Você está na página 1de 23

BENEDICTA

O APOSTOLADO EM SEU LAR

VOLUME 01 • NÚMERO 03 • SETEMBRO 2020


BENEDICTA

EDITORA DA IRMANDADE DO CARMO


 
Associação Civil Irmandade Nossa Senhora do Carmo
Avenida Noruega, 206 - Tibery, Uberlândia (MG) | Telefone: 3292-7030
CNPJ 22.603.477/0001-02
www.irmandadedocarmo.org
revistabenedicta@gmail.com
 
 
Copyright © Editora da Irmandade do Carmo Ltda., 2020
 
Gestão editorial:
Camila Severino
 
Conselho Editorial:
Bruno Vieira
Jacqueline Domingues
Kaúla Rocha Araújo
Laura Coradi
Marcos Domingues
 
Revisão:
Camila Severino
 
Diagramação:
Kaúla Rocha Araújo
 

FICHA CATALOGRÁFICA
 
Benedicta, Revista
            V.1, N.3, set. 2020. Uberlândia. 22p. (1ª edição)
 

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução sem permissão expressa do Editor-diretor.
Todos os trabalhos com autoria discriminada são de responsabilidade dos autores, não cabendo qualquer responsabilidade
legal sobre seu conteúdo à Revista Benedicta.
Todas as imagens utilizadas são de domínio público.
ÍNDICE
FIDES QUAERENS INTELLECTUM

Do Cristianismo à Cristandade:
a origem daquilo que é e a
03 Após a Morte e Ascensão de Deus Filho, o desdobramento
visível do agir divino se concentra na Igreja, cuja missão e-
vangélica se ocupa também da dignidade material do homem.
medida do que deve ser Antes disso, já no Antigo Testamento se encontram os fun-
damentos da Doutrina Social propagada ainda hoje pela Igre-
ja de Cristo.

Liberalismo e socialismo:
os dois braços do anticristo 06 O jogo político interpretado pelos liberais e socialistas ocul-
tam o projeto de descristianização das sociedades e instru-
mentalização das massas. Por meio da agenda midiática, o
controle da opinião pública engana até mesmo os católicos
mais ingênuos, iludidos pelas promessas ideológicas e políti-
cas.

Comunhão Espiritual: uma


salvaguarda às almas devotas 10 A Comunhão Espiritual, tão relembrada na ocasião de sus-
pensão da Sagrada Comunhão em razão da pandemia, deve
ser exercício diário do católico em qualquer tempo. Trata-se
de um profundo ato de devoção à Eucaristia, caminho neces-
sário à salvação das almas.

CATHOLICAE LITTERAE

De Trinitate,
de Santo Agostinho 12 Na obra De Trinitate, do séc. V, Santo Agostinho demonstra
como a Santíssima Trindade pode ser conhecida por três vias
distintas: as Escrituras, a razão filosófica e o amor (caritas).
Na época, o tratado agostiniano foi fundamental para comba-
ter as heresias do sabelianismo e arianismo; hoje, é leitura
obrigatória aos que buscam mais perfeitamente conhecer o
mistério de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.

DOMINUS VOBISCUM

As Dores de Nossa Senhora


15 Santo Afonso Maria de Ligório, neste profundo excerto do
séc. XVIII, medita acerca do martírio de Maria Santíssima,
iniciado em seu Fiat  e perdurante até sua própria morte.
Devido à duração e intensidade de suas dores, Maria deve ser
considerada não apenas uma mártir, mas a Rainha de todos
eles.

YSTORIA SANCTI

São Pio X: luta pela fé, amor


pela Eucaristia e apóstolo da
17 No mês em que a Igreja festeja o grande São Pio X, terror
dos modernistas, traduzimos aos leitores o discurso proferido
pelo Papa Pio XII, em 29 de maio de 1954, em que exalta as
vida interior virtudes do Papa da Eucaristia na ocasião de canonização do
Santo Pontífice.

EUTRAPELIAM

São Miguel Arcanjo 21 Em lembrança ao dia de São Miguel Arcanjo (29 de setem-
bro), eis um quiz sobre o Príncipe das Milícias Celestes.

NOTA

Aniversário Rvmo. Pe. Leles 22 No dia 17 de setembro, comemoramos o 60º aniversário


natalício do querido Rvmo. Pe. José do Prado Leles, quem
pastoreia piedosamente a Irmandade do Carmo.
FIDES QUAERENS INTELLECTUM

DO CRISTIANISMO À
CRISTANDADE:
A ORIGEM DAQUILO QUE É
E A MEDIDA DO QUE DEVE SER

CAMILA SEVERINO

“Fostes comprados por bom preço; não vos façais servos dos homens.” (1Co 7, 23)

Não fosse o pecado original (cf. Gn 3, 1-24), seria Em Cristo, Deus ratifica a existência moral como co-
mera constatação teorética afirmar que Deus é o Cria- operação humana com o plano divino, de modo a fun-
dor. Todavia, desde que a queda dos primeiros pais dar uma nova identidade e sociabilidade no homem:
revela a situação de tentação permanente e instaura a “Todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo.
desordem na humanidade, identificar Deus como Cri- Todos vós que fostes batizados em Cristo, vos reves-
ador significa reconhecer Seu agir gratuito e miseri- tistes de Cristo. Já não há judeu nem grego, nem es-
cordioso em favor do homem desde a criação do mun- cravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos
do e até o Juízo Final. Após a Morte e Ascensão de vós sois um em Cristo Jesus” (Gal 3, 26-28). Cristo é
Deus Filho, o desdobramento visível do agir divino se o princípio fundador e regulador da dissolução das de-
concentra na Igreja, cuja missão consiste em anunciar sigualdades. A vitória sobre o mundo conquistada por
os fundamentos evangélicos da Fé, Esperança e Ele (cf. S. Jo 16, 33) se realiza no Reino Eterno que
Caridade e denunciar os aliciamentos mundanos que espera os justos após a morte, mas já os encontra, gra-
tentam sequestrar a liberdade humana de seu fim úl- ças ao dom do Espírito, neste mundo, nas realidades
timo – a vida eterna. Assim, cabe à Igreja cristianizar da economia e do trabalho, da sociedade e da política,
o social, de modo a estabelecer a cristandade como da técnica e da comunicação, da comunidade interna-
formato de sociedade pautada no Reino Celestial – cional e das relações entre as culturas e os povos.
ainda que este seja dom de Deus e plenamente trans-
Mesmo nas coisas temporais, o Evangelho propicia a
cendente.
salvação integral, a justiça plena e a caridade entre os
A historicidade da Aliança no Monte Sinai e da re-
homens. É pela via da evangelização, confiada por
velação do Decálogo (cf. Ex 19-24), em que Deus li-
Nosso Senhor à Igreja, que todas as sociedades devem
berta da escravidão o povo de Israel e dá-lhe a terra
enfrentar suas carestias e vícios, por meio da qual
prometida, não constitui apenas referência espiritual
também se deve realizar a própria restauração ecle-
para manter-se fiel ao Deus único e verdadeiro, mas
siástica¹ e das famílias católicas. No mundo cor-
também expressa o princípio fundante e regulador da
rompido pelo demônio, a santidade se faz a verdadeira
vida social, política e econômica da sociedade isra-
revolução.
elita. O que são os preceitos do ano sabático e do ano
jubilar se não a prescrição da prestação de serviços
por meio do repouso dos campos e dos animais, a
regulação da microeconomia com o perdão das dívidas
¹ Referência à atual Teologia da Libertação (TL), conjunto de
e a libertação dos escravizados e a defesa da propri- ideologias que subvertem parte da Igreja após o Concílio Vaticano
edade privada através do desbloqueio de bens? Há aí II (1962-65) e configuram a “virada antropológica” na teologia. A
TL se sustenta sobre a distorção da autêntica Doutrina Social da
contributos à dignidade humana tão excelsos quanto Igreja, ao defender uma realidade sociológica baseada no
comunismo e reduzir a salvação à uma melhoria sócio-político-
emprestar ao pobre segundo as necessidades de sua econômica. A regionalização latino-americana dessa doutrina
indigência (cf. Dt 15,7-8) e receber o forasteiro como herética é meramente superficial, haja vista o seu tripé
(antropocentrismo teológico, secularização e marxismo) gerar
um compatriota (cf. Lv 19, 33-34). inúmeros movimentos análogos em todo o mundo moderno.

