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ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto (Org.). Atualidades em psicologia da


saúde. São Paulo: Thomson, 2004. 185 p. ISBN 852210428X.

Sumário

Capítulo 1 - 1

A Psicologia da Saúde no Século XXI — Contribuições, Transformações e


Abrangências
Valdemar Augusto Angerami Camon

Capítulo 2 - 29
Preservação da Saúde Mental do Psicólogo Hospitalar
Aidyl M.de Queiroz Pérez-Ramos

De um aniversário.Trinta e um anos de muita luz - 57

Capítulo 3 - 61
E o Tratamento se Inicia na Sala de Espera...
Silvia Martins lvancko

Capítulo 4 - 85
A Dor no Estágio Avançado das Doenças
Maria Margarida Mi. de Carvalho— Magui

Capítulo 5 - 103
Tratamento Cognitivo-Comportamental do Alcoolismo
Gildo Angelotti
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De um sorriso doce -129

Capítulo 6 -135
A Racionalidade Médica Ocidental e a Negação da Morte, do Riso, do
Demasiadamente Humano

Geórgia Sibele Nogueira da Silva

Capítulo 1

A Psicologia da Saúde no Século XXI — Contribuições, Transformações e


Abrangências

Valdemar Augusto Angerami — Camon

Introdução

A idéia principal deste trabalho é traçar um breve panorama da psicologia da


saúde e suas perspectivas de desenvolvimento. No momento em que a psicologia
trilha por caminhos cada vez mais alvissareiros e, seguramente, por uma diversidade
que sequer era concebível alguns anos atrás, a reflexão sobre as novas
perspectivas da psicologia da saúde reveste-se de uma peculiaridade bastante
promissora. A psicologia da saúde caminha por atalhos e sendas visando sempre a
uma maior compreensão da condição humana em todas as especificidades e
complexidades. Uma psicologia que se descortina para uma nova compreensão da
saúde humana como algo que possa transcender os parâmetros de doenças
vigentes em nossa sociedade.

Ao refletirmos os conceitos vigentes sobre os quesitos de saúde mental e seu


enfeixamento com outros campos da saúde, deparamo-nos com uma necessidade
cada vez maior de redefinirmos a abrangência da psicologia da saúde. Nesse
sentido, este trabalho coloca-se como sendo um ponto de reflexão em que tais
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aspectos terão um fórum privilegiado de discussão. É um trabalho que se soma a


outros, escritos igualmente sobre psicologia da saúde, que procura traçar novas
perspectivas de desdobramentos de atuação nessa área que se descortina como
sendo a psicologia do século XXI.

Breve Reflexão

Em um trabalho anterior’ fizemos um breve histórico da psicologia da saúde e


suas principais áreas de abrangência. É um trabalho, em que pesem divergências
de alguns colegas da área, que acabou se tornando referência a tantos que se
debruçam em busca de material acadêmico e didático sobre psicologia da saúde. E
pela dinâmica de sua estruturação conceitual, a classificação que efetivamos sobre
as áreas de abrangência da psicologia da saúde acabou permitindo um arcabouço
teórico de amplitude de dimensões bastante significativas para que novos enquadres
e parâmetros fossem acoplados em sua explanação inicial. Assim será possível
enveredarmos por novos caminhos e atalhos de reflexão para que aquela
conceituação inicial seja ampliada e possa contemplar as novas exigências teóricas
e epistemológicas que se impõem à psicologia contemporânea. Os desafios que se
colocam diante das propostas de intervenção psicológica, nos mais diferentes e
variados contextos, estão a exigir uma estrutura moderna que possa, assim,
contemplar os mais diferentes matizes de abrangência e, até mesmo, de
sedimentação conceitual.

São muitos os aspectos que envolvem a tentativa de conceituação e de


delimitação de intervenção no campo da psicologia da saúde e, dessa forma, iremos
apenas caminhar no sentido de criar espaços reflexivos sem, contudo, impedir que
se abram a novas formas de reflexão e, até mesmo, de conceituação. É uma
exigência cada vez maior aquela que nos impele a expandir o nosso campo
conceitual de modo a permitir que ele possa se abrir às mais diferentes formas de
intervenção reflexivas. Também é necessário que enfatizemos quantas vezes forem
necessárias que a nossa preocupação conceitual é com a concepção de uma
psicologia eminentemente brasileira e que possa, assim, contemplar as nossas
necessidades socioculturais. Respeitamos as reflexões feitas por colegas de outros
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países, principalmente aquelas efetivadas em países latino-americanos, mas


queremos, antes de qualquer outro balizamento, o estabelecimento de parâmetros
que sejam inerentes à nossa realidade. Desse modo, divergências e excludência
conceitual serão tidas, simplesmente, como meras digressões teóricas que se
excluem diante de nossa realidade. O nosso olhar é totalmente direcionado para a
realidade do homem brasileiro, do excluído das teorizações realizadas no Primeiro
Mundo. Falamos de um homem desesperançado, que a cada eleição presidencial
perde um pouco de sua esperança de uma vida digna e sem o aviltamento das elites
socioeconômicas. De um homem que sofre na pele a sina de ser brasileiro, de ser
alguém que sofre com os desígnios da opulência e do arbítrio dos banqueiros. Uma
gente que assiste à miséria se espraiando por todos os cantos sem ter quem a
defenda desse estado de coisas.

De um povo que sequer pode pensar em autocrescimento, pois está ainda


preso ao estágio de luta pela pura sobrevivência. De uma população desdentada,
desnutrida e que assiste a presidente após presidente curvar-se aos interesses do
mercado financeiro, enquanto desfia seu corolário de sofrimento, padecendo à
míngua sem trégua nem piedade de quem quer que seja. É fato que a nossa elite
cultural simplesmente é atendida, em termos de intervenção psicológica, por
modelos teóricos advindos de Viena, no final do século XIX, ou seja, em um total
distanciamento da nossa realidade sociocultural.

A nossa conceituação de psicologia da saúde é brasileira, apresenta em seu


bojo toda a nossa condição de desesperança, humilhação, dor, desamparo,
submissão cultural, açoitamento existencial, falta de dignidade humana, colonização,
e, principalmente, de sua falta de perspectivas diante de uma realidade tão turva e
tão sem horizontes. E dizer que as possíveis divergências com as conceituações de
colegas de outros países nada mais são do que uma conversão que fazemos para o
interior da nossa própria realidade conceitual. E sem demérito a quem quer que seja
estamos construindo uma conceituação teórica sobre a nossa realidade por mais
que possa desagradar a um sem- número de estudiosos que vivem debruçados
sobre teorias construídas em outras realidades que sequer tangenciam a nossa
condição sociocultural. Uma conceituação que possa considerar o ranger de dentes
da nossa precariedade existencial, na qual todos os nossos esforços de construção
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teórico-filosófica esbarram em nossa própria pobreza sociocultural, que, embora


apresente em alguns segmentos requintes semelhantes àqueles encontrados nos
países de Primeiro Mundo, na maioria dos casos são revestidos de uma quase total
falta de embasamento de condições mínimas necessárias para reversão desse
quadro tão desolador. O que assistimos praticamente sem alternância é o apego dos
nossos profissionais a teorizações que sequer consideram a nossa especificidade.
Desse modo, encontraremos desde concepções teóricas estanques diante de
nossas mudanças estruturais até devaneios que impregnam a tudo e a todos de um
psicologismo simplista. É dizer que a cada dia necessitamos de uma nova
reestruturação de nossos postulados teóricos para não corrermos o risco de ficar à
margem de nossa própria história.

Uma psicologia que se mostre soberana diante de nossos anseios libertários


e que também possa considerar as especificidades de nossa população e contribuir
para que tenhamos no futuro uma população mentalmente sadia. Estamos
trabalhando para construir um nicho de saber e conceituação que possa
dimensionar o aprisionamento do homem contemporâneo diante da cultura do medo
a que ele foi exposto e da qual não tem como conseguir libertar-se. Uma concepção
teórica que considere não apenas os avanços obtidos ao longo dos últimos anos no
campo da psicologia, mas também de outras áreas do saber, e que de alguma forma
contribuem para uma compreensão mais ampla da própria condição humana.
Somos os artífices de uma nova estruturação conceitual que possa abranger uma
nova realidade de mundo, uma nova estruturação emocional diante dos desatinos
que estão a se sedimentar na nossa realidade atual. E isso é o desafio que se lança
à nossa frente, ao mesmo tempo que nos lançamos na tentativa de superação de
nossas próprias limitações para construir algo que esteja solidamente sedimentado
em níveis teóricos e que possa, assim, ser sustentáculo teórico-prático de tantos que
sobre ele se lancem em busca de uma nova luz de compreensão da própria
realidade humana. Assim, é necessário que estabeleçamos em âmbitos
epistemológicos as bases de sustentação de nossa proposta conceitual, e, a partir
disso, construir um novo modelo de compreensão dessa realidade que se mostra ao
nosso campo perceptivo. Essa é a nossa alternância conceitual e o nosso desafio no
sentido de refletir sobre o enfeixamento de uma base teórica que considere os
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moldes sobre os quais o século XXI se apresenta, e o modo particularmente


enigmático que se mostra diante de nossos olhares.

Sempre é bom lembrar que o século XX apresentou, desde sua metade até o
final, um teor de desenvolvimento tecnológico que supera todos os períodos da
história. Assim, qualquer previsão que se faça sobre o novo século que estamos
vivendo é, no mínimo, ingênua, pois a velocidade com que as transformações e
avanços tecnológicos se sucedem superam as mais otimistas das expectativas. E,
no campo do conhecimento envolvendo o comportamento humano, as novas
descobertas da fisiologia estão deixando muitas das teorizações efetivadas na
tentativa de compreensão do homem contemporâneo. E, de maneira estonteante,
assistimos, igualmente, a uma sucessão indescritível de necessidades que são
impostas e que de alguma maneira acabam se transformando em instrumento de
pressão gerador de muito estresse emocional. Ou é possível negar-se o sofrimento
gerado pelo consumismo de nossa sociedade em nossos adolescentes? Ou ainda a
necessidade que se estabelece de consumos intermitentes dos mais diferentes
objetos impostos pela tecnologia moderna? Basta se considerar, por exemplo, o
paradoxo existente em nossa sociedade, na qual, ao lado de automóveis e celulares
importados, assistimos a um sem-número de pessoas lançadas na sarjeta sem teto
ou qualquer tipo de proteção. Falamos em uma nova sociedade e convivemos com
situações medievais; falamos de teorizações libertárias ao mesmo tempo que
estamos submissos à cultura estadunidense; sonhamos com uma realidade
decididamente brasileira ao mesmo tempo que vivemos o american way of life.

Somos uma realidade que se mostra cada vez mais frágil e cada vez mais
dependente de modelos teóricos importados de outros centros acadêmicos. Não
temos como construir uma nova realidade teórica enquanto não voltarmos as nossas
preocupações unicamente para a nossa historicidade e para a peculiaridade de
nossa população. O simples fato de utilizarmos conceituações teóricas que foram
construídas diante de realidades estruturais sem a menor semelhança com a nossa
já é indício de que a reversão desse desvio conceitual implica a necessidade de
grandes rupturas para que possamos construir uma psicologia decididamente
nacional. É dizer que não podemos continuar a utilizar elementos conceituais
estanques a nossa realidade, e que tampouco consideram a nossa especificidade.
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Assistimos ao avanço de teorizações que tentam enquadrar a nossa realidade sem,


no entanto, sequer considerarmos o caráter absurdo desses fatos. Exemplo desses
abusos é o fato de muitas clínicas escolas, ligadas a cursos de formação em
psicologia, apresentarem em suas estruturações modelos de atendimento que em
nada atendem aos interesses da comunidade que pretendem atender; ao contrário,
os atendimentos visam única e exclusivamente completar suas grades curriculares.
Assim, é frequente assistirmos a tais clínicas oferecendo atendimentos de
ludoterapia, psicomotricidade e outras tantas modalidades, visando muito mais
cumprir com suas normas curriculares do que propriamente com a estruturação de
tipos de atendimento que sejam mais condizentes com a realidade da comunidade
em que tais clínicas se acham inseridas. A psicologia, nesse sentido, segue o
modelo médico no qual os acadêmicos de medicina treinam suas especialidades
com a população economicamente desfavorecida para, depois de se tornarem
especialistas, exercerem suas atividades com uma população que possa pagar por
essas especialidades. Na realidade, o modelo das faculdades de psicologia é ainda
mais cruel medida em que impõe a essas populações um atendimento que, muitas
vezes, sequer tangencia sua real necessidade de atendimento. Ao menos os cursos
de medicina focam suas especializações em cima de necessidades reais das
comunidades em que se encontram inseridas. Também é bastante comum a
tentativa de se acoplar às teorizações, quase sempre construídas em outras
realidades sociais, sobre a nossa população, e isso em que pese sua peculiaridade.
Entretanto, é fato que, na atualidade, assistimos a um movimento muito intenso nos
mais diferentes cantos do Brasil, no sentido de se reverter esse quadro tão
desolador.

O crescimento das grades curriculares das diferentes faculdades, espalhadas


ao longo do País, e que contemplam disciplinas como “psicologia comunitária”,
“psicologia hospitalar”, “psicologia judiciária” etc., é indício de que está havendo uma
movimentação, pequena ainda, que se propõe a reverter o atual panorama da
realidade da formação do psicólogo no Brasil. É fato, também, que essa mudança
surge muito mais por uma necessidade mercadológica do que propriamente por ter
sido gerada a partir de uma atitude reflexiva efetivada pelo psicólogo sobre as reais
necessidades de atendimento psicológico de nossa população.
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O estrangulamento do mercado de trabalho, associado a um número muito


grande de faculdades oferecendo cursos de psicologia nos mais diferentes cantos
do País, fez com que a busca de novos nichos de atuação se fizesse necessária.
Nesse sentido, o psicólogo voltou-se, então, para diferentes campos de intervenção,
e nessa empreitada passou, inclusive, a perceber necessidades da nossa
população, que não se faziam presentes na estrutura curricular dos cursos de
psicologia. Tomemos como ponto de reflexão dessas afirmações a psicologia
hospitalar, e seguramente os pontos que levantaremos servem perfeitamente para
outros modelos de intervenção psicológica.

A psicologia hospitalar tem seu início em uma data que se configura até
mesmo como precedente do próprio reconhecimento da psicologia enquanto
profissão. No entanto, ela ganha um dimensionamento de especialização e mesmo
de uma nova configuração da realidade do psicólogo clínico quando este se vê
asfixiado e sem espaço para se desenvolver profissionalmente. É somente quando o
modelo clínico começa a eliminar os excedentes que a busca da psicologia
hospitalar ganha intensidade e adquire formas específicas de especialização para
delimitarem-se modelos de intervenção. É no momento em que o psicólogo clínico
se vê sem condições de exercer sua atividade em seu próprio consultório que o
hospital surge como sendo o local onde todo o seu potencial clínico poderá ganhar
consistência e configuração. E isso sem contarmos com os inúmeros psicólogos que
buscam o hospital como forma de compensar possíveis rejeições nos vestibulares
de medicina. Assim, a psicologia hospitalar será buscada como compensação à
frustração do vestibular, sendo, dessa maneira, nada mais que uma mera forma de
reparação emocional de desatinos trazidos pela sua inoperância acadêmica. Temos
então duas maneiras distintas de encarar o surgimento da psicologia hospitalar
como alternativa de trabalho do psicólogo contemporâneo. A primeira delas nos
remete ao total estrangulamento do mercado de trabalho que o obrigou a procurar
por novos espaços de intervenção psicológica, e a segunda a que nos remete a uma
busca que procura compensar a reprovação do vestibular de medicina. A
necessidade de atendimento psicológico do paciente hospitalizado, que é
indiscutível e está acima de qualquer balizamento teórico-filosófico que se queira
fazer, surge como uma pequena variável delineada ao longo do caminho. As
verdadeiras razões da busca e do próprio crescimento da psicologia hospitalar são
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as apontadas acima. Tudo o mais que se colocar de acréscimo é mera digressão


teórica.

A própria incongruência existente em outras áreas do saber também se faz


presente na psicologia. Assim temos, no Brasil, ao mesmo tempo que os avanços
tecnológicos permitem até mesmo a má formação congênita, um número
absurdamente grande de mulheres que parem sem o menor cuidado pré-natal; ao
mesmo tempo que milhões de pessoas utilizam Internet para as mais variadas
atividades, incluindo-se aí até mesmo pesquisa bibliográfica e acadêmica, temos um
contingente enorme de analfabetos; ao mesmo tempo que assistimos em nossas
ruas ao desfile dos mais diferentes modelos de automóveis importados,
presenciamos um grande número de pessoas que se amontoam nas ruas em busca
de abrigo para o frio e a chuva; ao mesmo tempo que a mais avançada tecnologia
permite que nos comuniquemos com diversas pessoas simultaneamente, nos mais
diferentes lugares, assistimos igualmente ao espetáculo deprimente de crianças
fazendo malabarismo do mais rudimentar nos semáforos em busca de míseras
moedas; paralelamente à existência de requintadas mansões nos bairros nobres das
nossas principais cidades, existe um amontoado interminável de barracos compondo
favelas da mais triste configuração arquitetônica. E a psicologia também traz em seu
bojo o reflexo dessas contradições, pois ao mesmo tempo que se propõe a ser
libertária, apresenta-se com modelos estanques de compreensão da condição
humana.

Nesse sentido, até práticas que se propõem a ser libertárias como a


“psicologia comunitária”, a “psicologia hospitalar” etc. estão, muitas vezes,
solidificadas em embasamentos teóricos distantes de maneira abismosa de nossa
realidade social. É dizer que até mesmo quando buscamos a libertação de nossa
condição de estrangulamento socioemocional vamos ao encontra de um
instrumental teórico que perde sua eficácia diante de nossas peculiaridades. A
psicologia, assim, se alinha com outras áreas do saber que, igualmente, estão
sedimentadas em outras realidades sociais e se distancia das especificidades
brasileiras. É cada vez mais importante trazer-se à tona das discussões sobre a
eficácia de abrangência da intervenção psicológica o célebre pensamento de
Maslow, segundo o qual somente após realizar suas necessidades básicas de
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sobrevivência é que o homem pode pensar em quesitos como autocrescimento e


autoconhecimento. O que não significa necessariamente afirmar-se que alguém que
vive
em péssimas condições socioeconômicas não tenha necessidades de sustentação
emocional. No entanto, vemos com frequência cada vez maior afirmações que nos
direcionam para ideias simplistas as quais mostram que pessoas expostas a estados
calamitosos de precariedade econômica não podem, igualmente, apresentar
problemas na área emocional. É como se essas pessoas não tivessem o direito de
ter conflitos na esfera emocional pelo simples fato de terem suas vidas
estraçalhadas pela miséria socioeconômica. Esse tipo de afirmação não apenas
despreza a própria realidade da condição humana como também, o que é muito pior,
distancia-se de modo abismoso de uma tentativa mais digna de compreensão do
homem contemporâneo.

A psicologia, de outra parte, e na medida em que faz parte do rol das


especialidades incluídas na chamada área da saúde, também apresenta, além das
contradições e dos modelos teóricos de realidades de países de Primeiro Mundo,
somo citamos anteriormente, outro aspecto bastante complicador, que é a
diversidade de suas abordagens teóricas. Assim, se em alguns campos do
conhecimento como a matemática, a física, a engenharia etc. se busca com
intensidade cada vez maior um denominador comum, uma resposta única para os
problemas, a psicologia convive com diferentes tipos de compreensão representada
pelas mais diferentes abordagens. E muitas vezes não encontramos sequer
congruência entre as diferentes tentativas de compreensão da realidade humana
com cada abordagem trazendo para si a “verdade” sobre a maneira mais eficaz de
intervenção psicológica. E com uma abrangência cada vez mais disforme e repleta
de controvérsia, a psicologia vai abrindo os mais diferentes espaços nos mais
diferentes campos de atuação. E sempre que se questiona a real importância da
atuação do psicólogo fica evidenciado que muitas dessas atuações são, como
dissemos anteriormente, uma necessidade ditada muito mais pelo estrangulamento
de seu mercado de atuação do que propriamente por uma real necessidade do
paciente.
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Não se questiona aqui neste espaço os avanços obtidos pelos experimentos e


pesquisas da psicologia nos mais diferentes campos, citando aí conquistas
importantíssimas na área da neurofisiologia, psiconeuroimunologia etc. Apenas
estamos refletindo sobre a maneira muitas vezes abrupta e desordenada como são
buscadas novas frentes de atuação do psicólogo contemporâneo. Exemplo dessas
citações pode ser uma entrevista de um profissional da área da psicologia do
esporte publicada em uma revista especializada, na qual ele, que era o psicólogo
responsável por uma tradicional equipe de futebol paulista, trazia para si os méritos
da vitória da equipe que estava sob seus cuidados profissionais. Assim, ele não era
um dos coadjuvantes dessa vitória, e sim o responsável maior, e não se trata aqui
de se questionar a abrangência e eficácia de um profissional da área da psicologia
do esporte, mas sim de balizar que são os atletas quem enfrentam o adversário e,
portanto, devem ser considerados os principais responsáveis pela eventual vitória ou
derrota. E em que pese sabermos da importância da condição emocional na
influência de desempenho desses atletas, não é cabível o psicólogo colocar-se
como sendo o único responsável por essa vitória, ainda que de seu trabalho tenha
surgido o sustentáculo emocional dessa equipe. Trata-se apenas de equacionar que,
em um trabalho de equipe, todos têm sua parcela de contribuição. O depoimento do
nosso colega era descabido e sem propósito, parecendo, assim, algo forçado para
mostrar-se mais importante do que na realidade era, e isso a despeito das variáveis
presentes em um trabalho de equipe.

De outra parte, é também notório que, ao adentrarmos nas reflexões sobre a


inserção da psicologia nas mais diferentes áreas do conhecimento, estamos,
igualmente, refletindo sobre as circunstâncias que implicam essa junção do mesmo
modo que construímos os balizamentos teóricos que fundamentam a nossa prática
profissional. Vivemos um momento ímpar no qual a importância da psicologia é cada
vez mais clara e ganha repercussão que transcende toda e qualquer previsão que
se fazia anteriormente por mais otimista que pudesse ser. O que se torna realmente
necessário é que a psicologia consiga atender às solicitações de intervenção que lhe
são feitas e que possa, assim, ir ao encontro das reais necessidades sociais, e não,
ao contrário, tentando impor à comunidade modalidades de intervenção que digam
respeito apenas ressaltar nesse ponto que não somos contrários aos avanços
obtidos pela psicologia nos mais diferentes segmentos sociais, apenas queremos
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enfatizar ser preciso que essas conquistas representem uma nova dinâmica no
quesito de necessidades de intervenção psicológica, e não apenas um mero
acoplamento determinado pelas nossas necessidades mercadológicas. É na
psicologia que se depositam as esperanças de construção de uma sociedade mais
saudável do ponto de vista emocional, derivando daí, inclusive, uma nova
configuração da saúde física em sua totalidade.

A psicologia necessita assim de uma renovação contínua de seus postulados


para que possa acompanhar as demandas sociais e, dessa maneira, tornar-se
coadjuvante no processo de transformação social. Uma psicologia que, ao mesmo
tempo que se mostre libertária, seja também referência de reflexão sobre as
vicissitudes humanas e ainda sustentáculo e acolhimento para o sofrimento
emocional contemporâneo. É sobre essa abrangência que iremos refletir em
seguida.

Contribuições, Transformações e Abrangência

No quesito contribuições há o fato de o raio de ação da psicologia na


atualidade ser tão amplo e abrangente que seria praticamente impossível delimitá-la
em urna reflexão isolada de um capítulo. Assim, vamos fazer um delineamento
envolvendo apenas o campo de atuação da psicologia da saúde. Estaremos então
reduzindo nosso esboço de intervenção para aspectos meramente conceituais,
abrindo-o, inclusive, para perspectivas que não tenham sido contempladas nesta
reflexão e que, porventura, possam igualmente fazer parte do delineamento de
intervenção da psicologia da saúde.

É no interior das reflexões acerca da abrangência da psicologia na


contemporaneidade que iremos encontrar a tentativa de seu comprometimento com
a demanda das necessidades sociais. Assim, práticas como a psicologia comunitária
serão encontradas no bojo da tentativa de se estender o nosso raio de ação, em
âmbitos de intervenção psicológica, para realidades que igualmente se mostram
carentes no campo da compreensão emocional. Outras práticas também seguem
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nesse mesmo caminho com a busca cada vez mais delineada da necessidade de
um comprometimento da psicologia com as reais necessidades da população.

Em nossa vivência cotidiana, envolta nos mais diferentes afazeres, a virada


do século XX para o século XXI nada mais significou que apenas uma mudança no
calendário. No entanto, e considerando a passagem de séculos anteriores, quando
as referências das criações teóricas são situadas a partir da intenção da realidade
histórica dos séculos nos quais se achavam inseridas, temos então de modo claro a
projeção de que, igualmente no futuro as nossas produções teóricas- acadêmicas
serão referendadas a partir do momento dos séculos em que foram criadas. E no
momento em que propomos uma reflexão da abrangência da psicologia para o
século XXI, temos uma tarefa que, além de árdua, seguramente se mostrará estéril.
O avanço vertiginoso da tecnologia na atualidade, superando todas as expectativas
mais otimistas, mostra que até mesmo no campo da psicologia essas
transformações se farão presentes. Ou então seria crivei que as discussões
envolvendo a psicologia dos anos 1990 previsse o surgimento das psicoterapias por
meio da Internet?! Ou ainda os recursos de videoconferências levando os mais
diferentes níveis de conhecimento para cantos onde a própria imaginação sequer
poderia conceber?! A própria realidade acadêmica contemporânea com os mais
diferentes cursos de graduação e pós-graduação com afinco e apuro cada vez mais
sofisticados no quesito das pesquisas científicas está igualmente a mostrar que o
surgimento d novos padrões epistemológicos e até mesmo investigativos exige cada
vez mais novos parâmetros de compreensão e abrangência.

A rapidez com que as informações circulam pela Internet, exigindo que todos
aqueles que minimamente tenham algum compromisso acadêmico estejam
continuamente ligados a essa rede, é indício da necessidade da constante
atualização exigida na realidade contemporânea. Basta se comparar, por exemplo,
que apenas há uma década para se fazer uma pesquisa acadêmica era necessário
uma série de visitas a várias bibliotecas nos mais diferentes cantos da cidade, algo
totalmente distante da atualidade quando, com a facilidade proporcionada pela
Internet, a partir de simples comandos de botões temos todo o panorama mundial de
pesquisas e publicações diante de nós na tela do computador. E na medida em que
esses avanços são incorporados ao nosso cotidiano simultaneamente aos seus
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aparecimentos não nos surpreendemos com a mudança que efetivaram em nossas


práticas teórico-acadêmicas. Apenas e tão-somente quando refletimos para o
passado, embora não tão distante, é que vemos escancarado o abismo que separa
a área do conhecimento em apenas algumas décadas. Hoje não é mais possível se
conceber um pesquisador acadêmico que, mamamente, não possua o seu e-mal e
com o qual se relaciona e se mantém infoiimado com todos os avanços da ciência.
Apesar disso tudo, ainda não conseguimos desvincular a psicologia do pejorativo de
que se trata de uma área do conhecimento que tenta se impor enquanto ciência,
mas que, na realidade, apenas comprova com instrumentos ditos científicos aquilo
que a sabedoria popular já constatou livremente. Essas críticas, longe de estarem
distantes do real, ao contrário, mostram de modo contundente a necessidade de um
aprumo que incorpore não apenas as verdadeiras necessidades sociais, como
também, e principalmente, mostrem que o avanço das reflexões e das pesquisas em
psicologia estão à frente desses impropérios que nos sãos lançados livremente. É
fato que uma simples consulta ao conjunto de teses acadêmicas em psicologia
constata nua e cruamente o grande número de pesquisas efetivadas com animais
como se fôssemos apenas um ramo da zootecnia.

A psicologia caminha a passos céleres para ocupar seu lugar de destaque na


construção de uma ciência que decididamente possa entender a condição humana
de modo mais abrangente e que também esteja livre para abrir-se a novas
perspectivas de desdobramento e desenvolvimento. Não é mais possível conceber-
se quaisquer tipos de atividade que envolvam a condição humana na qual a
psicologia não se faça presente de modo irreversível e absoluto. Quando fazemos
uma reflexão a partir do desenvolvimento da psicologia e seus primeiros acordes
ainda no início do século XX, vamos perceber que de uma ciência que buscava
formas e contornos para ser aceita temos hoje, uma plenitude de produção teórica e
acadêmica que lhe assegura lugar de destaque na proeminência das ciências
contemporâneas. E, ao contrário de outras áreas nas quais se buscam o consenso e
a uniformidade teórica, temos na psicologia um universo cada vez mais amplo de
ideias e teorizações que, debatidas, geram inúmeras outras abordagens nesse
fascínio e mistério que é a tentativa de compreensão da condição humana.
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A psicologia da saúde, de outra parte, ganha espaços cada vez mais


significativos no rol das teorizações contemporâneas. E seguramente desde as
nossas primeiras publicações, quando tartamudeávamos as nossas primeiras
criações teóricas e práticas, certamente os nossos universos e perspectivas de
atuação se expandiram de modo absolutamente alvissareiro. Um exemplo desse
panorama são justamente os encontros e simpósios realizados na tentativa de
discussão das atividades empreitadas nessa área. Desde o início dos anos 1980 são
realizados os Encontros Nacionais de Psicólogos da Área Hospitalar, aos quais se
somaram também os Congressos Brasileiros de Psicologia Hospitalar. Trata-se de
encontros dos quais participam elementos de todas as áreas do País, não apenas
para se atualizarem sobre os avanços ocorridos na área, mas também para
efetivarem presença naqueles que são os mais significativos eventos da área. Em
2001, surge o 1 Congresso Brasileiro de Psicologia da Saúde e Psicossomática, ao
qual se somou também o 1 Simpósio Brasileiro de Psiconeuroimunologia. Esse
congresso marcou o início de uma junção de diferentes áreas que se acoplavam ao
escopo da Psicologia da Saúde. Igualmente, o encontro de muitos colegas dos mais
diferentes cantos do País em busca de diferentes matizes que pudessem embasar
suas práticas clínicas. No Quadro 1 podemos observar os diversos segmentos que
se fizeram presentes nesse congresso. Em 2003, ocorre o II Congresso Brasileiro de
Psicologia da Saúde e Psicossomática e novamente agregando o II Simpósio
Brasileiro de Psiconeuroimunologia. Novamente, colegas de todos os cantos do País
comparecem ao evento, fazendo com que ele passe a fazer parte do calendário dos
principais eventos ocorridos em âmbito nacional. E, o que é mais importante,
contemplando os mais diferentes matizes teóricos em uma perfeita
complementaridade. No Quadro 2, podemos observar o perfil do evento e a sua
abrangência conceitual. E, na medida em que o primeiro desses eventos ocorre
justamente no primeiro ano do novo século, é como se iniciássemos o novo século
dando uma nova formatação à psicologia da saúde, enfeixando, assim, diferentes
segmentos de sua abrangência em eventos conjugados.
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Um novo tempo da psicologia que se imbrica com o novo século para


determinar novas perspectivas teóricas e também novas abrangências
metodológicas. E para que não nos percamos em nossa exposição é sempre
importante ressaltar que a cada evento que reúne os diferentes profissionais dos
mais diferentes cantos, o somatório das discussões sempre faz com que o
enriquecimento estrutural da área seja não apenas promissor, mas tenha também
contornos e especificidades reais. É dizer, sem medo de erro, que caminhamos
muito a cada encontro. E que a perspectiva de novas publicações sempre traz em
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seu bojo um pouco do que foi discutido nesses eventos. Em cada novo livro temos
um pouco da fragrância que restou de cada encontro. É importante ainda destacar
que, segundo levantamento dos conselhos regionais, é uma das abrangências da
psicologia da saúde, a psicologia hospitalar, a área que mais cresce em termos de
procura pelos acadêmicos em sua busca de espaços de atuação.

Citamos anteriormente a questão mercadológica como determinante da


abertura de novos espaços de atuação na psicologia, e a área hospitalar igualmente
se destaca nesse quesito. No entanto, infelizmente, assistimos a um quadro
desolador na procura dos acadêmicos em busca da psicologia hospitalar. Pois, se
de um lado é fato notório o crescimento da busca de interessados na temática, de
outro constatamos que a inserção do psicólogo no hospital na quase-totalidade dos
casos se efetiva por meio de estágios sem nenhuma remuneração. Ou seja, o
psicólogo foi acolhido no hospital, mas como estagiário, e temos diante de nós uma
situação que apenas se agrava, pois juntamente com outras áreas que partem em
busca do estágio para a especialização profissional, igualmente a psicologia
hospitalar trilha esses caminhos do estágio profissional sem remuneração. A
agravante nesse tipo de situação é que a instituição hospitalar recebe trabalhos
altamente especializados sem ter a necessidade de contratação. Para se ter uma
ideia da gravidade, basta citarmos os principais cursos de São Paulo, que são
ligados aos principais hospitais da cidade. Esses cursos apresentam uma estrutura
acadêmica com o que existe de mais avançado na área e seus alunos estagiam nos
hospitais que lhes dão chancela. Assim, esses hospitais possuem um trabalho de
alto esmero sem a necessidade de contratação, pois o serviço de psicologia é
praticamente desenvolvido pelos alunos sob a supervisão de alguns poucos
profissionais contratados. Frise-se ainda que alguns hospitais sequer apresentam
profissionais contratados, pois a respectiva coordenação e supervisão são feitos por
profissionais pertencentes às instituições acadêmicas que, no afã de ministrarem
cursos de psicologia hospitalar, fazem convênio com esses hospitais para que seus
alunos possam efetivar o respectivo estágio. Ocorre que dessa maneira temos a
efetivação do estágio pelo estágio, pois esses alunos, ao adquirirem seus
certificados de conclusão, não possuem campo efetivo de atuação, na medida em
que a maioria dos hospitais sensíveis à atuação do psicólogo já possui serviços de
psicologia hospitalar estruturados a partir de estágios não remunerados. E é
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evidente que a empresa hospitalar não pretende modificar essa estrutura na medida
em que tem um trabalho altamente especializado e totalmente sem ônus. As
unidades hospitalares que geralmente possuem psicólogos contratados são aquelas
pertencentes à rede pública de saúde e também aquelas que fazem parte da
estrutura acadêmica de algumas universidades. Ainda assim, no entanto, vamos
encontrar, mesmo nesse segmento, hospitais que têm sua estrutura de
funcionamento de psicologia hospitalar totalmente estruturada nos cursos de
especialização em psicologia hospitalar mantidos por essas instituições. Entretanto,
é necessário que se ressalte ainda que essa estrutura de estágios que praticamente
viabiliza uma mão-de-obra especializada sem nenhuma remuneração não é
“privilégio” apenas da psicologia hospitalar. Vamos encontrar, dessa maneira, em
quase todos os segmentos universitários esse mesmo tipo de exploração sem que
nenhum organismo competente tome alguma providência para inibir esse abuso.

As universidades, no afã de qualificar seus cursos, assinam convênios com


diferentes empresas para possibilitar que seus alunos possam adquirir experiência
prática das teorizações que estudam nas lides acadêmicas. Ressalte-se que essa
nova estruturação dos estágios é contrária ao que ocorria décadas atrás, quando o
estágio era uma passagem de experiência para uma possível efetivação contratual
da empresa. Hoje, infelizmente, o novo panorama solidifica, como vimos
anteriormente, o estágio pelo estágio, sem nenhum compromisso por parte da
empresa que não seja apenas abrir seu espaço para que o acadêmico possa, então,
adquirir experiência em um ambiente profissional. Evidentemente que a mudança
desse estado de coisas irá depender de uma ação conjunta dos acadêmicos e das
universidades às quais pertençam.

