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Por que Estudar Memória?

Daniele Branco

Todas as pessoas possuem uma história. Uma história com fatos, emoções,
percepções do mundo a nossa volta, conceitos e hábitos aprendidos, rotinas e
aprendizados motores, entretanto, a quantidade de informações é tão massiva que é
muito maior do que podemos absorver com nossa memória. Alguns questionamentos
surgem nesse contexto: Existiria um centro da memória no sistema nervoso? Ou
seriam várias regiões responsáveis? Quais seriam os mecanismos responsáveis por
esses processos? Veremos que não existe um único mecanismo ou única estrutura
responsável pela memória.

Nosso primeiro passo é diferenciar dois termos que geralmente são utilizados
como sinônimos: aprendizagem e memória. Quando falamos em aprendizagem
estamos nos referindo ao processo de aquisição da informação, ou seja, a primeira
etapa do processo. Já quando falamos de memória, estamos nos referindo à
persistência do processo de aprendizagem de forma que ela possa ser acessada em
algum momento posterior.

Sequência de processos

Agora vamos entender as sequências de processos que envolvem o


armazenamento de memória.

1 – Aquisição

Consiste na entrada de um evento qualquer nos sistemas neurais ligados à


memória. Podemos entender “evento” qualquer coisa que possa ser memorizável.
Podemos pensar nas vivências do dia a dia: objetos que vemos, sons ou cheiros do
ambiente ou rostos de pessoas que passam, por exemplo.

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2 – Seleção

Os eventos são múltiplos e complexos, portanto, nosso sistema nervoso


precisa selecionar. A seleção de informações que podem se tornar memórias ocorre,
principalmente, devido a um mecanismo atencional chamado de “top-down”. Este
mecanismo é capaz de direcionar conscientemente a atenção a um subconjunto de
características de determinados estímulos, por meio da alteração do processamento
cortical de modo associativo para modo de entrada

3 – Retenção

Os processos relacionados a cada evento ficam disponíveis para serem


lembrados. Esse pode ser um processo temporário. Quando se assiste um episódio
de uma série, no mesmo dia você consegue contar vários detalhes da trama para
alguém. No dia seguinte, só lembra de alguns detalhes gerais da série e um ano
depois pode não se lembrar direito do tema da série. O tempo de retenção é limitado
pelo processo de esquecimento e pode variar de pessoa para pessoa. Processo finito
e restrito a alguns fatos por vez.

4 – Consolidação

Um evento é memorizado durante um tempo prolongado e pode ser


permanente. Varia de acordo com processo de distração individual. Tentar memorizar
um número de telefone com pessoas falando sequencias de números aleatórios perto
torna o processo mais complexo. Quando é dada uma sequência de números
geralmente lembramos mais os primeiros e os últimos.

5 – Evocação

Através do qual temos acesso à informação armazenada para utilizá-la


mentalmente na cognição e na emoção, ou para exteriorizá-la através do

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comportamento. No momento da evocação, o cérebro deve recriar, de forma quase
instantânea, memórias que levaram horas para ser formadas. Em muitas situações,
a evocação está inibida por diversos mecanismos, mas quando essa inibição é
resolvida, a evocação ocorre rapidamente, às vezes em forma muito detalhada. Para
evocar uma memória é preciso recriá-la utilizando o maior número possível de
sinapses relacionadas aos estímulos dessa memória.

6 – Esquecimento

A maioria de tudo que aprendemos, de todas as memórias que formamos na


vida se extingue ou se perde. Sem o esquecimento o convívio dos indivíduos seria
impossível.

“Brancos” - Seu mecanismo obedece a uma descarga de corticoides da suprarrenal,


como ocorre habitualmente em momentos de estresse ou alta ansiedade. Os
corticoides agem diretamente sobre receptores próprios no hipocampo e
indiretamente estimulando mecanismos na amígdala.

“Extinção” - Não é uma forma de esquecimento. É a inibição da evocação. A


instalação da extinção, requer síntese proteica, assim como a consolidação do
aprendizado original. Extinção não significa esquecimento: as memórias extintas
podem ser “trazidas à tona” de diversas formas; as memórias esquecidas não.

