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Os sonhos: visões psicanalítica e neurocientífica – Cheniaux

Artigo de revisão

Os sonhos: integrando as visões


psicanalítica e neurocientífica

Elie Cheniaux*

INTRODUÇÃO entre corpo e mente. Segundo ele, os modelos


da psicanálise e da neurociência para os
O neurocientista e psicanalista Mauro sonhos, embora muito distintos entre si, não
Mancia1, num artigo publicado no International devem ser vistos como antagônicos ou
Journal of Psychoanalysis, em 1999, ressalta inconciliáveis, mas sim como complementares.
as diferenças entre as abordagens Reiser acredita que uma cooperação entre
neurocientífica e psicanalítica dos sonhos. esses dois campos do conhecimento poderia
Enquanto os neurocientistas se dedicam ao ser mutuamente enriquecedora.
estudo das estruturas e funções cerebrais Realizamos uma revisão bibliográfica a
envolvidas na produção do sonho, os respeito dos sonhos, na qual comparamos as
psicanalistas se interessam pelo significado visões da psicanálise e da neurociência, com o
deste, considerando os aspectos biológicos objetivo de identificar possíveis pontos de
irrelevantes para a sua compreensão. Todavia, contato e de divergência entre elas.
para outros autores, como o psiquiatra Morton Promovendo, assim, um diálogo entre a
Reiser2, o estudo dos sonhos representa uma psicanálise e a neurociência, teremos subsídios
grande oportunidade de exploração da relação para avaliar a viabilidade e a utilidade de uma
aproximação ou mesmo de uma integração
entre as duas no estudo da mente humana.
Iniciamos nossa pesquisa bibliográfica
* Professor adjunto, Faculdade de Ciências Médicas – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (FCM-UERJ), Rio de Janeiro, RJ. Médico, Instituto pelos trabalhos sobre os sonhos de Sigmund
de Psiquiatria – Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB-UFRJ), Rio Freud, criador da psicanálise, de James Allan
de Janeiro, RJ. Doutor em Psiquiatria, IPUB-UFRJ, Rio de Janeiro, RJ.
Pós-doutor, Programa de Engenharia de Sistemas e Computação, Área
Hobson, neurocientista que veementemente
Interdisciplinar de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia, critica a teoria freudiana, e de Mark Solms, um
Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia dos principais pesquisadores na área da
– Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE-UFRJ), Rio de Janeiro,
RJ. Membro associado e docente, Sociedade Psicanalítica do Rio de neuropsicanálise, disciplina científica recém-
Janeiro (SPRJ), Rio de Janeiro, RJ. criada que se ocupa da integração entre os

Recebido em 10/08/2005. Aceito em 26/02/2006. 169

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conceitos psicanalíticos e neurocientíficos. Com distorcida do conteúdo latente. Essa distorção


o auxílio das bases de dados MEDLINE, se dá, em primeiro lugar, porque no sono há
LILACS e PsycINFO, e utilizando como termo uma profunda regressão do funcionamento do
de busca “sonho” (ou dream), procuramos ego, que faz com que prevaleça o processo
artigos científicos sobre o tema. Também primário do pensamento. Este é caracterizado
consultamos diretamente alguns dos mais pelo predomínio das imagens visuais (em
importantes periódicos nacionais e estrangeiros detrimento da linguagem verbal) e pelos
das áreas de psicanálise e de neurociência em mecanismos de condensação (fusão de duas
bibliotecas e através da Internet, no portal ou mais representações) e de deslocamento
Periódicos da CAPES. Optamos por incluir (substituição de uma representação por outra).
preferencialmente artigos originais ou de Além disso, entre o inconsciente e o consciente
revisão recentes, ou então considerados existiria uma instância censora, que
clássicos na literatura científica. deliberadamente disfarçaria o conteúdo do
sonho, para que o sonhador não reconheça sua
A teoria freudiana sobre os sonhos origem pulsional, proibida3,4.

