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Resenha Crítica
RESUMO
O presente trabalho vem apresentar um resumo sobre a obra do Pluralismo Jurídico
de Antônio Carlos Wolkmer, que propõe em discutir a pluralidade do Direito, com uma vertente
de pensamento que possui influência de Eugen Erlich, que defende o “Direito Vivo” aquele que
vai contra a “letra morta” do positivismo, dentro desta vertente, defende o autor, que não é
possível mais admitir que o Estado seja o único ente formador do Direito, que o Direito é muito
mais plural que o ente estatal e as leis podem supor, é uma grande conversa entre vários
ambientes da sociedade, sejam filosóficos, sociais, políticos e aqueles que emanam da sociedade.
Em sua abordagem inicial, o autor atenta-se e falar sobre a evolução, origem e o
próprio declínio da cultura jurídica estatal. Uma apresentação histórica, originada na luta de
classes entre burgueses e o antigo regime em que a burguesia ganhou espaço, vindo então por
seguinte com o capitalismo, vemos nesta época um surgimento de Direito positivo, que
necessitava em se firmar no homem criando e controlando suas próprias normas, que viesse a
atender os interesses gerais.
Em época que o feudalismo era o regime preponderante e dominador houve a luta da
burguesia contra esta forma de governo que barrava toda a forma de mobilidade econômica,
conseguindo chegar ao poder a burguesia, então classe dominante, apresentou-nos o capitalismo,
por seguinte o direito positivo, este com um viés mais sério individual e unitário, uma visão mais
pura da norma e do Direito. Autores com Marx e Weber, conversavam sobre a situação da
sociedade na época, trazendo críticas como luta de classes, por exemplo. Temos neste contexto
capitalista positivado que o pluralismo jurídico se fazia presente por aqueles que, pela sociedade,
eram tidos como marginalizados, pois por serem contra o sistema da forma que se apresentava,
vinham com um Direito alternativo, diferenciando e se contrapondo aquele posto e positivado.
Wolkmer aborda como o Direito posto e legitimado pela burguesia possui também a
abordagem capitalista, que se trata de fundamentos egoístas, baseados somente em interesses de
ideologias da classe dominante, que propaga e defende individualismo, não representando as
demandas sócias e por consequência ao longo do tempo se degrada, não mais representando a
parcela considerável da sociedade, que podemos dizer que nunca representou uma quantidade
significante. Portanto surgiram diversos pensamentos que contrapunham este tipo de positivismo,
de lei morta e individual e foi se perdendo espaço ao longo do tempo.
Surge então uma proposta de um novo pluralismo jurídico, tratado pelo autor, este
pluralismo é designado com o “comunitário-participativo”, configura-se por um espaço público
que é aberto e compartilhado de maneira democrática. Este permite que haja um privilégio e
participação de agentes sociais na regulação e formulação das instituições do Estado, permite
assim que o processo histórico se encaminhe conforme bases comunitárias. Esta passagem
representa que o Direito será um fenômeno de resultado de relações sociais, originando a
legalidade a partir de multiplicidades, podendo assim representar algo considerável da realidade
social e da demanda histórica, tendo um ordenamento descentralizado, plural e participativo.
O autor por seguinte, discutindo a atualidade, aborda o Capitalismo periférico, que
seria um modelo de desenvolvimento que se refere à submissão e dependência, com controle dos
setores econômicos, políticos, sociais e culturais de certa localidade a interesses de uma política
internacional, de uma ideologia nacional que causa influência em caráter local, países latino
americanos tendem a ter este tipo de política, que é dependente desta política internacional
imposta, como é o caso do Brasil. O que permite este tipo de situação é exatamente porque temos
uma fraca economia, temos uma dependência econômica externa, países latinos tendem a serem
vistos e tratados como fonte primária do sistema, fonte de exploração e extração, subalternam-se
então a políticas internacionais, ideologias internacionais que vendem e propagam crenças que
não condizem com a realidade local.
