, inciso VI, da referida lei, datada de 06 de abril de 1990.
4. Conclusão
Desse modo, caberá ao Ministério Público a propositura de ação civil pública para
se anular o nome arbitrário, sem origens históricas e sem respaldo comunitário,
136 • Palestra
para conservação do nome que retrate o referencial e o tradicional, presente no
coração do povo. Ora, havendo alteração para fins políticos, manobras populistas e
homenagens indevidas ter-se-á violação aos princípios administrativos da moralidade
e da impessoalidade, com lesão ao artigo 216 da Constituição Federal, tornando-se
pertinente a responsabilização por ato de improbidade administrativa dos agentes
envolvidos, nos termos do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, em razão do prejuízo moral
vivenciado pela coletividade, detentora desse patrimônio onomástico. E, no caso de
comprovação de gastos ilícitos ao erário, amoldar-se-á a conduta ao disposto no
artigo 10 da Lei nº 8.429/92.
5. Referências bibliográficas
TOLEDO, Benedito Lima de. Desorientando São Paulo. In: São Paulo 455 anos de
O Estado de S. Paulo. São Paulo, 25 de janeiro de 2009. p. H 16.
138 • Palestra
Diálogo Multidisciplinar
1. Introdução
No Brasil, em linhas gerais, o ciclo policial é realizado pelas polícias militar e civil.
As funções de patrulhamento ostensivo uniformizado e controle do trânsito são
atribuídas às polícias militares, enquanto às polícias civis atribuem-se as atividades
de investigação criminal e o exercício de polícia judiciária, no âmbito dos Estados e
do Distrito Federal. Nesse sentido, em Minas Gerais, o policiamento ostensivo é de
responsabilidade da Polícia Militar enquanto a polícia judiciária e investigativa fica a
cargo da Polícia Civil.
Se, por um lado, as polícias civis brasileiras se caracterizam por uma cultura jurídica,
por outro, as polícias militares, consideradas forças reservas do Exército brasileiro,
encaixam-se na cultura militar. Essas organizações estão passando por um processo
de integração em Belo Horizonte. A identificação dos seus perfis culturais pode
subsidiar a gestão da nova forma de organização do sistema de defesa, visando à
adoção de estratégias e procedimentos compatíveis com os padrões culturais mais
fundamentais das duas instituições.
Assim, no presente artigo, tem-se como primeiro objetivo analisar o perfil cultural das
organizações policiais em Minas Gerais, quais sejam a Polícia Militar e a Polícia Civil,
caracterizando-as a partir do modelo proposto por Paz e Tamayo (2004), dando ênfase
à identificação de seus valores organizacionais e de suas configurações de poder. O
segundo objetivo consiste em relacionar os valores organizacionais com as configurações
de poder. Para tanto, a seguir, faremos uma breve revisão de literatura sobre valores
organizacionais e configurações de poder que subsidiarão a análise empírica.
No século XXI, esse interesse se mantém. Paz (2004) aborda poder e saúde
organizacional; Enns e Mc Farlin (2005) estudaram a influência, a fim de compreender
os processos mais usados pelos executivos para ganhar o apoio dos seus pares
na implantação de inovações; Zhang (2006) centrou-se no estudo da liderança
localizada na cúpula de uma empresa; Colarezzi, Spranger e Hechanova (2006)
estudaram as diferenças sexuais no poder e tentaram explicar a assimetria entre
homens e mulheres na ocupação de cargos de alta gerência; Spranger, Hechanova
e Schlegelmilch (2007) utilizaram abordagens políticas e contingenciais para
investigar os mecanismos de controle usados por multinacionais para gerir suas
Mintzberg (1983) propõe uma tipologia das configurações de poder que é resultante
da interação entre: 1 – coalizões externas e internas da organização; 2 – os sistemas
de influência (autoridade, ideológico, especialista e político) e 3 – o sistema de
metas (sobrevivência, controle, eficiência, crescimento e metas ideológicas formais
e pessoais compartilhadas).
Os elementos básicos do poder, segundo esse mesmo autor, são os jogadores que
podem pertencer ou não à estrutura da organização, mas que tem a intenção de
exercer influência nos resultados organizacionais. Esses influenciadores utilizam
como meio de controle das decisões organizacionais a autoridade, a ideologia, a
especialidade ou perícia e a política. Ainda segundo o autor, pode haver relação
entre o sistema de poder interno da organização e o ambiente externo através dos
influenciadores que constituem coalizões que interagem, com o objetivo de adquirir
poder em relação à organização, formando, assim, a coalizão externa (CE) e a
coalizão interna (CI).
No Brasil, alguns estudos sobre a dinâmica do poder nas organizações têm sido
desenvolvidos. Podemos citar: Paz (1997), que estabeleceu relações entre estruturas
de poder e avaliação de desempenho; Vargas (1998), que realizou um estudo em
que identificou quais são os tipos de configurações que melhor representavam as
relações de poder presentes na Embrapa; Martins e Paz (2000), que desenvolveram
uma pesquisa sobre as interações entre configurações de poder e comprometimento;
Paz, Mendes e Gabriel (2001), que relacionaram configurações de poder com estilos
de caráter nas organizações; Flausino e outros (2001), que construíram e validaram
um instrumento de bases de poder; Neiva e Paz (2004), Guimarães e Martins
(2008), que investigaram a relação existente entre a interação do trabalhador com
seu meio e com seus colegas de trabalho e como essa interação reflete no seu
comprometimento com a organização e com sua equipe de trabalho; Paz (2008),
que relacionou configurações com estresse nas organizações.
2. Método
Para atingir os objetivos propostos, foi realizada uma pesquisa com abordagem
quantitativa. Dois instrumentos foram utilizados para a coleta de dados. O primeiro
deles, o inventário de Perfil dos Valores Organizacionais (IPVO), construído e validado
por Oliveira e Tamayo (2004), composto de quarenta e oito itens que descrevem
características de organizações que servem como referentes para a identificação
dos valores e possibilitam o reconhecimento das prioridades axiológicas. Trata-
se de uma escala de seis níveis, que varia de um (é muito parecida com a minha
organização) até seis (não se parece com minha organização). Os itens medem os oito
valores já descritos: Realização, Conformidade, Domínio, Bem-estar do empregado,
Tradição, Realização, Autonomia e Preocupação com a coletividade, todos com
índices de precisão e confiabilidade satisfatórios, com alphas de cronbach acima de
0,70. O segundo instrumento de medida utilizado foi a Escala de Configuração de
Poder Organizacional, construída e validada por Paz & Neiva (2005), composta de
cinqüenta itens. É uma escala de cinco pontos, que varia de zero (não se aplica) até
quatro (totalmente aplicável). Os itens dessa escala avaliam seis configurações que
correspondem às configurações de poder de Mintzberg (1983). São elas: Autocracia,
Instrumento, Missionária, Meritocracia, Sistema Autônomo e Arena Política, todos
também com alphas de cronbach acima de 0,70. As escalas foram entregues aos
respondentes e preenchidas individualmente.
Com relação aos participantes, verificou-se que a idade média dos policiais militares
é de 36 anos, enquanto a dos policiais civis é de 38 anos. O tempo médio de serviço
nas duas organizações é de 14 anos. Entre os participantes, na polícia militar,
dezessete (17) são do sexo feminino e duzentos e noventa e seis (296) são do
sexo masculino, sendo que quatro participantes não informaram o sexo. Na polícia
civil, do total de participantes, cinqüenta e cinco (55) são do sexo feminino e cento
e trinta (130) são do sexo masculino, cinco (5) não informaram o sexo. Dentre
os participantes, noventa e três (93) policiais militares ocupam cargo de chefia e
cento e noventa e oito (198) não ocupam. Na PM, nove (9) participantes não deram
essa informação. Na Polícia Civil, trinta e sete (37) participantes ocupam cargo de
chefia e cento e trinta e oito (138) não ocupam, sendo que quinze participantes não
informaram.
3. Resultados e discussão
Esses dados apontam que tanto na Polícia Militar quanto na Polícia Civil os
respondentes percebem como valor máximo da organização a Conformidade, que
enfatiza a obediência às regras do trabalho bem como aos superiores hierárquicos.
Porém, considerando que a escala de valores organizacionais é de 6 pontos (1 a 6 )
e que o ponto médio da escala é 3,5, podemos admitir que a percepção desse valor é
mais forte na PM que na PC. Não só em relação ao valor Conformidade mas também
em relação aos demais a força da percepção dos valores organizacionais é maior na
Polícia Militar que na Polícia Civil. O teste de diferença entre as médias dos valores
(Teste t pareado) foi calculado para cada uma das organizações, encontrando-
se diferenças significativas entre as médias de todos os valores. Pode-se então
considerar que as culturas organizacionais das Polícias Civil e Militar priorizam a
Conformidade. O comportamento organizacional é dinamizado por esse valor, que
Por seu turno, na Polícia Civil, a segunda configuração mais percebida foi Arena
Política. Esta configuração é representada por uma atividade política máxima, em
que predomina o conflito e prevalece a tentativa constante de satisfazer objetivos
individuais não atendidos e organizacionais, neste último caso quando há a percepção
de que os objetivos organizacionais estão sendo desviados. Essa configuração tem,
geralmente, um caráter temporário, podendo surgir em momentos de transição ou
como uma tentativa de realinhamento do poder. Talvez o reconhecimento dessa
Na realidade, a Arena Política não pode ser considerada um traço cultural, mas um
momento de crise, que pode redundar em mudança em certas características culturais
das organizações. Talvez, em função dessa crise, que nem é tão profunda, pois a
média da configuração é 2,27, portanto uma característica apenas razoavelmente
percebida pelos respondentes, é que há pouca homogeneidade e baixa intensidade
nas percepções relativas a alguns dos valores organizacionais. Em situação de crise
nem sempre há clareza em relação a determinados processos e procedimentos que
marcam o contexto de trabalho, especialmente se eles estão em transição. O teste
de diferença entre médias (teste t pareado) revelou diferenças significativas ao nível
de 0,05 entre as médias de Autocracia e Arena política na PC, o que nos leva a
crer que podemos considerar que essa organização tem uma cultura autocrática,
mas que se encontra em crise. Neste caso, é importante atentar para a terceira
configuração percebida pelos polícias civis que participaram da amostra, que é a
configuração Missionária. É possível que a Arena Política presente na PC esteja
revelando que a configuração Missionária pode estar se fortalecendo em detrimento
da configuração autocrática (ou o contrário pode ocorrer, um fortalecimento ainda
maior da Autocracia).
Bem-estar do
- 0,056 -0,230** 0,341** -0,056 0,417** -0,290**
empregado
Autonomia
- 0,035 -0,314** 0,429** -0,067 0,460** -0,383**
(Autodeterminação)
Preocupação com
- 0,011 -0,391** 0,438** -0,157** 0,372** -0,424**
a coletividade
*p< 0,05 **p< 0,01
Para testar o modelo dos valores organizacionais como variável preditiva das
configurações de poder, realizou-se a análise de regressão múltipla, utilizando-se
o método hierárquico. Não sendo identificada a ocorrência de multicolinearidade,
todos os valores e configurações de poder permaneceram como variáveis do modelo
de regressão. As variáveis demográficas entraram no primeiro bloco como variáveis
controladas e os valores, no segundo bloco. Foram feitas regressões para cada uma
das configurações de poder.
Com relação à configuração Meritocracia, o modelo que tenta explicar a sua percepção
tem um poder preditivo muito baixo e é composto dos valores Domínio e Conformidade,
este último numa relação negativa (R2= 0,07).
Por fim, a configuração Arena Política é explicada pelo modelo composto dos valores
Domínio (beta= 0,19), Autonomia (beta= 0,20) e Tradição (beta= 0,20), sendo o R²
= 0,23. Entende-se que quando a Arena Política é percebida como configuração de
poder da organização, menos se percebe o valor organizacional de Autonomia e mais
se considera a força de valores de Domínio e Tradição, talvez revelando o conflito
entre os que querem mudança e os que querem manter a sua organização sem muitas
transformações, evitando influências do contexto e tentando controlá-lo.
4. Conclusão
O presente estudo procurou caracterizar o perfil cultural das Polícias Civil e Militar a
partir dos valores e das configurações de poder organizacional e estabelecer relações
entre essas duas variáveis do núcleo da cultura das organizações.
Os resultados apontam que as organizações policiais têm em sua cultura como valor
principal a Conformidade, na percepção dos policiais civis e militares, apontando que o
comportamento organizacional é regido por regras e ações que impõem a aceitação e
sujeição dos indivíduos aos comandos organizacionais, incluindo os dos superiores.
Outro ponto já destacado refere-se àquilo que caracteriza uma organização policial,
quais sejam seus pilares básicos, que são a hierarquia e a disciplina. Nas organizações
policiais em geral há uma ênfase na obediência às regras de trabalho bem como ao
superior hierárquico. Na PMMG, além do valor Conformidade, destacam-se também
nessas culturas os valores Prestígio, Tradição e Preocupação com a coletividade, nessa
ordem, enquanto na PCMG foram percebidos os mesmos valores, apenas invertendo a
ordem de prioridade, isto é, Tradição, Prestígio e Preocupação com a coletividade. Esses
Valores apontam para questões importantes nas organizações pesquisadas. Se, por
um lado, os policiais militares se sentem pertencentes a uma organização de prestígio,
por outro, os policiais civis se percebem numa organização mais tradicionalista. Já o
valor Preocupação com a coletividade, que também é percebido pelas organizações
policiais, traz em seu bojo questões afetas à honestidade e ao tratamento igualitário
Outra questão pode estar ligada ao fato de que nos últimos anos essas organizações
vêm passando por modificações consideráveis, seja em termos de estrutura de
trabalho como também na forma de trabalhar, considerando aí o processo de
integração por que passam as organizações do sistema de defesa social do Estado
o que, certamente impacta a maneira de se perceber a organização. Assim, embora
os dados obtidos possibilitem uma maior compreensão da cultura das organizações
policiais no Estado de Minas Gerais, levando a um maior conhecimento deste tipo de
organização, considera-se válido que outros trabalhos sejam desenvolvidos para que
Por fim, é importante ressaltar que os resultados obtidos com esta pesquisa não podem
ser generalizados, o que implicaria, em relação ao segundo objetivo da pesquisa de
estabelecer relações entre as configurações de poder e os valores organizacionais,
uma amostra composta por um número bem maior de organizações. Mas pode-se
dizer que, mesmo assim, este trabalho tenta preencher uma lacuna existente nos
estudos de valores e poder organizacional, já que até a presente data não se tem
conhecimento de trabalhos semelhantes na literatura científica.
5. Referências bibliográficas
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______ & PAZ, M. G. T. Perfil cultural das organizações. In: TAMAYO, A. et al. Cultura e
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Direito
Penal
2 Artigo
ABSTRACT: The criminal liability of the legal entity is gaining new contours, and
thus re-building the traditional dogma in which the culpability and action notions were
based on the natural person (the legal entity is excluded). In this context, the Roman-
Germanic branch and the Common Law, whose antagonism or legal-criminal dualism
is relativized by means of the interaction and auto-influence of the systems, are
quite dettached from each other. Thus, Law steps towards thoroughness of criminal
liability of the collective entity, due to the new criminality, especially the economic
and environmental crimes. It is of the utmost importance to operate a real shift in
the current, traditional dogma, from its center in the man to the culpability and action
concepts centered in the society.
1. Introdução
A máxima expressada por meio do brocardo latino societas delinquere non potest (a
sociedade não pode delinqüir) prevaleceu soberana e majoritária por um longo tempo.
Entretanto, o pensamento humano evoluiu e com ele o Direito. Esse brocardo latino
foi assumido como um princípio na interpretação do direito penal, significando para a
tradição germânica que não se pode ou não se poderia responsabilizar penalmente
uma pessoa jurídica, uma vez que o juízo penal de condenação somente é afeto ao
indivíduo como pessoa física, o que foi reforçado com a distinção entre pessoa física
e pessoa jurídica (CHAMON JÚNIOR, 2006, p. 34).
O art. 173, § 5º, da Constituição preconiza que “[...] a lei, sem prejuízo da
responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a
responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com a sua natureza,
nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia em
particular”, abrindo espaço para uma nova interpretação dogmática. Assim, a corrente
que contesta a tese de que a atual Constituição consagrou a responsabilidade penal
da pessoa jurídica baseada no dispositivo constitucional conclui que não há que se
confundir a responsabilidade da pessoa jurídica com a responsabilidade pessoal
de seus dirigentes, tendo a Constituição somente condicionado a responsabilidade
do ente coletivo à aplicação de sanções compatíveis com a sua natureza. Assim, a
responsabilidade penal continua a ser pessoal, nos termos do art 5º, inciso XLV, da
CF/88 (BITENCOURT, 1998, p. 68).
Nesse sentido, a sociologia nos ensina que a pessoa jurídica ou moral faz com
que se crie um ambiente favorável, o qual incita as pessoas físicas ou materiais
a praticarem delitos em benefício do ente coletivo. Assim, surge a idéia de não
sancionar apenas a pessoa física, as quais podem ser trocadas ou substituídas por
outras, mas também a pessoa jurídica utilizada ou beneficiada com a prática do
ilícito, principalmente, num momento em que os delitos empresariais, ecológicos,
contra o consumidor e aqueles envolvendo o crime organizado adquirem relevo. E
não é por casualidade que o legislador europeu tem admitido, nos últimos 20 anos
do século passado, algumas exceções ao dogma societas delinquere non potest,
sobretudo em matéria fiscal e aduaneira. A realidade atual demonstra que a maior
parte dos delitos da empresa ou socioeconômicos são cometidos com a ajuda de
uma pessoa jurídica (TIEDEMANN, 1998, p. 27). Na prática jurídica, pode-se elencar
2. Antecedentes históricos
Numa breve visão histórica, verifica-se que da Idade Antiga à Idade Média
predominaram as sanções coletivas impostas às tribos, comunas, cidades, vilas,
famílias, etc., havendo, contudo, uma certa oscilação, ora tendente ao individualismo,
ora ao coletivo. Num delineamento histórico do tema, cabe ressaltar que a maioria dos
ordenamentos jurídicos antigos e o Direito romano, principalmente, não conheciam,
a princípio, a figura da pessoa jurídica (BACIGALUPO, 1998, p. 42-43).
2.1. Babilônia
2.2. Índia
2.5. Os glosadores
2.6. Os canonistas
A “[...] concepção de pessoa ficta foi adotada pelos decretos papais seguintes,
consagrada no Concílio de Lyon (1245) e na coleção de decretos de Jorge IX”
(BITENCOURT, 1999, p. 55), sendo os canonistas os “[...] pais espirituais da
moderna concepção de corporação”, cuja teoria carrega consigo a origem do dogma
societas delinquere non potest. A partir dos canonistas, “[...] a pessoa jurídica passa
a ser considerada uma pessoa ficta, cujo entendimento chega até nossos dias”
(BITENCOURT, 1999, p. 55), assemelhando a teoria elaborada pelos canonistas à
teoria da ficção do século XIX, concebida por Savigny.
2.7. Pós-glosadores
Somente em 1988, por meio do art. 173, § 5º, e art. 225, § 3º, da Constituição Federal
e da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, é que vamos encontrar a possibilidade
de responsabilização penal do ente coletivo. O artigo 173, § 5º, e art. 225, § 3º, da
Constituição Federal preconizam:
Segundo a corrente doutrinária seguida por Robaldo (1999, p. 96), tais dispositivos
“[...] são de conteúdo administrativo e não penal, posto que não se compatibilizam com
a dogmática penal, em especial, quanto à culpabilidade, aos fins da pena e ao direito
penal mínimo, isto é, ao direito penal da ultima ratio”. Nesse sentido, principalmente
se levado em consideração o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal, a
sua adoção não acarretará uma maior efetividade em termos práticos, haja vista que
os bens jurídicos a se proteger já estão devidamente tutelados pelo direito civil e
administrativo “[...] mais eficazes e de aplicabilidade menos burocráticas, enquanto a
responsabilidade física dos responsáveis pelas pessoas fictícias já existe no sistema
penal pátrio” (ROBALDO,1999, p. 96).
4. A dogmática jurídico-penal
Araújo Júnior (1999, p. 93) argumenta no sentido de que esta “[...] é uma estrutura de
pensamento antiga, que gerou uma dogmática clássica, dedutivo-ontológica, absoluta,
ahistórica, de caráter metafísico, alheia às realidades socioculturais do crime”, sendo
que o caráter retributivo e intimidativo da pena já não prospera perante o direito penal
moderno, o qual adotou um conceito funcional de prevenção geral e especial positiva.
Na atualidade, a concepção teórica do direito penal mudou, o qual não tem mais por
missão fazer justiça, compensando a culpa com a pena, num caráter meramente
metafísico ou teleológico. O direito penal atual tem por finalidade o funcionamento
da sociedade, por meio da adoção de um conceito funcional de prevenção geral e
especial positiva, abandonando a idéia de que o autor do delito precisa sofrer para
emendar-se ou arrepender-se. O direito penal tem por missão “[...] reforçar no âmbito
da cidadania a idéia de vigência, utilidade e importância, para a convivência social, da
norma violada pelo criminoso” (ARAÚJO JÚNIOR,1999, p. 94) e, para a consecução
de tal objetivo, pouco interessa se o violador da norma é uma pessoa natural ou
uma pessoa jurídica. O direito penal se baseia na culpabilidade que, por sua vez, é
centrada na imputabilidade, na consciência da ilicitude do fato e inexigibilidade de
conduta diversa. Nesse sentido, no que pertine à dogmática jurídico-penal, tem-se
argumentos contrários e a favor da responsabilização penal das pessoas jurídicas.
É evidente que uma pessoa jurídica não pode realizar propriamente nenhum dos
elementos que exige a dogmática da teoria geral do delito, da forma consagrada
nos países do Civil Law, haja vista que esta teoria vê o delito como sendo uma
conduta humana e a pessoa jurídica não pode realizar nenhuma conduta humana,
sequer pode atuar por si mesma. Sendo assim, a pessoa jurídica não pode agir com
voluntariedade e dolo. A teoria do delito, elaborada segundo os atuais contornos da
É evidente que uma pessoa jurídica é uma criação do direito, sendo, portanto,
incapaz de atuar e agir por si mesma, uma vez que é desprovida de consciência e de
senso de responsabilidade, necessitando de uma pessoa física que aja e pense em
seu nome (MIR PUIG, 2004, p. 9 - 10). É o que ocorre com o recém-nascido e com
o absolutamente incapaz, por exemplo, legalmente representados, têm capacidade
jurídica sendo, portanto, detentores de direitos e de obrigações.