A psicologia hospitalar apresenta números muito eloquentes da adesão de


acadêmicos e profissionais para a sua área de atuação, basta apenas que não nos
deixemos levar pelas propostas de estágios apresentadas pelos principais cursos de
especialização, pois do contrário teremos um contingente bastante significativo de
psicólogos especializados na área hospitalar e que não possuem espaço de
desenvolvimento profissional com a devida remuneração.
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A psicologia da saúde, entretanto, não tem apenas a psicologia hospitalar em


sua abrangência, e outros segmentos apresentam desenvoltura e desempenhos
profissionais bastante significativos e alvissareiros. Basta refletirmos, como exemplo,
sobre a psicossomática que atinge diferentes âmbitos de abrangência penetrando
nos mais diversos segmentos do conhecimento com contribuições significativas para
uma verdadeira compreensão da realidade humana. Temos também a
psiconeuroimunologia, que se apresenta com perspectivas cada vez mais
promissoras no esboço de compreensão de quesitos imunológicos e seu
enfeixamento com determinantes psicológicos. Certamente, esse tipo de reflexão é
bastante importante, pois faz com que a psicologia possa, então, adquirir
importância significativa em suas buscas de uma compreensão mais abrangente da
condição humana. É cada vez maior o número das vertentes da psicologia da saúde
que estão intervindo em pacientes que, até bem pouco tempo, eram alvo de atenção
apenas de organismos especializados em saúde pública. Assim, casos como
alcoolismo e mesmo outras formas de drogadicção são, hoje, objeto de intensa
reflexão dos instrumentos de intervenção da Psicologia e estão, cada vez mais,
disponíveis e a serviço da população necessitada. É que, concomitante ao aumento
do número de profissionais de houve também uma preocupação qualitativa sobre os
desígnios da psicologia e seu real comprometimento para construção de uma
sociedade libertária na qual os verdadeiros anseios da população sejam
considerados em toda a sua dimensão. E maneira bastante promissora teremos no
século XXI, ao menos é que se descortina nesses momentos iniciais, uma psicologia
que esteja preocupada apenas e tão-somente com as questões que permeiam a
realidade de nossa elite socioeconômica.

Uma psicologia que se comprometa com a construção de teorias inerentes à


realidade brasileira e que possa estar, assim, disponível ao alcance de tantos
quantos queiram fundamentar se em seus princípios para um verdadeiro
dimensionamento das condições psicológicas de nossa População. Trata-se, sem
dúvida alguma, de um desafio que estará a exigir que os nossos esforços sejam
contínuos desdobrados diante da nova exigência que se impõe perante nossa
realidade conceitual. Esse desafio é, seguramente, uma das maiores barreiras a
serem superadas no percurso que implica a construção de uma psicologia com
traços e contornos decididamente brasileiros. Essa revisão de cada etapa de nosso
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percurso é condição primeira para que possamos, a partir de reflexões


sistematizadas e contínuas, perceber a necessidade de eventuais mudanças de
rumo e, até mesmo, de horizontes e ‘perspectivas teóricas. Nesse sentido, inclusive
as observações citadas anteriormente, sobre a questão do estágio pelo estágio na
prática do psicólogo hospitalar, nos remetem à necessidade de uma reflexão
bastante pormenorizada sobre o sentido desses atalhos, em que, certamente, não
se questiona o papel da Psicologia em humanizar as relações ocorridas na
instituição hospitalar, mas colocamos em questionamento o sentido da exploração
do psicólogo nesse emaranhado de fatos nos quais sempre encontramos a figura de
outros Psicólogos explorando e tirando proveito desse estado de coisas. E o mais
interessante, para não dizer dantesco, é que a psicologia hospitalar surgia na
década de 1980 como uma das possibilidades que tirariam a psicologia da situação
autofágica, ou seja, algo que vive de si mesmo, que come a si próprio. Tentou-se
ampliar o leque de possibilidades de intervenção do psicólogo, mas acabou-se
lançando- o nas garras de outros psicólogos que, de maneira ladina, souberam
explorar de modo ardiloso seu afã em busca dessa nova perspectiva de atuação.

Isso tudo mostra de modo bastante claro que a construção de um conjunto de


teorias que contemple a realidade brasileira também precisa contemplar uma
reflexão minuciosa sobre o modo de exploração da mão-de-obra dos profissionais
de psicologia pelas empresas que os recebem como estágio, e o exploram da
maneira mais contundente possível. E a empresa hospitalar não se difere em nada,
nesse quesito de exploração, de outras modalidades empresariais.

E na realidade quando fazemos tais reflexões sobre a psicologia hospitalar


não estamos fazendo referência à sua inviabilidade enquanto área de atuação do
psicólogo, ao contrário, tentamos trazer um pouco de luz para que, principalmente,
os mais novos possam fazer suas escolhas de modo lúcido. Dessa maneira, serão
consideradas todas as variáveis presentes nessa escolha, e não apenas a busca por
uma atividade extremamente prazerosa do ponto de vista de gratificação emocional,
mas que se mostra totalmente árida no tocante a uma remuneração digna. O que
não podemos, incluindo-se aí até mesmo a nossa responsabilidade de autor que
possui uma grande quantidade de títulos publicados sobre a área hospitalar, é nos
calar diante desse estado de coisas. Chegamos, inclusive, ao absurdo de ver cursos
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que reproduzem o modelo médico de residência de especialização, e que, no


entanto, ainda assim não remuneram esses psicólogos. Ou seja, esses profissionais
ou estão pagando para atuar na medida em que esses cursos apresentam preços
compatíveis com os cursos de graduação, ou simplesmente depois de se
especializarem fazem a chamada residência e atuam sem nenhuma remuneração.
Está em nossas mãos a mudança dessa perspectiva; apenas se faz necessário que
tais questionamentos sejam refletidos de modo amplo para que se estabeleçam,
então, novas diretrizes nessa área.

De outra parte, a psicologia da saúde apresenta um dimensionamento


bastante importante para a psicologia, na medida em que, ao caminhar em direção
aos anseios da comunidade, abre-se também para a perspectiva da criação de
novos modelos de intervenção bastante interessantes. Quando refletimos, por
exemplo, sobre a psicologia comunitária, vemos que o seu raio de abrangência
contempla pessoas que estavam à margem da psicologia até bem pouco tempo.
Não há como negar a contribuição que esse segmento está trazendo para a
construção de uma sociedade mais justa e libertária na medida em que, atuando
junto aos excluídos, pode dar-lhes voz e guarida no sentido de fazer com que seus
anseios de uma vida mais digna se tornem realidade. Os trabalhos que são
produzidos nessa área já começam a se tornar referência na construção de
concepções teóricas que abarquem a nossa realidade social. E seguramente
estarão na vanguarda quando, efetivamente, adquirirmos a consciência da
necessidade da construção de teorias verdadeiramente brasileiras. Infelizmente,
com o grande número de desempregados que cresce a cada dia no Brasil, e isso
sem incluirmos os mais jovens que sequer conseguem adentrar no mercado de
trabalho, temos, então, um panorama que nos mostra que o contingente de
excluídos sociais será cada vez maior sem que possamos avaliar com precisão as
consequências desses dados. A violência que se espraia por todos os cantos do
País, por exemplo, certamente ganhará dimensões ainda mais desesperadoras, e
isso sem dizermos da depauperação da nossa população que, a cada dia, se vê
privada das condições básicas mínimas para uma vida digna. A sobrevivência
passou a ser a única perspectiva de milhões de pessoas que, atiradas às raias da
desesperança e do desespero, não possuem outra perspectiva que não apenas e
tão-somente buscar o mínimo para continuar simplesmente sobrevivendo.
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E uma psicologia para ser decididamente libertária não pode simplesmente


desconsiderar tais aspectos, pois eles fazem parte de modo indissolúvel da
realidade de nossa população. Ao lançar seus raios de ação sobre a população
excluída, a psicologia avança significativamente rumo ao seu desígnio mais nobre,
que é, justamente, o de ser um instrumento colocado ao alcance das pessoas para
que elas alcancem sua plenitude de vida. E também rechaça um antigo preconceito
o qual simplesmente afirmava que pelo fato de essas pessoas estarem em total
situação de penúria econômica não apresentam problemas emocionais. É como se a
vida totalmente carente de recursos econômicos básicos determinasse uma gama
tão grande de problemas e sofrimentos que não seria possível também a existência
de problemas emocionais. Mas como é possível, então, uma vida sem a menor
consistência de dignidade não apresentar os mais variados tipos de sofrimentos
emocionais? Esse tipo de questionamento passava ao largo da psicologia, que não
apenas ignorava tal asserção, como igualmente lhe virava as costas da maneira
mais simplista possível. A psicologia comunitária resgata esse modo distorcido de
compreensão da realidade, ao mesmo tempo que se coloca na vanguarda no
sentido de resgatar essa população para novas perspectivas existenciais. Dessa
maneira, o leque de possibilidades de intervenção psicológica atinge todos os
segmentos da população, e não apenas aquelas pessoas que possuem condições
econômicas privilegiadas.

É importante ressaltar, nesse aspecto, que a construção de uma psicologia da


saúde cujas pilastras atinjam todos os segmentos sociais certamente precisa
considerar as necessidades desses diferentes contextos sobre os quais, se deseja
sua intervenção. Citamos anteriormente os avanços da psicossomática e quanto ela
contribui na atualidade para que um novo diagnóstico sobre os sintomas
apresentados pelos pacientes também considere de maneira relevante os aspectos
emocionais. E essa conquista se mostra irreversível na medida em que
determinados aspectos de certas ocorrências meramente orgânicas já são vistos e
analisados pela própria medicina como decorrentes de disfunções emocionais.
Assim, por exemplo, as patologias envolvendo o trato gastrointestinal e mesmo
cardiopatias são vistas e analisadas de modo indissolúvel como comprometimentos
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orgânicos decorrentes única e exclusivamente de situações de estresse emocional


que foram impostas ao organismo.

Dessa maneira, temos todos os motivos para acreditar que a psicologia


ocupará seu lugar no século XXI e corresponderá a todos os anseios daqueles que
sonham com uma condição humana mais digna. Uma psicologia que poderá
enfeixar-se com outras áreas do conhecimento e trabalhar para que a fragmentação
contemporânea seja algo que fique apenas como reminiscência de um passado
distante, pois urge com cada vez mais frequência a necessidade de uma
compreensão global da condição humana na qual todas essas áreas sejam
contempladas. Uma abordagem psicológica que considere igualmente os
conhecimentos da sociologia, da economia, da antropologia, da medicina etc. Um
esboço teórico que traga em seu corpo as marcas do seu tempo; algo que possa
transcender o reducionismo que encontramos em muitas das teorias que são
apresentadas como modernas, mas que trazem, na realidade, traços de outras
épocas, ponteamentos em que não cabe contemporaneidade. Uma psicologia que
traga para os campos de discussão da realidade humana contribuições significativas
para que possamos avançar nesse detalhamento que é a compreensão humana em
seus aspectos emocionais.

Os avanços obtidos na área da psicologia da saúde estão iluminando os


caminhos de todos que se interessem pela compreensão humana em seus aspectos
contemporâneos. E na medida em que avança rumo a novas perspectivas teóricas,
certamente, temos como real a possibilidade de que está próximo o dia em que ela
ocupará lugar de destaque em todas as formas de discussão que envolvam o
homem contemporâneo. E não é só. A simples perspectiva de desdobramento que a
psicologia da saúde apresenta em seu leque de alternativas de atendimentos já é
indício de que não apenas um novo tempo se inicia na psicologia, mas
principalmente que estamos construindo uma psicologia decididamente brasileira,
criada e teorizada sobre a nossa realidade. E esse aspecto é bastante interessante
para mostrar que não existe a necessidade de rejeitarmos teorias criadas em outras
realidades sociais, apenas precisamos estudá-las e considerá-las no momento de
criarmos as nossas formas de concepções teórico-práticas. Como dissemos
anteriormente, temos de unir todos os esboços de diferentes áreas do
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conhecimento, e isso tem de incluir, naturalmente, outras teorizações psicológicas.


Os modelos concebidos em outras realidades não podem ser simplesmente
desprezados em nome de uma possível xenofobia, mas considerados em suas
limitações, que são determinadas pela origem de suas criações. A nossa realidade
de Terceiro Mundo, e aí incluindo-se países das Américas Latina e Central, se
consideramos todo o atraso de nossas sociedades que determina, inclusive,
condições precárias de pesquisas universitárias, mostra-se surpreendente no
quesito de produção acadêmica em psicologia. Frise-se que até mesmo publicações
nossas, criadas e concebidas na realidade brasileira, são referência em países da
Europa, o que, seguramente, traz contornos de que, embora ainda tenhamos muito
para caminhar, certamente também temos muito para contribuir na construção de
novos parâmetros no campo da psicologia da saúde.

É fato que, ao produzirmos nossas publicações, não temos consciência nem


mesmo dimensionamento do alcance que esses escritos atingirão. No entanto, uma
vez lançado, o livro segue caminhos que nos surpreendem e mostram que a nossa
contribuição, embora pequena, soma-se a outras experiências na formação de
novos parâmetros na construção de uma nova psicologia. O nosso primeiro livro de
Psicologia da Saúde, publicado em 2000, já traz contribuições significativas do modo
como concebemos diferentes matizes da compreensão da realidade humana. Esse
livro delimitou não apenas aquelas áreas que julgávamos pertencer ao campo da
psicologia da saúde, como também estabeleceu parâmetros bastante dinâmicos
para novas conceituações e reflexões sobre o nosso campo de intervenção. Ao se
tornar referência nacional e mesmo internacional na psicologia, mais do que
simplesmente estabelecermos novos limites de atuação, ampliamos os horizontes
de perspectivas que podem ser abarcados pela psicologia da saúde. E ao
constatarmos o tanto que avançamos nesse quesito, sem dúvida alguma,
espraiamos nossas ideias de modo amplo a ter, na retrospectiva teórica que
fazemos, novos denominadores sobre possibilidades que se descortinam no campo
da psicologia. Temos um trabalho muito árduo pela frente, principalmente se
considerarmos que os fatos são dinâmicos e estão em constante mudança, de modo
a fazer com que determinados aspectos que prevaleciam em determinado período
percam sua importância em outros momentos. E a psicologia assim terá de,
igualmente, ser dinâmica para acompanhar os fatos e se instrumentalizar, inclusive,
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para poder alterá-los. Novos aspectos que se formam em uma nova forma de
concepção de valores e nos quais a psicologia estará presente fazendo-se
catalisadora e contribuindo para que os avanços das diversas áreas do
conhecimento direcionem seus avanços para a verdadeira humanização da
condição humana, tão aviltada e acachapada pelo tecnicismo que assolapa a
dignidade do homem contemporâneo de modo tão impiedoso e cruel. E embora seja
fato irreversível que os avanços tecnológicos estão determinando até mesmo
diferentes configurações inclusive nas relações interpessoais, é mister que os
avanços da psicologia caminhem no sentido de fazer com que não percamos ainda
mais a nossa característica humana diante desses avanços. Assim, estaremos de
fato caminhando para a construção de paradigmas teóricos que façam da psicologia
um instrumento eficaz em nossa busca libertária. Outras vertentes da psicologia da
saúde que trazem em seu bojo avanços da medicina, como a neuropsicologia,
trazem diferentes desdobramentos para o verdadeiro alcance do raio de ação da
psicologia.

Vertentes como a psiconeuroimunologia, a neuropsicologia e o


neurocomportamento, certamente, estão trazendo à luz das discussões
contemporâneas aspectos da condição humana que, seguramente, a psicologia do
século XX não ousava sequer conceber. E de fato os avanços a que assistimos e
que são fruto de diferentes pesquisas nos mais variados campos de intervenção
dão-nos a dimensão de que as mudanças que se mostram ainda assim não nos
permitem imaginar os contornos que terão os esboços teóricos da psicologia dentro
de apenas uma década. Muitas mudanças ocorrem em uma velocidade incompatível
com as nossas mais otimistas previsões. Nesse sentido, mais do que nunca, é
necessário repensar-se o apego que determinados estudiosos apresentam diante de
teorizações concebidas das no final do século XIX, pois esse modo de agir é por
demais dogmático e está a exigir uma completa revisão de posturas e atitudes.

Uma psicologia da saúde revigorada e que se atualize a cada nova conquista


dos avanços científicos e que se mostre na vanguarda do pensamento
contemporâneo. Isso é o que estamos construindo com nossas reflexões e
digressões teóricas. Algo que seja parte de sua historicidade, presença do seu
tempo nos avanços dos instrumentos utilizados na tentativa de compreensão da
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condição humana. Uma psicologia verdadeiramente humana. Uma psicologia que


pulse em nosso peito como o coração, com vigor e irrigando a todos que sobre ela
se debrucem em busca de conhecimento. Uma psicologia que possamos escrever
com a certeza de que ela será um pouco de nós, é fato, mas também parte de todas
as pessoas envolvidas em nosso tecido social.

Referências Bibliográficas
ANGERAMI, V. A. (org.). Psicologia da Saúde. São Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2003.

______________________ O Doente, a Psicologia e o Hospital. São Paulo: Pioneira


Thomson Learning, 2003.

Capítulo 2

Preservação da Saúde Mental do Psicólogo Hospitalar1

Aidyl M. de Queiroz Pérez-Ramos


Introdução: Importância do Tema

Apenas por uma visão sumária do que se tem escrito sobre os profissionais que
trabalham nas instituições hospitalares, pode-se deduzir que o eixo das atenções à
sua saúde mental vem sendo dirigido aos médicos e ao corpo de enfermeiros,
embora existam nesse contexto psicólogos, assistentes sociais e educadores, entre
outros. Temas de natureza psicológica constituem assuntos frequentemente
referidos na bibliografia especializada, não só em relação à clientela em
atendimento, mas também aos profissionais citados. Com respeito a estes últimos,
são priorizados o seu relacionamento com o usuário e com demais funcionários, os
valores éticos em sua defesa e os cuidados com sua saúde mental, incluindo o
desgaste que lhes causa o trabalho no hospital, em atenção especial o burnout
(estado de exaustão), a que estão sujeitos, entre outros fatores que podem
estender-se também aos demais membros da equipe clínica.
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Quanto ao psicólogo hospitalar, conotação que o diferencia dos outros na área,


pouco se tem escrito, nem mesmo são realizadas ações pertinentes, em prol de sua
saúde mental, apesar de sua incorporação nas instituições hospitalares, em nosso
meio, ter acontecido há mais de 50 anos. Acrescem-se a este fato o aumento cada
vez maior de sua representação numérica no referido ambiente, como também da
abrangência de suas funções. Esse profissional, entre outras funções importantes,
integra-se plenamente na equipe interprofissional de diagnóstico e tratamento; atua
como promotor do movimento de humanização hospitalar; participa da comissão de
bioética; é agente de mudanças na mentalidade dos funcionários, como também dos
familiares do atendido, e também destes últimos. Ademais, é porta-voz de
esclarecimentos e conscientização em tais mudanças, promovendo o acolhimento e
a atenção às necessidades individuais da clientela, como recurso propulsor na
resolução ou minimização de muitos dos problemas de natureza psicológica que
esta apresenta. Ao sentir-se acolhida e compreendida, a adesão às intervenções se
mantém, evitando abandoná-las e de ir ao encontro de vias alternativas sem base
científica, nas quais poderia obter maior receptividade.

O exposto é suficiente para se afirmar o quanto o psicólogo é profissional


indispensável nos programas de natureza clínica que se desenvolvem no contexto
hospitalar. É óbvio prever que, no exercício de suas funções, em um ambiente de
risco, como é o do hospital, ele esteja exposto continuamente a situações
estressantes. O impacto que lhe causa o contato com doentes portadores de
enfermidades das mais diversas, muitas vezes graves e sem perspectivas de cura,
confrontado com as manifestações angustiantes de sofrimento, dor, aflição, tristeza,
desesperança, perante a doença e a própria morte. Complementa-se a esta
problemática o frequente desconhecimento das reais funções, como psicólogo, por
parte dos funcionários, até dos pertencentes à equipe clínica; as resistências por sua
inserção, mesmo na qualidade de estagiário ou de residente nesse ambiente
institucional, considerado equivocadamente de exclusivo domínio

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médico; e o escasso reconhecimento de seu valor profissional, entre outras


dificuldades. Deve-se considerar, por outro lado, que nem sempre a formação do
psicólogo hospitalar e seu equilíbrio emocional são condizentes com as exigências
de seu próprio desempenho.

Perante este quadro de frustrações e de tensões emocionais, torna-se premente


conhecer, cientificamente, o fenômeno do stress2 a que o psicólogo hospitalar está
sujeito, causando-lhe preocupações, ansiedade e até transtornos psicossomáticos.
E, em complemento, saber quais as estratégias ou coping3 que desenvolve como
defesa a essa situação.

Trata-se de um chamado dirigido ao próprio psicólogo hospitalar para que centralize


sua atenção nessa problemática, a fim de resguardar seu equilíbrio emocional e, por
conseguinte, promover um satisfatório desempenho profissional em favor das
pessoas atendidas nessas instituições, propiciando relações apropriadas entre os
membros da equipe clínica e também com os demais funcionários, enfim,
proporcionando um ambiente harmônico indispensável em todo ambiente hospitalar.
Tais iniciativas devem ser fundamentadas cientificamente, conforme abordagens
teóricas e procedimentos metodológicos resultantes das escassas pesquisas
existentes, tanto no âmbito internacional como no local.

Considerações Teóricas e suas Aplicações

Analisam-se os temas referidos como consequência das aquisições mais


atualizadas sobre os fatores de stress que ocorrem no ambiente hospitalar e
também sob o coping que utiliza a equipe clínica, em especial o psicólogo como
membro desta.

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Com base neste posicionamento, adota-se a concepção interacionista do stress, por


ser considerada a mais atual e por integrar-se melhor ao assunto em pauta. Com
esse fim, utiliza-se do Paradigma SOR, S (estímulo), O (organismo) e R (reação),
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que compreende a relação entre agentes estressantes que incidem no organismo


humano, extrapolando as reservas adaptativas deste e dando origem a transtornos
emocionais e/ou fisiológicos específicos. O stress assim concebido é resultante do
confronto entre recursos individuais (equilíbrio emocional, capacidade cognitiva e
fatores de proteção, de resiliência, entre outros) e certas variáveis ambientais
identificadas como estressantes, provocando as reações referidas, acompanhadas,
no melhor dos casos, de estratégias de superação (Magnusun, 1986; Marin, 1999 e
PérezRamos, 1992).

Interpretando o modelo em referência, considera-se como S (estímulo) o contexto


estressante de ambiente hospitalar, tanto para aqueles que aí trabalham, quanto
para os que usufruem de seus serviços. A própria natureza dessas instituições, o
tipo de atendimento que proporcionam e a condição de saúde física e emocional dos
clientes atendidos provocam a ocorrência de situações estressantes que afetam a
estes e a qualquer funcionário que presta seus serviços nesse contexto. O momento
histórico em que o contexto hospitalar está inserido é também fator condicionante.

Citam-se como exemplo dessas instituições consideradas mais estressantes as


psiquiátricas, as geriátricas, as oncológicas e as destinadas ao tratamento de
dependentes químicos. Destacam-se os serviços de pronto atendimento (PS),
terapia intensiva (UTI) e centros cirúrgicos, cujo clima emocional é expressivamente
propício à existência de intensos agentes estressores. Complementa-se o rol dessas
unidades, como intensamente traumatizante, a denominada Terapia de Dor e
Cuidados Paliativos para atendimento de pacientes com câncer avançado, já
existentes em hospitais oncológicos no Brasil. Kovács et ai. (2002) descrevem o
sofrimento da equipe clínica, inclusive do psicólogo hospitalar, manifestado por
sentimentos de impotência,

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tristeza e angústia perante a luta entre a vida e a morte dos pacientes atendidos
nesses serviços. Situações que, mais uma vez, clamam por um apoio efetivo a
esses profissionais.
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Na atualidade, é preocupante o aumento da violência, que ocorre também nas


instituições hospitalares, em diversos países e inclusive em nosso meio, segundo os
estudos realizados por Gbézo (2001), consultor da OIT (Organização Internacional
do Trabalho) sobre a mobilização de recursos humanos no contexto hospitalar. Para
este autor, os atos de violência estão presentes até em unidades mais protegidas,
como são as de medicina geral, pediatria e maternidade, colocando em perigo a vida
dos usuários, dos funcionários e até a segurança desses setores, aumentando,
assim, os fatores estressantes nesses contextos. São exemplos desses atos os
ocasionados por grupos de delinquentes e de dependentes químicos que penetram,
pela força, nos serviços hospitalares atraídos pela possível disponibilidade de
drogas, equipamentos e valores. Além disso, os funcionários dos hospitais vêm
enfrentando, com maior freqüência, hostilidade dos clientes e familiares, assim como
assédio sexual, no caso das enfermeiras, particularmente.

A situação de violência, conforme reitera o autor referido, tem sido mais intensa nos
grandes hospitais, onde é livre a movimentação das pessoas, há grande volume de
população a ser atendida, com extensas filas de espera, frequentemente com
insuficiente dotação de pessoal, entre outras circunstâncias que colocam os
funcionários e os assistidos em estado de tensão e de perigo iminente, aumentando,
por conseguinte, a interferência de outros agentes estressantes.

Baseando-se no exposto sobre a violência nessas instituições, as quais deveriam


caracterizar-se por ser um ambiente de tranquilidade, Gbézo faz um chamado à
implantação de políticas públicas de prevenção e controle dessa situação, com o
compromisso do envolvimento de todas as autoridades e profissionais responsáveis
pelo cumprimento de tais medidas. Condição que resultará em evidente diminuição
da intensidade de fatores estressantes, resultantes dessa situação perigosa.

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Voltando à análise do paradigma SOR, consideram-se como O (organismo) os


profissionais da equipe clínica, particularmente o psicólogo, e como R (reações), as
manifestações emocionais e/ou fisiológicas resultantes da incidência dos
estressores próprios do ambiente hospitalar. Acrescem-se, como reação, as
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estratégias defensivas, o coping, que permitem a esses profissionais poder alcançar


um razoável equilíbrio na sua saúde mental. Tais profissionais estão sujeitos a
maiores efeitos de impacto, somente pelo fato de manterem contato direto e regular
com clientes e familiares angustiados. Situação que poderá ser mais intensa no
psicólogo hospitalar, em razão de sua própria formação profissional, o que ocasiona
maior conhecimento e sensibilidade em relação aos problemas humanos.

Para a integração do psicólogo nessa equipe, é importante que este esteja


convenientemente informado sobre os fatores de stress que, segundo estudos
específicos, mais incidem nos enfermeiros e nos médicos. Com respeito aos
primeiros, a bibliografia analisada informa que, independentemente do setor
hospitalar em que atuam e das funções que desempenham, os principais agentes
estressores que aqueles experimentam encontram-se nas dificuldades que sentem
no relacionamento com os profissionais e na inabilidade que apresentam para a
resolução de problemas resultantes da doença e da morte (Guppy e Gutteridge,
1991). Tratando-se de impactos ainda mais intensos, tais funcionários os sentem,
como se prevê, quando atuam em setores hospitalares de maior risco (cuidados
intensivos — UTI e centros cirúrgicos), como também nas variações do turno de
trabalho. Nessas situações, os fatores de stress de maior intensidade são os
referidos à gravidade da doença e ao risco de morte dos atendidos, como também à
subordinação ao médico, com expressiva falta de autonomia na tomada de decisões
(Bianchi, 1990; Jamal e Baba, 1992). Em relação aos médicos, constatam-se como
principais estressores a pressão do tempo, excessivo número de clientes, contato
direto e regular com doentes e também as dificuldades que apresentam no
relacionamento com outros profissionais (Richardsen e Burke, 1991).

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Quanto ao stress no psicólogo do ambiente hospitalar, dispõe-se de uma única


pesquisa realizada em nosso meio, referente à atuação daquele em um dos
contextos considerados altamente estressantes, isto é, hospitais psiquiátricos e
centros-dia de atendimento ao psicótico (Rego, 2000). Dos seus resultados se infere
que do contato deste profissional com os portadores de psicose, e seus familiares,
derivam os mais intensos e significativos estressores, seguidos dos relacionados
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com as dificuldades inerentes ao relacionamento com os outros membros da equipe


clínica; a falta de clareza no desempenho de suas funções e as limitadas
perspectivas de auto-realização; além dos referentes à instabilidade da estrutura e
dinâmica organizacionais. É de se estranhar que tais fatores mostrem-se mais
evidentes nos psicólogos que atuam em centros-dia, embora seus usuários sejam
portadores de quadros psicóticos menos pronunciados e estejam convivendo na
comunidade de onde procedem. Outras razões a serem investigadas poderão
explicar essa situação.

Com respeito ao coping, ainda em referência às instâncias O (organismo) e R


(reação) do modelo escolhido, dispõe-se também de outra pesquisa inovadora
(Cunha, 2000) orientada pela autora do presente artigo, referente ao psicólogo que
exerce funções clínicas em hospitais não psiquiátricos. Para a compreensão dessas
reações defensivas ao stress há necessidade, a princípio, de verificar qual é o
conceito sobre esse construto que a autora adotou no trabalho. Com tal finalidade,
valeu-se de dois critérios: a concepção mais atualizada sobre o tema, a partir de
uma análise efetuada sobre sua evolução, e o instrumento de avaliação do coping
que mais se adaptasse à ideia escolhida. Neste sentido, também estudou vários
deles.

Foi nas contribuições mais atualizadas de Lazarus e Folkman (1996) e de Schaefer


e Moss (1993) que a autora encontrou respostas para empregar tais critérios.
Quanto ao coping, este é concebido como um conjunto de tentativas estratégicas, de
natureza cognitiva e comportamentais, utilizadas pelas pessoas para perceber os
agentes estressantes e sua intensidade, como também o impacto emocional

Página 36

que poderão experimentar em consequência. Para alcançar esses objetivos,


realizam avaliação cognitiva do estressor e preveem os seus possíveis efeitos,
assim como os recursos pessoais de que dispõem para tentar superá-los. Tendo
uma ideia de ambos, passam a empregar comportamentos defensivos de confronto
ou de evasão (fight or flight), sobre a causa e a intensidade da ameaça percebida. É
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importante considerar que tais processos se desenvolvem tão rapidamente que nem
sempre é possível diferenciá-los.

No entanto, eles existem em forma individualizada e são avaliados por instrumentos


apropriados e caracterizados conforme dimensões de confronto e de evasão. A
primeira é compreendida pelo emprego de estratégias cognitivas de avaliação
realística dos estressores e de seus efeitos, como também dos recursos pessoais
para enfrentá-los, seguidos de decisões dirigidas diretamente à situação
estressante. Por outro lado, a dimensão evasão é concebida por avaliações
racionalizadas e evasivas, por aceitação resignada dos agentes estressantes,
seguidas de alternativas depreciativas, de extravasamento emocional, ou, ainda, de
compensações satisfatórias estranhas à situação. Da análise dessas dimensões,
infere-se que a primeira é percebida como uma estratégia saudável, e a segunda,
como problemática.

Os resultados da pesquisa comprovam que, a julgar pela observação do Quadro 1,


em geral, os psicólogos participantes desta apresentam defesas saudáveis, perante
o stress (dimensão de confronto), com diferenças significantes a seu favor, quando
comparadas com aquelas consideradas problemáticas (dimensão de evasão).
Observa-se também neste quadro grande variabilidade nas pontuações,
principalmente na primeira, a de confronto. Neste quadro, quando analisadas as
frequências individualmente, denotam—se resultados atípicos, representados por
inversão de valores (dimensão de evasão maior que a de confronto), no número 13.
Percebem- se, igualmente, semelhanças de ambas estratégias no número 7 e
diferenças pouco sensíveis nos números 28, 29 e 30. Quanto à distribuição

Página 37

da dimensão evasão, encontram-se picos acima da linha média nos indivíduos


identificados com os números 7 e 23.

Quadro 1 – Distribuição Individual das Médias das Respostas dos Sujeitos nas
Dimensões de confronto e de Evasão
Inventario sobre superação de Stress Profissional (ISSP)
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Página 38

Com o intuito de compreender o significado de tais variações, Cunha (2000) realizou


cruzamentos entre ambas dimensões de coping e as variáveis sociodemográficas e
situacionais no trabalho, apresentados pelo grupo de psicólogos participantes na
pesquisa. A autora encontrou diferenças significantes apenas no variável estado civil
e na da especialidade hospitalar. Em relação à primeira, os solteiros ou separados
se manifestaram muito mais evasivos do que os casados. Por outro lado,
diferentemente do que se espera, os psicólogos que trabalham em hospitais
especializados, incluindo os de moléstias infectocontagiosas e de oncologia,
apresentam mecanismos de confronto significantemente mais intensos do que
aqueles que atuam em instituições hospitalares de caráter geral. Em síntese, pode-
se afirmar que esta pesquisa proporciona informações e diretrizes para a realização
de novos estudos sobre este importante tema.

Questões Metodológicas

Para fins de continuidade a novas pesquisas sobre a saúde mental do psicólogo


hospitalar, apresentam-se subsídios de natureza metodológica relativos às funções
deste profissional, focalizando os temas em referência, stress e coping, bem como a
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seleção, adaptação ou elaboração de instrumentos utilizados para a coleta de


dados.

Com respeito ao primeiro item, é importante reiterar, como requisito principal, o


cumprimento de normas éticas e, mais especifica- mente, da bioética nos estudos e
pesquisas que se realizam com pessoas humanas e, no caso particular, com os
psicólogos como funcionários dos hospitais. Tais normas se referem, principalmente,
à sua proteção como ser humano, em referência à sua saúde física e psicológica e
ao sigilo profissional, entre outros aspectos de real importância. Também prevê a
preservação da boa imagem da instituição, bem como a confiabilidade dos dados
obtidos na pesquisa e o necessário retorno dos resultados às suas origens.
Antecipa-se, outrossim, em termos de proteção à saúde mental dos funcionários, em
especial dos

Página 39

profissionais da equipe clínica, destacada atenção ao stress a que estão sujeitos em


um ambiente de risco, como é a instituição hospitalar. Os códigos de Ética de
Psicologia (Conselho Regional de Psicologia, 1997) e de Medicina (Dailari, 1999)
respaldam, em seus respectivos campos, tais normas.

Percebem-se, em decorrência ou paralelamente a esses esforços, mudanças dos


procedimentos na realização de pesquisas no gênero, bem como na redação e
publicação dos trabalhos resultantes. Para fins de controle destas atividades, estão
as comissões de ética, e mesmo de bioética, que atuam nos hospitais e nas
universidades. A elas competem a supervisão e o controle dos procedimentos que
possam garantir a proteção dos participantes e dos pesquisadores, assim como a
qualidade das contribuições que nesse sentido se realizam e a divulgação
pertinente. Esses grupos de trabalho estão no dever de exigir, de um lado, termos
de compromisso por parte do pesquisador e, de outro, a necessária anuência, bem
como a acessibilidade e a facilidade proporcionadas pela instituição para obter as
informações requeridas por aquele.
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Em termos de redação e publicação são válidas as sugestões apresentadas por


Pérez-Ramos (2002), quanto aos cuidados no uso de designações e referências que
possam desvalorizar a pessoa humana. Nesse sentido, é aconselhável a
substituição de “sujeitos da pesquisa’ usual em muitos trabalhos, pela de
“participantes da pesquisa”. Evita- se dessa forma denegri-la ao designá-la como
“sujeitos”, termo este que vem sendo vulgarizado com conotação negativa.
Acrescenta-se, ainda, a necessidade de esclarecer devidamente o uso desta
substituição para não confundi-la com as de “auxiliares” e “colaboradores” da
investigação, entre outras. Com tal propósito, considera-se como da maior
importância a motivação e o interesse dos participantes de tomar parte na pesquisa,
respeitando sempre a dignidade e o anonimato dos mesmos.

