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AO JUÍZO DA 1° VARA CRIMINAL DA COMARCA DE GOIÂNIA/GO.

AUTOS N°: 0136662-30.2019.8.09.0017

ROBERTO DOS PRAZERES, já qualificado nos autos de


ação penal que lhe move o Ministério Público, vem, por intermédio de sua
advogada que infra subscreve, respeitosamente, à presença de Vossa
Excelência, irresignada com a sentença condenatória de um ano de reclusão
e vinte dias de multa, interpor, tempestivamente RECURSO DE APELAÇÃO
com fundamento no artigo 593, inciso I, do Código de Processo Penal.
Requer que, após o recebimento destas, com as razões inclusas, ouvida a
parte contrária, sejam os autos encaminhados ao Egrégio Tribunal, onde
serão processados e provido o presente recurso.

Termos em que, pede deferimento.

Goiânia, 04 de junho de 2021.

MYLLENA RIBEIRO DE SOUZA


OAB XXXX

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS.

PROCESSO DE ORIGEM N°: 0136662-30.2019.8.09.0017


APELANTE: ROBERTO DOS PRAZERES
APELADO: JUSTIÇA PÚBLICA

RAZÕES DE APELAÇÃO

Egrégio Tribunal,
Colenda Câmara,
Douta Procuradoria.

Roberto dos Prazeres foi denunciado porque no dia


29 de fevereiro de 2012, por volta das 16:00 horas, no portão da residência
situada na Rua D, quadra 2-A, lote 09, Parque JK, neste município, tinha
consigo arma de fogo, qual seja um revolver, marca Taurus, calibre 38, cabo de
madeira, e seis (06) munições intactas do mesmo calibre, sem autorização e
em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Recebida a denúncia,
houve a resposta à acusação, seguindo-se da Audiência de Instrução e
Julgamento, tudo em conformidade com a lei. Em memoriais (alegações finais
por escrito) o Representante do Ministério Público requereu a
condenação do denunciado Roberto dos Prazeres, nos termos da peça
acusatória, enquanto o Defensor do mesmo, também em alegações finais,
pleiteou a improcedência da denúncia, com a consequente absolvição do
acusado, por ser medida salutar de Justiça. A Juíza dirigente do processo, ao
analisar as provas existentes no feito, entendendo que se provaram a

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autoria e a materialidade, julgou procedente a denúncia e condenou Roberto
dos Prazeres como incurso nas penas do art. 12, caput, da Lei nº
10.826/20003, fixando a pena privativa de liberdade em um (01) ano de
reclusão e vinte (20) dias multas, substituindo a pena privativa de
liberdade pela restritiva de direito (prestação de serviço à comunidade).
De acordo com a sentença condenatória, a autoria e a
materialidade do delito restaram comprovadas pelas provas orais produzidas e
pelos laudos técnicos realizados.
Em que pese o entendimento do Juízo prolator
sentença de fls. 160/165, vê-se que não decidiu com acerto, fazendo-se
necessária a reforma da decisão de 1º Grau. É o que se passa a demonstrar.

I – DA ANÁLISE DO ACERVO PROBATÓRIO

Primeiramente, impende consignar que, diante dos


elementos de prova coligidos pela presente persecução penal restou inviável
a prolação de um decreto condenatório em desfavor do apelante.

Conforme laudo de (fls; 28-31), em que pese ter


sido atestada a eficácia da arma apreendida, não foram encontrados vestígios
de disparos recentes. Inafastável, no presente caso, a aplicação do princípio
da consunção, para fins de absolver o apelante pela prática do delito tipificado
no artigo 180, caput, do Código Penal.

A consunção é utilizada quando a intenção


criminosa é alcançada pelo cometimento de mais de um tipo penal, devendo o
agente, no entanto, por questões de justiça e proporcionalidade de pena
(política criminal), ser punido por apenas um delito. A regra é: o fato de maior
entidade consome ou absorve o de menor graduação (lex consumens derogat
lex consumptae).

Muitas vezes, um ou mais ilícitos penais constituem


condutas anteriores ou posteriores do cometimento de outro, cujo tipo penal
prevê pena mais severa, ou, o agente, tendo em mira uma infração penal,

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pratica-a, mas logo se prontifica a desenvolver outra. A hipótese recorrente já
consagrada pela jurisprudência é o exaurimento do fato no estelionato,
matéria objeto da súmula nº 17, do Superior Tribunal de Justiça.

