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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

EDUCAÇÃO DO CAMPO

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO

1 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO ......................... 3

1.1 Antecedentes históricos da educação do campo na sociedade brasileira.6

2 O DIREITO DOS POVOS CAMPESINOS À EDUCAÇÃO .............................. 9

2.1 Educação para uma minoria ................................................................... 11

3 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CAMPO. .................................................... 15

4 A EDUCAÇÃO DO CAMPO ENQUANTO PRODUÇÃO DE CULTURA. ...... 17

4.1 Educação do campo: Um conceito em construção ................................. 17

4.2 Escola rural: indagações acerca da cultura e do trabalho ...................... 20

5 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NA FORMAÇÃO DOS SUJEITOS ................... 25

6 A EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO FORMAÇÃO HUMANA PARA O


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL............................................................ 35

6.1 As diferentes concepções de desenvolvimento ...................................... 38

6.2 O papel dos movimentos sociais na construção das políticas de


desenvolvimento sustentável ........................................................................ 43

6.3 As contribuições da educação do campo para o desenvolvimento


sustentável .................................................................................................... 46

7 POLÍTICA E CIDADANIA NO CAMPO ......................................................... 53

7.1 Balanço histórico das políticas “públicas” de educação do campo no Brasil


.................................................................................................................54

7.2 Cidadania e Educação do Campo: o “público” político dos movimentos


sociais ........................................................................................................... 58

7.3 A educação do campo enquanto política pública: de FHC à Lula .......... 61

7.4 Pronera: a política de FHC continuada por Lula ..................................... 62

7.5 Programa Saberes da Terra: a política do Governo Lula ....................... 64


7.6 Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação
do Campo – Procampo ................................................................................. 66

8 IGUALDADE E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO DO CAMPO ..................... 70

9 A QUESTÃO AGRÁRIA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO................................ 76

9.1 A educação no Brasil e a sua relação com a questão agrária ................ 80

10 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ............................................................................... 89


1 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Inúmeros são os desafios encontrados para a efetivação de uma educação


que pensasse as especificidades múltiplas que existem no espaço do campo
brasileiro, e nesse contexto, temos a Educação do Campo que nasce junto às lutas
sociais por políticas educacionais que atendam os povos do campo.

Fonte: andes.org.br

A educação tem se constituído como um instrumento relevante na sociedade


brasileira e às vezes tem sido definida por concepções de educação que no
processo histórico tem enviesado para caminhos de natureza cartesiana,
pragmática, reprodutivista, crítica-reprodutivista, ou simplesmente crítica,
libertadora, liberal, neoliberal, pós-moderna, enfim; uma educação que se
desenvolveu acompanhando a trajetória histórica e trouxe avanços à sociedade
brasileira principalmente na área da pesquisa, responsável pela inovação
tecnológica também para a zona rural. No campo inovaram: no maquinário, no
aumento da produção de grão, nos agrotóxicos, alteração dos genes das sementes
para exportação em larga escala. Mas os que têm usufruído desses avanços são
pequenos grupos de latifundiários, empresários, banqueiros e políticos nacionais e
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internacionais. Enquanto a outros é negado o acesso à terra para sobreviver e
garantir o sustento de outros brasileiros. Em relação à educação do campo, é
pertinente ressaltar que a concepção de educação que vem sendo empregada pela
cultura dominante e elitista, não tem favorecido satisfatoriamente para combater o
analfabetismo, elevar a escolaridade dos sujeitos, sua cultura e seu padrão de vida.
Há ainda insatisfação, ocasionada pelo acesso tardio a escola que na maioria das
vezes, nas regiões mais pobres do Brasil, são oferecidas sem condições de
oportunizar saberes para a criança, o adolescente, os jovens e adultos devido à
precariedade de investimentos dessa política pública. Isso representa, sem dúvida,
uma das maiores dívidas históricas para com as populações do campo.
Enquanto Arroyo critica a sociedade brasileira por não oportunizar políticas
públicas de educação para as populações do campo, Durkheim (1998) com uma
concepção de sociedade elitista e classista, se refere a uma educação que deveria
ser diferente para as classes sociais. “A educação urbana não é a do campo, e a do
burguês não é a do operário”. (p. 39). Isso caracteriza, evidentemente, uma postura
alienadora que reforça uma educação para privilegiados. Marx também se reporta
aos aspectos das desigualdades remetendo essa situação a partir de uma ordem
social que submete o mundo ao poderio do capital. Relata que o trabalho humano
nunca produziu tantos objetos em toda história humana. A condição de poder da
burguesia é o crescimento do capital que submete o homem ao trabalho
assalariado, gerando uma base de competitividade e desigualdade entre os
trabalhadores. Isso canaliza para um índice absurdo de “pobreza que cresce mais
rápido do que a população e a riqueza”. (1998; p.28). O paradigma de produção
capitalista permite maior exploração entre as pessoas, causa a marginalização do
trabalhador do campo e, a mão de obra humana na fábrica ou no latifúndio,
transforma-se numa mercadoria a serviço da burguesia, do capitalismo que também
se articula pelo processo educativo. Pensando nesta situação de exploração do
trabalhador e nas condições que oportunizam uma educação conscientizadora,
Paulo Freire (2007) nos possibilita observar o sistema educacional da sociedade
brasileira, dentro do processo de mudança, quando identifica a educação como
elemento fundamental para o sujeito do campo ou da cidade. E considera como

4
necessidade primordial dessa mudança, a leitura de mundo com o sujeito que
aprende, mas que também ensina. Ele desenvolveu uma metodologia de ensino
para a alfabetização e conscientização do trabalhador do campo que partia dessa
leitura de mundo. Uma iniciativa surgida na década de 50, que continua presente
na ação educativa de muitos professores do campo e da cidade.

Fonte: al.undime.org.br

O camponês, o ribeirinho, o povo da floresta da Amazônia Paraense também


tem demonstrado que domina saberes. Conhecem as marés do rio que enche e
vaza, do tempo da piracema, sabem que grande área de floresta no chão torna o
solo da Amazônia infértil, do período da coleta dos frutos na floresta, entendem a
geografia do rio, da mata; trazem consigo a cultura de seus antepassados
impregnada em suas cantigas, danças e lendas em seu jeito de ser homem, mulher
caboclo sujeito de saberes amazônicas. Mas a incorporação de sua cultura nos
currículos escolares se processa por aspectos que envolvem desde políticas
públicas para a educação como também, a aproximação do professor com o aluno
e sua realidade por meio de situações problematizadoras. Quando os saberes
selecionados por especialista de currículo que representam os interesses da cultura
dominante, são questionados na escola se evidencia que, o ato de ensinar está
relacionado ao outro, como um ser ignorante.

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Um sujeito que não sabe, precisa saber conhecer, para deixar de ser.
Algumas vezes não se compreende o sujeito que aprende como portador de uma
outra cultura que domina saberes tão relevantes quanto os saberes do professor.
Não se identifica a base do processo educativo como formação da consciência e no
estabelecimento da relação dialógica com o sujeito que aprende, interligando a
dialética dos seus conhecimentos aos da sociedade que conserva, mas também se
modifica. Para Freire (2007) não existe nenhuma estrutura exclusivamente estática,
assim como, não há uma, absolutamente dinâmica. Isso vale para a estrutura
construída pelas sociedades e também para a educação. Desde a Antiguidade até
a contemporaneidade, as concepções de educação sofrem alterações,
modificações ou surgem novas.

1.1 Antecedentes históricos da educação do campo na sociedade brasileira

A partir de 1930, a concepção de educação do campo se configura em um


conjunto de políticas com definições elaboradas para este atendimento. No histórico
da legalidade educacional, um dos primeiros tratamentos de maior abrangência
ocorreu na Constituição de 1934, quando os Pioneiros da Escola Nova que
representaram uma nova relação de forças oriundas pelo conjunto de insatisfações
de setores intelectuais, cafeicultores, classe média e até massas populares urbanas
se instalaram na sociedade solicitando reformas educacionais. A Constituição de
1934 sinaliza para importância de uma concepção de educação profissional voltada
para o contexto industrial, e quanto à educação rural artigo 156: Parágrafo único
determina: “Para realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no
mínimo, vinte por cento das quotas destinadas a educação no respectivo orçamento
anual. ” (POLETTE; 2001, p.169) um relevante acontecimento, mas, omitem outras
proposições para educação do campo.
Em 1947 a nova Constituição Brasileira propõe que a educação rural seja
transferida para responsabilidade de empresas privadas (industriais, comerciais e
agrícolas) a obrigatoriedade pelo financiamento como expressa o Capítulo II da
educação e cultura, Artigo 166; inciso III: “as empresas industriais, comerciais e

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agrícolas, em que trabalham mais de cem pessoas, são obrigadas a manter o
ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes”; (BALEEIRO E
SOBRIDINHO; 2001; p. 108). Quanto à obrigatoriedade do ensino, responsabiliza
as empresas industriais e comerciais em ministrarem a aprendizagem de
trabalhadores menores em forma de cooperação e exime desta responsabilidade
as empresas agrícolas.
A partir de 1940 a educação brasileira incorporou a matriz curricular
urbanizada e industrializada. Caracterizou interesses sociais, culturais e
educacionais das elites brasileiras como fundamentalmente a mais relevante para
todo povo do Brasil. Com a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de
1969, permanece a obrigatoriedade das empresas agrícolas e industriais com o
ensino primário gratuito para empregados e os filhos menores de 14 anos. Isso
explica, porque o Brasil até 1970 esteve com uma educação do campo, sob o
gerenciamento das iniciativas privadas da produção do campo, com a formação
profissional próprios para esta realidade e devidamente qualificada. Ocorre que,
sucessivamente os governos brasileiros têm implantado uma educação que não
atende e não respeita às especificidades de cada realidade regional e muito menos
a diferenciação (geográfica, cultural, histórica, social, etc.) do campo. Neste caso, a
oferta de educação para o campo em alguns lugares da Amazônia Paraense não
tem garantido as alterações propostas pela Constituição de 1988, ou pelos
documentos supracitados, uma vez que se recorre a um padrão de educação
urbano Centrica.
Esse paradigma é marcado por contradições que de certa forma, vem
interferindo na implementação de políticas públicas de afirmação para as
populações que vivem e trabalham no campo. Segundo Elaine Furtado (2006), para
compreender como a sociedade brasileira produziu e reproduziu as desigualdades
no campo, precisamos entender três elementos: “O latifúndio, a industrialização e a
financeirização da economia”. Ao expor sobre a discussão, retrata Furtado (2006)
de que o Brasil desenvolveu uma estrutura fundiária baseada na grande
propriedade rural que ainda se configura, mas, se solidificou graças às
contingências do mercado mundial favorável a monocultura e também pela

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exploração da mão de obra escrava. Durando três séculos “produziu-se
concentração da terra, exclusão dos trabalhadores do campo, do acesso às
condições mínimas de sobrevivência, mesmo depois do término formal da
escravidão”.
Com o processo da industrialização as necessidades da população do campo
foram mais uma vez renegadas, prevalecendo à produção em larga escala de grãos
para exportação e consumo, gerando concentração de renda nas mãos de poucos,
em relação à maioria. Acrescenta Furtado (2006), como elemento recente a
financeirização da economia, que marca essa construção história “somados as
desigualdades produzidas pela globalização, o avanço tecnológico e a abertura dos
mercados com a financeirização da economia, fundada em taxas de juros mais altas
do mundo, fez com que voltasse a exclusão dos trabalhadores” (Ibidem; p. 48).
Esses elementos determinaram uma construção história resguardada pela
exploração dos trabalhadores e durante séculos fortaleceu a classe dominante do
país favorecendo a apropriação e o empoderamento de bens e de riquezas, bem
como, o domínio de conhecimentos tecnológicos, culturais, no qual a educação, na
maioria das vezes, esteve a serviço dessa estrutura de dominação.
A principal preocupação desse período era a formação de mão de obra
qualificada que contemplasse os interesses e necessidades do espaço urbano para
aceleração do crescimento econômico industrial que gradativamente se fortalecia
após Segunda Guerra Mundial. Durante a Guerra Fria, instalou-se uma concepção
de mercado que procurava ampliar o número de consumidores, e aos Estados
Unidos interessava consolidar essa hegemonia. Por conta dessa disputa entre as
potências mundiais (Estados Unidos e União Soviética) que muitos países foram
aderindo a uma das posições políticas e junto com a adesão vinha o pacote de
proposições educacionais para serem implementadas em cada país. No caso do
Brasil, optou-se por uma educação com currículos e metodologias fundamentados
no ideário norte-americano, numa perspectiva de afirmação de uma escola
essencialmente urbana. Então, a partir dos anos 30, a escolarização para o
trabalhador do campo, foi inserido também, com o intuito de conter o êxodo rural,
provocado pelo processo de industrialização do país, responsável pela grande

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massa de migrações rurais de quase todas as regiões do país durante décadas
subsequentes.
Cláudia Passador (2006) expressa que para os camponeses, a escola não
tinha tanto significado, uma vez que, o aprendizado da profissão tinha sido adquirido
com os pais e não pela escola. De forma geral, a escola era compreendida como
lugar da “contra educação rural”, pautada em apenas instruir o homem do campo,
para ler, escrever e contar. Essa ideia de instrução do trabalhador nos remete a
uma ideologia de que o sujeito da roça não precisa estudar, pois, trabalhar com a
enxada, por exemplo, requer apenas esforço físico, não precisaria raciocinar refletir,
questionar e sim, somente manusear os instrumentos e saber utilizar a terra
adequadamente.1

2 O DIREITO DOS POVOS CAMPESINOS À EDUCAÇÃO

Para que se possa refletir sobre o direito a educação aos homens e mulheres
do campo é necessário considerar o conjunto de forças sociais, políticas,
econômicas e culturais que foram se engendrando no decorrer da história do Brasil,
sob os interesses do capital, e que influenciaram sobre maneira a oferta de
educação pública a esses sujeitos. No Brasil, esse contexto é marcado pela
educação dos jesuítas que aqui chegaram chefiados pelo Padre Manoel da
Nóbrega, com a missão de “educar” a nova colônia portuguesa, instituindo a fase
jesuítica da educação colonial, ligada estritamente à política colonizadora europeia
a favorecer o capitalismo de acumulação primitiva. O processo de colonização do
Brasil tem como marco importante as Capitanias Hereditárias, cujo elemento
fundamental é a posse da terra, sustentada pela lógica produtiva das relações
sociais sob o tripé latifúndio, religião e escravidão. Em síntese, a educação ou sua
negação ao povo, no período supracitado, inscreve-se no objetivo da colonização:
lucro, acumulação de riquezas, expropriação e exploração das novas terras

1
Texto Extraído de http://www.anpae.org.br/congressos_antigos/simposio2007/289.pdf

9
descobertas, traçando as marcas históricas daquilo que CHAUÍ (2000) chamou de
mito fundador (descobridor) que tem permanecido além daquela época.