Portanto dentro do Brasil temos a constituição de instituições frágeis, que surgiram
pautadas neste Capitalismo Periférico, vendedor de ideias fora do real contexto. Fato este
ocorrido abre-se então precedentes para esse tipo de capitalismo permitir que em países como o
Brasil, o processo de mudança social, de dinâmica, ocorra com maior frequência, pois existe uma
maior discrepância dentro da nação, portanto os conflitos coletivos irão refletir manifestações de
grupos e interesses de parcelas sociais em busca por mudanças, pois possuem uma demanda
social que não é atendida pelo Estado, surgem, então, reformas necessárias que visam uma
política pluralista.
Vemos que dentro destes contextos abordados pelo autor, da periferia em que o país é
posto, existe uma falta de representatividade do ente estatal para com a sociedade, o próprio
sistema não consegue lidar com novos problemas, com a mobilidade do próprio Direito, não
consegue os absorver e resolve-los. Logo, o sistema tende a desqualificar essas novas demandas
estatais, como foi falado pelo autor, é um Direito individual e de ideologia de apenas uma classe
que é posto, o que sai de fora dela é posto em oposição ao Estado, as demandas sociais tendem a
ser marginalizadas em âmbito estatal, se tenta desqualificar os movimentos sociais que lutam por
esta pluralidade. O autor apresenta três casos ocorridos no ano de 70, 80 e 90, que tendem a
demonstrar os conflitos urbanos e conflitos por propriedade de terra, o posicionamento do Poder
Judiciário mediante a eles. Os casos são o Caso de Diadema (Grande São Paulo), Caso de
Habitação Irregular na Grande Porto Alegre, Caso da Alvorada (RS), mais alguns outros expostos
nas situações.
No que tange as fontes de produção na nova cultura jurídica o autor apresenta os
autores coletivos, estes tidos como recentes, por surgirem em oposição ao posto e com a demanda
social, estes caracterizados como autores de uma política sociológica, são os “novos membros
sociais”, são, portanto, também responsáveis por uma nova política cultural sendo diferenciada
em comparação ao que tínhamos anteriormente. Seguindo aborda uma verificação sobre estes
novos momentos sociais e como eles surgem, pois temos uma insuficiência por parte do Estado e
sua fonte clássica de legalidade baseada em pensamento ocidental, esta deficiência ocasiona um
alargamento dos centros geradores de produção, fazendo com que outros meios de pensamentos e
produção jurídica não convencional sejam produtores de direitos que o Estado não supre com o
positivismo individualista já defasado na atualidade. Através de todo esse movimento dentro do
país, de países latinos principalmente, que muito sofreram com ideologias individualistas que
visam o bem da propriedade, novos sujeitos coletivos se fazem presente para reivindicar direitos,
estes entes possuem uma postura reivindicatória, pois luta por uma representatividade, uma
pluralidade por parte dos entes estatais, também é contestatória, já que apresenta oposição ao
positivismo de letra morta, também possuem uma postura participativa, já que lutam por um
Direito Vivo, aquele que emana da sociedade, se junta com o caso concreto, com a real
necessidade social, portanto cabe a luta por pluralidade e participação de entes coletivos. Tudo
isto o autor fundamenta na crise que o sistema político vive, pois se nunca representou a real
necessidade social, vive ainda mais pressão diante o surgimento de tanta luta de movimentos
coletivos.
Por sequência o autor quer debater e mostrar os avanços do novo pluralismo jurídico,
apresentando uma visão para explicar no que tange a natureza e a especificidade do pluralismo de
modo geral, a sua abordagem e conceituação filosófica, sociológica e política, discute os valores
e princípios deste. Em segundo momento também quer fazer uma revisão histórica do pluralismo,
falando sobre o “Direito Vivo” e o “Direito dos Juízes”, situações estas que foram de muito
embate entre a escola do “Direito Vivo” contra a escola do positivismo encabeçada
principalmente por Kelsen, com isto o autor apresenta o início da discussão de pluralismo
jurídico advinda desde E. Erlich, mas também, o autor, debate os limites e até onde este
pluralismo atua na esfera contemporânea. Para ele, em geral este novo pluralismo é uma base
teórica para resguardar toda a movimentação e mobilidade social, história, das situações em geral
da sociedade atualmente, é o que apresenta a base teórica de todo o movimento social. Pois já que
vivemos várias realidades, uma pluralidade este viés de direito vivo é possuidor de análises tão
flexíveis a ponto de conseguir explicar muito do que ocorre em nossa sociedade.