É o que determina o princípio da consunção, para o qual em face a um ou


mais ilícitos penais denominados consuntos, que funcionam apenas como
condutas, anteriores ou posteriores, mas sempre intimamente interligadas ou
inerentes, dependentemente, deste último, o sujeito ativo só deverá ser
responsabilizado pelo ilícito mais grave. No dizer de Damásio de Jesus:
"Nestes casos, a norma incriminadora que descreve o
meio necessário, a normal fase de preparação ou
execução de outro crime, ou a conduta anterior ou
posterior, é excluída pela norma a este relativa”.

No caso dos autos, o réu teria receptado uma arma


e, nas mesmas circunstâncias, portado tal arma. Ou seja, o fato anterior (a
receptação) não é punível. Neste sentido, a jurisprudência deste E. Tribunal
de Justiça:
TJ-SP-Apelação APL 990093484030 SP (TJ-SP) Data
de publicação: 11/05/2010. Ementa: Apelação.
Artigo 14 , caput, da Lei 10.826 /03 e artigo 180 , caput,
do Código Penal . Autoria e materialidade bem
caracterizadas. Provas seguras trazidas ao contraditório,
a demonstrar a responsabilidade criminal do
recorrente. Consunção entre a receptação e o porte
de arma. Pena aplicada acima do mínimo legal em
razão da reincidência e aumentada em função da
mesma agravante." Bis in idem ". Reincidência a
indicar o regime fechado. Recurso provido em parte."

O mesmo entendimento é perfilhado pelos E.


Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e de Goiás, conforme julgados a
seguir:

APELAÇÃO CRIME. PORTE ILEGAL DE ARMA DE


FOGO. ART. 14, CAPUT, LEI 10.826/03.
RECEPTAÇÃO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA.
PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. CRIME-MEIO PARA O
COMETIMENTO DO PORTE ILEGAL. Não prospera o
apelo ministerial, pois o delito de receptação depende
de comprovação de que o réu sabia da origem espúria
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do artefato. Além disso, o crime de receptação, nesse
caso, não passa de crime-meio para um crime-fim,
que é o porte ilegal de arma de fogo. APELO
MINISTERIAL DESPROVIDO (Apelação Crime Nº
70059124776, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em
24/04/2014)

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS.


CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE.
DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PRÓPRIO.
RECEPTAÇÃO E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE
FOGO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO.
REDUÇÃO DA PENA DE OFÍCIO COM ALTERAÇÃO
DO REGIME E SUBSTITUIÇÃO DA CORPÓREA POR
RESTRITIVA DE DIREITOS. 1 - (...). 2 - Havendo nexo
de dependência e subordinação entre o delito de
receptação e posse de arma de fogo, cabível
aplicação do princípio da consunção, com absorção.
3 - (...). 4 - (...). Apelação parcialmente
provida. (TJGO, APELACAO CRIMINAL 62349-
09.2014.8.09.0071, Rel. DES. IVO FAVARO, 1ª
CÂMARA CRIMINAL, julgado em 22/09/2015, DJe 1900
de 29/10/2015)

Sendo assim, de rigor a absolvição do apelante


quanto ao delito de receptação, por aplicação do princípio da consunção,
tornando a conduta imputada atípica.

Ainda que Vossas Excelências não compartilhem


do entendimento externado, ainda se impõe a absolvição do acusado pelo
delito de receptação, por absoluta ausência de provas quanto ao dolo do
agente.

Consta no boletim de ocorrência de (fls; 06-08) que


a arma apreendida com o apelante seria objeto de roubo ocorrido cerca de
um mês antes da data da abordagem do apelante.

Nada há que o vincule a tais fatos ou ao autor do


mencionado delito. Do exposto, verifica-se patente fragilidade probatória para
fins de prolação de sentença condenatória em desfavor do apelante.

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De fato é plausível a presunção de que a posse
pressupõe a ciência da origem ilícita, diante de todas as exigências relativas à
posse do armamento, sendo certo que presunção de dolo do agente pela
ausência de cumprimento dos requisitos legais implicaria, em todos os casos
de posse de arma, a denúncia concomitante pelo delito de receptação.