“A Interpretação dos Sonhos”, de 1900, é Algumas contestações à teoria freudiana


considerada a primeira obra propriamente
psicanalítica de Freud. Nesse trabalho, A teoria freudiana sobre os sonhos tem
particularmente no capítulo VII, já se encontra sido bastante contestada, dentro e fora da
uma teoria geral do aparelho psíquico, psicanálise. Questiona-se se as imagens que
formulada a partir dos estudos de Freud sobre percebemos durante o sono representariam
os sonhos, que são, segundo ele, a “via régia mesmo um disfarce ou distorção. Luborsky &
de acesso ao conhecimento do inconsciente na Crits-Christoph5 estudaram os sonhos de um
vida mental”3. grupo de pacientes utilizando o core conflictual
Para Freud, o sonho constitui “uma relationship theme method (CCRT), um
realização (disfarçada) de um desejo instrumento que avalia o padrão de
(reprimido)”. Possui um conteúdo manifesto, relacionamentos interpessoais de um indivíduo,
que é a experiência consciente durante o sono, tendo como base o relato deste. Comparando-
e ainda um conteúdo latente, considerado se os resultados da avaliação relativos apenas
inconsciente. Este é composto por 3 elementos: ao conteúdo manifesto do sonho com aqueles
as impressões sensoriais noturnas (por obtidos quando foram consideradas também as
exemplo, a sensação de sede durante o sono), associações livres do sonhador (que indicariam
os restos diurnos (registros dos acontecimentos o conteúdo latente do sonho), não foram
da véspera) e as pulsões do id (relacionadas a encontradas diferenças. Vários estudos
fantasias de natureza sexual ou agressiva). empíricos encontraram uma correlação
Esses elementos do sonho latente tendem a significativa entre a atividade mental durante a
fazer o indivíduo despertar. E, durante o sono, vigília e o conteúdo manifesto dos sonhos. Na
em função da completa cessação da atividade amostra de Greenberg et al.6, os problemas
motora voluntária, a repressão está sonhados eram basicamente os mesmos pelos
enfraquecida, o que aumenta a possibilidade quais os indivíduos estavam passando em suas
de as pulsões terem acesso à consciência. vidas diurnas. Smith7, por sua vez, observou
Todavia o sonho atua como “o guardião do que separação ou morte eram a temática
sono”. Em função de uma solução de predominante nos sonhos de pacientes
compromisso entre o id e o ego – que é a cardiopatas hospitalizados. Outros ensaios
instância que exerce a repressão –, é permitida clínicos demonstraram que estímulos
uma gratificação parcial das pulsões, apresentados anteriormente ao sono – como
diminuindo a força delas e, conseqüentemente, filmes, fotografias ou jogos de palavras –
possibilitando que o indivíduo continue a dormir. reaparecem claramente nos sonhos8.
Essa gratificação se dá através de uma fantasia Por outro lado, alguns autores não
visual (o conteúdo manifesto do sonho), que é o acreditam que seja possível recuperar o
resultado de um processo regressivo: o fluxo da conteúdo latente do sonho na sessão analítica.
energia psíquica, ao invés de seguir em direção Para eles, a associação livre ocasiona a
às vias motoras, retorna às vias sensoriais3,4. produção de um material novo, criado a partir
Ainda de acordo com Freud, o conteúdo da relação paciente-analista 9,10 . Blechner 10
manifesto dos sonhos é aparentemente afirma que muito do que é bizarro ou confuso
170 incompreensível porque consiste numa versão no sonho não resulta de repressão: são