Diferentemente da formação, a fundação se refere a um momento passado


imaginário, tido como instante originário que se mantém vivo e presente no
curso do tempo, isto é, a fundação visa a algo tido como perene (quase
eterno) que traveja e sustenta o curso temporal e lhe dá sentido. A
fundação pretende situar-se além do tempo, fora da história, num presente
que não cessa nunca sob a multiplicidade de formas ou aspectos que pode
tomar (CHAUÍ, 2000, p. 9).

O fenômeno colonização é igual a exploração, associada ao submetimento


dos povos indígenas e negros às mais cruéis formas de relações sociais, o que
trouxe implicações para o modelo de educação a ser ofertado, distintamente, a cada
classe social. A educação brasileira passa a existir nesse contexto e dela não se
aparta a educação proposta ao trabalhador (a) rural. No Brasil colônia, não se pode
falar de educação propriamente, porque “até 1808, época em que aqui chegou a
Família Real portuguesa eram proibidos no Brasil: escolas, jornais, circulação de
livros, associações, discussão de ideias bibliotecas, fábricas, agremiações políticas
e qualquer outra forma de movimento cultural” (LIMA, 1968, p.19), ou seja, 308 anos
como porto, fonte de matéria-prima, controlado por feitorias e fortes.
Propositalmente, Portugal mantinha a colônia ignorante e analfabeta, condição
necessária para manter o avanço do capitalismo nesse país, porém, tendência
seguida pelos governantes posteriores, que permitiram constatar-se no final do
século XX o baixo padrão de desenvolvimento da educação aos povos do campo.
O latifúndio cresceu nesse país fundado nos cem anos de escravidão e
extermínio dos povos indígenas e do século XVII ao século XIX (1888) com base na
escravidão do negro africano. Portanto, o Brasil podia isentar-se de oferecer
educação. Esta não era necessária ao modelo de acumulação de riquezas, apesar
das revoltas dos povos indígenas e da luta do povo negro, cuja expressão maior
está nos quilombos. Em termos políticos o Brasil “saiu” da condição de colônia,
constituiu-se império, fez-se “independente” e proclamou-se república. Tais
contextos levaram, por sua própria contradição, à reivindicação da educação, sob a
responsabilidade do Estado. Mas, demoraria muito a se configurar uma política de

10
educação efetiva, pois da parte das elites brasileiras, sempre houve um grande
receio quanto aos ideais políticos de liberdade e de direitos sociais que poderiam
ser estimulados caso fosse ofertada aos trabalhadores.
Verifica-se que a educação pública brasileira, até os anos 30 do século XX,
não consegue sair do papel, constituindo-se de um leque muito amplo de leis
anunciadas e não materializadas como direito. O não assumir da educação como
obrigação exclusiva do Estado abriu historicamente o caminho à iniciativa privada,
deixando mais distante o acesso à educação, pelo povo. Assim, é que se chega ao
século XXI e, ainda, o acesso à educação configura-se como um problema nacional,
sem que esta fosse garantida à maioria da população brasileira em seus diversos
níveis e modalidades, particularmente à força de trabalho camponesa. É nesse
sentido que se ressalta que a luta pela educação do campo ocorre no palco dos
conflitos decorrentes da luta pela terra, fato verificado desde a aprovação da lei de
terras, em 1850.
A referida Lei restringia o direito à terra aos ex escravos, aos brasileiros
pobres, posseiros e imigrantes, mas permitia que estes se tornassem mão de obra
barata para o latifúndio até os nossos dias quando se aprova o II Plano Nacional de
Reforma Agrária, no governo Lula. Casa-se, assim, o capitalismo com a propriedade
da terra e, com esse laço de união esta é transformada em uma mercadoria
controlada por quem tem dinheiro e poder político. É como se essas leis pudessem
ser chamadas de a primeira cerca de arame farpado ou a primeira semente concreta
para a constituição do campesinato sem-terra e sem acesso às políticas públicas,
entre as quais a política educacional.

2.1 Educação para uma minoria

A introdução da educação rural nas legislações brasileiras data do início do


séc. XX, produzindo para o campo políticas de educação que primaram pela
contensão. Esse fato expressa a necessidade de acumulação capitalista, naquela
época, e uma visão de que para tal modelo de produção não era preciso grandes
investimentos em educação, corroborada pela abundância de mão-de-obra. O

11
quadro referente a educação no século anterior já havia indicado que apenas 10%
da população em idade escolar se achava matriculada nas escolas primárias e que
as primeiras Escolas Normais, visando a formação de educadores, para aquele
nível de ensino, só seriam criadas em 1835. As mentalidades dominantes no poder,
durante séculos, foram indiferentes à educação popular e feminina. Para eles a
educação dos pobres e da mulher devia ser prática e utilitária, daí que ao se chegar
a Primeira República (1889), os índices de analfabetismo da população brasileira
eram em torno de 85% (RIBEIRO, 2001). Posteriormente, no período pós-guerra
(1914/1918) demarcaria o início do surto industrial e a tendência a urbanização do
país. Constituiu-se o operariado e aumentaram os movimentos contestatórios:
greves, Movimento Tenentista, Coluna Prestes, fundação do Partido Comunista
Brasileiro, Semana de Arte Moderna. Contudo, mais da metade da população de
quinze anos e mais, em 1920, estava fora da escola.
A população do país, em torno de 14.333.915 milhões de habitantes, tinha
apenas 250 mil estudantes (RIBEIRO, 2001). A educação, pela primeira vez, passa
a ser tratada como uma questão nacional, por meio da edição da Constituição de
1934, que também exigia a elaboração de Diretrizes e Bases para a educação
nacional e a elaboração de um Plano Nacional de Educação. Mas, tal anseio não
se consolidou em decorrência do Estado Novo de 1937. A Constituição do Estado
Novo tomaria a educação rural como fundamento para organizar a juventude no
trabalho, promover disciplina moral e adestramento físico “de maneira a prepará-la
ao cumprimento dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação”.
Essa é a educação para os camponeses porque para os filhos da burguesia agrária
e industrial a educação haveria a educação secundária, de caráter propedêutico,
que tinha por objetivo educar as futuras elites condutoras. A lei do Ensino primário
só seria aprovada em 1946, época em que está no poder o general Eurico Gaspar
Dutra. A grande novidade da Lei foi o Artigo n.º 56, Parágrafo Único:

Para realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo,


vinte por cento das cotas destinadas à educação no respectivo orçamento
anual. Quanto ao ensino agrícola, a estrutura implantada pelo Decreto-Lei
9613/46 foi a de cursos de nível AURORA ano III número 5 - DEZEMBRO
DE 2009 ___ISSN: 1982-8004 www.marilia.unesp.br/aurora médio

12
divididos em cursos de formação e cursos pedagógicos. Os de formação
se subdividiam em cursos de 1º e 2º ciclos. O de 1º ciclo, por sua vez, se
subdividia em básico (4 anos) e de maestria (2 anos). O de 2º ciclo era
constituído dos cursos técnicos (3 anos), tais como: de agricultura, de
horticultura, de zootecnia, de práticas veterinárias, de indústrias agrícolas,
de laticínios e de mecânica agrícola. Os cursos pedagógicos se
subdividiam em cursos de (2 anos) para formar professores nas áreas de
educação rural doméstica e em cursos (1 ano) didática do ensino agrícola
e administração do ensino agrícola (RIBEIRO, 2001, p. 150)

Será que a educação no meio rural passou a ser prioridade? Evidente que
não. Porém, interessava ao capitalismo conter e controlar a tensões existentes no
campo e a educação rural, assim chamada pelos legisladores, seria um dos
instrumentos de correspondência às práticas abusivas de poder. O ano de 1946
demarca a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola para a formação de
trabalhadores da agricultura, equiparando esses cursos as outras modalidades,
mesmo assim, continuavam as restrições àqueles que faziam opção por cursos
profissionalizantes. O período do chamado nacional desenvolvimentismo é marcado
por intensas lutas políticas, em que os movimentos sociais (operários e
camponeses) passam a exigir reformas de base, econômicas e sociais. Unem-se a
eles estudantes, educadores, partidos de esquerda e muitos movimentos populares.
Porém, em outro extremo e contrários a estes interesses, os empresários (norte-
americanos e brasileiros), militares, latifundiários, partidos de direita (União
Democrática Nacional) e diversos segmentos das elites, setores da igreja e da mídia
unem-se em contraposição aos ideais socialistas veiculados, às reformas - da
reforma agrária à realização da campanha nacional de alfabetização do povo –
reivindicadas pelos trabalhadores.
A LDB nº. 4.024 foi aprovada em 1961, resultante dessas disputas, num
processo conflituoso entre os defensores da escola pública e da escola privada,
culminando com o consenso entre os projetos Mariani e Lacerda. Por sua vez, a
realidade educacional mostrava que 50% da população em idade escolar estavam
fora da escola. Paralelamente, fatos importantes no campo da cultura, da política e
da educação popular ocorreram, trazendo um novo significado para a educação
rural e popular: os movimentos políticos culturais no início dos anos 60, com

13
destaque para os Centros Populares de Cultura (CPC) da União Nacional dos
Estudantes (UNE); o Movimento de Cultura Popular (MCP), em Pernambuco e o
Movimento de Educação de Base (MEB), da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB).
Esses movimentos promoviam a Alfabetização da população rural e urbana
marginalizadas, a partir dos referenciais teóricos constituídos da unidade entre a
política das lutas dos movimentos sociais e dos círculos de cultura idealizados por
Paulo Freire, os quais culminariam com a proposta da Pedagogia Libertadora, que
tem nesse último o seu maior expoente. Várias comunidades rurais adotaram a
educação libertadora como filosofia de luta e resistência ao capitalismo e como
ferramenta de apoio à luta pela transformação da realidade social produzida pelo
mesmo. Esses movimentos foram alvo de repressão e controle ideológico pelos
governos militares, após 64, e suas reformas da Educação a partir de 1968: a
Reforma Universitária (Lei nº. 5.540/68), a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus (Lei
nº. 5. 692/71) que estabelecia a profissionalização do Ensino de 2.º grau e definia o
ensino de 1.º grau num ciclo de oito séries. Outras medidas de política educacional
arrefeceram e deram nova dimensão ao ímpeto de se ofertar a educação rural em
contraposição aos movimentos de base democrática. Os mecanismos mais
intensos se deram pela criação, em 1970, do Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL) - à época o Brasil tinha um percentual 33% de analfabetos.
Com os governos militares fecha-se mais um ciclo histórico marcado pelas
ações autoritárias e articulado do Estado brasileiro, associado ao capital
internacional e nacional, que culminou com o desmonte da educação pública,
fortaleceu a iniciativa privada, controlou ideologicamente as lutas sociais
desmobilizando-as, caçou as liberdades políticas individuais e coletivas, entre
outras ações nefastas à construção da educação no campo e na cidade. É nesse
período que se publica o Estatuto da Terra, um instrumento para desarticular os
conflitos no campo e abri-lo para a empresa capitalista no campo, numa forte aliança
entre o capital internacional, a burguesia nacional, militares e intelectuais a seu
serviço2.

2
Texto Extraído de http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Aurora/COUTINHO.pdf

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3 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CAMPO.

A educação no meio rural, no Brasil, ainda tem muito a desenvolver. A falta


de políticas educacionais voltadas para esse fim caracteriza a desvalorização do
homem do campo, estabelecendo uma vida limitada aos seus filhos. São grandes
as dificuldades encontradas pelas trilhas por onde passam as crianças e jovens
desse meio, que procuram adquirir conhecimentos, mas também um lugar para
conviver com pessoas da mesma idade, ampliando suas relações sociais.
Pesquisas recentes comprovam que o insucesso nesse meio de educação
atinge os 40%, além de ter 70% dos alunos em séries incompatíveis com as idades.
As escolas do campo normalmente são compostas de apenas uma sala de aula,
tendo que se desenvolver um trabalho de sala multisseriada, com mistura de idades
e de conteúdo. Sem contar na estrutura dos prédios, muitos deles ainda de taipa,
madeira, alvenaria, sem iluminação e circulação de ar adequadas, faltando carteiras
e outros materiais.

Falta de estrutura no transporte e nas instalações.

Fonte: educador.brasilescola.uol.com.br

15
Além disso, chegar à escola é um grande problema, as distâncias são
quilométricas, faça chuva ou faça sol, pondo em risco a integridade física e
emocional dos alunos e funcionários, além do cansaço por ter que acordar muito
cedo para chegar à escola depois de horas de caminhada. Os currículos geralmente
não são interessantes, não atraem os estudantes, pois fogem à realidade de suas
vidas e não adianta incutir a cultura da cidade aos mesmos. Pelo contrário, esses
devem ser adaptados à realidade local, valorizando aquilo que faz parte da vida dos
alunos e de suas famílias.
Os calendários também devem ser adaptados, pois o período de férias
coincide com a colheita das safras, o que causa o afastamento de muitos alunos,
que precisam ajudar seus pais. Nas faculdades, não temos formação específica em
salas multisseriadas, gerando outro ponto controverso nas escolas do campo. Os
profissionais que atuam dessa forma buscam alternativas por serem apaixonados
pelo processo de ensinar e aprender, mas não contam com apoio das secretarias
municipais, muitas vezes adquirindo materiais com recursos próprios.
Por mais que o governo lance campanhas de qualificação profissional,
construção de novas escolas rurais, como as escolas-núcleo, que possuem uma
estrutura melhor, essas se localizam em distintas regiões rurais, ocasionando o
problema do transporte, além dos ônibus velhos, sem reparos, sem cintos de
segurança, e da falta de verba para o seu abastecimento; pois muitas vezes tais
problemas não são solucionados pelo governo municipal. Vemos que os
investimentos são baixos, carecendo de maior dedicação, olhares mais voltados
para as verdadeiras necessidades dessa população.
E por tantos problemas, não há como fugir da evasão escolar nos meios
rurais. Triste realidade do Brasil!3

3
Texto Extraído de https://educador.brasilescola.uol.com.br/orientacoes/educacao-no-campo.htm

16
4 A EDUCAÇÃO DO CAMPO ENQUANTO PRODUÇÃO DE CULTURA.