Em resolução aos conflitos e carências sociais, primeiramente Wolkmer tem uma
ampla discussão dos problemas que temos em nossa sociedade, posterior a isto apresenta diversos
meios que podem servir de resolução as mazelas sociais. Como valorizar a participação de
comunidades é importante, a presença de audiências públicas, de plebiscitos, como a existência
do veto popular traz as decisões jurídicas mais próximas da sociedade e esta se sente participativa
em decisões que lhes é de interesse.
Mediante o exposto no parágrafo anterior o autor segue sua linha de discussão
trazendo abordagens que tratam do paradigma atual entre pluralismo e o direito individual.
Mostra também como convenções coletivas, como movimentos comunitários, juizados especiais
e técnicas mais abertas do Direito é um avanço para abarcar maior parcela social. Vê-se a
considerável mudança no cenário, fugindo do Direito como sansão, e emergindo para romper
com este pensamento retrogrado e indo em direção a uma representatividade considerável da
comunidade.
Os movimentos sociais e seus pluralismos são as formas de se contrapor ao atual
sistema fechado e não representativo, são meios alternativos de luta para pluralidade que é a real
necessidade social, pois temos por parte dos entes estatais uma insuficiência em responder a
problemas concretos com real propriedade, não bastando apenas eles serem legitimados, mas lhes
falta o tato real, quando vemos o crescimento de meios que contrapõe o atual modelo instaurado,
se vê a verdadeira representatividade social.
O autor destaca como parece claro o que é a proposta do pluralismo jurídico,
possuidor do teor comunitário participativo, que se destina a contrapor o monismo político e
individual posto pelo Estado moderno. Este pluralismo que possui pressupostos materiais e
formais se legitima nas práticas sociais de cidadanias insurgentes e participativas, fazendo que os
cidadãos sejam fonte legítima do Direito, direitos relacionados às justas satisfações de
necessidades desejadas e reais de uma sociedade, sociedade esta que sempre foi posta em
segundo plano por países que se utilizam desta como fonte de exploração e aplicam um
fundamento que não se baseia nos reais anseios sociais da localidade.
Por fim o autor menciona que o novo Direito proposto em sua obra trata-se do direito
que se baseia nas discussões mais recentes, as quais advêm da “crise dos paradigmas”, pois os
modelos atuais e limitados não mais correspondem às demandas da vida cotidiana e da vida
social política. Também tentou trazer uma conversa entre os atuais autores associados aos
pioneiros na discussão sobre a pluralidade jurídica, assim como o que é tido socialmente na
atualidade como o que foi posto e o que temos de ordenamento, pois apresentou como o
ordenamento subordinava o poder da sociedade às ideologias postas, houve, portanto, uma
demanda por parte de entes estatais e uma maior busca e surgimento de coletividades e
comunidades.
Superados os temas anteriores, o autor chega as suas conclusões finais, de que as
estruturas de capitalismo periférico em que se encontram os países latinos não podem ter a ordem
jurídica baseada na imposição do Estado, pois é preciso reconhecer outras fontes informais de
produção legal. Conclui também que analisando a crise da hegemonia do modelo jurídico
tradicional, houve uma resposta, que se delineou de forma gradual e progressiva, de novos
agentes históricos, que instituíram e pensaram formas alternativas as problemáticas sociais
pontuam que este paradigma criado e desejado, não mais se prende a normas inflexíveis e rígidas,
mas sim a várias fragilidades e constantes conflitos, assim possibilitando maior pluralidade.
Assim como também conclui sobre os novos agentes causadores de mudanças no Estado, a
conversa entre o pluralismo que apesar de abarcar diferentes comunidades e meios une-os para
resolver problemas de comum interesse, e que outro paradigma de validade para o Direito, é
representado por uma nova espécie de pluralismo, designado como “pluralismo jurídico
comunitário-participativo”.