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elementos originalmente extralingüísticos, que nessa fase do sono, que ela referisse ter estado
não podem ser expressos em palavras. Para sonhando. Em 1962, Jouvet demonstrou que o
Robbins11, os sonhos expressam puramente a traçado eletroencefalográfico durante o sono
linguagem do processo primário; portanto, a REM é muito semelhante ao da vigília:
atuação de uma instância censora, que refletiria dessincronizado (irregular) e com ondas
um pensamento racional (característico do rápidas (ritmo β). Em contrapartida, no sono
processo secundário), não seria possível. profundo, não-REM (NREM), em que não há um
Coloca-se em dúvida, ainda, a afirmativa aumento da atividade autonômica periférica,
de Freud de que desejos seriam os instigadores predominam um traçado sincronizado e os
de todos os sonhos. Para diversos autores1,12,13, ritmos δ e τ – daí ele ser conhecido também
os sonhos refletiriam não só os desejos e as como sono de ondas lentas (slow wave
defesas contra estes, mas a atividade mental sleep)1,21.
como um todo, e teriam inúmeras outras Hoje em dia se sabe que, embora os
funções além de descarga (da energia sonhos sejam muito mais comuns durante o
psíquica), como a solução de problemas sono REM, eles podem ocorrer também durante
(intelectuais ou emocionais)6,14,15, criatividade8, o sono profundo: estima-se que entre 25 e 50%
autoconhecimento1,16, integração da mente14,17, dos períodos de sono NREM estejam
adaptação17, aprendizagem8, neutralização do associados a sonhos21. Além disso, 5 a 30%
estresse8, entre outras. McCarley & Hobson18, dos períodos de sono REM cursam sem
por sua vez, argumentam que, embora possam qualquer sonho22. Todavia, dependendo da fase
estar presentes no sonho temas relacionados a do sono, as características dos sonhos são bem
desejos, isso não significa que estes diferentes. Comparados com os sonhos da fase
representem um fator causal no processo de NREM, os da fase REM são mais vívidos e mais
formação do sonho. Por fim, alguns bizarros, apresentam uma maior participação
autores 1,9,10,12,17,19,20 destacam a relação do sonhador e uma maior estruturação espacial,
paciente-terapeuta e a transferência como os são mais facilmente lembrados e relatados com
componentes principais na formação dos um número maior de palavras. Já os sonhos do
sonhos durante o tratamento. sono NREM são mais conceituais do que
Em contrapartida à importância que Freud plásticos, compostos por fragmentos da
dava aos sonhos para a investigação da mente, realidade não organizados e não narráveis,
o interesse por estes entre os psicanalistas tem raramente são lembrados e apresentam uma
diminuído significativamente nas últimas participação mais passiva do sonhador1,21.
décadas. Kantrowitz17, estudando o currículo Durante o sono REM, o fluxo sangüíneo
de 28 institutos psicanalíticos americanos, cortical é maior do que no sono de ondas lentas
constatou que o número total de horas e, às vezes, maior até do que na vigília 23.
dedicadas ao estudo dos sonhos em cursos Estudos de tomografia por emissão de pósitrons
clínicos e teóricos no biênio 1998-1999 foi muito (PET scan) mostram que, durante o sono REM,
menor do que em 1980-1981. Para muitos estão ativados o córtex visual extra-estriatal
analistas, os aspectos intrapsíquicos trazidos (associativo) e as regiões límbica e paralímbica;
pelos sonhos podem ser igualmente obtidos estando, ao mesmo tempo, desativados o
por meio do estudo de sintomas, traços de córtex visual estriado (primário) e o córtex pré-
caráter, atos falhos ou associações livres10,17. frontal. Vários aspectos característicos do
sonho podem ser relacionados a estes achados:
Os aspectos neurofisiológicos do sono a riqueza de imagens visuais, à ativação do
córtex visual associativo e desativação do
Na década de 1950, Nathaniel Kleitman e primário; a intensa expressão emocional, à
seus alunos William Dement e Eugene ativação das regiões límbica e paralímbica; e a
Aserinsky descreveram pela primeira vez o bizarrice, incoerência, perda da crítica e
sono paradoxal, ou sono REM 1,2. Este, que esquecimento, à desativação do córtex pré-
compreende no adulto cerca de 20% do tempo frontal1,24,25.
total de sono, é caracterizado pela ocorrência Acredita-se que a consciência da vigília
de movimentos oculares rápidos (rapid eye seja mediada pela noradrenalina e pela
movements, daí a sigla), perda do tônus serotonina, e a consciência do sonho (do sono
muscular, freqüências cardíaca e respiratória REM), pela acetilcolina 24,25 . A atividade
irregulares e oscilações na pressão arterial aminérgica (noradrenalina e serotonina) está
sistêmica. Esses autores detectaram ser muito elevada durante a vigília, diminui durante o sono
comum, quando uma pessoa era despertada NREM e se encontra ausente no sono REM. Já 171