4.1 Educação do campo: Um conceito em construção

Decorrendo o tempo histórico no Brasil, os movimentos sociais têm sido os


sujeitos centrais que vem dialogando com o governo as necessidades sociais
básicas. Diante deste fato, podemos entender que muitos destes sujeitos têm
colocado na pauta política discussões sobre leis e ações que partem das demandas
sociais, a exemplo temos o Movimento dos Trabalhadores Rurais – MST tem
buscado, desde a década de 1990, a possibilidade de estudar em seu próprio local
de origem e formular sua própria proposta pedagógica. A proposta da Escola do
Campo envolve a luta do MST por uma escola com características próprias, que
valorize o homem e a mulher que vivem na e da terra.

Fonte: catalogo.egpbf.mec.gov.br

Essa discussão política entre governo e Movimento dos Trabalhadores


Rurais Sem Terra tem colocado o ser humano no centro do diálogo. A relação do
movimento com a educação constitui-se numa relação de origem. A história do

17
MST, para Caldart (2004) é uma grande obra educativa. A prática da educação, no
entender do MST, reside na formação humana. Enfim, a transformação dos sujeitos
excluídos de tudo, em cidadãos dispostos a lutar por um lugar digno na história, faz
a educação ser percebida em cada uma das ações que constituem a formação da
identidade do sem-terra do MST. Do ponto de vista de Vendramini (2007),
observamos no contexto educacional a continuidade de uma política de
fechamento/nucleação envolvendo as escolas rurais. O objetivo desta política é de
racionalizar a estrutura, bem como a organização de pequenas escolas, portanto
orientando-se pelo Plano Nacional de Educação (projeto de Lei n. 4173/98), com
intenção de diminuir, também, o número de classes multisseriadas. Segundo
Vendramini (2007, p.2), compreender a escola do campo, significa que:

É preciso compreender que a educação do campo não emerge no vazio e


nem é iniciativa das políticas públicas, mas emerge de um movimento
social, da mobilização dos trabalhadores do campo, da luta social. É fruto
da organização coletiva dos trabalhadores diante do desemprego, da
precarização do trabalho e da ausência de condições materiais de
sobrevivência para todos.

Fonte: catalogo.egpbf.mec.gov.br

18
O movimento nacional vem provocando a construção de uma escola do
campo, e alia uma construção de projeto popular para o Brasil. Este fato é muito
significativo, pois, acarretaram mudanças de teoria e prática, referentes à educação
rural. É neste sentido que o termo campo carrega consigo o significado histórico do
espaço de disputa e conquista pela terra-educação, ou seja, consiste numa negação
histórica do termo educação rural, que impulsionou os movimentos sociais a
ressignificarem a si mesmos enquanto sujeitos coletivos. Assim, entendemos que,
para o Movimento, os conteúdos e as metodologias de ensino estão voltados aos
interesses e envolvimento da comunidade, e, assim, direcionam suas atividades
escolares em prol da emancipação dos trabalhadores e trabalhadoras, a partir de
valores como cooperação, parceria, solidariedade, autonomia e outros. O contexto
que o MST dialoga com o governo, envolve a relação entre educação, escola e a
questão agrária em toda sua complexidade histórica, ou seja, a proposta
pedagógica da educação do campo trata, dentre outros aspectos, da realidade dos
sujeitos de direitos. É neste sentido, que a educação do campo, tem intensificado o
diálogo com o governo em prol de melhores condições de vida e trabalho em seu
espaço de pertencimento, como resultado da luta em defesa da Educação Pública
e de qualidade para todos que ali vivem. Tratando da proposta pedagógica própria
da educação do campo: Os trabalhadores têm colocado em evidência a valorização
da cultura dos povos do campo, a exemplo das Conferências Nacionais – Por uma
Educação Básica do Campo (1998) e Por uma Política Pública de Educação do
Campo (2004) −, o que resultou na criação de um grupo permanente de Educação.
Concatenando com as pesquisas de Souza (2008, p.1092) entendemos que a
educação do campo:

Possibilita o debate acerca da prática pedagógica nas escolas do campo,


expressando as divergências políticas entre a concepção de educação
rural pautada na política pública estatal e a concepção de campo pautada
no debate empreendido pelos movimentos sociais de trabalhadores. Com
isso, coloca professores, secretarias de educação, diretores, entre outros,
em processo de indagação quanto à prática desenvolvida nas escolas do
campo. Percebe-se que a educação do campo apresenta heterogeneidade
no que tange à prática educativa em sala de aula e à gestão da escola,

19
uma mostra de que a realidade, lentamente, vem sendo modificada pela
prática social [...].

Haja vista no Estado do Paraná, desde a década de 2003, a existência de


uma coordenação de Educação do Campo junto à Secretaria de Estado da
Educação/SEED PR e em 2006 as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo
no Estado do Paraná, documento oficial que envolveu todas as Escolas e Núcleos
Regionais de Educação do Estado e Segundo Souza (2006) que tem o intuito de
fazer ressoar todas as vozes dos professores das Escolas Públicas paranaenses,
dentre inúmeras iniciativas, em 2010 a formação do Comitê Estadual da Educação
do Campo. Conforme afirma Munarim (2008) o movimento Por uma Educação do
Campo, têm por mira as políticas públicas, cuja fonte de inspiração, reside nas
experiências pedagógicas concretas, protagonizadas por sujeitos locais na esfera
da sociedade civil.
É neste contexto que um dos papéis da escola é fundamental: A formação
educativa das novas gerações que por meio do conhecimento encontram
alternativas de realizar um projeto de vida e de sociedade mais humana. Em
respeito ao tema central deste trabalho, vale mencionar que a educação do campo,
para os movimentos sociais, busca restabelecer, dentre tantas perdas, os vínculos
entre educação e trabalho, na intenção de valorizar aqueles que lutam contra a
opressão, a exploração, a dominação e, consequentemente, contra a alienação.
Existem contradições e peculiaridades em uma sociedade assentada (envolvendo
o capital) enquanto apropriação do trabalho. A expropriação da terra e dos meios
de subsistência implica não só as experiências pedagógicas, mas a configuração
concebida historicamente e a forma que a nomeamos e organizamos decorrido o
tempo.

4.2 Escola rural: indagações acerca da cultura e do trabalho

O advento da industrialização e o avanço do capitalismo aumentaram a


insatisfação dos trabalhadores rurais, que ao reconhecerem que a subordinação os
distanciava do autodesenvolvimento concluíram que esta condição somente servia

20
para produzir a separação entre trabalho manual e intelectual. O trabalho no meio
rural significa tecnicamente o envolver-se na labuta diária expostos às intempéries
da natureza, perseguir o calendário do plantio e da colheita em conformidade com
o conhecimento da terra e carregar em si as marcas de um discurso que há séculos
vêm sendo construído aos trabalhadores rurais: gente da roça não precisa estudar.
O objetivo deste documento é orientar o currículo para toda a Rede Pública
Estadual de Ensino no Paraná, pois expressa um conjunto de esforços de
professores, pedagogos, equipes pedagógicas dos Núcleos Regionais de Educação
e técnico-pedagógico da Secretaria de Estado da Educação – SEED. Arroyo (2010),
o que nos permite reconhecer a emergência de se pensar à escola vinculada aos
processos culturais.

Fonte: vermelho.org.br

O pensamento utilitarista incutido à escola rural, para o povo da roça, tem


sido pautado em saberes mínimos, úteis ao trabalho com a enxada; um percurso
histórico que vem marcando fortemente muitas escolas localizadas no meio rural.
Se a discussão principal das elites governantes é garantir que todas as pessoas
tenham acesso a uma educação de qualidade: De que forma a educação serve aos

21
interesses da vida humana e como é envolvida com a valorização do trabalhador?
Para Beltrame (2002, p.132), as relações dos professores, com o mundo rural,
permitem lhes desenvolver uma prática em várias dimensões: “produtiva, política e
educativa” e afirma: ”em seu dia-a-dia, esses homens e mulheres, no trabalho, no
contato direto com a natureza, participam intensamente dos ciclos da vida” e, nesta
dinâmica, vão organizando conhecimentos e afinidades que os enriquecem como
professores. No intuito de justificar a emergência deste trabalho; em dimensão
exploratória de pesquisa nos servimos de uma entrevista, desenvolvida junto a uma
professora da escola, pois, nos inquietava a seguinte interrogação: Quais atividades
agrícolas e artesanais se mantêm na comunidade? A professora em resposta ao
nosso questionamento:

As atividades agrícolas das comunidades atendidas pela escola são o


cultivo de fumo, a avicultura, e a agricultura familiar sendo que nesta são
cultivadas, milho, batata salsa, e verduras para o próprio consumo e
vendas para a comunidade local. Quanto ao artesanato, algumas poucas
famílias aproveitam os barbantes usados para amarrar fumo para fazer
crochê como toalhinhas, tapetes e enfeites para casa. (PROFESSORA).

Entendemos a transformação da natureza pelo trabalho e a manifestação


deste proceder pela invenção da cultura no exercício da prática social, aprendendo-
ensinando aprendendo, possibilita que a educação continue no homem e na mulher
o trabalho da natureza, fazendo-os evoluir e tornando-os mais humanos, pois, as
contradições entre o trabalho e a cultura no contexto de nossa pesquisa são
evidentes. O trabalho como meio produtivo de sobrevivência cotidiana, desenvolve-
se no meio rural, numa relação moldada por ações repetitivas, pela exposição ao
sol e todo tipo de intempérie, um contato direto com a natureza. Subsequente ao
questionamento anterior e para análise das relações entre o projeto histórico e o
projeto educacional de escolarização em consonância com nossa intenção de
pesquisa, outro questionamento faz-se fundamental: De que maneira se relacionam
com o trabalho? Para Marx (2004) a tendência histórica da acumulação capitalista
funda-se sobre o trabalho pessoal de seu possuidor, ou seja, certamente a maneira
de produção encontra-se entre a escravidão, o servilismo e outros estados de
dependência. A professora manifesta-se:

22
[...] A relação com trabalho é segundo muitos é sofrida, pois na lavoura de
fumo, precisam colher e amarrar durante o dia e cuidar da secagem em
estufas durante a noite. O período de trabalho inicia por volta de julho/
agosto e vai até meados de abril a maio. Após o mês de Janeiros muitos
acabam saindo e procurando emprego em centros urbanos, visto que o
trabalho deixa de ser tão difícil podendo ser realizado pelas próprias
famílias (sem a necessidade de contratar um “camarada”, um ajudante).
As pessoas que trabalham por contrato (não há registro algum em carteira,
ou em cartório), ganham as refeições, e em alguns casos dormem na
estufa ou nos paióis junto com o fumo colhido ou seco. (Professora).

A consequência necessária e evidente na afirmação da professora está


restrita às relações do trabalhador sobre os meios da atividade produtiva, ou seja,
as relações sociais do trabalho em sua gênese histórica que se concentram na
relação direta com as formas capitalistas de produção, onde os trabalhadores do
campo e ou da cidade não estão livres para desenvolver o pensamento sobre suas
potencialidades sociais do trabalho, bem como, os meios e os esforços da atividade
coletiva. Em continuidade ao nosso questionamento anterior a professora diz:
“Estas pessoas trabalham quando é conveniente aos seus patrões e quando acaba
a safra procuram novos meios de subsistência em outros locais ou empresa”.
(professora). Para Marx (2004) as origens da gênese do capital residem na
acumulação e concentração da propriedade, ou seja, a produção individual de
muitos e suas propriedades minúsculas, fazendo a propriedade colossal de alguns
e ainda, os métodos de acumulação primitiva, abrangendo uma série de processos
violentos, dentre eles, a expropriação dos produtores.
Frigotto (2010) escreve que reside em nosso país uma tendência dominante
de considerar a população do campo como atrasados e ou fora de um projeto de
modernidade. Uma tendência que não avança sem contradições, pois, a crise do
emprego e a migração campo-cidade refletem as marcas de um projeto de
capitalismo que impede o avanço da educação escolar básica, ou seja, a burguesia
brasileira nunca teve interesse em colocar para a classe trabalhadora uma
educação de qualidade e para todos como preconizava na década de 1980 a nova
Lei de Diretrizes da Educação Nacional, um surgimento novo das lutas sociais por
um projeto societário e de educação para o Brasil. Após o golpe militar, passa-se a
cobrar da instituição escolar e da educação uma individualidade sem limites, ou
seja, que o indivíduo passe a lutar por seu lugar a qualquer preço, ou ainda, numa

23
visão do ideário marxista, os ditames do mercado que viam nos indivíduos o
mercado e não a sociedade.
Prosseguem as décadas e ainda reside na educação a força dos interesses
das classes dos centros hegemônicos adjunta à classe burguesa brasileira. Em
continuidade ao pensamento de Frigotto (2010) entendemos que nesta escola de
nosso estudo (localizada no meio rural) o que está em jogo ainda são as escolas,
as propostas educativas que ali acendem e a conexão desta educação com as
estratégias do poder que ali residem, ou seja, uma educação no campo, que
mantém o sentido extensionista onde o destaque é dado a dimensão do localismo
e particularismo. Para Frigotto (2010, p. 35):

[...] Trata-se da visão de que as crianças, jovens e adultos do campo estão


determinados a uma educação menos, destinada às operações simples de
trabalho manual e também com a perspectiva de que permaneceriam para
sempre no campo. [...] nega-se, nesta perspectiva uma educação unitária
(síntese do diverso) e, portanto, com a universalidade historicamente
possível do conhecimento em todas as esferas da vida humana,
independentemente de residir no campo ou na cidade.