Com respeito aos instrumentos de coleta de dados, vários critérios são utilizados
para a seleção, adaptação e mesmo para sua elaboração, se for necessário. Citam-
se os considerados mais importantes:

Página 40

a disponibilidade em nosso meio; a atenção às normas éticas; a adaptabilidade ao


objeto da pesquisa e a sua fundamentação teórica; as características individuais dos
participantes e, por outro lado, as qualidades de validade, precisão, fidedignidade e,
também, a comprovação de sua pertinência mediante estudo piloto.

Dos instrumentos disponíveis no Brasil, que atendem às principais exigências


citadas e destinados a avaliar o stress e o coping experimentados pelo psicólogo no
contexto hospitalar, apresentam- se dois deles, recentemente elaborados: o
Questionário S-1 de Stress Ocupacional, de Juan Pérez-Ramos (Rego, 2000), e o
Inventário sobre Superação do Stress Profissional (ISSP), do mesmo autor, em uma
adaptação do Coping Responser Inventary — CRI, de Moos, 1993 (Cunha, 2000).

O primeiro instrumento, isto é, o Questionário S-1 de Stress Ocupacional (Anexo 1


deste artigo), tem por finalidade avaliar as situações identificadas como estressantes
na atuação do psicólogo em hospitais e centros-dia de atendimento às pessoas
portadoras de psicose. Constituiu instrumento de coleta de dados da pesquisa citada
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anteriormente sobre o tema, realizada por Rego (2000), sob orientação de Juan
Pérez-Ramos. Foi elaborado baseando-se em um levantamento dos principais
fatores estressantes que sentiam os psicólogos, atuando nos contextos citados, bem
como dos instrumentos disponíveis para avaliar tais agentes no ambiente de
trabalho. Serviram de exemplos, neste sentido, o Scope-stress de Vasconceilos
(Chaves, 1994) e o Índice de Stress de Gmelch e colaboradores, adaptado por Juan
Pérez-Ramos (Schimidt, 1992). Sua validação foi assegurada não somente pela
realização de um estudo piloto, mas também pela pesquisa citada, efetuada por
Rego (2000). Nesta se comprovou que o instrumento em referência mostrou-se
adequado à população estudada e metodologicamente consistente.

Este instrumento, como pode ser observado no Anexo 1, consta de duas partes: a
primeira, referente aos dados sociodemográficas que investigam as características
individuais e a situação profissional, de modo a configurar um perfil do psicólogo
participante; a segunda,

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constituída por 56 afirmações com respostas tipo Likert, subdivididas em sete blocos
relativos às fontes de stress, de acordo com as categorias apresentadas na Tabela
1, com os itens do questionário a elas referentes.

Tabela 1 - Categorias de estressores e seus respectivos itens

CATEGORIAS ITENS
(1) Desempenho profissional 1a8
(2) Inter-relacionamento com a equipe multiprofissional 9 a 16
(3) Desempenho de papéis 17 a 24
(4) Reconhecimento/compensação profissional 25 a 32
(5) Perspectivas de progresso 33 a 40
(6) Estrutura e dinâmica organizacional 41 a 48
(7) Relacionamento com o cliente e seus familiares 49 a 56
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Os resultados de sua aplicação permitem verificar um perfil do psicólogo


respondente quanto a seus dados pessoais (idade, sexo, estado civil e número de
filhos) e a identificação funcional no trabalho (tipo de instituição, área de
atendimento, tempo de serviço, regime de trabalho, situação funcional e nível
hierárquico) como também um perfil das categorias citadas na Tabela 1, a fim de se
configurar as situações estressantes que incidem no psicólogo que atua nos
hospitais psiquiátricos e centros-dia para psicóticos. Os dados obtidos nestas
categorias poderão ser analisados de acordo com as variáveis sociodemográficas e
situacionais de trabalho citadas, obtendo assim um conhecimento relacional das
possíveis circunstâncias que podem explicar as diferenças entre as situações
estressantes identificadas.

O segundo instrumento mencionado, isto é, o Inventário sobre Superação do Stress


(ISSP), tem por finalidade avaliar as estratégias de coping utilizadas pelo psicólogo
como membro da equipe de hospitais não psiquiátricos. Foi comprovada sua
eficiência em estudo piloto e na

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pesquisa realizada por Cunha (2000),já referida. Compõe-se, além das instruções
para a sua aplicação, de dois blocos: um sobre os dados pessoais e profissionais e
outro que é compreendido de 48 afirmações, com respostas tipo Likert, destinadas a
avaliar as tentativas de coping.
Os dados pessoais a serem obtidos pelo primeiro bloco compreendem: sexo, idade,
estado civil e número de filhos, e os de natureza profissional, tipo de hospital, regime
de trabalho, situação funcional, tempo de trabalho, setor de atendimento e nível
hierárquico. Os itens que compõem o segundo bloco destinam-se à avaliação das
dimensões de confronto e de evasão, em suas categorias (Tabela 2). São
distribuídos em forma simulada para evitarem-se respostas influenciadas pela
referida classificação.
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CONFRONTO
CATEGORIAS ITENS
(1) Raciocínio lógico Tentativas cognitivas para compreender e preparar-se
mentalmente para enfrentar essa situação
Esforços cognitivas de construir ou reestruturar
(2) Reavaliação positiva mentalmente uma situação estressante aceitando sua
realidade positivamente
(3) Orientação/apoio Ações comportamentais para a busca de informações
orientação ou ajuda.
(4) Tomada de decisão Ações comportamentais para tomar decisões e atuar
diretamente na situações estressante
EVASÃO
(5) Racionalização evasiva Esforços cognitivos para evitar pensamentos
realísticos sobre a situação estressante.
(6) Aceitação resignada Tentativas cognitivas para aceitar, com resignação a
situação estressante.
(7) Alternativas compensatórias Ações comportamentais para criar, em substituição,
novas fontes de satisfação.
Esforços comportamentais para reduzir a situação
(8) Extravasamento emocional estressante mediante a expressão de emoções
intensas e depreciativas.

Página 43

Para avaliação dos resultados obtidos pela prova, relacionam-se os dados obtidos
em ambos os blocos, cuja pertinência foi comprovada na pesquisa de Cunha (2000).

Considerações Gerais

A compreensão integral deste trabalho conduz à inferência básica de que a


relevância da preservação da saúde mental do psicólogo hospitalar é comprovada
cientificamente, além de constatar a possibilidade de desenvolver esta área do
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conhecimento mediante estudos e pesquisas, e suas aplicações no exercício clínico


desse profissional.

Trata-se de um tema, a inferir pelo conteúdo desta exposição, complexo, abrangente


e de premência na continuidade dos esforços que se realizam sobre o mesmo, não
somente pela sua importância prática e teórica, como também pela escassez de
estudos que permitem fundamentar novos empreendimentos.

Atenta-se para a realização de pesquisas semelhantes em outros contextos


hospitalares, para poder generalizar as observações e inferências desta exposição.
Questões mais específicas e de necessidade prática clamam pela efetivação de
trabalhos sobre a resiliência dos psicólogos hospitalares e/ou sobre os fatores de
proteção existentes no contexto de trabalho, os quais, de alguma forma, possam
contrastar a influência negativa dos agentes estressantes incidentes. São estes
exemplos de investigações que poderão motivar os pesquisadores ou estudantes de
pós-graduação na área de psicologia da saúde, ou mesmo dos cursos de
aprimoramento ou de especialização que se realizam no próprio ambiente hospitalar.

Em termos de prática clínica na instituição hospitalar, há muito o que realizar.


Constitui sugestão importante a realização de treinamentos em serviço para os
profissionais referidos ou, ainda, para residentes ou estagiários em psicologia
hospitalar, que contemplem mecanismos de auto-aprendizagem relacionados com a
sensibilidade

Página 44

aos fatores de stress provenientes dos diferentes setores e serviços do hospital e,


particularmente, das condições críticas das pessoas aí internadas. Por outro lado,
devem ser postos à reflexão os recursos pessoais para enfrentar tais agentes
negativos, como são o fortalecimento da autoestima, a avaliação do potencial
resiliente, o equilíbrio emocional e a habilidade cognitiva para avaliar situações
estressantes e tomar decisões realísticas de superação.
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Nesses cursos são também propícios temas sobre a análise das condições do
ambiente hospitalar que possam compensar a influência negativa dos agentes
estressores existentes, como seriam a valorização das funções do psicólogo na
equipe clínica, o acolhimento do mesmo nesse contexto, a consideração que possa
receber de seus companheiros de trabalho e a clara identificação do seu rol
profissional, entre outros.

Para concluir, segue-se uma mensagem aos psicólogos hospitalares:


Sinta-se orgulhoso de poder, mesmo enfrentando dificuldades, contribuir com sua
pessoa e sua bagagem de conhecimentos para aliviar os momentos de angústia e
de dor dos seres humanos. Fortaleça-se em sua saúde mental, pois ela constitui um
pilar imprescindível para essa importante missão.

Página 45

Anexo 1 — Questionário “5-1 de Stress Ocupacional”

Instruções

O presente questionário tem por finalidade identificar as principais fontes de stress


percebidas por você, na sua atuação, nos hospitais ou centros-dia que atendem
portadores de psicose. Ele consta de duas partes: a primeira se refere aos dados
pessoais e de seu emprego; a segunda compreende 56 itens especificativos de
situações de stress relacionados com o seu trabalho.

Não se trata de uma prova de rendimento ou de um teste de capacidade; por essa


razão, não há respostas certas nem erradas. O importante é que você, além de
indicar os dados referidos na primeira parte, expresse o grau de intensidade ou de
freqüência com que percebe as condições estressantes apresentadas na segunda
parte deste instrumento. Trata-se de um questionário que deve ser preenchido por
você mesmo, com a maior franqueza e naturalidade. Ao realizá-lo, evite, no caso de
pesquisa, escrever seu nome ou qualquer identificação de ordem pessoal, para
assim assegurar o anonimato e o caráter confidencial do conteúdo de suas
respostas.
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As informações da primeira parte devem ser preenchidas colocando um X nos


parênteses correspondentes de cada item, especificando sua resposta quando
solicitada. Os dados da segunda parte serão marcados por um círculo no número
que corresponde ao grau de freqüência ou intensidade percebido por você, em
relação a cada uma das situações estressantes indicadas.

Por exemplo: “Preocupam-me os comentários negativos em relação a minha


profissão”:

Início da imagem

Fim da imagem

Descrição da imagem: sequência de número de 1 a 5. onde o 1 é “nunca. O 2 é


“raramente”. O 3 é às vezes. O 4 é frequentemente. O 5 é sempre. Deve-se circular
número que lhe representa. No exemplo da imagem está circulado o número 4.

Fim da descrição

Nota-se que foi circundado o item 4 (frequentemente), porque a pessoa que


respondeu esse item percebeu que a citada preocupação é sentida frequentemente
(4).

Agora que você sabe como proceder, procure responder completamente o


questionário, não deixando nenhum item sem resposta. Reflita sobre o conteúdo de
cada um deles, respondendo com toda liberdade e amplitude de julgamento, como
também com a maior sinceridade possível.

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Marque com um X, nos parênteses correspondentes, o número indicativo que lhe for
aplicável.

1.1 Idade
1.( )até 20 anos
2.( )de 21 a 25anos
3.( )de 26 a 30 anos
4.( )de 31 a 35 anos
5.( )de 36 a 40 anos
6.( )de 41 a 45 anos
7.( )de 46 a 50 anos
8.( )de 51 a 55 anos
9.( )de 56 a 60 anos
10.( ) mais de 60 anos

1.2 Sexo
1. ( ) masculino
2. ( ) feminino

1.3 Estado civil


1.( )solteiro(a)
2. ( ) casado(a)
3.( )separado(a)
4. ( ) divorciado(a)
5.( )viúvo(a)

1.4 Filhos
0.( )nenhum
1.( )1 filho
2.( )2filhos
3.( )3filhos
4.( )4filhos
5. ( ) 5 filhos ou mais
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1.5 Tipo de instituição


1.( )hospital
2.( )centro-dia

1.6 Área de atendimento


1.( ) ambulatório
2.( )internação
3. ( ) laborterapia
4. ( ) outras (indicar)

1.( )de6al0anos
2.( )dellal5anos
3.( )del6a2oanos
4.( )de2la25anos
5.( )de26a3oanos
6.( ) mais de3l anos
1.7 Tempo de serviço (instituição atual)

1.8 Regime de trabalho


1. ( ) tempo parcial
2. ( ) tempo integral

1.9 Nível hierárquico


1. ( ) chefe de setor ou unidade
2. ( ) profissional da equipe
3. ( ) outros (especifique)

2.0 Situação funcional


1.( ) efetivo
2. ( ) contratado

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Parte 2 — Fontes de Stress

1. Fico tenso (a) no desempenho do meu trabalho pelas constantes interrupções dos
outros.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

2. Minha atuação no trabalho é extenuante por causa do excesso de serviço sob


minha responsabilidade.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

3. O tempo de que disponho para minhas atividades profissionais é realmente


insuficiente.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

4. As atividades profissionais realizadas fora do horário de trabalho prejudicam


minhas responsabilidades pessoais e familiares.

1 – Nunca
2 – raramente
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3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

5. Eu me sinto insatisfeito (a) com as mudanças impostas às minhas atividades, sem


a conveniente preparação.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

6. Minhas atividades profissionais ficam prejudicadas pelo número excessivo de


atendimentos que tenho de realizar.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 48

7. Sinto-me aborrecido (a) com o desinteresse dos outros profissionais pelo meu
desempenho,

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre
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8. Minhas atividades profissionais são prejudicadas pela realização de tarefas


administrativas (relatórios, formulários, reuniões etc.) a mim incumbidas,

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

9. Os recursos materiais e os instrumentos de que disponho no meu trabalho são e


superados.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

10. Minhas atividades profissionais no trabalho são rotineiras e pouco estimuladoras.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

11. Fico confuso (a) no meu trabalho porque verifico que minhas funções estão
insuficientemente definidas.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre
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12. As atividades paralelas, não específicas de minhas atribuições profissionais,


minha atuação no trabalho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

13. Sinto-me perdido (a) no meu trabalho por não estar seguro(a) de minha posição
na estrutura da instituição

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 49

14. Meu prestígio profissional fica prejudicado com a imagem negativa que os outros
têm da instituição em que atuo.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

15. Eu me sinto frustrado(a) com a desordem que se observa na rotina da minha


instituição.

1 – Nunca
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2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

16. A ausência de programas de reconhecimento e de mérito no trabalho


prejudicado meu interesse profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

17. A natureza dos serviços que são prestados pela instituição cria-me nervosismo e
desgaste nas minhas atividades profissionais.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

18. A falta de linhas de supervisão bem definidas atrapalha minha rotina de trabalho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

19. A insuficiente atualização a estrutura organizacional de meu serviço desestimula


meu desempenho.
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1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

20. As repetidas mudanças de atividades no meu serviço atrapalham minhas


realizações.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 50

21. A experiência que estou acumulando no trabalho atual limita minhas aspirações
no progresso profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

22. As atividades repetitivas que realizo bloqueiam minhas aspirações profissionais.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre
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23. A limitação de oportunidades para atualizar-me no meu serviço prejudica minhas


perspectivas profissionais.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

24. Ao perceber que minha categoria profissional vem perdendo prestígio, sinto-me
diminuído (a) nas minhas aspirações.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

25. A falta de apoio no trabalho que exerço, para desenvolver minhas capacidades e
ideias, empobrece minhas perspectivas profissionais.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

26. A insuficiência da remuneração pelo meu trabalho desestimula meu crescimento


profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
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5 – sempre

27. A falta de programas para o desenvolvimento de pessoal no meu serviço dificulta


minhas tentativas de atualização profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 51

28. Os conflitos e ciúmes entre colegas no meu serviço entorpecem meu progresso
profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

29. A falta de identificação entre as metas da instituição em que trabalho e as do seu


pessoal bloqueia minhas aspirações profissionais.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre
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30. Os altos índices de insatisfação observados no meu serviço prejudicam minhas


aspirações de crescimento profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

31. Na minha organização há reais situações de conflito entre grupos de


funcionários prejudicando meu desempenho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

32. No meu trabalho há “panelas” ou “grupinhos” de colegas que se esforçam em


dominar o ambiente criando tensão.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

33. Fico nervoso (a) com os conflitos, de relacionamento entre as pessoas que são
atendidas na instituição e os profissionais desta.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
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5 – sempre

34. A evidente falta de cooperação existente entre meus colegas de trabalho


repercute negativamente em meu estado de ânimo.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 52

35. Sinto-me tenso (a) com o excesso de atendimentos que impedem o bom
relacionamento com os atendidos.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

36. Quando me destaco no desempenho de meu trabalho os meus colegas se


distanciam de mim.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

37. Fico preocupado (a) porque certos colegas transgridem os princípios éticos no
trabalho.
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1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

38. A falta de lealdade e cooperação dos meus colegas para comigo incide
negativamente no meu trabalho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

39. Sinto-me preocupado (a) com a falta do conceito de equipe existente no meu
serviço.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

40. É prejudicial para o meu trabalho o distanciamento que existe entre os


superiores e os profissionais de minha categoria.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre
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41. Sinto-me decepcionado (a) com os resultados da avaliação de meu desempenho


profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 53

42. É frustrante para mim perceber a escassa importância que a instituição dispensa
ao meu desempenho no trabalho.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

43. A insegurança que tenho em conservar meu emprego atual afeta negativamente
meu estado de ânimo.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

44. Fico desanimado (a) ao verificar que as condições de minha instituição não
oferecem melhores possibilidades de crescimento profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
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3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

45. Vejo-me obrigado (a) a continuar no meu trabalho atual pela falta de outras
oportunidades de emprego.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

46. E conflitante para mim sentir que a estrutura de minha organização não oferece
oportunidades de promoção.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

47. O clima emocional existente nmeu trabalho afeta minha produtividade.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

48. Sinto que não sou considerado (a) nas decisões de importância para meu
trabalho.

1 – Nunca
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2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Página 54

49.0 que a instituição espera de minha atuação é realmente extenuante.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

50. É frustrante o fato de que a instituição em que trabalho não facilite a minha
participação em eventos que visem ao crescimento profissional.

1 – Nunca
2 – raramente
3 – às vezes
4 - frequentemente
5 – sempre

Comentários:

Página 55

Referências Bibliográficas

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centro cirúrgico. São Paulo, Tese de doutorado, ll8p., Escola de Enfermagem,
Universidade de São Paulo, 1990.
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CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA - 6 REGIÃO. Manual do CRP — 6


Região. São Paulo: GraphBox-Caram Editoração Eletrônica e Gráfica, 1997.

DALLARI, D. A. Bioética e direitos humanos. In: COSTA, 5. 1. F.;


GARRAFA, V. e OZELKA, C. (orgs.). Iniciação à bioética. Brasília:
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RICHARDSEN, A. N. e BURKE, R. J. Occupational stress and job satisfaction among


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Página 57

De um aniversário.
Trinta e um anos de muita luz

Valdemar Augusto Angerami — Camon

Para o palhacinho punk,


a nossa Claudinha

Balzac imortalizou a expressão...


mulher de trinta
é a mais fascinante.., a mais bonita... reúne a
maturidade do desenvolvimento com o esplendor
de suas formas... trinta anos é um marco na vida
das pessoas... uma data que vinca emoções, descobertas
e conquistas... na vida da mulher é o período em que
ela se sente desabrochando para a vida.., para o amor...
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Trinta anos e muita dor... choro, lágrima e muito


sofrimento.., um quê de desilusão e a certeza de

Página 58

que não haveria outros aniversários.., nem tampouco


a própria ilusão que a vida nos oferece nessas datas...
tudo era turvo e tudo está completamente perdido...
tudo era uma névoa onde não havia lugar para a
esperança e nem para a ilusão...
diagnósticos e mais diagnósticos... e a total
falta de perspectiva de vida como sendo
a nossa única realidade...

Felizmente a vida nos reserva surpresas... e até


o mais seguro dos diagnósticos não consegue
vencer a esperança, a obstinação pela vida...
o azul consegue superar o cinza do desamor...
tudo deixa de ser real diante da perspectiva
que o amor desabrocha em nossos corações...
e o que era lágrima ontem, hoje é sorriso...
e o que era tristeza é apenas reminiscência
de um tempo que passou e que não volta mais..,
tudo é esperança... tudo é amor...
e o ceticismo dos diagnósticos é derrubado
pelo teu sorrir.., pelo teu jeitinho faceiro
de a todos conquistar...

Página 59

Fazer trinta e um anos é mais do que


uma simples comemoração... é saber que
a tua superação é luz.., vida.., azul.., força
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capaz de superar as mais intransponíveis barreiras...


é fazer de cada momento a certeza de
que somos privilegiados em partilhar da
tua alegria e da tua superação nas vicissitudes
que a vida colocou em teu caminho...
somos a tua porção de fragilidade.., e nos
fortalecemos com a tua alegria e com a
luz da tua alma, alegre e radiante,a
nos mostrar que
a vida é uma eterna superação...

Página 60 – Em branco

Página 61

Capítulo 3

E o Tratamento se Inicia na Sala de Espera...

SiIvia Martins Ivancko

“Para o paciente que se acha só e confuso, perdido no labirinto da crise, a


abordagem franca e confirmatória de sua existência e o reconhecimento de sua
angústia pelo terapeuta têm a experiência da mão que se estende do alto do abismo
para impedir-lhe a queda definitiva. Nessa fase, o terapeuta não só consegue
estabelecer um vínculo satisfatório com o paciente, como também produzir certo
alívio derivado da anulação da sensação de o paciente achar-se absolutamente só e
desamparado.”

Ferreira Santos (1999)

Estamos na sala de espera de uma clínica oncológica.


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Podemos observar rostos sombrios, preocupados, tensos, ansiosos, sérios, com


medo e tristes. São estas as expressões dos pacientes que aguardam por uma
consulta um diagnóstico, e muitas vezes a revelação do futuro que o aguarda. No
silêncio, olham em direção à televisão como se estivessem interessados em
qualquer coisa que ela pudesse trazer, qualquer coisa que tirasse de dentro deles as
fantasias tristes que os trazem àquela clínica. Podemos ouvir seus pensamentos:

Será que estou com câncer? Será o fim de tudo?

Página 62

A cirurgia vai dar certo? Será que vou retirar os pontos? E o dreno? Terei que fazer
novos exames? Será que estou curado? E se tiver uma recidiva? Metástase? Por
que a quimioterapia? Terei que fazer radioterapia?
Vou me curar? E se não der certo? Que medo!”

Segurando firme nas mãos os envelopes de exames quase sempre indecifráveis,


algumas vezes acompanhados por pessoas próximos, outras vezes sozinhos por
não haver “pessoa próxima” ou por julgar ser esta uma tarefa solitária.

Os minutos são intermináveis...

A cada nome pronunciado há a expectativa de ouvir o seu.

E a espera continua, alimentando os temores cada vez mais.

Não é para menos, carregamos o estigma da palavra (quase sempre


impronunciável) da doença que assola o nosso século: o câncer.

O diagnóstico de câncer sempre vem associado à morte, perda de órgãos, perda de


cabelos com a quimioterapia, queimaduras na pele na radioterapia, sofrimento, dor,
perda de amigos, companheiros de trabalho, hospital, cirurgias, perda de peso, até o
encontro inevitável da morte indesejável.
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É bem verdade que este fato ainda ocorre, com muito menos freqüência do que há
poucos anos, mas no momento em que se ouve o diagnóstico, estes “fantasmas”
nos invadem sem nos pedir licença.

Mas ainda estamos na sala de espera.

Esta cena é muito comum em clínicas e hospitais oncológicos, todos já vimos ou até
mesmo já vivemos cenas como esta.

Quando pensamos em termos psicossomáticos, entendemos que neste momento de


espera, em sala aguardando um “veredicto” existe com certeza um paciente.

Página 63

Independentemente de diagnóstico ou terapêutica, estamos diante do paciente


psicossomático, onde a doença pode ou não existir concretamente (mas é real para
o paciente), porém o quadro emocional já está caracterizado sem dúvida.

Diante da expectativa da consulta, já se concretizou um perfil psicossomático, esses


pacientes estão vivendo sintomas tais como: insônia, distúrbios alimentares,
ansiedade, tristeza, irritabilidade, angústia, depressão, medo, apatia, distúrbios
gastrointestinais, dores locais, enxaquecas, stress etc. É inegável, o paciente doente
e sente-se desta forma. Além disso, um sentimento de vergonha (em razão do
estigma) envolve a baixa autoestima, assim percebemos que os olhares são
evitados em uma sala de espera, as pessoas buscam sentar-se nos locais mais
distantes uns dos outros e, em geral, evitam conversas até para não se tocar no
assunto. Às vezes, inquietas, dirigem-se à secretária, perguntando sobre a demora,
ou sobre quantas pessoas há na sua frente; retornando ao seu lugar. Outras,
impacientes, reclamam do atraso do horário e descarregam parte da ansiedade e
irritação nas secretárias, sem que haja possibilidade de se alterar a espera.

O clima fica tenso e constrangedor, mas quem poderia esperar outra coisa diante
dessa situação?
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A espera é um dos momentos mais difíceis para o paciente, inclusive para seu
acompanhante e familiares. É o momento de “suspensão” quando não há um
caminho para dar vazão às emoções. Não há direção para se prepara todas as
possibilidades são viáveis e o paciente imagina tudo o que pode acontecer, mas não
pode agir.

Depois de muito tempo de espera, às vezes horas, o encontro tão esperado e


indesejável com o médico acontece e então a temida palavra câncer é pronunciada.
O mundo do paciente desaba em questão de segundos!

Morte? Dor? Perda dos cabelos? Perda do emprego? Como fica a família?

Enfim, uma avalanche de imagens, medos, cenas desaba sobre a pessoa.

Página 64

As reações da pós-consulta são as mais diversas. Há pessoas que se entristecem e


tentam controlar o choro; existem aquelas que não conseguem controlar as lágrimas
e deixam a tristeza transparecer; as que negam o diagnóstico, nem chegam a ouvi-lo
e buscam um médico “mais competente”; há também as que deixam a raiva se
aflorar, demostrando a frustração e a decepção por terem sido surpreendidas pelo
inimigo.

Reações naturais de quem vive um momento decisivo em sua vida.

Após a consulta, com o veredicto, encontra-se a “porta” de saída das emoções:


comemora-se a vitória de um tratamento, de uma cirurgia, uma biópsia negativa; ou
se iniciam os preparativos para uma cirurgia, quimioterapia, radioterapia; mas enfim
a angústia cessa.

Agora se tem um caminho de alívio ou de vazão das emoções, mas a espera


chegou ao fim!
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Normalmente esses pacientes vivem essas emoções de forma solitária, sem apoio,
fragilizados, tentando demonstrar força, naturalidade, disfarçando até para si
próprios o momento que enfrentam, tanto na pré como na pós-consulta.

O câncer, nesse momento, só é percebido nos exames, como um nódulo, ou um


sintoma, muitas vezes não há dor física, mas sempre há uma enorme dor psíquica
no nosso paciente psicossomático. E é essa dor psíquica que deve ser tratada
nesse momento.

“E se, de repente
A gente não sentisse
A dor que a gente finge
E sente
Se, de repente
A gente distraísse
O ferro do suplício
Ao som de uma canção

Página 65

Então, eu te convidaria Pra uma fantasia


Do meu violão...”
Fantasia
(Chico Buarque de Hoflanda)

Como Tudo Começou...A Primeira Experiência

Durante a minha especialização em Psicologia Hospitalar no Hospital das Clínicas


da FMUSP, com a exigência de uma monografia fui autorizada a frequentar uma
Sala de Espera da 3 Clínica Oncológica Cirúrgica, na qual o psicólogo Niraldo
Santos convidava os pacientes (que aguardavam pela consulta pré ou pós-cirúrgica
oncológica) a se dirigirem a uma sala reservada para conversarem. Alguns
pacientes optavam por essa Sala, onde podiam falar de seus problemas e contavam
sobre seu tratamento.
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Eu, gestaltista e a psicodramatista Maria Cristina Salto observamos por um mês o


trabalho realizado pelo Niraldo, lacaniano. Depois da nossa observação,
começamos a intervir no grupo, cada um com seu estilo, e percebemos que Peris,
Moreno e Lacan conviveram muito bem!

Comecei então a coleta de dados para a minha monografia. Ao final das sessões,
que duravam em média uma hora e meia, pedíamos autorização aos pacientes para
gravar o discurso de cada um sobre o que era, para eles, a “Sala de Espera” Os 52
pacientes que autorizaram tiveram seus depoimentos gravados.

O objetivo do trabalho era saber se a Sala de Espera contribui, e de que forma, para
o paciente.

Página 66

A partir desses depoimentos foi feita, por meio de uma metodologia qualitativa
proposta por Fernando Lefêvre (2000), a classificação do “Discurso do Sujeito
Coletivo” de acordo com as seguintes palavras-chave:

Tempo, Catarse, Esclarecimento Comparação, Amizade, Avaliação da Sessão do


Dia, Mudanças de Atitude, Expectativas de Continuidade da Sala de Espera e
Equipe de Atendimento do Hospital, em um total de nove grupos.

Os discursos são analisados individualmente e tudo o que se refere ao mesmo tema


é unido em um Único discurso representativo da coletividade, já que o tema se
repete oriundo de diferentes sujeitos.

Após a divisão dos discursos nas nove categorias, foi feito um único relato de cada
categoria representativa dos pacientes em questão.
Na categoria Tempo, foram colocados os discursos que relacionam a Sala de
Espera ao fato de o tempo passar mais rápido.
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“.. Quando a gente conversa passa o tempo rápido; calado, o tempo demora a
passar, aqui as horas passam e você nem vê... para mim sala de espera é aquela lá
fora onde o tempo não passa, essa aqui não; aqui o tempo passa rápido. É melhor
do que lá fora porque aqui o tempo passa e a gente nem num vê, num é verdade?
Enquanto esperamos, é melhor ficar conversando, ajuda a hora passar.”

Na categoria Catarse, os discursos se referem a sentir-se bem ao falar, ao elemento


catártico de que falar leva a um bem-estar.

“A gente expõe o que a gente sente, se está triste ou se está alegre... a gente põe
para fora a tristeza, é bom, falar é bom e poder colocar para fora o sentimento de
cada um é muito bom. Ficar se distraindo, ouvindo as emoções das pessoas, você
se sente bem e ficar calada esperando você junta um problema com o outro e só
atordoa a cabeça da gente. Aqui não enche a cabeça, até esvazia, tira o stress... Se
não tivesse isso aqui, a gente não suportava o problema da gente, porque aqui a
gente amadurece, a gente cresce, com o problema de cada um e a gente suporta
carregar a cruz da gente com mais facilidade. É diferente da

Página 67

outra sala, porque, às vezes, na outra sala alguém te conta um problema e você não
desabafa com ninguém e vai segurando o problema de um, o problema de outro e
chega uma hora que você fica pior do que já estava, e aqui já é um outro modo... dá
pra desabafar, ajuda muito nessa parte de medo, a gente conversa, descarrega um
pouco os problemas... ajuda. Ficar calado assim é neurótico, a gente desabafa, a
pessoa desabafa, eu acho muito importante falar tudo o que está acontecendo..., o
desabafo faz bem! Eu vou pensar em mais alguma coisa e confessar mais algumas
outras; por exemplo, que nem da outra vez que eu vim, tinha umas pessoas que
estavam muito impressionadas, um nervoso, até falando palavrão e no fim ele
estava totalmente tranquilo, e se sentiu bem no final da reunião, as pessoas têm
medo e o medo é pior do que a doença...”

Na categoria Esclarecimento, os discursos relacionados são os que relatam algum


tipo de esclarecimento em Sala de Espera.
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“Se tiver alguma dúvida, a gente pergunta e lá fora não; a pessoa fala do problema
dela e você do seu e fica na mesma ou até pior, né? Aqui se tem um esclarecimento
maior, a gente fica mais preparada, depois de ter passado aqui pelas reuniões. Eu
me senti mais segura, mais confiante, eu sei o que nós devemos fazer e estamos
fazendo. Agora eu estou mais preparada para enfrentar, não sou mais aquela
pessoa nervosa, que ficava ansiosa. A gente fica ciente de muitas palavras, de
muitos conselhos, de muitas explicações, muitas coisas que falaram, eu não sabia e
aprendi hoje... Sobre reclamar, eu não sabia... é um direito meu!...”

Na categoria Comparação, os relatos selecionados foram aqueles nos quais o


paciente cita comparações entre si e os outros ou entre dois outros pacientes como
uma forma de conforto ou de parâmetros para
Situar:

“Às vezes, a gente fica meio oprimido, achando que está sendo vítima, e
conversando aqui, a gente nota que tem pessoas que estão passando por situação
ainda pior do que a da gente; então é muito reconfortante. Tem gente que não tem
nem um real para tomar condução para vir aqui, então a gente se sente numa
condição privilegiada. A gente se emociona também com a emoção dos outros, você
pensa na situação dos outros... a dele está pior do que a minha ou a minha está pior
do que a

Página 68

dele... eu já estive aqui chorando... A gente se sente bem melhor quando conhece o
problema dos outros...”
Na categoria Amizade, as frases selecionadas são as que associam a Sala de
Espera com o fato de se relacionar socialmente e conhecer novas pessoas.

“... Aqui a gente também fica amigo dos outros, conta o seu problema, ouve o
problema dos outros, fica conhecendo muita gente... as pessoas são amigas que
ajudam a gente a segurar a mesma barra... eu converso com o pessoal, é bom ver
as pessoas.”
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Na categoria Avaliação da Sessão do Dia, foram eleitas as frases relativas a uma


avaliação dos pacientes no que diz respeito à sessão de Sala de Espera do dia em
questão.

“Eu venho nessa reunião e eu gostei, aqui dá pra gente aquela força, aquela
liberdade; é um trabalho maravilhoso, eu acho vir aqui bom à beça... se ainda me for
possível vir aqui da próxima vez... eu acho que vale a pena... foi ótimo hoje... É
muito importante o trabalho que vocês fazem porque descontrai e ajuda muito as
pessoas, então eu acho que esse trabalho que vocês fazem é magnífico, eu gostei
muito.”

Na categoria Mudanças de Atitude, foram preservadas as frases em que o discurso


indica mudança de atitude a partir da vivência em Sala de Espera.

“Agora eu estou rindo, mas eu cheguei nos nervos para falar com o médico, que eu
pensei: vou me embora, mas agora eu já mudei de atitude, vou falar mais alegre
com o homem... Eu tô me sentindo melhor agora, eu não tô tão inseguro, né, quanto
tava, realmente ajudou, agora eu tenho confiança, eu me trancava muito e sofria
muito, mas depois que eu passei a vir na sala de espera eu melhorei muito, hoje eu
consigo falar, antes eu não conseguia...”

Na categoria Equipe de Atendimento do Hospital, selecionou-se os discursos


dirigidos aos médicos, enfermeiros e psicólogos da Sala de Espera.

Página 69

“Vocês (coordenadores) compreendem a gente no nosso sofrimento e nos ajuda


dessa forma; ter uma comunicação assim de paciente e médico, isso é muito
importante, né? Eu acredito também na ciência, nos médicos, acredito... Os médicos
que tratam a gente com o maior amor e sei que eles fazem o máximo que eles
podem, a gente aqui é muito bem tratado também pelas enfermeiras, é espetacular,
não tenho do que reclamar...”
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Na categoria Expectativas de Continuidade da Sala de Espera, são narrados os


discursos relativos ao assunto.