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a atividade colinérgica é máxima no sono REM hipocampo e no córtex cerebral durante o sono
e na vigília e mínima ou ausente durante o sono REM, o que não ocorreu com os animais-
NREM. Recentemente, descobriu-se que as controle 34.
hipocretinas desempenham um importante Contudo, há questionamentos quanto ao
papel no ciclo sono-vigília: apresentam papel do sono na consolidação da memória.
atividade máxima durante a vigília e ausente Para Vertes32, parece um contra-senso que o
durante o sono, tanto no REM como no sono, sendo um estado eminentemente
NREM26,27. amnéstico, tenha esse papel. Além disso, sabe-
se que a consolidação de algumas formas de
Consolidação da memória durante o sono memória se dá também durante a vigília28.
Em cerca de metade dos estudos de privação
Para grande parte dos neurocientistas, os do sono com animais, os resultados não
sonhos não têm qualquer função: são apenas evidenciaram um déficit de aprendizagem32, e em
um efeito colateral de processos de diversos experimentos com humanos submetidos
consolidação da memória dependentes do a atividades pré-sono de treinamento, não se
sono, a manifestação consciente destes 27 . observou uma duração aumentada do sono
Diversos dados indicam que o sono é REM31. Por outro lado, critica-se a metodologia de
fundamental para a memória e a vários estudos com ratos, pois tanto o treinamento
aprendizagem. Em primeiro lugar, durante o como a privação do sono costumam provocar
sono REM, predomina a atividade colinérgica, estresse, o qual, por sua vez, pode causar um
sendo que a acetilcolina está claramente prolongamento do sono REM e também prejuízo
envolvida nas funções cognitivas28. Em vários na aquisição de novas memórias28,31,32. Também
estudos experimentais, alguns feitos com merece destaque a observação de que os
ratos, outros com humanos, observou-se que antidepressivos inibidores da mono-amino-
a privação do sono REM ocasionava um oxidase, largamente prescritos num passado
prejuízo na aprendizagem de habilidades recente, embora causem eliminação do sono
perceptivas ou perceptivo-motoras (memória REM, nunca foram relacionados a um déficit de
implícita), treinadas pouco antes do memória31,32.
adormecer27,29,30. Em outros estudos, em que Siegel 31 argumenta que, se o
os animais ou humanos foram submetidos a reaparecimento da atividade neuronal da vigília
um treinamento desse tipo, mas não foram durante o sono estivesse implicado na
privados do sono, detectou-se um aumento da consolidação das memórias dos eventos
duração total do sono REM28,31. Tal aumento diurnos, os sonhos seriam cópias fiéis destes.
só ocorria quando a tarefa era de fato Mas não parece ser assim. Fosse et al. 35
a p r e n d i d a 28. D i a n t e d i s s o , p a s s o u - s e a examinaram o conteúdo de um total de 299
acreditar numa relação entre o sono REM e a relatos de sonhos de 29 voluntários. Embora
consolidação da memória implícita 32. 65% dos sonhos estivessem relacionados a
Por outro lado, um ensaio clínico experiências pessoais recentes, apenas 1,4%
evidenciou uma diminuição na capacidade de deles continha elementos que pudessem ser
aquisição de memórias explícitas em indivíduos considerados uma repetição dessas
privados do sono NREM 30 . Em estudos experiências.
eletroencefalográficos realizados com ratos, Segundo Francis Crick – ganhador do
pássaros e humanos, constatou-se que padrões prêmio Nobel por suas pesquisas sobre o DNA
de disparos de determinados neurônios do – e Graeme Mitchison36, sonhamos não com as
hipocampo registrados na vigília, enquanto se memórias que estão sendo consolidadas, mas
treinavam tarefas cognitivas (memória com aquelas que estão sendo apagadas. Para
explícita), reapareciam durante o sono. Esse eles, o sono REM é necessário para a
fenômeno de reativação neuronal, ou eliminação de informações erradas ou inúteis
reverberação, ocorre predominantemente no armazenadas no cérebro. O sonho seria um
sono NREM, mas também é observado no sono reflexo de um processo de aprendizagem
REM e mesmo durante a vigília28,33,34. reversa, no qual determinadas sinapses são
Experiências com ratos evidenciaram que enfraquecidas. Embora esta formulação não
aqueles expostos algumas horas antes de tenha recebido muito apoio nos meios
dormir a ambientes não-familiares acadêmicos, ela é freqüentemente citada e
apresentaram um aumento da expressão do parece ser coerente com o fato de os sonhos
gene zif-268 – particularmente envolvido em retratarem eventos bizarros ou irreais, os quais
172 processos de neuroplasticidade – no precisariam ser eliminados da memória 32.