Consensual à realidade posta, entendemos que problematizar a emergência


de pesquisas acerca dos aspectos acima mencionados, localizados numa
conjuntura político cultural é em grande medida um desafio aos pesquisadores que
questionam as práticas pedagógicas e consequentemente, uma educação que tem
reafirmado a alienação e a negação da identidade dos sujeitos de direitos. As
práticas pedagógicas interdependentes das matrizes pedagógicas e culturais,
vinculadas às estratégias de desenvolvimento da escola enquanto instituição
educacional, composta por sujeitos de direitos, especificamente para pensar a
escola do campo, consiste numa educação voltada para o futuro, ou seja, a
valorização de um povo que historicamente tem sido relegado ao descaso. 4

4
Texto Extraído de http://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/6456_3956.pdf

24
5 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NA FORMAÇÃO DOS SUJEITOS

A educação do campo é construída a partir das demandas e das experiências


dos sujeitos que vivem no campo. Ela questiona a ausência de políticas
educacionais para os povos do campo, o modelo de uma educação empobrecida,
inferiorizada, destituída dos saberes do trabalho, da cultura e do contexto do campo.
Pensar a educação do campo dentro de uma política educacional implica
reconhecer a identidade da escola do campo. Nas diretrizes operacionais para a
educação básica nas escolas do campo (2002), esta identidade é definida a partir
dos sujeitos do campo, do modo como estes organizam seu cotidiano, dos saberes
e da cultura que produzem enquanto transformam a terra e o próprio contexto onde
estão inseridos, bem como dos conhecimentos e da cultura historicamente
acumulados, produzidos na relação dialética entre o campo e a cidade, no modo de
trabalho e organização da sociedade. A escola é compreendida como um direito e
como um dos espaços educativos em que mulheres e homens se educam. Para
Arroyo (1999), a ela cabe conhecer e interpretar os processos educativos que
acontecem fora dela, tomando por referência os saberes acumulados pelas
experiências vividas pelos povos do campo nos movimentos sociais, nas lutas, no
trabalho, na produção, na família, na vivência cotidiana, para organizar este
conhecimento e socializar o saber e a cultura historicamente produzidos,
viabilizando os instrumentos técnico-científicos para interpretar e intervir na
realidade, na produção e na sociedade.

25
Fonte: folhavitoria.com.br

Assim, a escola precisa possibilitar que os sujeitos do campo compreendam


a realidade em que estão inseridos no seu movimento histórico, nas suas
contradições e em relação ao contexto mais amplo, tanto no que se refere à
articulação campo-cidade quanto ao processo de desenvolvimento, de
globalização, de lutas sociais. Para que a escola do campo possa ter sua identidade
reconhecida e assumida no trabalho pedagógico escolar, coloca-se como
fundamental reestruturar os currículos e a formação de professores. Fazendo uma
análise no currículo escolar revela-se que o trabalho, a cultura e os saberes do
campo geralmente são tratados de forma pejorativa, ultrapassada, inferiorizada ou,
ainda, estão ausentes no processo pedagógico. O modelo de currículo
historicamente adotado busca impor para o campo a cultura urbana e os saberes
produzidos nestes espaços como modelo. É neste sentido que a educação do
campo, por advir a partir de uma luta dos camponeses, os traz como sujeitos de
políticas e não meros consumidores de ações educativas, de modo que suas
experiências, seu contexto, sua cultura, seus conhecimentos e suas demandas
sejam tomados como referências para a formulação de políticas públicas.

26
O projeto político-pedagógico traduz a concepção e a forma de organização
do trabalho pedagógico da escola com vistas ao cumprimento de suas finalidades.
As finalidades têm caráter social, implicando na explicitação o tipo de sujeito que se
deseja formar, por isso, esse projeto vincula-se a um projeto histórico de sociedade
(Freitas, 1995), ou seja, tem relação com a sociedade que se deseja construir,
transformar. O projeto político-pedagógico constitui-se em instrumento de ação
político pedagógica, na medida em que possibilita a manifestação dos desejos e
aspirações da comunidade em termos da educação das crianças e jovens e norteia
todo o processo educativo desencadeado pela escola. Nesse sentido, não pode ser
visto apenas como produto ou resultado de um trabalho de definição de finalidades
e linhas de ação. O projeto político-pedagógico é “processo permanente de reflexão
e discussão dos problemas da escola, na busca de alternativas viáveis à efetivação
de sua intencionalidade” (Veiga, 2002, p. 13) e assenta-se numa dimensão de
globalidade e totalidade da educação.
O projeto político-pedagógico não se resume no documento escrito que
formaliza as concepções, objetivos, conteúdos, metodologia de trabalho e
sistemática de avaliação de uma escola. Ele é exercício de construção permanente
que acompanha e é acompanhado pela prática pedagógica, cotidianamente se
fazendo e refazendo. Daí a necessidade de coesão e clareza política, condições
nem sempre fáceis de serem obtidas num espaço que congrega sujeitos com as
mais diferentes experiências de vida, concepções de educação e expectativas.
Contudo, é de fundamental importância a constituição do coletivo escolar, uma vez
que projeto político pedagógico se refere sempre a um coletivo, sendo inconcebível
sem ele; jamais pode ser fruto de desejos e aspirações individuais. Machado (2003)
aponta que o trabalho pedagógico é o modo de organização que a escola assume
na tarefa de pensar e produzir as relações de saber entre sujeitos e o mundo
concreto, o mundo do trabalho socialmente produtivo.
O trabalho pedagógico é norteado por um conjunto de princípios filosóficos,
políticos e epistemológicos definidores das normas e ações escolares e se
apresenta como condição de sustentação das relações estabelecidas entre os
sujeitos que integram o universo escolar. Pensar a organização do trabalho

27
pedagógico implica pensar o que será trabalhado - conteúdos, como - metodologia
- e para que - finalidades. Em se tratando das escolas do campo é preciso ter um
olhar atento e cuidadoso para o contexto em que estão inseridos, valorizando suas
particularidades e singularidades, que são características do seu entorno, bem
como levar em conta o diagnóstico da realidade sócio-político-econômica da
localidade em que está inserida a escola. A educação do campo nasceu colada ao
trabalho e à cultura do campo e não pode perder isso em seu projeto pedagógico.
O trabalho forma e produz o ser humano: a educação do campo precisa
recuperar uma tradição pedagógica de valorização do trabalho como princípio
educativo, do vínculo entre educação e processos produtivos e de discussão sobre
as diferentes dimensões e métodos de formação do trabalhador, de educação
profissional, cotejando esse acúmulo de teorias e de práticas com a experiência
específica de trabalho e de educação dos camponeses. O projeto da educação do
campo precisa estar atento para os processos produtivos que conformam o ser
trabalhador do campo e participar do debate sobre as alternativas de trabalho e
opções de projetos de desenvolvimento locais e regionais que possam devolver
dignidade para as famílias e as comunidades camponesas. Isso significa pensar a
pedagogia sob um ponto de vista mais amplo, como processo de humanização-
desumanização dos sujeitos, e pensar como estes processos podem e devem ser
trabalhados nos diferentes espaços educativos do campo. A cultura também forma
o ser humano e dá as referências para o modo de educá-lo.
São os processos culturais que garantem a própria ação educativa do
trabalho, das relações sociais, das lutas sociais: a educação do campo precisa
recuperar a tradição pedagógica que nos ajuda a pensar a cultura como matriz
formadora e que nos ensina que a educação é uma dimensão da cultura, como uma
dimensão do processo histórico, e que processos pedagógicos são constituídos
desde uma cultura e participam de sua reprodução e transformação
simultaneamente. Quando dizemos que os movimentos sociais são educativos é
exatamente compreendendo que estão provocando processos sociais que, ao
mesmo tempo, reproduzem e transformam a cultura camponesa, ajudando a
conformar um novo jeito de ser humano, um novo modo de vida no campo, uma

28
nova compreensão da história. A educação do campo precisa ser a expressão e o
movimento da cultura camponesa transformada pelas lutas sociais do nosso tempo.
Pensar a educação vinculada à cultura significa construir uma visão de educação
em uma perspectiva de longa duração, ou seja, pensando em termos de formação
das gerações. E isto tem a ver, especialmente, com a educação de valores.
A educação do campo, além de se preocupar com o cultivo da identidade
cultural camponesa, precisa recuperar os veios da educação dos grandes valores
humanos e sociais: emancipação, justiça, igualdade, liberdade, respeito à
diversidade, bem como reconstruir nas novas gerações o valor da utopia e do
engajamento pessoal a causas coletivas e humanas. O vínculo com as matrizes
formadoras do trabalho e da cultura nos remete a pensar em outro traço muito
importante para a educação do campo: sua dimensão de projeto coletivo e de
concepção mais ampliada do que sejam relações pedagógicas. O trabalho e a
cultura são produções e expressões necessariamente coletivas e não individuais.
Raiz cultural, que inclui o vínculo com determinados tipos de processos produtivos,
significa pertença a um grupo, identificação coletiva.
As relações interpessoais são inerentes à concretização do ato educativo,
mas se trata de pensá-las não como relação indivíduo, indivíduo para formar
indivíduos, mas sim como relações entre pessoas culturalmente enraizadas para
formar pessoas que se constituem como sujeitos humanos e sociais. A educação
do campo também se identifica pela valorização da tarefa específica dos
educadores. Sabemos que em muitos lugares eles têm sido sujeitos importantes da
resistência social no campo, especialmente nas escolas, e que têm estado à frente
de muitas lutas pelo direito à educação. A educação do campo tem construído um
conceito mais alargado de educador. Compreende-se que educadora é aquela
pessoa cujo trabalho principal é o de fazer e o de pensar a formação humana, seja
ela na escola, na família, na comunidade, no movimento social, seja educando as
crianças, os jovens, os adultos ou os idosos. Nesta perspectiva, todos somos de
alguma forma educadores, mas isto não tira a especificidade desta tarefa: nem
todos temos como trabalho principal educar pessoas e conhecer a complexidade

29
dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento do ser humano, em suas
diferentes gerações.
Para Caldart (2002), construir a educação do campo significa formar
educadores para atuação em diferentes espaços educativos. Na medida em que se
defende uma formação específica é porque se entende que boa parte deste ideário
que se está construindo é algo novo em nossa própria cultura. Há uma nova
identidade de educador a ser cultivada, ao mesmo tempo em que há uma tradição
pedagógica e um acúmulo de conhecimentos sobre a arte de educar que precisam
ser recuperados e trabalhados desde esta intencionalidade educativa da educação
do campo. Por isso, ao pensar no projeto político e pedagógico da educação do
campo deve-se incluir uma reflexão sobre qual perfil do profissional de educação
precisamos e sobre como se faz esta formação. Faz se necessário pensar sobre
como os educadores têm se formado nos próprios processos de construção da
educação do campo e como isso pode ser potencializado pedagogicamente em
programas e políticas de formação específicas. A educação do campo não cabe em
uma escola, mas a luta pela escola.
A escola terá tanto mais lugar no projeto político e pedagógico da educação
do campo se não se fechar nela mesma, vinculando-se com outros espaços
educativos, com outras políticas de desenvolvimento do campo, e com a própria
dinâmica social em que estão envolvidos os seus sujeitos. Compreender o lugar da
escola na educação do campo é ter claro que ser humano ela precisa ajudar a
formar e como pode contribuir com a formação dos novos sujeitos sociais que se
constituem no campo. A escola precisa cumprir a sua vocação universal de ajudar
no processo de humanização, com as tarefas específicas que pode assumir nesta
perspectiva. Ao mesmo tempo é chamada a estar atenta à particularidade dos
processos sociais do seu tempo histórico e ajudar na formação das novas gerações
de trabalhadores e de militantes sociais. Não se trata de propor algum modelo
pedagógico para as escolas do campo, mas de construir coletivamente referências
para processos pedagógicos a serem desenvolvidos pela escola, que lhe permitam
serem obra e identidade dos sujeitos que ajuda a formar, com traços que a
identifiquem com o projeto político e pedagógico da educação do campo.

30
Para construir referências comuns às escolas vinculadas a este projeto de
educação do campo, precisa-se antes pensar em alguns aspectos principais do que
é o trabalho específico da escola ou quais as funções sociais que assume ou deve
assumir, já dialogando com a intencionalidade política e pedagógica do projeto da
educação do campo. E pensar ainda em aspectos ou tarefas gerais, que depois
precisam ser desdobradas e pensadas pedagogicamente a partir dos diferentes
sujeitos que estão em cada escola específica, bem como levar em conta as
diferenças de cada ciclo da vida, de cada modalidade de escola. A escola precisa
ser vista como um espaço de socialização. A escola costuma ser um dos primeiros
lugares em que a criança experimenta, de modo sistemático, relações sociais mais
amplas das que vive em família e de uma intencionalidade política e pedagógica
nesta dimensão pode depender muitos dos traços de seu caráter, muitos dos
valores que venha a assumir.

Fonte: blogviniciusdesantana.com

Na escola sempre há socialização porque sempre há relações sociais. Mas


nem sempre isto integra o projeto pedagógico e a intencionalidade do trabalho dos
educadores. Neste aspecto é preciso ter presente que o principal componente

31
curricular da escola é que a experiência cultural de escola é pedagogicamente muito
mais significativa do que a tematização da socialização ou apenas a tentativa de
transformar determinadas relações sociais em conteúdo discursivo de sala de aula.
A escola socializa a partir das práticas que desenvolve, pelo tipo de organização do
trabalho pedagógico que seus sujeitos vivenciam, pelas formas de participação que
constituem seu cotidiano. São as ações que revelam as referências culturais das
pessoas e é trazendo à tona estas referências que elas podem ser coletivamente
recriadas e reproduzidas.
A educação do campo precisa incluir em seu projeto pedagógico uma
reflexão cuidadosa e mais aprofundada sobre como acontecem no cotidiano da
escola, os processos de socialização, sua relação com a conservação e a criação
de culturas, fazendo também a reflexão específica sobre que traços de socialização
são importantes na formação dos sujeitos do campo hoje. Ela também precisa
instigar a construção de uma visão de mundo. Muitas vezes a escola trabalha
conteúdos fragmentados, ideias soltas, sem relação entre si ou com a vida concreta.
São muitos estudos e atividades sem sentido, fora de uma abordagem mais ampla,
que deveria ser exatamente a de um projeto de formação humana. Para que a
escola cumpra esta tarefa é necessário que a escolha dos conteúdos de estudo e a
seleção de aprendizados a serem trabalhados em cada momento não seja aleatória,
mas feita dentro de uma estratégia mais ampla de formação humana, bem como se
busque coerência entre teoria e prática, entre o que se estuda e o ambiente cultural
da escola.
Na educação do campo é preciso refletir sobre como se ajuda a construir,
desde a infância, uma visão de mundo crítica e histórica, como se aprende e como
se ensina nas diferentes fases da vida a olhar para a realidade enxergando seu
movimento, sua historicidade e as relações que existem entre uma coisa e outra,
como se aprende e como se ensina a tomar posição diante das questões do seu
tempo, como se aprendem e como se ensinam utopias sociais e como se educam
valores humanistas, como se educa o pensar por conta própria e o dizer a sua
palavra e como se respeita uma organização coletiva. Ela precisa não deixar
desflorar o cultivo de identidades. Esta também é uma das funções da escola:

32
trabalhar com os processos de percepção e de formação de identidades, no duplo
sentido de ajudar a construir a visão que a pessoa tem de si mesma -
autoconsciência de quem é e com o que ou com quem se identifica -, e de trabalhar
os vínculos das pessoas com identidades coletivas, sociais: identidade de
camponês, de trabalhador, de membro de uma comunidade, de participante de um
movimento social, identidade de gênero, de cultura, de povo, de Nação.
Compreende-se que este é um aprendizado humano essencial: olhar no
espelho do que somos e queremos ser, assumir identidades pessoais e sociais, ter
orgulho delas, ao mesmo tempo em que se desafiar no movimento de sua
permanente construção e reconstrução. Educar é ajudar a construir e a fortalecer
identidades, desenhar rostos, formar sujeitos. E isto tem a ver com valores, modo
de vida, memória, cultura. As identidades se formam nos processos sociais. O papel
da escola será tanto mais significativo se ela estiver em sintonia com os processos
sociais vivenciados pelos seus educandos e educadores, e se ela mesma consegue
constituir um processo social - cumprindo a tarefa da socialização de que tratamos
antes - capaz de ajudar a construir e fortalecer identidades. Pensando desde a
intencionalidade política e pedagógica da educação do campo, a escola deveria
trabalhar com mais ênfase para ajudar no cultivo de identidades aguçando a
autoestima, memória e resistência cultural.
A escola tem um papel que não pode ser subestimado na formação da
autoestima de seus educandos e também de seus educadores. E isto é muito
importante para a educação do campo, já que em muitas comunidades camponesas
existe um traço cultural de baixa autoestima acentuado, fruto de processos de
dominação e alienação cultural muito fortes, e que precisa ser superado em uma
formação emancipatória dos sujeitos do campo. Para que a escola assuma a tarefa
de fortalecer a autoestima dos seus educandos, além de todo um trabalho ligado à
memória, à cultura, aos valores do grupo, é preciso pensar na postura dos
educadores e na transformação das didáticas ou do jeito de conduzir as atividades
escolares.
A escola precisa ajudar a enraizar as pessoas em sua cultura, que pode ser
transformada, recriada a partir da interação com outras culturas, mas que precisa

33
ser conservada, porque não é possível fazer formação humana sem trabalhar com
raízes e vínculos. Isto quer dizer que a escola precisa trabalhar com a memória do
grupo e com suas raízes culturais e isto quer dizer também que se deve ter uma
intencionalidade específica na resistência à imposição de padrões culturais
alienígenas e no combate à dominação cultural. Ou seja, a escola pode ajudar os
educandos a perderem a vergonha de ser da roça, a aprender a ser camponês, e a
ser de movimento social, a aprender a valorizar a história dos seus antepassados,
tendo uma visão crítica sobre ela, e a aprender do passado para saber projetar o
futuro pela Contação de histórias que tenham a memória do grupo como referência,
assim como trabalhar com que expressem a cultura camponesa e a coloquem em
diálogo com outras culturas.
A educação do campo precisa aprofundar a reflexão sobre como a escola
pode ajudar a cultivar utopias, respeitando a cultura camponesa e a própria fase da
vida em que se encontram os diferentes educandos. É preciso refletir
permanentemente sobre a intencionalidade educativa da escola nesta perspectiva
e olhar para os detalhes do seu ambiente educativo e trabalhar com diferentes
saberes à qual cabe uma aproximação crítica, nem tanto para tentar trazer estes
saberes para o seu interior, o que nem sempre é possível sem trair sua natureza,
mas para provocar a inserção dos educandos em processos sociais capazes de
produzi-los. Ao mesmo tempo, cabe à escola ajudar na reflexão coletiva sobre esses
saberes, relacionando-os entre si e potencializando-os nos processos de
socialização dos educandos, de construção de sua visão de mundo e de suas
identidades, enfim, em seu processo mais amplo de humanização ou de formação
humana.
Entende-se que a educação do campo deve incluir em seu debate político e
pedagógico a questão de que saberes são mais necessários aos sujeitos do campo
e podem contribuir na preservação e na transformação de processos culturais, de
relações de trabalho, de relações de gênero, de relações entre gerações no campo
e de que saberes podem ajudar a construir novas relações entre campo e cidade.
É necessário discutir sobre como e onde estão sendo produzidos esses diferentes
saberes, qual a tarefa específica da escola em relação a cada um deles e, também,

34
que saberes especificamente escolares podem ajudar na sua produção e
apropriação cultural. Esta é uma reflexão que deve continuar. A educação do campo
precisa aprofundar sua reflexão sobre que formato de escola é capaz de dar conta
destas tarefas indicadas e, especialmente, dedicar-se ao estudo de didáticas e
metodologias que traduzam esta concepção de escola e projeto político e
pedagógico em cotidiano escolar.5

6 A EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO FORMAÇÃO HUMANA PARA O


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.

O olhar construído historicamente acerca do campo esteve associado ao


subdesenvolvimento, ao atraso e à pobreza, tendo em vista que os ideais
capitalistas elegeram o modelo urbano-industrial como padrão de vida ideal para as
sociedades modernas. Por conta disso, o mundo rural tornou-se esquecido no
âmbito dos projetos políticos da maioria dos gestores públicos, resultando na
negação do campo enquanto espaço de produção cultural, social e econômica e,
consequentemente, no abandono de milhares de famílias camponesas. Nesse
contexto, boa parte das famílias abandonou o campo e migrou para as cidades,
desencadeando o processo de favelização das grandes e médias cidades, tendo
como principal consequência o aumento da pobreza, da miséria e da violência. Por
outro lado, os camponeses que permaneceram no meio rural articularam-se em
movimentos sociais e construíram diversas lutas em defesa do direito à terra, à
água, ao crédito, à educação entre outros.

5
Texto Extraído de file:///C:/Users/Colaborador/Downloads/14603-64306-1-PB.pdf

35
Fonte: envolverde.cartacapital.com.br

As lutas dos movimentos sociais do campo colocaram em pauta o debate


sobre o modelo de desenvolvimento excludente e concentrador desenvolvido no
país, centrado no acúmulo de capital, na concentração de terra, na exploração da
mão de obra escrava, a destruição do meio ambiente, dentre outros problemas. A
partir do debate supracitado, novas políticas públicas passaram a ser gestadas no
âmbito nacional (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar –
PRONAF; Programa de Aquisição de Alimentos - PAA; Programa Nacional de
Alimentação Escolar - PNAE; Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
– PRONERA; dentre outros) que apontam para a construção de novos projetos de
desenvolvimento sustentável para o país através da valorização da agricultura
familiar e da cultura sócio-político-organizativa dos camponeses.
Em meio aos debates acerca das políticas públicas para o campo, os
movimentos sociais perceberam que a construção de novos projetos de
desenvolvimento sustentável passa pela produção de novos saberes no e sobre o
campo, que impulsione a agricultura familiar através da produção de novos
conhecimentos e tecnologias associadas à produção sustentável. Daí a importância
de lutar pela construção de um projeto de educação do campo que possa, não só
levar os conhecimentos aos jovens do campo, mas fomentar a produção de saberes

36
específicos inerentes às formas de viver e produzir no campo, envolvendo os
aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos.
Diante desse contexto, os movimentos sociais vêm lutando por uma
educação capaz de reconhecer as diversidades socioculturais do campo, que
possibilite a valorização dos saberes e das culturas vivenciadas pelas populações
campesinas ao longo dos tempos. Uma educação que partisse dos saberes dos
povos do campo, problematizando-os a fim de construir novos olhares críticos
acerca daquela realidade e de suas possibilidades de desenvolvimento (LIMA,
2011). Ou seja, “A ideia era reivindicar e simultaneamente construir um modelo de
educação sintonizado com as particularidades culturais, os direitos sociais e as
necessidades próprias à vida dos camponeses” (BRASIL, 2007, p. 11). Diante dos
vários debates, manifestações e ocupações, os movimentos sociais do campo
obtiveram inúmeras conquistas, dentre elas, destaca-se a instituição das Diretrizes
Operacionais da Educação Básica para as Escolas do Campo, em 2001. Essas
diretrizes fazem parte das reivindicações históricas dos movimentos sociais do
campo, portanto trazem um conjunto de preocupações relacionadas ao:

[...] reconhecimento e valorização da diversidade dos povos do campo, a


formação diferenciada de professores, a possibilidade de diferentes formas
de organização da escola, a adequação dos conteúdos às peculiaridades
locais, o uso de práticas pedagógicas contextualizadas, a gestão
democrática, a consideração dos tempos pedagógicos diferenciados, a
promoção, através da escola, do desenvolvimento sustentável e do acesso
aos bens econômicos, sociais e culturais (BRASIL, 2007, p. 17).

As diretrizes operacionais, além de estabelecer novos princípios políticos e


pedagógicos para as escolas do campo que atendam aos interesses e as
necessidades dos jovens camponeses, criou um novo marco legal, obrigando, em
seu artigo 13, que os sistemas de ensino reconstruam seus projetos de formação
para o campo com base nos seguintes componentes:

I - estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças,


dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da
vida individual e coletiva, da região, do país e do mundo; II - propostas
pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a diversidade
cultural e os processos de interação e transformação do campo, a gestão
democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico e respectivas
contribuições para a melhoria das condições de vida e a fidelidade aos

37
princípios éticos que norteiam a convivência solidária e colaborativa nas
sociedades democráticas (BRASIL, 2003).

As diretrizes operacionais rompem com o silêncio das políticas públicas de


educação das escolas do campo, resgata a educação como um direito subjetivo e
reafirma que não basta ter apenas escolas, é preciso ter escolas com políticas
públicas para permanência do homem no campo. Isso significa a necessidade de
fortalecer a luta pela efetivação e garantia dessas escolas como espaços de
reflexão das práticas desenvolvidas dentro de um contexto de vivências. Desse
modo, as diretrizes operacionais são ferramentas que subsidiam o debate sobre a
Educação do Campo e impulsionam novas práticas educativas no campo. Além
disso, se constitui num instrumento legal que permite a construção de projetos
educativos que contrapunha ao modelo de desenvolvimento implantado para
atender os interesses do capital, cuja finalidade é a ampliação das riquezas
materiais, proporcionando bem-estar a uma restrita parcela da população em
detrimento de um povo que sofre as causas e consequências desse processo,
principalmente do Nordeste.

6.1 As diferentes concepções de desenvolvimento

O debate acerca das políticas de desenvolvimento se intensificou nas últimas


décadas em virtude dos graves problemas econômicos e socioambientais causados
pelo modelo de desenvolvimento implementado no mundo a partir da expansão
descontrolada da produção industrial, resultando na utilização irracional dos
recursos naturais, na concentração de renda e na exploração da mão-de-obra. No
caso específico do campo, as políticas de desenvolvimento instituída nas últimas
décadas voltam-se para o fortalecimento do agronegócio, baseado na produção em
larga escala que expulsa os trabalhadores rurais, amplia o desmatamento da
vegetação nativa, dissemina o uso de agrotóxicos e reduz significativamente as
propriedades dos agricultores familiares responsáveis pela produção dos alimentos
nos pequenos e médios municípios.

38
A expansão do agronegócio tem contribuído significativamente para a
ampliação da política de concentração de terra e da renda e, consequentemente
impulsionou o processo de degradação dos recursos naturais, a geração das
desigualdades, a exploração e violência, bem como, a destruição das oportunidades
de trabalho e a descaracterização das identidades e diversidades culturais da
população do campo. Esses projetos de desenvolvimento associados aos
interesses econômicos das grandes empresas multinacionais se utilizam das
riquezas naturais com a finalidade de ampliar os lucros, sem a menor preocupação
com os danos socioambientais e culturais que poderão ser causados. Ou seja, são
constituídos através de práticas perversas de destruição de comunidades
tradicionais, com todo um arsenal histórico-cultural na área produtiva, cultural e da
preservação do meio ambiente. Neste caso,

O predomínio do interesse econômico sobre a conservação do meio


ambiente provoca como consequência imediata a degradação ambiental,
através da perda da camada de solo agrícola e a redução da população de
diversas espécies de plantas e de animais, além dos efeitos indiretos sobre
o clima e a população humana (OLÍMPIO; MONTEIRO, 2005, p. 01)

Esse processo de modernização do campo através das agroindústrias e do


agronegócio vem promovendo a expulsão dos povos do campo, obrigando-os a
migrar para as favelas das metrópoles para dar espaços às grandes áreas de
produção baseado na monocultura. Além desses problemas, os agricultores
familiares convivem também com a destruição de seu patrimônio sociocultural e
ambiental construído através de várias gerações. A ideia de “modernização” do
campo vem se constituindo num violento processo de destruição da vida de milhares
de agricultores familiares uma vez que seus espaços de produção de vida, de
cultura, de valores e crenças são transformados em grandes áreas de produção de
eucalipto, soja, arroz, mamona e outros. Isto é, a produção familiar construída a
partir de laços de cooperação e solidariedade dá lugar ao modelo de produção
agrícola artificializado e transformado num ramo da indústria, tendo como
consequência estrutural o processo acelerado de marginalização da agricultura
camponesa, cada vez mais sem papel nessa lógica de pensar o desenvolvimento
(UFBA, 2010, p.47).