03
A Igreja nascente, cuja missão social se assenta na terreno enfermiço da peste negra, perante o qual o
pregação evangélica, converte, logo nos primeiros homem, revoltado com os males frutos de sua pró-
tempos, a cidadania excludente da polis grega em pria desobediência capital, cai novamente em insur-
cidades inspiradas nas virtudes cristãs. São Basílio, reição contra Deus. Os Estados Nacionais, primeira
bispo de Cesareia no séc. IV d. C., ensina que a mi- erupção do laicismo, ascendem sobre o confisco das
sericórdia perante a pobreza material do irmão refle- terras monásticas pela Coroa, e logo perdem-nas pa-
te a humildade espiritual do cristão necessária à mi- ra a crescente oligarquia de grandes proprietários,
sericórdia de Deus (Hom. Tempore famis: Patrologia cujo espírito de competição começa a substituir a
Grega 31, 325a). Semelhantemente, São João Crisós- tradicional economia moral das sociedades feudais.
tomo, na Constantinopla do séc. V, exorta os recém Esses indivíduos rapidamente ocupam as universida-
convertidos na indissociabilidade entre o abandono des e o Judiciário, extirpando, com o golpe iluminis-
do materialismo da antiga cultura pagã e as obras de ta, as monarquias empobrecidas e já dominadas por
justiça social e bem comum, sendo um contraparte do certo aparato administrativo ateísta, cuja força pro-
outro. Dito de outro modo, não basta a renúncia ao pulsora se pauta no conluio entre os burocratas (ou
vício, mas também é preciso a prática da virtude, socialismo estatal) e os grandes corporativistas (ou
pois a justiça divina acusa tanto o cometimento do liberalismo) e no restabelecimento da escravidão do
mal quanto a omissão do bem (Hom. Carta aos Efé- proletariado. Paradoxalmente, o grito apóstata das
sios, 16, 32). revoluções (religiosa, com a revolução protestante;
Nota-se, ainda, que mesmo sem uma declaração política, com a revolução francesa; econômica, com
contrária ao estado servil pagão, a instalação da I- a revolução marxista) advoga a favor da igualdade;
greja influencia a passagem da villae (vila) romana mas onde quer que as Catedrais tenham sido ofus-
para o village (vilarejo), marco que modifica de tal cadas pelos templos do Estado-Capitalista, começou
modo a escravidão que a palavra servus, a partir do a renascer a instituição servil.
séc. VIII, não mais designa escravo, mas o livre O homem não pode divinizar-se e negar a realidade
camponês, de cuja parcela de terra dentro da pro- objetiva do pecado como a fonte permanente dos
priedade do senhor lhe é, por direito natural, impos- males do mundo sem produzir sobre si mais catás-
sível de expulsar. Durante esses dez primeiros sécu- trofes sociais. As grandes descobertas técnicas e de
los, qualquer que seja a sociedade onde a Igreja con- comunicação dos últimos séculos, na atmosfera mo-
suma a cristandade, as famílias tornam-se as deten- ral moderna, provam-se verdadeira maldição. A me-
toras do capital e da terra; a produção material é re- dicina, outrora à serviço da manutenção da vida, a-
gulada por corporações e pequenos proprietários; a gora serve às ideologias eugenistas de gênero e a-
miséria e a insegurança dos trabalhadores são desco- borto. Os direitos humanos, outrora identificados
nhecidas. como os direitos naturais e fundamentais a todos os
A “Idade das Trevas” não dá à luz apenas a livre homens, agora exprimem a sacralização das particu-
propriedade e o fim do trabalho compulsório. Diante laridades de cada homem. Impulsionadas pelo impé-
da ameaça do islã na Terra Santa, as Cruzadas trans- rio do dinheiro e do hedonismo, tais inovações não
figuram o patriotismo local dos cristãos medievais na servem à outra coisa senão à descristianização das
verdadeira loucura por Cristo (1 Cor 1, 22-25), uni- sociedades e a consequente instituição do reinado
ficando à Cruz a mais sublime governança e dedica- caótico da serpente. A Igreja representa o balizador
ção ao bem comum. Ao militarismo então existente, moral que impede o aprisionamento do homem pelos
São Bernardo de Claraval introduz a justiça e a lógi- ideais mundanos e é ávida defensora da família, onde
ca católicas, que alteram a disciplina em regra mo- se perpetuam o livre pensamento e a livre propri-
nástica e as desigualdades em hierarquia. Nos episó- edade. Logo, a minimização da perícia da Igreja so-
dios da Santa Inquisição, os tribunais do Santo Ofí- bre os assuntos temporais acarreta a maximização do
cio condenam a justiçaria individual que atentava homem como perito de si mesmo, encabrestado pela
contra os hereges e legam ao campo jurídico o siste- soberba de determinar a própria realidade. Substituir
ma de jurados, o direito de apelação, o princípio da o Paraíso de Deus pelo paraíso terreno prometido
denúncia anônima e o fim da tortura nas práticas de pelas ideologias corresponde à ilusão da serpente:
interrogatório (mesmo antes da proibição oficial, a
Se há quem, atribuindo-se o poder fazê-lo, prometa
tortura foi empregada em apenas 1-2% dos julga- ao pobre uma vida isenta de sofrimentos e de traba-
mentos eclesiásticos). Além disso, o processo inqui- lhos, toda de repouso e de perpétuos gozos, certa-
mente engana o povo e lhe prepara laços, onde se
sitorial legitimou o papel do Estado como promotor
ocultam, para o futuro, calamidades mais terríveis
do processo criminal. que as do presente. O melhor partido consiste em
Apesar de tal excelente estado de coisas, a cristan- ver as coisas tais quais são, e, como dissemos, em
procurar um remédio que possa aliviar os nossos
dade ocidental não pode escapar do efeito do pecado males. (S. S. Papa Leão XIII, 1891, Encíclica
original. A tentação adâmica de ser Deus ressurge no Rerum Novarum)

04
O cristianismo é a única religião que vê o mundo Tal agir, quando respeitoso da ordem objetiva da
tal como é, palco de angústias e sofrimentos; e, por realidade temporal e iluminado pela Verdade e pela
isso, milita verdadeiramente pelos miseráveis, pelos Caridade, torna-se instrumento da justiça e da paz
pobres e doentes, pois ensina que o fim dos males prometidas por Nosso Senhor.A Verdade propicia a
ocorre apenas após a morte e somente para aqueles conexão entre o plano de Deus e a real condição hu-
que esperam em Deus. Cristo é a origem da porta es- mana, e a Caridade garante que o homem sempre se
treita (cf. S. Mateus 7, 13) e Sua Esposa, a Igreja, é mova ao seu semelhante guiado pela razão e pela fé.
a medida dessa passagem, isto é, a única via pela Esses preceitos fundamentam a cristandade, projeto
qual a vida terrena se adjetiva vida celeste. Desse social da militância da Igreja, cujo propósito de sal-
modo, apenas plenamente evangelizado, o agir hu- vação das almas não se furta da responsabilidade pe-
mano pode antecipar no presente o Reino de Deus. la dignidade material humana.

Indicação de conteúdo:

S. S. Papa Leão XIII - Carta Encíclica Rerum Novarum: sobre a condição dos operários
Pontifício Conselho “Justiça e Paz”- Compêndio da Doutrina Social da Igreja
Hilaire Belloc - O Estado Servil
Gilbert Keith Chesterton - Um esboço da sanidade: pequeno manual do Distributismo
José G. M. Orsini - Raízes ideológicas da Igreja subversiva (na já extinta Revista Por Que Acontece, jan/1982)

05
LIBERALISMO
E SOCIALISMO:
OS DOIS BRAÇOS DO
ANTICRISTO

MARCOS DOMINGUES

Polarização política das questões sociais

Já é de longa data que os inimigos seculares da I-


greja dirigem a aparente disputa sobre os temas soci-
ais protagonizada pelas clássicas vertentes políticas,
no intuito de produzir, simultaneamente, a situação e
a oposição. Por meio do controle dos meios de co-
municação, trabalham de forma a aglutinar, na direita
ou na esquerda, a totalidade de ideias que surjam nas
arenas de debate; neutralizando, por meio de difama-
ção, quaisquer iniciativas que escapem dessa articu-
lação e ameacem a agenda controlada. Tais ideologi-
as políticas, por sua vez, sobrevivem historicamente
no ideário humano através de sucessivos disfarces
nominais.
Forjada por agentes ocultos, a polarização política
serve ao domínio da opinião pública: ora, se todas as
ideias são encerradas em apenas dois campos de de-
bate, quanto mais delimitado e homogêneo cada cam-
po for, mais polarizados entre si aparentarão ser. To-
do esse projeto de ideologização do homem floresce
sobre sua psicologia decaída, cuja autocomplacência
- bem contrária à desconfiança constante dos santos
consigo mesmos - o leva a encarnar a luta política do
bem contra o mal.
Nesse jogo psicológico, a direita, encarnando o
bem, seduz os incautos a lutar contra a esquerda, re-
tratada como o mal absoluto; a esquerda igualmente
o faz contra a direita. Dessa forma, a noção de bem e
mal se torna tão volátil quanto as tendências políti-
cas de ambos os lados, fazendo do povo massa de
manobra das mais variadas ideologias. Enquanto isso,
o verdadeiro bem, que é aquilo que está conforme a
vontade de Deus, e o mal, que é aquilo que contraria
a vontade de Deus, são noções proibidas de pautarem
qualquer debate público.

Dois lados da mesma moeda

No século XIX, Sua Santidade o Papa Leão XIII es-


creveu sua notória encíclica Rerum Novarum, movido
pela preocupação com o operariado, por um lado, o-