CRÍTICA
É visível no tanto no decorrer do livro, quanto na própria bibliografia a bagagem de
conhecimento do autor, e consequentemente da obra sobre o assunto abordado. Através disso,
percebemos seguidamente a interação destes escritos com os de inúmeros outros autores, tanto
clássicos como Karl Marx, quanto em autores modernos que tratam mais especificamente do
tema do pluralismo como o caso de Roberto Lyra Filho. Certamente esse é um dos motivos do
grande prestígio e aceitação deste livro no meio científico, citado pelo próprio autor no prefácio
da terceira edição.
Ao começar o livro trazendo um aspecto histórico o autor busca a inserção do leitor
na sua linha de pensamento, dando por meio deste a base para o entendimento mais profundo do
restante de seu conteúdo. De semelhante modo, Paolo Grossi, pesquisador e professor na área de
história do direito, em “Mitologias Jurídicas da Modernidade”, mostra que após a idade média os
paradigmas jurídicos nunca foram realmente superados apenas substituídos por novos modelos
monistas e estatistas. Com isso insere-se a discussão fundamental do livro, até que ponto o
sistema político -jurídico atual consegue se estender.
Visualizando a história e suas implicações de forma semelhante a Marx, Wolkmer
dialoga com o autor em vários momentos, utilizando inclusive o método histórico-dialético.
Todavia, mostra-se equilibrado e sensato ao mostrar e reconhecer a importância tanto de Weber
quanto de Marx, e também suas falhas. Por ser um autor posterior a esses, introduz algumas
leituras mais contemporâneas da realidade, ao criticar Kelsen e falar sobre o Estado de bem-estar
social.
Contudo ao criticar os marcos históricos e as principais correntes de pensamento da
modernidade, deixou-se um pouco de lado as conquistas que foram adquiridas. É correta a análise
de que os projetos de sociedade pós-revolução francesa se fundam num modelo de classes, onde
uns são privilegiados em detrimento de outros. No entanto é inegável alguns avanços
principalmente dos direitos humanos, pelo menos formalmente, com o jusnaturalismo, e a
segurança jurídica e a organização do juspositivismo.
A crise desses sistemas anunciada pelo autor desde a primeira edição da obra, na
década de 90, vem se mostrando cada vez mais real e presente no dia a dia da política, tanto em
âmbito nacional quanto internacional. Com a segunda quebra da bolsa de valores dos Estados
Unidos, em 2008, criou-se uma enorme instabilidade no modelo internacional. Isso somado aos
acontecimentos da primavera árabe fez com que o modelo de governo em ênfase, e a
globalização fossem seriamente abalados. Desse modo verifica-se ser verdadeiro a insuficiência
do que hoje está posto frente às demandas existentes.
Nos últimos anos houve um aumento no número de candidatos eleitos com propostas
autoritaristas e nacionalista entre os regimes democráticos. De certa forma isso mostra que em
parte o sistema democrático liberal e globalizado não vem mais atendo os anseios da população,
ponto chave e maior bandeira da democracia. Além disso, vemos o modelo jurídico internacional
a beira da falência, com os diversos conflitos internos e externos o que enfraquece os membros da
comunidade internacional e consequentemente o seu corpo como um todo.
Para que não piore a situação atual, é interessante a proposta do autor em buscar um
modelo pluralista de base democrática-participativa, tentando assim manter algumas das
conquistas adquiridas nos séculos anteriores que baseiam nossa sociedade contemporânea, pelo
menos em boa parte dos países
Voltando-se mais especificamente ao caso do Brasil, Wolkmer demonstra sobre
aspectos históricos a formação do positivismo burguês como base do nosso sistema jurídico.
Nesse sentido faz-se uma correlação com Lyra Filho, autor brasileiro, que mostra como o direito,
incluindo o brasileiro, tem servido como instrumento de perpetuação de uma classe dominante no
poder, caso clássico brasileiro, onde vemos às mesmas famílias sendo eleitas em diversos lugares
do país a muitas décadas.
É importante ressaltar também que apesar de democrático nos últimos 30 anos, os
políticos e os grandes empresários mostram-se como pessoas a parte da sociedade, de modo que o
povo não se sente mais representado pelos seus governantes. Do lado do Judiciário e das
legislações, encontra-se um sistema extremamente ineficiente e desatualizado que já não
comportam a realidade do Brasil. Sobre tudo, encontramos no cenário atual a indignação com a
corrupção que toma todos os setores públicos do estado.