“A reunião de vocês é muito boa, espero que vocês continuem porque é muito
importante! Eu espero que vocês levem esse projeto adiante... e que Deus ajude
que vocês possam levar esse trabalho em todas as outras áreas.”
Também foram incluídos trechos de discursos de caráter catártico, nos quais os
pacientes, ao serem inquiridos sobre a avaliação da Sala de Espera, não
responderam a questão, mas aproveitaram o momento para falar de seus medos,
insatisfações, inseguranças e problemas que estavam sendo vividos, muitas vezes
ditos pela primeira vez.

Paciente 1 — “Neste mês, eu contei segundo por segundo para chegar a hora da
consulta porque isso (mostra o local do câncer) está me incomodando muito..., dói...
e me irrita muito a burocracia, faz seis meses que estou tentando curar isso só na
espera de falar com o médico. Porque o pobre é tratado de qualquer jeito, é um
problema político, o brasileiro não sabe reclamar nada’

Paciente 2 — “Estou muito preocupada por ter aparecido este outro tumor, não
contei para ninguém lá em casa (começa a chorar) ...”

Paciente 3 — “Esperei meu filho até as 6 horas da manhã, ele não apareceu e então
eu vim sozinha de ônibus... é difícil para mim, pois tenho muitas dores na perna e às
vezes ela endurece e não consigo andar. Minha vida é muito sofrida, moro sozinha,
sou separada desde muito tempo e tenho só um filho. Durante alguns anos, morei
junto com ele e minha nora, mas ela me tratava tão mal, que precisei ir embora de
lá. Vocês acreditam, que meu prato e os meus talheres ela separava dos outros da
casa? Depois que eu tomava banho, ela entrava no banheiro e ficava desinfetando,
como se esta doença fosse contagiosa.”

Página 70

Paciente 4 — “Faz tempo que eu venho aqui e nada é resolvido, este tumor vaza e
faz uma fedentina horrível, tem dia que chego a trocar quatro vezes de camisa.”
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Paciente 5 — “É muito difícil, sou de Pernambuco, deixei lá meu marido, meus filhos
e minha mãe. Moro com meu pai aqui há um ano e meio.”

Paciente 6 — “Pra mim é difícil estar aqui para fazer este tipo de consulta, eu jogava
futebol como amador, e tive que parar o esporte... quando saio na rua, às vezes,
minha perna fica endurecida e os amigos me chamam de saci... estou oprimido, não
posso mais jogar bola, não posso fazer mais nada, enquanto estiver com este tumor,
quero que seja feito aqui o melhor, quero ser operado logo para retirar ele daqui... às
vezes, tenho vontade de rasgar isso com uma faca.., foi bom estar aqui porque pude
desabafar a história do saci, nunca contei isso a ninguém, só para vocês:’

Paciente 7 — “A notícia da doença pega a gente de surpresa, atrapalha nossos


planos futuros..., depois do diagnóstico passamos a pensar diferente..., fiquei muito
triste. Estava para me casar e adiei o casamento porque não sei o que vai
acontecer, tenho um tumor na perna. O câncer destrói os planos da gente e causa
uma tristeza muito grande. É muito bom poder dividir com a família os problemas. É
a primeira vez que eu venho..., eu achei bom, porque dá ânimo na gente, se ficamos
sós na sala de espera, ficamos pensando na doença e suas consequências, a
expectativa para entrar no consultório médico é muito alta.”

Paciente 8 — “Fiz a biópsia, porém não pude ser operado, pois o médico me disse
que a chance de morrer na cirurgia é grande, sinto muita dor, estou mal, não estou
gostando desta situação (da doença), na verdade eu tenho ódio do mundo por estar
assim. Sei que estou na clínica de hematologia, prefiro não saber o que tenho...”

Paciente 9 — “Quando soube do diagnóstico, reuni meus filhos na minha firma e


contei a eles e à minha mulher. Eu disse: ‘Está difícil falar sobre isso, hoje vocês
estão me vendo abatido e abalado, mas sei que vou superar e conto com vocês!’
Tenho ansiedade, expectativa do resultado de qual o tratamento que terá que seguir
daqui pra frente, acho que talvez tenha que fazer radioterapia.”
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Paciente 10 — “... Mas tem o seguinte, comentar aqui é uma coisa, para quem sabe
do nosso problema, fora daqui são poucas as pessoas que sabem que tenho câncer,
pois as pessoas são preconceituosas e temem que esta doença seja contagiosa.”

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Paciente 11 — “Nunca fiquei doente, nunca fui a um hospital, não gosto de falar em
doença e nem de ouvir coisas que de repente nem têm cura..., é ruim. Ninguém quer
ficar doente, todo mundo quer ter saúde. Mas errar o diagnóstico, é demais, deixar
chegar no estado em que chegou para mandar fazer biópsia... é para estar
revoltado, eu nem sei se o meu caso tem cura ou se vou morrer em três meses, mas
com essa demora ficou pior. Acho que não é bom ficar falando, queria voltar para a
roça onde moro e tocar a vida como sempre, esquecer isso.”

Os resultados obtidos a partir da observação dos relatos dos pacientes que


frequentaram a Sala de Espera da 3’ Clínica Cirúrgica do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo nos leva a constatar que o
espaço “Sala de Espera” contribui positivamente para os pacientes.

Este resultado tem concordância com os objetivos de Melio Filho (1998), ao que se
refere a fazer um atendimento de qualidade à grande demanda de clientes que
esperam longo tempo pela consulta. Nesse seu trabalho, também afirma que “é mais
fácil falar das emoções com um igual a partir da relação que se institui no grupo e
que a sala de espera sensibiliza o paciente quanto às dimensões psicológicas da
sua situação, trocando a posição passiva e receptiva do paciente para uma posição
ativa e participativa”.

Maldonado (1998) também refere que, em sala de espera, transforma-se o tempo


ocioso em tempo de trabalho e as vivências são compartilhadas, sua expressão
incentivada e as informações solicitadas pelo grupo são dadas de forma prática e
informal.

Neste aspecto, Gonçalves (1998) ressalta que os pacientes apresentam um


sofrimento psíquico e que a necessidade de compartilhar com alguém este momento
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de espera, tendo pelo menos uma escuta, pode refletir de forma positiva criando um
alívio ao sofrimento emocional.

Segundo Winnicott (1949), este seria o “espaço potencial”, ou seja, a “área onde se
dão as trocas entre o indivíduo e o meio e onde

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ocorre toda a experiência satisfatória mediante a qual o indivíduo pode alcançar


sensações intensas e a consciência de estar vivo’

Santos (1999) conclui em seu trabalho que o atendimento em grupos de sala de


espera atinge um número considerável de pacientes com problemas semelhantes de
saúde, dentro de um enfoque educacional, que permite a aquisição de estratégias
eficazes para enfrentar a doença.

Ferreira Santos (1999) afirma que o apoio vindo do terapeuta produz o alívio da
sensação de o paciente sentir-se absolutamente só e desamparado. Além disso, a
participação ativa do paciente no processo de tomada de decisão em relação ao
tratamento facilita sua cooperação com as intervenções propostas, assim como a
adesão ao tratamento.

“O mundo fere todas as pessoas,


mas depois, muitas se tornam
fortes nos lugares feridos...”
Ernest Hemingway

A Sala de Espera

Concluído o trabalho do Hospital das Clínicas da FMUSP, fui convidada por um


Instituto de Cancerologia a apresentar um projeto de trabalho que se adequasse às
reais necessidades dele.
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A sala de espera desse instituto é frequentada por pacientes de diversos planos de


saúde, o corpo médico constituído por médicos oncologistas e cirurgiões das mais
diversas especialidades.

Na minha primeira visita ao instituto, encontrei as mesmas expressões sombrias que


havia visto no Hospital das Clínicas. Apesar do nível socioeconômico diferente, o
sofrimento, a angústia, o medo, a tristeza eram os mesmos.

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Ao iniciar meu trabalho nessa clínica, notava certa curiosidade por parte dos
funcionários e alguns médicos não estavam bem certos do benefício que a atuação
na sala de espera pudesse trazer, mas aguardaram os resultados.

Comecei como no Hospital das Clínicas... Observando! Neste instituto há também


uma confortável sala para quimioterapia que comporta cinco pacientes em poltronas
reclináveis, com duas enfermeiras e uma TV. Apesar de todo o conforto, muitos
pacientes tinham medo até de olhar em direção àquela porta com a placa: “Sala de
Quimioterapia’

A sala de espera, finamente decorada, divide o ambiente em uma sala grande e


outra pequena com uma TV para cada uma das salas. Frequentemente, podia-se
ver os pacientes mais debilitados, em cadeira de rodas ou que perderam os cabelos
na quimioterapia, envergonhados, buscando a sala menor como refúgio,
escondendo-se dos demais.

Os pacientes chegam a esse instituto indicados pelos seus médicos, ou pelo livreto
do convênio, mas quando saem do elevador deparam-se com o nome do instituto; e
a palavra “CANCEROLOGIA”, fazendo com que os menos avisados sofram o
primeiro impacto do nome câncer. Foi então que me perguntei: o que poderia ser
feito para aliviar a dor emocional desses pacientes?

Voltei às categorias do meu trabalho no Hospital das Clínicas, e pensei muito em


cada uma delas. Decidi experimentar como início a categoria “Esclarecimento”
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porém, desta vez, com um caráter intencional e não casual ou decorrente do


encontro, como foi no Hospital das Clínicas.

Cheguei então na sala de espera, apresentei-me a todos como psicóloga e disse


que estava lá para conversar. Quem quisesse participar iria para a sala grande, mas
os que preferissem ver TV, ler, ou não participar poderiam ficar na sala pequena.
Senti as pessoas muito surpresas com a minha “aparição” nunca tinham visto algo
parecido.

Uma psicóloga conversando na sala de espera? Para quê? Ela quer me analisar?
Será que ela vai perceber como estou? Alguém para me

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dar atenção, para falar comigo? Que bom! Que medo! Essas foram algumas das
frases que ouvi, tempos depois, de alguns pacientes.

Mas, continuando, após me apresentar, refiro-me ao nome do instituto com a palavra


“Cancerologia” que visa desmistificar o estigma da doença, fazendo com que
possamos pronunciar câncer, assim como pronunciamos diabetes, hipertensão,
gastrite, reumatismo etc. com a mesma naturalidade. Além disso, o Instituto não
trata apenas pacientes de câncer, mas todos que pretendem fazer exames
preventivos ou cirurgias de tumores benignos e malignos. O caráter de
esclarecimento alivia alguns medos advindos do desconhecimento de um assunto,
tabu conhecido até pouco tempo como “doença ruim” e palavra jamais dita na frente
de crianças. O medo do desconhecido diminui quando se tem a informação
necessária, portanto, dentre os assuntos de Sala de Espera surgem temas tais
como: por que o médico pede exames complementares, casos cirúrgicos, anestesia,
internação, pontos, drenos, indicação de quimioterapia, possíveis efeitos colaterais
da quimioterapia, tempo de aplicação, a palavra quimioterapia, radioterapia, o que é
mastectomia radical, parcial, de quadrante, cirurgia plástica de reconstrução,
próteses externas, perucas, beleza, estética, vaidade, cura, alta, metástases,
recidiva, avanços da medicina, atualidades em medicina diagnóstica, casos de cura
etc.? Os temas variam sempre de acordo com a demanda de cada Sala de Espera.
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É possível se direcionar temas da Sala a partir da agenda médica que assinala se o


paciente vem para primeira consulta, se é retorno para trazer exames, se vai marcar
cirurgia, se vai fazer curativo pós- cirúrgico. Assim, já se tem um panorama de quem
é o paciente que vamos encontrar naquela Sala e os possíveis interesses, dúvidas e
esclarecimentos a serem dados.

A maioria dos pacientes vem acompanhados e, quando há demanda, é discutido o


papel da família no tratamento, os cuidados com o paciente e com o acompanhante.
Os esclarecimentos são dados em um clima descontraído, informal e natural, sem
que pareça uma

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aula, intercalando-se depoimentos espontâneos de pessoas que tenham vivido


situações citadas e que contam suas experiências.

Assim, podemos agrupar o caráter catártico com o de esclarecimento, em que os


papéis se invertem e se alternam, muitas vezes despertando uma compreensão do
outro, uma aproximação, troca de telefones, interesses mútuos, o que nos leva à
lembrança da categoria Amizade, encontrada também no Hospital das Clínicas.

A separação por categorias é meramente didática, pois elas ocorrem


concomitantemente e muitas vezes sem que se dê conta. Como ocorre na já citada
categoria Tempo: o que se observa é que, antes de se começar uma sessão de Sala
de Espera, os pacientes estão frequentemente se levantando e perguntando às
secretárias se vai demorar.

Após iniciar a Sala de Espera, poucas pessoas levantam-se para saber sobre tempo
de espera, e ao serem chamadas, às vezes com muito atraso, dizem: “Já sou eu?”
Outras vezes chegam a não escutar seu nome ao serem chamadas, algumas
pessoas chegam mesmo a retornar à Sala de Espera após a consulta para ficar
mais um pouco ou para completar um depoimento com o resultado de sua consulta.
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Um fato curioso é que, surpreendentemente, os pacientes que mais sofreram em


número de cirurgias, em mutilações, em perdas, são os que, com mais freqüência,
dão apoio aos pacientes fragilizados com a primeira consulta, ou com a primeira
cirurgia. Pode-se levantar a hipótese de que após o enfrentamento e inevitabilidade
das situações por que passou, não existe mais o medo do imaginário, mas a busca
de soluções para-o problema real. Então englobamos também o aspecto de
Comparação entre os casos, que também foi encontrado na experiência anterior. O
paciente, ansioso com uma pequena cirurgia, fica conformado ao ouvir um
depoimento esperançoso de uma mastectomia radical bilateral, ou quando vê um
paciente chegar feliz exibindo o dreno pós-cirúrgico na expectativa de deixar seu
“cachorrinho” (assim chamamos carinhosamente O dreno) com a enfermeira após o
curativo. É inevitável a comparação, e a consequente constatação de que “existem
casos piores do que o meu, que não e tão grave”.

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No instituto, não foram gravados depoimentos, porém o conteúdo que foi ouvido em
Sala de Espera, nos corredores ou mesmo dito para os médicos, em nada difere do
primeiro estudo no Hospital das Clínicas. Informalmente, os depoimentos são
ouvidos, como esse dado a um médico:

“Doutor, o senhor deu o mesmo diagnóstico do outro médico, mas vou fazer a
cirurgia com o senhor, por dois motivos: gostei do senhor e gostei do trabalho na
Sala de Espera” (dito a um médico).

“Eu vim ontem trazer minha mãe para a quimioterapia e fiquei ouvindo o trabalho da
Sala de Espera, hoje trouxe minha mãe novamente para a quimio, mas também
trouxe minha avó e minha tia para participarem da Sala de Espera” (acompanhante
de paciente de quimioterapia na sala de espera).

“Vocês todos são maravilhosos, atenciosos, prestativos, preocupados conosco; mas


o convênio..., é por isso que estou bravo” (marido de paciente que retornou para
resolver a cirurgia de reconstrução de mama de sua esposa que o convênio não
autorizou).
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“Eu fiz cirurgia com o doutor..., e digo que você pode ficar tranquila porque está em
boas mãos” (paciente na Sala de Espera para outra paciente).

Ao que se refere à equipe médica, à Sala de Espera e ao atendimento, também


temos opiniões semelhantes às do primeiro estudo. Não há avaliação em relação à
continuidade da Sala de Espera, pois não se trata de um projeto experimental, como
foi no anterior; também não há exatamente uma “avaliação da sessão do dia”, pois
não é pedido como anteriormente, mas, mesmo assim, alguns pacientes avaliam
como muito positivo, onde aprenderam algo, e vêem como um diferencial do
Instituto: “Não vi esse trabalho em lugar nenhum! É muito bom!”

As mudanças de atitude são percebidas e assinaladas para os pacientes:


“Você percebeu que a tempos atrás você estava com medo e chorando aqui na Sala
e hoje, após a cirurgia, você está ensinando e encorajando as pessoas?” (feedback
dado a uma paciente na Sala de Espera)

“Ë que naquela época eu estava precisando receber; hoje, eu tenho para dar!”
(resposta da referida paciente)

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“Na primeira vez que eu estive aqui, só chorava... Hoje, estou muito ansiosa,
nervosa, mas não estou chorando! Quem sabe da próxima vez vou estar mais
calma!”

Descrever essa experiência a empobrece muito, pois fica praticamente impossível


descrever o tom, o colorido, a emoção, o aroma, o sabor, por meio de palavras. Mas
se foi possível visualizar a cena anterior em uma sala de espera comum, dita normal,
vou ousar expor em palavras um pouco do que vivemos nessa Sala de Espera,
digamos, diferenciada.

No início, como já disse, havia surpresa, dúvida e desconfiança, tanto dos médicos e
dos funcionários como dos pacientes.
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Hoje, vemos que apesar das dificuldades enfrentadas, é permitido sorrir, brincar,
fazer piadinhas, falar sério, chorar, compartilhar, estar VIVO apesar do câncer. Com
certeza, essa postura deixou o Instituto muito mais “barulhento” e leve, bem
diferente da conotação anterior da palavra câncer!

Mesmo antes da “sessão” de Sala de Espera, já se pode observar que os


“veteranos” assumiram uma nova postura, conversam com os “novatos”, perderam a
vergonha de se expor, de assumir o tratamento, a careca ou o “cachorrinho” Os
pacientes que voltam para o controle referem-se à “nossa revisão de
quilometragem”.

O bom humor, a descontração e a retirada do “pré-conceito” são efeitos visíveis na


Sala de Espera.

Ter um câncer é diferente de Ser um câncer!

E ninguém É um câncer. Se o câncer é um aglomerado de células “malucas” que


perderam a sua função, o Todo, o Eu é maior que isso e pode vencer essas células.

Eu sou mais forte e melhor que essa parte minha que está doente; por que vou
deixar que o menor e mais fraco me vença?

Se eu preciso parar para fazer uma cirurgia e me restabelecer, eu paro, mas depois
continuo vivendo, trabalhando, amando, estudando, comendo, me divertindo, indo
ao cinema, viajando.

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Se eu tiver que fazer quimioterapia, eu vou, quando sair da aplicação vou me dar um
presente, fazer uma coisa bem gostosa. Se eu perder o cabelo, uso boné, peruca,
lenço, turbante, chapéu, assumo a careca como as atrizes; e não vou me
envergonhar por estar lutando pela minha vida; vergonha de quê?
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Se enjoar, sei que vai passar, pois é só uma reação, e quando passar, vida normal!

Se eu tiver que fazer radioterapia, vou todos os dias, é rápido; depois tenho o dia
todo, e o fim de semana para viver a vida normalmente.

“Se despertas aquilo que está dentro de ti,


O que despertas te salvará.
Se não despertas o que está dentro de ti,
O que não despertas te destruirá.”
Jesus Cristo

No Que as Emoções Podem Afetar o Tratamento?

A relação mente—corpo também explica muitos efeitos terapêuticos da medicina


convencional e o sucesso das medicinas não-convencionais.

Se a pessoa acredita que vai ser curada por alguma coisa, como cogumelos, xamãs,
u por um placebo, ela realmente pode se autocurar, através da modulação do
sistema imunológico pela mente. Até mesmo o efeito pós-cirúrgico de uma operação
complexa e radical pode ser afetado, em última análise, pelas reações psíquicas do
paciente, como relata Dr. Bernie Siegel (1989).

No caso de uma situação crônica de distúrbio emocional ou psicológico, essa reação


se perpetua, causando numerosas disfunções e até danos orgânicos permanentes.

O médico e pesquisador canadense Hans Selye, em 1950, descobriu que existe


uma enorme ativação do eixo hipófise-adrenal. Estas

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glândulas secretam hormônios, que controlam muitas de nossas funções


metabólicas e fisiológicas internas, que vão desde o ciclo menstrual e a produção de
espermatozoides, até a reação à inflamação e a agentes bacterianos externos.
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O sistema imunológico é profundamente alterado por alguns desses hormônios,


como os corticoesteróides.

As emoções negativas, depressão, mau humor e o estresse crônico têm a


capacidade de afetar nossa resistência às doenças, e as pessoas sujeitas a elas
podem ficar doentes, surgindo as enfermidades psicossomáticas, conforme explica
Selye.

Um estudo recente sobre a atividade das células natural killer (importantes na


imunidade contra tumores) mostrou que os efeitos de programas que estimulam o
bom humor e o riso resultam no aumento da atividade desses componentes
imunológicos e, em contrapartida, os estados depressivos enfraqueciam esse
aspecto da defesa orgânica (Takahashi, 2001).

Berk e colaboradores (2001) também puderam estudar a modulação


neuroimunológica durante e depois de pacientes terem sido submetidos a
programas associados ao bom humor e ao riso. Puderam concluir que o riso e o
bom humor podem ter efeitos benéficos na saúde, recomendando esse tipo de
terapia para melhora do bem-estar e como coadjuvante ao tratamento médico
formal.

Segundo pesquisas de Hassed (2001), o riso tem um importante papel na redução


dos hormônios envolvidos na fisiologia do stress, melhorando a intensidade e
realçando a criatividade das respostas, reduzindo a dor e, sobretudo, melhorando a
imunidade e reduzindo a pressão do sangue. As pessoas que sabem se divertir e rir
são, geralmente, mais saudáveis e mais capazes de sair de situações de stress com
mais facilidade.

Atualmente, a psiconeuroimunologia tem estudado a relação entre o sistema


imunológico, que nos protege contra diversas instabilidades

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internas, e os distúrbios psíquicos. Já se sabe que o stress, a ansiedade crônica e a


depressão trazem profundas alterações em nossa capacidade de defesa
imunológica e até mesmo o câncer pode ser favorecido nas pessoas cronicamente
deprimidas.
O hipotálamo, parte do cérebro estreitamente ligada ao comportamento emocional,
secreta vários hormônios liberadores, que atuam sobre a hipófise, ativando-a ou
inibindo-a.

Também existem fortes evidências de que o mecanismo genético das células é


alterado pela secreção aumentada do cortisol. A função dos genes é alterada, assim
como a síntese de proteínas, e a permeabilidade da membrana das células,
podendo levar à morte dos neurônios, se eles forem estimulados em excesso
(excitotoxicidade).

Essas descobertas nos mostram que existe uma relação estreita entre mente e
doença. Quanto mais saudáveis formos, do ponto de vista emocional e psíquico,
melhor será para nossa saúde orgânica.

Os antigos já diziam que o bom humor afasta as doenças, “Quem canta seus males
espanta”, “Mens sana in corpore sano”, e isso é uma verdade, agora sabem os
cientistas.

Se o sistema imunológico estiver saudável, reconhecerá as células defeituosas e as


destruirá, ou pelo menos as manterá encapsuladas, evitando a sua propagação. Se
o sistema não estiver saudável, as células imperfeitas continuarão a crescer.

E neste ponto interpõe-se a questão proposta pelos Simontons (1987):

“...o que impede que o sistema imunológico de uma pessoa, num determinado
momento, reconheça e destrua células anormais, permitindo, assim, que elas
cresçam e se convertam num tumor que ameaça a vida?”
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Para respondê-la precisamos considerar os aspectos mentais e emocionais da


saúde, percebendo que a doença é um estado de desequilíbrio ou desarmonia
gerado pelo stress prolongado.

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Numerosos estudos sobre a causa do câncer sugerem que três situações podem
provocar tensões cruciais no ser humano e gerar sentimentos de desespero,
desesperança ou impotência. São eles a ameaça a algum papel da pessoa na
sociedade, a ameaça a alguma relação satisfatória central da sua identidade e uma
sucessão de momentos nos quais aparentemente não há saídas ou meios de
superação.

O modelo psicossomático de câncer, estudado pelo casal Simonton e outros


investigadores, demonstra que o stress emocional inibe o sistema imunológico e ao
mesmo tempo acarreta desequilíbrios hormonais, provocando a produção de células
imperfeitas e malignas. E isso começa a ocorrer de 6 a 18 meses antes do
diagnóstico do câncer!

Assim, reconhecendo e compreendendo o contexto mais amplo das tensões,


podemos inverter o processo. De início, identificando as principais tensões que
ocorreram em nossa vida, de 6 a 18 meses atrás, sem sentimentos de culpa ou de
recriminações, mas criando uma base tranquila certa para inversão dos processos
psicossomáticos que levam à doença.

Simultaneamente, devemos desenvolver uma atitude positiva de esperança e


expectativa, sabendo que esses sentimentos influenciam nos processos biológicos
restauradores do equilíbrio e revitalizadores do sistema imunológico. Com esta
abordagem psicológica, a terapia física ou convencional toma outros rumos, fazendo
decrescer notavelmente o número de células cancerosas e fortalecendo o sistema
imunológico, com grandes e surpreendentes possibilidades de cura.

Conclusão
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O espaço Sala de Espera não tem o intuito de curar o paciente, substituir a


psicoterapia, nem de se aprofundar em questões individuais, mas é fundamental no
sentido de dar um acolhimento geral, suporte, esclarecimento, amenizar a
ansiedade, a depressão, o medo. E aliviar a espera.

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Por outro lado, desenvolve naturalmente uma atitude positiva de esperança e


expectativa, já que esses sentimentos influenciam nos processos biológicos
restauradores do equilíbrio e revitalizadores do sistema imunológico. Então,
podemos dizer que:

“O tratamento se inicia na Sala de Espera”!

“Tenho a convicção de que, quando a fisiologia


estiver suficientemente desenvolvida,
o poeta, o filósofo e o fisiologista
se entenderão mutuamente.”
Claude Bernard

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Capítulo 4
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A Dor no Estágio Avançado das Doenças

Maria Margarida M.J.de Carvalho — Magui

Introdução

Os estágios avançados das doenças frequentemente envolvem muitas dores. Nos


casos de câncer, por exemplo, as pesquisas revelam entre 60% e 90% de pacientes
com dor intensa. Os tratamentos médicos podem minorar ou até mesmo eliminar a
maioria das dores físicas. Mas a medicina pode auxiliar na dor da perda da saúde,
da perda da vida, na dor de morrer?

Nós nos deparamos no contato com os doentes gravemente enfermos, com dores
muito mais complexas e profundas, existenciais, que se referem ao significado da
vida e da morte. Saunders (1991) fala da dor total referindo-se às diversas
dimensões da dor: física, emocional, social, financeira, interpessoal, familiar e
espiritual. Nos doentes terminais é a dor total que encontramos e é da dor total que
precisamos cuidar. No momento do “não há mais nada a fazer para curar”, surge a
necessidade de cuidar desses pacientes, na sua condição humana.

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Esta é uma necessidade crescente na vida atual, em que a evolução dos recursos
médicos possibilita o prolongamento da vida, mesmo sem a possibilidade da
remissão da doença. Esses pacientes podem sobreviver por muito tempo na
condição de terminalidade.

Deve a vida ser prolongada ou encurtada por meio de recursos técnico-científicos?


O paciente pode decidir sobre medidas para o prolongamento ou o encurtamento da
vida, evitando dores e sofrimento? A família tem esse direito? Os médicos? Todas
estas e muitas outras questões relativas ao processo de morrer e as dores do morrer
são atualmente os temas da Bioética, que é o estudo das dimensões morais das
ciências da vida. Segundo Pessini (1997) devemos cuidar para que a vida e a morte
aconteçam com dignidade e que a competência técnico-científica caminhe junto ao
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humanismo. O compromisso com a qualidade da morte de cada paciente é hoje a


preocupação dos profissionais de saúde, no atendimento aos pacientes fora de
possibilidade de cura.

O cuidar desses pacientes exige uma equipe especializada em dor total, uma equipe
multidisciplinar, envolvendo médicos, enfermagem, psicólogos, assistentes sociais,
amparo espiritual. Esses cuidados são oferecidos dentro do que é hoje denominado
cuidados paliativos. Esta é uma área, segundo Kovács (1999), de

abordagem multidimensional que promove o alívio e controle de sintomas


incapacitantes, relacionados com certas doenças e seus tratamentos e tem como
objetivo a promoção de qualidade de vida. Não existe uma proposta de prolongar a
vida a todo custo e, sim, favorecer todo e qualquer tratamento que promova
qualidade de vida e alívio de sofrimento até o momento da morte (p. 329).

Para que estes objetivos sejam alcançados, o atendimento à dor total vem como
necessidade básica.

Assim, no estágio avançado das doenças ou fase terminal de vida, qualquer dor
presente, seja física, psicológica ou espiritual, pode e

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deve ser controlada e, se possível, abolida, visando a um morrer sem sofrimento, um


morrer tranquilo e em paz.

Segundo Keleman (1997), existem pequenas mortes e a grande morte e o morrer


não precisa ser amedrontador nem doloroso. Vivemos pequenas mortes no dia-a-dia
das nossas vidas, quando terminamos fases e iniciamos outras, quando rompemos
relacionamentos, quando terminamos trabalhos, quando um dia acaba e começa a
noite. E cada pequena morte nos ensina um pouco sobre a grande morte, o final
desta vida. Podemos, portanto, aprender a morrer, podemos não morrer como
mártires ou vítimas, mas como seres humanos conscientes do processo natural do
viver e do morrer.
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Sobre a Dor

Antes de focalizarmos a dor total, ainda enfocamos apenas a dor física, já


encontramos componentes subjetivos. A dor é pessoal, intransferível e ninguém
sabe realmente como é a dor do outro, quanta dor ele sente/Ao percebermos a
própria dor, somos influenciados por nossas histórias de vida, a forma como as
dores foram tratadas na nossa infância, pelos nossos cuidadores. O grupo
sociocultural e étnico a que pertencemos, o qual tem diferentes padrões de reação à
dor, dá forma à nossa dor, matizando suas nuances. Por exemplo, italianos,
segundo pesquisadores, apresentam uma reação maior à dor do que anglo-saxões;
filhos de mães que valorizavam as dores na infância tendem a dar muita importância
à dor, possivelmente aumentando sua potência pela focalização excessiva
(Carvalho, 1999).

Erickson (1992) escreveu:

A dor é um complexo, um constructo, composto de dores lembradas, a experiência


da dor presente e a antecipação da dor no futuro. A dor imediata é aumentada pela
dor passada e pelas possibilidades futuras de dor (p. 96).

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Na própria definição de dor, formulada pela Sociedade Internacional para o Estudo


da Dor (1979), encontramos que a dor é uma experiência sensorial e emocional
desagradável, descrita em termos de lesões teciduais reais ou potenciais. A dor é
sempre subjetiva e cada indivíduo aprende a utilizar este termo por meio de suas
experiências traumáticas.

Em resumo, cada dor é a dor de uma pessoa, com sua história, sua etnia,
personalidade contexto, momento. A mesma dor, em diferentes situações, pode nem
ser percebida ou ser muito forte, em decorrência da distração ou atenção oferecidas
a ela. Para tratá-la, portanto, é necessária a compreensão da complexidade e da
realidade de todas as dores para quem a sente (Carvalho, 1994).
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Ainda citando Erickson (1992), a dor pode estar servindo certos objetivos úteis para
a pessoa. Ela é um aviso persistente da necessidade de ajuda. Traz restrições
físicas à atividade, mas frequentemente beneficia o sofredor. Portanto, a dor não é
apenas uma sensação indesejável a ser abolida, mas uma experiência a ser cuidada
de forma que o sofre- dor obtenha benefícios.

Fica evidente no estudo da dor não só a sua complexidade, mas também os


possíveis significados dados a ela, as possíveis necessidades que estão sendo
atendidas, os objetivos subjacentes. Em nossa prática clínica, por exemplo,
atendemos uma mulher que conseguiu atenção e afeto da sua família antes distante,
quando apresentou um caso de dor oncológica. Os médicos receitaram analgésicos
potentes, mas ela não os ingeria, alegando problema no estômago. Na verdade, ela
temia perder o aconchego familiar, recém-adquirido graças à dor. A obtenção do
afeto sem a necessidade da dor foi o objetivo da nossa ajuda. Este é um dos
inúmeros casos de dor, em que o sofre- dor é que precisa de cuidados e não a dor.

Várias linhas teóricas focalizaram a dor, cada uma trazendo contribuições valiosas
para a área: psicanálise terapia comportamental,

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terapia cognitiva, hipnose e hipnoterapia, entre outras. A psicanálise, levantando a


possibilidade de forças inconscientes estarem agindo sobre a dor ou mesmo
provocando a dor, abriu o caminho para a psicologia entrar na equipe que cuida da
dor. As linhas desenvolvidas posteriormente focalizaram outros aspectos e
trouxeram novas abordagens. Segundo inúmeras pesquisas, a hipnoterapia, que é a
utilização de estados hipnóticos dentro de um processo de psicoterapia, é a melhor
modalidade de alívio da dor. Técnicas cognitivas vêm sendo cada vez mais
utilizadas a partir da visão da dor como uma experiência multidimensional, com
componentes sensoriais, afetivos, cognitivos e comportamentais. A urgência do
alívio da dor aguda e da atenuação do sofrimento e depressão na dor crônica tem
levado ao desenvolvimento de recursos psicológicos imediatos e eficazes,
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programas psicoeducacionais aplicados ao paciente e à família e psicoterapias


breves focadas na dor total.

Uma das maiores dificuldades no cuidar da dor é sua avaliação. Segundo Mattos
Pimenta (1999), esta vai abranger a lesão tecidual, o substrato emocional, cultural e
ambiental das reações da dor, permitindo a compreensão da origem e da magnitude
da dor. Os métodos para a avaliação são basicamente inferenciais, baseados no
auto-relato do paciente, mas também no conhecimento do caso clínico (história da
doença, exames físicos e laboratoriais) e técnicas para a aferição das características
da dor e da sua repercussão nas atividades cotidianas (funcionamento biológico e
psicossocial).

Para facilitar a comunicação da dor e a avaliação da sua intensidade, foram criadas


escalas que propiciam, ao paciente e ao profissional de saúde, uma aferição
aproximada da sua grandeza. A escala mais utilizada é a que utiliza números de O a
10, sendo que O representa ausência de dor, com posições intermediárias, e 10, o
máximo de dor. O paciente faz uma autoavaliação utilizando um número para
expressar a sua dor.

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Dor Total

O conceito de dor total foi elaborado por Cicely Saunders, na década de 1960, na
Inglaterra. De formação multiprofissional — enfermeira, médica e assistente social —
, Cicely Saunders dedicou sua vida aos doentes fora de possibilidade de cura. Para
ela, quando não era mais possível curar, era possível cuidar. E com o objetivo de
permitir que o paciente e sua família pudessem viver tão plena e dignamente quanto
possível a doença, a morte e o luto, fundou o Hospice São Cristóvão, santo
padroeiro dos viajantes, em 1967.

A palavra hospice significa abrigo, albergue. Sua origem vem da Idade Média,
quando, nas longas peregrinações aos lugares santos, os viajantes aí encontravam
hospedagem, alívio e apoio para os seus males. Cansados e doentes, os viajantes
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muitas vezes morriam nos hospices, terminando sua árdua caminhada nesses
albergues.

Inspirada no conceito dos antigos albergues, Saunders criou um hospice que visa
cuidar dos pacientes com uma equipe multiprofissional, composta por médicos,
enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, religiosos, voluntários e outros
profissionais quando necessários. Seus pacientes eram os considerados
irrecuperáveis pela medicina, ou seja, aqueles nos quais a doença era progressiva e
nenhum tratamento poderia alterar o seu curso. Nesse processo de evolução da
enfermidade, os cuidados nos hospices visavam manter o paciente livre de dor e
sofrimento; oferecer informações e controle das decisões ao paciente; ouvi-lo e
acolhê-lo como ser humano, com suas dificuldades, medos, esperanças, crenças,
valores; e ter a possibilidade de morrer onde o paciente escolhesse.

No cuidar da dor, Cicely Saunders percebeu a presença de um estado complexo de


sentimentos dolorosos no paciente terminal, denominando este estado dor total.
Seus componentes são: dor física (sensação de dor associada a lesões reais); dor
psíquica (medos do sofrimento, da morte, do desconhecido, tristeza, raiva, revolta,
perdas,

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insegurança, incerteza, desespero, depressão); dor social (isolamento, rejeição,


abandono, mudança de papéis, dependência, inutilidade); dor espiritual (falta de
sentido na vida e na morte, medo do pós- morte, do submeter-se, das culpas
perante Deus, busca de fé, de conforto espiritual).