Forte argumento contrário reside no fato da pessoa jurídica não ter capacidade de
ação, sendo que todos os seus atos ou atividades, lícitas ou ilícitas, são realizadas
por intermédio de uma pessoa natural ou física, ou seja, para o direito penal somente
o homem é dotado de capacidade de ação. Tem-se que a doutrina penal adota a
teoria finalista da ação, a qual tem como principal criador Welzel e, conforme acentua
Jesus (1995, p. 205):
5. Conclusão
Em face da nova criminalidade que aflora no seio social, com destaque para o Direito
Econômico e Ambiental, tem-se forçado a adequação do sistema penal com vistas
a apresentar novas soluções diante dessa nova realidade. Nesse sentido, o Direito
Penal clássico deve ser reestruturado com o intuito de explicar ou solucionar os
delitos penais praticados pelas pessoas jurídicas, devendo-se ampliar o âmbito da
imputabilidade no intuito de buscar respostas para esses novos conflitos sociais.
No que tange à capacidade de ação, esta nova dogmática deve ser construída
no sentido de afastar o seu cunho psicológico, pois caso contrário não haverá
Uma reconstrução de forma a entender como sujeito de direito penal não quem
causou ou provocou o resultado, mas quem é competente para decidir, quem
tem o dever de (BACIGALUPO, 1998, p. 35), elaborando conceitos de ação e de
culpabilidade para a pessoa jurídica como sujeito de direito, tomando como ponto de
partida não o homem, mas a sociedade.
BÍBLIA. Português, A Bíblia Sagrada. Tradução por José Ferreira de Almeida. 2. ed.
São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
CHAMON JÚNIOR, Lúcio Antônio. Teoria geral do direito moderno: por uma
reconstrução crítico-discursiva na alta modernidade. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris,
2006.
MIR PUIG, Santiago. Una tercera via en materia de responsabilidad penal de las
personas jurídicas. Revista electrónica de ciencia penal y criminologia, Barcelona, n.
06-01, p. 01:1 – 01:17, abr./jun. 2004. Disponível em: <http://criminet.ugr.es/recpc>.
Acesso em 21/11/2009.
A Turma, por maioria, denegou a ordem de habeas corpus por entender que a conduta
do prefeito que emitiu ordem de fornecimento de combustível (20 litros) a ser pago
pelo município para pessoa que não era funcionário público, nem estava realizando
qualquer serviço público e, ainda, conduzia veículo privado estaria tipificada no art.
1º, I, do DL n. 201/1967. O Min. Nilson Naves concedeu a ordem aplicando, ao
caso, o princípio da insignificância. Contudo o Relator entendeu que não se aplica
tal princípio quando há crime contra a Administração Pública, pois o que se busca
resguardar não é somente o ajuste patrimonial, mas a moral administrativa. HC
132.021-PB, Rel. Min. Celso Limongi, julgado em 20/10/2009.
A Turma indeferiu habeas corpus em que condenado por tráfico de drogas (Lei
6.368/76, art. 12, caput) pleiteava a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, bem como o cumprimento da pena em regime aberto. Entendeu-
se que a norma contida no art. 44, caput, da Lei 11.343/2006, ao expressamente
estabelecer a proibição da conversão almejada, apenas explicitou regra que era
implícita no sistema jurídico brasileiro quanto à incompatibilidade do regime legal
de tratamento em matéria de crimes hediondos e a eles equiparados com o regime
pertinente aos outros delitos. Salientou-se que a Lei 9.714/98 modificou a redação
do aludido art. 44 do CP — e assim ampliou os casos de substituição da pena
corporal por penas restritivas de direitos — mas não incidiu no âmbito do tratamento
legislativo referente aos crimes hediondos e a eles assemelhados, inclusive em
virtude da redação original contida no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que contemplava
o regime integralmente fechado para o cumprimento da reprimenda corporal.
Desse modo, considerou-se não haver aplicação retroativa da regra contida no art.
44, caput, da Lei 11.343/2006, à espécie, uma vez que o sistema jurídico anterior
ao seu advento já não permitia a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direito em relação aos delitos hediondos e equiparados. Concluiu-se
pela impossibilidade dessa substituição, mesmo no período anterior à edição da
Lei 11.343/2006. Mencionou-se que, ainda que se admitisse a referida conversão
nos crimes de tráfico de entorpecentes praticados na vigência da Lei 6.368/76, na
situação dos autos estaria ausente o requisito subjetivo (CP, art. 44, III), haja vista
serem desfavoráveis as circunstâncias judiciais do paciente, conforme afirmado
Jurisprudência • 187
pelas demais instâncias. Diante disso, reputou-se incabível também o acolhimento
da fixação do regime aberto para o cumprimento da pena. HC 97843/SP, rel. Min.
Ellen Gracie, 23.6.2009. (HC-97843)
Informativo 568 do Supremo Tribunal Federal – Prescrição da pretensão
punitiva em perspectiva.
LEONARDO SICA
Advogado
Professor convidado da Especialização em Direito Penal Econômico da FGV/SP (GVlaw)
Considerando que a garantia da ordem econômica foi inserida no artigo 312 do CPP
pela Lei nº 8.884/94, cujos tipos cuidaram de indicar as condutas ofensivas à ordem
econômica – repetidas ou assemelhadas aos tipos penais inscritos no Capítulo
II da Lei nº 8.137/90 –, a definição conceitual da expressão deveria ser extraída
precipuamente da objetividade jurídica de ambas as leis (8.884/94 e Capítulo II da
8.137/90).
Contudo, essa orientação não tem sido observada nos tribunais, ao reverso, tem sido
frontalmente desprezada. Em prol da ampliação indiscriminada das possibilidades
de uso da medida extrema de força, alguns tribunais vêm recorrendo à manifesta
interpretação extensiva da categoria legal “crime contra a ordem econômica”.
Portanto, os valores em que se funda a ordem econômica estão na Carta Magna: livre
iniciativa, controle do abuso econômico (redução das desigualdades) e valorização
do trabalho e da economia popular – conjunto axiológico do qual o legislador ordinário
deduziu os bens jurídicos dignos de tutela penal para criminalizar as condutas lesivas
àqueles, classificando-as de maneira taxativa e determinada, cumprindo, assim, as
exigências do princípio da legalidade.
Nesse sentido, a leitura do art. 170 evidencia que crimes como sonegação fiscal,
descaminho, corrupção e fraude à licitação, por exemplo, não podem ser tidos como
ofensivos àquela ordem.
Fora dessas hipóteses, não há como cogitar de prisão preventiva por garantia da
ordem econômica, mesmo que o caso concreto envolva grave lesão ao patrimônio
público ou particular. Portanto, prisão preventiva fundada nesse requisito e que
não inclua as condutas previstas no Capítulo II da Lei nº 8.137/90 ou nas Leis nº
1.521/52 e nº 7.492/86 é manifestamente ilegal, pois a tutela da ordem econômica
está normativamente circunscrita ao âmbito de incidência destas.
Foi nesse contexto que o Supremo Tribunal Federal revogou ordem de prisão
preventiva, sob os seguintes fundamentos:
Essa conclusão foi lançada com base em diversos precedentes da Corte Suprema,
principalmente o HC 80.717, julgado no Pleno e relatado pela Ministra Ellen Gracie,
cujos termos foram lembrados pelo Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, ao reiterar
enfaticamente que a garantia da ordem econômica, na leitura processual penal, só
se viabiliza quando a situação concreta implique risco à própria ordem pública:
1
HC 86.758-8/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 02.05.2006, DJ 01.09.2006.
[...] A ordem econômica (item ‘ii’), por sua vez, também já foi
objeto de discussão no Plenário desta Corte como requisito
da prisão preventiva. No julgamento do HC nº 80.717-SP
(relatora para o acórdão Min. Ellen Gracie, DJ de 05.03.2004),
o Tribunal estabeleceu que o fundamento da ordem econômica
deveria se revestir de requisitos similares aos da garantia da
ordem pública.
Em outro acórdão, lavrado pelo Ministro Eros Grau, também professor de Direito
Econômico da Faculdade de Direito da USP, o Supremo Tribunal reafirmou que
a lesividade econômica da conduta, “[...] sendo própria do tipo penal, não pode
respaldar a prisão preventiva para garantia da ordem econômica (Precedente)”3.
Neste ponto, surge então outro limitador ao uso indiscriminado do requisito sob
estudo, pois:
2
HC 85.615-2/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 03.03.06.
3
HC 85.519-9/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 17.03.2006.
4
STF, HC 89.970/RO; 1ª T.; Rel. Min. Cármen Lúcia; j. 05.06.2007.
O abalo da ordem econômica é condição que só pode ser bem avaliada sob a ótica
constitucional e a partir de um ponto de vista nacional, republicano. E, para isso, a
mais alta corte do País é o locus privilegiado para dirimirem-se as inquietudes que
a inclusão da expressão no artigo 312 do CPP trouxe aos operadores do Direito
Penal.
Se, nos casos acima mencionados, a liberdade dos acusados não acarretou nenhum
abalo à economia nacional, pode-se deduzir, com segurança, que em outros casos
similares ou menos graves não haverá como se utilizar da prisão preventiva sob
essa motivação. A conclusão é lógica: a segregação provisória de um cidadão,
raramente, poderá ser relacionada como medida essencial para assegurar a higidez
da economia nacional. Essa afirmação, embora pareça surpreendente, nada mais
faz do que reafirmar o caráter excepcional e extremo da prisão cautelar. Portanto:
(i) a prisão preventiva para garantia da ordem econômica tem como pressuposto
lógico e necessário a imputação da prática de crime contra a ordem econômica,
que, na nossa legislação, são somente aqueles previstos no Capítulo II da Lei nº
8.137/90, na Lei nº 1.521/51 e na Lei nº 7.496/86;
(ii) o critério acima deve ser sucedido da constatação da possibilidade de a liberdade
do agente causar risco sistêmico à ordem econômico-financeira, extraída de
elementos concretos trazidos aos autos, jamais de suposições ou conjecturas nesse
sentido;
(iii) a magnitude de valores desviados, apropriados ou sonegados não é elemento
idôneo para caracterizar o perigo à ordem econômica, além de ser questão cuja
análise deve ser reservada para o momento da verificação da culpabilidade.
Direito
Processual
Penal
3 Artigo
ABSTRACT: The present paper aims at analyzing the impossibility of the application
of criminal transaction and of the ex officio stay of proceedings by the magistrate,
when there is disagreement between the Magistrate and the Prosecutor.
Como órgão que pertence à administração pública, o Ministério Público não tem
disponibilidade sobre os interesses públicos que defende, não podendo dispor da
persecução penal, salvo nos delitos regidos pela Lei 9.099/95.
2. Discussão
Segundo Giacomolli citado por Tourinho Neto e Figueira Júnior (2002, p. 599), “[...]
na ausência do Ministério Público, desde que devidamente intimado, ou se presente
e não formular proposta, o juiz poderá propor a transação criminal, sob pena de
haver negativa de adequada jurisdição e negativa de um direito do acusado”.
Para Batista e Fux (2001, p. 321), a transação penal “[...] constitui direito subjetivo
do autor da infração, desde que satisfeitos os requisitos estabelecidos em lei. O só
fato do legislador dar ao Ministério Público a iniciativa da proposta, e de usar o verbo
poder, não altera a natureza do instituto”.
“Se o Ministério Público não oferecer proposta de transação penal e suspensão condicional do processo
1
nos termos do art. 79 e 89, poderá o juiz fazê-lo” (conclusão décima terceira).
Promover, privativamente, a ação penal pública na forma da lei é uma das funções
institucionais do Ministério Público, prevista no inciso I do art. 129 da Constituição
da República, bem como no art. 100, §1º, do Código Penal e no art. 24 do Código de
Processo Penal. E, para que isso efetivamente ocorra, a Constituição estabeleceu
prerrogativas institucionais (CF, art. 127).
2
Enunciado n. 6 do XVIII Encontro de Coordenadores de Juizados.
Nenhum dos textos legais que confere ao Magistrado o agir de ofício confronta
com o princípio constitucional da iniciativa do Ministério Público de promover,
privativamente, a ação penal pública.
E, por fim, o texto legal não prevê a possibilidade de o Juiz, de ofício, propor a
suspensão condicional do processo, não podendo, assim, se a lei não distinguiu, o
interprete fazê-lo.
3
Sobre conceito analítico de ação, ver: Cintra, Grinover e Dinamarco, Teoria Geral do Processo, cit.
254/255, n.156 apud (GRINOVER et al. 2005, p. 156).
Nesse sentido:
4
Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento
do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as
razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá
a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arqui-
vamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
Maria Lúcia Karam (2004) entende que uma objeção a tal posicionamento diz respeito
à impropriedade da aplicação analógica da regra do art. 28 do CPP neste caso. No
entanto, contradiz-se na própria fundamentação dizendo que esse dispositivo legal
“[...] institui um mecanismo de fiscalização e controle do princípio da obrigatoriedade
da ação penal condenatória de iniciativa do Ministério Público, assim visando
assegurar o efetivo exercício do poder do Estado de punir” (GRINOVER et al., 2005,
p. 171). Continua dizendo que “[...] já a recusa do Ministério Público em propor a
suspensão condicional do processo tem feição totalmente diversa, passando-se
dentro do processo, repercutindo sobre a situação jurídica do réu e, ao contrário
Mas é claro que a discricionariedade do titular da ação penal não pode ficar adstrita ao
subjetivismo de cada órgão de execução, devendo-se aplicar então, analogicamente,
a regra prevista no art. 28 do CPP, impondo-se, assim, o princípio constitucional da
unidade do Ministério Público para orientação de política criminal.
3. Conclusões
O texto legal não previu a possibilidade de o Juiz, de ofício, propor a transação penal
ou a suspensão condicional do processo. Assim, não pode o intérprete, onde a lei
não distinguiu, fazê-lo.
BATISTA, Weber M.; FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão
Condicional do Processo: a Lei 9.099/95 e a doutrina mais recente. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 2001.
FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Leis Penais Especiais e sua Interpretação
Jurisprudencial. 7. ed. v. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005.
JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. 10.
ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.
KARAM, Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2002.
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. São Paulo: Saraiva,
1996.
No caso, o autor desferiu socos e tapas no rosto da declarante, porém sem deixar
lesões. Os juízos suscitante e suscitado enquadraram a conduta no art. 21 da Lei de
Contravenções Penais (vias de fato). Diante disso, a Seção conheceu do conflito para
declarar competente o juízo de Direito da Vara Criminal, e não o do Juizado Especial,
por entender ser inaplicável a Lei n. 9.099/1995 aos casos de violência doméstica
e familiar contra a mulher, ainda que se trate de contravenção penal. Precedentes
citados: CC 104.128-MG, DJe 5/6/2009; CC 105.632-MG, DJe 30/6/2009, e CC
96.522-MG, DJe 19/12/2008. CC 104.020-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, julgado em 12/8/2009.
Jurisprudência • 215
Comentário à Jurisprudência
Em segundo lugar, mister se faz consignar que o histórico acadêmico deste autor
assim como a experiência profissional por ele acumulada – possui formação em
Biologia (nível superior), sendo oriundo da Polícia Civil de São Paulo (escrivão e
delegado de polícia, somados quase sete anos de atuação) e, no campo do Direito
Penal, realiza trabalho especializado na área de tóxicos há praticamente uma
década, sempre em nome do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (v.g.,
recursos ordinários e extraordinários, lato sensu), na qualidade de procurador
de justiça perante a 2ª Câmara Criminal do TJMG – constituem fatores que, sem
embargo de não o tornarem, de forma alguma, um expert no assunto, em linhas
gerais o credenciam a tal função.
De fato, a L.F nº 10.409/02, mercê de veto presidencial – que não foi derrubado
– ao capítulo que tratava das infrações penais, limitou-se a trazer para o mundo
jurídico, entre outras disposições, estas de cunho administrativo, novas regras, sob
Malgrado não cuidar este trabalho dos usuários e nem dos dependentes de drogas
(os experimentadores ou consumidores eventuais não se tornam, necessariamente,
dependentes, como é de sabença geral), algumas considerações sobre o uso e a
dependência serão feitas, porém sempre visando à pessoa do traficante e ao crime
de tráfico, mormente na específica fase da dosimetria das penas, pois aqueles são,
como é curial, os consumidores das drogas adquiridas, guardadas, mantidas em
depósito, vendidas, produzidas, importadas, exportadas, remetidas, fabricadas,
preparadas, expostas à venda, oferecidas, transportadas, prescritas, ministradas,
entregues a consumo, trazidas consigo ou fornecidas pelos traficantes, ainda
que gratuitamente, mas sempre sem autorização legal ou em desacordo com as
determinações legais ou regulamentares (art. 33, caput).
Idem quando se utiliza, para daquela forma se conduzir, local ou bem de qualquer
natureza de que se tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância,
ou, ainda, consente-se que outrem dele se utilize, onerosa ou gratuitamente (art. 33,
§ 1º, item III).
Por tráfico ilícito de drogas, portanto, não se faz mister o especial fim de agir do
comércio, bastando, para configurar o delito, que não se trate de aquisição ou posse
(guarda, depósito, transporte ou porte) para consumo pessoal (art. 28, caput).
O nomem juris tráfico, no entanto, não deixa de dar ensejo, principalmente intencional
– não desprovida a intenção, necessariamente, de alguma dose de má-fé –, a
interpretações que, a uma primeira e descurada análise, sugerem a necessidade
da figura de um comprador, de um adquirente, de um consumidor, já que por
Já a maconha, por seu turno, também chamada de “droga social”, peculiariza-se por
se tratar da substância de menor poder entorpecente e causador de dependência
psíquica que existe, inferior, mesmo, à nicotina e ao álcool, estas de consumo e
comércio permitidos, ainda que dotado, este, de alguma restrição legal e regulamentar
(propaganda e venda a menores de 18 anos de idade).
Salvo melhor juízo não se tem registro, a propósito, de crimes graves cometidos sob
o efeito de maconha, ao contrário do álcool, da cocaína, da heroína (diacetilmorfina,
droga opióide natural ou sintética) etc.
É sabido, outrossim, que os efeitos da maconha são breves e pouco intensos, e que,
além disso, tendem a diminuir com o uso mais ou menos freqüente, razão adicional
por que os jovens partem, em seguida, em busca de drogas mais potentes.
Por outro lado, eis que o complexo fenômeno da abstinência também importa
mesmo que se trate tão-somente de maconha, pois, como se sabe, seus usuários
podem tanto entristecer-se como enfurecer-se, frustrar-se ou apenas mergulhar em
depressão, nada obstante a mencionada fúria ser, de fato, o efeito colateral menos
comum, menos intenso e menos duradouro.
Quanto à maconha, por sua vez, apenas a apreensão de grandes quantidades é que
Olvida-se, muitas vezes, de que se há de ter por norte, em resumo, nas decisões
judiciais, o grau de periculosidade não só do agente, mas, principalmente, da espécie
da droga envolvida, para o meio ambiente social, bem assim de sua quantidade, a
teor da claríssima dicção do dispositivo de número 42 da Nova Lei de Drogas, o qual
às expressas afirma, inclusive, que deverá predominar sobre o disposto, também
sobre fixação das reprimendas, no art. 59 do Código Penal.
De fato, muito comum, na rotina forense e dos tribunais, é a fixação das penas
em seus respectivos patamares mínimos legais levando-se em conta somente
os favoráveis aspectos objetivos e subjetivos relacionados à pessoa do acusado,
principalmente a primariedade, relegando-se a um plano secundário, ou mesmo
esquecendo-se por completo, a natureza da substância entorpecente apreendida.
Em primeiro lugar, não há que se falar, no caso, em tipo penal autônomo, verdadeira
“figura privilegiada”, como preconizam alguns estudiosos do assunto, fenômeno
jurídico que somente ocorre com o § 3º do dispositivo em tela (chamado “tráfico de
drogas privilegiado” ou “tráfico entre amigos”), quando o imputável, sem objetivo
de lucro financeiro, oferece droga a pessoa amiga ou conhecida, para uso em
conjunto da substância (pena de detenção, de seis meses a um ano, mais multa
surpreendentemente elevada, tudo sem prejuízo das sanções previstas no art. 28,
que trata da aquisição ou posse para consumo próprio).
O art. 33, § 4º, da N.L.D., portanto, disciplina, exclusivamente, uma causa especial
de diminuição de pena, antiga aspiração, aliás, dos juristas pátrios, que sempre
defenderam a separação, clara e evidente, entre os traficantes iniciantes e os
profissionais quando da imposição das respostas penais.
Vale lembrar, por oportuno, que a Nova Lei de Drogas em duas oportunidades veda
a substituição da pena corporal por meras restrições de direitos, a chamada “pena
substitutiva” (vide arts. 33, § 4º, e 44).
Nas hipóteses, todavia, de réus que cometeram tráfico de drogas na vigência ainda
da legislação anterior, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça
vêm entendendo, agora já pacificamente, que têm eles direito à substituição, desde
que atendidos, casuisticamente, os critérios objetivos e subjetivos da atual redação
do art. 44 do Código Penal (muito embora sempre tenhamos defendido a tese de
Com efeito, incumbe a todos que militam na questão da repressão às drogas, bem
assim aos crimes hediondos em geral, um especial rigor, mormente no que tange à
interpretação da norma legal.
Não se há mesmo de premiar os réus, registre-se, com benefícios fora dos limites do
razoável, valendo como bússola certa a especial gravidade de sua conduta delituosa,
À Polícia não se pode atribuir maiores responsabilidades, numa análise isenta dessa
situação de quase total descontrole do Estado sobre as ações do tráfico, porquanto
bem, mal ou pessimamente, como seja, vem ela realizando prisões e mais prisões,
diuturnamente.
O Ministério Público, idem, muito embora também nele haja aqueles – e não são
poucos – que, românticos incuráveis por natureza, simplesmente não conseguem
enxergar na atuação criminal a missão que mais importa para a sociedade, preferindo,
ao invés, remanejar material humano e estrutura consideráveis para setores menos
vitais, pelo menos a curto prazo, como se dá com a defesa dos interesses difusos.