Aristóteles quando pensa nas formas de governo possíveis, descreve três formas de
governos, quais sejam, a monarquia, a aristocracia e a democracia, e também suas formas
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casamento homoafetivo. Trazendo os grupos sociais ao âmbito da política nacional e dando maior
autonomia para tais grupos, a necessidade de dinamizar o legislativo brasileiro seria diminuída
consideravelmente.
Outro aspecto importante seria que aqueles que hoje se sentem marginalizados ou
lesados pela legislação vigente, teriam mais facilmente seus anseios atendidos, seja pela
legislação mais abrangente, ou pelo próprio grupo que poderia também ser fonte normativa.
É interessante também a abordagem que se coloca quanto às necessidades como
legitimadoras dos direitos sociais. Em primeiro lugar no diz respeito às necessidades de cada
nação, sendo que no caso brasileiro muito se espelha nos países do Norte. Em certa medida isso
não é errado, visto que nós estamos inseridos também em um contexto social global, o que nos
coloca também como participantes dos debates sobre novos direitos humanos. Todavia, é válido o
que é exposto no livro, apenas com algumas ressalvas, principalmente, pois objetiva a
emancipação do modelo de governo monista europeu e norte-americano, visando assim uma
melhor adequação entre direito e sociedade.
Nesta etapa o autor se esforça em definir o pluralismo que deseja ver tonar-se real na
sociedade, um pluralismo que, ao final define como um modelo compartilhado de pluralismo.
Mas para chegar lá perpassa pela contradição do pluralismo com a hegemonia estatal monista,
demonstrando a autonomia e heterogeneidade da natureza do pluralismo em discussão.
Por um lado defende que o pluralismo não principalmente das relações da vida e das
culturas, nem tanto de ideais sociais ou econômicos, mais a frente traz definições de pluralismo
baseadas especificamente nestes ideais, contudo, apenas são possíveis estas divisões, pois o
ideário social e econômico transforma, nas nações que os adotam, as relações básicas dos
indivíduos, suas associações, igrejas, escolas, comércios; torna-se uma multiplicidade de
possíveis interpretações que convivem no mesmo espaço e tempo.
Numa perspectiva política, o professor Wolkmer entende o pluralismo como uma
diretriz estratégica de administração descentralizada da nação, há de fato uma complexa
sociedade formada por diversos grupos organizados formando pontos de poder autônomos, que
até podem ser conflitantes entre eles, mas de maneia geral, buscar erradicar com o controle
unitário, monista, hegemônico do Estado. E na verdade, é impossível que num estado
determinado a ser a única fonte real de direito, grande mentira que conta para si mesmo, é
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impossível esquivar-se da dialética que passa a ser formada pelo real direito que emerge da
população e conflita, ou ao menos, ignora o monopólio estatal da criação e aplicação do direito.
Hodiernamente, o próprio ordenamento estatal vem reconhecendo cada vez mais
emanações plurais do direito, isto, porém, ainda não é exatamente o pluralismo que o autor
procura, não simplesmente legitimação de tribunais de júri, de norma de direito comercial
internacional, de contratos que dispõe diversamente dos códigos, chegaremos mais a frente ao
pluralismo em questão.
Bobbio ainda reconhece no âmbito político o pluralismo econômico e o ideológico, o
primeiro sendo desvendado nas relações das organizações do mercado, nos fluxos das indústrias,
na competição das empresas entre si; já o ideológico, reconhece como a convivência de diversas
visões de mundo, programas políticos, todos diversos.
Um desabafo cabe aqui com a realidade atual, não só brasileira, mas aparentemente
mais profunda aqui, talvez por sermos uma democracia ainda muito jovem, sendo o atual o maior
período democrático já visto na história do país; a impressão deixada pela dialética das ideologias
presentes no Brasil é de que o brasileiro ainda não aprendeu a viver numa democracia (talvez seja
algo da humanidade), mas há sempre uma necessidade de sobrepor a opinião sobre o outro, de
tentar convencer (mesmo pela coação) o outro a agir de acordo com aquilo que “eu” acho correto.