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A teoria de ativação-síntese estreitamente relacionada à formação das


imagens do sonho. Contudo, em outros
A teoria de ativação-síntese, de Hobson & pacientes, a eliminação dos sonhos se deveu a
McCarley, apresentada como uma contestação uma lesão no quadrante ventromedial do lobo
à teoria psicanalítica sobre os sonhos, tem sido frontal. Essa região, por sinal, era a acometida
amplamente aceita entre os neurocientistas nas nas cirurgias de leucotomia pré-frontal, muito
últimas duas décadas 22. No sono REM, em utilizadas no passado no tratamento da
função de uma diminuição da atividade esquizofrenia e que comumente levavam a um
aminérgica, ocorre uma desinibição do sistema prejuízo no sonhar.
colinérgico, especialmente na ponte. Isso faz Pelo quadrante ventromedial do lobo
com sejam geradas periodicamente as ondas frontal, passam fibras do sistema
ponto-genículo-occipitais (PGO), detectadas no dopaminérgico mesolímbico-mesocortical, o
eletroencefalograma do sono REM, as quais, qual envolve a área tegmentar ventral do
para os dois autores, são os estímulos básicos mesencéfalo, o núcleo acumbente, o
dos sonhos. Elas se originam na ponte, hipotálamo, o córtex pré-frontal e o córtex
propagam-se para o corpo geniculado lateral cingulado anterior. De acordo com Solms22,
do tálamo e chegam ao córtex visual (occipital), esse sistema é o gerador do sonho. Estudos de
ativando-o. Dessa forma, com base nos traços PET scan mostram um aumento da atividade
de memória visual armazenados, são nesse circuito durante o sono REM 23,40. Além
produzidas as imagens do sonho. Como essa disso, agonistas dopaminérgicos, como o L-
ativação cortical se dá de forma aleatória, são Dopa, podem causar sonhos especialmente
formadas imagens caóticas, as quais, num vívidos e pesadelos. Tais achados reforçam a
segundo momento, sofrem um processo de antiga concepção de uma ligação entre sonho e
síntese, construindo, assim, uma narrativa “loucura” – em ambos há alucinações, perda do
seqüencial. Portanto, de acordo com a teoria, juízo crítico, etc. –, já que existe uma clara
os sonhos nascem, no tronco cerebral, sem correlação entre hiperatividade dopaminérgica
qualquer significado; eles não estão e ocorrência de sintomas psicóticos22,23.
disfarçando nada, pelo contrário, expressam de O sistema mesolímbico-mesocortical está
forma transparente a atividade cerebral24,37,38. relacionado aos estados motivacionais, os
quais instigam comportamentos que visam à
O sistema dopaminérgico mesolímbico- satisfação das necessidades biológicas, como
mesocortical e o resgate da teoria o beber, o comer e o copular. Substâncias
freudiana estimulantes e que causam dependência, como
cocaína e anfetamina, atuam nesse circuito,
Mark Solms22,39 apresenta uma teoria que causando um aumento na liberação de
é, ao mesmo tempo, uma crítica à teoria de dopamina no núcleo acumbente, o que, por sua
ativação-síntese e uma tentativa de vez, leva a uma sensação de prazer22. Um outro
confirmação da formulação freudiana sobre os elemento que indica uma relação entre esse
sonhos. Segundo ele, o sono REM e o sonho sistema dopaminérgico e o sonhar é a alta
são estados dissociáveis: um pode ocorrer sem freqüência com que dependentes químicos em
o outro. Pode haver sonhos na fase NREM do abstinência sonham estar buscando ou usando
sono, e 5 a 10% destes são indistinguíveis dos drogas41.
sonhos da fase REM. Além disso, focos Na concepção de Solms22, o sono REM e o
epilépticos em regiões têmporo-límbicas, ou sonho são controlados por mecanismos
seja, fora do tronco cerebral, podem causar biológicos diferentes: o primeiro, pela atividade
pesadelos estereotipados recorrentes, colinérgica da ponte; e o segundo, pelos
tipicamente durante o sono NREM. Dos 22 circuitos dopaminérgicos do cérebro anterior.
pacientes estudados por ele que apresentavam Estes são a via final comum de várias formas
uma lesão na ponte e, conseqüentemente, de estimulação cerebral. As ondas PGO
perda total ou parcial do sono REM, 18 freqüentemente exercem esse papel de
mantinham a capacidade de sonhar. Por outro estimulação cerebral, mas não de forma
lado, Solms aponta que, na literatura científica, exclusiva. Ainda segundo Solms, o
já foram registrados mais de 100 casos de envolvimento na geração dos sonhos do
eliminação do sonhar provocada por lesões no sistema mesolímbico-mesocortical, claramente
cérebro anterior que preservaram a ponte e o relacionado ao que a psicanálise chama de
sono REM. Na maioria desses casos, foi afetada pulsões, parece confirmar a afirmativa de Freud
a área da junção parieto-têmporo-occipital, quanto a um desejo ser o instigador do sonho. 173