“Repressão” - Fenômeno que a Psicanálise denominou repressão. Trata-se de


memórias que o indivíduo simplesmente decide ignorar, e cuja evocação suprime,
muitas vezes durante décadas. São aquelas memórias que decidimos tornar
inacessíveis, cujo acesso bloqueamos. O conteúdo dessas memórias compreende
episódios desagradáveis ou simplesmente inconvenientes. A repressão pode ser
voluntária, mas, na imensa maioria das vezes, é involuntária ou inconsciente, e o
cérebro reprime espontaneamente memórias que considera que poderiam nos ser
desagradáveis ou prejudiciais.

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Classificações da memória

As classificações das memórias não devem ser tomadas ao pé da letra, a


maioria se constitui de misturas de memórias de vários tipos, e/ou misturas de
memórias antigas com outras que estão sendo adquiridas ou evocadas no momento.

1 - Classificação em relação ao tempo de retenção

a) Ultrarrápida (Imediata – sensorial) – memória pré-consciente. Estímulos


provocados pelo ambiente são levados ao encéfalo por meio dos receptores
periféricos. Assim que alcançam o encéfalo, estas informações são retidas
brevemente, por cerca de segundos, até serem dirigidas as regiões dos córtex
visual, auditivo, somatossensorial, dentre outros, onde sofrerão a codificação.
b) Curta duração (de 1 a 6 horas) – garante o sentido de continuidade do
presente. Referem-se à restrita quantidade de informações que alcançaram a
consciência de um indivíduo e que podem ser por retidas por um período curto.
Enquanto a memória ultrarrápida capta estímulos perceptuais por alguns
segundos para que posteriormente sejam processadas, a de curto prazo lida
com informações já processadas e retém os conteúdos declarativos e/ou
procedimentais até serem descartados.
c) Longa duração (horas, dias ou anos) – garante o registro do passado
autobiográfico e dos conhecimentos do indivíduo. Várias regiões do sistema
nervoso estão envolvidas nesse tipo de memória. Este tipo de memória se
distingue devido à ilimitada capacidade de retenção. Estas características são
observadas, pois, os mecanismos atencionais (responsáveis por filtrar a
relevância e o prazo de retenção dos conhecimentos adquiridos) recebem um
aporte consciente para que aquela informação seja reproduzida quando for
necessário.

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2 - Classificação em relação à sua natureza

a) Memória explícita ou declarativa – tudo que pode ser evocado por palavras ou
outros símbolos.
b) Memória implícita ou não-declarativa – não precisa ser descrita por palavras.
c) Memória operacional ou de trabalho – permite o raciocínio e o planejamento
do comportamento.

2a) Memória explícita ou declarativa:

A formação da memória de longa duração pelo hipocampo (e outras regiões)


leva pelo menos 6 horas. Nesse período o processo é frágil e suscetível às
modificações. Portanto, injúrias que podem ocorrer nesse período podem
interromper as fases iniciais da consolidação, cancelando o processamento das
memórias iniciado poucos minutos antes. Exemplos de injúria: intoxicação
alcoólica, traumatismo craniano, eletrochoque, entre outros. Uma liberação
moderada de hormônios do estresse (adrenalina, corticoides) nos minutos
seguintes à aquisição pode melhorar a consolidação; uma liberação excessiva,
pode resultar em amnésia.

A1) Semântica – Envolve conceitos atemporais. Memória compartilhada (faz parte


da cultura). Exemplo: aprendizados da escola.

A2) Episódica – Envolve eventos datados (relacionados ao tempo), específica do


indivíduo, autobiográfica. Exemplos: dia do casamento, nascimento do primeiro
filho etc.

2b) Memória implícita ou não-declarativa:

B1) Memória de representação perceptual – corresponde à imagem de um evento


(antes da compreensão do que ele significa).

B2) Memória de procedimentos – são os hábitos, habilidades e regras em geral.