06
oprimido por condições cada vez piores de miséria e, culo XX, em que coube à direita conservadora o
por outro, seduzido pelas soluções socializantes dos papel da revolução econômica e à esquerda progres-
agitadores políticos. Com grande sabedoria, o Santo sista o papel da revolução cultural. Desde então, a a-
Padre expôs os erros dos dogmas liberais e socialis- ção da direita consiste em fazer a migração do poder
tas, delimitando as atribuições devidas ao indivíduo econômico do setor produtivo para o setor financei-
e ao Estado, cujos papéis se completam numa co- ro, enquanto a ação da esquerda objetiva retirar a o-
operação harmoniosa visando a justiça, o bem co- pinião pública dos domínios da Igreja e entregá-la
mum e a convivência pacífica. aos domínios das mídias de massa.
De imediato, os liberais e os socialistas fizeram Apesar do aparente paralelo entre essas ações, a
uma releitura enviesada da encíclica, a ressaltar e o- convergência permanece - a exemplo das campanhas
cultar pontos conforme suas tortas consciências. midiáticas da esquerda progressista internacional fi-
Desse modo, ambas as heresias continuaram a ser nanciadas pelos grandes bancos. Por isso, não intriga
transmitidas no tempo sob diferentes movimentos e que os oligarcas do capitalismo moderno, que teori-
hoje se encontram por toda a parte. Do lado do soci- camente se alinham ao campo conservador do Partido
alismo, ressaltaram-se as disposições sobre a função Republicano estadunidense, financiem, através dos
social da propriedade e os deveres sociais do Estado. bancos, institutos e ONGs multimilionárias, as pau-
Pelo lado do liberalismo, defenderam-se o direito tas aberrantes da new left, alinhada ao Partido De-
natural à propriedade privada e os méritos frutos do mocrata. Seria surpreendente, se já de antemão não
trabalho. Porém, o entendimento geral do ensina- se soubesse que a direita conservadora e a esquerda
mento papal foi escamoteado, porque foge da polari- progressista se unem num propósito maior: a sub-
zação política ao apresentar uma terceira concepção jugação dos povos pela instituição da nova religião
social, a saber, a concepção católica. humanista do anticristo, em que o homem substitui
Assim procedem então os socialistas: aos males li- Deus como o centro de todas as coisas.
berais, apresentam suas falsas soluções, que agrava-  
rão os problemas e gerarão novos distúrbios. As Atomização da sociedade
convulsões causadas pelo socialismo são novamente
contrapostas por iniciativas liberais. Desse modo, li- As pautas políticas da direita e da esquerda levam
beralismo e socialismo interagem como num jogo de inevitavelmente à desintegração familiar, causa da a-
cara e coroa, figurando cada qual os lados de uma tomização social. A família, como ensinou S. S. Leão
mesma moeda. Estabelece-se, a partir daí, um cír- XIII, é a primeira sociedade, dita sociedade domés-
culo vicioso de controle sobre a humanidade, for- tica, anterior à sociedade civil e sem a qual esta não
jado pelo velho internacionalismo cosmopolita ma- seria possível. O liberalismo econômico, bandeira da
çônico. direita conservadora, inibe o modelo familiar cató-
lico porque prega o lucro como fim último da ativi-
Embate dialético entre duas forças dade econômica, o que força o rearranjo dos costu-
demoníacas mes e valores, inclusive os da religião, a fim de se
adequarem às constantes mudanças das categorias de
Desde a Revolução Francesa, houve a clara separa- trabalho segundo as exigências do mercado. Por ou-
ção entre direita e esquerda políticas, duas forças a- tro lado, o liberalismo cultural, bandeira da esquerda
parentemente opostas, mas que contribuem entre si progressista, impede a família católica porque prega
para um objetivo supremo. Nos círculos inferiores do todos os tipos de liberdades individuais, que são na-
poder, incontáveis interesses estão envolvidos, e a da mais que a licenciosidade dos costumes normati-
busca pelas benesses do poder político é inegavel- zadas pela força das leis. Esse ambiente de desmora-
mente real, dada a própria corrupção da natureza hu- lização legalizada e segura fomenta o individualismo
mana. Mas, no círculo superior, o embate entre os que desestimula homens e mulheres almejarem a vida
campos opostos se revela um embate teórico. Desse matrimonial cristã.
se aproveitam, por experimentação ou por tentativa e É na desestruturação familiar que o conservadoris-
erro, as sínteses de uma dialética infernal, isto é, as mo e o progressismo se encontram, portanto, por vias
novas premissas do processo revolucionário. Esse distintas, porém colaborativas. Constitui claro exem-
funcionamento se associa àquilo que São Paulo de- plo dessa colaboração o ideário feminista que conta-
nominou “mistério da iniquidade” (cf. II Tes.2,7), minou por completo a sociedade moderna. O femi-
pautado no aniquilamento da civilização católica e nismo, apregoando a “liberdade” financeira da mu-
no estabelecimento definitivo da república universal lher, contribuiu enormemente para o objetivo do
maçônica. capitalismo internacional de diminuição geral dos
Uma ilustração desse embate dialético está no sé- salários. Diante da introdução abrupta da mulher no

07
mercado de trabalho, aumentou-se a oferta de mão justo salário de um pai de família, mas apenas uma
de obra e, por consequência, houve a diminuição dos quantia-ração necessária para suprir o consumismo
salários. Com isso, os homens já não podem susten- individualista propagandeado em todas as mídias. Por
tar sozinhos a prole, o que obriga a colaboração tudo isso, é certo afirmar que a economia e a cultura
direta da mulher nas finanças da casa. A mulher, por liberais se retroalimentam num sistema de interdepen-
sua vez, em competição com os homens na duríssima dência.
concorrência da economia moderna, acaba por ab-
dicar da vida familiar para dedicar-se à vida profis- O falso coletivismo e a globalização
sional. Não bastasse tal conjuntura, a propaganda Da destruição familiar e do consequente individu-
feminista tenta desmerecer a figura da dona de casa, alismo, um novo dilema aparece: como responder aos
como coisa indigna e humilhante, inoculando a ideia anseios afetivos e comunitários do homem, coisas ine-
da fêmea moderna e bem-sucedida como aquela que rentes à sua natureza, primordialmente providos pela
alcançou o topo da carreira profissional abdicando- família?
se de ter filhos; não abdicando, porém, da vida sexu- A cosmovisão liberal antifamília tenta anular os e-
al ativa, sustentada pelo aborto contraceptivo. feitos do individualismo pelo coletivismo artificial
Eis como ocorre a simbiose entre direita e es- fundado no identitarismo moderno. As “minorias” i-
querda, que sintetiza a mentalidade liberal, nociva à dentitárias são como clãs que tentam suprir as lacunas
visão familiar do catolicismo. Na concepção católica, do pertencimento familiar. Esses clãs minoristas exi-
o serviço doméstico é estritamente necessário ao gem de seus membros uma fidelidade ideológica,
funcionamento harmonioso do lar, sobretudo porque donde se vê muitos — especialmente jovens, que são
inclui a função primordial da educação religiosa dos mais frágeis ao isolamento social — a defender ideias
filhos. A mentalidade liberal, em contrário, dá suma catastróficas por puro sentimento de pertencimento
importância ao sustento financeiro da família, con- grupal.
forme a concepção do capitalismo moderno, endos- Eis como, novamente com muita astúcia, o demônio
sada pelo ideal feminista de liberdade financeira. A e seus correligionários conseguem substituir o eixo de
mulher, caindo nesse engodo, proclama-se livre da sustentação social, a família tradicional católica, bali-
tirânica opressão de seus maridos, enquanto se sub- zada pelos valores e costumes da Igreja, pelos coleti-
metem servilmente à opressão de seus patrões. Para vos identitários, comandados pela elite liberal maçô-
as mulheres pobres, a coisa é ainda pior, porque nica. Tal projeto seria impossível sem a concomitante
cumprem jornada dupla, no trabalho e em casa. globalização dos mercados, pela qual se impõe uma
Quanto à pregação feminista de liberdade sexual nova ordem econômica, que destrói as economias lo-
das mulheres, há o agravo do problema da desagre- cais e nacionais, priorizadas pela Doutrina Social da
gação familiar e da consequente atomização social. Igreja, por meio da competição assimétrica das gran-
Aí se vê a astúcia do demônio, que mobiliza todas as des corporações oligopolistas internacionais. Além
forças infernais contra a mulher em especial. É da disso, o globalismo exporta os produtos degenerativos
natureza feminina resguardar-se, porque é ela quem da cultura pop ocidental, alimento de indústrias multi-
carrega o ônus da gravidez. Por esse simples fato, as bilionárias, como as da moda, cinematográfica e por-
mulheres possuem naturalmente uma maior prudência nográfica. Essas indústrias de degeneração cultural,
na escolha de seu parceiro. O demônio, sabendo bem por causa de sua grande penetração midiática, são as
disso, inspira o feminismo a destruir essa prudência, maiores promotoras do coletivismo identitário e di-
pelas falsas promessas de felicidade da revolução se- vulgadoras de propaganda anticatólica. Muitos cató-
xual, as quais nunca se cumprem, mas dão somente o licos, ludibriados pelo falso princípio liberal de que os
contrário: a tristeza do vício e do pecado. A promis- direitos de propriedade e livre comércio são absolutos
cuidade feminina, por sua vez, estimula a promiscui- e inalienáveis, cometem grave erro ao defender a
dade masculina, e dessas relações libertinas decor- existência dessas indústrias, as quais arrastam multi-
rem distúrbios sociais graves: aumento de traições, dões de almas ao inferno. Assim, legitimam tais di-
divórcios, mães solteiras, pais omissos etc. Dessas reitos acima dos preceitos da Igreja e das leis de Deus.
relações desestruturadas, nasce um exército de indi-
víduos que não podem contar com o primeiro sistema Internacionalismo do livre-mercado
social protetivo: a família.
Vê-se aí como todas essas coisas se articulam para Como é sabido, a ideologia marxista pretendia o co-
o mal. A destruição da família afasta os indivíduos munismo internacional, mas esse estágio seria obtido
da religião (repassada no seio familiar) e aproxima- após o desenvolvimento máximo do capitalismo que,
-os do ambiente cultural moderno. A atmosfera des- teoricamente, colapsaria as economias nacionais pelas
te, transforma-os em átomos sociais programados próprias contradições e lutas intestinas. Ora, o livre-
para servir ao mercado, o qual já não precisa pagar o mercado é o ponto de partida do internacionalismo, a  