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O papel do sonho na elaboração psíquica intensidade estão presentes, tal padrão,


de experiências traumáticas embora menos evidente, persiste.
Revonsuo 15, por sua vez, baseou-se na
Em “A Interpretação dos Sonhos”, Freud3 teoria da evolução para tentar explicar os
argumenta que mesmo os pesadelos não sonhos. Ele partiu das seguintes premissas:
contradizem a formulação de que os sonhos para os primeiros humanos, a vida era curta e
são realizações de desejos. Segundo ele, nesse cheia de ameaças; os eventos traumáticos
caso, apesar da censura onírica, o conteúdo freqüentemente são expressos nos sonhos; e
latente consegue chegar à consciência pouco os sonhos são fundamentais no processo de
deformado e é reconhecido pelo ego. Este aprendizagem. De acordo com sua hipótese, a
então reage produzindo a ansiedade, com o função dos sonhos é simular experiências
objetivo de despertar o indivíduo. Freud cita traumáticas ou ameaçadoras que foram
ainda uma variante, os sonhos de punição, nos anteriormente vivenciadas durante a vigília. Tal
quais o ego antecipa a culpa (pela realização simulação, segundo ele, leva a uma melhora no
do desejo reprimido), e o conteúdo manifesto desempenho do indivíduo em relação à
está representando uma fantasia de punição. detecção e enfrentamento de ameaças, o que,
Seria, portanto, a realização de um desejo do conseqüentemente, aumenta a sua sobrevida e
superego, e não do id. chances de procriação.
Mais tarde, porém, em “Além do Princípio Diversos autores9,14,19,20,44 acreditam que os
do Prazer”, de 1920, o próprio Freud42 aponta sonhos são de grande importância para a
uma importante exceção à sua formulação: os elaboração de traumas e conflitos psíquicos e
sonhos repetitivos que sucedem eventos têm um papel terapêutico, semelhante ao da
traumáticos e os que evocam traumas da psicoterapia. Para explicar esse processo de
infância não são realizações de desejos. Tais elaboração, o seguinte modelo da neurociência
sonhos, de acordo com ele, obedecem à computacional tem sido utilizado. Acredita-se
compulsão à repetição, que seria algo mais que, no sonho, as redes neurais se conectem
primitivo do que o princípio do prazer (e com mais facilidade do que durante a vigília 43.
independente deste), e têm como função a Todavia, essas conexões não são feitas de
sujeição ou dominação das excitações forma aleatória: as emoções seriam os
relacionadas à recordação do trauma. organizadores das redes neurais. Em outras
Para Ernest Hartmann 43 , contudo, os palavras, as representações tendem a se
pesadelos não são uma exceção; ao contrário, associar a outras que possuam a mesma
constituem o paradigma de todos os sonhos. conotação afetiva2,43. Isso está de acordo com a
Ele estudou os sonhos de pessoas que regra de aprendizagem de Hebb, que diz que “a
passaram por experiências traumáticas força de uma conexão sináptica entre dois
importantes e observou que, no início, muitas neurônios aumenta sempre que os neurônios
vezes havia uma mera repetição do trauma; são ativados ao mesmo tempo por uma fonte
mais tarde, contudo, os sentimentos de medo, externa”. Enquanto dormimos, as experiências
vulnerabilidade, culpa ou pesar continuavam recentes são primeiro emparelhadas com
presentes nos sonhos, mas num contexto eventos mais remotos, com os quais possuam
inteiramente diferente. Por exemplo, sonhar alguma similaridade, para em seguida serem
estar sendo atingido por uma onda gigante ou integradas aos registros permanentes de
um furação era muito comum, memória 45. Dessa forma, a lembrança de um
independentemente de como tivesse sido o trauma (da infância ou recente) se associa a
verdadeiro trauma. Os sonhos desses outras recordações, o que a torna menos
indivíduos continham não os estímulos poderosa e perturbadora43.
sensoriais relativos ao evento traumático, mas
sim a emoção vivenciada. Segundo o autor, os DISCUSSÃO
sonhos contextualizam a emoção dominante,
expressando-a através de uma representação Os sonhos podem ser definidos como
pictórica. Para Hartmann, esse mesmo padrão estados da consciência que ocorrem durante o
é encontrado nos sonhos de pessoas que não sono. Mas ainda sabemos muito pouco sobre
sofreram traumas importantes, mas que estão eles. Na edição comemorativa da revista
experimentando uma emoção intensa, como em Science, relativa ao seu 125º aniversário, é
situações de estresse em geral. Ele afirma apresentada uma lista de 125 questões ainda
ainda que, quando não há uma emoção não respondidas pela ciência e que irão desafiar
174 dominante, e várias emoções de menor os pesquisadores no próximo quarto de século.