Estão no Judiciário, porém, reconheça-se, a maior parte dos intérpretes mais liberais,
em especial nas mais altas cortes de Justiça do País; estes, via exegese repleta de
romantismo e com inoportuna inspiração espiritualista, vêm acarretando modificações
estruturais naquilo que era intenção do legislador em recrudescer a resposta estatal
ao famigerado tráfico de drogas, a ponto de fazerem esses intérpretes letra morta
dos dispositivos penais verdadeiramente rigorosos.
Ocorre, ainda, que o dinamismo que peculiariza o Direito não se coaduna com o
mero conformismo ou a confortável acomodação, sendo, ao contrário, o repercutir
Incumbe aos membros do MP, portanto, um rigor absoluto no combate aos traficantes,
instrumentalizando o Judiciário com vistas a uma punição vigorosa, exemplar, ainda
que para isso tenha de se valer de todos os meios recursais disponíveis.
PROPOSTA DE ARQUIVAMENTO
6 – foi imposta multa pessoal ao investigado, na forma regulamentar, tendo sido por
ele recolhida, devidamente (fls. 75 e 76);
9 – é certo que o dispositivo penal em perspectiva, o art. 1º, item VII, do Dec.-Lei nº
201/67, prevê, como crime omissivo, a ausência de prestação de contas nos prazos
regulamentares, estes atualmente estipulados na Instrução Normativa TCMG nº
13/2008, tratando-se, pois, de uma norma penal em branco;
A propósito, tem-se que a colenda 2ª Câmara Criminal do eg. TJMG teve oportunidade
de firmar o mesmo posicionamento, em decisão datada de 13/06/2002, proferida por
unanimidade de votos, por sinal, no processo crime de competência originária PCO-
Cr nº 132.511-7, através da qual foi rejeitada denúncia, oferecida em caso análogo,
cuja ementa encontra-se redigida com o seguinte teor:
Assim, a V. Exª propõe o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por intermédio
de seu chefe, o Procurador-Geral de Justiça, mediante delegação de poderes ao
procurador infra assinado, o arquivamento do presente feito, forte nos arts. 3º, inciso
I, da LF nº 8.038/90, e 28 do CPP, decisão judicial que se espera, dados os seus
peculiares contornos, valha tão-só rebus sic stantibus, na esteira exata do art. 18 do
Código de Processo Penal, fazendo coisa julgada exclusivamente formal, porquanto
não imutável, em seus efeitos.
Direito
Civil
4 Artigo
ABSTRACT: In summary, this article aims to evaluate whether the recent Law nº
11.698/08 effectively considers the principle of best interest of the child, regarding
shared custody.
1. Introdução
Nesse cenário, verifica-se que o ponto fulcral das críticas dirigidas à Lei nº 11.698/08
concentra-se no teor do atual artigo 1.584, § 2º, do Código Civil, segundo o qual
“Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada,
sempre que possível, a guarda compartilhada”. No entender de alguns autores, esse
dispositivo, ao estabelecer a guarda compartilhada como regra preferencial, quase
obrigatória do exercício do poder familiar após a dissolução do casamento/união
estável na hipótese de não haver acordo entre os genitores implicaria um franco
retrocesso no que tange à regra geral da guarda unilateral concedida a quem relevar
possuir melhores condições, outrora encontrada no antigo art. 1.584, parágrafo
único, do Codex, pois o litígio vivenciado pelos pais impossibilitaria por completo o
sucesso daquela modalidade de guarda.
Por isso, defende-se que a mudança da regra da guarda unilateral a quem relevar
possuir melhores condições (antigo art. 1.584, parágrafo único) para a da guarda
compartilhada (atual art. 1.584, § 2º) é altamente positiva, sendo o problema do litígio
entre os genitores do menor alhures apontado absolutamente contornável através
da prévia prática da mediação interdisciplinar, a qual se encontra expressamente
prevista no recente art. 1.584, § 3º, como ficará mais claro no desenvolvimento dos
próximos capítulos.
No que tange à guarda prevista no Código Civil, objeto deste trabalho e que, por
isso mesmo, passamos a centrar nossa atenção, ela deve ser entendida como a
atribuição conferida a um dos pais separados, divorciados ou ex-conviventes de
união estável ou a ambos “dos encargos de cuidado, proteção, zelo e custódia do
filho” (LÔBO, 2008, p. 169).
A guarda unilateral, como regra geral, é aquela exercida exclusivamente por um dos
genitores, decorrente de acordo estabelecido entre eles ou por determinação judicial,
se não for recomendável o exercício da guarda compartilhada. Excepcionalmente,
porém, a guarda unilateral pode ser atribuída a terceiros (levando-se em conta o
grau de parentesco e a relação de afinidade e afetividade), em atenção ao princípio
do melhor interesse do menor, quando os pais não demonstrem condições para
o exercício dessa vertente do poder familiar, a exemplo de “[...] pais viciados em
drogas, sem ocupação regular, com práticas de violência contra os filhos” (LÔBO,
2008, p. 173).
O recém-criado art. 1.583, § 2º, passou a estatuir que “A guarda unilateral será
atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente,
mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações
com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação”. Sobre
esse dispositivo, desde já é preciso ponderar que, para uma eficaz proteção ao
menor, somente é possível compreender os incisos nele referidos como meramente
exemplificativos, não havendo ainda qualquer tipo de ordem de preferência entre
eles.
Dando continuidade, o art. 1.583, § 3º, determina que “A guarda unilateral obriga o
pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos”. Já o art.
1.584, § 5º, estipula que “Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a
guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade
Ainda em atenção ao princípio do melhor interesse do menor, para que não haja a
nefasta perda do contato dos filhos com o pai (gênero) não guardião, resguarda-se a
este último o direito (muito mais um dever, poder-dever, a chamada potestà do direito
italiano) de visitas e de convivência com o filho, direito este que deve ser fixado, por
acordo, pelos pais ou, na impossibilidade, por decisão judicial (art. 1.589 do Código
Civil).
Dissertando sobre o direito de visita, o brilhante Professor Paulo Luiz Netto Lôbo
leciona:
Nos dias de hoje, como é cediço, o critério norteador da fixação da guarda unilateral
(e também da guarda compartilhada, conforme será visto no capítulo seguinte) é
o melhor interesse do menor, já que a medida deve ser aplicada sempre em seu
benefício, por quem quer que seja.
Destarte, em uma análise histórica da matéria, verifica-se que nem sempre foi assim.
Nesse sentido, o Código Civil de 1916, como modo de valorizar a única forma de
família, a família matrimonial, impunha freios, desestímulos aos cônjuges quanto
à separação judicial, notadamente na separação-sanção, ao estabelecer graves
sanções ao tido como culpado pelo fim do relacionamento conjugal, dentre elas a
perda automática da guarda judicial dos filhos, dispondo no seu artigo 326 que “[...]
sendo desquite judicial, ficarão os filhos menores com o cônjuge inocente”. Além
disso, na hipótese de culpa de ambos os cônjuges, o art. 321 do Codex determinava
que a guarda seria exercida por terceira pessoa.
A Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77), por sua vez, insistiu em manter in totum o critério
da culpa como definidor da guarda judicial dos filhos menores, ex vi da redação do
seu artigo 10, caput e parágrafos 1º e 2º.
Com relação ao citado dispositivo, embora a Lei nº 11.698/08 tenha modificado o seu
teor, especialmente pelo que consta no atual art. 1.584, § 2º (“Quando não houver
acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que
possível, a guarda compartilhada”), o qual será detidamente apreciado no capítulo 3
deste trabalho, certo é que a leitura dos artigos 1.583 e 1.584 continua a evidenciar
que a intenção do legislador é de atender à doutrina do melhor interesse da criança,
ex vi do 1.583, parágrafos 2º e 5º, já transcritos alhures.
Outro dispositivo que reforça a aplicação dessa doutrina na atualidade é o art. 1.586
do Código, o qual estatui que “Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer
caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos
antecedentes a situação deles para com os pais”.
Como visto, não há que se olvidar que, no exercício da guarda unilateral por um dos
genitores e, por conseqüência, do próprio direito de visita, a todo tempo deve ser
privilegiado o melhor interesse do menor, sob pena de alteração de tais medidas,
inclusive com a possibilidade de concessão da guarda em favor de terceiros.
Ademais, não há dúvidas também de que o (pouco) contato dos menores com o
genitor não guardião através apenas de esporádicas visitas (geralmente semanais
ou quinzenais, nos finais de semana) não é medida recomendável para o
desenvolvimento da personalidade deles, sendo imperiosa uma maior participação
do genitor na educação e formação dos filhos.
O instituto da guarda compartilhada, até bem pouco tempo, não era previsto
expressamente pelo ordenamento jurídico nacional, o que não impossibilitava a
sua aplicação na prática, a uma com base nas experiências do Direito Comparado
(principalmente na França – Código Civil francês, art. 373-2, na Espanha – Código
Civil espanhol, arts. 156, 159 e 160, em Portugal – Código Civil português, art.
1905º, em Cuba – Código de Família de Cuba, arts. 57 e 58 e no Uruguai – Código
Civil uruguaio, arts. 252 e 257) e, a duas, com fulcro em dispositivos já existentes
no ordenamento jurídico, especialmente no art. 229 da Constituição Federal (“Os
pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores [...]”) e nos artigos
1.579 (“O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos
filhos”), 1.632 (“A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não
Apesar disso, não há que se olvidar que a recente Lei nº 11.698/08 é muito bem-
vinda, pois colocou por terra qualquer discussão sobre a possibilidade de aplicação
da guarda compartilhada, ao inserir expressamente tal instituto no ordenamento
jurídico pátrio, motivo pelo qual será apreciada com vagar em tópico próprio (capítulo
4).
É certo que a guarda compartilhada não elimina, por exemplo, a clássica obrigação
de pagamento de pensão alimentícia a ser assumida por um dos genitores. Não
obstante, ela visa essencialmente ampliar os horizontes da responsabilidade dos
pais, fomentando, em verdade, uma co-responsabilidade, uma pluralidade de
responsabilidades na educação do filho, enfim, uma colaboração igualitária na
condução dos destinos do menor.
Nesse contexto, impende esclarecer que a guarda compartilhada não pode jamais
ser confundida com a chamada guarda alternada: esta, não recomendável, tendo em
vista que tutela apenas os interesses dos pais, implica exercício unilateral do poder
familiar por período determinado, promovendo uma verdadeira divisão do menor,
que convive, por exemplo, quinze dias unicamente com o pai e outros quinze dias
unicamente com a mãe; aquela, por sua vez, altamente recomendável, pois tutela os
interesses do menor, consiste no exercício simultâneo do poder familiar, incentivando
a manutenção do vínculo afetivo do menor com o genitor com quem ele não reside.
Como se vê, portanto, pelos benefícios por ela proporcionados e pela realização
de princípios constitucionais que ela promove, notadamente o princípio do melhor
interesse do menor, a guarda compartilhada deve ser tida como a regra geral na
fixação do exercício do poder familiar com a dissolução do casamento/união estável,
em prevalência sobre a guarda exclusiva ou unilateral.
Nesse trilhar, é bem verdade que não há sérias dificuldades na aplicação do instituto
quando há acordo entre os cônjuges/companheiros a esse respeito, o que é mais
comum na dissolução consensual do casamento/união estável. O problema que
atormenta parcela da doutrina civilista reside na aplicação da guarda compartilhada
quando não há acordo entre os pais sobre ela (fixação judicial, portanto), situação
freqüente nas ações litigiosas de dissolução do casamento/união estável, pois,
nesse caso, o conflito entre os genitores persistiria após tal ação de dissolução, o
que prejudicaria sobremaneira o exercício sadio da responsabilidade conjunta do
poder familiar.
A nosso ver, porém, esse problema é apenas aparente, sendo contornável pelo
incentivo da prática da mediação familiar, conforme será visto no capítulo seguinte.
Nesse cenário, deve-se ressaltar que nas causas de família a mediação ganha
especial relevo, tendo em vista que nelas há uma maior dificuldade de se impor uma
solução, já que as relações familiares são sempre permeadas pelo desejo, aspecto
subjetivo que qualifica o litígio.
No que tange ao objeto específico deste trabalho, pode-se afirmar que, nas causas
envolvendo a guarda judicial, é sintomática a presença do desejo, sendo os filhos
geralmente utilizados por um dos genitores como instrumentos de chantagem, revolta
e vingança contra o outro, o que é altamente prejudicial aos menores, muitas vezes
vítimas do Fenômeno da Alienação Parental, conforme visto no capítulo 2.
Nessa linha de intelecção, Rodrigo da Cunha Pereira afirma que “[...] o litígio judicial
é uma história de degradação do outro. Mas, como isto é inconsciente, as partes,
na maioria das vezes, não percebem o mal que estão fazendo a si mesmas e
principalmente aos filhos” (PEREIRA, 2006, p. 57-58).
Dada esta sua importância, exige-se que ela seja bem feita, o que impõe a
necessidade da capacitação do mediador, além da realização dos trabalhos através
da interdisciplinaridade, principalmente com as áreas da Psicologia, da Psicanálise,
do Serviço Social, da Sociologia etc.
É nesses termos que se defende neste trabalho que o advento da Lei nº 11.698/08
deve ser calorosamente comemorado pela comunidade jurídica nacional, conforme
será apreciado no capítulo seguinte.
A nosso sentir, para que não seja afastada a possibilidade de guarda compartilhada
ora em apreciação, não deve ser feita uma interpretação restritiva ou taxativa do
art. 1.583, § 1º, do Código Civil, mas sim extensiva; permitindo-se, portanto, a
participação de terceiros nesta modalidade de guarda, conforme já consagrado pela
jurisprudência. Com esse fim, o dispositivo em questão deve ser lido ao lado do
teor do art. 1.584, § 5º (antigo art. 1.584, parágrafo único), segundo o qual “Se
o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe,
deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida,
considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e
afetividade”.
É com esse fundamento que parcela da doutrina vem criticando o teor do art. 1.584,
§ 2º, do Código Civil, que assim dispõe: “Quando não houver acordo entre a mãe
e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda
compartilhada”.
No entender dessa corrente, tal dispositivo, ao estabelecer como regra geral a guarda
compartilhada na hipótese de inexistência de acordo entre os pais (por determinação
judicial, portanto), implicaria um franco retrocesso, pois o art. 1.584, em seu caput,
antes da alteração feita pela lei, determinava que, nesse caso, a guarda dos filhos
seria “[...] atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la”, o que
resguardaria com mais eficiência o melhor interesse do menor.
Em resumo, seria um grave erro impor a guarda compartilhada como regra geral em
não havendo acordo entre os pais sobre ela, pois seria enorme o risco de frustração
dessa medida nessa hipótese, motivo pelo qual deveria ser mantida a regra geral
anterior, mais condizente com o princípio do melhor interesse do menor.
De fato, a redação do art. 1.584, § 2º, do Código Civil é, sem dúvida nenhuma, a
maior inovação trazida pela Lei nº 11.698/08. Em verdade, tal dispositivo pretendeu
afastar a guarda unilateral (mesmo aquela exercida por “quem revelar melhores
condições”, como afirmava o antigo art. 1.584, parágrafo único) como regra geral,
substituindo-a pela guarda compartilhada.
Essa mudança da regra geral de estipulação da guarda judicial deve ser intensamente
comemorada, pois, como já visto ao longo deste trabalho, a guarda compartilhada,
É com esse raciocínio que deve ser lida a expressão “sempre que possível”, indicada
no art. 1.584, § 2º, ou seja, em caso de inexistência de acordo entre os pais sobre
a guarda do filho, valerá a regra geral da guarda compartilhada, sempre que a
mediação previamente feita conseguir semear terreno fértil para a sua consecução,
conseguir que o conflito existente entre os genitores, se não for solucionado, pelo
menos não interfira no cumprimento conjunto do poder familiar; em não acontecendo
tal êxito, aí sim a guarda compartilhada não será possível, devendo ser aplicada a
medida excepcional da guarda unilateral, com os ditames estipulados pelo já citado
§ 5º do art. 1.584.
Nesse sentido, vale a pena noticiar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
recentemente, já sob a égide da Lei nº 11.698/08, entendendo não haver harmonia
suficiente entre os pais que permitisse o sucesso da guarda compartilhada, exarou
a seguinte decisão:
Aliás, por faltarem conhecimentos técnicos ao juiz para resolução de conflitos deste
jaez, não poderia ser outra a alternativa proposta pela lei a não ser impor a prática da
mediação interdisciplinar como etapa prévia da aplicação da guarda compartilhada
quando não houver acordo entre os pais sobre esta matéria.
Embora a lei em análise deva ser comemorada pela comunidade jurídica nacional, ela
comete um grave erro ao determinar que o art. 1.584, § 4º, tenha a seguinte redação:
“A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda,
unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas
ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho”.
Ora, esse dispositivo fere de morte o princípio do melhor interesse do menor, pois se
preocupa muito mais em punir uma conduta irregular dos pais do menor, ignorando
que essa punição, na verdade, prejudicará sensivelmente o desenvolvimento do
filho, que perderá tempo precioso de convívio com seus genitores.
Concluindo, não obstante suas falhas, as quais devem ser apontadas para
aprimoramento da sua aplicação, a Lei nº 11.698/08, por tudo quanto discutido neste
trabalho, deve ser bem recebida pela comunidade jurídica nacional.
6. Considerações finais
Nesse sentido, o risco de insucesso do uso deste instituto no caso de não existir
acordo entre os pais do menor a respeito dessa medida é apenas aparente, sendo
absolutamente contornável pela prévia prática da mediação interdisciplinar, conforme
permitido pelo recente art. 1.584, § 3º, do Código Civil.
Por conseqüência, é salutar que o art. 1.584, § 2º, estipule a guarda compartilhada
como regra geral, inclusive quando não houver acordo entre os pais do menor acerca
da guarda, sendo ela aplicável “sempre que possível”, ou seja, sempre que frutífera
a mediação familiar anteriormente realizada.
Por ora, as preocupações dos operadores do Direito não devem mais se voltar
à disciplina legal da guarda compartilhada, mas sim à sua efetivação na prática,
sendo imprescindível, para esse fim, o aprimoramento do instituto da mediação
familiar, daí porque cresce a importância da aprovação do Projeto de Lei nº 505/07,
apresentado ao Congresso Nacional pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/
BA) por sugestão do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que visa
implementá-lo, acrescentando um parágrafo 3º ao art. 1.571 do Código Civil, o qual
determinará que “na separação e no divórcio deverá o juiz incentivar a prática de
mediação familiar”.
7. Referências bibliográficas
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Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e
processo de conhecimento. 6. ed. ampl., rev. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2006.
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Janeiro: Lumen Juris, 2008.
LIMA, Fernanda Maria Dias de Araújo; FAGUNDES, Rosane Maria Vaz; PINTO,
Vânia Maria Vaz Leite (Org.). Manual de Mediação: teoria e prática. Belo Horizonte:
New Hampton Press, 2007.
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Revista Brasileira de Direito das Famílias, Porto Alegre, v. 4, p. 50-62, jun./jul. 2008.
Jurisprudência • 259
si só, não é capaz de evitar constrangimentos. Assim, acentuou que a interpretação
conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei de Registros Públicos confere amparo legal
para que o recorrente obtenha autorização judicial a fim de alterar seu prenome,
substituindo-o pelo apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em
que vive, ou seja, o pretendido nome feminino. Ressaltou-se que não entender
juridicamente possível o pedido formulado na exordial, como fez o Tribunal a quo,
significa postergar o exercício do direito à identidade pessoal e subtrair do indivíduo
a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova condição física, impedindo,
assim, a sua integração na sociedade. Afirmou-se que se deter o julgador a uma
codificação generalista, padronizada, implica retirar-lhe a possibilidade de dirimir a
controvérsia de forma satisfatória e justa, condicionando-a a uma atuação judicante
que não se apresenta como correta para promover a solução do caso concreto,
quando indubitável que, mesmo inexistente um expresso preceito legal sobre ele,
há que suprir as lacunas por meio dos processos de integração normativa, pois,
atuando o juiz supplendi causa, deve adotar a decisão que melhor se coadune
com valores maiores do ordenamento jurídico, tais como a dignidade das pessoas.
Nesse contexto, tendo em vista os direitos e garantias fundamentais expressos da
Constituição de 1988, especialmente os princípios da personalidade e da dignidade
da pessoa humana, e levando-se em consideração o disposto nos arts. 4º e 5º da Lei
de Introdução ao Código Civil, decidiu-se autorizar a mudança de sexo de masculino
para feminino, que consta do registro de nascimento, adequando-se documentos, logo
facilitando a inserção social e profissional. Destacou-se que os documentos públicos
devem ser fiéis aos fatos da vida, além do que deve haver segurança nos registros
públicos. Dessa forma, no livro cartorário, à margem do registro das retificações de
prenome e de sexo do requerente, deve ficar averbado que as modificações feitas
decorreram de sentença judicial em ação de retificação de registro civil. Todavia,
tal averbação deve constar apenas do livro de registros, não devendo constar, nas
certidões do registro público competente, nenhuma referência de que a aludida
alteração é oriunda de decisão judicial, tampouco de que ocorreu por motivo de
cirurgia de mudança de sexo, evitando, assim, a exposição do recorrente a situações
constrangedoras e discriminatórias. REsp 737.993-MG, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 10/11/2009 (ver Informativo n. 411).
1. Introdução
Ademais disso, cada vez mais cresce a apreciação e a prática de diversos outros
esportes, como o vôlei, a natação, o basquete, o tênis e vários outros ainda menos
difundidos, mas já muito apreciados.
O estatuto tem conteúdo moralizador e, desde sua entrada em vigor, foi severamente
criticado por alguns dirigentes esportivos.
Ainda que algumas empresas deixem muito a desejar quanto aos direitos dos
consumidores, não ousam negar a importância do Código de Defesa do Consumidor,
tampouco se recusam a adotar iniciativas para sua implementação.
Espera-se que o mesmo ocorra não somente com os principais times de futebol
mas também com todos os Clubes e Entidades Organizadoras de Atividades
Esportivas. È importante que a imprensa e os próprios torcedores desafiem os
clubes a se pronunciarem sobre o dever ético, e agora também jurídico, de respeitar
o consumidor/torcedor.