Posteriormente, Cicely Saunders acrescentou novas dimensões da dor: dor


financeira (perdas, dificuldades); interpessoal (isolamento, estigma); familiar
(mudança de papéis, perda de controle, perda de autonomia, abandono).

Elias e Giglio (2002) propõem uma classificação para a dor do paciente em estado
avançado da doença, a qual denominaram dor simbólica da morte. Esta engloba a
dor psíquica e a dor espiritual. Na dor psíquica estariam o medo do sofrimento e o
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humor depressivo representado por tristezas, angústias e culpas ante perdas; na dor
espiritual, o medo da morte e do pós-morte e culpas perante Deus.

Atendimento Domiciliar

O atendimento da dor total nos cuidados paliativos pode ocorrer nos hospitais, nos
hospices e no atendimento paliativo domiciliar. Este é considerado a melhor forma
de atendimento, quando a família tem condições de cuidar do paciente com o auxílio
da equipe especializada do hospital ou do hospice. O doente prefere sua casa, sua
cama, a presença da família, do calor humano e do afeto, em seus últimos
momentos de vida. A presença regular da equipe de cuidados paliativos é
fundamental na manutenção da qualidade de vida do paciente, que deve ser
monitorado nas suas dores, no seu conforto, seu sofrimento.

É importante ressaltar o treinamento específico dessa equipe. Ela é composta por


profissionais capacitados para escutar atentamente o paciente e procurar responder
a todas as suas perguntas; captar e identificar os problemas do paciente e sua
família, no que concerne

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à doença, e oferecer soluções, segurança, apoio, conforto; individualizar as queixas


e reconhecer sinais de emergência; examinar as dores expressas por diferentes
formas e com diversos significados; considerar que as metas de trabalho são curtas
e que a intenção não é prolongar a vida, mas, sim, não prolongar a morte.

Mais especificamente, a equipe especializada de cuidados paliativos vai atender às


seguintes necessidades: efeitos secundários dos remédios (náuseas, vômitos);
sintomas do aparelho digestivo (halitose, estomatite, anorexia, constipação);
sintomas respiratórios (tosse, dispnéia, ronco pré-morte); lesões cutâneas
(descamação, maceração, dermatites); úlcera de decúbito; alterações psíquicas
(ansiedade, depressão, medo); necessidades espirituais; dor total.
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A atitude de cada membro da equipe diante do doente é de respeito por um ser


humano que, embora próximo da morte, está vivo e quer ser tratado com dignidade;
quer ser reconhecido na sua personalidade, seus valores, sua visão da vida e da
morte, suas crenças. Cumprimentá-lo chamando-o pelo nome, dar a mão (se
possível, nas circunstâncias específicas), olhá-lo nos olhos, sentar a seu lado, tocá-
lo (pedindo licença) são posturas de compaixão, humanidade e respeito. E sempre
na conversa mantida com o enfermo, preservar a sua esperança.

Entretanto, nos momentos em que a equipe de cuidados paliativos domiciliares ‘não


estiver presente, deverá haver um cuidador na casa, que poderá ser um membro da
família. A tarefa de cuidar de um parente em sua fase terminal de vida é difícil e
requer grande disponibilidade. Pode ser que a pessoa a ser cuidada necessite de
cuidados físicos, como ser banhada, vestida, alimentada. Ou que os aspectos
psicológicos é que necessitem de amparo — os medos, a depressão, o desespero.
Ou que todas essas dificuldades ocorram entrelaçadas. Pode estar presente
também uma forte agressividade, envolvendo a doença, a família, os médicos, Deus.
E a revolta e o ódio aumentam significativamente a dor total.

Página 93

O desgaste físico e emocional no cuidado ao doente, acrescido da dor da perda


iminente, pela realidade da morte próxima, sacrificam o cuidador. Este pode chegar
a um grave quadro de estresse. É preciso, portanto, que este cuidador tenha
consciência desta possibilidade e busque auxílio, seja em outros familiares ou
amigos, seja uma ajuda profissional de um médico ou um psicólogo.

Outro fator complicador reside na faixa etária do cuidador. Se este é muito jovem,
seus sentimentos são de desamparo, frustração, tristeza e revolta. Sua vida fica
interrompida — muitas vezes seus estudos, sua vida social e seu lazer precisam ser
abandonados. Sua revolta pode gerar culpa, e o quadro psíquico complicar-se cada
vez mais. Se é um adulto, sua vida profissional frequentemente entra em crise, pela
dificuldade de dividir o tempo entre o cuidado com o doente e as tarefas e o horário
do trabalho. Sua vida pessoal fica também afetada e seus sentimentos são,
frequentemente, ambivalentes. Irritabilidade, preocupação, momentos de raiva e
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tristeza caracterizam o seu comportamento. O cuidador idoso tem suas próprias


deficiências — suas doenças, suas limitações físicas, suas próprias dores. Sua
tendência é deprimir-se no sentir a realidade das mortes, do doente e a sua própria,
também próxima, nos seus últimos anos de vida.

E todos esses cuidadores, em todas as idades, além das dificuldades objetivas,


estão enfrentando o sentimento de perda do familiar enfermo. Os aspectos
subjetivos presentes — emocionais, morais, espirituais — geram uma vasta gama de
sentimentos difíceis, desgastantes, complexos, doloridos.

A presença da morte traz sempre à tona a certeza da própria morte. Os medos do


paciente podem tornar-se os medos do cuidador. Neste momento, a grande ajuda
vem da espiritualidade. Não necessariamente na religiosidade, mas no sentido de
transcendência, de imortalidade da alma, do espírito que permanece vivo. A morte
digna e consciente é facilitada pela noção de passagem de uma forma de vida à
outra.

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Um exemplo muito significativo de permanência de vida, sem religiosidade, foi o de


um paciente de 36 anos, ateu, engenheiro, que estava morrendo de câncer.
Conversando sobre a morte e pós-morte, ele dizia que para ele a morte era o fim da
vida e que seu corpo viraria material de adubo. Sugerimos que os adubos são
ótimos fertilizantes e que sobre o seu túmulo poderia crescer um jardim.
Surpreendido e encantado com a ideia, ele começou a projetar um jardim com suas
flores favoritas. E utilizando seus conhecimentos de paisagismo e botânica, ele
passou suas últimas sessões, até morrer, criando um jardim colorido, estético,
planejado, belíssimo. Sua morte foi tranquila e sem dor — apenas uma chama de
vida se apagando. Mas a vida, na sua grandeza, permanecendo através das flores
plantadas por ele, na realidade da sua imaginação.

Segundo Gimenes (2003), para que uma pessoa possa vivenciar e aceitar a morte
sem medo é necessário que haja a manutenção de um vínculo entre a sua alma e o
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Eu Superior, no momento da morte do corpo físico. E a crença de que a vida é


contínua e eterna.

O psicólogo da equipe de cuidados paliativos que efetua atendimento domiciliar ao


paciente com dor define uma estratégia de atuação, levando em conta seus
pressupostos teóricos, as condições do paciente e da família. No atendimento
domiciliar, o psicólogo vai atender todas as “dores” daquela casa, muitas vezes
encontrando dores maiores na família do que no próprio paciente. Roth (2002)
diferencia, no processo da enfermidade, o estar doente e o sentir-se doente,

/pois a doença vivida pelo paciente é impregnada pelo significado que ele atribui a
ela, pelas perdas que sofreu em decorrência da doença, pelo impedimento de
retornar às atividades anteriores, pelo futuro interrompido e suspenso, pela
autoimagem e autoestima alteradas (p. 141).

O paciente na fase de cuidados paliativos pode estar no estágio de aceitação do


final da vida e aproximação da morte, estágio este denominado “a entrega” por
Gimenes (2001). Nesta fase, o paciente

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sabe que vai morrer e aceita em paz esta realidade. A família, entretanto, pode estar
ainda revoltada, culpada por possíveis omissões ou erros de conduta, triste,
desamparada, perdedora.

O atendimento domiciliar à dor total, portanto, requer uma atenção à família e um


conhecimento do trabalho com esta. O estar na casa do paciente traz à tona a
necessidade de informações sobre terapia familiar e aspectos específicos de terapia
domiciliar. O terapeuta vai atender necessariamente a várias situações que estarão
ocorrendo naquela casa, de inter-relacionamentos, influências, conflitos. Ele não
estará atendendo apenas a um caso de dor, mas a dor de uma pessoa em seu
contexto familiar. Quem é essa pessoa nessa casa: um filho? Uma mãe? Uma avó
velhinha? Qual seu papel, sua importância na estrutura familiar? E como o psicólogo
será recebido nessa estrutura: um apoio? Um intruso?
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O psicólogo está diante de um paciente e uma família interagindo no sofrimento de


estarem tendo perdas — a família perdendo um de seus membros, o paciente
perdendo a vida. O reconhecimento da problemática e das necessidades especiais
de cada um é fundamental na atuação do terapeuta, tanto no auxílio psicológico às
dores físicas como nas dores psíquicas. Nas dores físicas as meditações podem ter
falhado, seja porque o médico subestimou a dor ou falhou na administração dos
analgésicos. Ou mesmo porque o paciente e a família não aderiram ao tratamento
medicamentoso por valores, crenças, medos, desinformação, problemas
econômicos. E dentro deste quadro com tantas possíveis variáveis, o psicólogo vai
buscar atender à dor total, visando a uma boa qualidade de vida ao paciente fora de
possibilidades terapêuticas de cura.

O sentimento de perda de todos os implicados leva a um estado de luto


antecipatório (Fonseca, 2001), estado esse que requer também uma atenção
especial do terapeuta. Segundo Bromberg (1998),

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sabe-se que o processo de luto não começa com a morte e sim com as relações
existentes antes da morte, que serão o determinante crucial na qualidade do
processo de luto. As vicissitudes da terminalidade colocam a unidade de cuidados
(paciente e família) diante de decisões, lembranças, revivências, que poderão trazer
aspectos dificultadores ao processo em si, merecendo, portanto, atenção por parte
dos profissionais envolvidos (p. 188).

As dores do luto acabam por se confundir com as dores físicas e todas elas
interagem no processo de sofrimento.

Este quadro acaba muitas vezes levando a um desejo de acabar com a própria vida,
com um suicídio (Carvalho, 1996). O psicólogo que atende ao paciente
manifestando este desejo deve estar preparado para interpretar o seu apelo. Na
maioria das vezes, a ideia de suicídio é um pedido de ajuda, de socorro, de alívio do
sofrimento da dor total. E este pedido pode ser revertido com o atendimento às suas
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necessidades. Segundo Viorst (1990), nos “casos terminais há um interesse


crescente na ideia de suicídio” O desejo de não sofrer, de manter o controle, de ser
lembrado pelas pessoas que amam como eram antes, tudo isso motiva algumas
pessoas a escolher a hora da própria morte... Mas, acrescenta a autora,

certamente há pessoas que jamais escolheriam o suicídio, que recebem a morte de


braços abertos, pessoas para quem a morte é a libertação, o alívio’, o resgate, o fim
desejado (p. 323).

E estes aguardam a morte em paz.

Assim, quando atendemos a dor total de um paciente em seus momentos finais de


vida, temos de estar preparados para enfrentar a dor da morte ou a aceitação da
morte, mas sempre enfrentar a dor da perda da vida. Esta vida acaba e este
sentimento de finitude causa grande dor ao homem. Neste momento, o homem
espiritualizado atravessa o portal da morte com uma visão de imortalidade da sua
alma, o que proporciona uma morte com menos dor.

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Cuidando do Cuidador

Todos os cuidadores, profissionais de saúde ou familiares, sofrem um grande


desgaste ao cuidar de pacientes no estágio avançado das doenças. Desgaste físico
e emocional, por estarem acompanhando um processo de doença evolutiva e a triste
realidade da morte estar próxima; pelo sofrimento do enfermo no despedir-se das
pessoas queridas e na despedida da própria vida. E por acompanhar um dia-a-dia,
muitas vezes dolorido e penoso, no caminho da morte.

O cuidador sofre pela sua impotência na impossibilidade de reverter o processo,


pela sua perda no acompanhar alguém que vai embora, pelas culpas por alguma
omissão ou engano no tratamento e tantas outras dificuldades presentes nos
cuidados paliativos. É difícil cuidar sem poder curar!
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A medicina moderna possui recursos científicos e tecnológicos de alta precisão, mas


os cuidadores são seres humanos, nas suas falhas e na sua grandeza. Seres
humanos com necessidades e limites, medos e frustrações. E com capacidade de
dedicação, amor e doação. A dor e o luto do cuidador não podem ser negligenciados
por ele. Nem os familiares, nem os profissionais de saúde estão isentos de sofrer no
compartilhar o sofrimento de um paciente na fase final de vida.

Lederberg (1990) escreve sopre o estresse dos profissionais de saúde e da


necessidade do estudo da psicologia do cuidador. Escreve sobre a importância do
seu preparo, da sua formação, nos cuidados paliativos. Ela relata que,
frequentemente, os sentimentos iniciais de tristeza, pena, frustração e impotência
podem se tornar irritação, repugnância e raiva. Esses sentimentos passam a ser
desconfortáveis e inoportunos, causando um grande mal-estar no cuidador, que não
sabe o que fazer para não senti-los. A saúde mental do cuidador corre risco, se ele
não cuidar de si, cuidando de seu físico, seu psíquico e seu espírito. Acompanhar
procedimentos médicos penosos, desfiguramentos físicos

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causados por tumores, queimaduras ou outras enfermidades, lidar com mau cheiro,
excrementos, pus e sangue, lidar com ideações suicidas, enfim, com toda uma gama
de situações objetivas e subjetivas adversas e aversivas são tarefas árduas.

Lederberg (1990), ainda, organiza em três áreas as grandes problemáticas


enfrentadas pelos profissionais de saúde que acompanham a terminalidade:
questões sobre a morte e o morrer, burnout e questões bioéticas. A ansiedade e a
angústia despertadas no profissional de saúde diante da morte podem ser
trabalhadas e aliviadas por uma compreensão pessoal e aceitação da própria morte,
por uma filosofia de vida e espiritualidade, por um preparo específico no
enfrentamento da morte. Kubler-Ross (1981) foi uma das pioneiras no estudo das
fases pelas quais o paciente passa no processo de morrer: revolta, negação,
depressão, negociação e aceitação. Essas fases, que podem ocorrer em sequência
ou não, todas elas ou apenas uma, na qual o doente se fixa, também podem ser
sentidas pelo cuidador. O psicólogo da equipe, que tem por função ser um facilitador
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da aceitação do processo de morrer e da morte, para que o doente possa evoluir no


sentido de um morrer tranquilo, não está livre da sua dor ante a dor do paciente.

O burnout, que significa “queimado, destruído, esgotado”, foi o termo criado para
descrever o desgaste físico e psíquico, em especial, dos profissionais de saúde, pela
proximidade com o sofrimento, pelo alto nível de exigências profissionais, fadiga,
esforço, tensão constantes. O resultado de uma situação de burnout é,
frequentemente, uma apatia, um desinteresse pelo trabalho, muitas vezes chegando
ao cinismo e à inflexibilidade, prejudicando seu desempenho profissional e sua vida
pessoal. Problemas psicossomáticos podem ocorrer, gerando maior dificuldade na
execução de suas tarefas. O esgotamento do profissional de saúde o leva, com
freqüência, ao abandono da profissão, caso não haja um auxílio na compreensão e
no tratamento do seu estresse. Um processo psicoterápico, ajudando a encontrar
uma melhor forma de

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enfrentamento e uma melhor qualidade de vida no desempenho de suas funções é,


nesses casos, um suporte valioso.

Bioética é o neologismo derivado das palavras gregas bio (vida) e ethike (ética),
segundo a Enciclopédia de Bioética (1995). É definida como sendo o estudo
sistemático das dimensões morais — incluindo visão, decisão, conduta e normas
morais — das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de
metodologias éticas, em um contexto interdisciplinar. Segundo Pessini (1997/2001),
as áreas de atuação da Bioética são as do relacionamento profissional-paciente,
saúde pública, questões sociopolíticas na saúde, morte e morrer, fertilidade e
reprodução humana, doação e transplante de órgãos, pesquisa biomédica, códigos
de ética, eutanásia, suicídio assistido, distanásia, entre outros tópicos.

As questões biônticas se tornaram de especial relevo ante as situações criadas pelo


desenvolvimento da medicina nas últimas décadas. As possibilidades de
manutenção artificial de vida nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), as decisões
de prolongamento ou não da vida após a morte encefálica, as decisões de
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interrupção do tratamento, a preocupação com a qualidade de vida e com a


dignidade na morte, com o alívio e o controle da dor total são questões de difícil
solução e de suma importância para cada paciente.

Holland (1990) dá ênfase aos problemas de comunicação do diagnóstico e do


prognóstico como fortes fatores de estresse para o profissional de saúde. O médico
dando a informação de que a cura não é mais possível, o psicólogo dando suporte
para o desespero e a desesperança são situações geradoras de angústia e dor. No
atendimento ao paciente no final da vida, essas questões estão necessariamente
presentes. Mas quando bem enfrentadas pelo profissional de saúde, levando o
paciente a viver e a morrer com dignidade e paz, sem sofrimento e dor, são
extremamente gratificantes para o cuidador.

Nós, psicólogos, temos, portanto, como responsabilidade no atendimento à dor total


do paciente, no final da vida: trabalhar com informações,

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crenças e valores, do paciente, da família e da equipe de saúde que os atende;


utilizar e desenvolver estratégias e técnicas psicológicas de manejo e alívio da dor
total; avaliar a dor, englobando a dor fisica, psíquica, social e espiritual; minorar a
ansiedade, o medo, a depressão, as perdas, a incapacitação, o descontrole e tantos
outros fatores presentes; atender às dores dos entes queridos. E atender às próprias
dores.

Referências Bibliográficas

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Campinas: Editorial Psy, 1994.

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_____________ Introdução à psicooncologia. Campinas: Editorial Psy, 1994.

_____________ Resgatando o viver. São Paulo: Summus Editorial, 1998.

_____________ Suicídio: a morte de si próprio. In: BROMBERG, M. H. P. F. (org.).


Vida e morte: laços da existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.

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SAUNDERS, C. Hospice and pailiative care: an interdisciplinary approach. Londres:


EdwardArnold, 1991.

VIORST, J. Perdas necessárias. São Paulo: Melhoramentos, 1986.

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Página 103

Capítulo 5
Tratamento Cognitivo-Comportamental do Alcoolismo

Gildo Angelottí

As ideias centrais deste capítulo serão abordadas por meio da conceituação de


alcoolismo, etiologia, epidemiologia, as políticas que envolvem o uso e abuso do
álcool, bem como o tratamento cognitivo-comportamental do alcoolismo. Com base
em estudos cientificamente comprovados pela literatura nacional e internacional
especializada, o leitor poderá desfrutar deste texto mediante dados recentes que
abarcam desde a história natural até as formas de tratamento mais atuais, no que
diz respeito à compreensão biopsicossocial da dependência química.

Conceituação do Alcoolismo

O alcoolismo é classificado pela medicina como um estado patológico, resultante do


abuso do álcool. Já o alcoólatra é considerado uma pessoa adicta em bebidas
alcoólicas, mas que tem como premissa idolatrá-la, enquanto o alcoolista é a pessoa
que sofre de alcoolismo.

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Pithecantropus erectus há 250 mil anos havia se encantado com o sabor da bebida
alcoólica, com a ingestão de sucos de frutas maduras, que, ao caírem no solo, eram
fermentadas pela exposição ao calor proporcionado pelas luzes solares. Tal reação
se dava pela presença do açúcar da fruta e da água, sendo fermentada pelo calor.

Em registros históricos, as bebidas fermentadas tiveram sua origem na Índia,


coincidindo com o esplendor da cultura asiática, alastrando-se para o Oriente Médio,
a Grécia e o Egito. Difundiu-se por meio da civilização mediterrânea e chegou ao
Império Romano, sendo considerada uma bebida euforística. No início, limitava-se
ao uso doméstico, mas, por exigências comerciais, passou a ser negociada em
forma de trocas.

A notícia que se tem da primeira bebida alcoólica produzida pelo homem e em


grande escala foi da cerveja, derivada da cultura do arroz na Índia ou da cevada
cultivada no Egito. Na Babilônia, a cerveja era utilizada seis mil anos a.C. em
cerimoniais religiosos e, posteriormente, como uma das mais importantes indústrias
locais.

No Brasil, antes da chegada da expedição portuguesa, a bebida fermentada era


utilizada pelos povos indígenas, extraída da mandioca cozida ou do suco de frutos,
como o caju e o milho, que eram mastigados, misturados e colocados para ferver em
vasilhas de cerâmica e, logo após, enterrados por alguns dias para fermentar. A
bebida era conhecida como cauim. Com a colonização portuguesa, foram instalados
os primeiros engenhos de cana-de-açúcar, para a produção de açúcar e da
aguardente, em regiões do Nordeste, Rio de Janeiro e São Paulo, oferecendo a
oportunidade aos índios e escravos negros de se embriagarem.

O alcoolismo passou a ser considerado como uma doença crônica por Magnus
Huss, em 1849, em sua obra Alcoolismo Crônico, descrita em termos da
desorganização de estruturas e funções orgânicas, que não é muito diferente do que
se sabe hoje em dia (Bertolote, 1997).

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Atualmente, os critérios mais utilizados para caracterizar os indivíduos que ingerem


bebidas alcoólicas e se utilizam dela em razão de uma necessidade física ou mental
são descritos topograficamente no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-IV, 1994, p. 190), sendo a dependência fisiológica de álcool indicada
por evidências de tolerância ou sintomas de abstinência, caracterizada pelo
desenvolvimento dos seus sintomas, mais ou menos 12 horas após a redução do
consumo pesado e prolongado. Por ser considerada intensa e desagradável, apesar
das consequências adversas, os dependentes se utilizam do álcool para aliviar as
crises de abstinência, e apenas 5% dos dependentes conseguem experimentar
complicações severas da abstinência, tais como delirium ou convulsões. Apesar das
evidências de consequências psicológicas e físicas, como depressão, apagamentos,
hepatite ou outras sequelas, é dedicado um tempo substancial ao (ab)uso de
bebidas alcoólicas.

Indivíduos que abusam de álcool apresentam inicialmente um baixo desempenho


escolar e/ou ocupacional, negligenciam os cuidados com os filhos ou afazeres
domésticos, prejudicam os relacionamentos sociais e podem sofrer danos
significativos a sua integridade como cidadão e prejudicar pessoas relacionadas ou
não ao seu ambiente (p. ex.: dirigir embriagado, abuso dos filhos e detenções por
comportamento intoxicado).

Critérios Diagnósticos para Intoxicação com Álcool

A. Ingestão recente de álcool.

B. Alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas e mal


adaptativas (p. ex., comportamento sexual ou agressivo inadequado, instabilidade
de humor, prejuízo no julgamento, prejuízo no funcionamento social ou ocupacional)
desenvolvidas durante ou logo após a ingestão de álcool.

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C. Um ou mais dos seguintes sinais, desenvolvendo-se durante ou logo após o uso


de álcool:

(1) fala arrastada


(2) falta de coordenação
(3) marcha instável
(4) nistagmo
(5) prejuízo na atenção ou memória
(6) estupor ou coma

D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral nem são melhor
explicados por outro transtorno mental.

Já os dependentes que experimentam a abstinência de álcool sofrem quando as


concentrações sanguíneas de álcool declinam de forma abrupta (4-12 horas) após a
cessação ou redução. Entretanto, alguns alcoolistas podem desenvolver períodos
mais longos de tempo. Os sintomas de abstinência atingem seu pico, em geral, no
segundo dia e tendem a apresentar melhoras no quarto ou quinto dia, enquanto os
sintomas de abstinência aguda (ansiedade, insônia e disfunção autonômica)
persistem por um período de três a seis meses em níveis inferiores de intensidade.

Critérios Diagnósticos para Intoxicação com Álcool

A. Cessação (ou redução) do uso pesado ou prolongado de álcool.

B. Dois (ou mais) dos seguintes sintomas, desenvolvendo-se dentro de algumas


horas a alguns dias após o Critério A:

(1) hiperatividade autonômica (p. ex., sudorese ou taquicardia)


(2) tremor intensificado

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(3) insônia
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(4) náuseas ou vômitos


(5) alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias
(6) agitação psicomotora
(7) ansiedade
(6) convulsões de grande mal

C. Os sintomas no Critério B causam sofrimento ou prejuízo clinicamente


significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes
da vida do indivíduo.

D. Os sintomas não se devem a uma condição médica geral nem são melhor
explicados por outro transtorno mental.

Especificar se:
Com perturbações perceptuais

Existem outros transtornos induzidos por álcool, mas vou apenas citá-los, sem tecer
comentários: delirium por intoxicação com álcool; delirium por abstinência de álcool;
demência persistente induzida por álcool; transtorno amnéstico persistente induzido
por álcool; transtorno psicótico induzido por álcool; transtorno do humor induzido por
álcool; transtorno de ansiedade induzido por álcool; disfunção sexual induzida por
álcool e transtorno do sono induzido por álcool.

Além dos transtornos induzidos por álcool, há também aqueles relacionados e que
estão associados com a dependência ou abuso de substâncias (por exemplo,
Cannabis, cocaína, heroína, anfetaminas e sedativos, hipnóticos e ansiolíticos e, por
fim, a nicotina). A interação entre essas drogas pode levar o dependente a
apresentar sintomas de depressão, ansiedade e insônia, que muitas vezes
precedem o

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Aspectos culturais, sociais, bioquímicos e psicológicos, quando unilaterais, deixam


de conceber um marco para o conhecimento e esclarecimento de suas múltiplas
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facetas, que, unidas, promovem o desenvolvimento e aprimoramento de ideias. O


conhecimento profundo de uma cultura leva o pesquisador a investigar fatores
divergentes entre outras culturas de uma mesma população em diferentes níveis
sociais.
Tradições culturais que envolvem o uso de bebidas alcoólicas em contextos
familiares, religiosos e sociais, principalmente na infância, podem afetar os padrões
de uso quanto à probabilidade de desenvolver problemas relacionados ao álcool.
Baixo nível educacional, desemprego e baixa situação socioeconômica estão
associados, embora haja dificuldade em separar a causa do efeito.

Transtornos de conduta e comportamento antissocial em adolescentes e adultos,


com transtorno de personalidade antissocial em adictos, em geral, estão associados
a dependência ou abuso de substâncias ilícitas (cocaína, anfetaminas e heroína),
provocando danos à população, vítimas de atos criminosos.

De fato, foi demonstrado que qualquer que seja o comportamento desviante


escolhido para estudo, ele geralmente é encontrado em uma ampla variedade de
tipos de personalidade, assim como pessoas que diferem acentuadamente em seus
atributos de personalidade podem aprender a fazer uso excessivo dt tabaco,
também, se houver condições de aprendizagem social adequadas, indivíduos que
possuem características de personalidade diversas podem aprender a tomar
bebidas alcoólicas em excesso (Bandura, 1979).

A cultura pode influenciar o padrão e o contexto, assim como a quantidade do


consumo de álcool, e o padrão desse consumo pode, por sua vez, ser um
determinante importante dos problemas com a bebida. Os franceses consomem
vinho habitualmente nas refeições

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associado a um consumo per capita relativamente alto, e, constantemente, são


predispostos a complicações orgânicas crônicas, tais como cirrose e certos tipos de
câncer.
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A classe trabalhadora masculina do Reino Unido e América do Norte possui índices


elevados de intoxicação pelo abuso do álcool acompanhados de consequências
sociais adversas, tais como desarmonia conjugal, violência interpessoal ou infrações
por embriaguez. Já nas sociedades judaicas, o beber, em geral, é socialmente
aceitável, mas com conotações negativas quanto à embriaguez pública, enquanto na
Irlanda os indivíduos são encorajados a beber como parte da ordem social geral
(Edwards, Marshall e Cook, 1999).

O álcool é rapidamente absorvido na circulação, pelo estômago, intestino delgado e


pelo cólon, e sua concentração máxima no sangue gira em torno de 30 a 90
minutos. A absorção varia de acordo com o volume de álcool ingerido, presença de
dióxido de carbono e bicarbonato em bebidas efervescentes, alimento consumido,
temperatura corpórea, exercícios físicos ou presença de açúcar no sangue reduzem
ou aumentam sua absorção. Por se tratar de uma substância hidrófila, tende a se
acumular nos tecidos com maior teor de água (Agarwal e Goedde, 1990; Hobbs et
al., 1996).

De 90% a 98% do álcool ingerido são eliminados do corpo pela oxidação em dióxido
de carbono e água, e a maior parte que escapa da oxidação é excretada, inalterada,
no ar expirado, na urina e no suor, dependendo da quantidade ingerida ou em
temperaturas elevadas, podendo ocorrer um aumento no escape por estas vias
corporais.

Em geral, de 90% a 98% do álcool são metabolizados no fígado e o índice médio de


metabolismo em adultos sadios é de 120 mg por quilo por hora, equivalente a 30 ml
em três horas, variando conforme o peso e grau de dependência.

O efeito estimulante-euforizante do álcool, mediado pela liberação aumentada de


dopamina, é menor do que o observado para estimulantes do SNC, como as
anfetaminas e a cocaína. No entanto,

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o reforço positivo associado ao sentimento de euforia ou de recompensa também


pode explicar o desenvolvimento de uma dependência psicológica do álcool.

Foram propostos vários processos fisiológicos que mediram o fenômeno pelo qual
pequenas quantidades de álcool disparariam o processo de ingestão de grandes
quantidades dessa substância. Encontraram alterações no metabolismo celular,
inibições nos centros de controle do cérebro e a ativação de circuitos neurais
específicos localizados no hipotálamo que desencadeiam a compulsão pelo álcool
(Formigoní e Monteiro, 1997).

Quanto a consequências psicológicas, o álcool prejudica sensivelmente muitos


aspectos da função psicomotora e cognitiva. Ocorre o desequilíbrio do controle
emocional que pode resultar em violência contra outras pessoas. Implica
significativamente a autoagressão intencional e suicídio. Outra consequência
frequente do consumo pesado e prolongado do álcool é o comprometimento da
memória de curto prazo ou, menos comumente, um quadro de demência. Comuns
no ambiente hospitalar, mas não tão destacadas em termos populacionais, estão as
síndromes como delirium tremens, alucinação alcoólica ou convulsões pela
abstinência. A dependência do álcool é uma complicação psicobiológica que pode
sobrevir do uso maciço, e então perpetuá-lo, com riscos de muitos problemas
relacionados (Edwards, 1998).

A princípio, uma pessoa que começa a beber pesadamente pode ampliar seu
repertório e a variedade de estímulos que a predispõem a beber. Conforme a
dependência avança, os estímulos relacionam-se crescentemente ao alívio ou
evitação da abstinência do álcool, e seu repertório pessoal de beber torna-se cada
vez mais restrito. O adicto começa a beber a mesma quantidade nos dias de
trabalho, finais de semana ou mesmo em feriados; a natureza da companhia ou seu
próprio humor não alteram a ordem dos fatores, ou seja, fazem cada vez menos
diferença.

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Na dependência avançada, a ingestão pode se organizar segundo um horário diário


rígido, para manter um alto nível de dosagem alcoólica no sangue. No entanto, a
síndrome deve ser entendida como sutil e plástica, e não como algo rígido, mas, na
medida em que a dependência avança, os padrões tendem a tornar-se cada vez
mais fixos (Edwards, Marshall e Cook, 1999).

Os adictos em estado de abstinência podem relatar que pensam compulsivamente


na bebida alcoólica e que desenvolveram uma estratégia para bloquear essas
ruminações, procurando pensar em outras coisas. Este sentimento irracional e
indesejado, no caso do dependente, parece ser a experiência particular difícil de
transmitir.

O clínico deve estar atento aos significados das palavras que fazem parte do
repertório verbal de cada paciente, mas, de forma geral, refletem a cultura em que
aprendeu a beber e as contingências que mantêm o comportamento de ingestão de
álcool. A possibilidade de compreensão muitas vezes será destruída se termos
convencionais como a compulsão ou a perda de controle forem introduzidos
prematuramente.

Epidemiologia do Alcoolismo

O consumo de drogas psicoativas é considerado como um dos mais importantes


problemas de saúde pública no mundo inteiro. Em função do consumo exagerado e
dos riscos produzidos à saúde pelo consumo de álcool, uma grande variedade de
pesquisas tem sido conduzida com o objetivo de compreender melhor os problemas
relacionados ao ab(uso) do álcool.

Os achados epidemiológicos sobre o consumo de álcool em todo o mundo, em


decorrência das diferentes características encontradas nos usuários, reforçam a
necessidade de uma vigilância contingente e ativa, a fim de definir o padrão
epidemiológico populacional e

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definir estratégias governamentais e não governamentais de ação (Lima, 1997).

Paz Filho et ai. (2001) detectaram em um estudo de prevalência realizado em um


pronto-socorro da cidade de Curitiba, com uma amostra de 374 sujeitos, sendo
46,8% do sexo masculino e 53,2% do sexo feminino, 35,82% com transtorno
decorrente do uso de álcool. Nos Estados Unidos 85% da população, segundo
dados do Nationai Institute of Alcohol Abuse and Alcoholism (1998), já consumiu
bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida.

No Brasil, os estudos de prevalência são transversais, pois proveem informações


imediatas sobre a prevalência e fatores associados ao consumo de álcool com um
custo menor do que o de outras metodologias. Pechansky e Barros (1995)
investigaram o padrão de consumo de bebidas alcoólicas em adolescentes de Porto
Alegre e identificaram que 71% da amostra, sendo a maioria do sexo masculino,
com 17 anos ou mais, já havia apresentado pelo menos uma intoxicação alcoólica.

Conforme Santana e Almeida-Filho (1987), na América Latina, pesquisas sobre o


consumo de álcool descrevem prevalências de alcoolismo variando entre 3% e 23%,
enquanto Almeida e Coutinho (1993) identificaram que, em países como Estados
Unidos, Austrália e Canadá, as taxas de consumo chegam a 90%, e Colômbia e
México, em torno de 50%.

Almeida e Coutinho (1993) entrevistaram 1.459 pessoas na Ilha do Governador, e


51% consumiam álcool, 4,9% do sexo masculino e 1,7% do feminino. Outro estudo
realizado em Porto Alegre indicou prevalência de 9,3% de dependência do álcool e
15,5% classificados como bebedores pesados, consumindo mais de 30 gramas de
álcool/dia.

Página 114

As co-morbidades psiquiátricas são muito comuns, conforme estudos realizados por


Robins e Regier no Epidemiologic Catchment Área Study (ECA) (1991). Nos
Estados Unidos, das pessoas que procuram tratamento em clínicas especializadas,
19,6% apresentam diagnóstico psiquiátrico de Personalidade Antissocial; 5,4% de
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Mania; 5,7% de Abuso de Drogas; 3,4% de Esquizofrenia; 2,6% de Pânico; 2,0%


são Obsessivo-Compulsivos; 1,7% de Distimia; 1,6% de Depressão Maior; 1,4% de
Fobias; 1,1% têm Déficit Cognitivo e 2,0% apresentaram outros diagnósticos.

O primeiro episódio de intoxicação com álcool tende a ocorrer no período


intermediário da adolescência, com idade de início da dependência de álcool
atingindo um pico da casa dos 20 à metade da casa dos 30 anos. A maioria dos
indivíduos que desenvolvem transtornos relacionados ao álcool o fazem próximo dos
40 anos.