08
estratégia inicial daqueles que terminam por sugerir a significa, porém, que defendam a regressão a um está-
extinção das fronteiras nacionais e a criação de uma gio em que as economias nacionais se tornem incomu-
única economia mundial, sob o regime de uma única nicáveis, fechadas em si mesmas. Visam, de fato, com-
moeda e de uma legislação universal que regula- bater o controle hegemônico dos povos pelos grandes
mentará a vida dos povos, com poderes de sanção oligarcas mundiais que, ao contrário de favorecerem a
econômica e militar muito maiores que o de qualquer saudável competição econômica, utilizam-se de todos
grande império da história humana. Esse ideal co- os subterfúgios, inclusive da guerra e desestabilizações
incide perfeitamente com as ideias da república uni- políticas, para concentrar poder e riqueza.
versal encontradas nos anais maçônicos e denunci-  
adas por tantos autores da Igreja e pelo próprio Ma- O fim último: a sociedade cosmopolita do anti-
gistério. Mais um exemplo, portanto, de como, na cristo X o triunfo de Deus
história moderna, as ideologias opostas sempre se
acumpliciam, enganando como se fossem retas para- As manobras dessa oligarquia mundial são as mais
lelas, quando, na verdade, tratam-se de curvas que se variadas, mas convergem sobretudo em duas ativi-
tocam logo à frente num objetivo comum: a des- dades: 1) criar um sistema social injusto ao passo em
truição da cristandade. que se estimulam a desarmonia e as lutas fratricidas,
Dentre os católicos defensores do livre-mercado, donde muitas almas se perdem no caos do ódio de
poucos compreendem as consequências da globa- classes — veneno sutil inoculado nas sociedades sob
lização econômica, tampouco a gênese destrutiva da diversas matizes; 2) fomentar um falso pacifismo, no
liberdade econômica e dos costumes. Ignoram essas qual o homem é enfraquecido na sua fé e moral, ao
relações porque absorveram o discurso idealista de ponto de não mais se importar em defendê-las, donde
que o liberalismo econômico traz prosperidade ma- também muitas almas se perdem por respeito humano e
terial aos países ao mesmo tempo em que garante indiferentismo, preferindo a falsa paz no erro que a
uma agenda “conservadora” dos costumes. Nada mais paz de espírito no bom combate pela doutrina de
falso. Foi o liberalismo econômico que produziu as Cristo. O ódio de classes entre a burguesia e o
misérias que convulsionaram as classes operárias, proletariado, que no período pré-guerras mundiais era
habilmente instrumentalizadas pelos socialistas, e, a o fermento das revoluções socialistas, transmigrou-se
reboque, trouxe a liberalização dos costumes. A eli- para o ódio de classes entre os que defendem o modelo
minação dos corpos intermediários, como as antigas social familiar cristão e os que defendem o modelo
corporações de ofício e do próprio Estado como re- social identitário liberal. Quanto mais este último
gulamentador das relações de trabalho, favoreceu as avança, mais notório se torna o indiferentismo moral.
grandes corporações, dando-lhes um poder de mono- Lamentavelmente, a mentalidade liberal já penetrou até
pólio praticamente absoluto — efeito contrário aos o cerne da Igreja através das reformas do Concílio
manuais do liberalismo, que garantem que a econo- Vaticano II, onde encontrou sua expressão máxima no
mia liberal coíbe a formação de monopólios. Nesse ecumenismo modernista.
cenário, os trabalhadores, sem amparo, recorrem aos Pacientes nas profecias, muitos católicos assistem
revolucionários socialistas, cuja falsa militância por dolorosamente aos ataques à Igreja de Cristo, sobre
melhores dias é de tal sorte maliciosa porquanto é cujos escombros se ergue a sociedade cosmopolita do
financiada pelos próprios oligarcas do capitalismo, anticristo, em que os valores anticristãos são norma-
interessados em se apoderarem dos frutos da pilha- lizados e a idolatria do homem que se fez deus atinge
gem revolucionária. seu grau máximo. Os braços esquerdo e direito do
A internacionalização das economias é, portanto, anticristo trabalham sem cessar nessa obra infernal, a
um mecanismo de controle mundial das nações, cujas derradeira da Sinagoga de Satanás. Contudo, o povo de
vocações econômicas acabam combalidas por deci- Deus espera pelo cumprimento da promessa de Nossa
sões de uma elite apátrida escondida atrás da casta Senhora em Fátima: “por fim, meu Imaculado Coração
política. Nesse esquema, os políticos são apenas a triunfará”.
interface entre os interesses conflituosos do poder o-
culto e do povo. Essa elite tem inúmeros meios de Indicação de conteúdo:
controlar o comércio das riquezas dos países no mer-
Papa Leão XIII - Encíclica Rerum Novarum
cado internacional, tornando-os sensíveis às flutu- Papa Pio XI – Encíclica Quadragesimo Anno
ações dos preços e devedores de dívidas impagáveis, D. Marcel Lefebvre – Carta aberta aos católicos perplexos
contraídas muitas vezes por artifícios os mais enge- Mons. Henri Delassus – A conjuração anticristã
nhosos da arte usurária.
Vê-se, então, porque as encíclicas sociais da Igreja
combatem o internacionalismo do livre-mercado,
contramão da economia familiar e local. Isso não 

09
COMUNHÃO ESPIRITUAL:
UMA SALVAGUARDA ÀS ALMAS DEVOTAS
POR JOÃO S. DE O. JUNIOR – INDIGNO ESCRAVO
DA SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA, PAI DE 3
CRIANÇAS E ATUAL PRESIDENTE DA SOCIEDADE
DA SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA – SSVM

As privações decorrentes da pandemia, principalmente pela dificuldade de


acesso às Santas Missas públicas e consequentes restrições à Sagrada Comu-
nhão, são uma grande provação aos fiéis católicos. É Cristo Eucarístico nos-
so sustento! Pela Eucaristia que a Igreja se torna poderosa, fecunda, e, sem
Jesus entre nós, seríamos por demais desgraçados - ensina-nos São Pedro
Julião Eymard. Contudo, enxerguemos, nestes tempos difíceis, as oportuni-
dades que o Boníssimo Deus nos concede para a nossa santificação; e, pro-
vavelmente a mais importante delas: a redescoberta e fomento das Comu-
nhões Espirituais.

Mas o que é mesmo a Comunhão Espiritual?

A Comunhão Espiritual consiste num piedoso desejo, ardente, de receber


Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento, num abraço amoroso, como se já O
tivesse recebido, obtendo assim Suas graças, descreve Santo Afonso de Li-
gório (1882) citando Santo Tomás de Aquino. A propósito, o Doutor Angé-
lico, mencionado pelo Pe. Royo Marín (1984), demonstra duas maneiras de
receber espiritualmente a Cristo, e uma delas é “receber espiritualmente o
sacramento”. Já o Concílio de Trento (1545-1563), incentiva a Comunhão
Espiritual e distingue três modos de receber a Santa Eucaristia: apenas sa-
cramentalmente (que é o caso de uma comunhão sacrílega); sacramental e
espiritualmente (que é a comunhão sacramental apropriada, com frutos); e o
terceiro modo seria “só espiritualmente, a saber: aqueles que pelo desejo
(voto) comem aquele pão celestial, que se lhes propõe, com fé viva, que obra
por amor  (Gal 5, 6), experimentando o seu fruto e utilidade” (Concílio de
Trento, seção XIII, c. 8).

E como fazer devidamente essa Comunhão? 

Nas palavras do Pe. Royo Marín (1984, p. 246):

Não se prescreve nenhuma fórmula determinada [embora seja bem conhecida e difundida a de Santo Afonso], nem é preciso
recitar nenhuma oração vocal. Basta um ato interior pelo qual se deseje receber a Eucaristia. É conveniente, sem embargo,
que abarque três atos distintos, ainda que seja brevissimamente: 1)  Um ato de Fé, pelo qual renovamos nossa firme
convicção da presença real de Cristo na Eucaristia. É excelente preparação para comungar espiritual ou sacramentalmente;
2)  Um ato de desejo  de receber sacramentalmente a Cristo e de unir-se intimamente com Ele. Neste desejo consiste
formalmente a Comunhão Espiritual; 3)  Uma petição fervorosa, pedindo ao Senhor que nos conceda espiritualmente os
mesmos frutos e graças que nos outorgaria a Eucaristia realmente recebida.

Ressaltemos um ponto importante: os católicos que se encontram em pecado mortal, mesmo que tenham uma
Contrição Perfeita, não podem se aproximar da comunhão sacramental sem antes recorrerem à Confissão Auricular
(Catecismo de São Pio X, q. 628 a q. 630). Para a Comunhão Espiritual com algum fruto, também necessitam da
prévia Confissão, porém, na impossibilidade desta, podem realizar aquela contanto que tenham previamente o ato
de Contrição Perfeita¹.
Outros detalhes: aos que estão assistindo à Missa, recomenda-se fazer a comunhão espiritual no momento da
comunhão do sacerdote. Também, como pontuado por santos, pode-se fazê-la visitando o Santíssimo Sacramento 

¹ A Contrição Perfeita é um ato interior de arrependimento dos pecados mortais e resolução para não mais pecar, por amor a Deus. “Uma tal contrição
perdoa as faltas veniais: obtém igualmente o perdão dos pecados mortais, se incluir o propósito firme de recorrer, logo que possível, à confissão
sacramental.” (CIC –§1452, 1992).

10
ou mesmo várias vezes ao dia, de onde o fiel se en- a comunhão das próprias mãos como fez a Santa Clara
contrar em oração², sem necessidade do jejum euca- de Montefalco, dentre outros santos. Conclui São
rístico. Certamente, são grandes meios de preparação Leonardo resumindo: “quantas vezes fizerdes a comu-
para a comunhão sacramental e de constância na uni- nhão espiritual, outras tantas vos enriquecereis de
ão espiritual com Cristo. graças, de méritos e de toda sorte de bens” (1773, p.
  53). Ainda, recordemos um exemplo descrito por Santo
E os frutos da Comunhão Espiritual? Afonso quanto à Serva de Deus Irmã Paula Maresca, a
qual, por revelação particular, ouviu de Nosso Senhor
São Leonardo de Porto Maurício (1773) enfatiza
que suas comunhões sacramentais eram depositadas
que a Comunhão Espiritual cumula a alma de bens
num vaso de Ouro e as espirituais, num vaso de Prata!
incalculáveis e que, no sentir de muitos autores, é de
Por fim, caríssimos, exposto isso, que este tempo de
tal modo eficaz que pode dar as mesmas graças que a
pestilência do coronavírus nos atraia à conversão, à
comunhão sacramental e quiçá maiores ainda, a de-
penitência, à reza diária do Santo Rosário, à valoriza-
pender do desejo de união a Cristo e disposições dos
ção dos sacramentos e, principalmente, a um aumento
fiéis³. Em sequência, diz que Nosso Senhor ama tan-
fervoroso do amor ao Augusto Sacramento do Altar a-
to esse modo de se comungar que Se dignou fazer
través das preciosas Comunhões Espirituais, inequivo-
milagres visíveis na vida de Seus servos, dando-lhes
camente acessíveis a todos. Em tempo, são estas
² São Pedro Julião Eymard (2013), Apóstolo da Eucaristia, respondendo últimas uma salvaguarda aos fiéis católicos devotos!
àqueles que não podem ir à igreja, ensina que o Olhar Divino, partindo Alegra-me dizer que a Sociedade da Santíssima Vir-
do Tabernáculo, os fitará. Pois, se do Céu Nosso Senhor nos vê tão bem,
por que não haveria de ver pela Hóstia Santa? Portanto, na impossibili- gem Maria – SSVM pede aos seus membros 15 minutos
dade de visitarmos os templos, podemos adorá-Lo de onde estivermos. de adoração eucarística diariamente, desde tempos i-
³ Ainda ensina São Pedro Julião (2013): a União mais perfeita e mais ín-
tima das almas com Cristo se dá conforme a menor ou maior vivacidade memoráveis. Que tudo seja para honra e glória de Deus.
dos desejos. Tal ensinamento converge com o fundamento da Comunhão Maria Sempre!
Espiritual que seria o desejo de receber e estar unido a Cristo.