1
Presidente do Clube ou quem lhe faça as vezes.
Talvez a mais evidente falha dessa natureza seja a superlotação, que ocorre quando
se disponibilizam mais ingressos do que seria permitido, tendo em vista a capacidade
máxima do estádio, ou quando, muito embora se disponibilizem ingressos respeitando
aquele limite, permita-se a entrada clandestina de mais pessoas no ambiente. Tal
prática enseja a aplicação da sanção da perda do mando de jogo por no mínimo seis
meses (art. 23, § 2º).
A referida situação ocorreu na final do Brasileiro de 2000 entre Vasco e São Caetano,
em São Januário, quando, aos 23 minutos do primeiro tempo, a superlotação causou
a queda do alambrado. O saldo foi de 200 feridos. O então presidente do Vasco,
Eurico Miranda, tentou reiniciar a partida, mas o Governador do Rio de Janeiro, na
época Anthony Garotinho, determinou o cancelamento do jogo, que foi remarcado
para 18 de janeiro de 2001, no Maracanã.
3. Jurisprudência em comento
2
Art. 2º Torcedor é toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva
4. Conclusão
5. Referências bibliográficas
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Campus, 1992.
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2009.
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FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. 11. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008
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Eletrônica Jurisclick, ago. 2005. Disponível em: <www.jurisclick.com.br> Acesso em:
11 out. 2005.
TÁVOLA, Artur da. Lei Pelé: das proposições à Lei n. 9.615. Brasília: Senado Federal,
1998.
Direito
Processual
Civil
5 Artigo
KEY WORDS: Article 285-A of the Civil Procedure Code. In limine judgment of
repetitive claims. Unconstitutionality. Due process of law principle. Adversary system
principle.
1. Introdução
O pacote de reformas do Código de Processo Civil ocorrido nos últimos tempos, e que
ainda não se esgotou, visa buscar a efetividade do processo, ou seja, propiciar uma
prestação jurisdicional capaz de satisfazer os anseios da coletividade de maneira
rápida, eficaz e justa, rompendo figuras e praxes atualmente incondizentes com a
garantia fundamental do devido processo legal em sua contemporânea concepção
de processo justo, efetivo e célere.
1
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo
e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Assim, segundo Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 19), “[...] ambas as partes
disporão de condições para exercer o contraditório, mesmo tendo sido a causa
submetida a uma sentença prolatada antes da citação do demandado”.
Na mesma direção, porém com outros argumentos, Luiz Fux (2008, p. 26) prega que
“[...] à luz da ratio essendi da bilateralidade da ação e do processo, inspirados num
processo cooperativo, mister concluir-se que a alteração conspira em favor de todos
os princípios ora assentados”, quais sejam, o do contraditório como consectário do
devido processo legal e o do prejuízo no tocante às nulidades.
Em consonância com Luiz Fux, Anderson Ricardo Fogaça também justifica a defesa
da constitucionalidade do artigo em questão com base no princípio do prejuízo no
tocante às nulidades, declarando que:
De forma bem concisa, J. E. Carreira Alvim e Luciana G. Carreira Alvim Cabral (2008,
p. 156) afirmam que a dispensa de citação “[...] só não infringe o princípio da ampla
defesa (CF, art. 5°, LV), porque o julgamento antecipado da lide, inaudita altera parte,
beneficia justamente aquele que deveria ser citado”. Por outro lado, preconizam a
adoção de um instituto semelhante, qual seja, a “sentença por afinidade”, que se
distingue da “sentença emprestada” (MEDINA, 2006) do art. 285-A do CPC, por se
aplicar às hipóteses de procedência e improcedência da ação bem como às questões
de direito e fáticas com prova pré-constituída, exigindo-se apenas a identidade de
pedido e da causa de pedir.
Merece ainda especial destaque o argumento, trazido por Vicente Greco Filho, que
se refere à compatibilidade ou convivência dos princípios constitucionais:
Esses são alguns relevantes posicionamentos que defendem a não ofensa aos
princípios do devido processo legal e do contraditório e, portanto, a constitucionalidade
do dispositivo em tela, haja vista, entre outros argumentos, a ausência de prejuízos
às partes e o contraditório a posteriori ou “contraditório diferido” (BATISTA apud
MILLER, 2007).
Segundo Ernane Fidélis dos Santos (2007, p. 31), “[...] a relação processual é
triangular, já que ela se forma, se desenvolve e se esgota, unindo os sujeitos do
processo entre si”. Sendo triangular a relação processual e sendo ela um ponto
de união entre sujeitos do processo, não se pode admitir a dispensa de citação
do réu no primeiro grau de jurisdição, sob pena de inexistência da própria relação
processual, um dos requisitos para um devido processo legal.
Outrossim, quando o autor expõe a sua pretensão ao Estado-juiz, ele espera, com
base na garantia constitucional do devido processo legal e do contraditório, uma
completa análise da questão posta em juízo, com todos os seus argumentos e
contra-argumentos, e não apenas uma cognição sumária do direito.
Sob a ótica dos princípios do devido processo legal e do contraditório, há também, nos
trâmites ditados pelo art. 285-A do CPC, conforme já mencionado, uma supressão
de instância na hipótese de apelação da sentença, na medida em que se lança a
questão posta em juízo para a segunda instância sem que todos meios de defesa
tenham-se esgotado (de argumentos e provas), aliás, com somente uma exposição
inicial e unilateral de argumentos, não havendo, portanto, o adequado atendimento
do duplo grau de jurisdição e, conseqüentemente, dos referidos princípios.
2
Trecho extraído da petição inicial da Ação de Direta de Inconstitucionalidade n° 3.695, proposta pelo
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
3
Ibidem.
Fundamentado nas hipóteses acima, Nogueira Júnior (2007) sustenta que o réu/
apelado será juridicamente afetado, sem que tenha exercido plenamente a sua
defesa, na medida em que não poderá: ampliar a matéria objeto da decisão, reconvir,
oferecer pedido contraposto, alegar alguma das hipóteses do art. 269, inciso IV,
do CPC, excepcionar o juízo, nem aumentar a profundidade da cognição exercida,
através de uma atividade probatória delimitada pelas margens fixadas em sua
defesa, pois tal atividade se dará conforme os limites estabelecidos pelo Tribunal.
Nogueira Júnior (2007) compara também o art. 285-A com o art. 557, caput e § 1°,
ambos do CPC, ao dizer que, no procedimento recursal ali estatuído, já existe a
figura do réu, o que não se dá na hipótese prevista do art. 285-A, fazendo, portanto,
“toda a diferença do mundo”. Adverte ainda o autor sobre o fato de que a decisão
preceituada pelo art. 285-A trata do mérito propriamente dito, na medida em que
declara a total improcedência da ação, fazendo, por conseguinte, coisa julgada
material.
Para o autor, a situação é ainda pior, pois ele tem seu pedido sumariamente
analisado e julgado com base em sentença de outro caso análogo, não “idêntico”,
sendo impedido de exaurir toda a sua argumentação e, conseqüentemente, de influir
na decisão da sua questão, bem como sendo privado de uma completa análise do
caso e até mesmo da possibilidade de uma anuência por parte do réu.
Reforçando tal pensamento, Andirá Cristina Cassoli Zabin (2007) diz que “[...] em
face da improcedência liminar, perde o autor tal direito, pois o Juiz sem citar o réu,
sem, portanto, conhecer de sua possível vontade de reconhecer o direito do autor,
nega de imediato”. Ademais,
5. Conclusão
Constata-se, portanto, que o novel art. 285-A do Código de Processo Civil brasileiro
não desfruta da constitucionalidade imprescindível para sua existência, aplicação e
permanência no sistema jurídico, haja vista que fere, entre outras coisas, o princípio
do devido processo legal e o do contraditório ao causar, conforme demonstrado,
irrefutáveis prejuízos às partes (especialmente com relação à ampla defesa dos
seus argumentos), ao processo (suprimindo fases e instância) e a uma efetiva
realização da justiça, pelo que deve ser declarado inconstitucional e expurgado da
práxis processual.
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. v. 2. São Paulo: Saraiva,
2006.
JORGE, Flávio Cheim; DIDIER JR., Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A terceira
etapa da reforma processual civil. São Paulo: Saraiva, 2006.
RIBEIRO, Roseli. Artigo 285-A do Código de Processo Civil: sentença sem citação
gera polêmica entre especialistas. Disponível em:<http://www.juspodivm.com.br/
noticias/noticias_917.html>. Acesso em: 15 nov. 2008.
WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel
Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. v. 2. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006.
Jurisprudência • 293
fosse dada à reclamação prevista no art. 105, I, f, da CF amplitude suficiente à
solução desse impasse. Dessa forma, ante a ausência de outro órgão que possa
fazê-lo, o próprio STJ afastará a divergência com a sua jurisprudência, quando a
decisão vier a ser proferida no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais. Vencidos os
Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que desproviam os embargos declaratórios.
Precedentes citado: AI 155684 AgR/SP (DJU de 29.4.94). RE 571572 QO-ED/BA,
rel. Min. Ellen Gracie, 26.8.2009. (RE-571572)
1. Acórdão
Recurso Especial nº 857.942 - SP (2006/0064213-4)
Relator: Ministro Herman Benjamin
Recorrente: Companhia Comercial e Agrícola São Venâncio S/A
Advogado: Rosana Malatesta Pereira
Recorrido: Furnas Centrais Elétricas S/A
Advogado: Iycurgo Leite Neto e outro(s)
2. Apresentação do caso
O STJ, contudo, apesar dos argumentos apresentados pela recorrente, não conheceu
do Recurso Especial, sob o fundamento de que ela não atendeu os requisitos legais
e regimentais necessários à comprovação da divergência jurisprudencial (art.
541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI/STJ). A recorrente, embora tenha
alegado divergência jurisprudencial quanto à aplicação da Súmula 102 do STJ, não
a comprovou.
Além do mais, entendeu o STJ que não pode a recorrente alegar direito decorrente
do teor da Súmula 102, uma vez que a adoção dessa súmula pelo STJ (30 de maio
de 1994) foi posterior à prolação da sentença (2 de março de 1994).
A respeito disso, o STJ entendeu que, embora o caso dos autos trate de questão
patrimonial da Fazenda Pública (Furnas Centrais Elétricas S/A), não há interesse
público a justificar a intervenção obrigatória do Ministério Público no processo. É
pacífico, segundo o STJ, o entendimento de que o interesse patrimonial da Fazenda
Pública, por si só, não se identifica com o interesse público para fins de intervenção
do Ministério Público, nos termos do art. 82, inciso III, do CPC.
3. Comentários
O termo interesse público é bastante amplo e sua aplicação gera graves equívocos.
Erroneamente, muitos entendem que interesse público é qualquer interesse do
Estado. Na tentativa de delimitar o termo interesse público, a doutrina, bem como a
jurisprudência, divide o interesse público em primário e secundário.
O Estado como pessoa jurídica possui interesses que não são exclusivamente
públicos, são os interesses públicos secundários. Segundo Celso Antônio Bandeira
de Mello (2007, p. 63):
É pacífico o entendimento segundo o qual o art. 82, inciso III, do CPC refere-se
tão-somente ao interesse público propriamente dito (primário). O Ministério Público,
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, conforme prevê
a Constituição Federal, tem como finalidade, entre outras, a proteção dos interesses
sociais. E assim atua quando intervém, como fiscal da lei, nos processos que
envolvem tais interesses.
O art. 82, inciso III, quando prevê a intervenção obrigatória do Ministério Público,
refere-se a interesses públicos propriamente ditos, evidenciados pela natureza da
lide ou pela qualidade da parte. Causas que envolvem apenas interesses públicos
secundários não justificam a intervenção do Ministério Público. Entender o contrário
seria prejudicar as demais atribuições constitucionais da Instituição para prestigiar
interesses individuais do Estado (interesse público secundário) como pessoa jurídica.
Além do mais, o Estado possui profissionais da advocacia próprios para a defesa
desses interesses.
Não é, portanto, verdadeira a afirmação que sempre haverá interesse público quando
a causa envolver patrimônio da Fazenda Pública. Existem interesses perseguidos
pelo Estado que estão além do interesse público propriamente dito. E quando isso
ocorrer, como no caso das ações expropriatórias limitadas a discussão do quantum
indenizatório, a intervenção do Ministério Público não será obrigatória.
5. Referências bibliográficas
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. v. 1. 16. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas,
2007.
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008.
JUNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 11. ed. Salvador: Jus
Podivm, 2009.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2007.
EMENTA
RELATÓRIO
a) art. 47 do Código de Processo Civil, uma vez que a natureza da causa exige a
inclusão no pólo passivo do Ministério Público do Estado do Amapá, tratando-se de
hipótese de litisconsórcio passivo necessário;
b) art. 19, § 2º, da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que
estabelece que o Ministério Público Estadual responde pelas despesas com pessoal
decorrentes de sentença judicial; e
c) art. 186 do Código Civil Brasileiro, uma vez que inexiste fato gerador de dano
moral.
Foram apresentadas as contra-razões (fls. 121-134).
É o relatório.
VOTO
Afirma o autor que, a despeito de haver sido aprovado em concurso público para
o cargo de Auxiliar Administrativo do Ministério Público Estadual e convocado em
24.9.1999, para apresentar documentos necessários à nomeação, este ato não se
efetivou em razão de a Procuradoria Geral de Justiça haver levado em consideração
uma certidão criminal, fornecida pelo Setor de Distribuição da Justiça Estadual,
em cujo teor constou a existência de processo no qual lhe fora concedido sursis
processual.
Por fim, verifico que a tese de violação do art. 186 do Código Civil Brasileiro não
enseja conhecimento. O recorrente afirma ser incabível indenização por dano moral
pelo fato de constar o benefício do sursis na certidão de antecedentes criminais,
exigida pelo Ministério Público para nomeação ao cargo para o qual o recorrido foi
aprovado em concurso público, uma vez que o episódio causou-lhe apenas meros
incômodos e aborrecimentos.
Desse modo, é inviável analisar a tese defendida no Recurso Especial, a qual busca
afastar as premissas fáticas estabelecidas pelo acórdão recorrido. Aplicação da
Súmula 7/STJ.
É como voto.
Direito
Coletivo
6 Artigo
1. Introdução
1
Decreto nº 6.523 da Presidência da República, de 31 de julho de 2008, que entrou em vigor em 1º de
dezembro de 2008, complementado pela Portaria nº 2.014 do Ministério da Justiça, de 13 de outubro
de 2008 , estabelecendo o tempo máximo de atendimento. Ver nesse sentido também a Portaria 49 da
Secretaria de Direito Econômico, de 12 de março de 2009, que considera abusiva a recusa da entrega da
gravação das chamadas efetuadas para o serviço de atendimento ao consumidor.
2
Lei nº 8.078/90, art. 4º, VII – racionalização e melhoria dos serviços públicos;
Registra-se, ainda, que o CDC, no art. 22, estabelece que “Os órgãos públicos, por si
ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de
empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros
e, quanto aos essenciais, contínuos.” (grifo nosso).
3. Conceito
O Procon do Estado de São Paulo chegou até a realizar uma estatística envolvendo
as principais reclamações dos consumidores em face do serviço telefônico móvel.3
Destaca a estatística do Procon/SP que os consumidores não foram informados
pelas operadoras das novas regras do serviço móvel de telefonia, tomando ciência
através do veículo de comunicação, infringindo, assim, o dever de informação ao
consumidor, prejudicando as suas expectativas relacionadas ao serviço de telefonia
celular.
3
Pesquisa do Procon – São Paulo realizada entre 07/04 a 27/04 de 2008 publicada no site do Procon/SP.
Disponível em: <http://www.procon.sp.gov.br/pdf/TEL_MOVEL_2008.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2009.
O art.5º da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) estabelece que “Na disciplina das
relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial,
os princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade,
liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das
desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e
continuidade do serviço prestado no regime público”.
4
O Ministro Herman Benjamin expressou posicionamento diverso do entendimento do STJ em seu voto
vencido fundamentando que a “[...] telefonia fixa residencial é típico contrato de consumo, na forma es-
tipulada pelo Código de Defesa do Consumidor: há um consumidor-destinatário final (art. 2°, caput), há
um fornecedor (art. 3°, caput) e há um serviço de consumo (art. 3°, § 2°). Recurso Especial nº 1.006.892
– MG (2007/0271242-4), jul. 04.03.2008.
5
STJ. Recurso Especial nº 1.018.719 – MT (2007/0305667-8) Relator – Ministro José Delgado.
6
No mesmo sentido, a Resolução nº 85/98, no art. 51: “Aplicam-se ao contrato de prestação de STFC, no
9
STJ REsp 436.224 - DF. Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julg. em 18/12/2007.
10
Dispõe o art. 6º da Resolução nº 477/2007, no inciso XVIII: “[...] não ser obrigado a consumir serviços
ou a adquirir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse”; O art. 29, da mesma Resolução
estabelece: “É vedado à prestadora condicionar a oferta do SMP ao consumo casado de qualquer outro
serviço ou facilidade, prestado por seu intermédio ou de suas coligadas, controladas ou controladora, ou
oferecer vantagens ao Usuário em virtude da fruição de serviços adicionais ao SMP, ainda que prestados
por terceiros.”
11
Nesse sentido, ver ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal perante a Justiça Federal
da 3ª Vara de Bauru. Processo 2007.61.08.010584-8.
12
Idem em relação ao tempo do chamado “Plano de Expansão” da Telerj, pois o consumidor pretendia
obter a prestação do serviço de telefonia, não a de subscrever ações. Ocorria verdadeira venda casada,
prática legalmente vedada pelo superveniente Código de Defesa do Consumidor.TJRJ. Agravo de Instru-
mento nº. 2008.002.12063 19 CC. Rel. Des. Denise Levy Tredler.
Também a inclusão indevida do nome do autor nos cadastros restritivos de crédito, sob
alegação de débito relativo à multa rescisória por determinado período envolvendo a
cláusula de fidelidade é outra prática abusiva.17
13
STJ Recurso Especial nº 1.018.719 - MT (2007/0305667-8) Relator – Ministro José Delgado.
14
TJ/RJ Apelação Cível 2006.001.39533. Relator Des. Gilberto Rego – 6 CC. Julg: 07/03/2007.
15
Lei nº 3.762/2002 do Estado do Rio de Janeiro, que proibia as empresas prestadoras de serviços pú-
blicos de inscrever nos bancos de dados dos órgãos de proteção ao crédito os usuários inadimplentes
residentes ou domiciliados no Estado do Rio de Janeiro. O TJRJ. Acolheu o voto do desembargador
Sylvio Capanema, que considerou um incentivo à inadimplência a não inclusão do devedor nos órgãos de
proteção ao crédito, reconhecendo a competência das Agências Reguladoras para organizar os respectivos
sistemas. O fundamento da inconstitucionalidade consiste na subtração dos agentes econômicos a infor-
mação sobre inadimplência, confrontando com a garantia constitucional do direito à informação, con-
substanciada nos incisos XIV e XXXIII do art. 5º da CF invasão da seara de regulamentação específica
das atividades de competência da Agência Reguladora (Anatel), cujas normas admitem, expressamente, o
registro das inadimplências de serviços de telefonia nos cadastros de proteção ao crédito e ainda, invasão
a competência privativa da União sobre telecomunicações (Lei Federal 9.472/97).
16
STJ. Recurso Especial n° 327.420 – DF (2001/0065017-4) – Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Tei-
xeira. DJ: 04/02/2002.
17
Nesse sentido, ver acórdão TJRJ Apelação cível n. 2008.001.09044 – 19 CC. Des. Denise Levy Tredler
- Julg: 25/03/2008.
Finaliza o art. 93, § 3º, afirmando que a prestadora não pode suspender a prestação
do serviço ou impor qualquer restrição ao usuário em virtude de débitos apresentados
a ele fora dos prazos estabelecidos neste artigo, fato este também ignorado pelas
operadoras de telefonia.
18
Ver aresto - STJ. REsp 790.992-RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2007.
19
Súmula 159 do STF “cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1531 do
Código Civil”.
20
Recomendamos a leitura de Almeida (2005).
21
STJ entende legítima a cobrança de assinatura básica. Resp 911.802-RS, Rel. Min. José Delgado, julg.
24/10/2007.
22
No voto proferido pelo Min. Benjamim, consta ainda que a cobrança da assinatura básica é ilegal, por
não estar prevista e autorizada pela LGT, havendo in casu afronta ao princípio da legalidade por parte
da Anatel ao prevê-la em resolução, fato este que não concordamos, em razão do art. 93, VII, da Lei nº
9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT), autorizando, desde que prevista no edital e no contrato
de concessão. Recurso Especial nº 1.006.892 - MG (2007/0271242-4), jul. 04.03.2008.
23
Ação Civil Coletiva movida pelo Ministério Público do Estado De Minas Gerais contra Ricardo
Eletro Divinópolis Ltda, que condenando a empresa a pagar uma indenização de 50 salários mínimos.
TJMG. Apelação cível n° 1.0079.01.011207-0/001 – 11 CC. Rel. Des. Fernando Caldeira Brant julg. 07.
06.2006.
24
Estabelece o art.33, parágrafo único, do CDC: “É proibida a publicidade de bens e serviços por tele-
fone, quando a chamada for onerosa ao consumidor que origina”.
a) Aquisição de Estação Móvel, em que o preço cobrado pelo aparelho terá um valor
abaixo do que é praticado no mercado; ou
b) Pecuniário, em que a prestadora oferece vantagens ao Usuário, em forma de
preços de público mais acessível, durante todo o prazo de permanência (§ 1º).
Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (Processo 2008.001.014003-1),
25
em face da operadora TIM, pela exigência de apresentação de Boletim de Ocorrência Policial para blo-
queio.
Estabelece o art. 51, IV, do CDC que são nulas de plano direito as cláusulas que
estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor
em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.
Logo, a cláusula contratual que ofende o princípio da boa-fé objetiva é considerada
nula, pois o consumidor teve sua expectativa frustrada pelo abuso da confiança por
ele depositada.
Considerando que a cláusula penal varia em até 100% do valor total da obrigação,
mostrando-se excessiva para o consumidor, o juiz pode reduzi-la em razão da ofensa
aos princípios da razoabilidade e da boa-fé na relação contratual firmada.