O abuso e a dependência de álcool são mais comuns entre o sexo masculino, com a
razão de homens para mulheres afetadas chegando a 5:1. Entretanto, esta razão
varia substancialmente, dependendo do grupo etário. As mulheres tendem a
começar a beber excessivamente mais tarde do que os homens e podem
desenvolver transtornos relacionados ao álcool mais tarde. Uma vez que o abuso ou
a dependência de álcool desenvolvam-se em mulheres, a condição pode progredir
mais rapidamente, de modo que, na meia-idade, as mulheres podem ter a mesma
faixa de problemas de saúde e consequências sociais, interpessoais e ocupacionais
que os homens (DSM-JV, 1994).

Vários estudos, foram conduzidos por pesquisadores brasileiros em diferentes


regiões brasileiras indicando a prevalência de alcoolismo em cada região em
períodos distintos, conforme descrito por Santana e Almeida-Filho (1990) na Tabela
1.

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Tabela 1 — Prevalência de alcoolismo dividida por região

Autor/Ano/local N População Estudada Prevalência de alcoolismo


Azoubel Neto/1 962/ 203 Vila Sta.Terezinha 6,2% —
Ribeirão Preto alcoolismo crônico
13,3% —
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bebedores excessivos
Luz Jr./1 974/Porto 514 Vila Vargas 6,2%
Alegre
Coutinho/1976/ 742 Maciel 22,6%
Salvador
Santana/1978/Salvador 1549 Bairro de baixa renda 3,4%—
alcoolismo
14,2%—
consumo diário
Almeida-Filho/1985/ 1047 Área industrial 6,2%
Salvador alcoolismo
21,2%-
consumo diário
19,1% —
embriaguez semanal

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Por meio dos dados citados na Tabela 1, podemos ter uma noção dos estudos
realizados no Brasil e, em razão da carência de recursos financeiros, torna-se
impossível conduzir pesquisas que envolvam estudos longitudinais, de modo que
fica quase impossível organizar e executar uma política de saúde voltada ao estudo
do álcool.

Políticas do Álcool

Por se tratar de uma questão que atinge toda ou grande parte da população
mundial, políticas de saúde desenvolvidas em países desenvolvidos e em
desenvolvimento, ao longo do espaço e tempo históricos e dentro do contexto de
sistemas de valores determinados cultural- mente, de fórmulas administrativas e de
crenças quanto à natureza fundamental das questões-alvo, estes problemas deram
origem a uma diversidade de respostas políticas. Algumas políticas incluem:
proibições quanto ao uso; racionamento e monopólios estatais; impostos cobrados
sobre a venda de bebidas alcoólicas; leis dirigidas ao licenciamento a distribuidores;
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horários de consumo ou definição da idade legal para fazer uso do álcool;


campanhas de informação, educação e, para finalizar, as crenças desenvolvidas
quanto ao consumo de álcool e comportamentos em geral, entre outras (Edwards,
1998).

Foram encontrados diferentes índices de mortalidade em diversos países, tendo


como causa a cirrose originária do álcool, entre eles, o campeão em mortalidade,
com 54,0%, a Hungria, sendo 79,7% homens e 32,6% mulheres. O segundo país é o
México, com 48,6%, sendo 72,5% homens e 2 1,8% mulheres. Tais dados foram
fornecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e adaptados por Edwards
(1998).

Nos Estados Unidos, em 1990, os gastos totais do abuso de álcool, relativos a


tratamento, morbidade e mortalidade, giram em torno de US$100 bilhões, e no
Brasil, Reino Unido, Austrália, Canadá e Japão, os dados fornecidos à OMS não
foram computados em razão de

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alguns elementos inclusos nas análises estatísticas não publicadas (Rice, 1993).

Quanto às tendências encontradas em vários países que consomem álcool per


capita, verificou-se que, na década de 1990, a França atingiu o índice de 12,7 litros
de etanol, seguido de Luxemburgo com 12,2 e de Espanha e Suíça, com 10,8,
enquanto a Turquia apresentou apenas 0,6 litro de etanol ( World Drink Trends,
1992).

Os problemas que as políticas do álcool priorizam deveriam ser definidos de modo


amplo. O objetivo da política não deveria ser limitado ao alcoolismo, ao dependente
de álcool ou a uma doença física grave. A definição-alvo que melhor fundamentará o
desenvolvimento das políticas deve tomar conhecimento dos problemas
relacionados ao álcool e da dependência do álcool; ela dará alta prioridade a
problemas agudos ou referentes a acidentes, assim como a patologias crônicas;
lidará com problemas sociais e psicológicos e com problemas físicos. Pesquisas
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também demonstram que uma política deve abarcar a totalidade da população que
bebe e definir o alcance da ação de saúde pública.

Tratamento Cognitivo-Comportamental

A abordagem Cognitivo-Comportamental no tratamento do alcoolismo pressupõe


que o beber-problema é o que deve ser tratado. Implícita nesta abordagem está a
crença de que o beber-problema é principalmente um comportamento aprendido, e o
tratamento envolve substituir o padrão desadaptativo do comportamento de beber
por um beber mais apropriado ou pela abstinência. A Terapia Cognitivo-
Comportamental (TCC) salienta o papel das expectativas em relação ao álcool no
desenvolvimento da ingestão e suas consequências (Edwards, Marshall e Cook,
1999).

Para a maioria das pessoas, a mudança de comportamento(s) indesejado(s) tornou-


se relativamente simples, mas sua

Página 118

manutenção é árdua e bem mais complexa. A dificuldade não está no parar de


beber, mas, sim, em manter-se em abstinência.

A TCC é baseada no modelo teórico de que afeto e comportamento são


determinados pelo modo que o indivíduo organiza e estrutura seu mundo. Tem como
produto a combinação de estratégias cognitivas e comportamentais, que visam à
elaboração de metas no intuito de atingir mudanças cognitivas e comportamentais.
Sua matéria-prima são as chamadas cognições (pensamentos, imagens, conceitos,
ideias, crenças irracionais), que se configuram em uma determinada disposição e
arranjo mental específico e individual, denominado esquema central. Esses
esquemas orientam, organizam, selecionam suas novas interpretações e ajudam a
estabelecer critérios de avaliação de eficácia ou adequação de suas ações no
mundo do indivíduo (Rangé, 1995).
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Resultado de um aprendizado, o indivíduo pode organizar seus esquemas, mediante


comportamentos mal adaptativos, e reaprender outros mais bem adaptados (Beck et
al., 1997).

A premissa básica da TCC nos comportamentos adictivos está calcada em três


proposições primordiais, segundo Knapp & Bicca (1998):

• a atividade adicta é afetada pelo comportamento;


• a atividade adicta pode ser monitorada e alterada; e
• a mudança de comportamento desejada pode ser afetada pela mudança do
pensamento cognitivo.

Por se tratar de uma abordagem focal, a TCC deve ser ativa, diretiva e estruturada,
caracterizada pela aplicação de procedimentos clínicos como introspecção, insight,
teste de realidade e aprendizagem, visando aperfeiçoar discriminações e corrigir
concepções equivocadas, tais como comportamentos, sentimentos e atitudes
perturbadoras. O foco principal é ajudar o paciente a examinar o modo

Página 119

como constrói e entende seu mundo e auxiliá-lo, de forma colaborativa, a


experimentar novas maneiras, adequadas e/ou gratificantes, demonstrando suas
habilidades de enfrentamento.

Nesta abordagem teórica são enfatizados dois aspectos importantes na prevenção


da recaída: as crenças em relação ao comportamento de beber e a modificação dos
estímulos externos (ambientais) e internos (sentimentos) de alto risco para a
recaída. O objetivo principal da TCC é identificar, examinar e manejar as distorções
cognitivas que o indivíduo atribui a cada estímulo e o conjunto de crenças e atitudes
adotadas para lidar com momentos diferentes de cada estímulo específico.

Na Figura 1 é apresentado o modelo cognitivo nos comportamentos adictivos de


recaída de Beck et al. (1993).
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Figura 1 — Modelo Cognitivo de Beck

Início da imagem

Fim da imagem

Descrição da imagem: estímulos ativados (internos ou externos) -> ativação de


crenças -> pensamentos automáticos -> fissura -> crenças facilitadoras -> plano e
estratégias de ação -> lapsos/recaída.

Fim da descrição

Entrevista de Motivação (EM)

A Entrevista de Motivação (EM) desde 1983 é aplicada como uma técnica


terapêutica em adictos, por se tratar de uma abordagem prática e aceitável para os
indivíduos relutantes em mudar e ambivalentes em relação à mudança. Incorpora-se
de estratégias de aconselhamento, da TCC, da teoria dos sistemas e da psicologia
social de persuasão (Miler

Página 120

e Rollníck, 1991). Não faz parte do papel do terapeuta ser autoritário, muito menos
utilizar-se de confrontos com o cliente, mas conduzi-lo à mudança, criando urna
base positiva. A meta a ser estabelecida é aumentar a motivação do paciente,
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deixando-o com a responsabilidade de efetuar a própria mudança, visto que a busca


pela terapia é metade do caminho que deverá ser percorrido.

Prochaska e Di Clemente (1982) descreveram cinco estágios de mudança


separados, que podem ser aplicados tanto ao entendimento do comportamento de
ingestão quanto ao trabalho prático do tratamento. Esses estágios são: pré-
contemplação, no qual uma pessoa não reconhece um comportamento como
problemático; contemplação, os indivíduos reconhecem que têm um problema e
começam a pensar nas implicações da mudança; segue-se o estágio de
determinação, em que ocorre a pretensão de agir e tentar a redução do álcool e
decidir mudar, passando ao estágio de ação. No último estágio considerado o de
manutenção, o indivíduo tenta manter as mudanças para evitar a recaída.

Avaliação

Um modelo conceitual que se faz necessário para uma melhor compreensão quanto
ao consumo de bebidas alcoólicas, utilizado para integrar os fatores que sustentam
d consumo individual ou relacionado a circunstâncias ambientais ou relacionamentos
interpessoais, por meio de repetidas combinações com reforço positivo ou negativo
ou mesmo por antecipação de reforço é conhecido como modelo Sorc. Esse modelo
Sorc integra considerações em um modelo específico ao consumo de bebidas
alcoólicas. O S indica os estímulos ambientais previamente à ingestão, evocando
reações cognitivas, afetivas e fisiológicas do — O — organismo. Segue-se a — R —
resposta do ato de ingestão a qual pode ser mantida pelas — C — consequências
positivas do consumo.

Página 121

Fatores individuais, familiares e interpessoais, entre outros, podem estar


relacionados à ingestão de bebidas alcoólicas. No âmbito individual, antecedentes
ambientais podem estar associados com situações específicas de consumo,
determinados momentos do dia ou o próprio odor. As variáveis ligadas ao
organismo, tais como a fissura, sintomas de abstinência, afetos negativos, auto
avaliações negativas ou mesmo as crenças irracionais provenientes do (ab)uso do
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álcool, ou expectativas positivas quanto ao efeito proporcionado pela bebida em


situações particulares, quando reforçados individualmente, podem diminuir os
sintomas de desejo ou abstinência, reduzindo o afeto negativo ou mesmo aumentos
no afeto positivo, diminuindo as auto avaliações negativas ou a idade de esquecer
problemas (McCrady, 1999).

Técnicas Cognitivas e Comportamentais

Nos estágios de ação e manutenção, o treinamento das habilidades sociais e o


treinamento da assertividade são tidos como o primeiro foco dos estágios
considerados tardios. Os pacientes são prejudicados por uma incapacidade
subjacente de funcionar em situações sociais, e o tratamento mediante role-play,
dessensibilização sistemática ou outros métodos comportamentais, tais como a
assertividade, que irá ensinar o paciente a aprender a dizer não à bebida (Holder et
al., 1991).

Outra técnica utilizada é o treinamento das habilidades de solução de problemas,


que consiste em ajudar o paciente a desenvolver estratégias alternativas de manejo
para usar em situações de alto risco (Monti et ai., 1989).

O treinamento em relaxamento ajuda os pacientes a aliviarem a ansiedade e a lidar


com o desejo intenso de beber. Muitos adictos apresentam dificuldades em lidar e
expressar a raiva que sentem. A técnica de manejo da raiva em conjunção com o
treinamento da assertividade pode ser benéfica nestes casos.

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A solução de problemas ajuda o paciente a identificar as situações que


possivelmente estimulam o paciente ao ato de beber e como manejá-las; utilizando-
se de estratégias para lidar com possíveis problemas e com as adicções, por meio
do manejo do craving (fissura).

A base da TCC no tratamento de adictos é a reestruturação cognitiva, que


contempla a identificação de pensamentos automáticos e crenças básicas, ajudando
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o indivíduo a substituí-los por pensamentos positivos. Para isso, são usados os


Registros Diários de Pensamentos Disfuncionais (RDPD, na Figura 2), em que são
registrados os eventos situacionais, emocionais e cognitivos relevantes. A detecção
desses pensamentos durante a consulta é crucial para uma demonstração
adequada das distorções cognitivas em ocorrência, pois é por intermédio dessa
experiência que o paciente aprende a detectar seus pensamentos disfuncionais,
como um primeiro passo para aprender a manejá-los (Rangé, 1995).

Uma vez adquirida a compreensão lógica do processo, identificando pensamentos


disfuncionais e fazendo as reestruturações cognitivas de suas cognições, o
terapeuta passa a exercer papel de orientador, e não mais de interventor, apoiando
o paciente fora do contexto terapêutico a generalizar seus pensamentos,
sentimentos e comportamentos diante de situações consideradas de alto risco antes
do processo de mudança.

Figura 2 — Registro Diário de Pensamentos Disfuncionais (RDPD — Beck et ai.,


1997)

Início da imagem

Fim da imagem

Descrição da imagem

Dia/hora - Situação - Sentimentos Emoção(ões) - Pensamento(s) Automático(s) –


Resposta Racional

Fim da descrição

• assinalar a intensidade do sentimento (0 a 10);


• assinalar o grau de convicção do pensamento (0 a 10).
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O Plano Semanal de Atividades Diárias (PAD, na Figura 3) irá contribuir com o


emprego de tarefas graduadas, na auto-exposição a situações específicas, na
prevenção de respostas e como técnica auxiliar na prevenção de recaída.

Os indivíduos que aprendem com as emoções e estão atentos, quando as crenças


são ativadas, conseguem reconhecê-las e neutralizá-las, evitando o ato de beber. A
aplicação clínica da TCC consiste na modificação do sistema de crenças do
paciente, além de ensina-lo a enfrentar ou evitar situações de alto risco (Beck et ai.,
1993).

No final do tratamento, o paciente deverá apresentar o que aprendeu e concluiu por


meio de sua conduta e o que notou que não estava evoluindo, de modo que o
terapeuta se coloque à disposição para ajudá-lo.

Figura 3 — Piano Semanal de Atividades Diárias (PAD — Beck et ai., 1997)

Início da imagem
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Fim da imagem

Descrição da imagem: tabela de compromissos de segunda a domingo com os


horários em uma lista de uma em uma hora, das 7:00 as 8:00 horas até as 23:00 –
24:00

Fim da descrição

Página 124

Conclusão

O amplo conhecimento a respeito da conceituação, etiologia e epidemiologia ajuda-


nos a compreender melhor o (ab)uso do álcool, não só como uma substância
psicoativa, mas todas as consequências devastadoras que ele provoca. Sua
etiologia ainda desconhecida, mas com teorias que buscam sustentação, favorece
uma gama de hipóteses, que intrigam a maestria das maiores autoridades no
tratamento de adictos. Por sua vez, ajudam a esclarecer fatos intimamente ligados à
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sintomatologia e ao estudo de diversas culturas relacionadas ao comportamento de


beber.

Os números obtidos em pesquisas recentes quanto ao consumo são estarrecedores,


o que fez com que muitos pesquisadores, em diversas regiões do planeta, se
dispusessem a promover campanhas educativas relativas à política do álcool.

Nota-se que, com a mobilização de toda a sociedade, se faz jus, a incansável tarefa
de prevenção de recaída, em razão dos danos causados pela ingestão excessiva
dessa substância, tanto em nível orgânico quanto psicológico, social, familiar etc.

A Terapia Cognitivo-Comportamental, uma das formas de psicoterapia mais eficazes


no tratamento e manejo de problemas relacionados ao abuso do álcool, juntamente
com a integração e utilização de técnicas comprovadamente eficazes na
modificação de comportamentos, auxiliada e calcada na resolução de problemas,
acrescenta ao tratamento farmacológico ganhos para o paciente e para a sociedade
de modo geral, permitindo que outras abordagens teóricas possam se utilizar dos
princípios fundamentais, que vão da educação ao manejo de crenças disfuncionais à
readaptação de pensamentos mais apropriados.

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Página 128 – página em branco

Página 129

De um sorriso doce...

Valdemar Augusto Angerami — Camon

Para Cacheadinha...

SERRA DA CANTAREIRA

Eu quero da vida o teu sorriso doce... o mesmo que você exibe quando te estreito
em meus braços... quero passear pelo teu corpo do mesmo modo como caminho
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pela serra nas manhãs e madrugadas... sentindo cada detalhe da caminhada com
um prazer que nunca se exaure... e sempre se renova...

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eu quero da noite o teu sorriso meigo...


aquele que você mostra
quando tomamos vinho diante da
lareira... ver o teu contorno emoldurado
pelo fogo e sentir a emoção de
abraçá-la em cada fragrância
da magia dos nossos momentos...

eu quero da vida a paz do teu sono...


o teu espreguiçar pela manhã e o teu
sorriso de bom dia... de como você
reclama das minhas molecagens
logo cedo... a tua fala que se mistura
com a algazarra dos pássaros no
amanhecer... eu quero a vida com
a serenidade com que você se
debruça sobre os teus livros para
produzir intelectualmente... um olhar

penetrante e abrangente...

Página 131

JOÃO PESSOA

A Lua nasce sob o horizonte e


deixa a água do mar com um prateado
reluzente.., um prateado que toca a alma
de modo único... a Lua vai deixando as
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águas e vai subindo em direção ao céu...


e o seu rastro prateado encanta e se espraia
e nos abraça com um suave toque de
magia... eu sinto tua falta... falar ao telefone
não basta... preciso te ver admirando esse
luamento... como de outras vezes aqui em
João Pessoa, em Natal e na Cantareira...

A praia pela manhã me traz tua ausência... caminhar


sozinho pela areia é saber que você está
longe.., noutros cantos... sentir falta dos teus
beijos é como sentir falta da própria seiva
da vida.., de como tudo é incompleto sem você...
o mar que se derrama na areia não tem a mesma
beleza de quando você está ao meu lado...

Página 132

O pôr-do-sol na Praia do Jacaré é espetáculo


insosso.., tudo é um só tédio quando você não
está ao meu lado.., vir a esse espetáculo é
lembrar do teu sorriso diante da magnitude
desse espetáculo.., da tua alegria em registrar
com fotos o sol se escondendo no horizonte...
não há como estarem João Pessoa e não
te encontrarem cada canto.., em cada quina de
esquina.., em cada pedaço de chão, de areia,
de mar... é lembrar, sonhar e constatar:
sua ausência é uma doce reminiscência de
que te viver é sonhar um sonho azul,
é esperar com muita ansiedade o dia de
te reencontrar e poder abraçar e beijar
na sua delicadeza dessa magia que estamos
vivendo, onde cada momento é revestido
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de um mistério e um fleuma que torna


tudo inesquecível, indescritível.., uma
ilusão, uma paixão, uma emoção...
tudo isso é você, é João Pessoa,

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é a Cantareira... é o prazer de te estreitar


em meus braços na madrugada e
sorrir como criança.., de um sorriso
doce que me fascina e que torna as minhas coisas
uma suave fragrância de paz e amor...
é assistir à florada da Sibipiruna na primavera
e saber que em tudo existe um pouquinho de
você.., do teu ser... do teu sorrir...

Serra da Cantareira, numa manhã de primavera

Página 134 - Página em branco

Página 135

• Capítulo 6

A Racionalidade Médica Ocidental e a Negação da Morte, do Riso, do


Demasiadamente Humano

Geórgia Sibele Nogueira da Silva

Ao grupo de teatro Clowns de Shakespeare, e aos nossos pequenos pacientes,


vivos e mortos, por me ensinarem muito sobre a beleza e intensidade de um
momento, sobre a vontade de vida.
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“Não somos rãs pensantes nem aparelhos de objetivação e máquinas registradoras


com vísceras congeladas — temos constantemente de parir nossos pensamentos de
nossa dor e maternalmente transmitir-lhes tudo o que temos em nós de sangue,
coração, fogo, prazer, paixão, tormento, constantemente tudo o que nos atinge: não
podemos fazer de outro modo.” Nietzsche

Duas imagens de dor, de intenso sofrimento, me obsediaram desde que escolhi


dialogar com o tema da racionalidade médica em um livro que nos convida ao
diálogo com a psicossomática. As imagens invocam a presença da morte. Não falo
da morte física, mas da morte em vida, da morte da sensibilidade, da ausência do
contato

Página 136

humano, afeto, respeito à dor do outro, envolvimento, entrega, de um ouvir que não
escuta, da morte ou interdição dos sentimentos.

Falo de imagens fictícias e reais. Ei-las:

Até a água eles custam a me dar. Parece que eu contamino só com a presença. O
médico não acredita que eu possa sair dessa, ele diz isso com seus olhos, com sua
desatenção. Ele pouco vem aqui. Acho que ele tem medo quando eu tento tocá-lo,
que a minha morte o leve também. Ele não aprendeu que a morte é de cada um, ela
não é contagiosa, cada um tem a sua e pior, eu sei que ela não avisa quando vem
mesmo que o doutor se iluda achando que ele sabe o meu tempo... e o dele, será
que ele também sabe?

Sabe, é como se eu já tivesse morrido, eu preciso estar provando que estou vivo,
por isso eu às vezes tenho essas “crises de nervoso”. (Portador do HIV/ 1998/ ficção
ou realidade?)

Um jovem soldado, durante a primeira grande guerra mundial, é atingido por uma
bomba, perde seus braços e pernas, seus olhos, nariz e boca, mas permanece vivo,
com a mente funcionando, porém os médicos acreditavam que ele não estivesse
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lúcido e, por isso, aceitam sem muito pesar a manutenção de sua vida. Ë prescrito
um medicamento para seus movimentos (abalos musculares) e é também prescrito
que nenhum membro da equipe deve ter “envolvimento emocional” com o paciente.
Este é deixado num quarto isolado onde ninguém pode vê-lo ou saber de sua
existência. Duas personagens transgridem esta prescrição. A primeira, uma
enfermeira que se penaliza do rapaz, abre as janelas e, com o calor do sol em sua
pele, Johnny pôde começar a medir o tempo, dia, noite, dia, semana, semana, mês,
outro mês, até que se passa um ano, vários anos (em seu calendário interno). A
segunda, uma outra enfermeira (curioso que sejam enfermeiras a desempenhar
esse papel e não médicos) que, ao ver o paciente pela primeira vez, chora e acaricia
sua testa (e, em sua mente, Johnny grita, ao sentir as lágrimas caindo em seu corpo:
“que bom, você não tem nojo de mim”. Num outro momento, Johnny tem um sonho
erótico, fica excitado (seu pênis fica ereto), a enfermeira não entende por que ele se
debate, procura o motivo retirando as cobertas, o vê excitado e o masturba. Depois,
ainda por resolução dela, aparentemente sem motivo algum, ou sem lógica alguma,
a não ser a lógica de seu sentimento, a enfermeira escreve com a

Página 137

ponta de um dedo a expressão “Merry Christmas” no peito do paciente. Este


compreende a mensagem, acena com sua cabeça que compreendeu e, em sua
mente, grita de felicidade e agradece comovido à enfermeira.

Perseguindo um modo de se comunicar com “os de fora’ como os denomina, Johnny


descobre que pode usar o código Morse e começa a “telegrafar” mediante
movimentos de sua cabeça. A enfermeira observa, não entende o que está havendo,
mas percebe que ele quer expressar algo e vai em busca de alguém que possa
entender do que se trata. Assim ocorre, vêm os médicos, o capelão, o telegrafista
(anos haviam-se passado; percebemos isto pelo envelhecimento do médico que o
operara, o qual, quer o autor tenha representado casual ou intencionalmente, usa
muletas).

Percebem que ele está tentando se comunicar. O telegrafista, entendendo o código,


pergunta-lhe, “telegrafando” em sua testa, o que deseja. Ele responde que quer
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poder ser útil, quer poder ganhar sua vida e que o modo de conseguir isto seria
sendo exibido em praça pública, sendo uma espécie de atração circense: o homem
sem braços, sem pernas, sem olhos, sem ouvidos, sem boca, sem nariz, mas que
pensa e sente. E isto para que todos possam ver a tragédia que a guerra pode
causar a um ser humano.

A junta de médicos e militares lhe diz que “infelizmente, isso não é possível”. Ele
retruca que, se é assim, se não vão permitir que ele saia, ele prefere que o matem e
repete insistentemente: “matem-me, matem-me”. Eles saem e o de patente superior
determina que o ocorrido não seja divulgado a quem quer que seja.

A enfermeira, novamente a sós com Johnny, resolve atender a seu pedido, e


chorando obstrui o tubo de oxigênio. O referido superior retorna ao quarto,
desobstrui o tubo, expulsa a enfermeira, fecha as janelas, seda o paciente, sai e
fecha a porta. Johnny fica sozinho no quarto, sonolento pela medicação e, no
entanto, apesar de todo o seu desespero, continua “telegrafando” um pedido de
ajuda: S.O.S... S.O.S... Assim termina o filme Johnny vai à guerra, do diretor Dalton
Trambo.

Nessas imagens, ficção e realidade se confundem; os sentimentos que elas invocam


estão presentes no meu cotidiano como psicóloga. E no decorrer deste escrito
outras imagens se aliam. São cenas de riso presente nas enfermarias e corredores
hospitalares por onde

Página 138

passam os doutores da UPI! (Unidade de Palhaçada Intensiva). A relação com os


doentes e suas doenças suscita reflexões em minha prática e minha vida, que talvez
não surgissem sem eles. É com dor e paixão que tento parir meus pensamentos e
caminho na busca constante por interlocutores que partilhem o desejo de gerar outra
realidade. Herbert Daniel (sociólogo, militante na luta contra a Aids) nos lembra: “E o
mundo melhor é a parte melhor que criamos dentro dos nossos peitos, fazendo
nossos braços de raízes”
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Escolher o tema da Racionalidade Médica para dialogar e lançar para o diálogo esse
pensamento — a Racionalidade médica e a negação da morte, do riso, do
demasiadamente humano — é o resultado de uma aflição interna em busca de
expressão. O ato de escrever foi a maneira encontrada para exorcizar esse
desassossego que é existencial, mas também epistemológico.

Dialogo com vários autores, na tentativa de aliviar minha solidão. Insinuo assertivas,
encontro alguns abrigos em teóricos e praticantes de uma “nova” medicina e
Psicologia. Parto do meu caminho e arrisco-me ao dividir os primeiros frutos
nascidos de algumas sementes, plantadas em direção a uma prática hospitalar
capaz de acolher o riso e a dor e, quem sabe, imaginar pistas para uma
racionalidade mais tolerante, acolhedora, saudável e de fato humana.

Em alguns momentos sinto que Foucault tem razão: a palavra é a morte da coisa.
Em outros, como diria Samira Chalhub, a escrita caminha como um corpo falante.
Minhas idéias, ainda em gestação, estão expostas, e o desassossego continua...

Razão e Paixão na Medicina Ocidental

“A porta da verdade estava aberta mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.
Assim, não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil da meia-verdade. E sua segunda metade voltava igualmente com
meio perfil. E os meios perfis

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não coincidiam. Arrebentaram aporta. Derrubaram aporta. Chegaram ao lugar


luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra. Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma
das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme seu
capricho, sua ilusão, sua miopia.” Carlos Drummond de Andrade

Por capricho, ilusão ou miopia, o mundo ocidental moderno fez a opção de isolar a
razão dos afetos na produção do conhecimento. Tal separação é resultado da
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crença de que a verdade está além do sujeito que a produz. Luz (1988) afirma que a
racionalidade científica moderna postula a razão e o método científico como norma
fundamental para obtenção do conhecimento ou, de modo mais geral, como o modo
de produção da verdade, nos quatro séculos de sua construção. “Uma razão
instrumentada pela observação repetida, tecnificada.” É essa razão que institui a
Natureza como objetividade e como exterioridade ao homem, como materialidade a
ser apreendida e explicada, que se constrói com o renascimento científico, que se
explicitava no século XVII como “revolução científica”.

A essa revolução deve-se a grande ruptura epistemológica Natureza—Homem,


Natureza—Cultura. Temos as rupturas dualistas da racionalidade moderna:
sujeito/objeto, corpo/alma, razão/sentido, quantidade/qualidade, bom/mau,
masculino/feminino, normal/patológico; por que não dizer, saúde/doença,
tristeza/alegria. Dentro de tal racionalidade, não é possível enxergar pontos de
convergência, de interseção. Tudo o que se coloca no centro dessa dualidade é
considerado situação marginal, desordem, caos — portanto, um ruído para a ciência
que precisa ser eliminado. Tudo o que causa dúvida, insegurança, que simbolize o
perigo, é afastado. Portanto, a doença, ao encontrar-se no centro da dualidade vida-
morte, também é sinal de anomia, de perigo.

Ruptura que não é apenas epistemológica, mas social e psicológica, na medida em


que institui instâncias socialmente exclusivas

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para o exercício de cada um desses compartimentos: a produção de verdades para


a razão (ciência); as paixões para a política e para a moral (ética); os sentimentos e
os sentidos para as artes (estéticas). Temos nessa fragmentação a marca do
avanço da Racionalidade Científica na modernidade.

Racionalidade esta bastante eficaz na expulsão dos sentimentos, da subjetividade,


na ruptura do próprio sujeito, em sua compartimentação. O início da expropriação da
subjetividade é herança da obsessão em direção ao mundo-verdade inaugurado
pelo platonismo, filho do dualismo socrático. Então a verdade não pode estar
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atrelada aos descaminhos da subjetividade, da experiência sensível, das


aparências.

Giacoia (2000) comentando Nietzsche afirma, em O nascimento da tragédia, que ele


recorre ao espírito trágico dos gregos para mostrar como o homem socrático — cuja
racionalidade é a matriz do cientificismo moderno — se refugiou no otimismo
metafísico como forma reativa de se furtar ao ciclo de trevas e luz, de construção e
destruição, que constitui a vida e torna a existência incompreensível e absurda aos
olhos míopes e covardes do olhar logocêntrico. Com Sócrates, o único caminho à
verdade se dá pela via lógico-racional.

Assim, vamos ter a máxima da pureza da razão e, a partir de Descartes, sob a égide
da máquina, o mundo natural e humano passa a ser expiado. A ciência é a teologia
da época; o relógio é a grande metáfora do Universo; o Positivismo, o guia
necessário. A expulsão da subjetividade é a base dessa conquista. No entanto,
desde o início do século XX, as dúvidas quanto à exequibilidade desse dualismo
exacerbado vêm crescendo.

O saldo do progresso civilizatório dos últimos séculos foi desastroso. Quanto mais
nos afastamos e dominamos a natureza, em nome da tecnologia, do avanço, mais
contribuímos para a degradação da qualidade de vida. Nosso progresso foi uma
questão predominantemente racional e intelectual. Essa evolução unilateral atingiu

Página 141

um estágio alarmante que beira a insanidade. Hoje fica cada vez mais evidente que
o paradigma cartesiano encontra-se obsoleto.

Almeida (1992) ressalta que hoje emerge a desconfiança e a tomada de consciência


de que o modelo cartesiano de pensar começa a esgotar as estratégias que
moldaram, nos últimos séculos, um homem dolorosamente fraturado. A produção de
conhecimento, como resultado exclusivo da razão, a busca pelo ideal ascético e a
negação da influência dos sentimentos, das emoções, nas construções que fazemos
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da realidade exigem revisão. Não é mais possível não escutar as profecias de


Zaratustra.

Cabe a pergunta: e na medicina, qual foi o lugar encontrado para a razão e a


paixão? Luz (1988) nos responde apontando que a medicina apenas exprime e
ilustra, com radicalidade, um processo de racionalidade amplo que atingiu o
Ocidente, desde o classicismo grego, mais crescentemente com o capitalismo
moderno.

A separação entre ciência e arte, com o predomínio da primeira, a expulsão do Deus


Dionísio (paixão) do nosso cosmos e o enaltecimento do Deus Apolo (razão)
contaminam a medicina de forma hegemônica no Ocidente, sendo responsável por
um tipo de racionalidade que desloca o objeto do saber sobre o doente para o saber
sobre a doença.

Ao utilizar a categoria Racionalidade Médica, estou acolhendo a definição de Luz


(s.d.), que advoga tratar-se de um construto lógico e empiricamente estruturado em
presença de cinco dimensões fundamentais (morfologia, dinâmica vital, doutrina
médica, sistema de diagnose e sistema de intervenção terapêutica). Tende a
constituir-se em proposições “verdadeiras’ ou seja, verificáveis de acordo com
procedimentos racionais sistemáticos (preferencialmente os de racionalidade
científica), e de intervenções eficazes em face do adoecimento humano.

Como apontei anteriormente, houve um deslocamento epistemológico e clínico da


medicina moderna. A milenar arte de curar doentes é substituída pela ciência das
patologias. A história da civilização

Página 142

ocidental, em sua obsessão pelo saber científico, promove a hegemonia da


diagnose sobre a terapêutica, ambas subjugadas à episteme.

Seduzidos pelo imaginário médico amparado na razão e na cosmologia mecanicista,


que torna o corpo humano uma máquina digna de reparos e exige instrumentos
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eficazes, além de um bom técnico, assistimos à configuração de uma medicina


tecnológica especializada. Uma tecnologia que não admite o erro, o medo, a morte.
Ou mesmo o riso. Toda expressão de emoção torna-se ruído dentro dessa lógica.

O itinerário percorrido pela medicina para gerar em suas entranhas essa


racionalidade teve início, portanto, quando a medicina descritiva hipocrática — que
integrava Natureza e Homem, advogava uma visão monista, unicista do ser e
consequentemente tinha como objeto a pessoa humana em sua totalidade — se
aproximou da experimentação, da observação e classificação de atos e sintomas.
Cedeu lugar a perspectivas da Escola de Galeno, em que a doença é vista como
algo autônomo, terreno fecundo para o desenvolvimento de uma medicina
mecanicista.

O segundo momento dessa viagem, marcado pela expansão do capitalismo, define


o projeto epistemológico da promoção de uma ciência das patologias, fortalecida nas
primeiras décadas do século XIX com o surgimento de uma nova forma de pensar e
agir médicos — o nascimento da clínica. Aqui ocorre a passagem do homem para o
organismo patológico. A vida passa a ser vista por intermédio da anatomia e da
morte (necropsia). As doenças são classificadas e catalogadas em sintomas. As
descobertas da microbiologia e o aparato tecnológico crescente se aliam,
transformando a doença em uma entidade. Não estamos mais diante de um doente,
mas da doença. Não lutamos a favor da vida, mas combatendo a morte. Nesse
percurso, o agir terapêutico tem sua mais irracional perda — a relação
terapeuta/paciente é implodida. Aqui, nossas intenções diante do adoecimento
perdem a dimensão do humano.

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Camargo Jr. (1992) acentua que, para o médico, o sofrimento é irrelevante e o


paciente sofre de distorções. Sua relação é com a doença, e o paciente é um mero
canal de acesso a ela. Um canal “ruim”, por sinal, já que introduz ruídos em níveis
insuportáveis. Isso limita as possibilidades de atuação médica ao biológico, o que
impõe sérias restrições, do ponto de vista da eficácia, a esta prática. Por paradoxal
que isso possa parecer, abandonando a busca da quimera científica, talvez
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possamos ser científicos como nunca fomos. Ter certeza como a clínica supõe ter é
fatal às dúvidas, matriz da investigação científica. Morin esbraveja que um
paradigma que não incorpore o ruído é mortificador e Kierkegaard poeticamente nos
convida a pensar quando diz: “a verdade não deve ser buscada senão na paixão”

No entanto, em nome do mito da razão, da cientificidade, expulsamos a


subjetividade, o contato humano — o riso, a dor, o ruído, a morte, a própria vida.
Talvez por miopia, construímos uma medicina sem paixão e acreditamos na ilusão
de que sem a morte subiremos ao Olimpo.