Fontes:

Catecismo da Igreja Católica (CIC), Promulgado pelo Papa João Paulo II, ano 1992. Segunda Parte. Disponível em:
https://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p2s2cap1_1420-1532_po.html. Acesso em: 19 ago 2020.
Catecismo de São Pio X – Terceiro Catecismo da Doutrina Cristã, 1905. Disponível em
https://www.diocesebraga.pt/catequese/sim/biblioteca/publicacoes_online/56/Catecismo_Sao_Pio_X.pdf. Acesso em: 11 ago
2020.
Concílio de Trento, seção XIII, capítulo 8. Disponível em:
http://www.montfort.org.br/bra/documentos/concilios/trento/#sessao13. Acesso em: 13 ago 2020.
EYMARD, São Pedro Julião. A Divina Eucaristia (volume 1). Taubaté: Editora Missão Sede Santos, 2013,
p. 79-81; 87 e 285. 
LIGÓRIO, Santo Afonso Maria de. Visites au Saint Sacrament et à la Sainte Vierge – Oeuvres Complètes (Tomo VI).
Tournai, 1882, p. 113-114. Tradução livre.
MARÍN, Pe. Antonio Royo, OP. Teología Moral para Seglares — Los Sacramentos – BAC. Madrid, 1984, p. 245-247.
Tradução livre.
MAURÍCIO, São Leonardo de Porto. As Excelências da Santa Missa. Edição romana de 1773 dedicada a S. S. o Papa
Clemente XII, p. 51-54

Indicação de conteúdo:

Canal Padre Neves (Youtube). A Comunhão Espiritual (conferência). Disponível em:


https://www.youtube.com/watchv=DofgUjvuut8. Acesso em: 11 ago 2020.

11
CATHOLICAE LITTERAE DE TRINITATE,
DE SANTO AGOSTINHO

MARCELO ROSA VIEIRA

A obra Sobre a Trindade (de Trinitate) foi escrita por


Santo Agostinho entre os anos 399 e 420. Diz uma len-
da bem conhecida que um anjo, na forma de um meni-
no, apareceu a Santo Agostinho nesse período quando
ele andava a passear pela praia de Hipona na África
(sua terra natal) e, absorto em seus pensamentos, medi-
tava a excelsa Trindade que é Deus. A criança havia
cavado um buraco na areia e, com uma conchinha na
mão, pretendia despejar dentro dele toda a água do mar.
Com espanto, o Bispo de Hipona disse ao menino que
aquilo era impossível, pois o buraco era pequenino, ao
passo que as águas do mar se estendiam por uma vasti-
dão imensurável. O menino revelou então ser um anjo
de Deus, e respondeu:
Seria mais fácil para mim derramar com esta con-
chinha toda a água do oceano neste buraco, do que para
ti decifrares, só com os recursos da tua razão, o augusto
mistério da Trindade.
E, dizendo isso, desapareceu.
Apesar da bela expressão poética, essa história não é
inteiramente exata, pois atribui ao Santo Filósofo uma
intenção que jamais passou pela sua cabeça: a pretensão
racionalista de compreender os mistérios da Trindade
apenas com os instrumentos da razão natural. Santo A-
gostinho está ciente dos limites da filosofia, ele sabe
que sua inteligência não é capaz de sondar em inteira
profundidade o mistério trinitário, pois o buraco que
nela existe não comporta as águas impenetráveis da fé.
Para isso, a inteligência deve contar com o auxílio da
razão sobrenatural.
A fórmula do método de Santo Agostinho é bem co-
nhecida: “crê para entenderes, entende para creres”
(crede ut intelligas, intellige ut credas), e pressupõe
que razão e fé são complementares. A fé alimenta o en-
tendimento na sua procura, e o entendimento dissipa as
obscuridades da crença. Embora a cavidade na areia se-
ja pequena, é possível nela derramar, pela fé, algumas
gotas do oceano divino. A alma humana é intelectiva
justamente para buscar a Deus. A alma sabe, conforme
sua essência, que “desde a criação do mundo, as perfei-
ções invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e di-
vindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas o-
bras” (Rm. 1, 20). Para o Santo Bispo, a fé busca, mas
é o entendimento que encontra; conforme diz o profeta:
“Se não crerdes, não subsistireis” (Is. 7,9).

12
No tratado, composto de quinze livros, busca-se na, e o “somos” refuta a heresia modalista. Porém,
conhecer a Trindade por três vias diferentes: (I) a como compreender filosoficamente essa expressão?
partir das Sagradas Escrituras; (II) pela razão filo- Na tentativa de encontrar a linguagem mais apropria-
sófica; por último (III) pelo amor (caritas), que su- da para exprimir o excelso mistério, Santo Agostinho
pera as outras vias, porque constitui o eco da vida vai na linha dos Padres Capadócios que tinham se
divina: “se vês o amor, vês a Trindade” (uides orientado pela categoria da relação de Aristóteles. Na
trinitatem si caritatem uides, De Trin., VIII, 8, 12). filosofia aristotélica, tudo aquilo que existe na reali-
Os primeiros quatro livros são de exegese bíblica. dade existe justamente como substância, como indi-
Santo Agostinho compila os textos das Escrituras que víduo, ou então existe como um acidente contido na
atestam a unidade de essência entre o Pai e o Filho, substância. Mas seria preciso modificar essa filosofia
investigando as aparições a Adão, Abraão, Lot, Moi- internamente para torná-la capaz de exprimir a es-
sés e Daniel.   Para o Bispo de Hipona, o plural ma- sência da Trindade.
jestático de Gn. 1,26 “Façamos o homem à nossa Santo Agostinho promove essa modificação medi-
imagem e semelhança” pode ser interpretado como ante o conceito de relação. Ele introduz uma mudança
uma referência à Trindade. Semelhantemente, a apa- nuclear, em que há identidade substancial nas Três
rição de Deus a Abraão junto ao carvalho de Mambré Pessoas, que implica essencial igualdade, mas sem
em Gn. 18,1-5 (onde se lê que Abraão “levantou os haver qualquer distinção hierárquica entre elas. Deus
olhos e viu três homens de pé diante dele”) leva a em sentido absoluto é tanto Pai, como Filho e Espíri-
refletir sobre o significado das epifanias trinitárias, to Santo, e Eles são inseparáveis tanto no Ser quanto
na medida em que elas refletem a unidade da Trinda- na operação. As três Pessoas são distintas, mas não
de, assim como a trindade da Unidade. são diversas em se tratando de seu Ser. Daí, pode-se
No Livro I, apoiado na autoridade das Sagradas Es- dizer que o Pai tem o filho, mas não é o Filho, e o
crituras, Santo Agostinho demonstra a igualdade su- Filho tem o Pai, mas não é o Pai; o Filho é con-
prema da Trindade. Nos Livros II, III e IV, por sua substancial ao Pai, e o mesmo acontece com o Espíri-
vez, ele disserta com diligência sobre a missão do to Santo. Os atributos pertencem à relação, sem ser
Filho e do Espírito Santo, baseado em leitura de Jo acidentais, porque são imutáveis e se colocam na di-
14,28 (“o Pai é maior do que eu” – por causa de sua mensão da eternidade.
submissão à Vontade do Pai na Encarnação) e Jo O cardeal Ratzinger (1970, pp. 82-83) diz a res-
10,30 (“Eu e o Pai somos um”). Ele demonstra que peito: “Está latente aí uma revolução da imagem do
Deus, Aquele que enviou, não é maior do que o Filho mundo: está quebrada a soberania única do conceito
e o Espírito Santo, que foram enviados, pois a Trin- de substância, descoberta a relação como modalidade
dade é essencialmente igual sob todos os aspectos, original, equivalente da realidade”. Santo Agostinho,
imutável, invisível, e opera de modo inseparável, es- com efeito, abre caminho para uma verdadeira trans-
tando onipresente. formação na ontologia: uma vez que nada se predica
A interpretação filosófica predomina nos próximos de Deus segundo o acidente, Ele é totalmente absolu-
três livros. Santo Agostinho combate a doutrina mo- to, mas, simultaneamente, nem tudo se predica de
dalista e a doutrina ariana, ambas heréticas. Sabélio Deus segundo a substância. O que não é dito nem se-
preconiza que Deus-Pai é uma Unidade Absoluta, e gundo o acidente nem segundo a substância é dito
que o Filho e o Espírito Santo são apenas modos conforme a relação, que é reinterpretada segundo a
dessa unidade. Ário, por sua vez, prega que há uma concepção de consubstancialidade, e modifica radi-
diferença radical entre as Três Pessoas. Na heresia calmente o esquema aristotélico substância e aciden-
modalista, a Unidade absorve e suprime a Trindade; tes. “Resta, portanto, que o Filho é dito essência re-
enquanto que, na heresia ariana, a diferença entre as lativamente ao Pai. Com isso produz-se um sentido
três pessoas é tão intensa que ela fratura a unidade completamente inesperado (...) a correlação” (De
real das Três Pessoas. Trin., VII, 1, 2). A ontologia das relações trinitárias
Santo Agostinho entende que é preciso conciliar as absolutas afirma no mesmo movimento a unidade e a
duas posições para alcançar a verdade. Contra Sabé- diferença em Deus.
lio, seria preciso defender a diferença real do Pai, do Mas essas duas vias, das Escrituras e da Razão Fi-
Filho e do Espírito Santo, sem fragmentar Deus e as- losófica, são superadas pela via do Amor, que o San-
sim esvaziar sua Unidade. E, ao mesmo tempo, con- to Bispo busca aprofundar na sequência, do livro VIII
tra Ário, seria preciso defender a unidade da subs- até o XIV. Só a caritas em sua plenitude é dotada do
tância de Deus, sem compactá-la e, destarte, expul- poder de desvelar a Trindade e iluminá-la para o
sar a Alteridade. entendimento. A vida trinitária se exprime como uma
Para Santo Agostinho, na expressão de Jo 10,30 comunhão de amor entre as três pessoas divinas. Esta
“Eu e o Pai somos um”, o “um” refuta a heresia aria- comunhão inefável é o próprio Deus. E ele convoca

13
São João para corroborar a validade desse dogma: mor, amante e amado dá lugar à tríade da mente, do
"Aquele que não ama não conhece a Deus, porque conhecimento de si e do amor que os unifica. E em
Deus é amor” (1 Jo 4,8). O amor possui uma seguida a tríade da memória, da inteligência e da
estrutura radicalmente trinitária naquele que ama, no vontade.
amado e no amor que liga os dois: “(...) quando se No Livro XV, de conclusão, Santo Agostinho tenta
chegou ao amor que é dito Deus na Sagrada Escri- enfim passar da imagem trinitária em nós para a
tura, brilhou um pouco [para nós] uma trindade, isto Trindade Divina em si mesma, investigando as “reali-
é, aquele que ama, aquilo que é amado e o amor” (De dades eternas, incorpóreas e imutáveis, cuja perfeita
Trin., XV, 6, 10). Aí então o espírito se volta para si contemplação será a vida bem-aventurada que não
mesmo e procura encontrar em si próprio uma ima- pode ser senão eterna, e que nos é prometida” (De
gem da Trindade, já que fomos criados à imagem e Trin., XV, 4, 6).
semelhança de Deus. Para Agostinho, encontram-se
afinidades em nós que refletem analogicamente a
Trindade, como num espelho. É assim que a tríade a-

Edição resenhada:

SANTO AGOSTINHO. De Trinitate / Trindade. Prior Velho: Paulinas Editora, 2007

Referências:

RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo. Preleções sobre o Símbolo Apostólico. São Paulo: Editora
Herder, 1970.