Nesse sentido, foi ajuizada ação para coibir essa prática abusiva, sendo proferida
sentença julgando procedente o pedido, condenando a empresa de telefonia celular
a se abster de cobrar qualquer multa, tarifa, taxa ou valor por resolução de contrato
decorrente de força maior ou caso fortuito, especialmente em hipóteses de roubo
e furto do telefone celular, bem como a reduzir o valor constante da cláusula penal
dos seus contratos para equivalente a 3 meses de franquia; “Não há que se falar
em sanção contratual se não houve inexecução, mas tão somente esvaziamento
material do objeto do contrato, por caso fortuito ou força maior, especialmente no
caso de roubo ou furto comprovado por registro de ocorrência, restando a cobrança
da multa por rescisão ilegal e indevida”.28
26
Apelação Cível n.º 2008.001.18871 – TJRJ. Rel. Letícia Sardas.
27
Nesse sentido, ver apelação civil 2008.001.09044, do TJRJ da lavra da Des. Denise Levy Tredler, que
reconheceu a não aplicação da clausula de fidelidade por determinado período, havendo defeito no serviço
e ausência de culpa do consumidor. Aplicação do artigo 408 do Código Civil. Circunstâncias configura-
doras de aborrecimento que ultrapassa a barreira da normalidade, atingindo direito da personalidade do
consumidor.
28
TJRJ 15 CC. Apelação cível nº 21.660/07. Rel. Desembargadora Helda Lima Meireles. Também foi
ajuizada ACP para declarar abusiva a multa cobrada. fixação que deve consistir em um mês de franquia
do plano contratado pelo consumidor, pro rata, não podendo o valor ultrapassar o menor pagamento
mínimo mensal fixado para os planos de serviço pós-pago da tim celular na forma simples, mantidas as
demais condenações (TJRJ. 2005.001.31312 - apelação civel - 16 CC. Des. Siro Darlan de Oliveira – julg.
21/03/2006.
29
TJRJ 1ª CC. Apelação nº 33015/2008 Relator: Desembargador Ernani Klausner.
As lojas das operadoras de telefonia celular, embora tenham autonomia para realizar
abertura de contas, mudança e transferência de planos, não possuem poderes
para proceder ao cancelamento da linha telefônica, dependendo de autorização
da “operadora central”, obrigando o consumidor a continuar pagando por serviço
pelo qual já manifestou o seu desinteresse. O mesmo acontece nos sites das
operadoras de telefonia celular, que contém ofertas de serviços, inexistindo o ícone
de cancelamento automático do serviço telefônico.
Apesar disso, a Resolução nº 477/2007, no seu art. 23, § 1º, estabelece que o
Contrato de Prestação do SMP pode ser rescindido e “A desativação da Estação
Móvel do Usuário, decorrente da rescisão do Contrato de Prestação do SMP deve
ser efetivada pela prestadora em até 24 (vinte e quatro) horas, a partir da solicitação,
sem ônus para o usuário”, afirmando ainda a Resolução da Anatel, no mesmo artigo,
§ 3º, que “No caso de rescisão a pedido do usuário, a prestadora deve informar
imediatamente número seqüencial de protocolo, com data e hora, que comprove
o pedido e efetuar a rescisão em até 24 (vinte e quatro) horas do recebimento
do pedido, independentemente da existência de débitos”, fato esse que tem sido
ignorado pelas operadoras.
do equilíbrio das relações de consumo, é prática abusiva a cobrança por ponto adicional de TV a CABO
na residência do assinante.
37
Conceito extraído da norma técnica do Procon Estadual de Minas Gerais, Norma Técnica nº 07/2005.
38
Dessa maneira, esclarece a nota técnica do procon, “verifica-se que há o ponto principal, no qual se
recebe o sinal codificado e se encontra o decodificador, permitindo a troca da programação, e um segundo
ponto (ou mais), que é/são denominado(s) “ponto escravo”. Assim, o aparelho de televisão conectado ao
“ponto escravo” não irá gerar uma programação que seja independente, ou seja, não se pode acompanhar
de maneira simultânea a programação no segundo televisor, mas tão-somente a programação que esteja
sendo veiculada no ponto principal. A programação a se assistir será a mesma em todas as conexões e
somente no ponto principal se consegue modificá-la. Cf. extraído da Norma Técnica, op cit.
39
Norma Técnica, op cit.
A Resolução nº 488 da Anatel é precisa ao determinar, em seu artigo 29, que o ponto
extra – ou o ponto de extensão – é direito do assinante sem nenhum tipo de ônus,
“[...] independentemente do Plano de Serviço contratado [...]”.
Ao nosso juízo, a cobrança pelo ponto extra constitui uma prática abusiva, malgrado
o fato de a Resolução da Anatel admitir a possibilidade da cobrança, envolvendo o
custo do gerenciamento do negócio ofertado ao consumidor.40
Referências bibliográficas
ALMEIDA, João Batista. Manual de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2006.
40
Recentemente foi editada a Resolução nº 528 da Anatel, em 17 de abril de 2009, que confirma a proi-
bição, em definitivo, da cobrança de ponto extra. Contudo, ABTA está questionando administrativamente
a nulidade da Resolução nº 528. Há uma ação civil pública, proposta pelo Ministério Publico do Rio de
Janeiro, que conseguiu restabelecer a liminar anteriormente concedida, considerando o fato superveniente
que resulta da edição da Resolução nº 528/2009 da Anatel, considerando a decisão do juízo da 14ª Vara
Federal da Seção Judiciária de São Paulo, que teria suspendido a eficácia do art. 29 da Resolução nº
488/2008, como fundamento a necessidade de conhecer, com exatidão, o alcance da norma contida no art.
30 do mesmo diploma regulamentar. Processo nº 2005.001.161388-7.
MEIRELLES, Hely Lopes. Serviço público de telefonia. In: MEIRELLES, Hely Lopes
(Coord.). Estudos e pareceres de direito público. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1986.
SILVEIRA, Raquel Dias da. Regime Jurídico dos Serviços de Telefonia fixa. Belo
Horizonte: Forum, 2003.
Cuida-se de ação civil pública (ACP) ajuizada contra ex-prefeito pela falta de
prestação de contas no prazo legal referente a recursos repassados pelo Ministério da
Previdência e Assistência Social. Nesse panorama, constata-se não haver qualquer
antinomia entre o DL n. 201/1967 (crimes de responsabilidade), que conduz o prefeito
ou vereador a um julgamento político, e a Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade
Administrativa - LIA), que os submete a julgamento pela via judicial pela prática
dos mesmos fatos. Note-se não se desconhecer que o STF, ao julgar reclamação,
afastou a aplicação da LIA a ministro de Estado, julgamento de efeito inter pars. Mas
lá também ficou claro que apenas as poucas autoridades com foro de prerrogativa de
função para o processo e julgamento por crime de responsabilidade, elencadas na
Carta Magna (arts. 52, I e II; 96, III; 102, I, c; 105, I, a, e 108, I, a, todos da CF/1988),
não estão sujeitas a julgamento também na Justiça cível comum pela prática da
improbidade administrativa. Assim, o julgamento, por esses atos de improbidade,
das autoridades excluídas da hipótese acima descrita, tal qual o prefeito, continua
sujeito ao juiz cível de primeira instância. Desinfluente, dessarte, a condenação do
ex-prefeito na esfera penal, pois, conforme precedente deste Superior Tribunal, isso
não lhe assegura o direito de não responder pelos mesmos fatos nas esferas civil e
administrativa. Por último, vê-se da leitura de precedentes que a falta da notificação
constante do art. 17, § 7º, da LIA não invalida os atos processuais posteriores, a
menos que ocorra efetivo prejuízo. No caso, houve a citação pessoal do réu, que não
apresentou contestação, e entendeu o juiz ser prescindível a referida notificação.
Portanto, sua falta não impediu o desenvolvimento regular do processo, pois houve
oportunidade de o réu apresentar defesa, a qual não foi aproveitada. Precedentes
citados do STF: Rcl 2.138-DF, DJe 18/4/2008; Rcl 4.767-CE, DJ 14/11/2006; HC
70.671-PI, DJ 19/5/1995; do STJ: EDcl no REsp 456.649-MG, DJ 20/11/2006; REsp
944.555-SC, DJe 20/4/2009; REsp 680.677-RS, DJ 2/2/2007; REsp 619.946-RS, DJ
2/8/2007, e REsp 799.339-RS, DJ 18/9/2006. REsp 1.034.511-CE, Rel. Min. Eliana
Calmon, julgado em 1º/9/2009.
Jurisprudência • 333
Trata-se, na origem, de ação civil pública (ACP) em que o MP pleiteia do Estado
o fornecimento de equipamento e materiais faltantes para hospital universitário.
A Turma entendeu que os direitos sociais não podem ficar condicionados à mera
vontade do administrador, sendo imprescindível que o Judiciário atue como órgão
controlador da atividade administrativa. Haveria uma distorção se se pensasse
que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido para garantir
os direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como empecilho à realização dos
direitos sociais, igualmente fundamentais. Uma correta interpretação daquele
princípio, em matéria de políticas públicas, deve ser apenas no sentido de utilizá-
lo quando a Administração atua dentro dos limites concedidos pela lei. Quando a
Administração extrapola os limites de sua competência e age sem sentido ou foge
da finalidade à qual estava vinculada, não se deve aplicar o referido princípio. Nesse
caso, encontra-se o Poder Judiciário autorizado a reconhecer que o Executivo não
cumpriu sua obrigação legal quando agrediu direitos difusos e coletivos, bem como a
corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada. Assim, a atuação do Poder
Judiciário no controle das políticas públicas não se faz de forma discriminada, pois
violaria o princípio da separação dos poderes. A interferência do Judiciário é legítima
quando a Administração Pública, de maneira clara e indubitável, viola direitos
fundamentais por meio da execução ou falta injustificada de programa de governo.
Quanto ao princípio da reserva do possível, ele não pode ser oposto ao princípio
do mínimo existencial. Somente depois de atingido o mínimo existencial é que se
pode cogitar da efetivação de outros gastos. Logo, se não há comprovação objetiva
da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho
jurídico para que o Judiciário ordene a inclusão de determinada política pública nos
planos orçamentários do ente político. A omissão injustificada da Administração em
efetivar as políticas públicas essenciais para a promoção de dignidade humana
não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário, pois esse não é mero
departamento do Poder Executivo, mas sim poder que detém parcela de soberania
nacional. Assim, a Turma conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-lhe
provimento. Precedentes citados do STF: MC na ADPF 45-DF, DJ 4/5/2004; AgRg no
RE 595.595-SC, DJe 29/5/2009; do STJ: REsp 575.998-MG, DJ 16/11/2004, e REsp
429.570-GO, DJ 22/3/2004. REsp 1.041.197-MS, Rel. Min. Humberto Martins,
julgado em 25/8/2009.
1. Acórdão
Trata-se de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, a
fim de pugnar o preenchimento do deficitário quadro de professores da rede estadual
de ensino na cidade de São Gonçalo, garantindo-se, assim, o direito constitucional
à educação. A ação foi proposta em desfavor do Estado do Rio de Janeiro, o qual
se defendeu alegando, principalmente, violação da harmonia dos Poderes, limitação
de recursos orçamentários bem como a observância ao princípio da reserva do
possível.
3. Comentários
Surgem os direitos sociais e o modelo de Estado Social (Welfare State). Seu caráter
intervencionista exerceu forte influência sobre os ditames constitucionais, abrindo
espaço para a incorporação de normas de direitos fundamentais concretos (direitos
de segunda geração). O rol de direitos civis clássicos foi ampliado (direitos coletivos,
sociais, econômicos, direito ao trabalho, à seguridade social, à educação, à cultura,
ao lazer e à saúde, entre outros), dando vazão ao desenvolvimento de planos
diretivos e programáticos (implementáveis por meio de políticas públicas), aptos a
proporcionar o bem-estar social.
Ocorre que a teoria importada não se coaduna com a realidade fática de nosso país.
Lamentavelmente, sequer podemos afirmar que há êxito nas ações que se destinam
a suprir as necessidades mais prementes dos indivíduos. De acordo com a “reserva do
possível”, os direitos de prestação positiva estariam subordinados à disponibilidade
de recursos, inserindo-se a matéria na esfera do mérito administrativo.
No mesmo julgado, o ministro relator Eros Grau fez alusão à decisão proferida no
RE nº. 436.996, sob relatoria no ministro Celso de Mello, no sentido de que a “[...]
educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não
se expõe, em processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias
da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo
governamental”. (DJ. 03.02.2006, Ementário 2.219).
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das Ações Constitucionais. 1. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007.
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle Judicial das omissões do poder público. 1. ed.
São Paulo: Saraiva, 2004.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 1991.
LENZA, Pedro. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Método, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 26. ed.
São Paulo: Malheiros, 2009.
STF, Rel. Min. Eros Grau, AG REG no RE 594.018-7 /RJ, 2ª T., DJ de 7.12.2000.
Direito
Processual
Coletivo
7 Artigo
ABSTRACT: Every citizen has the fundamental right to a healthy and balanced
environment, as well as the obligation of keeping its quality to the next generations.
Based on this premise, this worksheet article studies the popular action as an important
vehicle for the citizen himself or herself to protect the environment, emphasizing its
distiction to the popular action in defense of the public treasury, disciplined by the
Law 4.717/65. One analyses some procedural aspects important to the guarantee of
the effectiveness of the environmental popular action and its acceptance as a distint
institution, amongst them, the capacity of standing to sue and the standing to be sued,
requirements, jurisdiction. One concludes that the environmental popular action has,
in reality, legal nature of class action in the proportion that the application of the Law
7.347/85 gives it greater efficiency and ensures the effectiveness of protection of the
environment.
1. Introdução
A ação popular, um dos meios mais antigos de controle dos atos estatais pelo
cidadão, possui grande importância na tutela dos interesses da coletividade, como
a moralidade administrativa, o patrimônio público ou de entidade que o Estado
participe, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. Esse instrumento
processual se destaca como um dos primeiros colocados à disposição do cidadão
para a tutela de bens e interesses comuns a toda a sociedade. No entanto, não vem
sendo efetivamente empregado, seja pela inidoneidade das regras processuais da
Lei nº 4.717/65, seja pelas barreiras de acesso à justiça.
Como ensina Marinoni (2004), o direito à tutela jurisdicional efetiva exige técnica
processual adequada (norma processual), instituição de procedimento capaz
de viabilizar a participação (p. ex., ações coletivas) e, por fim, a própria resposta
jurisdicional. Oportuno trazer a lição do processualista:
Tais considerações são pertinentes no presente estudo, tendo em vista que, para
a garantia de efetividade da tutela jurisdicional do meio ambiente através da ação
popular, é preciso reavaliar alguns aspectos processuais atinentes à ação popular
tradicional. Como se pretende demonstrar nas sessões seguintes, o procedimento da
Lei nº 4.717/65 mostra-se inidôneo à efetiva tutela do meio ambiente pelo cidadão,
através da ação popular.
3. 1. Origem constitucional
A Constituição de 1967 manteve a ação popular no artigo 150, § 31, com a finalidade
específica da proteção patrimonial, mas sem relacionar as entidades cujo patrimônio
deveria ser protegido, usando o termo genérico patrimônio das entidades públicas.
Essa redação foi mantida pela Emenda Constitucional n.º 01/1969, no art. 153, §
31.
Cumpre ressaltar que, ainda sob a égide da Constituição de 1946, a ação popular foi
regulamentada. A Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, ampliou sua área de atuação
para fora do restrito círculo das lesões meramente pecuniárias. Das alterações
realizadas, destaca-se a que foi feita pela Lei n.º 6.513/77, que introduziu a atual
redação do § 1º do art. 1º, englobando no conceito de patrimônio público a proteção
dos bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.
Sobre a ação popular de defesa do meio ambiente, neste trabalho denominada ação
popular ambiental, esclareça-se, por ora, que possui características singulares, o
que enseja a necessidade de uma análise mais detida.
Não pode ser olvidado, ainda, o Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90,
inovadora ao prever a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos e
que, ao lado da Lei da Ação Civil Pública e de outros diplomas legais inerentes ao
direito coletivo, forma o “[...] microssistema processual coletivo” (DIDIER JUNIOR;
ZANETTI JUNIOR, 2007, p. 49). Assim, tanto a ação popular, cujo conceito já foi
analisado, quanto a ação civil pública são previstas na Constituição da República
como mecanismos de defesa dos interesses públicos. No entanto, distinguem-se em
pontos cruciais, a seguir relacionados sucintamente.
4.2. Legitimidade
1
Súmula 365 do STF: Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular.
Dispõe o art. 6º da Lei nº 4.717/65 que serão sujeitos passivos da ação popular as
pessoas públicas ou privadas em nome das quais o ato a ser anulado foi praticado,
inclusive as mencionadas no art. 1°, as autoridades, funcionários ou administradores
que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou
que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e os beneficiários diretos
dele. Trata-se, portanto, de um litisconsórcio passivo necessário, já que todos os
beneficiários do ato impugnado têm que ser citados. A conseqüência disto é que a
ausência de citação de parte necessária inquina de vício insanável a demanda, de
modo a tornar inexistente a sentença proferida (SILVA, 2006, p. 105).
Entretanto, na ação popular ambiental, cuja distinção com a ação popular de defesa
do patrimônio público tem se defendido, não há litisconsórcio passivo necessário.
Sustenta-se que o litisconsórcio será facultativo, uma vez que a responsabilidade, na
hipótese, é solidária, sendo que os efeitos da sentença atingirão igualmente todos os
réus. Outro fundamento é o conteúdo do art. 225, § 3°, da Constituição da República,
que deve ser interpretado no sentido de que não há obrigação de que a demanda
seja proposta contra todos os responsáveis, sob pena de inviabilizar o instituto.
Gomes Júnior e Santos Filho (2006, p. 286) explicam:
Contudo, mais uma vez a ação popular ambiental se distingue, porque se deve
entender que, nessa hipótese, basta a lesividade ao meio ambiente. O ato comissivo
ou omissivo não precisa ser ilegal, sendo suficiente a demonstração de que
causou dano ambiental (SILVA, 2006, p. 110). Ademais, é preciso considerar que a
responsabilidade por danos ao meio ambiente é objetiva, bastando que haja nexo
de causalidade entre a conduta e a degradação, não se exigindo a ilegalidade ou
ilicitude do ato. Silva (2003, p. 314), ao tratar da natureza da responsabilidade pelo
dano ambiental, lembra que “[...] não exonera, pois, o poluidor ou degradador a
prova de que sua atividade é normal e lícita”. Nas linhas seguintes, acrescenta:
Ora, não há razão para ignorar a regra da responsabilidade objetiva por dano ao
meio ambiente na ação popular ambiental, não se admitindo a licitude ou legalidade
da conduta ou do ato como excludente da obrigação de reparar a lesão. Como
decorrência lógica, a legalidade da conduta que degradou o meio ambiente não
pode ensejar o descabimento da ação popular ambiental.
4.4. Competência
Gomes Júnior e Santos Filho (2006, p. 287), citando a doutrina de Motauri Ciocchetti
de Souza, ensina que:
Cabe, ainda, trazer a doutrina de Almeida (2007, p. 363-364) que assim distingue:
4.5. Liminar
Neste tópico, é relevante mencionar que, quando houver pedido de liminar contra
o Poder Público, deve incidir a disposição do art. 2° da Lei nº 8.437/92, que dispõe
sobre a concessão de medidas liminares contra atos do poder público e prevê que,
4.6. Prescrição
3
TJMG, Agravo nº 1.0000.00.314437-5/000.
4
No mesmo sentido: (GOMES JÚNIOR; SANTOS FILHO, 2006, p. 289).
Assim dispõe o art. 19 da Lei da Ação Popular: “Art. 19. A sentença que concluir pela
carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não
produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação
procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.” Contudo, em se tratando de
ação popular ambiental, face à necessidade de reparação do dano ambiental, sob
pena de irreversibilidade, eventual recurso de apelação deverá ter efeito apenas
devolutivo. Nessa hipótese, incidirá a aplicação do art. 14 da Lei da Ação Civil
Pública, que determina que os recursos deverão ser recebidos somente no efeito
devolutivo, ressalvada a hipótese de dano irreparável à parte.
Como ensina Almeida (2007, p. 388), a regra do aludido art. 19 deve ser relativizada,
uma vez que foi elaborada diante de outro contexto político, jurídico e histórico.
Assim expõe o autor:
5
TJMG, Apelação Cível n.º 1.0035.04.032375-6/001.
6
STJ, REsp 647493/SC.
7
Recurso Especial n. 510.150-MA.
6. Conclusão
É preciso lembrar que a norma constitucional que garante o acesso à justiça o faz
tanto em relação aos direitos individuais quanto aos coletivos. Daí Didier Junior e
Janetti Junior (2007, p. 27) dizerem que a intenção do art. 5°, XXXV da Constituição
pode ser assim traduzida: “[...] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou afirmação de lesão a direito individual ou coletivo”.
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte:
Del Rey, 2007.
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MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública,
mandado de injunção, habeas data. 21. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
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MILARÉ, Édis. (Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo:
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
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célere. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6817>. Acesso
em: dez. 2007.
A matéria versa sobre ação civil pública (ACP) de improbidade ajuizada pelo MP
estadual em desfavor de ex-prefeito, em razão de ter ordenado que o lixo coletado
Jurisprudência • 369
carteira enorme de clientes, o contrato, em geral, é padronizado, basicamente, um
contrato de adesão. Portanto, a ACP teria a utilidade de possibilitar o exame em
uma única ação para dar lisura ou não às cláusulas postas no contrato. Precedentes
citados: REsp 984.430-RS, DJ 22/11/2007; REsp 294.759-RJ, DJe 9/12/2008; AgRg
no Ag 590.802-RS, DJ 14/8/2006; REsp 442.822-RS, DJ 13/10/2003; REsp 893.218-
RS, DJe 9/12/2008, e AgRg no Ag 660.449-MG, DJ 25/2/2008. REsp 605.295-MG,
Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/10/2009.