39
O atual modelo de desenvolvimento, baseado na acumulação de riqueza nas
mãos de poucos, contribuiu para o esvaziamento do campo, a ampliação das
periferias das grandes cidades e o aumento da concentração de terras, bem como,
favoreceu a troca da adubação orgânica pela química e incentivou a produção
voltada para a exportação em detrimento do mercado interno, levando os
agricultores/as ao endividamento e à perda de terras e, por que não dizer também,
da privatização do saber. No caso mais específico do nordeste brasileiro, vários
estudos (FURTADO, 1980; SILVA, 2006; SOUSA, 2005) demonstram que a maioria
dos problemas sociais e econômicos é devido à estrutura excludente predominante
nessa região baseada na concentração da terra e da água, e na dificuldade de
acesso aos meios e recursos necessários à produção agrícola e à pecuária.
Para Silva (2006), os principais problemas sociais e econômicos vivenciados
pelos nordestinos são decorrentes não só das questões climáticas e ambientais,
mas das políticas de desenvolvimento equivocadas, associadas aos processos de
exploração da população e da apropriação indevida de suas riquezas naturais. Por
outro lado, a grande concentração de terra e água nas mãos de pequenos grupos
políticos e econômicos, aspectos que consolidaram o processo de dominação
política pautado no autoritarismo e no abuso de poder dos “coronéis”, contribuiu
definitivamente à implementação de uma cultura política baseada na submissão, no
clientelismo, no paternalismo e no comodismo (SOUSA, 2005). Além disso, as
políticas de desenvolvimento para o nordeste foram centradas na construção de
grandes obras hídricas, na grande propriedade rural e na agricultura irrigada,
constituindo-se em políticas públicas concentradoras e excludentes incentivadoras
do monopólio da propriedade da terra, resultando no fortalecimento do poder dos
latifundiários em detrimento dos interesses dos camponeses.
Diante desse contexto, a década de 80 foi marcada pela organização dos
camponeses em movimentos sociais e pelas mobilizações políticas que se
contrapunham às políticas perversas de desenvolvimento rural, responsáveis pela
negação do direito à terra aos camponeses e pela exclusão do acesso às riquezas
produzidas pelo mundo rural. Os movimentos sociais do campo (Movimento Sindical
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR; Movimento Sem Terra – MST;

40
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA; dentre outros) exerceram um
importante papel na organização dos agricultores familiares em defesa de políticas
públicas que garantissem o acesso à terra, à assistência técnica, ao crédito e outros
direitos necessários à produção da vida digna no campo.
O trabalho de mobilização política e social, desenvolvido pelos movimentos
sociais do campo, associado aos estudos em defesa do meio ambiente e da
produção sustentável trouxe à tona novas concepções de desenvolvimento voltadas
para a valorização e a preservação da vida, da cultura, da produção e dos
ecossistemas. Nessa perspectiva, surgem as discussões sobre a necessidade da
construção de uma política de desenvolvimento associada aos princípios da
sustentabilidade. No entanto, não há consenso em torno dos conceitos e princípios
que norteiam o debate sobre a sustentabilidade, termo polissêmico, compreendido
e incorporado pelos diferentes atores sociais de forma difusa e plural. Desse modo,
precisamos compreender que o termo sustentabilidade vem sendo utilizado para
satisfazer diferentes interesses políticos e econômicos. Para Silva (2005, p. 04),

Existe uma concepção reducionista de sustentabilidade, compreendida


como adequação das atividades socioeconômicas aos limites dos recursos
naturais, justificando um modelo de desenvolvimento que pode ser “limpo”,
poluindo dentro de determinados limites estabelecidos pelas legislações
ambientais. Ou seja, é a forma como o conceito de desenvolvimento
sustentável foi apropriado pelo capitalismo: atribuindo valor monetário à
poluição que se torna apenas mais um custo para os agentes econômicos
e sociais poluidores e não uma questão ética, mais ampla.

Entretanto, precisamos pensar num modelo de sustentabilidade que se


contraponha ao proposto pelo sistema capitalista que, por trás do discurso da
preservação do meio ambiente, traz a manutenção da política da exclusão,
desigualdades e concentração de renda. Em contrapartida a esse modelo, Silva
(2005, p. 04) defende que:

A sustentabilidade do desenvolvimento tem por base a transformação das


relações entre as pessoas e a natureza, buscando a harmonia entre o bem-
estar do ser humano e do meio ambiente. Expressa o compromisso com a
manutenção de todas as formas de vida no planeta, no presente e no
futuro. [...] A sustentabilidade é expressa nas diversas dimensões do
desenvolvimento, indo além da dimensão ambiental social (requer a vida
de qualidade para todas as pessoas), cultural (respeito à diversidade e

41
pluralismo de culturas), política (processo contínuo e participativo de
conquista da cidadania e do direito de transformação da realidade) e
econômica (construção de novas dinâmicas de produção e de
redistribuição social das riquezas).

Dessa forma, defendemos um modelo de desenvolvimento que compreende


o campo ambientalmente produtivo, culturalmente dinâmico, socialmente justo,
potencialmente viável e sustentável, que também seja capaz de valorizar os
sujeitos, concebendo o espaço rural como um lugar de bem-viver (CONTAG, 2009).
A proposta de desenvolvimento sustentável discutida pelos movimentos sociais do
campo prima pelo fortalecimento da agricultura familiar construída a partir da
valorização dos saberes locais, da preservação das culturas tradicionais e do
respeito às diferentes dinâmicas organizativas, baseada na cooperação,
solidariedade e construção coletiva. Além disso, está associado ao respeito à
biodiversidade, ao patrimônio genético, ao meio ambiente, às tradições, às
relações, às culturas e saberes, à organização e participação política dos povos do
campo.
No entanto, a construção desse modelo de desenvolvimento sustentável e
solidário implica na desconstrução da ideia do desenvolvimento associada ao
crescimento econômico, bem como, na mudança das práticas culturais utilizadas
pelos agricultores familiares em suas atividades produtivas, baseada na destruição
das matas nativas, queimada dos resíduos e utilização de fertilizantes. Assim, as
políticas de desenvolvimento sustentável e solidário devem possibilitar a execução
de processos formativos que fomente a construção de uma nova cultura de relação
entre os camponeses e a biodiversidade do campo. A partir desse trabalho de
reflexão crítica acerca da complexidade e das fragilidades dos ecossistemas no qual
os povos do campo estão inseridos, será mais fácil implementar novas práticas
socioculturais e produtivas voltadas para a sustentabilidade socioambiental e
econômica. Desse modo, torna-se necessária a realização de processos formativos
que envolvam tanto as escolas do campo quanto as organizações sociais e as
instituições de assessoria técnica e extensão rural, na construção de novos saberes
associados às práticas agrícolas agroecológicas e sustentáveis.

42
A sustentabilidade volta-se para “a preservação do meio ambiente e da
biodiversidade ecológica e sociocultural, mas que acontecerá a partir do momento
em que o ser humano perceber que a sua relação com a natureza não é mais aquela
de domínio, de controle, de exploração, mas sim de coexistência” (PARANÁ, 2009,
p. 118). A partir das discussões construídas na década de 90, acerca do
desenvolvimento sustentável e solidário, os movimentos sociais vêm articulando-se
com o intuito de reorientar as políticas públicas voltadas para o campo, situando-as
com os princípios da sustentabilidade. Nesse caso, os camponeses trabalham na
perspectiva de construção de um projeto de desenvolvimento que valorize a cultura
camponesa, reconheça a biodiversidade do campo, a beleza de seus povos, sua
originalidade, suas potencialidades, sua complexidade, sua diversidade étnica e
cultural e, sobretudo, compreenda que as políticas específicas para o campo devem
ser pensadas a partir da realidade da vida campesina como forma de
reconhecimento de seu povo como sujeito de sua história.

6.2 O papel dos movimentos sociais na construção das políticas de


desenvolvimento sustentável

Os movimentos sociais do campo têm se dedicado à formulação e indicação


de alguns pilares para a construção de um novo modelo de desenvolvimento do
campo, dentre os quais destacam-se:

43
Fonte: web.arapiraca.al.gov.br

a) A soberania alimentar como princípio organizador de uma nova


agricultura, com uma produção voltada para atender as necessidades
do povo e com políticas públicas voltadas para esse objetivo;
b) A democratização da propriedade e do uso da terra, onde a reforma
agrária deve voltar à agenda prioritária do país como forma de reverter
o processo de expulsão do campo e disponibilizar a terra para a
produção de alimentos;
c) Uma nova matriz produtiva e tecnológica, que combine produtividade
do trabalho com sustentabilidade socioambiental, o que inclui a opção
pela agroecologia;
d) O princípio da cooperação, em lugar da exploração, para organizar a
produção;
e) A mudança da matriz energética;
f) O avanço na organização política, econômica e comunitária dos
camponeses e pequenos agricultores.

A construção desse modelo de desenvolvimento do campo defendido pelos


movimentos sociais pressupõe a superação do modo de produção capitalista. A

44
resistência a esse projeto tem possibilitado que os trabalhadores do campo lutem
pelos seus interesses de classe e avancem em suas organizações (UFBA, 2010, p.
49). As lutas dos movimentos sociais em defesa da sustentabilidade no campo
estão associadas prioritariamente ao fortalecimento da agricultura familiar. O estudo
desenvolvido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) define
agricultura familiar a partir de três características centrais:

a) a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela realizados são


feitos por indivíduos que mantém entre si laços de sangue ou casamento;
b) a maior parte do trabalho é igualmente fornecida pelos membros da
família; c) a propriedade dos meios de produção (embora nem sempre da
terra) pertence à família e é em seu interior que se realiza sua transmissão
em caso de falecimento ou aposentadoria dos responsáveis pela unidade
produtiva (INCRA/FAO, 1996, p. 04).

Os estudos apontam que a agricultura familiar traz diversas contribuições


para o processo de dinamização econômico e social dos territórios rurais. Dentre
essas contribuições, podemos destacar:

a) Seu importante papel na garantia da segurança alimentar;


b) Seu potencial para promoção da sustentabilidade ecológica através
de sua capacidade de conviver de forma harmônica com
ecossistemas naturais; e
c) Sua contribuição na preservação da identidade cultural dos
camponeses através da valorização e resgate do modo de vida que
associa conceitos de cultura, tradição e identidade.

Além disso, o estudo realizado pela INCRA/FAO demonstra que o simples


acesso à terra, somado a um apoio governamental mínimo, permite aos agricultores
familiares obterem um nível de vida muito superior aos trabalhadores assalariados
do campo ou cidade, tanto em termos de superação da pobreza rural como a
situação de emprego (INCRA/FAO, 1996). Entretanto, apesar dessas contribuições,
a agricultura familiar nunca foi prioridade no contexto das políticas de investimento
no campo. No Plano Safra 2009/2010 foram destinados R$ 93 bilhões para o

45
agronegócio e semente, além de 15 bilhões para a agricultura camponesa. Apesar
do Censo Agropecuário de 1996 demonstrar que do total de 4.859.864
estabelecimentos rurais existentes no Brasil, 85,17% são estabelecimentos
familiares.
Outro grande desafio referente à agricultura está relacionado ao acesso à
terra, pois apesar dos agricultores familiares representarem mais de 85% dos
estabelecimentos rurais, ocupam apenas 30,49% da área total (INCRA/FAO, 2000).
Além disso, os agricultores familiares convivem com a ausência de políticas de
assessoria técnica para o desenvolvimento de novos saberes e tecnologias que
impulsionem os processos de produção sem a utilização de agrotóxicos e a
destruição do meio ambiente. Faltam-lhes novos conhecimentos e tecnologias que
permitam ampliar a produção sem destruir o meio ambiente e as tradições culturais.
É nesse contexto da produção de novos saberes e tecnologias associado aos
processos produtivos da agricultura familiar que a educação do campo dará a sua
maior contribuição, despertando nos jovens do campo a capacidade de pensar o
seu contexto como espaço viável no campo econômico, social e cultural.

6.3 As contribuições da educação do campo para o desenvolvimento


sustentável

A construção de novas políticas de desenvolvimento sustentável requer o


desenvolvimento de novas formas de pensar e conviver no/com o mundo. Daí a
importância da educação na construção de um olhar crítico, de acordo com a
realidade sociocultural e ambiental em que vivemos no sentido de pensar
alternativas que apontem novos caminhos e novas perspectivas de
desenvolvimento. O debate sobre o desenvolvimento sustentável nas escolas do
campo passa pela desconstrução da ideia de desenvolvimento disseminada nos
meios de comunicação que distorcem completamente a proposta de
desenvolvimento e sustentabilidade, apresentando aos jovens a filosofia do
consumo como uma alternativa de vida moderna e desenvolvida. As práticas
46
educativas desenvolvidas nas escolas, além de problematizar esses discursos,
precisam mostrar aos alunos os equívocos dessas práticas e seus efeitos perversos
na vida das pessoas das classes populares e na biodiversidade do planeta, pois
como defende Duarte e Grigolo (2006, p. 109)

As propagandas levam a imaginar sempre uma vida melhor na cidade. Mas


a maioria recebe o salário e não tem para pagar as contas e ainda tem que
gastar com a imagem (moda) para ser reconhecido. [...] A pressão sobre o
jovem no interior quanto à imagem e à moda também existe, mas é menor.
É preciso ter um olhar diferente sobre a cidade na relação com o campo
para melhor compreender a realidade. Não é só porque é da cidade que é
ruim e não é porque é do campo que é bom. Precisamos de um olhar que
mostre as contradições, tanto da cidade quanto do campo. No campo é
difícil ter um projeto claro, assumido, decidido. Parece que ao sair do
campo superam-se os problemas, como se na cidade não houvesse a
mesma sociedade excludente, capitalista. Cidade e campo precisam
repensar-se, porque hoje são controlados pelas empresas que definem o
padrão de vida e de pensamento (DUARTE; GRIGOLO, 2006, p. 109).

