PARTE I
Conteudista
Prof.ª Dr.ª Rita de Cassia M. Moreira
Aprendendo, armazenando e lembrando
2
são totalmente estáveis. Pelo contrário, a maioria delas muda a expressão
genética constantemente. Essa mudança na expressão dos genes em resposta
ao ambiente forma a base do aprendizado e da memória, mecanismos
essenciais pelos quais os organismos, principalmente organismos complexos
como os seres humanos, aprendem a interagir com o ambiente.
O aprendizado é o processo pelo qual adquirimos conhecimento sobre o
que nos cerca. Já a memória é o processo pelo qual esse conhecimento é
armazenado e, mais tarde, recuperado (KANDEL et al., 2000).
Tanto para o aprendizado como para a memória, dois mecanismos
citados nas aulas anteriores são essenciais. São eles a Potenciação de Longo
Prazo (LTP) e a Depressão de Longo Prazo (LTD). Os neurônios se
comunicam por acoplamentos elétricos e por mensageiros químicos chamados
de neurotransmissores. No caso dos mamíferos, os acoplamentos elétricos são
mais raros, sendo a neurotransmissão o principal mecanismo pelo qual a
informação é passada de um neurônio para o outro. Um dos principais
neurotransmissores presentes no nosso sistema nervoso é o glutamato. O
glutamato é um neurotransmissor excitatório, isso quer dizer que, ao liberar
glutamato nas sinapses, o neurônio aumenta as chances de que o outro, ou
outros neurônios que fazem parte daquela sinapse sejam ativados.
Para que o neurônio receba o glutamato, ele precisa de receptores
específicos para esse neurotransmissor, como os receptores AMPA, NMDA e
metabotrópicos. Quando o foco são as sinapses, acredita-se que o
aprendizado ocorre quando a ligação sináptica é reforçada pela atividade pré- e
pós-sináptica. Por exemplo, em relação ao glutamato, ocorre aumento da
liberação deste neurotransmissor, assim como ocorre o aumento da resposta e
da expressão dos receptores NMDA e AMPA. Como pode ser visto na Figura 1,
embora ambos produzam respostas excitatórias, os receptores AMPA
produzem respostas rápidas e breves, enquanto os receptores NMDA e
metabotrópicos produzem as respostas lentas e sustentadas que participam do
aprendizado.
Após um conjunto de estímulos, os três tipos de receptores ficam ativos
fazendo com que concentração de íons de cálcio aumente dentro das células.
São as altas concentrações de Ca2+ que medeiam mecanismos intermediários
3
(como a ativação da proteinoquinase C) resultando na fosforilação dos
receptores AMPA. Os mecanismos intermediários modificam a expressão
gênica, promovendo mudanças excitatórias de longo prazo na resposta
neuronal (Fig. 1).
4
que ocorre facilita a liberação de íons de cálcio dentro da célula, o que deixa a
célula mais fácil de ser ativada.
Para o pesquisador argentino naturalizado brasileiro Ivan Izquierdo,
esquecer é tão importante quanto lembrar. Para Izquierdo, somente
“esquecendo” conseguimos lidar com os eventos negativos que muitas vezes
fazem parte da nossa vida. Neste contexto, a depressão de longa duração
(LTD) é essencial. De maneira geral, ela diminui a força da conexão entre dois
neurônios diminuindo a resposta dos receptores do neurônio pós-sináptico. A
extinção da associação de uma memória com o terror que ela causa (que seria
a base do tratamento do Stress Pós-traumático) se daria pela diminuição da
eficiência das conexões dos neurônios que fazem parte dessa associação.
5
Brenda Milner estudou o paciente H.M que teve grande parte dos lobos
temporais dos dois hemisférios removida a fim de evitar ataques epilépticos
que aconteciam há mais de dez anos. A cirurgia removeu o hipocampo e
regiões em torno dele. Após a cirurgia, o paciente apresentava linguagem
perfeita – incluindo um vasto vocabulário – e seu QI não havia sido alterado.
No entanto, apesar de H.M. conseguir se lembrar perfeitamente de eventos que
aconteceram antes da cirurgia, ele perdeu a habilidade de reter informações
novas por mais do que alguns minutos. Cirurgias semelhantes foram realizadas
em outros pacientes com o mesmo resultado. O fato de que pessoas com
lesões no hipocampo conseguem se lembrar apenas de eventos antes da
lesão, sugere que memórias temporárias permanecem nessa estrutura até
serem transferidas para outras áreas para a formação da memória de longo
prazo, ou seja, o hipocampo seria responsável por conter as memórias de curto
prazo e enviar a informação referente a essas memórias para a criação de
memórias de longo prazo em outras áreas do córtex cerebral.
Os experimentos com o paciente H.M. também indicaram outras
características da memória. A retirada bilateral de parte do lobo temporal
afetava somente tarefas que envolviam reflexão, consciência ou processos
cognitivos complexos. Esse tipo de memória recebeu o nome de memória
explícita (ou declarativa) que corresponde às nossas lembranças sobre
pessoas, lugares e coisas. Ela é evocada deliberadamente, é altamente flexível
e envolve a associação de múltiplas informações. Toda memória explícita pode
ser expressa em uma sentença declarativa. Por exemplo, “no aniversário de
independência do Brasil eu fui visitar meu tio”. O psicólogo Endel Tulving
dividiu a classificação da memória explícita em episódica (para eventos e
experiências pessoais, como a lembrança da visita ao meu tio) ou semântica
(para fatos como os que aprendemos na escola, como a independência do
Brasil em 07 de Setembro de 1822).