No caso presente, as circunstâncias denotam ser


possível impingir dúvida sobre o dolo na conduta. A circunstância de a arma
ter sido roubada cerca de um mês antes dos fatos, a pressupor corrente
circulação, não indica, por si só, a origem ilícita, até mesmo porque se tratava
de arma de uso permitido e que seria regular, não fosse a ausência de
documentação, circunstância que interfere na conclusão a respeito da ilicitude
da conduta imputada no fato pelo qual veio condenado.

A partir disso, é evidente que, ao se apropriar, ele


sabia ser ilegal o porte, porém, esse elemento é característico do outro tipo
pelo qual foi condenado (art. 14 da Lei 10.826/03). Em outros termos, ainda
que se mostre certo o porte ilegal, não há demonstração de que o réu tinha
ciência da origem lícita da arma.

Ainda no que diz respeito ao delito tipificado no


artigo 14, da Lei nº 10.826/03, também se impõe a absolvição do apelante,
com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código Penal, por ausência de
ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma. Assim ensina Cezar
Roberto Bitencourt:
“A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma
gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem
sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é
suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse
princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio da
bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade
entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a
drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas
que se amoldam a determinado tipo penal, sob o
ponto de vista formal, não apresentam nenhuma
relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se
afastar liminarmente a tipicidade penal porque em
verdade o bem jurídico não chegou a ser
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lesado” (Manual de Direito Penal, v. I, 6ª ed., São
Paulo: Saraiva, 2000, p. 19) – Grifo nosso

Os bens jurídicos protegidos pelo


art. 14 do Estatuto do Desarmamento são a paz e segurança públicas. Eis
que a conduta do acusado em nada ameaçou os objetos tutelados. Nesse
sentido vale mencionar que o laudo pericial apresentou resultado negativo
para vestígios de disparos recentes, o que demonstra que o réu não se
comportou de modo a desafiar a segurança alheia. Tampouco foi o acusado
encontrado em situação de pronto emprego da arma. Pelo contrário, foi
abordado com as vestimentas de seu trabalho, no momento em que pretendia
se desfazer do artefato.
Assim, requer-se seja reformada a sentença
impugnada e julgada totalmente improcedente a pretensão acusatória, com a
consequente ABSOLVIÇÃO do apelante, com fundamento no art. 386,
incisos III e VII, do Código de Processo Penal.
Nada obstante, em virtude do princípio da
eventualidade, passa a expor a defesa as teses subsidiárias, na hipótese de
manutenção da condenação do apelante.

II – DA APLICAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES

Na segunda fase da dosimetria da pena, embora


tenha o juízo sentenciante reconhecido a presença das circunstâncias
atenuantes da confissão espontânea e da menoridade relativa do acusado à
época dos fatos, deixou de aplicá-las, consignando como óbice o teor
da súmula nº 231, do Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido, é preciso notar que diferentemente
do artigo 59, o qual ao tratar da primeira fase de dosimetria da pena, utiliza a
expressão “a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos”, ao
tratar das circunstâncias atenuantes estabelece o artigo 65 do Código
Penal que:
“São circunstâncias que SEMPRE atenuam a pena:
I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data

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do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da
sentença; III – ter o agente: d) confessado
espontaneamente, perante a autoridade, a autoria
do crime.”

Não há, portanto, vedação legal para que a


incidência das circunstâncias atenuantes conduza à redução da pena abaixo
do mínimo legal. Por consequência, impedir o Juiz de fazê-lo implicaria em
flagrante analogia in malam partem, vedada no âmbito criminal.

É neste sentido o entendimento do Superior


Tribunal de Justiça.