1. Acórdão
Ementa
DIREITO AMBIENTAL. PEDIDO DE RETIFICAÇÃO DE ÁREA DE IMÓVEL,
FORMULADO POR PROPRIETÁRIO RURAL. OPOSIÇÃO DO MP, SOB
O FUNDAMENTO DE QUE SERIA NECESSÁRIO, ANTES, PROMOVER A
AVERBAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA FLORESTAL DISCIPLINADA PELA LEI
4.771/65. DISPENSA, PELO TRIBUNAL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO
PELO MP. PROVIMENTO.
- É possível extrair, do art. 16, §8º, do Código Florestal, que a averbação da reserva
florestal é condição para a prática de qualquer ato que implique transmissão,
desmembramento ou retificação de área de imóvel sujeito à disciplina da Lei
4.771/65.
Recurso especial provido.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Vasco
2. Apresentação do caso
O Ministério Público mineiro interpôs Recurso Especial, cujas razões foram acolhidas,
nos termos da seguinte emenda:
3. Comentários ao acórdão
A própria Lei de Registros Públicos, Lei nº. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, trata
desta exigência de averbação da área de reserva legal, senão vejamos:
Apesar da novel redação trazida pela Lei da Gestão de Florestas Públicas à Lei de
Registros Públicos, e da redação do Código Florestal, tanto o juízo singular quanto o
do Tribunal de Justiça mineiro entenderam ser descabida a exigência da averbação,
visto que ela seria incompatível com a via eleita de jurisdição voluntária.
É patente que a proteção aos direitos metaindividuais deve ser garantida extra e
judicialmente, seja em ação de jurisdição voluntária ou não.
No entanto, parece-nos que em sua aplicação prática a decisão pode gerar dúvidas,
eis que se o registro imobiliário informa que a área é de 35.40 hectares, a medição
efetuada pelos autores recorridos atesta que a área real é de 347 hectares. Como,
segundo o STJ, a averbação da reserva legal é condição para a retificação do
registro, devendo ser realizada antes deste, surge um impasse: se os proprietários
averbarem a reserva legal de 20% sobre a área registrada, ela não será mais que
2% (dois por cento) do total real da fazenda; ao contrário, se averbarem a reserva
legal – sempre antes de retificarem a área no Cartório de Imóveis, por exigência do
decisum – de 20% sobre a área real, a parcela de reserva legal será maior que o
total da área registrada, razão pela qual o titular do cartório imobiliário não poderá
averbar tal ato.
4. Conclusão
No entanto, também nos parece que faltou à decisão aclarar como e em qual
tamanho a área de reserva legal deveria ter sido anteriormente averbada para que
a retificação do registro imobiliário pudesse ser operada.
R E LAT Ó R I O
Inconformado, o Banco Mercantil do Brasil S.A. recorreu para este Órgão Colegiado,
insistindo na tese de que as Leis Estaduais n.ºs 11.666/94 e 14.235/2002 são
manifestamente inconstitucionais, porquanto, no seu entender, elas tratam de matéria
da competência privativa da União, a quem cabe legislar sobre o funcionamento das
instituições financeiras. Alegou, ainda, que, no tocante à lei que fixa tempo para o
atendimento, “encontra-se amparado por segurança a ele concedida em processo
próprio para ver sustar os efeitos da referida lei”. De outro lado, asseverou:
Por fim, afirmou que no interior da agência havia cartaz informando o telefone do
Banco Central do Brasil, cumprindo-se, assim, a exigência regulamentar.
À douta revisão.
ACÓRDÃO
VOTO
Inicialmente, impõe-se salientar que a decisão que considerou não configurada uma
das infrações representa, nessa parte, arquivamento do processo administrativo,
sujeitando-se, pois, ao reexame necessário, nos termos do artigo 23, parágrafo 5º,
da Lei Complementar n.º 61/2001 e do artigo 26 da Resolução PGJ n.º 68/2008.
Irrelevante o fato de o Julgador a quo não ter observado essa regra. Nada impede que
a Junta Recursal exerça a sua função revisora e, de ofício, aprecie os fundamentos
declinados para o arquivamento implícito.
REEXAME NECESSÁRIO
Pelo que compreendi do relato feito pelo fiscal, existiam assentos corretamente
identificados e destinados ao atendimento prioritário dos idosos, inclusive com as
informações necessárias ao fácil acesso, mas espalhados pelo interior da agência,
distantes da fila de atendimento.
Explico.
Pois bem. Se esse direito de preferência fosse efetivamente garantido, evidente que
não haveria necessidade de assentos destinados a idosos nas proximidades das filas
de atendimento, já que o tempo de espera seria só o necessário para a conclusão
dos serviços que estivessem sendo prestados. E o funcionário do caixa que primeiro
terminasse o atendimento chamaria o idoso para prestar-lhe os serviços.
Sem adentrar a questão da compatibilidade de tal norma com a Lei Federal n.º
10.741/2003 – o que deverá ser objeto de estudo mais aprofundado –, fica claro que
a adoção de algumas dessas alternativas implicaria também o dever de a instituição
financeira instalar assentos preferenciais nos locais de atendimento. Afinal, destinar
Não se pode, portanto, querer punir o autuado apenas porque os assentos foram
instalados em outros locais.
RECURSO VOLUNTÁRIO
Ressalta-se, ainda, que o recorrente não fez prova da alegação de que celebrou
TAC com a Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos das Pessoas Portadoras
de Deficiência e Idosos sobre as questões que são tratadas neste processo
administrativo. E, ademais, ainda que tal ajuste tenha sido celebrado, essa iniciativa
não teria o condão de produzir efeitos retroativos a ponto de impedir o exercício do
poder de polícia do Procon em relação às infrações consumadas.
De mais a mais, é bem provável que o referido termo de ajustamento – caso tenha
sido celebrado – disponha apenas sobre a implantação das obras necessárias à
adequação do prédio da agência bancária às normas do artigo 3º da Lei Estadual n.º
11.666/94, sem adentrar a questão referente ao tempo máximo para o atendimento do
cliente, porquanto essa é de interesse geral dos consumidores, e não exclusivamente
de pessoas portadoras de deficiência e idosas, fugindo, assim, da atribuição daquela
Promotoria.
Outro ponto suscitado pelo recorrente, e que merece abordagem inicial, diz respeito
à alegação de que ele estaria protegido por decisão judicial que suspendeu os efeitos
da lei estadual que fixa tempo para o atendimento do cliente.
Data venia, além de o recorrente não ter feito prova alguma da existência dessa
decisão, tudo indica que a alegação não tem pertinência com o caso dos autos. Na
peça de defesa juntada às fls. 08/10, ele afirmou que a ação judicial (mandado de
segurança) foi proposta contra lei municipal que tratou de tema idêntico, e não contra
a lei estadual.
De qualquer forma, ainda que seja verídica aquela afirmativa, há de se lembrar que
a relação jurídica estabelecida naquele processo se restringiu ao banco impetrante
e ao município que editou a lei impugnada, alicerçada em conflito individual, e,
consequentemente, a decisão ali proferida produziu efeitos inter parte, sem nenhuma
repercussão nas atividades do Procon Estadual.
Lembre-se, ademais, que eventual decisão favorável ao banco naquela ação não
tem o condão de também inibir a atuação do Procon, pois a discussão ali travada
teria por objeto ato normativo diverso daquele que embasou a lavratura do auto de
infração.
[...]
2. ART. 3°, § 4º, DA LEI ESTADUAL N° 11.666/94, (MANTER
NA AGÊNCIA CADEIRA DE RODAS PARA USO GRATUITO
DE PORTADOR DE DEFICIÊNCIA E DE IDOSO, BEM COMO
INDICAÇÃO DO LOCAL ONDE ESSA CADEIRA ESTIVER).
[...] o Executivo Estadual regulamentou a referida Lei Estadual
nº 11.666/1994, por meio do Decreto Estadual nº 43.926/2004.
Embora esta regulamentação do Poder Executivo somente
tenha entrado em vigor após a fiscalização realizada pelas
autoridades reputadas como coatoras, é razoável entender
que, nesta situação, não há impedimento a produção de
eficácia da norma do parágrafo 4º, do artigo 3º, pois nela
não há, expressamente, a norma jurídica que determine a
regulamentação. Com efeito, a norma ora impugnada neste
mandamus é de plena aplicabilidade por não conter nenhuma
situação que impeça sua eficácia jurídica. Além disso, a
observância do preceito normativo combatido, em verdade,
constitui-se na garantia de direitos fundamentais do indivíduo.
É a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana,
fundamento e princípio fundamental da República Federativa
Destaque-se, ainda, que o fato de a Lei Federal n.º 10.098/2000 estabelecer norma
geral para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência,
assegurando-lhes prioridade de atendimento, não impede que o legislador estadual,
no exercício de sua competência concorrente (art. 24, XIV, CF), imponha obrigações
compatíveis com tal norma, conforme se infere do § 2º do artigo 24 da Constituição
Federal, que preceitua: “Art. 24 [...]. § 2º – A competência da União para legislar
sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados”.
Afinal, não se pode esquecer que algumas das relações jurídicas que envolvem
consumidores e instituições financeiras não estão alicerçadas no princípio da oferta e
da procura e na liberdade de escolha. São impostas aos consumidores, sem que eles
possam optar por outra forma de solução dos seus interesses, como, por exemplo,
no caso dos aposentados e pensionistas, que obrigatoriamente devem comparecer
a uma já definida agência bancária para retirar seus proventos e pensões, e dos
servidores públicos ativos, que também se sujeitam às regras bancárias para receber
seus vencimentos. O mesmo ocorre em alguns pagamentos de despesas, quitadas
tão somente em agências bancárias, sem que o devedor tenha outra opção.
Anote-se que o artigo 192 da Constituição Federal, ao dispor que o sistema financeiro
nacional deve ser estruturado de forma a servir aos interesses da coletividade, revela
que tal atividade não representa simples segmento da ordem econômica, sob a só
influência das regras da livre concorrência, liberdade do seu exercício e da oferta e
da procura. As instituições financeiras, dada sua importância para o desenvolvimento
do país, estão “vinculadas ao cumprimento de função social” (José Afonso da Silva.
Curso de direito constitucional positivo. RT, 7ª ed., p. 692).
É por isso que o serviço bancário – que é de relevância social – não pode ser
comparado com os setores da atividade estritamente privada, na qual a relação
entre fornecedor e consumidor é pautada primeiro pelas regras da economia, com
absoluta liberdade de escolha.
De fato, o princípio da isonomia, para ser tido como violado, reclama a constatação
de que houve tratamento desigual para pessoas ou situações iguais, hipótese que
não está presente no caso em exame.
Sendo certo que, in casu, o recorrente não cumpria integralmente tal obrigação
quando fiscalizado pelo Procon Estadual – fato, aliás, confessado na defesa de fls.
08/10 –, torna-se impossível isentá-lo de responsabilidade.
Isso porque a Lei Estadual n.º 11.666/94 não estabeleceu prazo para a implementação
de medidas que garantissem a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência
ou com mobilidade reduzida e, consequentemente, no que tange à execução das
obras arquitetônicas de adaptação, não se poderia, com base nela, exigir o imediato
cumprimento da obrigação.
A omissão foi suprida somente com o advento do Decreto Federal n.º 5.296, de 2 de
dezembro de 2004, que regulamentou lei que estabeleceu normas gerais e critérios
básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência
ou com mobilidade reduzida (Lei Federal n.º 10.098/2000), também aplicável nos
âmbitos estadual e municipal.
Tal decreto definiu o prazo de trinta meses – contado de sua publicação – para que
os edifícios de uso público fizessem adaptações em sua estrutura de modo a garantir
a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida
(art. 19), prazo que se esgotou no mês de junho de 2007.
Ora, no caso em tela, a fiscalização realizada pelo Procon Estadual ocorreu no dia
3 de setembro de 2004, quando nem sequer havia se iniciado o prazo concedido e,
portanto, não havia como se atribuir ao fiscalizado a prática de infração.
Óbvio, porém, que tal ineficácia da lei estadual se restringe à reforma física dos
edifícios de uso público, não abarcando as obrigações inerentes às adaptações dos
móveis, porquanto, nesse ponto, como bem salientou o Desembargador mineiro
Jarbas Ladeira:
Conclusão
Direito
Público
Constitucional
8 Artigo
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apontar os princípios basilares interligados
aos recursos, bem como reestruturá-los dentro de uma visão constitucional. É feita,
assim, uma revisitação de alguns conceitos ainda obscuros por estarem ligados
a valores solipsistas. Passa-se pelo esclarecimento da importância dos princípios
como normas criadoras de regras comportamentais vinculativas e sua repercussão
para estruturalização de um recurso.
ABSTRACT: This work objectives to point the main principles related to appeals in
the Brazilian Law as well as to organize them according to a constitutional point of
view. Therefore, one analyses concepts that are still obscure due to the fact that they
are related to solipsist values. Furthermore one clarifies the importance of principles
as norms that create behavioral binding rules and emphasizes their repercussion in
the structuralization of an appeal.
Os princípios são espécies do gênero norma. Não deixam de ser norma jurídica por
apresentar estrutura diversa das regras.
Portanto, como explica Chaves (2004, p. 47), [...] “as Normas Constitucionais (leis +
princípios) são fontes jurisdicionais do direito e garantia das partes”. Porventura os
princípios não têm características secundárias ou terciárias, mas primárias por ser
norma jurídica. Ao interpretar uma regra descritiva de um comportamento, o princípio
1
Pós-positivistas, como Friedrich Muller, Dworkin, Alexy, Canotilho e outros. Cf. (LEAL, 2002, p. 37).
Cabe ressalvar que não é nosso objetivo identificar, neste trabalho, todos os princípios
institutivos e informativos, tendo em vista que isso extrapolaria a finalidade deste
artigo; ademais, seria necessário um aprofundamento de diversos princípios para
seu enquadramento nos princípios institutivos, resultando num trabalho um pouco
mais denso e longo.
2
Em sentido diverso, Nelson Nery Júnior divide os princípios em informativos e em funda-
mentais. “Os informativos são considerados quase que como axiomas, pois prescindem de
maiores indagações e não necessitam ser demonstrados.” Os princípios fundamentais “são
aqueles sobre os quais o sistema jurídico pode fazer opção, considerando aspectos políticos
e ideológicos.” (2000, p. 34-35).
3
Em sentido próximo defende (ROCHA, 2007, p. 253).
Cabe destacar que a jurisdição não é um simples meio do exercício do poder estatal,
mas um direito humano fundamental de movimentar o Estado para apreciar as lesões
ou ameaças a direitos. Nesse sentido, enfatiza Costa:
Outro ponto preocupante desse princípio do duplo grau está na idéia de que a
revisibilidade das decisões proferidas passará sempre por um órgão judicacional
hierarquicamente superior ao anterior, com julgadores mais experientes, mas nem
sempre isso ocorrerá. De acordo com alguns recursos (procedimentos recursais)
previstos em nosso ordenamento jurídico, a decisão hostilizada passará por uma
nova análise sem ser encaminhada a outro órgão judicacional hierarquicamente
superior. Têm-se como exemplos os recursos de embargos de declaração e embargos
infringentes que a decisão irresignada passa a ser revista pelo mesmo órgão julgador
que proferiu a decisão anterior, sendo que nos embargos infringentes terão uma
ampliação do número dos julgadores. Na competência originária de determinados
tribunais também não serão encaminhados para outro tribunal hierarquicamente
superior, porque não existe mais recurso ou porque o recurso será analisado pelo
próprio órgão jurisdicional.
Nunes (2003, p. 148) explica que “[...] o instituto do recurso, em face do perigo e da
possibilidade de um desenvolvimento incompleto da primeira instância, a permitir
uma mácula do contraditório e da ampla defesa, passa a ser indissociável de nosso
modelo constitucional de processo”.
A dupla análise das decisões jurisdicionais representa sempre uma vantagem, porque
não se pode desejar uma decisão rápida feita com o desprezo da principiologia
formadora e colaboradora da construção do provimento final, quais sejam, os
princípios constitucionais institutivos.
4
“O duplo grau poder-se-ia denominar, assim, como um ‘duplo juízo sobre o mérito’, de forma a per-
mitir que para cada demanda sejam permitidas duas decisões válidas e completas proferidas por juízos
diversos”. (NUNES, 2003, p. 106).
Por outro lado, a necessidade da dupla análise das decisões jurisdicionais decorre
do devido processo legal (MIRANDA, 2006, p. 7) bem como dos princípios do
contraditório e da ampla defesa (LEAL, 2004, p. 191)5 quando não observados na
sua completude.
5
No mesmo sentido: NUNES, 2003, p. 149.
6
São requisitos para utilização das ações autônomas: ausência de recurso próprio, não ocorrência da
coisa julgada e requisitos próprios da ação utilizada.
O que não pode existir é uma decisão que viole os próprios elementos que contribuem
para a formação da decisão jurisdicional; torna-se incompleta por desrespeitar os
princípios constitucionais, elementos de validade de qualquer espécie de decisão
democrática.
Por fim, apesar da possibilidade de um recurso ser analisado pelo próprio prolator
da decisão, o ideal é que a decisão seja analisada por um órgão colegiado e distinto
do anterior, por ser mais democrático um tribunal com formação variada, advindo
de juízes de carreira, de promotores (representantes do Ministério Público) e de
advogados (como acontece na regra do quinto constitucional, art. 94 da CF/88).
Como bem citado por Assis, o CPC de 1939, no seu art. 809, mesmo quando
admitia uma variabilidade de recursos dentro do prazo legal, vetava o uso de
mais de um recurso ao mesmo tempo. (ASSIS, 2007, p. 83). O CPC de 1973 não
adotou explicitamente esse princípio como o CPC anterior, mas estruturou os atos
decisórios no art. 162 separando adequadamente quais são passíveis, por exemplo,
de apelação e de agravo.
Outro ponto que aparenta ser uma exceção ao princípio tratado seria o caso do RE
e do REsp, que devem ser interpostos conjuntamente, ou seja, simultaneamente.
Na realidade, o princípio da singularidade permanece intacto, pois ainda para cada
decisão existe apenas um recurso próprio. No caso, os recursos extraordinário e
especial, apesar de serem manejados em conjunto, atacam conteúdos distintos. O
primeiro, a matéria constitucional (art. 102, III, CF/88), o segundo, a matéria federal
(art. 105, III, CF/88). São salutares os elucidamentos de Theodoro Júnior (2007,
p. 643): “[...] na previsão de interposição simultânea de recurso extraordinário e
de recurso especial contra o mesmo acórdão (art. 541), há apenas uma aparente
quebra do princípio da unirrecorribilidade, haja vista que cada um deles ataca partes
distintas do decisório impugnado”.
Por fim, cabe esclarecer que a terminologia utilizada para apresentar os recursos,
como recurso ordinário e extraordinário, é empregada no Brasil com conteúdos
distintos ao de outros sistemas como o português, o francês, o suíço e outros.
“O recurso ordinário é reservado para decisão não transitada em julgado e o
extraordinário contra aquela já transitada”. (LEAL, 2004, p. 193). Tecnicamente, todos
os recursos são ordinários por impugnarem as decisões ainda não transitadas em
julgado. Entretanto, no modelo brasileiro, são denominados de recurso extraordinário
aqueles que têm conteúdo de irresignação limitado, admitindo apenas discussões
sobre questões de direito e, ao contrário dos modelos estrangeiros citados, não
estão acobertados pela coisa julgada – trata-se do RE e do REsp.
Este princípio não se encontra mais previsto no CPC de 1973, porém foi muito utilizado
no ordenamento processual de 1939, previsto no art. 810. Admitia-se um recurso
7
No juizado especial (Lei nº 9.0099/95, arts. 50 e 83, §2º) a interposição dos embargos suspende o
prazo para o recurso.
Não é qualquer decisão que se torna passível de ser impugnada pela via do recurso.
A parte, caso tenha interesse em recorrer, deve demonstrá-lo. Para tanto, o prejuízo
tem de ser visualizado por uma das partes, porventura sucumbente. A decisão
jurisdicional deve causar qualquer espécie de lesividade para parte, autorizando,
assim, o manejo do respectivo recurso.
O recurso deve ser útil e necessário. Nesse sentido Nunes explica três situações
decorrentes da sucumbência que podem ocorrer: [...] “sucumbência formal, quando
8
Ver: CHAVES, 2008.
Este princípio impede a utilização de outro. Quando houver decisão que se conforme
com outra, fica obstaculizada a utilização de um outro recurso ordinário. Um exemplo
são os embargos infringentes, que exigem, além de a decisão ser majoritária,
de mérito, que a anterior tenha sido reformada. Se a segunda decisão, mesmo
majoritária, for pela manutenção ou conforme a primeira decisão, não caberá o
recurso de embargos infringentes.
Uma vez praticado o ato, ele se consumou. “Logo, interposto o recurso, extingue-se,
A exceção a este princípio será abordada abaixo, no item 2.11. Nunes (2003, p.
76) visualiza “[...] uma possível exceção à aplicação deste princípio poderia
ser vislumbrada na utilização do preceito do art. 500 do CPC de 1973, quanto à
interposição do recurso incidental, indevidamente denominado pela lei como recurso
adesivo”.
Este princípio não mais existe em nosso ordenamento. O CPC de 1939, em seu
artigo 809, pugnava pela prática de vários atos ou recursos, desde que estando
dentro do prazo. Hoje predomina o princípio da consumação.
Este princípio acaba por mitigar o princípio da consumação, pois se admite que o
recurso seja complementado mesmo que seu direito já tenha sido exercitado. Os
fundamentos da complementaridade dos recursos encontram-se nos princípios
do contraditório e da ampla defesa sempre que houver qualquer modificação na
decisão, como no caso de conhecimento e provimento dos embargos de declaração.
Quando a outra parte, também sucumbente, houver interposto o recurso de apelação,
poderá complementá-lo naquilo que foi modificado (integração da decisão obscura,
contraditória ou omissa) pelo julgador por força dos embargos manejados. Ainda
sobre a possibilidade de novo recurso, a nosso sentir, incabível. “Não poderá interpor
novo recurso, a menos que a decisão modificativa ou integrativa altere a natureza do
pronunciamento judicial, o que se nos afigura difícil de ocorrer.” (Cf. NERY JÚNIOR,
2000, p. 155)
Como explicam Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2001, p. 39), “[...] nesse caso
é evidente que a preclusão consumativa não opera, porque os fundamentos da
decisão só surgirão, em sua inteireza, com a integração ou complementação a que
os embargos de declaração deram margem”.