O Início do Ritual de Iniciação da Racionalidade Médica Ocidental: Exorcizar a Morte


e Abraçar o Olimpo

“Eu quero das mortes a mais traiçoeira. Diferente da que, sincera, se anuncia. Não
quero aquela que vai-se chegando com as rugas, atrasando os movimentos,
dificultando o gozo. Não quero a morte perversa, que toma o braço do senil e fica ao
lado do entrevado. Não quero a morte sincera, nem respeito mais a morte que avisa
que já vem vindo, morte catatônica. Morte que não me deixa esquecê-la. E, quando
for chegando a hora, que venha ainda em silêncio, sem avisar a ameaça. De manso,
durante um bom sono, tome-me. Morte, boa morte, é a que nem se deixa perceber,
depois de uma vida muda, cega e tetraplégica, ressurge uma vez só e toma de
assalto e vence. Uma bala. Um golpe pelas costas. Quero para mim da morte a mais
traiçoeira.”

Anna Verônica Mautner

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“Eu só queria que tivesse alguém para segurar minha mão, talvez fosse menos difícil
morrer.”

Estudante de Enfermagem, em fase “terminal’


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As falas acima revelam, no primeiro momento, a desejada morte repentina, atitude


familiar na modernidade e, no segundo, o desejo do acolhimento de alguém que
vivencia os últimos momentos de sua existência. Fala do apelo a uma nova forma de
relação com a morte, de um vínculo possível entre médico/paciente, por que não
dizer, da procura por uma nova racionalidade médica.

Camus (1989) nos colocou que uma forma cômoda de travar conhecimentos sobre
uma cidade é procurar saber como se ama e como se morre. Como lidamos com o
morrer, como se porta o homem diante da morte, nos desvenda quem é esse
homem, como é a sociedade que ele criou, em que valores ela se assenta. Podemos
dizer que a concepção de morte revela a concepção de vida. Uma sociedade que
nega a morte, para a qual a morte não tem sentido, é também uma sociedade, como
dizia Weber, que perdeu o sentido da vida.

A grande dádiva da negação é permitir que se instaure o interdito definitivo sobre a


morte. No século XX a morte foi escondida, expulsa pela cultura ocidental. Há uma
interdição até do direito de chorar os mortos, que dirá do direito de gerenciar a
própria morte. O local da morte é transferido do lar para o hospital, com a justificativa
dos cuidados especializados e intensivos que o avanço da medicina proporcionou.
No entanto, o paciente que não tem mais como sobreviver encontra sua última
morada na frieza de uma UTI. Ali a família perde o paciente antes da morte. A
maioria das pessoas não vê os parentes morrerem. Nossos mortos morrem sozinhos
em hospitais, cercados por aparelhos e tubos. Transformamos um dos momentos
mais importantes de nossa existência em um ato impessoal, mecânico e desumano,
mais solitário ainda, portanto digno de repulsa e temor. Trata-se de uma morte
limpa, higiênica, técnica, solitária e, às vezes, desumana.

Página 145

De acordo com Martins (1985), não sabemos lidar com a morte porque
transformamos a doença e a morte em um problema técnico, e para isso criamos as
empresas, os técnicos mais qualificados, os equipamentos mais sofisticados,
capazes de prolongar a agonia de um homem durante meses, anos, mas incapazes
de devolver-lhe a vida, a vida verdadeira, a vida com sentido.
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Esse exorcismo da morte em nossa cultura é um elemento estrutural da civilização


contemporânea que atende aos desejos da racionalidade médica ocidental. Essa
insinuação que proponho encontra amparo na seguinte assertiva de Luz (s.d.):
“Toda racionalidade (mesmo a racionalidade científica) conserva suas bases em
valores, interesses e investimentos de desejo, que permeiam o conjunto de
representações, concepções e teorizações que a definem como racionalidade”.
Portanto, vivemos em um mundo que cultua corpos sãos, ativos, produtivos,
reprodutivos, dentro de um sistema cujo objetivo é a eficiência, a rentabilidade e o
consumo. Tolerar a existência da morte é no mínimo dificílimo — torna-se
imprescindível exorcizá-la em nome da manutenção do nosso modo de vida
consumista, voltado para noções instituídas de juventude e progresso.

Martins (1985) explica que a expropriação da morte de sua dimensão simbólica,


cultural, sua desumanização, reforça a concepção médica da dimensão meramente
biológica do existir, haurida na sua formação, e alimenta suas fantasias de poder.
Não é à toa que temos esse aforismo: “Quando o aluno entra na faculdade de
medicina, pensa que é Deus; quando sai, não tem a menor dúvida”.

O início dessa fantasia tem sua marca nas aulas de Anatomia, mediante o estudo de
um sem-número de cadáveres, destituídos de subjetividade. A dissecação é fruto do
Renascimento, tempo em que a separação corpo/alma tornou o corpo e a morte
objetos de estudo.

Nessa mesma direção, Zaidhaft (1990) nos convida à reflexão, dizendo: Por seu
desamparo e passividade, o cadáver permite aos alunos experimentar a sensação
de poder absoluto. A relação mantida com o

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cadáver é registrada e se torna a relação ideal, que será buscada anos depois no
encontro com os pacientes (p. 143).
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Cabe salientar que esse fato talvez possa ser considerado a coroação do ritual de
iniciação na racionalidade médica, sendo o seu processo permeado por um
constante aprendizado de negação da morte, da dor, da capacidade de envolver-se,
de vincular-se; emoções incompatíveis com a racionalidade tecnológica.

“Não se envolva com o paciente”; “é preciso ter sangue frio”; “para aprender é assim
mesmo”; “são apenas corpos”; “se você ficar sofrendo a cada morte de paciente,
você não aguenta e larga a medicina”

Estes são alguns dos elementos introjetados para se atravessar o batismo de fogo,
um verdadeiro ritual de iniciação na medicina, responsável, no futuro, por relações
mortas entre paciente e terapeuta, na qual infelizmente o cadáver é o doente ideal
buscado em cada novo paciente.

Inevitavelmente, as imagens que me obsediaram no início do texto retornam agora e


ilustram esta reflexão, mostrando a presença do papel do médico como o senhor da
vida e da morte, na situação do personagem Johnny. Revela ainda a fragilidade do
médico em lidar com um paciente que lembra a sua própria finitude, a sua
humanidade, tão evidente na fala do paciente portador do HIV que atendi como
psicóloga, cuja dor partilhei, que se tornou parte do móvel dessa reflexão e da
constatação de que somos atingidos pela iminência da morte de nossos pacientes.
Ele nos convida a pensar a nossa morte, ou melhor, a nossa vida, nossos planos,
sonhos. A morte, no contexto hospitalar, simboliza o fracasso, rompe o poder, retira
os profissionais do Olimpo.

É comum o relato de profissionais que afirmam se sentirem impotentes diante do


paciente incurável: “não tenho nada a fazer” Diante disso, a negação, o
distanciamento, é muitas vezes a resposta para não lidar com o sentimento de
fragilidade, com a reflexão sobre a própria finitude. Os pacientes à morte são uma
ameaça ao poder

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médico. Portanto, a morte é silenciada também nos hospitais. A linguagem nessa


instituição denuncia este fato. Não se morre no hospital, vai-se a óbito, perde-se na
mesa, tem-se alta celestial.

Penso que se nosso referencial não for a cura, salvar a qualquer preço, mas um
retorno à arte terapêutica, o cuidar daquele que sofre, poderemos ter re-significado
nossa ação e o nosso papel de cuidadores.

É conhecido o fato de que, costumeiramente, em nossas formações acadêmicas


apenas frieza, objetividade, tecnicismo são valorizados. Quaisquer aspectos que
envolvam uma relação pessoal são desencorajados. É prescrito o não-envolvimento
emocional, é parte do ritual de iniciação.

Na realidade, com o desenvolvimento da ciência, houve um adiantamento do


momento da morte sem uma conseqüente preocupação com a qualidade de vida do
sobrevivente, com o tempo de vida antes da morte, sem um preparo do profissional,
que cada vez mais lida com o doente que presentifica a morte.

Embora se fale hoje que a equipe de saúde deve estar atenta aos aspectos
emocionais do paciente, nem sempre reconhecemos com a mesma ênfase que o
emocional da equipe é parte fundamental nessa relação. Pouco é dito sobre o
cuidado com o cuidador, que é atingido pelo sofrimento do seu paciente. É
imprescindível cuidar do cuidador. Estamos falando em formação acadêmica, em
medidas profiláticas, se quisermos caminhar em direção a um atendimento mais
humanitário, de maior qualidade; se quisermos caminhar para uma racionalidade
que priorize o agir terapêutico, que resgate o papel da relação médico (profissional
de saúde) /paciente; em que o paciente possa ser reconhecido como sujeito em toda
sua subjetividade, que valorize a arte de curar e, principalmente, a tarefa maior da
humanidade que, segundo Kierkegaard, é o cuidado. Uma medicina que promova o
encontro entre as pessoas.

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Sabemos que outras racionalidades médicas integram essas dimensões e por isso
mesmo são buscadas pelos pacientes, como, por exemplo, a homeopatia e a
medicina oriental.

Penso que há momentos na vida de uma profissão que para ser fiel a si mesma e a
seus princípios éticos é preciso mudar. Mudar talvez menos do lugar teórico, mas
muito mais do lugar da prática. Não é possível lidar com a vida humana sem paixão,
a não ser eliminando a vida em nós mesmos. Não é possível mais pensar, desejar
uma ordem que não cura, mortifica. Mas desejar que, em vez de promover o caos,
possa ser responsável pela reorganização, possa retirar o mundo do
desencantamento com o próprio homem.

O mito da razão precisa ser revisto, precisamos de outras imagens mitológicas


capazes de agregar o poder restaurador que o padecimento do olhar pode promover
para aliviar a dor do outro. A qualidade de nossa presença se exprime pelo olhar;
pelo toque nos momentos de comunicação silenciosa (verdadeiro abraço na alma),
em que os suspiros são aceitos, e o espaço do encontro parece ser infinito. É disso
que nos fala a estudante de enfermagem citada no início deste texto. Ajudamos
verdadeiramente alguém quando somos capazes de acolher o seu sofrimento. Cabe
lembrar as palavras de Heidegger, quando nos presenteou:

“A morte ilumina a vida”. Ela pode nos iluminar para um novo ethos. Não podemos
negar o fato de que a morte define a vida como um campo limitado, nos lembra que
temos um tempo marcado (como nos alertou “aquele” paciente HIV positivo). A
questão é, se exorcizamos a morte, negando-a, ou insistimos em percebê-la como
uma conselheira invisível, que nossa jornada alerta para que não esperemos pelo
amanhã, incita a fazer o que pudermos, queremos e sonhamos para re-significar
nossa vida pessoal e profissional. O carpe diem é a reconciliação da vida com a
morte.

Tudo isso para dizer que estou convencida de que pensar o lugar da morte nas
instituições de saúde pode contribuir para melhorar a

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qualidade de vida e de morte presente na prática médica e de toda a equipe de


saúde. Lançar o olhar para o exorcismo realizado com a morte pode levar ao
reconhecimento do ritual de iniciação da racionalidade médica ocidental e possibilitar
a visão das sequelas dessa história macabra, na qual muitas vezes o paciente é
morto em vida, para não lembrar a nossa própria finitude.

Mas uma pergunta me desassossega: como alguém não consegue se envolver com
a morte? Talvez seja preciso não se envolver com a vida! Busco auxílio nas
observações de Zaidhaft (1990):

Na tentativa de negar a realidade inexorável da morte, o estudante (acrescento o


médico) primeiramente tenta negar a própria finitude, posteriormente nega a morte
do outro e finalmente mata o que tem de vida em si, ou seja, sua capacidade de se
envolver, de se comprometer com o outro e consigo mesmo (...) quem não morre
são os deuses, ou quem já morreu (p. 89).

Medicina Psicossomática e a Racionalidade da Metáfora Atrevida — A Verdade


Nietzscheana

“Há muito mais verdades entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia.”
Hamlet

Shakespeare, por meio das palavras de Hamlet, já profetizara sobre as muitas


verdades desconhecidas e o nosso vão esforço em reduzi-las, mas o ritual de
iniciação da racionalidade médica ocidental é obsessivo, ao expulsar a possibilidade
da presença dos sentimentos, julgando trilhar o itinerário para o verdadeiro mundo.
O mundo do dualismo socrático, tão bem operacionalizado por Platão.

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Percurso este, que, ao realizar a fratura razão/emoção, negou sua própria


paternidade: a medicina hipocrática. Riechelmann (2000) declara:
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A medicina ocidental moderna nasceu das mãos de um filósofo, no país onde


nasceu a filosofia. E mais: a medicina também já nasceu psicossomaticamente. Uma
leitura atenta aos Aforismos de Hipócrates (século VI a.C.) faz ver facilmente que o
pai da medicina nunca deixou de considerar as relações entre a lesão corporal, os
estados psíquicos (chamados “da alma’ na época) e os fatores ambientais (p. 171).
Para o referido autor, compreender sobre o que nos fala a medicina psicossomática
é empreender um retorno, um resgate ao berço hipocrático. O avanço tecnológico é
imprescindível nesse caminho aliado ao cuidado. Razão, emoção, técnica e cuidado
sinalizam pistas para outra racionalidade, ampliam a visão reducionista da medicina
tradicional, por isso Riechelmann fala em elos perdidos. Penso que inverter a lógica
da verdade estabelecida pela ciência clássica, como nos convida Nietzsche, pode
promover a criação de caminhos os quais, em vez de separar, possibilitem rejuntar
os elos perdidos, evitando que continuemos portadores de “negligência unilateral”
Analisando os relatos dos brilhantes estudos de Oliver Sacks, fui convidada a pensar
que muitas vezes atuamos como os pacientes portadores de “negligência unilateral’
ou seja, só percebemos parte do que ocorre nas diversas situações.

Sacks anuncia a incompletude de nosso olhar científico, de nossas verdades. Dentre


tantos exemplos, o estudo da Sra. S., no livro O homem que confundiu sua mulher
com um chapéu, no capítulo 8, me remeteu à nossa cisão. Trata-se de uma
sexagenária que, depois de um derrame, teve afetada parte de seu hemisfério
cerebral direito. Com sua inteligência perfeitamente preservada, ela teve uma
alteração curiosa em sua percepção visual. Às vezes reclamava que as enfermeiras
não punham a sobremesa ou o café em sua bandeja. Quando elas replicavam:
“Mas, Sra. S., está bem aqui, à esquerda” Ela parecia não entender e não olhava
para a esquerda. E sua cabeça

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era delicadamente virada, de modo que a sobremesa ficasse à vista, na metade


preservada do seu campo visual. Ela dizia: “Ah, está aqui — não estava antes”. Ela
havia perdido por completo a noção de esquerda com relação ao mundo e a seu
próprio corpo. Às vezes, ela se queixava de que as porções que lhe eram servidas
eram pequenas demais, mas isso acontecia porque ela só comia o que estava na
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metade direita do prato — não lhe ocorria que também havia a metade esquerda.
Ela sabia disso intelectualmente, achava graça, mas, para ela, era impossível sabê-
lo diretamente.

A nossa recusa em girarmos nossas cabeças para o outro lado da bandeja faz
sentido dentro do percurso realizado pela medicina e por todos nós, profissionais de
saúde. Engolimos verdades absolutas e irrefutáveis, cobrimos a nossa própria visão
e continuamos famintos.

Des-cobrir o que o pensar metafisico ocidental escondeu, estigmatizou, é o intuito de


Nietzsche, quando pretendeu “colocar a verdade de cabeça para baixo”, inverter seu
sentido, transformá-la em seu avesso. É disso que nos fala sua metáfora atrevida. O
argumento pavimentado por ele é a metáfora da verdade como mulher. O significado
da metáfora que identifica verdade e feminilidade não por acaso vai estar no prefácio
do livro Para além do bem e do mal, em que ele realiza a desconstrução fiel da
condição metafísica e o início da sua exposição sobre vontade de poder-
perspectivismo.

Giacoia (2000), comentando sobre a inversão da verdade nietzscheana, nos diz:


Se a verdade for posta de “cabeça para baixo’ então o acesso da verdade platônica
consistirá precisamente na valorização positiva da aparência, dos véus, do disfarce,
da sedução, das paixões, do corpo e do desejo — isto é, de tudo aquilo que, ao
longo da tradição metafísica ocidental, esteve associado com o feminino, com o
perigoso, com a carne, as paixões, o mundo sensível (p. 49).

A operação de inversão, móvel da metáfora atrevida, inaugura a noção de


perspectivismo, denunciando que não é possível um

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conhecimento desvinculado de condicionamentos subjetivos, O condicionamento


racional puro manteve-se dissimulando o perspectivismo. Este des-cobriu a
imparcialidade de um conhecimento desinteressado, a inexorabilidade das
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determinações históricas, sociais, culturais, psicofisiológicas e linguísticas que


condicionam o conhecer, o julgar e o agir humanos.

Não se trata de positivar as dimensões da corporalidade, dos sentimentos, do não


facilmente revelado, de retirar a estigmatização de outrora, mas sim de transformar
todo conhecer em um interpretar, vedando qualquer acesso possível a fatos brutos,
que seriam como textos a serem interpretados. É preciso ver, compreender não
apenas com os olhos, mas com o olhar.

Nietzsche e Sacks parecem seguir a profecia de Hamlet, quanto à impossibilidade


de um conhecimento bruto e transparente. Denunciam a impossibilidade de uma
interpretação da realidade sem que o próprio intérprete se veja implicado e obrigado
a escarafunchar as intenções e motivações subterrâneas, seja de que ordem for. A
subjetividade, em vez de ser expulsa, precisa de um canal de reconhecimento para
poder ser bem utilizada. Negar não elimina seus efeitos, talvez os torne iatrogênicos.
Vejamos a reflexão de Blank (1985), ao abordar essa questão, dialogando
diretamente com a medicina:

O médico, antes de procurar sempre colocar-se no polo objetivo do confronto


subjetividade versus objetividade, não está imune, ele mesmo, às contradições da
subjetividade, uma vez que seu raciocínio está sujeito ao crivo de re-situação do
conhecimento objetivo na sua práxis (p. 34).

O autor afirma que a própria forma de interrogar o paciente pode induzir o sintoma.
Por mais objetivos que sejam os dados do exame, sua utilização está sempre sujeita
à subjetividade.

Seguindo a trilha das reflexões que questionam a produção de conhecimentos como


resultado exclusivo da razão, encontramos abrigo nos estudos realizados por
Damasio (1996) e outros neurologistas,

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ao demonstrarem que o córtex cerebral deixa de ter como único morador a razão.
Afirmam que o pensamento racional é influenciado pela emoção, argumentando que
profundas interconexões biológicas demonstram que a ausência de emoção
impossibilita a ação do raciocínio.

Tais pensamentos nos instigam a considerar que o fundamental canal de acesso à


dor do paciente, ao seu diagnóstico e, consequentemente, à terapêutica, passa
necessariamente pelo resgate da principal perda decorrente do nosso olhar
logocêntrico. Falo da implosão da relação terapeuta/paciente, do resgate para olhar
em direção ao doente, portanto ele, sua doença, sua história, seu existir.
Compreender o paciente o mais globalmente possível é na realidade ampliar e
fortalecer o instrumental diagnóstico e terapêutico, é girar a cabeça para o outro lado
da bandeja.

Cabe a esta altura do percurso trilhado arriscar a assertiva de que a psicossomática


se move olhando para todos os lados da bandeja, talvez por acreditar que a verdade
também seja feminina. Ela não inverte o sentido, mas acata a metáfora de
Nietzsche, a incorporação atrevida da emoção que qualifica e permite compreender
com mais propriedade o sintoma, e intervir aliando a arte da técnica à arte de cuidar.
E reconhecer o que nos ensina Sebastiani (1997):

Possuímos, ainda que não tenhamos nos dado conta, uma profunda relação de
intimidade com nossos órgãos e sistemas e, a despeito de toda cisão a que fomos
expostos como indivíduos/objeto nestes últimos tempos, ainda assim mantivemos
uma relação muito estreita entre nossas emoções e seus correspondentes
biológicos (p. 29).

Júlio de Melo (1992), por sua vez, conceituando a psicossomática, assinala:

É uma ideologia sobre a saúde, o adoecer, e sobre as práticas de saúde, é um


campo de pesquisas sobre estes fatos e, ao mesmo tempo, uma prática, a prática de
uma medicina integral (p. 19).

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Vale ressaltar que a psiconeuroimunologia e a psicooncologia trilham o caminho da


psicossomática; são companheiras na arte de guiar nossas cabeças em direção à
sobremesa, ou seja, a reedição de uma medicina integral.

Sem dúvida, trata-se do retorno à medicina hipocrática, em que o médico, como


terapeuta, é um servidor, fiel à origem do termo grego therapeuren, que significa
servir, prestar assistência, ou, ainda, cuidar, ser solícito. Não temos a presença,
nessa perspectiva, do médico senhor da vida e da morte, que salva a qualquer
custo, mas a de um cuidador.

É oportuno lembrar que a arte terapêutica da Escola de Cós (hipocrática) possuía


duas faces que integravam interno e externo, doença e cura, representadas pelas
figuras mitológicas de Higéia e Panacéia. Sayd (1995) explica:

Higéia é a saúde e a força intrínsecas à natureza, presente em todos os seres vivos


e a Panacéia é o poder curativo presente nas ervas, em sua multiplicidade e
variedade (p. 5).

Em outras palavras, temos em Higéia a personificação das dimensões internas do


paciente, seu potencial para recuperação e cura, bem como para o adoecimento,
enquanto Panacéia representa os recursos externos medicamentosos ou
tecnológicos.

Diante do exposto, o caminho da medicina psicossomática promove o encontro


dessas dimensões. Sua concepção de doença e prática médica não admite a divisão
entre mente e corpo, nem reconhece a apreensão do conhecimento a partir da
ruptura sujeito/objeto.

Riechelmann (2001) é enfático ao alertar que as tentações do reducionismo,


biologismo, dualismo e psicologismo podem nos afastar do grande objetivo da
Medicina Psicossomática. Em suas palavras: “compreender e intervir de forma global
e integrada na relação com nossos pacientes” (p. 182). E continua explicando:
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A abordagem psicossomática hoje se baseia na visão de pessoa como um


verdadeiro monobloco psicossomático reagindo a relações, ou, dito de outro modo, a
unidade dinâmica corpo-mente-ambiente. É preciso ressaltar o adjetivo dinâmica,
que enfatiza a permanente modificação das proporções entre os fatores biológicos,
psicológicos e sociais que compõem o quadro atual da pessoa doente (idem, p.
182).

O mesmo autor explica que tal abordagem tem implicações importantes para o
diagnóstico. Este pressupõe necessariamente uma anamnese biológica, que
significa estabelecer um diálogo não diretivo, interrogatório; dirigir a atenção para
perceber a demanda por trás da queixa (verdade feminina); e o terceiro elemento, do
qual depende o sucesso dos outros dois — a postura profissional que favoreça a
formação do vínculo interpessoal. Ele afirma:

Trata-se de uma relação de confiança, sinceridade, cumplicidade, respeito, afeto e,


principalmente, interesse no que o outro tem a dizer. A principal habilidade do
médico para uma abordagem psicossomática correta é estar disponível e atento
para ouvir bem (idem, p. 47).

Tudo isso para dizer que, rejuntando os elos perdidos, recuperamos a arte da
terapêutica; ampliando nosso olhar e nossa intervenção, re-significamos o lugar do
paciente, do terapeuta, e a importância do vínculo interpessoal.

Esdras Vasconcelos (2000) brilhantemente sintetiza meu desassossego e a minha


aposta, quando diz:

Não podemos falar de emoções, sem considerar o sistema cognitivo; de fenômenos


físicos, sem reações químicas; de processos políticos, sem influências econômicas;
de fé, sem um corpo que a abrigue; de melodia de um instrumento, sem o ar que a
difunde; de flores, sem estação; de cultura, sem expressão; de sociedade, sem
inconsciente coletivo; de medo, sem instinto de sobrevivência; de razão, sem paixão,
de revolução, sem amor (p. 40).
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Acrescento da doença sem vontade de saúde; da dor sem o riso; de continuar esse
exorcismo de idéias e sentimentos sem a UPI!.

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Ainda assim, as muitas verdades entre o céu e a terra continuarão a existir. Este foi
um dos grandes ensinamentos de Shakespeare, cuja função parece ter sido dar vida
à nossa mente, permitindo que nos tornemos conscientes do que jamais
descobrimos sem ele.

A UPI!: Um Encontro Entre o Riso, a Solenidade da Doença e a Vontade de


Potência

Conta-nos a lenda:

Deméter, deusa da fertilidade, tem uma filha que se chama Perséfone, a quem ama
muito. Hades, deus do reino dos infernos, rapta sua filha. A deusa sai à procura da
filha, mas não consegue encontrá-la, fecha-se em sua própria dor e para de rir. Em
razão da dor da deusa da fertilidade, interrompe-se na Terra o crescimento das
ervas e dos cereais. A serva Jamba faz um gesto obsceno e a deusa ri. Com o riso
da deusa a natureza volta a viver e sobre a Terra retorna a primavera.

Trazer para o diálogo com a racionalidade médica ocidental o trabalho realizado pela
Unidade de Palhaçada Intensiva (UPI!) traduz a tentativa de acrescentar, às
imagens reais e fictícias do início do texto, imagens de vida presente na dor e no riso
dos pequenos pacientes atendidos pelos doutores da UPI! Imagens que nos dizem
muito sobre como acolher o convite em direção a uma racionalidade que nos
devolva o lugar de humanos. Cada pensamento arriscado, cada história contada,
cada argumento gerado espelha essa intenção.

Apenas um ano de existência tem a UPI! Pouco tempo... (estou consciente de que o
parto talvez esteja sendo prematuro, mas parte das dores das parturientes se deve à
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incerteza de como o mundo acolherá seu rebento) Um tempo repleto de histórias, de


dores, de cores, de vidas que, olhando para a dor, continuam celebrando o prazer.

Um tempo capaz de iluminar o que ocorre quando o riso se faz presente diante da
solenidade da doença; a transgressão que ele pode representar na nossa
racionalidade científica, mas também de

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como ele pode fertilizar novas relações no contexto da doença, novos caminhos na
ciência, restaurando a vontade de potência, de saúde, vontade de parir outra
realidade.

O riso da deusa restaura a vida em si e fertiliza a vida à sua volta, O riso dos nossos
pacientes, o riso presente nos corredores e enfermarias dos hospitais fertiliza a
dimensão da vida neles e em todos nós. É o motivo de existência da UPI!, mais do
que entretenimento, mudança.

Caros leitores, com vocês a UPI!

Direção de Atores:

Fernando Yamamoto
Coordenador do Projeto:
Gustavo Wanderley
Psicológica:
Geórgia Sibele Nogueira da Silva
Assessoria Médica:
Diana Dantas

Atores:

Gustavo Wanderley: Doutor Cem


Henrique Fontes: Doutor Labrô
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Maria de Jesus: Doutora Da Luz


Renata Kaiser: Doutora Biela
Marco França: Doutor Amado
Fernando Yamamoto: Doutor Sushi

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A UPI! nasceu como um projeto do grupo de teatro Clowns de Shakespeare, em


parceria com a Unimed. Esta garante o apoio financeiro, o suporte humano e
logístico para sua realização. Os doutores são atores profissionais, treinados no
teatro Clown, e submetidos a um trabalho semanal de assessoria técnica e
psicológica, realizado por esta autora (professora do departamento de psicologia da
UFRN).

O trabalho consiste de: estudos para a construção teórica, filosófica e técnica da


UPI!, supervisão dos atendimentos/visitas hospitalares, com estudo e discussões
das intervenções, e suporte emocional aos doutores da UPI!, por meio de um
espaço de reflexão e expressão das emoções vivenciadas no trabalho.

A assessoria psicológica treina, assiste e cuida dos cuidadores — os doutores da


UPI! Já a assessoria médica serve de apoio aos procedimentos médicos e ao
conhecimento das doenças e de suas terapêuticas.

A UPI! atua em dois hospitais públicos da cidade de Natal — Hosped (Hospital de


Pediatria da UFRN — Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e no Hospital
Infantil Varela Santiago, em sua Unidade de Oncologia. As visitas acontecem uma
vez por semana, por uma dupla de doutores acompanhada por um membro da
equipe “à paisana” (que registra toda a visita para o estudo em grupo). Os pacientes
da UPI! são, em sua maioria, crianças portadoras de câncer.

Objetivo

• Utilizar o riso como recurso terapêutico na recuperação, no cuidar das crianças


hospitalizadas.
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• Colocar os recursos dos clowns ao dispor das crianças, restituindo a dimensão da


alegria em suas vidas.
• Devolver à criança um pouco de controle sobre o corpo e sua vida.

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* Favorecer uma atitude positiva e ativa em relação à enfermidade e ao tratamento.


• Favorecer a alteração do clima hospitalar, possibilitando inaugurar outra
racionalidade.

O riso, como recurso terapêutico, vem sendo discutido nas duas últimas décadas.
Doutores “palhaços” surgem no mundo todo e inspiram os doutores da UPI!. Não
estamos inventando a roda, mas temos um objetivo claro de como girar a roda, ou
como girar a cabeça para o outro lado da bandeja — o desejo de contaminar a
racionalidade médica ocidental com os ensinamentos dos doutores clowns. Os
efeitos do riso nos falam de um benefício físico e emocional dos pacientes. E nos
falam também de outra maneira de enxergar e praticar medicina — possibilitam a
receita para uma autêntica medicina psicossomática.

A esta altura é impossível não fazer a pergunta: como é possível? Antes de falar em
procedimentos e resultados, é oportuno indagar: o riso é terapêutico? Qual a relação
entre a técnica do clown ou a racionalidade dos doutores da UPI! e a racionalidade
médica ocidental? Em outras palavras, como entendemos o processo saúde-
doença, como percebemos a apreensão da realidade, que tipo de verdade
perseguimos, nos remete às crenças que guiam nossas ações.

O Riso como Recurso terapêutico

A medicina vem tentando esclarecer os efeitos do riso para a saúde. Somente


mediante comprovações científicas o riso poderá ser receitado como panacéia.
Esquecemos que, na realidade, ele é um recurso interno a ser despertado, faz parte
da dimensão da Higéia, e a comprovação de seus benefícios apenas reforça a
importância de reunirmos essas duas faces.
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Dar ciência ao riso é por si só engraçado, mas pode significar a possibilidade de um


novo conceito de ciência, que mais uma vez, insisto, pode ser um resgate ao berço
hipocrático.

Neste sentido, é interessante observar que Asclepius, pai de Higéia e de Panacéia,


possuía um santuário na cidade grega de Atenas, onde os doentes assistiam a
espetáculos musicais e comédias. Deliciar-se com piadas era a prescrição. Ler e
ouvir histórias engraçadas eram receitas da época. O argumento utilizado era a
convicção de que o riso e a alegria aqueciam o organismo, assim como a tristeza
contrariava e esfriava o corpo.

A psicossomática moderna cresce comprovando a interferência da tristeza, do


sofrimento emocional causado por grandes perdas, no aparecimento de doenças
como o câncer e no acometimento de problemas cardíacos. Da mesma forma, a
psiconeuroimunologia comprova a dependência do sistema imunológico aos fatores
emocionais.

O caminho inverso começa a ser vislumbrado também pela ciência médica, mesmo
que timidamente. O resultado de várias pesquisas, entre elas a de William Fry, vem
demonstrar que um dos maiores efeitos do riso é reduzir a liberação dos hormônios
associados ao estresse — o cortisol e a adrenalina. Com menos hormônios desse
tipo circulando no organismo, o sistema imunológico se fortalece. Produzidas nos
gânglios linfáticos e na medula óssea, as células de defesa do organismo não só
aumentam em quantidade como também se tornam mais ativas, com destaque
sobretudo para os linfócitos B, responsáveis pela produção de anticorpos, e os T,
que detectam vírus ou bactérias (Veja, 2001).

Muitos estudiosos já aceitam que o riso fortalece o sistema imunológico, estimula as


funções cardiovasculares e libera endorfinas que combatem a dor. Quem mais
contribuiu para divulgar as propriedades curativas do riso foi Norman Cousin. Nos
anos 1960, esse
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jornalista americano curou-se de uma doença grave por meio do riso. Escreveu sua
história anos depois, lançando, em 1979, Anatomia de uma doença, tornou-se
símbolo da terapia do riso e inspirou pesquisas nessa direção.

Falar em cura pelo riso pode ser ainda uma interrogação, mas estou convencida de
que esta discussão pode contribuir para reafirmar a impossibilidade da separação
entre mente e corpo. A tentativa de entender e intervir no processo saúde-doença,
demonstrando que a alegria pode suscitar a vontade de potência ou de saúde, como
diria Nietzsche, pode aliar-se ao tratamento, devolvendo a dimensão humana da
alegria, apesar do momento de dor.

Se sorrimos é porque nos deixamos envolver. Resgatar essa experiência corporal e


emocional em um momento de dor, em situações de constrangimento e medo, é por
algum instante vivenciar outra dimensão das emoções da vida, vivenciar o prazer.

Masseti (1998) nos ajuda a entender a recuperação física de nossos pacientes, ao


pontuar aspectos psicológicos do sorriso. A referida autora afirma que o sorriso pode
ser um lugar de ação. Explica que um aspecto importante na recuperação física do
paciente está relacionado à energia despendida para lidar emocionalmente com a
doença e com a hospitalização. Em tais situações, é demandado um alto grau de
elaboração, em razão da ansiedade e dos medos, constantemente vivenciados no
hospital. O humor aparece como um recurso importante, permitindo que a criança
explore fatos que, por obstáculos pessoais, não se poderia revelar de forma aberta e
consciente. A energia investida no problema pode ser modificada, propiciando um
bem-estar que levará a um melhor enfrentamento da situação. A alegria libera a
energia represada e, dependendo dos procedimentos, mais do que liberar, permite
transformar a experiência traumática.

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O riso funciona como um objeto transicional, representando para a criança a


transição da angústia à alegria. Os doutores da UPI! estão à disposição das crianças
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para exercerem essa função. A teoria de Winnicott (1993) sobre espaço funcional e
objetos transicionais fortalece nosso pensamento. Ele diz que o espaço funcional é a
área em que o fenômeno lúdico opera, diz respeito à existência de uma região de
potencialidade — universo simbólico — capaz de promover o estabelecimento das
relações do sujeito com a realidade. Diz ainda que “o objeto transicional constitui
uma defesa contra a ansiedade, especialmente a ansiedade do tipo depressivo” (p.
392).

Fica claro que a criança, em sua brincadeira, seja com sua boneca particular, seja
em uma interação de ludoterapia ou na interação com os doutores da UPI!, está
atuando com objetos transicionais, fazendo uma catarse de seus problemas e
equilibrando suas emoções.

Melaine Klein (1993), estudando o brincar, também concluiu que as crianças sentem
um prazer muito intenso em suas brincadeiras, não apenas pelo prazer, “mas
também porque aí encontram um meio de dominar sua angústia” (p. 86).