Precisamos fazer um debate sobre o desenvolvimento sustentável que


rompa com essa dicotomia entre campo e cidade e apresente novas possibilidades
de articulação entre esses dois espaços enquanto complementares e
interdependentes. Ambos dependem um do outro para desenvolver-se e oferecer
melhores condições de vida à população. Nessa perspectiva, os desafios colocados
às escolas do campo demonstram que o campo e a cidade são espaços diferentes,
com suas especificidades e singularidades além dos seus problemas e
contradições. É importante perceber que ambos passam por profundas
transformações que criam cada vez mais laços de interligações e
complementaridades. Além disso, precisamos demonstrar aos jovens que, a partir
do avanço tecnológico, inúmeras transformações estão ocorrendo nesses espaços.
E o campo não é mais aquele lugar subdesenvolvido e atrasado, já que a população
tem acesso às novas tecnologias e aos novos conhecimentos que permitem o
desenvolvimento de novas estratégias de produção cultural e econômica. Como
também a cidade não se enquadra mais naquele discurso de modernidade e
desenvolvimento, pois boa parte de sua população convive com inúmeros
problemas sociais relacionados com a insegurança, o desemprego, a falta de
transporte, escolas, dentre outros. Nesse caso, campo e cidade buscam através
desse reencontro soluções complementares para os seus problemas.
47
Fonte: google.com.br

Atualmente, convivemos com grupos que estão na cidade e querem voltar


para o campo reconstruindo suas vidas a partir de práticas saudáveis e
sustentáveis, temos também pessoas que buscam a cidade para a realização de
sonhos profissionais, entre outras opções. Dessa forma, acreditamos que o papel
da educação do campo não é impor aos alunos modelos ou projetos de vida, mas
conscientizá-los das diferenças, contradições e possibilidades que esses espaços
oferecem para eles terem a opção de fazer suas escolhas de forma madura e
consciente. Além disso, a escola precisa oferecer aos alunos conhecimentos e
tecnologias, permitindo-os reinventar as formas de viver e produzir no campo,
garantido sustentabilidade e qualidade de vida.
A educação do campo comprometida com a construção de novas alternativas
de desenvolvimento sustentável deve criar projetos educativos que permitam a
valorização dos saberes socioculturais dos camponeses e a reflexão crítica acerca
das potencialidades e dos problemas vivenciados no campo, favorecendo a
construção de um olhar crítico acerca dos desafios e das possibilidades existentes
na perspectiva do desenvolvimento sustentável e solidário. Somente através do
reconhecimento de seus potenciais, enquanto protagonistas das políticas de

48
desenvolvimento rural, os camponeses poderão ampliar seus processos
organizativos e buscar as condições para a implementação de novas políticas e
práticas voltadas à sustentabilidade do campo. Daí a importância da parceria entre
as escolas do campo, os movimentos sociais e as instituições de assessoria técnica
e extensão rural, pois através dessa articulação será possível pensar práticas
formativas associadas aos projetos de desenvolvimento local que de fato promovam
mudanças significativas nas comunidades rurais.
Como dizia Freire (1997), se a educação não é capaz de permitir a
transformação da realidade, sem ele torna-se ainda mais difícil as transformações
ocorrerem. Neste caso, a escola pode se colocar na condição de mobilizadora de
conhecimentos, tecnologias e saberes que fomentem processos organizativos e
políticos voltados para a articulação de novas parcerias entre os grupos e as
organizações sociais com a finalidade de promover o desenvolvimento sustentável.
O conhecimento das potencialidades locais e das possibilidades de
desenvolvimento é uma das principais atividades a serem explanadas pela escola
comprometida com a sustentabilidade no meio rural. Ou seja, a construção de
projetos de desenvolvimento sustentável passa pelo trabalho de reconhecimento
dos aspectos socioculturais, ambientais e econômicos das comunidades para que,
através desse processo, se visualize os caminhos que serão trilhados na área da
formação e implementação das práticas de intervenção que possibilitará a gestão
das políticas de sustentabilidade. No entanto, esse não pode ser um processo
autoritário e impositivo, porque um dos princípios básicos da sustentabilidade é a
construção coletiva dos processos formativos e de intervenção.
Nesse aspecto, a sustentabilidade se constitui a partir dos sonhos, dos
desejos coletivos e através do reconhecimento e da potencialização das riquezas
culturais, sociais e ambientais dos grupos. Não há desenvolvimento sustentável se
as atividades e projetos não estiverem em sintonia com os processos organizativos
e culturais das pessoas. É importante a educação do campo ser construída
enquanto prática social alimentada pelos sonhos e desejos coletivos, além de ser
um reflexo dos interesses dos grupos sociais que atuam no contexto da escola.
Logo a escola não está para determinar os sonhos e projetos das pessoas, mas

49
para contribuir na construção de saberes que permitam a concretização dos sonhos
e projetos coletivos.
Constitui-se numa ferramenta imprescindível na democratização de
conhecimento e tecnologias que auxiliarão as pessoas na compreensão do mundo
e na produção de novas perspectivas de vida. Nesse sentido, as diferentes áreas
do conhecimento trabalhadas nas escolas oferecerão aos jovens a possibilidade de
produzir novos conhecimentos que permitam desenvolver um olhar multidisciplinar
sobre a realidade do campo, compreendendo-o em sua complexidade e
singularidade, consentindo a produção de projetos que superem a lógica
fragmentada que muitas vezes se contrapunha aos princípios da sustentabilidade.
A educação para o desenvolvimento sustentável deve ser construída a partir dos
saberes locais, tendo a realidade sociocultural, ambiental e produtiva como ponto
de partida e de chegada dos processos educativos. Assim, o trabalho pedagógico
necessita estar associado às práticas culturais desenvolvidas pelos camponeses.
Desse modo, no ensino com pesquisa, os alunos serão desafiados a
pesquisarem e refletirem sobre as dinâmicas organizativas e produtivas da
comunidade, identificando os elementos que precisam de uma reflexão coletiva
aprofundada na perspectiva de redefinir práticas e ações, buscando assim o
caminho para a sustentabilidade econômica, socioambiental e cultural. Sendo
assim, as práticas educativas construídas a partir dos princípios da sustentabilidade
devem articular-se a partir das seguintes dimensões:

a) A dimensão social: direciona para a criação das condições que garantam


a qualidade de vida, a redução da pobreza e da miséria;
b) A dimensão cultural: imprescindível para construir novas formas de
relação entre homens e mulheres e entre o ambiente natural e social;
c) A dimensão econômica: necessária para criar alternativas de produção
apropriada e solidária que garanta a geração e distribuição de renda;
d) A dimensão ambiental: é imprescindível para que se adotem práticas
culturais que favoreçam o uso sustentável, a conservação e a
preservação dos recursos naturais; e,

50
e) A dimensão política: indispensável ao fortalecimento da sociedade civil e
à participação cidadã na formulação e conquista de políticas públicas
para o campo (SILVA, 2006).

A partir do trabalho com estas dimensões, as escolas irão fomentar nos


jovens do campo um olhar crítico acerca das alternativas de desenvolvimento e das
possibilidades de reinvenção dos processos organizativos e políticos, visando a
conquista de políticas públicas que deem conta das necessidades da comunidade
no contexto da produção da sustentabilidade. Entretanto, diante desse contexto,
precisamos de uma escola do campo que se constitua a partir dos princípios
democráticos. Uma escola construída pelos sujeitos do campo, que contemple nos
projetos de formação os interesses, os sonhos e as necessidades formativas dos
grupos sociais do campo. Aberta aos saberes socioculturais e à participação de
todos os camponeses com suas diferenças e singularidades.
Assim, as instituições de ensino situadas no contexto do campo devem
adotar práticas políticas e pedagógicas voltadas à mobilização e problematização
da comunidade, despertando-a para a construção de caminhos que possibilite a
solução dos problemas sociais e, consequentemente a consolidação das políticas
de sustentabilidade. Para tanto, as práticas educativas desenvolvidas no campo
devem reconhecer e despertar os camponeses para o exercício da cidadania. Além
disso, precisa conscientizá-los da importância da organização comunitária na
construção das alternativas de desenvolvimento e na conquista de políticas públicas
voltadas para a sustentabilidade no campo.
É notório o crescimento do debate sobre o desenvolvimento sustentável nos
últimos anos, envolvendo os mais variados setores da sociedade. No entanto, esse
debate não é linear nem homogêneo, mas se consolida a partir de bases conceituais
e interesses difusos e plurais. Até mesmo entre os movimentos sociais e setores
mais progressistas que atuam em defesa das políticas públicas do campo não há
um consenso em torno dos princípios e concepções acerca do projeto de
desenvolvimento sustentável. Dessa forma, a compreensão acerca dos princípios
que norteiam as discussões sobre o desenvolvimento e a sustentabilidade torna-se

51
um dos desafios aos professores e às escolas. Uma vez que o debate sobre a
sustentabilidade nas escolas não pode limitar-se às oficinas de materiais reciclados,
aos estudos desenvolvidos nos livros didáticos, aos projetos pontuais de
reflorestamento e hortas escolares. Deve envolver discussões mais amplas e
profundas acerca do modelo de vida constituído pelos sujeitos do campo.
Diante da complexidade do tema, o debate sobre a sustentabilidade deve
nortear o projeto político pedagógico da escola, norteando todo o seu fazer
educativo, pois tem uma relação direta com o modelo de sociedade que se deseja
construir e o perfil de sujeito que se deseja formar. Passa pelos princípios políticos
e filosóficos que norteiam o currículo e, principalmente pelo processo de seleção
dos conteúdos. Nessa perspectiva, pensar um projeto educativo comprometido com
o desenvolvimento sustentável exige o enfrentamento de alguns desafios:

1) Pensar um currículo integrado com o contexto sócio histórico,


ambiental e cultural do campo;
2) Produzir materiais didáticos contextualizados que possibilitem a
compreensão crítica do campo com seus problemas e
potencialidades;
3) Ampliar os processos de formação docente voltados para a
compreensão do campo e suas diversidades;
4) Construir novos modelos de gestão da educação que primem pela
construção coletiva, pela democratização da escola e suas práticas
educativas;
5) Equipar as escolas com recursos didáticos e tecnológicos que
possibilitem o desenvolvimento de práticas educativas dinâmicas e
inovadoras, dentre outros.

Além disso, compreendemos que a construção de projetos educativos


comprometida com a sustentabilidade passa também pelo reconhecimento e a
valorização dos diferentes sujeitos que vivem do campo, com seus saberes e
práticas diferenciadas e carregadas de significados políticos e culturais. Por fim,

52
acreditamos que o desenvolvimento sustentável se consolida na medida em que a
democracia se efetive em sua radicalidade, onde os diferentes sujeitos sejam
respeitados e vistos como protagonistas das políticas de desenvolvimento em meia
as suas diferenças e singularidades, independentemente de cor, raça, orientação
sexual, gênero, classe social, opção religiosa e ideológica.6

7 POLÍTICA E CIDADANIA NO CAMPO

A partir dos anos 1990, os movimentos sociais do campo e várias


organizações da sociedade civil iniciaram o movimento pela educação básica do
campo no Brasil. Assim, nos propomos a refletir as políticas públicas de educação
do campo que surgiram no período pós LDB (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação) atual e verificar se estas possibilitaram outra cidadania que
consideramos possível destinada aos vários grupos de camponeses existentes no
campo brasileiro. No primeiro momento, fazemos um breve balanço histórico da
educação no Brasil até nossos dias considerando especificamente a educação
básica e suas conquistas na legislação e na realidade dos povos do campo. No
segundo momento, nos propomos a discutir o papel dos movimentos sociais do
campo na formação de uma outra cultura política de cidadania que se distingue do
chavão “cidadania” amplamente utilizado pelas elites liberal-burguesas até o
momento.
Por fim, no terceiro momento queremos propor uma discussão de que a
educação do campo que surge nos anos 90 a partir das lutas sociais e de cidadania
dos movimentos sociais deve ser considerada como política pública ainda em
processo de construção e de afirmação. Ao mesmo tempo, apresentamos três
programas governamentais, a saber: Pronera, Saberes da Terra e Programa de
Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo – ProCampo.
O Pronera é um programa que surge ainda no governo FHC e os outros dois são

6
Texto Extraído de
http://www.educacaonosemiarido.xpg.com.br/Educa%C3%A7%C3%A3o%20do%20campo%20e%20desenvo
lvimento%20sustent%C3%A1vel.pdf

53
políticas do atual governo Lula. Assim, essa reflexão se pauta numa
intencionalidade visível que é a educação do campo neste cenário de busca pelos
direitos sociais negados e de afirmar o fim da longa noite escura da educação
destinada aos povos do campo brasileiro.

7.1 Balanço histórico das políticas “públicas” de educação do campo no


Brasil

O final do século XX foi um momento determinante para o surgimento de


concepções políticas opostas e paradoxais. Por um lado, a ideologia neoliberal com
sua máxima “salus mercati non est” onde se defende premissas da lei do livre
mercado, a esquizofrenia da concentração, da acumulação e a centralização de
capital. Tais concepções se resumem como sendo novas formas “renovadas” de
colonialismo e de subserviência que possibilitam as pessoas assimilarem as teses
do fim da história, fim das ideologias, impossibilidade de uma alternativa socialista
e o pior, o fatalismo, ou seja, o fim das utopias. Por outro lado, as resistências não
cessaram. Continuaram acontecendo de Norte a Sul, de Leste a Oeste.
Evidentemente, com menos intensidade e com novas preocupações que não
deixaram de lado o sonho de uma sociedade mais justa, democrática e sem
exclusões. Os movimentos sociais continuaram exercendo um papel fundamental
na construção de alternativas e de propostas contrárias ao pensado e construído
pelo dogma neoliberal que realiza uma simbiose do pensamento liberal burguês em
sua matriz econômica com a política conservadora.
No Brasil, ainda vivíamos nos anos 1990 sob a simbiose do patrimonialismo
e da ascendente neoliberal que começa a ser implantada no governo Collor e se
efetiva completamente com o governo FHC. As principais características eram: a
ideia liberal clássica de neutralidade, uma visão instrumentalista do aparelho
político, o atraso agrário, uma noção capitalista de reforma agrária misturada com
elementos oligárquicos do Brasil-Colônia e, por fim, a existência de classes
dominantes parcialmente burguesas, pois o poder está acumulado entre o capital e
o político (BIANCHETTI, 2005: p. 40). A educação de uma forma geral sofreu as
drásticas consequências de duas leis do atraso, a saber: a Lei 5.540/68 e a Lei
54
5.692/71 que foram construídas com a parceria e acordos MEC/USAID em
detrimento da escola pública sob a égide do regime militar. Portanto, de 1968 aos
anos 1990, o Brasil viveu o detrimento da escola pública e a falta de políticas
públicas de Estado que acolhesse os vários grupos sociais, entre eles, os
camponeses. Jamais se pensaria em educação do campo no Brasil a partir das
duas leis promulgadas pela Ditadura Militar. Havia uma luta pela educação pública
e gratuita sob a responsabilidade do Estado por parte dos movimentos sociais, mas
que ficava silenciada diante dos processos de perseguição política realizados pelo
Regime.
Com a abertura política e o processo de “redemocratização” no Brasil, os
movimentos sociais ganharam novos ares e conseguiram abrir as janelas e limpar
o mofo das lutas sociais e começaram a levantar novas bandeiras de luta. Contudo,
o processo de “redemocratização” foi lento, demorado, burocrático e a cultura
política não poderia se desfazer de um dia para outro. E pior: juntamente com o
processo de abertura política foi se instituindo no cenário brasileiro tendências
neoconservadoras que viriam a se estabelecer nos governos seguintes ao Governo
Sarney. Estas tendências neoconservadoras poder-se-ia entender como sendo a
implantação do neoliberalismo nos governos Collor, Itamar e, principalmente, FHC.
No início dos anos 1990 a educação passa a ser percebida como mercadoria e
influenciada pela lei da oferta e da demanda. Os pais e filhos são vistos como
consumidores do saber e o professor e o gestor/administrador da escola como
sendo os produtores do saber. A escola é a grande “feira” onde se vende o ensino.
Comumente se vê professores chamarem os alunos de “clientes”, “clientela” ou
outros adjetivos que determinam o comportamento político dos mesmos, ou seja, a
relação entre capital e saber está intrinsecamente determinada por aqueles que se
tornam clientes do sistema de ensino e por ele pagam.