Algumas decisões não são passíveis de impugnação por recurso por não serem
consideradas juridicamente relevantes: são os denominados despachos (art. 504
do CPC). O artigo 162, § 3º, esclarece que “São despachos todos os demais atos
do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito
a lei não estabelece outra forma.” Os despachos são atos que não têm conteúdo
decisório. Destaca-se que não é o nome dado ao ato que é importante, mas sim
o seu conteúdo. Assim, se um ato praticado pelo juízo receber a titularização de
“despacho”, porém com conteúdo decisório, será passível de recurso.
Existem outras situações impostas por lei que, por não se tratarem de decisão
juridicamente relevante, obstaculizam momentaneamente o recurso. Trata-se das
decisões interlocutórias em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à
execução, manejadas por agravo de instrumento passível de recurso extraordinário.
De outro modo, o recurso especial ficará retido nos autos principais e somente será
processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a
decisão final ou para as contra-razões (art. 542, §3º do CPC).
Nunes (2003, p. 95) esclarece que “[...] existe, na atualidade, uma orientação
doutrinária de limitação dos recursos, com o objetivo de evitar a utilização de
recursos intermediários que dilatam o tempo de tramitação procedimental e propiciam
expedientes de chicana”.
Muitas das vezes, pode ser prejudicial para as partes ficarem os recursos retidos
nos autos aguardando a interposição do recurso contra a decisão final do processo
principal, para só assim reiterarem as alegações da impugnação retida, no prazo
de interposição do recurso contra a decisão final. Cabe indagar: se o recurso
principal não for conhecido, pode o recurso obrigatoriamente retido ser processado
independentemente do recurso principal? Entendemos que sim. Não pode existir
duplo impedimento. O fato de o recurso principal não ser conhecido não impede
o conhecimento do recurso que ficou retido, desde que também apresente os
requisitos de admissibilidade comuns a qualquer recurso e também os peculiares ao
correspondente recurso (procedimento) utilizado.
Outro dispositivo que não se amolda como juridicamente relevante, impedido o seu
processamento de forma imediato é o disposto no art. 527, II, do CPC. Esse dispositivo
permite ao relator converter o agravo de instrumento em agravo retido, remetendo
os autos ao juiz da causa, sempre que não se tratar de decisão suscetível de causar
à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da
apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida. Antes da Lei nº
11.187/2005, da conversão do agravo de instrumento em retido, cabia um recurso.
Agora esse recurso foi suprimido. Dessa decisão não caberá nenhum recurso. Cabe
a parte interessada socorrer-se aos sucedâneos recursais, no caso, o mandado de
segurança ou pedido de reconsideração.
Não se trata de um princípio, mas sua finalidade é evitar que determinadas matérias
impugnadas sejam escolhidas ao bel-prazer do julgador. Nota-se que o art. 548
do CPC liga a distribuição a três princípios, a saber: publicidade, alternatividade
e sorteio. Na realidade a distribuição regida por aqueles princípios visa assegurar
a imparcialidade do juízo, não obstante ser também uma garantia das partes
interessadas para que sua matéria seja analisada de forma isenta. Impede também
que o julgador que conheceu em primeira instância venha novamente realizar o
julgamento da matéria (art. 134, III, CPC).
3. Considerações finais
No entanto, deve-se perguntar se uma decisão jurisdicional que não passou pela
principiologia constitucional estaria completa. Com certeza não; essa insuficiência
da decisão jurisdicional decorre da não observância dos princípios constitucionais.
O julgador, ciente da necessidade da observação das garantias principiológicas
constantes da Constituição, ao impulsionar como dever a testificação dos seus
julgados pelas partes interessadas, faz com que o processo comece a incluir o
destinatário da decisão jurisdicional no contexto da participação da esfera decisional.
A participação do afetado que sofrerá o resultado final do provimento jurisdicional,
apesar da decisão ser imperiosa, fortalece ou consubstancia sua validade por
reconhecer a participação do interessado como colaborador e também como
construtor e destinatário daquilo que ajudou a construir. Assim o reconhecimento
das decisões jurisdicionais se legitima pelo critério includente da participação.
4. Referências bibliográficas
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte:
Del Rey, 2007.
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 5. ed. São Paulo: Thomson-IOB,
2004.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:
2007.
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil
comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 6. ed. rev. e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 9. ed. São Paulo: Altas,
2007.
Jurisprudência • 421
Comentário à Jurisprudência
ADRIANO NAKASHIMA
Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Natureza
1
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116058>.
Acesso em: 13 nov. 2009.
Art. 5º [...]
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis
de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como
crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
Conforme nos ensina Anderson Schreiber, quando o legislador prevê uma regra de
prevalência não é possível ao juiz realizar novamente a ponderação de interesses,
mas apenas fazer um controle de validade:
Para o Ministro Celso de Melo, o legislador, ao proibir, prima face, a liberdade provisória
aos presos em flagrante pela suposta prática de crime de tráfico de entorpecente, agiu
de forma desarrazoada, sendo, por isso, tal vedação inconstitucional. Acrescentou,
ainda, que a tarefa de estabelecer a necessidade de tal prisão cautelar deve ficar a
cargo do juiz, mas não do legislador.
Portanto, tendo-se em vista que foi o Poder Constituinte Originário quem autorizou
a lei infraconstitucional a restringir a liberdade do preso em flagrante, não há que se
em falar em inconstitucionalidade na vedação, prima face, da liberdade provisória.
Por outro lado, não é possível, no caso em tela, a utilização, por analogia, dos
fundamentos constantes na decisão que declarou a inconstitucionalidade da vedação
da concessão da liberdade provisória para os presos pela prática do crime de porte
de armas de fogo.
Cumpre ressaltar, ainda, que o fato de o art. 44 da Lei nº 11.343/2006 ter vedado
a concessão da liberdade provisória para os presos pela prática de tráfico de
entorpecentes e drogas afins não tem o condão de desconfigurar a cautelaridade
da prisão provisória.
Com efeito, a lei foi clara ao prescrever que a vedação da liberdade provisória
somente alcança os presos em flagrante que possuem uma latente periculosidade
para a sociedade. Os presos em flagrante que não representarem nenhum risco
para ordem pública podem ser beneficiados com a liberdade provisória. É que, para
estes, existe a previsão de uma causa de diminuição de pena (§ 4º do art. 33 da Lei
nº 11.343/2006), que torna possível a concessão do referido benefício.
Ao ser denunciado pela prática do crime previsto no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006,
não existirá nenhuma vedação para a concessão da liberdade provisória, conforme
dispõe o art. 44 desta lei: “Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a
37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e
liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”.
Enfim, a vedação legal constante no art. 44 da Lei nº 11.343/2006 tem como objetivo
impedir a reiteração das práticas criminosas, sendo, por isso, compatível com as
regras e os princípios constantes na Constituição da República Federativa do Brasil.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008.
1. Exposição da demanda
Argumentando, em síntese, que os agentes políticos eletivos não podem, à luz dos
dispositivos constitucionais de regência, perceber quantia a título de décimo terceiro
subsídio, o Autor requereu o regular processamento da ADI e a declaração de
inconstitucionalidade do artigo 4º da Resolução Legislativa n.º 05, de 1º de setembro
de 2008, por ofensa aos artigos 31, caput; 165, § 1º e 179, todos da Constituição do
Estado.
Após, o Relator determinou, à fl. 80, a retirada dos autos da pauta julgamento da e.
Corte Superior desse Tribunal, com o objetivo de analisar o pedido de Reconsideração
interposto pelo Município de XXX.
2. Da fundamentação
Não é demais lembrar que a decisão proferida pelo Ministro Menezes Direito é
isolada no âmbito da Suprema Corte e, de qualquer forma, não poderia ser invocada
para embasar a suspensão desta ADI, como veremos a seguir.
2
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo na Reclamação n.º 425/RJ. Pleno. Rel. Min. Néri da
Silveira. 17 maio 1993. DJ 22.10.1993.
3
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1460/DF. Pleno. Rel.
Min. Sydney Sanches. 17 mar 1999. DJ 25.06.1999.
4
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 664.
5
MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constituciona-
lidade. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
6
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl n.º 3233-AgR/SP. Primeira Turma. Rel. Min. Carlos Britto.
J. 27.11.2007. DJ 28mar2008.
Se assim fosse, considerando o grande número de ADIs que tramita nesse Tribunal
questionando, por exemplo, o vício de iniciativa de diferentes leis de diversos
municípios, a suspensão dos feitos – digamos – repetidos, seria automática, o que
não encontra respaldo doutrinário ou jurisprudencial, notadamente na jurisprudência
da Suprema Corte brasileira.
Destarte, por qualquer ângulo que se analise a questão posta, inexiste hipótese
que autorizasse a suspensão desta ADI, merecendo ser reformado o decisum
monocrático neste ponto.
7
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl n.º 724-AgR/ES. Pleno. Rel. Min. Octavio Gallotti. J.
26.03.1998. DJ 22mai1998.
8
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RTJ155/974. Rel. Min. Sepúlveda Pertence.
9
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 177.865/SP. 2ª T. Rel. Min. Marco
Aurélio. j. 12 jun 95. DJ 22.09.95.
10
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RTJ 163/836. Rel. Min. Marco Aurélio.
Não obstante, é importante ressaltar que, mesmo após esse julgamento, o Tribunal
de Justiça de São Paulo enfrentou a questão e decidiu por sua competência.
11
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 421.256/SP. 1ª T. Rel. Min. Ricardo
Lewandowski. j. 26 set 2006. DJ 24.11.2006.
12
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 130227-
0/0 - Bom Jesus dos Perdões. Órgão Especial. Rel. Des. Renato Nalini. j. 24 out 2007. DJ 17.12.2007.
13
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 130227-
0/0 - Bom Jesus dos Perdões. Órgão Especial. Rel. Des. Renato Nalini. j. 24 out 2007. DJ 17.12.2007.
14
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 573.675/SC. Pleno. Rel. Min. Ricardo
Lewandowski. j. 25 mar 2009. DJ 22.05.2009.
Por outro lado, como já se demonstrou acima, a questão constitucional desta Ação
Direta de Inconstitucionalidade foi novamente apreciada pelo Supremo Tribunal
Federal no Recurso Extraordinário n.º 573.675/SC, no qual, em questão preliminar,
a Corte Suprema conheceu, à unanimidade, de Recurso Extraordinário interposto
de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina em Ação Direta de
Inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público estadual.
Releva de importância sobre a matéria o voto proferido pelo Ministro Celso de Mello
que, além de admitir o Recurso Extraordinário, ratificou, através do histórico dos
precedentes, o entendimento da Corte sobre a possibilidade de controle concentrado
de constitucionalidade realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado, tendo como
parâmetro dispositivos da Constituição Estadual, mesmo que por reprodução
obrigatória de cláusulas previstas na Constituição da República.
Frise-se, no entanto, que foi mais além o eminente Ministro: asseverou, sem meias
palavras, a possibilidade desse controle de constitucionalidade através de normas de
remissão previstas na Constituição do Estado-membro, à símile do que ocorre com o
§ 1º do artigo 165 da Constituição do Estado de Minas Gerais. Eis o seu teor:
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n.º 4.432/TO. Rel. Min. Gilmar Mendes. Decisão 27
15
Por fim, merece grande destaque a decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie na
Reclamação n.º 7472/MG, seja pela sua coerência com a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal seja pela sua atualidade, uma vez que proferida em março do
corrente ano. Imprescindível ainda anotar que a Reclamação proposta tinha como
objetivo atacar decisão desse Tribunal de Justiça mineiro, proferida na Ação Direta
de Inconstitucionalidade n.º 1.0000.07.456706-6/000.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 573.675/SC. Pleno. Rel. Min. Ricardo
16
3. Do pedido
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n.º 7.472/MG. Relª. Minª. Ellen Gracie. j. 23 mar
17
2009. DJ 26.03.2009.
Direito
Público
Institucional
9 Artigo
ABSTRACT: This study briefly and reflectively describes the Brazilian jurisdiction
power of class actions according to article 2nd of the Public Civil Action Act (Law
nº 7.347, of July 24th, 1985). The aim of this text is to clarify the criterions of the
jurisdiction power of Brazilian class actions in order to achieve social justice. The
article 2nd of the Public Civil Action Act approached criterions that apparently are
incompatible due to their different nature: the jurisdiction power of class actions
as the district court in which the event occurred and the second is the functional
jurisdiction power of the judge. This study concludes that the article 2º of the Public
Civil Action Act establishes an especial rule of the jurisdiction power of class action
since it weights the same importance to both criterions. Thus, in order for the class
1. Introdução
Almeida (2007, p. 84) esclarece que o art. 2º da Lei de Ação Civil Pública criou
uma regra especial de competência baseada em dois critérios: um relativo, que é o
Almeida (2007) conclui que a regra de competência prevista no art. 2º da Lei de Ação
Civil Pública tem aplicabilidade tanto à ação civil pública de conhecimento quanto à
ação civil pública cautelar, aplicando-se também à ação civil pública de execução
fundada em título executivo extrajudicial (termo de ajustamento de conduta).
Acrescenta que, se se tratar de efetivação de decisão judicial (execução de multa,
condenação em dinheiro, fixações de obrigações de fazer ou não fazer ou de dar
coisa certa ou incerta), a competência deverá seguir, em regra, o disposto no art.
475-P do CPC. Compartilha o mesmo entendimento Souza (2003) ao afirmar que a
competência das ações cautelares, previstas no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública
será firmada também pelo critério territorial-funcional.
Já Carvalho Filho (1995) afirma que a expressão competência funcional tem sentido
técnico para a Teoria Geral do Processo, significando a repartição da função
jurisdicional entre órgãos jurisdicionais diversos. Conclui que a parte final do art. 2º
da Lei nº 7.347/85 é de todo dispensável, pois, se a lei confere a competência ao
juiz do local do dano, já estaria automaticamente conferindo competência funcional
também ao juiz a quem coubesse o processamento e o julgamento da causa.
4. Referências bibliográficas
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das ações constitucionais. Belo Horizonte:
Del Rey, 2007.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: comentários por artigos.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva,
1995.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação civil pública. In: DIDIER JUNIOR, Fredie. (Org).
Ações constitucionais. Salvador: JusPodivm, 2006.
SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Ação civil pública: competência e efeitos da coisa
julgada. São Paulo: Malheiros, 2003.
Jurisprudência • 469
fática em questão, não abrangida pelo novo regime jurídico instituído pela EC
45/2004. Tendo em conta que a recorrente estava licenciada, filiada a partido político,
já tendo sido eleita para exercer o cargo de Prefeita na data da publicação dessa
emenda, concluiu-se que ela teria direito, não adquirido, mas atual à recandidatura,
nos termos do § 5º do art. 14 da CF (“O Presidente da República, os Governadores de
Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído
no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.”).
Vencidos, no mérito, a Min. Ellen Gracie, relatora, e os Ministros Joaquim Barbosa,
Cezar Peluso e Celso de Mello, que negavam provimento ao recurso. Ressaltaram
que, antes da EC 45/2004, admitia-se que, licenciado, o membro do parquet podia
se filiar e concorrer, mas que, após tal emenda, em face da absoluta proibição da
atividade político-partidária por membros do Ministério Público, prevista no art. 128, §
5º, II, e, da CF, de aplicação imediata e linear, se desejasse exercer atividade político-
partidária, deveria exonerar-se ou aposentar-se, não havendo se falar em direito
adquirido ao regime anterior à emenda, para beneficiar a recorrente, nem em direito
dela ou do eleitorado assegurado pela norma viabilizadora da reeleição. Aduziram
que, a cada eleição, para requerer o registro de sua candidatura, o postulante a
cargo eletivo deveria demonstrar a satisfação das condições de elegibilidade, o que
não se dera no caso. RE 597994/PA, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão
Min. Eros Grau, 4.6.2009. (RE-597994)
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA E DIREITO DE FAMÍLIA
1. Introdução
2. O acórdão
Saliente-se que o Ministério Público possui um papel fundamental como custos legis,
neste tópico do direito de família já que, de acordo com o art. 50 do Código Civil, está
legitimado juntamente com a parte a requerer a desconsideração da personalidade
jurídica quando houver interesse de incapazes, nos termos do art. 82, I, do CC.
Assim, não podendo o juiz decretá-la ex officio, caberá ao Ministério Público zelar
pelos interesses e direitos patrimoniais dos menores, previstos na Constituição.
3. Conclusão
4. Referências bibliográficas
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil Teoria Geral. 6.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
RESTIFFE, Paulo Sérgio. Manual do Novo Direito Comercial. São Paulo: Dialética,
2006.
SAID CAHALI, Yussed. Mini Códigos. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008.
1. Dos prolegômenos
É verdadeiro, pois, afirmar que o Município é livre para exercer a sua autonomia,
estando atrelado apenas às disposições da Constituição da República e nenhuma
interferência podendo receber do Estado-Membro. A Constituição Estadual, cuja
incumbência é organizar o Estado-Membro (CR, art. 25), pouco tem a regular sobre
Municípios, salvo, é claro, as questões que, por força da Constituição da República,
foram-lhe atribuídas (intervenção, fusão, desmembramento, etc.). Assim sendo, fica
estreme de dúvida que, no atual sistema, toda competência municipal é haurida
diretamente da CR/88.
Senão vejamos:
Assim, mesmo que o preceito constitucional estadual apontado como violado constitua
repetição de norma da Constituição da República, não fica elidido o conhecimento e
o julgamento do processo objetivo pela Corte local, os quais lhe foram ofertados com
base na competência a ela originariamente conferida (CR, art. 125, § 2º), podendo
da decisão do Tribunal de Justiça caber recurso extraordinário com fulcro no art.
102, III, CR/88, conforme a melhor extração pretoriana: ADI n.º 1.341-6-SP, Rel.
Min. Francisco Rezek, DJ de 22.09.1995, p. 30.541; Rcl 360-4-SP, Rel. Min. Moreira
Alves, DJ de 29.09.1995, p. 31.901; Rcl 425-2- AgRg-RJ, Rel. Min. Néri da Silveira,
RTJ 152/371, com invocação de julgado precedente (REMC 161.390-AL).
2.2. Emenda n.º 16/06 à Lei Orgânica Municipal que assegura direitos e
vantagens relativos a servidor efetivo àqueles ocupantes de função pública
Todavia, o artigo 19 das Disposições Transitórias admitiu uma exceção a esta regra
constitucional, no qual conferiu estabilidade para os servidores que cumprissem os
requisitos estabelecidos na cláusula constitucional.
1
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. 674p.
p.462-3.
Ademais, no artigo 111-b, inserido pela Emenda ora hostilizada, pretende-se também
efetivar tais servidores violando o princípio do concurso público.
Art. 21 [...]
§ 1º. A investidura em cargo ou emprego público depende de
aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas
e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
Assim, a Emenda n.º 16/06 não atendeu os requisitos estabelecidos pelo artigo 19 dos
Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, inseridos no corpo da Constituição
da República, a fim de que fossem conferidos direitos, vantagens e concessões aos
servidores não concursados pelo Município de Além Paraíba, violando princípios
constitucionais, quais sejam, princípios da impessoalidade e isonomia, bem como
violando o artigo 21, §1º, da Constituição do Estado de Minas Gerais.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já editou o Enunciado da Súmula n.º 685,
do seguinte teor: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao
servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu
provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.2
2
Apud BARROSO, Luís Roberto. Constituição da República Federativa do Brasil anotada. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2006. 1401p. p. 388.
3
STF, RTJ 154/45.
4
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Incidente de Inconstitucionalidade n.º
1.000.03.403.522-0/000. Pleno. Rel. Des. Sérgio Resende. j. 23 jun 2004. DJ 06.08.2004.
5
j. cit.
No mesmo sentido:
Assim, vislumbra-se que os artigos 105 e 106 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da Constituição do Estado, na redação conferida pelo artigo 11 da Emenda
Constitucional n.º 49/2001, padecem de inconstitucionalidade, na medida em que
conflitam com o quanto disposto nos artigos 13 e 21, § 1º da parte permanente da
Constituição do Estado, ao malferirem os princípios da impessoalidade, moralidade
e eficiência da Administração Pública, assim como o necessário certame público
para a investidura em cargos públicos de provimento efetivo.
6
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.946-MC. Pleno. Rel.
Sydney Sanches. j. 29 abr 1999. DJ 14.09.2001.
7
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 939-7/DF. Pleno. Rel.
Min. Sydney Sanches. j. 15 dez 1993. DJ 18.03.1994.
3. Dos pedidos
8
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 100-1/MG. Pleno. Rel.
Min. Ellen Gracie. j. 09 set 2004. DJ 01.10.2004.
4. Dos requerimentos
Direito
Público
Administrativo
10 Artigo
NORMÉLIA MIRANDA
Oficial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
ABSTRACT: The objective of the study was to present the result of the performance
of the Public Prosecution Service in the State of Minas Gerais, Brazil, regarding the
liabilization of mayors who commit crimes in and off duty against the public system.
This performance confirms the utmost importance of the Public Prosecution Service
in the guarantee of the supremacy of the public interest and of the success of the
democratic model1. Interviews were carried out with the Public Prosecutors Evandro
1
Translator’s Note: In Brazil, after the Federal Constitution of 1988, the Public Prosecution Office
was assigned wider roles than that of other countries, including not only the role of information and
prosecution, but also the unique roles of defense of legal system, democratic régime and the social and
1. Introdução
A democracia mais recente não pode ser realizada dentro dos padrões de ocorrência
da antigüidade grega. Assim, na atualidade, tenta-se sustentar um modelo
democrático que mais se aproxime da realidade do que é esperado pela sociedade
em termos de decisões sobre seu futuro.
3. Controle
O controle pode ser entendido como uma atividade de contraste, pois realça a
diferença ou igualdade do que se planejou com o que foi executado. O controle é
essencial para a atividade administrativa.
Uma vez que este representante da sociedade local, com poderes decisórios, nem
sempre atua com base no princípio da supremacia do interesse público sobre o
privado, que norteia a administração pública, é necessário que haja controle sobre
as suas atividades para permitir que o gasto público seja realizado em nome da
indisponibilidade do interesse da coletividade. Como leciona Celso Antônio Bandeira
de Mello:
4. Ministério Público
O Ministério Público da União é regido pela Lei Complementar nº. 75/1993, enquanto
a Lei Federal nº. 8.625/93 rege os Ministérios Públicos Estaduais. O Ministério
Público do Estado de Minas Gerais é estruturado, organizado e tem suas atribuições
disciplinadas na Lei Complementar nº 34, sancionada em 12 de setembro de 1994.