O debate de ideias como proposto no exercício dialético de Marx se perde em um
eterno embate de tese e antítese, jamais alcançando uma síntese. Não falamos do consenso, pois
nem sempre ele é possível, porém o debate é empobrecido por jamais buscar novas soluções,
apenar ganhar “no grito”, na fundamentação mais aprofundada, mais coerente ou mais bem
apresentada, perde-se totalmente o princípio da tolerância, já no sentido literal de tolerar a
existência do diverso, sendo que, em nossa visão, está tolerância já deveria assumir um caráter
mais cooperativo entre a diversidade, o reconhecimento dela, a aceitação dela e a convivência na
busca da construção de uma sociedade para todos.
O autor ainda reconhece traços valorativos do pluralismo, talvez a única essencial
para que se possa afirmar a existência da pluralidade jurídica seja a autonomia intrínseca aos
grupos que compõe a sociedade, cada uma com suas normas, com seu próprio ordenamento,
sejam famílias, igrejas, associações, que funcionam com, sem ou apesar do Estado. A
descentralização, que vemos como derivada da autonomia, sendo cada instituição autônoma,
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independe uma da outra, o exercício do poder passa a ser deslocado das intuições formais do
Estado e passa a ser fragmentado localmente em todas as instituições que compõe a nação.
Partindo então para o localismo, destacamos que é esta característica que garante a
capacidade de participação das diversas forças sociais e é, possivelmente, a característica que tem
a capacidade de manter o pluralismo vivo.
Quando se fala em conceitos alheios ao direito como a gestão empresarial, aplica-se a
prática de planejamentos participativos em várias empresas, principalmente as menos
tradicionais, pois se identificou que quanto mais os colaboradores se sentem parte do processo
decisório, mais se sentem responsáveis pelos resultados; analogia melhor não caberia para
defender a característica localista do pluralismo, apenas por emergir localmente, das relações
dentro dos grupos organizados da sociedade, envolvendo diretamente os indivíduos é que se
legitimam as normas; o contrário é facilmente visto em realidades de monopólio do poder
normativo exercido por representantes em democracias, onde o povo muitas vezes não reconhece
as leis publicadas e impostas pelo Estado, como posto por Georges Gurvitch, um direito social
autônomo.
Fica impossível não criar então uma diversidade jurídica numa (des)ordem pluralista,
enquanto os ordenamentos monistas fingem possuir uniformidade sendo regida por seus códigos
que propõe formalmente direitos e deveres, ou mesmo aqueles que procuram materializar por
meio das normas a realidade proposta por suas cartas constitucionais, buscam sempre a
construção da igualdade, enganando-se eternamente, por não reconhecer a natureza desigual da
humanidade, ou por denunciar como prejudicial esta desigualdade; há sim desigualdades
perniciosas, mas enquanto o ordenamento estatal propõe uniformidade em geral, o pluralismo
jubila com a diversidade, reconhece na dialética do direito social conflitante uma possível e
provável resultante positiva para a sociedade. É claro que tal júbilo apenas é possível numa
sociedade permeada pela tolerância, que como já expusemos com pesar, não é o que se vê hoje.
Num enfoque ainda político-ideológico, Bobbio ainda descreve o pluralismo com três
modelos básicos, o socialismo com grande similaridade ao sindicalismo libertário de Proudhon; o
cristianismo social que expressa uma ideia orgânica de mundo, como um sistema formado pelos
grupos sociais numa organização hierárquica e finalística. Nos preocuparemos mais em falar
sobre a terceira, por ser a que demonstrou maior relevância tradição ocidental: o liberalismo
democrático.
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Para Reale a certas funções que não podem ser exercidas por indivíduos ou
associações por gerar grave perigo a ordem social, entendemos que isso não é necessariamente
verdade, um sistema de controle social deve estar sempre em funcionamento, seja para o
pluralismo seja para o monismo, porém, vemos que pela fragmentação e localismo do pluralismo
jurídico, este seria mais viável de ser controlado socialmente, por outro lado, pela possibilidade
de gerar mais conflitos em si mesmo, o pluralismo também carrega consigo o risco da
degeneração da ordem estatal.