14
DOMINUS VOBISCUM
AS DORES DE NOSSA SENHORA
SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO

Duas vezes no ano lembra-se a Igreja das Dores de mor, aqui na terra. Ora, que aconteceu? Pela inveja
Maria Santíssima: na Sexta-feira que antecede ao de seus inimigos, foi esse filho acusado injustamen-
domingo de Ramos e no dia 15 de setembro. Já antes te. O juiz reconheceu, é verdade, a inocência do a-
dessas solenidades vinha o povo cristão consagrando cusado e proclamou-a publicamente. Mas, para não
terna lembrança às Dores da Mãe de Deus. No século desgostar os acusadores, condenou-o a uma morte
XIII a tendência geral fixa-se na celebração das Sete infame, como lhe haviam pedido. E a pobre mãe,
Dores. A Ordem dos Servitas, principalmente, fun- para sua maior pena, teve de ver como aquele tão
dada em 1240, muito contribuiu para propagar essa amante e amado filho lhe era barbaramente arranca-
devoção. Pois seus membros deviam santificar a si e do, na flor dos anos. Fizeram-no morrer diante de
aos outros pela meditação das Dores de Maria e de seus olhos maternos, à força de torturas e esvaído
seu Filho. Pelos fins do século XV era quase geral em sangue num patíbulo infamante. Que dizeis, pi-
no povo cristão o culto compassivo das dores de edoso leitor? Não vos excita à compaixão a história
Maria. Os poetas de vários países consagraram-lhe dessa aflita mãe?
inúmeras poesias. O hino Stabat Mater dolorosa tem Já sabeis de quem estou falando? Esse Filho, tão
por autor o franciscano Jacopone da Todi (1306). A cruelmente suplicado, foi Jesus, nosso amoroso Re-
festa foi primeiramente introduzida pelo Sínodo de dentor. E essa Mãe foi a bem-aventurada Virgem
Colônia em 1423, sob o título de Comemoração das Maria, que por nosso amor se resignou a vê-lo sa-
Angústias e Dores da Bem-aventurada Virgem crificado à justiça divina pela crueldade dos ho-
Maria, para expiação das injúrias cometidas pelos mens. Portanto é digna de nossa piedade e gratidão
Hussitas contra as imagens sagradas. Propagou-se essa dor imensa que Maria sofre por nosso amor.
rapidamente, tomando o nome de festa de Nossa Se- Mais lhe custou sofrê-la, do que suportar mil mor-
nhora da Piedade. Em 1725 introduziu-a o papa tes. E se não podemos corresponder dignamente a
Bento XII no Estado Pontifício, e em 1727 estendeu- tanto amor, demoremo-nos hoje, ao menos por al-
a para a Igreja universal. Mas, porque perdia um gum tempo, na consideração de suas acerbíssimas
pouco de seu valor, por estar na quaresma, Pio VII, dores. Digo, por isso: Maria é Rainha dos mártires,
em 1804, mandou que fosse celebrada também no porque as dores de seu martírio excederam às dos
terceiro domingo de setembro. Com a reforma do mártires 1° em duração¹; 2° em intensidade.
Breviário, por Pio X, veio a festa a ter uma data fixa  
no dia 15 de setembro. (Nota do tradutor) Duração do martírio de Maria
As Sete Dores de Nossa Senhora são: Profecias de  
Simeão; Fuga do Menino Jesus para o Egito; Perda 1. Maria é realmente uma mártir
do Menino Jesus no Tempo; Encontro com Nosso Jesus é chamado Rei das dores e Rei dos mártires,
Senhor caminhando para a Morte; Morte de Nosso porque em sua vida mortal padeceu mais que todos
Senhor; A lançada e a descida da cruz e; Sepultura os outros mártires. Assim também é Maria chamada
de Nosso Senhor. (Nota dos editores da Benedicta) com razão Rainha dos Mártires, visto ter suportado
  o maior martírio que se possa padecer depois das
MARIA FOI A RAINHA DOS MÁRTIRES POR dores de seu Filho. Mártir dos mártires é por isso o
CAUSA DA DURAÇÃO E INTENSIDADE DE nome que lhe dá Ricardo de S. Lourenço. E bem lhe
SUAS DORES pode aplicar o texto do profeta Isaías: Ele te há de
coroar com uma coroa de amargura (Is 22,18). A
Quem poderia ouvir sem comoção a história mais coroa, com a qual foi constituída Rainha dos már-
triste que jamais houve no mundo? Uma nobre e tires, foi justamente sua dor tão acerba, que excedeu
santa senhora tinha um único filho, o mais amável
que se possa imaginar. Era inocente, virtuoso e belo.
Ternamente retribuía o amor de sua mãe. Nunca lhe
havia dado o mínimo desgosto, mas sempre lhe havia 1 Excede nossos limites editoriais a meditação integral que S.
Ligório escreve sobre as Dores de Nossa Senhora; assim, limi-
testemunhado todo respeito, toda obediência, todo a- tamo-nos, neste número, a tratar apenas do aspecto da duração
do martírio de Nossa Senhora. A reflexão integral pode ser en-
feto. Nele, por isso, a mãe tinha posto todo o seu a- contrada no Tratado II, do livro Glórias de Maria, de S. Ligório.

15
à de todos os mártires reunidos. É fora de dúvida o longa e acerba dor que dilacerou o coração de Maria,
real martírio de Maria, como assaz o provam Dioní- durante toda a sua vida. O supracitado abade põe nos
sio Cartuxo, Pelbarto, Catarino e outros. Pois, con- lábios de Maria as seguintes palavras: Almas remi-
forme uma sentença incontestada, para ser mártir é das, filhas diletas, não vos deveis compadecer de
suficiente sofrer uma dor capaz de dar a morte, ainda mim, só por aquela hora em que assisti à morte de
que em realidade se não venha a morrer. S. João meu amado Jesus. Pois a espada, prenunciada por Si-
Evangelista é reverenciado como mártir, não tenha meão, transpassou minha alma em todos os dias de
embora morrido na caldeira de azeite fervendo, se- minha vida. Quando eu aleitava meu Filho, o acon-
não haja saído dela mais robustecido, como diz o chegava ao colo, já contemplava a morte cruel que lhe
Breviário. Para a glória do martírio, segundo Tomás, estava reservada. Considerai por isso que áspera e
basta que uma pessoa leve a obediência ao ponto de intensa dor eu devia sofrer!
oferecer-se à morte. Maria, no sentir do Abade Oger, Maria, pois, teve razão para dizer com Davi: A mi-
foi mártir não pelas mãos dos algozes, mas sim pela nha vida se consome na dor e os meus anos em ge-
acerba dor de sua alma. Se não lhe foi o corpo midos (Sl 30,11). A minha dor está sempre ante os
dilacerado pelos golpes do algoz, foi seu bendito co- meus olhos (Sl 37,18). Passei toda a minha vida en-
ração transpassado pela Paixão de seu Filho. E essa tre dores e lágrimas, porque a minha dor, que era a
dor foi suficiente para dar-lhe não uma, porém mil compaixão com meu Filho, nunca se apartava dos
mortes. Vemos por aí que Maria não só foi verdadei- meus olhos. Eu estava sempre contemplando todos os
ramente mártir, mas que seu martírio excedeu a to- seus tormentos e a morte que ele um dia havia de so-
dos os outros por sua duração. Pois que foi sua vida, frer. Revelou a Divina Mãe a S. Brígida que, mesmo
senão um longo e lento martírio? depois da morte e da ascensão de seu Filho ao céu,
continuava viva e recente em seu materno coração a
2. Duração do martírio de Maria lembrança dos sofrimentos dele. Acompanhava-a até
Assim como a Paixão de Jesus começou com seu nos trabalhos e nas refeições. Vulgato Taulero escre-
nascimento, diz S. Bernardo, também assim sofreu ve, por isso, que a Virgem passou toda a sua vida em
Maria o martírio durante toda a sua vida por ser em perpétua dor, carregando no coração luto e pesar.
tudo semelhante ao Filho. Como observa S. Alberto
Magno, o nome de Maria significa, entre outras coi- 3. O tempo não mitigou os sofrimentos de Maria
sas, amargura do mar. Aplica-lhe o Santo por isso o O tempo, que costuma mitigar a dor dos aflitos, não
texto de Jeremias: Grande como o mar é a minha dor pôde aliviá-la em Maria. Aumentava-lhe, pelo
(Jr 2,13). Com efeito, é o mar amargo e salgado. As- contrário, a aflição. Crescendo, ia Jesus mostrando
sim foi também toda a vida de Maria sempre cheia cada vez mais a sua beleza e amabilidade. Mas de
de amarguras, porque não lhe desaparecia do espírito outro lado ia também se avizinhando da morte. Com
a lembrança da Paixão do Redentor. Mais iluminada isso cada vez mais a dor por haver de perdê-lo
pelo Espírito Santo que todos os profetas, compre- apertava também o coração da Mãe. Tal como a rosa
endia melhor do que eles as predições a respeito do que cresce por entre espinhos, crescia a Mãe de Deus
Messias, registradas na Escritura. Está isso acima de em anos no maior dos sofrimentos. E como crescem os
toda e qualquer dúvida. Assim instruiu um anjo a S. espinhos à medida que a rosa desabrocha, cresceram
Brígida, e ainda ajuntou que Nossa Senhora sentia também em Maria – rosa mística do Senhor – os
terna compaixão com o inocente Salvador, mesmo penetrantes espinhos das aflições.
antes de lhe ser Mãe. E tudo por causa do conheci-
mento que possuía sobre as dores a serem suportadas Fonte:
pelo Verbo Divino, para a salvação dos homens, e
LIGÓRIO, S. A. M. de. Glórias de Maria. Aparecida: Editora
sobre a cruel morte que o aguardava em vista de Santuário, 1750/2013. p. 246-249.
nossos pecados. Já então começou portanto o padeci-
mento de Maria.
Mas sem medida tornou-se essa dor, desde o dia
em que a Virgem ficou sendo Mãe de Jesus. Sofreu
daí em diante um perene martírio, observa Roberto
de Deutz, tendo em vista as dores que esperavam por
seu Filho. É também o que significa a visão de S.
Brígida, em Roma, na igreja de S. Maria. Aí lhe
apareceu a Santíssima Virgem em companhia de S.
Simeão, e de um anjo que trazia uma longa espada a
gotejar sangue. Essa espada era um emblema da mui