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Entre elas, foram incluídas as seguintes: “qual psicanalítico. O desenvolvimento de múltiplas


é a base biológica da consciência?”; “por que associações para a representação do trauma
dormimos?”; e “por que sonhamos?”46. corresponderia à incorporação desta ao
A hipótese de Freud de que os desejos são pensamento do processo secundário, o qual é
os instigadores dos sonhos encontra agora racional e obedece à lógica e ao princípio da
algum respaldo na proposição de Solms22 de realidade. Incrementar a modalidade de
uma relação entre sonhos e ativação do sistema pensamento do processo secundário em
dopaminérgico mesolímbico-mesocortical. Esse detrimento do pensamento do processo
autor, como vimos, baseou-se na observação primário representa um fortalecimento da
de pacientes com lesões no cérebro anterior, capacidade do ego de dominar o id, o que, por
em estudos de PET scan no sono REM, no sua vez, consiste num dos principais objetivos
efeito de agonistas dopaminérgicos sobre os do tratamento analítico48.
sonhos e na existência de diversos aspectos Freud 3, em 1900, afirma que tanto o
em comum entre sonhos e psicose. Todavia, pensamento irracional como o racional
algumas dúvidas ainda pairam sobre essa participam da elaboração do sonho. Robins11
questão. Por exemplo, faltam dados na discorda, afirmando que os sonhos expressam
literatura científica sobre como os unicamente o pensamento do processo
antipsicóticos, que são antagonistas primário; o relato deles é que está relacionado
dopaminérgicos, afetam os sonhos, tanto em ao processo secundário. Mas o neurocientista
indivíduos normais como em psicóticos. Além Claude Gottesmann23 atesta que os sonhos da
disso, os sonhos e a mais importante das fase NREM do sono se assemelham ao
psicoses, a esquizofrenia, possuem diferenças pensamento do processo secundário.
marcantes do ponto de vista fenomenológico: Surge aqui uma questão: se os sonhos são
enquanto os sonhos são constituídos terapêuticos por ocasionarem uma ampliação do
basicamente por imagens visuais, na campo de atuação do ego e incremento do
esquizofrenia predominam as alucinações pensamento do processo secundário, como eles
auditivas, sendo bem mais raras as visuais. E se apresentam com características do
não se pode esquecer que o próprio Freud42 pensamento do processo primário? Na seção D
reconheceu a existência de exceções à sua do capítulo VII de “A Interpretação dos Sonhos”,
regra: os sonhos repetitivos pós-traumáticos. Freud3 diz que a transformação de pensamentos
Já a concepção de que uma instância em imagens visuais favorece a ligação com
censora deturpa os sonhos tem encontrado pensamentos que sofreram o mesmo processo
pouco apoio. Robins11 defende que o conteúdo de transformação. Talvez o sonho represente
manifesto é o próprio sonho, visto que o córtex uma parte apenas do processo de elaboração
pré-frontal, que seria fundamental em qualquer psíquica que ocorre durante o sono. Embora o
mecanismo mental de disfarce dos sonhos, aumento do número de associações das
encontra-se inativado durante a fase REM do representações mentais se dê durante grande
sono. parte – ou a totalidade – do sono, apenas durante
Por outro lado, a visão de muitos os sonhos, principalmente na fase REM, chegam
neurocientistas, como Hobson & McCarley37, de à nossa consciência informações sobre esse
que os sonhos não possuem significado é processo. Como durante o sono REM o córtex
desafiada pela constatação de quanto as pré-frontal – fundamental para a atenção e o
emoções experimentadas durante a vigília pensamento racional na vigília – está inativado,
determinam o conteúdo dos sonhos, como a nossa consciência só é capaz de funcionar de
descrito no trabalho de Hartmann 43 . Os acordo com o processo primário e, assim, só
aspectos emocionais das recordações são capta de forma parcial o processo que está se
codificados como memórias implícitas 47 , as desenrolando. Em outras palavras, embora
quais provavelmente são consolidadas durante durante o sono estejam sendo criadas novas
o sono REM32. E segundo Stickgold et al.27, o associações entre as idéias, só conseguimos
sono REM pode incrementar o processamento sonhar com condensações ou deslocamentos.
de memórias emocionais. Tudo isso é bastante Pelo que vimos, o diálogo entre a
coerente com a hipótese de que as emoções neurociência e a psicanálise sobre os sonhos
exercem um papel fundamental na formação pode ser bastante profícuo: proposições da
dos sonhos. psicanálise têm inspirado e guiado
O modelo da neurociência computacional investigações neurocientíficas, e achados da
sobre o papel dos sonhos na elaboração neurociência têm sido úteis para um maior
psíquica é bastante semelhante ao modelo refinamento da teoria psicanalítica. 175