O professor Wolkmer fundamenta o pluralismo como novo paradigma jurídico a
partir de fundamentos de efetividade material que abrange o próprio conteúdo do direito e suas
estruturas constitutivas e de fundamentos de efetividade formal que se referem à ordenação
prático-procedimental. Teceremos alguns comentários sobre a segunda na perspectiva da
reordenação política do espaço público: democracia, descentralização e participação.
Se faz necessário romper com o poder centralizador que impede as mudanças
emergentes da população, formas de subverter o pensamento hegemônico e mecanismos práticos
de intervenção participativa do povo na determinação do direito, surpreendemo-nos ao ler alguns
dos mecanismos citados e notarmos que eles não estão inseridos em nosso ordenamento, vemos
projetos de iniciativa popular por vezes corrompidos pelos agentes legislativos, plebiscitos que
não são respeitados, quase inexistente uso da prática do referendo popular para legislações,
inexistência do veto popular sobre projetos de leis (muitos que são votados na calada da noite, em
meio a desastres ou grandes manifestações) e inexistência de ato revogação ou reconfirmação de
representante político ou servidor público. Por pior que tenha se tornado um representante eleito,
por pior que seja um servidor público, ambos seguem suas vidas na vida pública, o agente eleito
se preocupando com a próxima eleição, o servidor concursado com a sua progressão e sua
aposentadoria apenas.
Apesar de um cenário em geral pessimista, iniciativas como a iniciada na cidade de
Porto Alegre no Rio Grande do Sul de orçamento participativo iluminam os caminhos para novas
formas de participação na tomada de decisão e no planejamento da sociedade.
Tendo sido escrita por várias mãos, num período relativamente extenso, as opiniões
aqui apresentadas talvez variem de certa maneira, é por isso que vemos agora, talvez uma certa
incoerência na defesa tão ferrenha do pluralismo jurídico, em um momento da história que que
cada vez mais se busca unir os direitos das nações por meio de Unificações Normativas, em que a
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sociedade ocidental busca defender direitos humanos muitas vezes em detrimento das culturas
locais (vide práticas extremistas islâmicas), chega a soar até errado, senão errado, mas estranho,
defender que este tipo de pluralismo deva ser aceito e tolerado por fazer parte do direito
insurgente nestas sociedades.
Também, que o monopólio do estado na fabricação do direito já foi há muito tempo
deixado de lado, assinatura de convenções internacionais de direitos humanos, de comércio, ou
até mesmo casos como o direito desportivo em contraposição com o direito trabalhista, ainda
direito econômico produzido por empresas de rating sendo quase que imposto ao ordenamento
nacional ou ainda a aceitação/delegação do direito de produzir direito para entidades privadas,
como a ABNT, por exemplo, já é passado o tempo em que apenas o Estado diz o que é direito,
não apenas ele delega esta função, como por vezes se vê obrigado a aceitar imposições externas,
como por exemplo acordos já feitos como o Fundo Monetário Internacional, que obrigou o Brasil
a pôr determinadas metas de superávit primário como condição de empréstimos no fim da década
de noventa.
Algumas coisas parecem claras, não se pode aceitar o pluralismo de olhos vendados,
aceitando-o sempre que não interferir no grupo vizinho, mas devemos, numa nação, no mundo,
resguardar direitos fundamentais aos seres humanos; mas também não se pode confiar cegamente
na competências dos Estados em legislar de modo que abranja toda a diversidade dos seus povos,
que reconheça e empodere cada um de seus grupos a se reconhecerem e atuarem ativamente
dentro da sociedade com base num Direito produzido unicamente por uma instituição, que cada
vez mais se degenera frente a uma crise representativa generalizada.
Talvez a proposta do professor Wolkmer de um pluralismo jurídico comunitário-
participativo seja algo a se levar muito em consideração nos ordenamentos estatais, buscar inserir
na política do Estado ferramentas de participação ativa dos grupos que o compõe, práticas que
valorizem o localismo, proteja as culturas locais, mas também proteja o ser humano de abusos
que podem ser causados por uma possível desordem do pluralismo. Talvez esse pensamento
utópico nos leve cada vez mais perto de um ideal de cultura jurídica que realmente respeite as
diferenças, empoderes os indivíduos e mantenha a ordem social.