Para evocar o conhecimento de memórias explícitas, primeiro
processamos a informação referente a elas em áreas de associação polimodais
(que são aquelas que estudamos na Unidade 1 deste módulo: áreas de
associação anterior, posterior e límbica) que, como vimos, associam
informações visuais, auditivas e somáticas.
6
A partir de lá, a informação é trasmitida em série por estruturas presentes
no lobo temporal. O caminho de entrada são os córtices para-hipocampal e
perirrinal. A partir dessas estruturas a informação vai para o córtex entorrinal,
giro dentado, hipocampo, subiculum e finalmente ela volta para o córtex
entorrinal (Fig. 2A). Depois de retornar ao córtex entorrinal, a informação faz
todo o caminho de volta até as áreas de associação (Fig. 2B).
7
Também aqui não é necessário que você se lembre dos nomes de todas
as estruturas. É importante que você leve em consideração que, após ser
recebida pelo sistema nervoso central, a informação é associada nas áreas de
associação e então direcionada para o lobo temporal, onde estruturas vão
armazená-la temporariamente. Entre essas estruturas, o córtex entorrinal tem
um papel primordial, uma vez que ele não é somente o local por onde a maior
parte das informações chega ao hipocampo, como também é o local por onde a
informação do hipocampo é transferida para outras áreas. Dessa forma, lesões
no córtex entorrinal causam danos na memória que prejudicam diversas
modalidades sensoriais. E é por isso que as maiores repercurssões
degenerativas do Alzheimer acontecem quando afetam essa estrutura.
Lembram-se do aprendizado sobre a palavra “cadeira”? Ao aprender a ler
a palavra “cadeira”, você utilizará alguns padrões dos caminhos neuronais que
a imagem, o cheiro, a textura de uma “cadeira” já utilizavam. Caminhos
percorridos nas áreas de associações uni e multimodais e cuja informação será
transferida para o hipocampo seguindo o caminho exposto na Figura 2B. Ao
retornar para as áreas de associação uni e multimodais, essa informação
poderá ser memorizada a longo prazo.
O papel do hipocampo e do resto do lobo temporal medial seria, portanto,
agir durante dias ou semanas para facilitar o armazenamento das informações
adquiridas. Armazenar a memória em etapas é essencial para (1) permitir que
os novos dados sejam armazenados sem prejudicar os dados existentes e para
(2) permitir que apenas os dados relevantes sejam memorizados.
A partir do momento em que consolidamos a formação de uma memória
nos córtex de associação, sua evocação é mais efetiva e confiável quando
ocorre no mesmo contexto no qual a informação foi adquirida. Para que a
memória seja evocada, a informação armazenada deve ser transferida para a
memória de trabalho e ser foco da nossa atenção. Como citado, a informação
deve percorrer basicamente o caminho no sentido contrário ao de quando foi
armazenada. Nossas memórias, no entanto, não são totalmente acuradas. O
psicólogo Frederic Bartlett mostrou que nós fazemos edições e interpretações
nas informações iniciais tanto quando armazenamos uma informação como
quando a evocamos. Essas edições e interpretações são susceptíveis ao
8
nosso estado emocional e ao contexto em que nos encontramos, uma vez que
utilizamos pistas do ambiente para reconstruir um evento passado (KANDEL et
al., 2000).
9
Animais também podem responder a estímulos do ambiente sem associá-
los. A habituação e a sensibilização são dois casos de memórias implícitas não
associativas. Na habituação, a resposta que temos a um estímulo é menor
conforme somos expostos a ele. Por exemplo, quando entramos em um
ambiente muito barulhento, conforme nos habituamos ficamos menos sensíveis
ao som. A sensibilização é o inverso da habituação e ocorre quando
aumentamos a resposta a um estímulo leve após sermos sensibilizados por um
estímulo abrupto. Por exemplo, caso você dê um grande gole em um líquido
quente, queimando a língua, provavelmente responderá de forma exagerada
ao beber o líquido novamente mesmo após esperar esfriar. Tanto a habituação
como a sensibilização ocorrem em praticamente todos os tipos de animais,
mesmo aqueles com sistema nervoso bastante primitivo.
Aprendendo a sobreviver
Por muitos anos, os behavioristas acreditaram que o aprendizado poderia
ser induzido simplesmente pela associação de dois estímulos arbitrários, como
se nós nascêssemos sem nenhuma predisposição genética. A famosa frase de
Watson mostra a visão behaviorista de meados do século passado:
Dê-me uma dúzia de crianças saudáveis, bem formadas,
e meu próprio mundo especificado para trazê-las, e eu garanto
tomar qualquer uma aleatoriamente e treiná-la para se
10
transformar em qualquer tipo de especialista que eu escolher -
médico, advogado, artista, comerciante e até mesmo mendigo
e ladrão, a despeito de seus talentos, inclinações, tendências,
habilidades, vocações e raça de seus antepassados.
(WATSON, J.B. Behaviorism, 1930, p. 82)
11
Outro processo importantíssimo para a formação da memória é o sono.
Durante o sono, nosso cérebro apresenta diferentes ciclos com padrões de
ondas distintos (aprenda mais sobre os padrões de onda cerebral na leitura
complementar dessa aula).
12
BIBLIOGRAFIA
13