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B3) Associativa (Relacionadas a algum tipo de resposta ou comportamento) –
Condicionamento clássico (aprendemos que uma determinada ação que
realizamos pode estar associada a uma experiência positiva - um reforço ou
recompensa, ou então a uma experiência negativa - uma punição. O resultado é
que realizamos mais vezes a ação reforçada, e menos vezes a ação punida.
Condicionamento operante (Aprende-se que um determinado comportamento
está associado a uma determinada consequência. A motivação tem um papel
importante no condicionamento operante e os circuitos neurais envolvidos são
mais complexos).

B4) Não-associativa (A forma não associativa de aprendizagem depende de


repetição, que é na verdade uma estratégia que empregamos para memorizar
algo.) – Habituação (resposta reduz com a repetição) e Sensibilização (resposta
aumenta com a repetição).

2c) Memória operacional ou de trabalho:

Se diferencia das demais porque não deixa traços e não produz arquivos. É
processada pelo córtex pré-frontal (região anterior do lobo frontal do telencéfalo)
e suas conexões com a amígdala (região temporal) e o hipocampo (região
temporal). As células que detectam o início e o fim dos acontecimentos
denominam-se neurônios on e neurônios off, encontrados não só no córtex pré-
frontal como também em todas a vias sensoriais. Não deixa traços neuroquímicos
ou comportamentais. Os principais neurotransmissores moduladores da memória
de trabalho no córtex pré-fontal são a acetilcolina e a dopamina. Permite o ajuste
fino do comportamento enquanto este está acontecendo.

Áreas relacionadas à memória

Um paciente conhecido como H. M. foi submetido à remoção bilateral do


hipocampo e regiões vizinhas no lobo temporal. Esse caso se tornou referência no

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estudo da memória. O paciente ficou incapaz de formar novas memórias. Ele
conseguia guardar sequências de 3 números por até 15 minutos, mas se tivesse sua
atenção desviada, a informação era imediatamente perdida.

As memórias são feitas por células nervosas, se armazenam em redes de


neurônios e são evocadas pelas mesmas redes neuronais ou por outras. São
moduladas pelas emoções, pelo nível de consciência e pelos estados de ânimo. No
cérebro humano existem por volta de 86 bilhões de neurônios. Desses, 200 milhões
são células piramidais encontradas no hipocampo (região temporal do telencéfalo).
Cada uma delas recebe de mil a 10 mil sinapses e axônios que se ramificam e se
comunicam com muitos outros neurônios.

Os mecanismos nervosos de cada um dos tipos de memória não são os


mesmos. A memória de ter pisado em um prego não é igual à do primeiro namorado,
à da casa de praia da infância, à de saber tocar um instrumento, à do perfume de
uma pessoa importante, à de todo conhecimento aprendido na escola. Algumas
dessas memórias são adquiridas em segundos, outras em semanas, outras em anos.
Umas são mais visuais, outras somente gustativas ou olfativas, outras quase
totalmente relacionadas com movimento ou musculares.

Os mecanismos da formação das memórias

A formação de uma memória de longa duração envolve processos metabólicos


no hipocampo e outras estruturas cerebrais que compreendem diversas fases e que
requerem entre três e oito horas. Enquanto esses processos não estiverem
concluídos, as memórias de longa duração são lábeis. O conjunto desses processos
e seu resultado denominam-se consolidação.

• Potenciação de longa duração (LTP) - Consiste no aumento persistente da


resposta de neurônios à breve estimulação repetitiva de um axônio ou de um
conjunto de axônios que fazem sinapses com elas. É um fenômeno observado

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na plasticidade sináptica mecanismos celulares que estão envolvidos na
formação mnemônica. Possibilita alterações pré e pós-sinápticas capazes de
gerar uma ativação significativa destes processos de comunicação neuronal,
que favorecem uma maior consolidação das conexões neurais em várias
regiões do cérebro.
• Depressão de longa duração (LTD) - Consiste exatamente no oposto. É a
depressão (inibição) persistente de determinada resposta sináptica (redução
da sensibilidade da membrana pós-sináptica, e por consequência depressão
da resposta).

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