Em 12 de julho de 2001, foi sancionada a Lei Complementar nº 61, que altera
dispositivos da Lei Complementar nº 34/94. Segundo o Promotor de Justiça Marcelo
Mattar Diniz:
3
Art. 127 da CF/88: O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.
Da mesma forma, a PJCCAP tem atribuição para atuar nos inquéritos policiais
envolvendo esses mesmos agentes públicos. Inquéritos policiais, ou simplesmente
IPs, são procedimentos administrativos investigatórios, a cargo, a princípio, da
Polícia Civil.
Cabe ressaltar, para melhor esclarecimento, que prefeitos municipais são julgados
pelo TJMG em caso de cometimento de crimes comuns e nos de responsabilidade,
conforme art. 106, inciso I, alínea b, da Constituição Estadual, promulgada em
1989.
E, ainda, o STF, por decisões da 2ª Turma, “[...] entendeu faltar ao Ministério Público
competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de
servidores”. (RE nº 233.072-4 RJ).
5
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Coordenador do Centro de
Apoio Operacional Criminal.
6
Este princípio, previsto no artigo 1º do Código Penal, determina que nenhum fato praticado por al-
guém poderá ser considerado criminoso, a menos que exista norma previamente editada classificando-o
como tal, não podendo haver, igualmente, nenhuma forma de punição ou cerceamento de liberdades e
garantias não previstas de antemão na lei própria.
7
Informação verbal em entrevista realizada em 17 de outubro de 2008.
Nossa sociedade não é mais uma sociedade dos anos 30, 40,
50 quando não era tão evidente a criminalidade organizada, o
problema de meio ambiente, de consumo, de poluição que hoje
temos, já estamos no século XXI, as necessidades da sociedade
mundial mudaram, e em especial a brasileira, que pede socorro
na defesa de seus direitos individuais e indisponíveis, na defesa
de seus interesses difusos e no combate à criminalidade, e se
tirar de um órgão tão importante este poder de investigação
só beneficiará o administrador ímprobo, a impunidade e
prejudicará a sociedade, porque quando ocorre crime contra a
administração pública, existe desvio do dinheiro público, existe
o uso indevido da administração pública e quem é lesado é o
povo, a sociedade e principalmente, o cidadão miserável que
tem dificultado o acesso à satisfação de direitos humanos,
pois, o acesso à saúde, educação, moradia, alimentação é
prejudicado, tendo em vista o desvio de verbas que deveriam
existir para suprir tais faltas. (Entrevista)8
8
Informação verbal em entrevista realizada no dia 20 de maio de 2008.
QUADRO 1
1ª GESTÃO ADMINISTRATIVA – TOTAL DE PROCEDIMENTOS RECEBIDOS
QUADRO 3
1ª GESTÃO ADMINISTRATIVA – DOS PROCEDIMENTOS ÀS PENALIZAÇÕES
PROCEDIMENTOS DENÚNCIAS AO TJMG PENALIZAÇÕES
OFERECIDAS RECEBIDAS REJEITADAS
2931 718 281 131 14
Fonte: Procuradoria de Justiça no Combate aos Crimes Praticados por Agentes
Políticos Municipais – PJCCAP
Em face das representações feitas por qualquer do povo – não há dados quantitativos
das representações recebidas desse período –, decorreram 2.931 procedimentos
investigatórios criminais instaurados. Importante destacar que nem todas as
representações recebidas estão fundamentadas em fatos comprobatórios de prática
de crimes, pois faltam elementos. Em muitas das vezes as representações são pueris
e genéricas; como exemplo, pode-se citar a desconfiança, por parte do denunciante,
de um prefeito que trocou de carro, que comprou uma casa ou cuja família está
adquirindo bens ou, ainda, que está fazendo licitação fraudulenta.
Interessante pontuar que uma representação pode gerar inúmeros PICs, citando
como exemplo a “Operação 40” – que visava ao recolhimento de provas de fraude
em licitações para compra de medicamentos ambulatoriais pelos municípios e
enriquecimento ilícito de servidores públicos e empresários. Deflagrada no início
de 2008 pela PJCCAP, com base em denúncia anônima feita no final de 2006,
que mencionava 46 municípios mineiros e que deu início às investigações que
prosseguiram durante o ano de 2007, mostrou os indícios de fraudes e o envolvimento
de agentes públicos em 29 municípios do Estado, gerando, portanto, mais de 100
procedimentos investigatórios criminais.
Pelo disposto entende-se que o PIC terá seu fim – que tanto poderá resultar em
denúncia quanto em arquivamento –, em um prazo indeterminado. Entretanto,
cabe ponderar, o Código Penal brasileiro prevê, no seu art. 109 e incisos, prazos
prescricionais que deverão ser respeitados por quem preside a investigação.
A razão pela qual um PIC pode não se transformar em denúncia também pode
ser a falta de elementos porque, como disposto no art. 419 do Código de Processo
Penal, é necessário que a denúncia contenha a exposição do fato com todas as suas
circunstâncias, como também a classificação do crime. Caso isso não ocorra, será
rejeitada a denúncia por falta de fundamentos que comprovem a materialidade do
delito.
9
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstân-
cias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do
crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
10
Professor do Curso de Gestão Pública do Centro Universitário Belo Horizonte (Uni-BH) e Mestre em
administração pública pela Fundação João Pinheiro/2006.
11
Conversa formal em sala de aula em outubro de 2008.
QUADRO 4
TOTAL DE MUNICÍPIOS COM EXPEDIENTES EM ANDAMENTO
Dados até 01/10/2008
MINAS GERAIS 853
Municípios representados 678
Municípios com expediente em andamento 505
Fonte: Procuradoria de Justiça no Combate aos Crimes Praticados por Agentes
Políticos Municipais – PJCCAP
QUADRO 5
2ª GESTÃO ADMINISTRATIVA – TOTAL DE EXPEDIENTES EM ANDAMENTO
DENÚNCIAS AO TJMG
PROCEDIMENTOS
REPRESENTAÇÕES
PICs e IPs + PCOs PENALIZAÇÕES
OFERECIDAS RECEBIDAS REJEITADAS
Dados até Dados até Dados até Dados até Dados até Dados até
11/11/2008 01/10/2008 27/02/2008 27/02/2008 27/02/2008 11/11/2008
939 + 393 =
2014 1332 331 143 81 3
O quadro abaixo é uma análise relativa entre as duas gestões, no que diz respeito ao
resultado da atividade do Ministério Público junto ao Tribunal de Justiça em relação à
penalização de prefeitos por crimes contra a ordem pública. Mas é bom deixar claro
QUADRO 6
1ª GESTÃO ADMINISTRATIVA X 2ª GESTÃO ADMINISTRATIVA
Procedimentos: Denúncias
PJCCAP Penalizações
PICs, IPs e
Oferecidas Recebidas Rejeitadas
PCOs
1ª Gestão –
2931 718 281 131 14
2001/2004
2ª Gestão –
1332 331 143 81 3
2005/2008
% 2ª em relação
45% 46% 50% 60% 20%
à 1ª
Fonte: Procuradoria de Justiça no Combate aos Crimes Praticados por Agentes
Políticos Municipais – PJCCAP
Fatos indicam que no início da 1ª Gestão Administrativa os crimes eram mais fáceis
de serem detectados, mas os criminosos foram se aprimorando. Como a persecução
penal mudou e a fiscalização aumentou, eles também mudaram a forma de atuar,
não usando mais empresas fantasmas. Atualmente o mais comum é fraude em
licitações com combinação prévia entre os administradores, prefeitos, servidores
públicos, licitantes e integrantes de comissão licitante e é intrincada a investigação,
é crime organizado, de mais difícil detecção.
6. Conclusão
Os fatos tidos como ilegais chegam ao Ministério Público das mais diferentes formas:
delação de populares, notícias da mídia, conhecimento pessoal do agente promotor
ou procurador de Justiça e, especialmente, através de análise da contabilidade do
município levada a efeito pelos Tribunais de Contas.
Para ingressar com ação penal contra quem quer que seja, o Ministério Público necessita
de apurar o que se chama de materialidade e autoria. Quando, todavia, o MP julga estar
o fato razoavelmente apurado, ingressa com processo criminal contra o prefeito.
12
Desde 1995, a ONG publica todo ano um índice de percepções da corrupção (CPD) classificando 180
países segundo a análise de um grupo internacional de empresários, especialistas e universitários. O
índice vai de dez para um Estado considerado “limpo” a zero para um Estado “corrupto”. O Brasil tem
nota 3,5 e aparece em 80º lugar. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL770206-
5602,00.html>. Acesso em: 23 set. 2008.
13
Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/media/imagens/2008/05/15/1425ac007.jpg/view>.
Acesso em: 25 mai. 2008.
Dessa forma, não obstante a boa vontade que geralmente motiva o Ministério
Público, a triste realidade é que a impunidade grassa no assunto em questão.
Crimes acontecem, mas poucas condenações existem. Quando chegam a existir,
dificilmente são acompanhadas da tão desejada restituição ao erário dos polpudos
valores auferidos pelos agentes políticos municipais.
31out. 2008.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas,
2007.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo:
Malheiros, 2001.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São
Paulo: Malheiros, 2004.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São
Paulo: Malheiros, 2001.
Jurisprudência • 513
Comentário à Jurisprudência
1. Probidade e moralidade
Aduz, ao depois:
Nos termos do art. 10, constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao
erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseja perda patrimonial,
desvio, apropriação, malversação ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades
referidas no art. 1º da citada Lei (administração direta, indireta ou fundacional de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados e do Distrito Federal, dos Municípios, de
Território, empresa incorporada ao patrimônio publico, ou entidade para cuja criação
ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou
da receita anual). Tutela-se aqui o patrimônio econômico-financeiro (erário).
Sem razão, portanto, Kiyoshi Harada, quando diz que a Lei nº 8.429/92 não tem por
objetivo (imediato ou não) coibir dano ao patrimônio público.(HARADA, 2005).
O enunciado da lei, neste dispositivo, é por demais aberto e pode gerar perplexidade,
especialmente se atentarmos para o fato de que nem todo ato ilegal é ímprobo: há
atos ilegais que não ferem a probidade. Esclareceremos melhor a afirmação quando
citarmos alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça.
O advogado Mauro Roberto Gomes de Mattos revolta-se contra o que ele denomina
de “excessivo caráter aberto” dos comandos legais da Lei de Improbidade e
recomenda que o Poder Judiciário tenha cautela na admissibilidade das ações de
improbidade (MATTOS, 2005).
Efetivamente, o caput do artigo 11 cinge-se a dizer que quem violar os princípios ali
elencados, por ação ou omissão, comete improbidade.
Ora, os princípios ali mencionados, por si sós, já são conceitos jurídicos indeterminados,
com campo de atuação não delimitada. Daí que a norma em apreço – caput do artigo
11 – pode levar à interpretação equivocada e à aplicação indevida, exagerada, com
graves conseqüências para o sujeito passivo da ação de improbidade.
Eis o pensamento de Maria Silvia Zanella Di Pietro (2003, p. 688-689) sobre o tema
em comento (necessidade de averiguar-se o elemento subjetivo na conduta):
Mônica Nicida Garcia entende que os atos de improbidade que causam lesão ao
erário (art. 10 da Lei nº 8.429/92) são a única espécie que admite a forma culposa,
“[...] devendo-se, por isso mesmo, entender que nas demais modalidades, por não ter
sido prevista a forma culposa, só se pune o ato dolosamente praticado”. (GARCIA,
2005, p. 263). Aduz, ainda, no que concerne aos atos de improbidade que atentam
contra os princípios da administração (art. 11), que a não previsão da forma culposa
constitui “lamentável lacuna”.
4. Conclusão
Dessa forma, nem todo ato ilegal (seja por ação ou omissão), especialmente os que
possam se subsumir à dicção do art. 11 da Lei de Improbidade, atentando contra os
princípios da administração pública, importarão em ato de improbidade.
DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas,
2003.
MELO, Lucinete Cardoso de. O princípio da boa-fé objetiva no Código Civil. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 523, dez. 2004. Disponível em: <www.jusnavigandi.
com.br>. Acesso em: 14 abr. 2005.
Após a descrição dos fatos apurados no inquérito civil nº 006/2008, foi proposta
pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com fundamento no artigo 5º,
§6º, da Lei Federal nº 7.347/85, a realização de ajustamento de conduta, o que foi
aceito pela Excelentíssima Prefeita Municipal, representante do Município de Betim,
regularmente assessorada pela Excelentíssima Procuradora-Geral do Município,
nos moldes abaixo fixados:
1
SRU Nº 0027.08.000081-6
Considerando que:
Considerando, nessa linha, ser ilícita a terceirização quando ocorrer mera locação
de mão-de-obra permanente por meio do contratado, transformando o servidor em
mercadoria, objeto do contrato; independentemente do vínculo ser estabelecido
com ONG, OSCIP, associação, qualquer entidade civil ou, ainda, empresa com fins
lucrativos.
Considerando que a terceirização deve ter por objeto uma atividade e, em nenhuma
hipótese, a delegação de um serviço público, o que “nem poderia ser de outra forma,
tendo em vista o art. 175, parágrafo único, da Constituição Federal expressamente
estabelece que ‘incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob
regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação a prestação de
serviços públicos.” 4
Considerando que:
3
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros Edi-
tores, p. 253-254.
4
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002,
p. 302.
Considerando que, sendo o serviço de caráter permanente e tendo a lei criado cargos
vocacionados para provimento efetivo, é, pois, descabido falar na substituição deles
por terceiro. 6
5
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Lumen
Iuris, 1997, p. 474.
6
OLIVEIRA, Regis Fernandes. Responsabilidade Fiscal. São Paulo: RT, 2001, p. 45.
7
OLIVEIRA, Regis Fernandes. Responsabilidade Fiscal. São Paulo: RT, 2001, p. 45.
Considerando que:
Considerando que a tutela jurídica preventiva, como forma de tutela inibitória, é a mais
recomendável em sede de compromisso de ajustamento de conduta às exigências
legais, sendo perfeitamente cabível a sua utilização como forma de se alcançar a
obediência constitucional e infraconstitucional do administrador público.
8
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1997,
p. 299
9
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1997,
p. 300.
10
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4. ed. São Paulo: Atlas,
1997, p. 300.
VI - Com a temporariedade 12
das contratações temporárias,
11
“Contratos temporários devem ter sempre prazo determinado”. CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de Direito Administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p. 497.
12
A temporariedade da função contratada, por sua vez, indica que “a necessidade desses serviços deve
ser sempre temporária. Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o recrutamento através
dos demais regimes. Está, por isso, descartada a admissão de servidores temporários para o exercício de
funções permanentes; se tal ocorrer, porém, haverá indisfarçável simulação, e a admissão será inteira-
mente inválida. Lamentavelmente, algumas Administrações, insensíveis (para dizer o mínimo) ao citado
pressuposto, tentam fazer contratações temporárias para funções permanentes, em flagrante tentativa de
fraudar a regra constitucional. Tal conduta, além de dissimular a ilegalidade do objetivo, não pode ter ou-
tro elemento mobilizador senão o de favorecer a alguns apaniguados para ingressarem no serviço público
sem concurso, o que caracteriza inegável desvio de finalidade”. CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de Direito Administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p. 497.
13
“O último pressuposto é a excepcionalidade do interesse público que obriga ao recrutamento. Empre-
gando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro
que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto,
pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio
regime especial [...]”. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p. 497.
14
Art. 13, §2º. O agente público motivará o ato administrativo que praticar, explicitando-lhe o fundamen-
to legal, o fático e a finalidade.
Nada mais havendo, foi lavrado o presente termo, que lido e achado conforme, foi
por todos assinado.
• Normas de
Publicação para
os Autores
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6. Todos os trabalhos serão submetidos à leitura de, pelo menos, dois conselheiros,
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7. Será prestada uma contribuição autoral pela licença da publicação dos trabalhos
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V - Todo destaque que se queira dar ao texto deverá ser feito com o uso de itálico.
Jamais deve ser usado o negrito ou a sublinha.
VIII - Trabalhos que exijam publicação de gráficos, quadros, tabelas ou qualquer tipo
de ilustração devem apresentar as respectivas legendas, citando a fonte completa
e sua posição no texto. Os arquivos devem ser encaminhados separadamente e,
sempre que possível, no formato original do programa de elaboração (por exemplo:
CAD, CDR, EPS, JPG, TIF, XLS) e as imagens, com alta definição (mínimo de 300
dots per inchs [DPIs]); para mapas ou micrografias, devem estar explícitas as marcas
de escala.
Oliveira e Leonardos (1943, p. 146) dizem que a “[...] relação da série São Roque
com os granitos porfiróides pequenos é muito clara”.
Outro autor nos informa que “[...] apesar das aparências, a desconstrução do
logocentrismo não é uma psicanálise da filosofia [...]” (DERRIDA, 1967, p. 293).
As citações de textos com mais de 4 linhas deverão ser feitas com recuo esquerdo
de 4,0 cm e tamanho de fonte 8, sem aspas.
X - As notas de rodapé devem ser feitas com fonte Times New Roman, corpo 8. As
notas de rodapé deverão conter somente anotações concernentes ao texto mas que
não se insiram no desenvolvimento lógico deste. Referências bibliográficas devem
ser colocadas ao final conforme modelo mostrado no item 4.
ASSIS, M. de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Virtual Books, 2000.
Disponível em: <http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/download/Memorias_
Postumas_de_Bras_Cubas.pdf>. Acesso em: 31 dez. 2004.
Articles submitted to the Journal Revista De Jure should be original and not previously
published in Brazil. Article length is a minimum of 15 pages and a maximum of 30
pages. Authors whose articles have been accepted will receive two copies of the
journal as authorial contribution.
Care should be taken to avoid plagiarism. Plagiarism can be said to have clearly
occurred when large chunks of text have been cut-and-pasted without appropriate
attribution. Such manuscripts will not be considered for publication in De Jure. The
use of small amounts of previously published works with appropriate attribution is
not, of course, problematic. The determination of whether a submission contains
plagiarized material shall be made solely within the discretion of De Jure editors,
whether they become aware of it through their own knowledge or research, or when
alerted by referees
All the articles of De Jure are peer-reviewed. All forms of published correction may
also be peer-reviewed at the discretion of the editors.
All submitted manuscripts will be read by the editorial staff and sent for formal review,
typically to two or three reviewers. The editors will then make a decision, based on
the reviewers' advice, from among several possibilities:
Submission
Authors who wish to submit articles must access the site www.mp.mg.gov.br/dejure,
fill in the form and upload the article in the format Microsoft Word for Windows.
Authors should preferably follow the guidelines below:
I – The paragraphs must be justified. Use <ENTER> for spacing. The space between
lines should be simple and the space between paragraphs should be also simple. Do
not use the rule for retreating. Use the font Arial, size 9. The top and bottom margins
should be 2.5 cm and the left and right margins should be 3.0 cm. The size of the
paper should be A4.
III – A list of bibliographical references must be provided at the end of the article (a
sample list of bibliographical references is provided at the end of this document).
IV – Articles should contain a brief heading at the beginning of each section, for
example as follows:
VIII – Any articles that have graphs, tables, or any other kind of illustrations must have
a respective legend, with the complete bibliographical reference. The files should be
sent separately in the original format of the illustration (for example: CAD, CDR, EPS,
JPG, TIF, XLS). Images should be of high definition (minimum of 300 dots per inchs
[DPIs]); maps must be drawn in scale and so indicate.
IX – Quotations with less than 4 lines can be made in two different ways:
Jakobs and McArthur (1943, p. 146) argue that “[...] due to eradication of infected
cattle and pasteurization of milk M. bovis (a zoonotic cause of tuberculosis) is rarely
seen in the United States.”
Quotations that exceed 4 lines should be in font Arial 8, without quotation marks and
with left retreat of 4 cm.
X – Footnotes: font Times New Roman 8. Footnotes should not be used for
bibliographical references. Rather, they should be used to comment on an idea that
is not part of the normal development of the text, but is a related issue. Bibliographical
references are dealt with as follows.
a) Book reference: The essential elements are: authors of the book, title of the book,
edition, place, publishing company, date of the publication.
O’LEARY, W. M. (Org.). Practical Handbook of Microbiology. 2nd ed. New York: CRC
Press, 1989.
b) Book (section or chapter): The essential elements are: authors of the section or
chapter, title of the section of chapter, authors of the book, title of the book, edition,
place, publishing company, date of the publication and pages of the chapter.
c) Book (electronic media): The essential elements are the same as those required
for published books or sections of a book, in addition to the electronic address and
date of the last access on-line.
ASSIS, M. de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 1st ed. São Paulo: Virtual Books
Publishing Co., 2000. Available at: <http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/
download/Memorias_Postumas_de_Bras_Cubas.pdf>. Acessed on: Dec. 31st,
2004.
BIARNÈS, J. The meaning of education in the societies from the XXI Century (the
example of the French School). Canadian Journal of Education, Ottawa, v. 6, n. 2, p.
107-128, jul./dec. 2004.
e) Journal (electronic media): The essential elements are the same required for
published journals, in addition to the electronic address and the date of the last
access on-line.
BIARNÈS, J. The meaning of education in the societies from the XXI Century (the
example of the French School). Canadian Journal of Education, Ottawa, v. 6, n. 2,
p. 107-128, jul./dec. 2004. Available at: <http://www.cssa.ca/marketing/cope/pdfs_
journals/cje_v6n2/eccosv6n2_jeanbianes_traddesire.pdf>. Acessed on: Dec. 31st ,
2004.
f) Academic work: The essential elements are: names of the author(s), title of
the academic work, presentation date, definition of the work (thesis, dissertation,
monograph, etc.), title obtained, academic institution (including the name of the
college or university), place of presentation and date.
HARIMA, H. A. The influence of glucan in the evolution of murine lupus. 1990. Thesis
(Doctorate) – São Paulo Medical College, Federal University of São Paulo, São
Paulo, 1990.