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Os sonhos: visões psicanalítica e neurocientífica – Cheniaux

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Os sonhos: visões psicanalítica e neurocientífica – Cheniaux

um desejo (reprimido)”. Para muitos neurocientistas, However, several studies associate the emotions
eles são formados a partir de estímulos aleatórios experienced during waking with the content of dreams.
originados na ponte e não possuem qualquer The hypothesis that the dopaminergic mesolimbic-
significado. Contudo, diversos estudos associam as mesocortical system, which is associated with
emoções experimentadas durante a vigília e o instinctual appetitive craving states, is essential to the
conteúdo dos sonhos. A hipótese de que o sistema formation of dreams brings some endorsement to
dopaminérgico mesolímbico-mesocortical, Freudian theory. Nevertheless, there is no empirical
relacionado aos estados motivacionais, é essencial data to support the existence of an instance of
para a formação dos sonhos dá algum respaldo à censorship that distorts the dreams. It is possible that
teoria freudiana. Todavia, não há dados empíricos the dreams play a role in psychological working-
que apóiem a existência de uma instância censora through of traumatic memories. In our opinion,
que deturpe os sonhos. É possível que os sonhos psychoanalytic and neuroscientific views about
exerçam um papel na elaboração psíquica de dreams can be complementary and mutually
lembranças traumáticas. Na nossa opinião, as visões enriching.
psicanalítica e neurocientífica sobre os sonhos podem
ser complementares e mutuamente enriquecedoras. Keywords: Dream, sleep stages, psychoanalysis,
neurophysiology, literature review.
Descritores: Sonho, fases do sono, psicanálise, Title: Dreams: integrating psychoanalytic and
neurofisiologia, literatura de revisão. neuroscientific views

Correspondência:
ABSTRACT Elie Cheniaux
Rua Santa Clara, 50/1213, Copacabana
A comprehensive review was carried out about CEP 22041-010
psychoanalytic studies and the most recent Rio de Janeiro, RJ
neuroscientific researches about dreams. According Tel.: (21) 2547-0670
to Freud, dreams represent “a (disguised) fulfillment E-mail: echeniaux@globo.com
of a (repressed) wish.” For several neuroscientists,
they are formed based on random stimuli originated Copyright © Revista de Psiquiatria
from the brainstem and do not have any meaning. do Rio Grande do Sul – SPRS

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