16
YSTORIA SANCTI

SÃO PIO X:
LUTA PELA FÉ,
AMOR PELA EUCARISTIA
E APÓSTOLO DA VIDA
INTERIOR
No mês em que a Igreja festeja o grande São Pio X, terror dos
modernistas, traduzimos aos leitores o discurso¹ proferido
pelo Papa Pio XII, em 29 de maio de 1954, após a
canonização do Santo Pontífice, exaltando as virtudes do
Papa da Eucaristia. (Nota dos editores da Benedicta)

Esta hora de triunfo resplandecente, que Deus, des- bênção em suas almas e em salvação para o mundo.
pertando os humildes, organizou e quase apressou, 1. O programa do seu Pontificado foi por ele anunci-
para selar a ascensão admirável do seu fiel servo Pio ado solenemente desde a primeira Encíclica (E supre-
X à suprema glória dos altares, enche de alegria a mi,  de 4 de outubro de 1903), na qual declarava ser
nossa alma, à qual vós, veneráveis irmãos e filhos seu único propósito  restaurar tudo em Cristo  (Ef.  1,
amados, com sua presença participam amplamen- 10), isto é, recapitular, trazer tudo de volta à unidade
te.  Por isso, elevamos com fervor o agradecimento à em Cristo. Mas qual é o caminho que abre a porta para
bondade divina por nos ter permitido viver este Jesus Cristo?,  ele se perguntou, olhando com amor
acontecimento extraordinário, tanto mais por, talvez para as almas perdidas e hesitantes de seu tempo.  A
pela primeira vez na história da Igreja, a santificação resposta, válida ontem, hoje e há séculos, é: a Igre-
formal de um Papa ser proclamada por aqueles que já ja!  Por isso, a sua primeira preocupação, perseguida
tiveram o privilégio de estar ao seu serviço na Cúria incessantemente até à morte, foi tornar a Igreja cada
Romana. vez mais apta e aberta ao caminho dos homens para
Auspicioso e memorável este dia, não só para nós, Jesus Cristo.  Para tanto, concebeu o ousado empre-
que o contamos entre os dias felizes do nosso Ponti- endimento de renovar o corpo das leis eclesiásticas, a
ficado, ao qual a Providência reservou tantas dores e fim de dar a todo o organismo da Igreja mais regu-
preocupações;  mas também para toda a Igreja, que, laridade na respiração, maior segurança e agilidade de
espiritualmente próxima a nós, exulta em uníssono movimento, como exigia um mundo exterior marcado
numa pulsação veemente de comoção religiosa. por um crescente dinamismo e complexidade.  É ver-
O querido nome de Pio X, nesta noite radiante, a- dade que este trabalho, que ele próprio definiu
travessa a terra de um extremo ao outro, pontuado "arduum sane munus”, conformava-se ao eminente
dos mais diversos acentos;  e, despertando em toda senso prático e vigor de seu caráter; no entanto, a me-
parte pensamentos de bondade celestial, fortes im- ra adesão ao temperamento do Homem não parece ex-
pulsos de fé, pureza e piedade eucarística, ressoa plicar o último motivo da difícil tarefa.  A fonte pro-
como um testemunho perene da presença fecunda de funda da obra legislativa de Pio X se encontra sobre-
Cristo na sua Igreja.  Com generosa reciprocidade, tudo na sua santidade pessoal, na sua convicção íntima
exaltando o seu servo, Deus atesta a sua sublime de que a realidade de Deus, sentida por ele em inces-
santidade, pela qual, ademais o supremo Ofício, Pio sante comunhão de vida, é a origem e o fundamento
X foi em vida um ínclito campeão da Igreja, e como de cada ordem, de cada justiça, de todos os direitos do
tal é hoje o Santo dado pela Providência a nossos mundo. Onde Deus está, há ordem, justiça e lei; e, vi-
tempos. ce-versa, toda ordem justa protegida pela lei manifes-
Agora, desejamos que, precisamente sob esta luz, ta a presença de Deus. Mas que instituição na terra
contemplai vós a figura gigantesca e mansa do Santo mais eminentemente revelaria essa relação fecunda
Pontífice, para que, quando as sombras caírem neste entre Deus e a lei, senão a Igreja, o Corpo Místico do
dia memorável e as vozes da imensa hosana se extin- próprio Cristo? Deus abençoou largamento a obra do
guirem, o rito solene de sua santificação permaneça  beato Pontífice, para que o Código de Direito Canôni-

¹ Original em italiano: http://www.vatican.va/content/pius-xii/it/speeches/1954/documents/hf_p-xii_spe_19540529_pio-x.html

17
co permaneça ao longo dos séculos como o grande Quem, como o  modernismo, separa, por oposição,
monumento do seu Pontificado, e ele próprio possa fé e ciência na sua fonte e no seu objeto, opera nes-
ser considerado o Santo providencial dos tempos tes dois campos vitais uma cisão tão deletéria, “que
atuais. pouco é mais morte”.  Visto na prática: o homem,
Que este espírito de justiça e de direito, do qual que na virada do século já estava dividido em si
Pio X foi testemunha e modelo para o mundo con- mesmo, e ainda assim se iludia por possuir sua uni-
temporâneo, penetre nas salas das Conferências dos dade na aparência sutil de harmonia e felicidade,
Estados, onde se discutem gravíssimos problemas da baseada em um progresso puramente terrestre, era
família humana, em particular como banir para sem- então visto como quebrado sob o peso de uma reali-
pre o medo de assustadores cataclismas e assegurar dade muito diferente.
aos povos uma longa e feliz era de tranquilidade e Pio X, com um olhar atento, viu essa catástrofe es-
paz. piritual do mundo moderno aproximar-se, essa a-
2. Convidado campeão da Igreja e Santo providen- marga decepção, especialmente das classes instruí-
cial dos nossos tempos, Pio X se revelou também no das.  Ele intuiu como tal fé aparente, que não é fun-
segundo empreendimento que marcou sua obra e que, dada no Deus revelador, mas enraizada em um ter-
envolto a acontecimentos por vezes dramáticos, teve reno puramente humano, diluir-se-ia para muitos no
o aspecto de uma luta de um gigante em defesa de ateísmo; da mesma forma, reconheceu o destino fatal
um inestimável tesouro: a unidade interior da Igreja de uma ciência que, contrária à natureza e em limi-
no seu fundamento íntimo: a fé.  Desde a infância, a tação voluntária, proibia o caminho para o Verda-
Providência divina preparou seu eleito em família deiro e o Bem absolutos, deixando o homem sem
humilde, construída sob a autoridade, a moral sã e a Deus frente as trevas invencíveis em que jazia todo
própria fé conscientemente vivida.  Sem dúvida, o seu ser, a sobrar apenas a atitude de angústia ou
qualquer outro Pontífice, em virtude da Graça de de arrogância.
Estado, teria combatido e rejeitado os ataques que O Santo opôs a tanto mal a única salvação possível
visavam atingir a Igreja em seus próprios alicer- e real: a verdade católica, bíblica, da fé, aceita como
ces.  Todavia, deve-se reconhecer que a lucidez e a "obsequium rationabile" (Rom. 12, 1) para com
firmeza com que Pio X conduziu a luta vitoriosa Deus e sua revelação.  Coordenando assim fé e ciên-
contra os erros do modernismo atestam em que grau cia, a primeira como extensão sobrenatural e às ve-
heroico a virtude da fé ardia em seu santo coração. zes confirmação da outra, e a última como caminho
Unicamente solicitando que a herança de Deus fosse introdutório à primeira; ele devolveu ao homem
conservada intacta no rebanho que lhe foi confiado, cristão a unidade e a paz de espírito, premissas im-
o grande Pontífice não teve fraquezas diante de prescritíveis da vida.
qualquer alta dignidade ou autoridade do povo; não Se hoje muitos, voltando-se novamente para esta
hesitou em face de doutrinas sedutoras, mas falsas, verdade, quase impelidos pelo vazio e pela angústia
dentro e fora da Igreja; nem temeu atrair ofensas do seu abandono, têm a sorte de poder vê-la em fir-
pessoais e rejeições injustas por suas intenções pu- me posse da Igreja, devem ser gratos à obra clarivi-
ras.  Ele tinha a clara consciência de lutar pela causa dente de Pio X. Ele é de fato benemérito da preser-
mais sagrada de Deus e das almas.  Literalmente, as vação da verdade contra o erro, tanto entre aqueles
palavras do Senhor ao apóstolo Pedro se confirma- que desfrutam de sua plena luz, isto é, os crentes,
vam nele: “Rezei por ti, para que a tua fé não desfa- quanto entre aqueles que a procuram sinceramente.
leça, e tu...  confirme seus irmãos” (Luc.  22, 32).  A Aos outros, sua firmeza para com o erro talvez ainda
promessa e a ordem de Cristo suscitaram, mais uma permaneça quase uma pedra de escândalo;  na reali-
vez, o temperamento indomável de atleta na rocha dade, é o extremo serviço caritativo prestado por um
infalível de um de seus Vigários. É justo que a Igre- Santo, como Cabeça da Igreja, a toda a humanidade.
ja, decretando-lhe a glória suprema nesta hora, no 3. A santidade, que nos memoráveis empreendi-
mesmo lugar onde brilhou a de Pedro durante sécu- mentos de Pio X se revela como inspiração e guia
los, confundindo um e outro numa só apoteose, cante destes, brilha ainda mais diretamente nos atos coti-
a Pio X a sua gratidão e, ao mesmo tempo, invoque dianos de sua pessoa.  Em si mesmo, antes dos ou-
sua intercessão, para que sejamos poupados de novas tros, realizou o programa declarado: recapitular, tra-
lutas desse tipo. Mas o que foi então tratado apro- zer tudo de volta à unidade em Cristo.  Como humil-
priadamente, a saber, a preservação da união íntima de pároco, como Bispo, como Sumo Pontífice, tinha
de fé e conhecimento, é uma coisa; estimado bem a certeza de que a santidade, a que Deus o destinava,
para toda a humanidade, essa segunda obra do Sumo era a santidade sacerdotal. Com efeito, que outra
Pontífice tenha também uma importância que vai santidade pode Deus apreciar mais de um sacerdote
muito além do próprio mundo católico. da Nova Lei, senão aquela que cabe a um represen-