Rir movimenta as nossas emoções positivas. Poder trazer essa experiência corporal
e emocional no momento da doença é tocar na centelha de vida que pode ficar
embotada na estrutura hospitalar. E, como gritou Nietzsche: “Sempre que encontrei
vida, encontrei vontade de poder’ Por que não dizer, vontade de saúde. Para a
criança ou adolescente, rir, mais do que efeito de um entretenimento, é fazer circular
vitalidade e, para a instituição, essa vida em ação pode suscitar mudanças. O riso
devolve a vontade de poder, no sentido nietzscheano, que significa uma vontade de
crescer, de vir a ser, de criar. Remete a criança à vida que ela tem em si.

E Wuo (2000), por sua vez, especifica:

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O ato de sorrir movimenta dimensões positivas, e a isso chamamos o riso de


suscitador da vida, O riso nasce naturalmente fazendo parte de um ciclo. Nasce
abalando as estruturas, movimenta o nosso lado errante (...) quando sentimos o
movimento do riso em nosso corpo, aliviamos uma porção de constrangimento, de
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contrações, e esse mover uma estrutura corpórea pode mover uma estrutura social
debaixo de uma lona de circo, em teatro ou hospital (p. 67).

“Racionalidade” do Clown Versus Racionalidade Médica Ocidental

O riso permite demonstrar o quanto nossas emoções podem mudar de lugar — da


dor ao prazer, da tristeza à alegria; o quanto a seriedade pode dar lugar à
descontração, o quanto é possível mudar, inverter. Ele movimenta o corpo físico sim,
mas também o social. É exatamente porque ele ilumina vulnerabilidades, mediante
sua lógica subversiva, e aponta outras possibilidades, que foi proibido na Idade
Média.

Humberto Eco (1983), em O Nome da Rosa, retrata a problemática do riso e do


cômico. O riso foi condenado na Idade Média pelo Clero; era considerado coisa do
demônio, heresia, como também era proibido na literatura. Enfim, conhecer o mundo
por outra lógica não era permitido. A Inquisição não permitia nada que contrariasse
as regras divinas. A risada 4enota senso crítico, fantasia, distanciamento do
fanatismo, e, assim, a possibilidade de quebrar regras. Denota um tipo de poder que
o poder constituído vai temer e, consequentemente, reprimir.

Portanto, dar passagem ao riso no hospital é dar passagem também a alguns


ruídos. Vamos entrar um pouco na lógica do clown para podermos apreender seus
ensinamentos e entendermos como os nossos doutores da UPI! se utilizam da lógica
clown para exercerem sua função terapêutica enquanto médicos; exatamente
porque suas

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palhaçadas ultrapassam a função do entretenimento, do humor e, desta forma,


podem gerar ruídos e até mudanças.

Clown se traduz por “palhaço” Apesar de palavras de origem diferente, as duas


confluem em essências cômicas. Ele tem suas raízes fincadas na ingenuidade e
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pureza, sendo, portanto, puramente humano. Conhece a sua própria fragilidade,


mas acredita que pode enfrentar e mudar o mundo para melhor.

O doutor Clown sente que tem empatia pela dor de seu paciente, mas sabe que
sempre pode fazer algo, pode cuidar do sofrimento dele; ele se coloca à disposição
dele para lidar com sua dor e resgatar sua alegria. Ele enxerga sempre a essência
de uma criança que é a sua alegria e não a doença, o seu prognóstico. Já em seu
diagnóstico, está preocupado em como tocar nessa dimensão da criança. Como
acender sua Higéia, seu potencial interno de saúde, vida, prazer.

Tem em comum a lógica do raciocínio não-linear. Ele se relaciona com a realidade


de uma forma bastante complexa, inventando sempre novas saídas. Ele quebra com
a lógica do previsível ao propor soluções novas, como, por exemplo, receitar rizoel
para uma enfermeira, dar um adesivo calmante para um pai nervoso, transformar
uma meia em anestésico, estimular a fantasia das crianças receitando o uso do
adesivo da fome. Em outras palavras, a realidade das crianças hospitalizadas passa
a incorporar novos elementos para seu enfrentamento. Pela espontaneidade, ele
espelha o que está vendo, permitindo percebermos os fatos a partir de novos
enfoques, ampliando nossa percepção.

Masseti (1998) pontua:

Uma das características da atuação dos clowns doutores é transformar qualquer


acontecimento em um recurso para o seu trabalho: um enganchar de porta, um
tropeço, um “não”, tudo é incorporado como oportunidade e é canalizado para a
linguagem humorística. Essa capacidade carrega em si uma metáfora importante,
em se tratando de doença e hospitalização: a de que é possível transformar a dor e
o sofrimento (p. 56).

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Colorir de sorrisos os hospitais é uma forma de transformar o sofrimento, de


introduzir elementos de humanidade nas relações entre equipe de saúde, pacientes
e familiares. É a quebra da solenidade da doença, é a troca da dor pelo sorriso. É a
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permissividade para as emoções, mas como timidamente comentou uma enfermeira:


“Se ela continuar, vai contaminar tudo”, Ela se referia à colega continuar cantando
um funk enquanto aplicava injeção e a conseqüente contaminação de alegria por
toda a enfermaria. O funk foi criado pela enfermeira M., quando auxiliava o doutor
Amado e o doutor Sushi em uma visita e foi batizado como “Funk da enfermeira”

O episódio demonstrou o quanto, no hospital, principalmente nos que tratam de


doenças graves, existe uma solenidade em torno da doença, permeada por
seriedade e tristeza. Nietzsche dizia que “o ensinamento da arte é encontrar prazer
na existência” (p. 61). Os nossos doutores da UPI! buscam inserir e reintroduzir esse
elemento na vida de todos que circulam no hospital. Trata-se de um recurso a mais,
mas que sem dúvida contamina a todos.

Ele nos diz ainda sobre o caminho que impregnou a racionalidade científica
ocidental:

A ciência repousa sobre o mesmo chão que o ideal ascético: um certo


empobrecimento da vida é aqui como lá o pressuposto das emoções tornadas frias,
o tempo tornado lento, a seriedade impressa nos rostos e gestos (p. 101).

Fragmentos da U P1!: Alguns Procedimentos e Resultados

Os doutores da UPI! utilizam-se de vários recursos artísticos, entre eles a música, a


mímica, a técnica clown à disposição dos pacientes, equipe e familiares. Eles
acessam a imaginação e a fantasia das crianças, possibilitando a catarse e a
elaboração de momentos difíceis, por meio da criatividade, do improviso, mas
também de

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procedimentos estudados para servirem como objetos transicionais capazes de


amenizar tensões, medos e ansiedades pré-cirúrgicas, por exemplo. Neste sentido,
são realizadas cirurgias imaginárias, nas quais as crianças manipulam a parte
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doente (massa de modelar retirada de seu corpo) e são levadas a acreditar que o
outro “doutor” vai apenas fechar a operação já realizada.

As clássicas cirurgias do nariz para trazer felicidade contam sempre com outros
pacientes como assistentes; a prescrição do uso do nariz vermelho, que se usado
três vezes ao dia traz felicidade; a fita métrica para medir a pressão e a meia de
chulé anestésico fazem parte de rotinas desses médicos. Bem como o pato purific,
que purifica a região que vai ser cirurgiada, gorila que suga a dor, o adesivo que dá
fome de leão, o adesivo calmante para pais irritados, brincadeiras de assistente de
médico e prescrições diversas.

Cada qual se dá conforme a demanda individual do paciente consultado, da


enfermaria como um todo ou de um membro da equipe ou familiar, sendo
acompanhadas muitas vezes de músicas criadas por um dos nossos doutores —
doutor Amado — inspirado na realidade vivenciada pelas crianças e em nossos
procedimentos. Nos casos em que o silêncio se faz necessário, a mímica é um
grande aliado. O que interessa é que para eles todos estão dentro de possibilidades
terapêuticas.

O MUNDO VERMELHO

Vamos começara transformação


É muito divertido, não tenha medo não
Em cima da sua boca, em baixo dos oião
Colocando cor repetindo esta canção

O mundo na ponta do nariz

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Todo mundo é vermelho


Vermelho pra quem é feliz
E eu quero te ver feliz
Com o mundo na ponta do nariz
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Surge da maleta a voar voar voar


O pato de borracha que vem purificar
A nossa anestesia é uma meia com chulé
Que o doutor Palhaço tirou do pé

Refrão

É chegada a hora da consulta terminar


E um nariz vermelho eu vou colocar
De frente pra um espelho você vai olhar
Três vezes por dia a tristeza passará

UPI!

Outro aspecto importante dos procedimentos é buscarem resgatar a autonomia, a


atividade e a possibilidade de escolha (até o não participar de uma brincadeira) em
um espaço onde eles têm de permanecer passivos.

Cabe destacar que os doutores da UPI! são solicitados por enfermeiros e médicos,
para ajudarem em procedimentos de outros médicos. Familiares remarcam exames
nos dias que os doutores da UPI! trabalham, para também terem seus filhos
consultados por eles. A equipe solicita que os doutores da UPI! trabalhem mais dias.
Por tudo isso, podemos também sorrir e falar em resultados para o paciente,
familiares e para a instituição hospitalar.

Assim como embaixo da lona do circo todos são envolvidos pelo riso, no hospital, os
cuidadores (equipe e família) também têm seus

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ganhos quando o riso cobre o dia-a-dia. Apesar de esta reflexão sobre a UPI!
enfatizar em primeiro plano os pacientes, são inegáveis os ruídos, e aprendizados
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da equipe, bem como o contágio prazeroso das mães ou pais, ao verem o sorriso de
seus filhos ou eles próprios experimentarem tal dimensão da vida.

Ranier (2001) pontua:

As mães precisam da esperança para conseguirem viver o cotidiano de ter um filho


com câncer. É a esperança que lhes dá a condição de realizarem as tarefas físicas e
emocionais que sua vida pessoal e familiar requisita nesses tempos difíceis (p. 60).
Em meio a tanto sofrimento, expectativa, mobilização de esforços, incertezas que
permeiam o cotidiano das famílias que têm um filho com câncer, os doutores da UPI!
levam o sorriso, a esperança e o cuidado.

Chiattone (1996) também nos convida a continuar seguindo essa direção quando
revela:

É de fundamental importância não só para a criança, mas também para a sua


família, que receba da equipe de saúde o apoio necessário para enfrentar todo o
processo de doença e morte, pois o manejo de crianças terminais inclui a adaptação
fisiológica e médica e a adaptação psicológica e existencial à situação traumática
em si. E é nessa adaptação psicológica e existencial que entram em jogo sistemas
intrapsíquicos complexos constituídos pelos subsistemas dos pacientes, familiares e
também equipe de saúde (p. 135).

Vamos a alguns fragmentos de nossos resultados:

MELHOR ACEITAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE ROTINA E EXAME

MELHOR COLABORAÇÃO COM A EQUIPE

O clima antes era de apreensão. Com a UPI! elas [as crianças ficam mais receptivas
aos procedimentos. “Os médicos da alegria” não só

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aliviam o sofrimento, como facilitam o nosso trabalho. (Ana Maria Guimarâes —


psicóloga do Hospital Varela Santiago.)

F., o Medo e a Cirurgia

“F. nos chamou [doutor Sushi e eu, doutor Labrô] e disse que estava com medo da
biópsia que tinha de fazer no outro dia. Então, com a ajuda de P. [outro paciente],
fizemos a cirurgia um dia antes, tirando um pedaço da massa de modelar [que seria
a parte da biópsia], de manipular, brincar e depois deixamos um adesivo no local
para o médico substituir pelo ponto. Ficou bem tranquilo e soubemos pelas
enfermeiras na outra visita que ele foi bastante calmo e confiante para a biópsia.”
O relato de doutor Labrô ressalta que intervenções dessa natureza amenizam a
ansiedade e o estresse do paciente, e favorecem o bom andamento do exame. Além
do fato de que toda caricatura cômica feita para a realização da “tal cirurgia” rende
muitos sorrisos.

INAUGURA EXPECTATIVAS POSITI VAS, ALEGRES NA ROTINA DO HOSPITAL

As crianças hoje já amanheceram animadas dizendo que os doutores palhaços


vinham. Elas cooperam mais. (Enfermeira do Hosped)

Doutor S., eu vim agradecer e elogiar o trabalho de vocês, pois o paciente J. só


deixou eu fazer o exame quando eu disse que vocês iam chegar e queriam ver o
resultado. (Médica residente)

DIMINUIÇÃO DO ESTRESSE DAS CRIANÇAS E DOS CUIDADORES


(PAIS/EQUIPE)

É muito bom saber que hoje vocês trabalham. (Mãe)

O clima fica muito descontraído, a gente pode sorrir. (Funcionário)

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POSSIBILIDADE DE AUTONOMIA E ATIVIDADE NO COMPORTAMENTO DOS


PACIENTES

É indiscutível também o efeito terapêutico da catarse realizada, bem como a


vivência ativa dos pacientes.

Os Zés, os Médicos e os Ruídos

“(...) O fato de termos três ‘Zés’ na enfermaria nos fez batizar a ‘enfermaria dos Zés’.
Começamos, já que eram crianças um pouco mais velhas, a conversar sobre o
cotidiano do hospital, e por acaso acabou surgindo a questão do comportamento dos
médicos. Começamos a interagir com elas, simulando como um médico deveria ou
não cuidar de seus pacientes, desde a entrada nas salas, o cumprimento, a
abordagem às crianças, enfim, elas iam nos dizendo como fazer, e nós íamos
reproduzindo. Algumas vezes elas faziam, e acabavam fazendo como os médicos
fazem ao falar com elas. Muitas vezes chegando sem cumprimentar e já
perguntando: E aí? Fez cocô hoje? Fez xixi? E nós, ao perguntarmos se elas [as
crianças] não cumprimentavam os médicos, muitos deles disseram que sim e elas
nem respondem. Foi muito boa a intervenção, todas se divertiram muito e se
expressaram à vontade — uma completava a outra ou tomava a vez. Disseram uma
série de sensações e desejos que têm, de como gostariam que fossem, como
gostariam de ser tratadas... Exageramos as falas, levamos as atitudes dos médicos
ao extremo e encenamos com elas bem alto (tipo:o médico chega e não
cumprimenta, as crianças, sob nossa orientação diziam:’ Bom-dia, doutor!’, ele não
respondia se virava e perguntava: ‘E aí? Cagou hoje? Mijou?’), e as crianças se
deleitavam com isso! Em alguns momentos, as crianças devolviam a pergunta: ‘E o
senhor cagou? ’O deleite era maior, maior. Haja catarse!”

Nesse relato fica evidente que a presença dos doutores da UPI! também espelha
ruídos, que podem servir de luz para outros caminhos, para outras formas de
relação terapeuta-paciente, se puderem ser comunicados.

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É indiscutível também o efeito terapêutico da catarse realizada, bem como a


vivência ativa dos pacientes.

O Pequeno Jornalista

Frente:

Verso:

O repórter em questão é paciente do doutor Labrô. Recebeu a prescrição para


relatar os acontecimentos após a consulta, pois o mesmo gosta muito de escrever e
como estava com “tristite”, animou-se com tal prescrição.

O garoto de forma prazerosa torna-se ativo no contexto do seu tratamento e


denuncia sua percepção em torno da interação a sua volta. Mais uma vez, temos a
possibilidade de refletir sobre nossas atitudes enquanto profissionais de saúde.

RESSIGNIFICAÇÃO DE ALGUMAS PRÁTICAS HOSPITALARES NO


APRENDIZADO COM OS DOUTORES DA UPI!

M., o Vidro e o Cartão Travesseiro

Chegando na oncologia, qual foi a minha surpresa, mesmo tendo tido uma “meia
informação” a respeito de M., ao ver que a mãe — e o pai, que eu nunca tinha visto
antes — estava na antessala, lavando as mãos, antes de

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entrar no espaço em si. Ela estava no isolamento, junto ao P., outra criança muito
especial para mim, cujo tumor se desenvolve na área de um dos olhos, e que não
reconheci de cara, por estar deitado para o outro lado. Enfim, voltando a M., pude
ver uma emoção muito grande nos olhos da mãe, também velha conhecida, e do
pai, com quem nunca havia encontrado (mas esse brilho denunciou que ele já havia
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ouvido falar do doutor Labrô e do doutor Cem), uma alegria em nos ver por lá. Foi
muito forte!

Ao ver M. pela janela, numa enfermaria cujo acesso nos foi naquele momento
negado, me surpreendeu o seu estado debilitado, muito magra, mais frágil ainda do
que o normal, mas o seu sorriso — revelado depois pelos pais que não acontecia há
um certo tempo — e o esforço descomunal para levantar seu braço e nos dar tchau,
foi algo muito especial, confirmou uma relação muito forte, apesar de ter sido
construída devagar, com dificuldades. Como não podíamos entrar, eu fazia mímica,
tentava comunicar com o olhar, então resolvemos mandar um cartão com uma
dedicatória muito carinhosa, verdadeira e do fundo do coração para ela. Avisamos
que voltaríamos à janela mais tarde, após passarmos pelas outras enfermarias,
quando o fizemos, já no final da visita, pude ver a cena maravilhosa de M., dormindo
ao lado do cartão, quase que um travesseiro, me pareceu ter sido muito especial

para ela. Pra mim com certeza foi... Poderia ser a última vez que a estaria vendo
assim de longe, sem poder tocá-la, trocar uma palavra com ela.
Doutor Sushi

No relato desse ator ao descrever a visita do doutor da UPI! vemos uma pessoa
humana por trás do doutor, vivenciando os sentimentos provocados pela iminência
da morte do outro, enfrentando esse sentimento com atitudes de carinho, afeto,
possibilidades terapêuticas pouco usadas, mas eficientes no cuidar daquele que
sofre. No silêncio e na distância, a presença humana de nossos doutores Sushi e
Amado.

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A Enfermeira do Funk e a Solenidade Hospitalar

Um episódio foi especial. Com E., quando ele estava com medo de tomar a injeção.
Pedimos que ele nos dissesse uma música que gostava, e ele atacou de funk. A
enfermeira, que acredito é a legítima enfermeira do funk, nos acompanhou, cantou,
dançou. Fizemos uma coreografia que virou hit no hospital, e o melhor — enquanto
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M. aplicava o remédio, o pequeno E. dava gargalhadas, sem nem sentir a picada ou


o líquido.

A versão criada pela enfermeira começava assim: “Só uma injeçãozinha não dói,
uma injeçãozinha não dói”. Todos os pacientes só querem receber injeção
acompanhada por música e show coreografado.
Doutor Labrô

Apesar dos insistentes pedidos das crianças e dos doutores da UPI!, a enfermeira
do funk não cantou e dançou mais como “naquele dia”. Em outra ocasião em que a
UPI! pedia, ela timidamente cantava, mas com o cuidado para não contaminar o
ambiente. Como já relatou outra enfermeira (fato já descrito anteriormente): “Não
pode, se não contamina o ambiente”. Retratando o culto à tristeza e a solenidade da
doença na instituição hospitalar e a consequente não permissividade ao riso.

Inspirado pelos constantes sofrimentos de nossos pequenos pacientes, diante da


dificuldade da equipe de enfermagem “pegar” suas veias, doutor Amado cria a
música Veia Bailarina.

Veia Bailarina

Corre, salta, pula, pega a veia bailarina


Levada menina querendo brincar
Pega, tica, esconde, cara de careta
Veia bailarina você vai dançar

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Venha, me ajuda, leva no corpo um pouco da vida


Que falta pra esse amiguinho brincar
Você hoje tá sapeca e voa como uma peteca
Mas onde você for menina eu vou

Refrão
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Vamos fazer diferente quem se esconder agora perde


o bobo, quem aparecer é o rei
Nessa brincadeira ganha quem gosta de ser companheiro
E dar as mãos na roda pra dançar

Marco França / Cleudo

F., Dentro ou Fora de Possibilidades Terapêuticas

Estávamos no final do plantão, eu e doutora Biela Baleia, quando pedimos


permissão para entrar no quarto de E., que estava, com a ajuda da mãe, terminando
de comer seu jantar. Havíamos sido avisados deste paciente quando entramos no
hospital no começo do plantão, ele estava em estado terminal e teve de ser
colocado no isolamento para evitar o sofrimento de outras crianças (estranho, eu
pensei, e o quanto isso não afetaria ele nesse finzinho de sua breve vida?), mas não
lembramos desse detalhe quando entramos na enfermaria.

F. não conseguia controlar muito bem os movimentos dos braços, nem tinha forças
físicas para ficar em pé ou sentado, mas sua vontade de viver saltava pelos seus
olhos e dançava pelo quarto inteiro. Doutora Biela notou que ele gostava de ler
histórias em quadrinhos e conseguiu um canal de comunicação pelos heróis das
histórias, eu aproveitei para conversar com a mãe que, acabei descobrindo, era do
mesmo interior que eu havia visitado recentemente e conhecia o mesmo senhor cuja
casa eu havia me hospedado. Pronto, depois de cinco minutos éramos velhos
conhecidos e já

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combinávamos um café da tarde, quando doutora Biela chamou minha atenção para
o suco que havia sido deixado intacto na bandeja. F. logo disse que não gostava de
suco de acerola, mas que havia gostado muito do peixe servido no jantar, era uma
pena não haver mais. Na mesma hora nos olhamos e tomamos uma decisão que
não sabíamos quais as consequências, mas decidimos assumir os riscos. Iríamos
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buscar mais peixe e trocar o suco de F. Saímos da enfermaria e falamos com as


enfermeiras e nutricionistas, perguntando como e se poderíamos levar o jantar, que
já havia se transformado no prato francês para o sr. F. Depois da resposta positiva,
fomos à cozinha e eu fiz questão de repassar a homenagem ao cozinheiro que ficou
muito feliz por seu peixe ter sido bem aceito. Conseguimos trocar o suco de acerola
por um de goiaba e colocamos junto ao peixe em uma bandeja coberta, formando o
prato especial levado pelos doutores — garçons franceses. Quando chegamos na
enfermaria preparamos um ambiente digno do jantar francês do sr. F. e, quando a
bandeja foi descoberta, os olhos do nosso senhor de 12 anos ficaram mais azuis e
no meio de um sorriso ainda inédito na visita, ele disse: “Agora vai ficar bom’. E sua
mãe reforçou: “meu filho, come, você logo vai ficar bom”.
Doutor Labrô

Ele não ficou bom, mas alimentou-se na véspera de sua morte com um apetite e
felicidade como nos tempos de saúde. Houve intervenção terapêutica, porque os
doutores da UPI! acreditam que sempre é possível cuidar.

Naquele instante ele foi feliz, o tum-tum do tambor da vida bateu mais forte, e mais
uma vez inspirou doutor Amado a criar mais uma música para nossa UPI!.

Tambor da Vida

Hoje em silêncio eu ouvi um tum-tum


Que surpresa tão boa amigo
É o som vivo do meu coração

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O tum-tum do tambor da vida

Em nosso peito ele mora


Bater é sua missão
Ponha a mão no peito e sinta
A festa do coração
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Tum-tum-tum-tum faz o meu coração


Bate feliz todo dia
É o tambor forte da canção
Canção da minha alegria

Dentro de nós ele toca


A vida com alegria
Vamos entrar meu amigo
Na festa do coração

Marco França / Cleudo

K. e a Superação do Doutor

K. me assusta de primeiro, não consigo ver, não consigo me aproximar, me dirijo a


outros. Insisto. Olhá-lo me dói. Me dirijo a outros. Decidi vê-lo, chegar mais perto.
Lembrei dele nos tempos mais agitados. Era ele que não deixava a minha maleta
quieta. Adora os meus sons (lógico, não podia ver com os olhos). Eram sons e tatos.

Peguei na maleta, me aproximei, mas ele não respondia, estava encolhido, parado,
frágil como nunca o tinha visto. A mãe o segurava carinhosamente, proteção. “Ëta,
que menino lindo, olha meu filho o doutor palhaço, lembra como você gostava de
mexer na mala dele?” Não respondia, peguei a

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(Clown), a essência da criança é a possibilidade do brincar e sua função é resgatar


essa energia.

Por trás dos Clowns está um ator que é tocado pela dor de seu paciente, por sua
aparência forte (ele não possuía os dois glóbulos oculares), mas esse doutor é
trabalhado para esse enfrentamento em sua supervisão, ele também é cuidado.
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O fragmento a seguir mais uma vez revela a busca pela condição de enfrentamento
de realidades dolorosas por esses doutores, mediante o trabalho de supervisão.
Cabe lembrar da ausência de trabalho nessa direção para os nossos médicos não
clowns. Trabalhos que remetam ao fato de sermos tocados pela dor de nossos
pacientes.

Doutor Clown, a Dor e a Supervisão

O tumor realmente tinha um aspecto muito assustador, era uma deformidade.


Sequer chegou a aparecer para os olhos do doutor Sushi! Sequer consegui enxergar
outra coisa que não fosse uma criança expressando sua alegria, sua vontade de
brincar. Sai dali realizado, não acreditando como a deformidade estava, mas não
estava ali. Como só conseguia ver a criança que estava feliz com os doutores da
UPI! Naquele momento vi que a teoria e as técnicas que trabalhamos
transformaram-se em prática no hospital.

Doutor Sushi

Ambos os relatos enfocam a necessidade de cuidarmos dos cuidadores e reafirmam


que é possível aprender com a UPI! que as nossas dores, ou como os pacientes nos
tocam, encontrará sempre uma forma de expressão, que pode não ser o
distanciamento.

“Não me venha com conclusão


A única conclusão é morrer.”
Fernando Pessoa

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“Vamos começar a transformação. É muito divertido, não tenha medo não.”

É o que diz a canção primeira da UPI! É o convite lançado por seus doutores, diante
de uma sociedade marcada pela negação da morte, que não reconhece o prazer
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como fonte de saúde, que vive sob o signo da poderosa medicina tecnológica, na
qual qualquer ruído é atacado de forma que a ordem seja estabelecida.

É em meio à solenidade da doença, à seriedade e à tristeza inculcadas no ambiente


hospitalar, a busca pela imortalidade e a expulsão dos afetos, elementos vitais para
a sobrevida da racionalidade médica ocidental, que os doutores da UPI! aliam-se ao
tratamento, espelham nossas práticas, nos apontam uma medicina psicossomática,
nos seduzem à assertiva de que, somente reinserindo a dimensão da morte (dor) e
do riso, podemos reinventar a realidade hospitalar e descobrir o que a racionalidade
tradicional teima em ocultar.

Para isso, precisamos de cientistas contrabandistas de saberes, capazes, como diria


Morin (1996), de promover uma reforma do pensamento. É preciso fazer dialogar as
áreas e disciplinas fragmentadas pela ciência e pelo pensamento
simplificador/disjuntor. É preciso religar homem e mundo, sujeito e objeto, natureza e
cultura, mito e logos, objetividade e subjetividade, ciência e arte (destaque meu).

Neste momento, gostaria de me despedir do texto buscando mais uma vez oxigênio
para meu desassossego. As metáforas realizam esse feito.

Abrem o caminho Guatarri e Deleuze (1993), os quais propõem a imagem do


Homem, sob um guarda-sol, no qual pintou o firmamento. E, ao olhar para cima,
confunde o firmamento com a pintura no guarda-sol. Ele faz isso porque, quando
olha para o Universo, depara-se com a sua limitação de compreender o que vê. Mas
é justamente nesse momento que os referidos autores propõem que filosofia, ciência
e arte rasguem o guarda-sol, e o homem se aventure a olhar sem tal proteção, para
fazer passar um pouco de caos livre e tempestuoso.

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Eles nos ensinam que o caos existente no interior de nossos sentimentos, que o
enfrentamento da morte, da dor e do delírio prazeroso, além de não nos destruir, é a
trilha possível para perceber a realidade. Um conhecer que junta as três filhas do
caos — arte, filosofia e ciência.
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Penso que esse caminho só pode ser trilhado se o nosso pensamento praticar o
abraço, como nos seduz Almeida (1998). Saber praticar o abraço é promover a
dialógica entre a universalidade e a singularidade, é exercitar uma estrutura mental
aberta ao acolhimento e à hospitalidade, mas também às ruínas e à desordem.

O abraço é a aptidão para empreender a partilha, o consolo, a sou o afeto. Abraçar é


prover, pela relação dos corpos, a dialógica dos espíritos (p. 6).

Será que podemos pensar em uma medicina com paixão, capaz de acolher, como a
um pássaro, o sofrimento do doente? Esta pergunta me desassossega. Aquele
paciente de HIV positivo faleceu grávido de um abraço de seu médico; enquanto o
personagem Johnny sentiu sua alma abraçada nos gestos silenciosos da
enfermeira.

E as cenas reais vivenciadas pelos pequenos pacientes dos doutores da UPI! nos
ensinam a reencontrar o que há de mais humano em nós. Primeiro passo para
rasgar o guarda-sol e inventarmos outras verdades, inventarmos uma racionalidade
humana, demasiadamente humana.

“Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer
sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.”
Clarice Lispector

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MILLER, H. O sorriso ao pé da escada. 3. ed. Rio de Janeiro:


Salamandra, 1989.

MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratustra. São Paulo: Ediouro, s.d.

_______________ Obras incompletas! Friedrich Nietzsche, Seleção de textos de


Gerard Lebrum, tradução e notas de Rubem Rodrigues Torres Filho, posfácio de
Antônio Cândido — 5. ed. 2 vols. São Paulo: Nova Cultural, 1991 (Os Pensadores).

_____________. Para além do bem e do mal. Prelúdio de uma filosofia do futuro.


Tradução de Márcio Pugliesi, 5. ed. Hemus Editora Ltda. s.d.
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POPOV, O. Na vie de clown. Paris: Stock, 1882.

RIECHELMANN, J. C. Medicina psicossomática e psicologia da saúde: veredas


interdisciplinares em busca do “elo perdido’ In:

Página 184

ANGERAMI, V. A. (org.). Psicologia da saúde: um novo significado para a prática


clínica. São Paulo: Pioneira, 2000.

ROZA, E. S. Quando brincar é dizer: a experiência psicanalítica na infância. Rio de


Janeiro: Relume, 1993.

SACKS, O. O homem que confundiu sua mulher com o chapéu: e outras histórias
clínicas. Tradução de Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

SAYD, 1. D. Terapêutica e mito. Rio de Janeiro: Uerj/IMS, 1995. 23p. (Estudos em


Saúde Coletiva; 129).

SEBASTIANI, R. W. Mecanismos de defesa do ego. A eleição do órgão de choque.


In: ZUGAID, M. T. e Descoj Quail, J. (org.). Obstetrícia e Psicossomática. São Paulo:
Atheneu, 1997, 15-39.

SILVA, G. 5. N. AIDS, no encontro do gozo com a morte: a doença do outro


(monografia apresentada para obtenção do título em especialista em Antropologia).
Natal, UFRN, 1994.
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VALLE, E. R. M. Dor psíquica: significado do cuidar de um filho com câncer. In:


ANGERAMI, V. A. Psicossomática e a psicologia da dor. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2001.

VASCONCELOS, E. Psiconeuroimunologia. Uma história para o futuro. In:


ANGERAMI, V. A. (org.). Psicologia da saúde: um novo significado para a prática
clínica. São Paulo: Pioneira, 2000.

O bom humor evita doenças. Revista VEJA, Edição 1.708. Editora Abril, ano 34, n
27, 11 de julho de 2001 (98-101).

Página 185

WINNCOTT, D. W. 0 brincar e a realidade. Tradução de José Octávio de Aguiar


Abreu e Vane de Nobre. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda., 1975. Textos
selecionados: da pediatria à psicanálise. Tradução de Jane Russo. 4.ed. São Paulo:
Francisco Alves, 1993.

WUO, A. E. Caderno diário de anotações do clown. Mar. 1993.

ZAIDHAFT, S. Morte e formação médica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.

Página 186

THOMSON

Outras Obras Sobre o Tema

PSICOLOGIA DA SAÚDE

VALDEMAR A. ANGERAMI — CAMON (ORG.)


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Dirigido a estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia


Clínica e aos profissionais da área, o livro reúne seis textos que buscam sistematizar
uma nova forma de compreensão da prática clínica na área da Saúde. Os autores
são profissionais do setor de Psicologia da Saúde que, por meio de seus textos,
tentam criar uma configuração teórica em relação à maneira de abordar a doença e
o doente hoje.

Novos RUMOS NA PSICOLOGIA DA SAÚDE

VALDEMAR A. ANGERAMI — CAMON (ORG.)

A Psicologia da Saúde é o novo caminho de todos os que buscam instrumentalizar


sua prática profissional na área da saúde mental. Esse livro traz novos rumos no
campo da Psicologia da Saúde, apresentando o que existe da vanguarda na área.
Profissionais de todas as áreas da saúde terão nessa obra um instrumento seguro
de consulta para nortearem sua prática nesse campo. Obra indispensável a todos os
que, de alguma maneira, se interessam pelos avanços e conquistas efetivados pela
nova força da saúde mental: a Psicologia da Saúde.

PSICOSSOMÁTICA E A PSICOLOGIA DA DOR


VALDEMAR A. ANGERAMI — CAMON (ORG.)

O diagnóstico de uma doença traz consigo a mudança da condição de sadio para a


condição de doente. Nessa situação, o paciente passa a lidar com o risco eminente
de adoecer, sofrer e morrer. Isso faz com que ele viva constantemente ameaçado
por essa situação, que representa um ataque não somente ao seu corpo, mas
também ao seu psiquismo. O aspecto da somatização está analisado de modo
ímpar nesse livro e, certamente, será de grande valia aos médicos, psicólogos,
enfermeiros, assistentes sociais e demais profissionais, professores e estudantes da
área de saúde.

Página 187
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A ÉTICA NA SAÚDE

VALDEMAR A. ANGERAMI — CAMON (ORG.)

Textos de Ana Maria L. C. de Feijoo, Viviane R. Soldati, Nelson Cruz dos Santos,
Marcia M. B. Bartilotti, Wilson Luiz Sanvito, Leo Pessuii, Heloisa B. de C. Chiattonc e
Ricardo \V Sebastiani. Tratar do tema “Etica” é sempre uma missão tão importante
quanto polêmica. Importante por ser componente fundamental de uma sociedade
organizada, que tenciona buscar e aprimorar o comportamento humano,
aperfeiçoando o relacionamento entre as pessoas e criando parâmetros de conduta.
Polêmica por estar ancorada no juízo pessoal, em códigos de conduta próprios ou
mesmo cm códigos impressos, mas que por muitas vezes dependem de
interpretações pessoais. Está dividido cm 9 capítulos, com diversas abordagens
sobre o tema.

DEPRESSÃO E PSICOSSOMÁTICA
VALDEMAR A. ANGERAMI — CAMON (ORG.)

Calcula-se que 1 bilhão de pessoas, cerca de 240 o da população mundial, vêm


sofrendo de algum tipo de desordem neuropsiquiátrica e um terço delas pode estar
comprometida por mais de um tipo de doença. A cada ano, uma em cada 20
pessoas desenvolve depressão. Um número expressivo de pessoas busca
diariamente ajuda especializada como resposta às suas angústias. Esse livro é,

assim, um grande avanço nos estudos que visam a uma melhor compreensão do
fenômeno da depressão. Trata-se de mais um lançamento da Editora Pioneira
Thomson Learnmg que se coloca, outra vez, na vanguarda das discussões
contemporâneas envolvendo temáticas tão presentes na condição humana. Essa
obra certamente é indispensável a todos que se debruçam para um melhor
entendimento da depressão e de suas sequelas na vida humana.

A Psicologia NO HOSPITAL — 2 EDIÇÃO

VALDEMARA. ANGERAMI — CAMON (ORG.)


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Este livro mostra a Psicologia no hospital com todas as suas dificuldades, avanços e
conquistas. Abordando a realidade brasileira, a obra traça a trajetória dos autores na
conquista do espaço hospitalar pelo psicólogo e propõe-se a despertar inúmeras
reflexões acadêmicas sobre a questão da saúde no País. A Psicologia no Hospital
apresenta a riqueza dos trabalhos dos autores em uma performance artesanal e é
um verdadeiro marco na história da Psicologia no Brasil.

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