“EMENTA: HABEAS CORPUS. ROUBO


CIRCUNSTANCIADO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA
PARCIAL DO CRIME. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE.
RECONHECIMENTO OBRIGATÓRIO.
PREPONDERÂNCIA DA REINCIDÊNCIA SOBRE A
CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ORDEM CONCEDIDA. 1.
A atenuante do art. 65, inciso III, alínea d, do Código
Penal, tem caráter objetivo, configurando-se, tão-
somente, pelo reconhecimento espontâneo do acusado,
perante a autoridade, da autoria do delito, não se
sujeitando a critérios subjetivos ou fáticos. 2. In casu, o
Paciente confessou o crime de roubo, logo, ainda que
tenha negado o emprego de violência contra a vítima,
impõe-se a aplicação da atenuante. 3. A reincidência,
nos termos do art. 67 do Código Penal, é
circunstância preponderante, que prevalece sobre a
confissão espontânea quando da fixação da pena. 4.
Ordem concedida para, reformando-se o acórdão ora
atacado e a sentença condenatória, na parte relativa à
dosimetria da pena, fixa-la em 5 anos e 8 meses de
reclusão e 16 dias-multa, no mínimo legal, mantido o
regime prisional fechado. (HC 137257 RJ
2009/0100283-0; Relatora Ministra Laurita Vaz;
Julgamento em 16/03/2010; T5 – QUINTA TURMA)”

Sendo assim, faz-se impositivo o reconhecimento


da atenuante da confissão espontânea e da menoridade relativa em relação
ao apelante, ainda que essas circunstâncias conduzam à fixação da pena

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abaixo do limite mínimo abstratamente cominado, o que é perfeitamente
admissível diante do critério trifásico perfilhado pelo atual Código Penal.

Neste sentido, Superior Tribunal de Justiça:

“RESP – PENAL – PENA – INDIVIDUALIZAÇÃO –


ATENUANTE – FIXAÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL
– O princípio da individualização da pena (Const., art. 5,
XLVI) materialmente, significa que a sanção deve
corresponder as características do fato, do agente e da
vítima, enfim, considerar todas as circunstâncias do
delito. A cominação, estabelecendo grau mínimo e grau
máximo, visa a esse fim, conferindo ao juiz, conforme o
critério do art. 68, CP, fixar a pena in concreto. A lei
trabalha com o gênero. Da espécie, cuida o magistrado.
Só assim, ter-se-á direito dinâmico e sensível à
realidade, impossível de, formalmente, ser descrita em
todos os pormenores. Imposição ainda da justiça do
caso concreto, buscando realizar o direito justo. Na
espécie sub judice, a pena-base foi fixada no mínimo
legal. Reconhecida, ainda, a atenuante da confissão
espontânea (CP, art. 65, III, d). Todavia,
desconsiderada porque não poderá ser reduzida. Essa
conclusão significaria desprezar a circunstância. Em
outros termos, não repercutir na sanção aplicada.
Ofensa ao Princípio e ao disposto no art. 59, CP, que
determina ponderar todas as circunstâncias do crime.
(REsp 68120 / MG, Recurso Especial 1995/0030036-2,
Relator Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO,
Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA, data do
julgamento 16/09/1996, data da publicação / fonte DJ
09.12.1996 p. 49296, RSTJ vol. 90 p. 384).”

Vale dizer que não tem cabimento o argumento de


que a Súmula nº 231 do STJ veda que a incidência da circunstância
atenuante conduza à redução da pena abaixo do mínimo legal, já que referida
Súmula foi editada antes da reforma do Código Penal, quando ainda não era
adotado o sistema trifásico, necessitando ser revista.

Ademais, reconhecer que o apelante confessou,


mas deixar de diminuir a sua pena em razão disso tornaria o artigo 65,
inciso III, alínea d do Código Penal absolutamente inútil nas situações em que

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a pena-base é fixada no mínimo legal, o que certamente não era a vontade do
legislador ao afirmar que a confissão espontânea SEMPRE atenua a pena.

Requer, portanto, a Defesa, o reconhecimento da


atenuante da confissão e da menoridade relativa, para o fim de diminuição da
pena abaixo do mínimo legal, em respeito ao princípio da legalidade.

III– DO PEDIDO

Por todo o exposto, requer seja conhecido e provido


o recurso, reformando a sentença ora impugnada para que seja julgada
improcedente a pretensão acusatória, sendo o apelante ABSOLVIDO das
imputações contra ele formuladas, nos termos do art. 386, incisos III e VII,
do CPP.
Subsidiariamente, requer-se a reforma da sentença
para que seja reduzida a pena aplicada em razão das circunstâncias
atenuantes da confissão espontânea e da menoridade relativa.

Termos em que, pede deferimento.

Goiânia, 04 de junho de 2021.

MYLLENA RIBEIRO DE SOUZA


OAB XXXX

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