18
tante do Sumo e Eterno Sacerdote, Jesus Cristo, que vida social renovada.
deixou à Igreja a memória perene, a renovação per- Daí a grave responsabilidade de quantos, como
pétua do sacrifício da Cruz na Santa Missa, até que ministros do altar, têm o dever de abrir às almas a
venha para o juízo final (1 Cor.  11, 24-26);  que veia salvífica da Eucaristia. Multiforme é, de fato, a
com este sacramento da Eucaristia se doou para ali- ação que um sacerdote pode realizar pela salvação
mentar as almas: "Quem comer este pão viverá para do mundo moderno;  mas uma é, sem dúvida, a mais
sempre" (Jo. 6, 58)? digna, a mais eficaz, a mais duradouro de efeito:
Sacerdote antes de tudo no ministério eucarístico, tornar-se o distribuidor da Eucaristia, depois de de-
eis o retrato mais fiel de São Pio X. Servir o mis- la ter se alimentado abundantemente.  A sua obra
tério da Eucaristia como sacerdote e cumprir o deixaria de ser sacerdotal se, ainda que pelo zelo
mandamento do Senhor "Fazei isto em minha me- das almas, colocasse a vocação eucarística em se-
mória" (Luc.  22,19) foram o seu caminho.  Desde o gundo lugar.  Os sacerdotes devem conformar suas
dia da sua sagrada ordenação até à sua morte como mentes com a sabedoria inspirada de Pio X, e espe-
Pontífice, não conheceu outro percurso possível pa- rançosamente dirigir toda sua vida e atividades a-
ra chegar ao amor heroico de Deus e ao retorno ge- postólicas sob o sol eucarístico.  Da mesma forma,
neroso ao Redentor do mundo, Quem através da Eu- religiosos e religiosas, a viver com Jesus sob mesmo
caristia “quase derramou as riquezas do seu amor teto (Ep. ad Gabrielem M. Antist. Gen. Fr. a Scholis
divino para os homens” (Conc. Trid.  sess.  XIII, Christ. 23 Apr 1905-Pii X P.M. Act.v.II p. 87-88).
cap.  2).  Um dos documentos mais expressivos da Na Eucaristia, a alma deve fincar raízes para dela
sua consciência sacerdotal foi o seu zelo ardente por haurir a seiva sobrenatural da vida interior, que não
renovar a dignidade do culto e, sobretudo, por supe- é apenas um bem fundamental dos corações consa-
rar os preconceitos de uma prática equivocada, pro- grados ao Senhor, mas uma necessidade de todo
movendo resolutamente a frequência, ainda que co- cristão, a quem Deus atribuiu uma vocação de sa-
tidiana, dos fiéis à mesa do Senhor, e ali conduzin- úde.  Sem a vida interior, qualquer atividade, por
do os filhos sem vacilar, quase levantando-os nos mais preciosa que seja, é degradada por uma ação
braços para oferecê-los ao abraço de Deus escondi- quase mecânica, nem pode ter a eficácia própria de
do nos altares, de onde floresceu para a Esposa de uma operação vital.
Cristo uma nova fonte de vida eucarística. Eucaristia e vida interior;  esta é a pregação supre-
Na visão profunda que tinha da Igreja como socie- ma e mais geral que Pio X dirige nesta hora, desde
dade, Pio X reconheceu o poder da Eucaristia para o frontão da glória, a todas as almas. Como apóstolo
nutrir substancialmente a sua vida íntima e elevá-la da vida interior, coloca-se na era da máquina, da
acima de todas as outras associações humanas.  Só a tecnologia, da organização, como o Santo e o guia
Eucaristia, na qual Deus se doa ao homem, pode do homem de hoje.
fundar uma vida associada digna dos seus membros, Sim, Santo Pio X, glória do sacerdócio, esplendor
cimentada pelo amor antes da autoridade, rica em o- e decoro do povo cristão: Tu, em quem a humildade
bras e tendente à perfeição das pessoas, isto é, uma parecia relacionar-se com a grandeza, a austeridade
vida “escondida com Cristo em Deus". com a mansidão, a piedade simples com a doutrina
Exemplo providencial para o mundo de hoje, em profunda;  Tu, Pontífice da  Eucaristia e do catecis-
que a sociedade terrena, que se tornou cada vez mo, integridade de fé e firmeza destemida;  dirija o
mais um enigma para si própria, procura ansiosa- Teu olhar para a Santa Igreja, que tanto amaste e à
mente uma solução para recuperar a alma!  Olhe en- qual dedicaste o melhor dos tesouros, que a Divina
tão, como modelo, para a Igreja reunida em torno de Bondade colocou na Tua alma com mão pródi-
seus altares.  Ali, no mistério eucarístico, o homem ga;  obtenha sua segurança e constância, em meio às
descobre e reconhece verdadeiramente seu passado, dificuldades e perseguições de nossos tempos;  apoie
presente e futuro como unidade em Cristo (cf. Conc. esta pobre humanidade, cujas dores Te afligiram tão
Trid.  1. c.).  Consciente e forte dessa solidariedade profundamente que finalmente pararam de bater Teu
com Cristo e com os próprios irmãos, cada membro grande coração; faz com que essa paz triunfe neste
de uma e da outra sociedade, terrena e sobrenatural, mundo conturbado, em que deve haver harmonia en-
poderá tirar do altar a vida interior da dignidade tre nações,  acordo fraterno e colaboração sincera
pessoal e do valor pessoal, a vida que hoje está entre classes sociais, amor e caridade  entre homens,
prestes a ser oprimida pela tecnificação e excessiva para que, assim, aquelas angústias que consumiam
organização de toda a existência, do trabalho e até Vossa vida apostólica, tornem-se, graças à Vossa
do lazer.  Só na Igreja, o Santo Pontífice parece re- intercessão, uma feliz realidade, para glória de nos-
petir, e na Eucaristia, que é "a vida escondida com so Senhor Jesus Cristo, que com o Pai e o Espírito
Cristo em Deus", estão o segredo e a fonte de uma Santo vive e reina nos séculos dos séculos. Amém!

19
EUTRAPELIAM

SÃO MIGUEL ARCANJO


QUIZ
1. Quantos são os Arcanjos?
(a) três
(b) quatro
(c) sete
(d) doze
 
2. Das nove Ordens Angélicas, São Miguel pertence à Ordem dos Arcanjos. Qual opção abaixo não corresponde a uma das Ordens?
(a) Serafins
(b) Querubins
(c) Virtudes
(d) Graças
 
3. Miguel, do hebreu “Mija-El”, significa:
(a) a força de Deus
(b) Deus cura
(c) Quem como Deus
(d) Mensageiro de Deus
 
4. Qual das aparições abaixo se relaciona a São Miguel Arcanjo?
(a) Cura de Tobias (Tb 12, 3-15)
(b) Combate ao Dragão (Apo 12, 7)
(c) Anunciação à Virgem Maria (S. Luc 1, 26-38)
(d) Livramento de Daniel dos leões (Dn 6, 23)
 
5. Qual Papa escreveu a Oração a São Miguel Arcanjo e prescreveu que fosse rezada ao final da Santa Missa, para proteção da
Igreja?
(a) Gregório I
(b) Paulo III
(c) Leão XIII
(d) Pio X
 
6. São alcunhas de São Miguel Arcanjo, exceto:
(a) Consolador das almas no Purgatório
(b) Príncipe das Milícias Celestes
(c) Arauto da sentença eterna
(d) Terror dos modernistas

7. Compõem representações iconográficas de São Miguel Arcanjo, exceto:


(a) turíbulo de ouro com incenso
(b) espada
(c) uma balança
(d) as Sagradas Escrituras

8. Qual Santo introduziu a quaresma de São Miguel Arcanjo?


(a) Santa Pelágia de Antioquia
(b) São Francisco de Assis
(c) São Tomás de Aquino
(d) Santa Francisca Romana

Respostas: 1-ɔ/ 2-p/ 3-ɔ/ 4-q/ 5-ɔ/ 6-p/ 7-p/ 8-q

20
NOTA

ANIVERSÁRIO RVMO. PE. LELES

Felicitamos, no dia 17 de setembro, o Reverendíssimo Padre José Leles


pelo seu aniversário natalício. Que a Virgem Santíssima o cumule das
bençãos do Céu para que continue a nos pastorear com a sabedoria e o
amor à Santa Missa que lhe são tão próprios. Agradecemos, Padre Leles,
pela sua luta diária em favor da fé de sempre da Igreja.

Irmandade Nossa Senhora do Carmo

21
Saiba mais em:
irmandadedocarmo.org ou revistabenedicta@gmail.com

CONHEÇA A IRMANDADE DO CARMO


AJUDE-NOS FINANCEIRAMENTE
Associação Civil Irmandade Nossa Senhora do Carmo
CNPJ: 22.603.477/0001-02
Conta Corrente: 45852-X
Agência: 1501-6
Banco do Brasil

22

Você também pode gostar