A despesa com educação é um investimento de capital numa empresa


arriscada, por assim dizer, como o investimento numa empresa recém-
formada. O método mais satisfatório de financiar essas empresas não é
através de empréstimos em quantia fixa, mas através de investimento no
capital social de ‘compra’ de ações na empresa com recebimento, como
retorno, de uma parte dos lucros. (FRIEDMAN, 1980. In.: BIANCHETTI,
2005: p. 100).

55
Assim, não havia nenhuma sinalização concreta de políticas públicas para
educação do campo até a primeira metade dos anos 1990. Quando se trabalha com
a categoria educação do campo significa pensar uma educação forjada a partir das
intencionalidades dos movimentos sociais do campo onde os trabalhadores rurais
são os protagonistas da história e sujeitos da ação pedagógica. A educação
destinada ao meio rural existe desde a República Velha. No entanto, sua existência
não legitima a homologação de políticas públicas de Estado destinada aos
trabalhadores rurais. A educação era um privilégio das camadas mais ricas da
sociedade o que determinava a não-existência de políticas e, muito menos, de
vontade por parte dos governantes em oferecer o direito de cidadania da educação
aos camponeses que estavam condenados ao analfabetismo e à exploração. Dessa
forma, devido ao movimento migratório, a primeira estratégia de educação que
surge na realidade brasileira por volta dos anos 1920 é o “Ruralismo Pedagógico”
que tinha a ideia de uma escola integrada regionalmente e queria promover a
fixação do homem ao meio rural.
Do Estado Novo à chamada Primeira Redemocratização do Brasil (1945-
1964) a educação rural foi palco de algumas iniciativas, tais como: a criação da
CBAR (Comissão Brasileira-Americana de Educação das Populações Rurais) que
seria o embrião da ABCAR (Associação Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural) que surge em 1956. Outra iniciativa que surge neste cenário é o
Programa de Extensão Rural nos moldes norte-americanos e com interesses para
formar empresas familiares no meio rural. A extensão rural busca persuadir os
camponeses a usarem a assistência técnica na produção de sua propriedade para
que pudesse conseguir um maior índice de produtividade e, como consequência, o
bem-estar social (FONSECA, 1985). Em 1950, há a criação da Campanha Nacional
de Educação Rural (CNER) e do Serviço Social Rural (SSR) que preparava técnicos
para atuar no meio rural em várias áreas, tais como: educação de base ou
alfabetização, melhoria de vida, saúde, associativismo, economia doméstica,
artesanato, entre outros. A década de 1950 foi um momento difícil no meio rural
brasileiro devido ao problema do êxodo rural que toma um nível de proporção
assustador. A educação rural na Lei 4.024/61, considerada a primeira LDB,

56
continuou negando a existência da diversidade no meio rural brasileiro, pois a
escola estava condicionada às intencionalidades capitalistas. Na concepção de
Leite (1999) a educação rural sofreu as mesmas discriminações governamentais de
tempos anteriores.

Foi a negação da escolarização nacional, da cultura, do hábit, do trabalho


e dos valores da sociedade. Foi a cristalização de uma relação de
dependência e subordinação que, historicamente, vinha acontecendo
desde o período colonial. A concretização desses impasses aconteceu por
ocasião da promulgação da Lei 4.024, em dezembro de 1961. (LEITE,
1999: p. 38).

No entanto, os movimentos de resistência surgiam, tais como os Centros


Populares de Cultura (CPC) e o Movimento de Educação de Base (MEB) que tinham
ligação profunda com as Ligas Camponesas, os Sindicatos dos Trabalhadores
Rurais e outras organizações. Essa resistência teve seu auge com a promulgação
do Estatuto do Trabalhador Rural com a Lei 4.214/63. Esses movimentos foram
importantes para o surgimento de grupos de alfabetização de adultos e de educação
popular. Por outro lado, os grupos conservadores reordenaram suas ações para
conter o expansionismo dos movimentos agrários e das lutas por parte dos
trabalhadores rurais ao criar a conhecida “Aliança para o Progresso” que
desenvolveu programas como a SUDENE, a SUDESUL, o INBRA, o INDA e o
INCRA. Com a implantação da barbárie da Ditadura Militar há uma profunda
penetração da Extensão Rural e de sua ideologia no campo onde se substituiu o
educador pela figura do técnico e extensionista.
O projeto contrário a este modelo surge de Paulo Freire com sua educação
popular e muitas comunidades aderiram ao projeto da educação libertadora. Não
se contentando, a Ditadura Militar implanta duas leis que afetam consideravelmente
a educação rural, a saber: a Lei 5.540/68 com a reforma do ensino superior e a Lei
5.692/71 com a nova estruturação do ensino de 1º e 2º graus. O que nos interessa
é a Lei 5.692/71 que possuía um caráter mais conservador do que a Lei 5.540/68,
principalmente, por não trazer novidades renovadoras e transformadoras. O
dualismo entre educação para o saber e educação para o fazer, entre formação
intelectual e formação técnica-profissional prevaleceu. A Lei em si permaneceu

57
distante dos anseios camponeses o que determinou a não incorporação das
exigências culturais emergentes do processo escolar rural e nem sequer cogitou a
possibilidade de políticas educacionais específicas aos vários grupos do campo
brasileiro.
Com o novo processo de redemocratização a partir do Governo Tancredo e
Sarney, os movimentos sociais do campo se articulam na busca pelos direitos
sociais historicamente negados na legislação brasileira e no imaginário social da
população. A criação da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em 1975 e do MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em 1984 deu novo impulso para
as lutas sociais no campo brasileiro. As lutas não se destinavam somente à reforma
agrária, mas, sobretudo, aos direitos sociais como saúde, educação, moradia e
crédito.

7.2 Cidadania e Educação do Campo: o “público” político dos movimentos


sociais

A partir da década de 1990 em diante foi se criando aos poucos grupos de


reflexão acerca da problemática da escola rural, da escola do campo e no campo.
Sabe-se que desde os anos 1960, com a Educação Popular, tiveram-se alguns
avanços na busca por uma melhor conscientização política a respeito da educação
oferecida aos trabalhadores rurais. Por isso, precisa-se entender que os
movimentos sociais do campo tiveram uma grande importância neste cenário. Em
toda e qualquer sociedade humana histórica sempre se teve processos contra
hegemônicos que resistem a determinadas imposições por parte da classe
dominante. A partir da década de 1990 começou-se a se pensar numa resistência
concretamente constituída por meio de debates, conferências e fóruns que viessem
ser um espaço da sociedade civil em estar trocando experiências e buscando novas
alternativas para os problemas mais agravantes do meio rural e a educação a ela
inserida.
Alguns movimentos sociais e organizações não-governamentais (ONGs)
estão rompendo com a visão unilateral construída ao longo desses 500 anos. Nos
movimentos de resistência cultural os camponeses/as assumem uma outra
58
dimensão. Tornam-se sujeitos históricos de uma nova ordem que se baseia em três
princípios básicos: a solidariedade, a partilha e a luta. Tais movimentos ainda
sobrevivem diante da avalanche de questionamentos realizados pela mídia e pelo
marketing governamental a fim de desqualificá-los. O Encontro Nacional dos
Educadores/as da Reforma Agrária (ENERAs) foi o primeiro espaço constituído
pelos movimentos sociais e sindicais do campo como: MST, CONTAG, CPT e
outros. Estes encontros sempre foram apoiados por ONGs e por organismos ligados
a Igreja Católica (CNBB) e organizações ligadas a ONU como é o caso da FAO,
UNESCO e UNICEF.
Com os encontros foi formada uma equipe de articulação nacional que
envolveu os vários setores das entidades ligadas à luta pela Reforma Agrária que,
também, pensassem uma Conferência onde as discussões gerariam em torno da
educação do campo (NASCIMENTO, 2002). Surge assim, a Articulação Nacional
Por Uma Educação Básica do Campo, tendo como entidades promotoras a CNBB,
o MST, a UNICEF, a UNESCO e a UnB através do Grupo de Trabalho e Apoio à
Reforma Agrária (GTRA). Realizou-se em 1998, a I Conferência Nacional Por uma
Educação Básica do Campo, na cidade de Luziânia – GO. Muitas experiências
alternativas foram sendo descobertas e trazidas a público, principalmente, a partir
deste espaço de debates. As experiências do MAB (Movimento dos Atingidos pelas
Barragens), do próprio MST com as escolas de assentamentos e as escolas
itinerantes que se fazem presente nos acampamentos, do MOC (Movimento de
Organização Comunitária) presentes na Bahia, o MEB (Movimento de Educação de
Base) importante na década de 1960 e 1970 e, hoje, continua desenvolvendo
atividades junto aos povos da floresta e no sertão nordestino com a proposta de
alfabetização de adultos tanto no Norte e Nordeste brasileiro. Enfim, os próprios
movimentos sociais e sindicais do campo que lutam pela posse da terra constroem
processos permanentes de educação popular e não-formal por meio de encontros,
conferências, debates, fóruns, marchas, romarias e cursos de capacitação para os
camponeses/as. Comprova-se assim, um processo contra hegemônico, um sistema
vivo que se faz presente nas comunidades.

59
Por um lado, sabe-se que de uns tempos para cá houve um enorme refluxo
destas práticas educativas, por outro, percebe-se o ressurgimento de movimentos
sociais do campo que estão construindo a história, a memória e a educação a partir
das experiências de lutas e a partir da conscientização como ato de libertação desse
cativeiro imposto pela hegemonia neoliberal que apresenta o deus mercado como
única via, única alternativa. Por isso, pensar a educação do campo significa assumir
três compromissos básicos: um compromisso ético/moral com a pessoa humana
desumanizada historicamente; um compromisso com a intervenção social e educar,
neste sentido, significa intervir para transformar as realidades de exclusão
pedagógicas tão frequentes nos municípios e estados da federação; e, por último,
um compromisso com a cultura camponesa em suas diversas facetas, seja para
resgatá-la, seja para recriá-la, bem como, para conservá-la.
A Educação Básica do Campo não pode ser vista sem a participação do
movimento social existente no campo. É a partir das pedagogias, dentre elas, a
Pedagogia da Alternância, construídas pelo movimento que se compreenderá o
fenômeno educativo camponês. As pedagogias dos gestos, do fazer, da construção
coletiva falam mais do que qualquer teoria pedagógica pensada pelo cientificismo
das estruturas educacionais. A característica do movimento social é exatamente
falar pelos gestos, ou seja, falar por meio da linguagem, das palavras, dos rituais,
da mística. Isto pode ser percebido claramente nos encontros e nas ações coletivas.
Para Arroyo (1999: p. 09):

(...) os movimentos sociais são em si mesmos educativos em seu modo de


se expressar, pois o fazem mais do que por palavras, utilizando gestos,
mobilizações, realizando ações, a partir das causas sociais geradoras de
processos participativos e mobilizadores.

Neste sentido, o movimento social do campo existe, está em movimento,


inquieto e construindo o “público” político de uma esfera. Há um movimento
pedagógico do campo de renovação a partir das propostas elaboradas pelos
movimentos sociais do campo, sejam os sem-terra, os povos indígenas, os
pescadores (caiçaras), os lavradores/as, seringueiros/as etc. A educação se dá
nesta realidade do campo e dos movimentos sociais onde determinante e

60
determinado se constroem a partir da relação dialética existente entre o contexto
real (realidade do mundo rural) e o contexto ideal (utopia dos movimentos sociais
do campo). Por isso, os movimentos sociais são educativos, por excelência, pois
forma novos valores, nova cultura, uma nova noção de cidadania que se difere da
matriz liberal-burguesa.

7.3 A educação do campo enquanto política pública: de FHC à Lula

Saviani (2000: p. 172) nos mostra na íntegra os documentos oficiais da


educação brasileira que alertam no Art. 28 da LDB – Lei Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº. 9.394/96) o seguinte propósito:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de


ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos
curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria,
incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às
condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural.

A concepção de escola do campo procura defender os interesses, a política,


a cultura e a economia da agricultura camponesa. Segundo Fernandes (1999: p.
65) “a política de educação que está sendo implantada no Brasil, por meio dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, ignora a necessidade da existência de um
projeto para a escola rural”. Mas, o que vem sendo um ponto agravante é o fator
regulador da qualidade de educação vista a partir de uma ótica determinista. Um
determinismo geográfico que legitima a existência de uma concepção de que a
escola urbana é melhor, superior do que a escola rural. O que seria a proposta de
uma educação básica do campo? Pode-se dizer que a educação básica do campo
possui três características fundamentais: é um projeto político-pedagógico da
sociedade civil que busca intervir nos fundamentos da educação brasileira. Além
disso, é um projeto popular alternativo para o Brasil e um projeto popular de
desenvolvimento para a realidade campesina.
Tais projetos estão estritamente ligados ao projeto de construção de uma
política pedagógica vinculada às causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à

61
cultura dos povos do campo. Mas, é preciso ter bem claro que a educação do campo
não é um resíduo em processo de extinção como querem alguns. É preciso ter claro,
também, que a escola do campo é necessária para se cultivar a própria identidade
do homem e da mulher do campo e que esta escola do campo pode vir a contribuir
no desenvolvimento de estratégias de um projeto educativo socioeconômico desde
que esteja contextualizada.
O processo de construção de um projeto popular alternativo de
desenvolvimento para o Brasil requer novos valores éticos e culturais que precisam
ser assumidos por todos. Estes valores são os compromissos básicos, urgentes e
emergentes. São eles: compromisso com a soberania; com a solidariedade
(extermínio da exclusão social3 e da desigualdade); com o desenvolvimento
(rompimento com o capital financeiro); com a sustentabilidade; com a democracia
ampliada; e, com a segurança alimentar. Diante dessa exposição sobre a
concepção de educação do campo queremos apresentar de forma preliminar três
programas de educação do campo que se efetivaram durante dos anos 90 nos
governos de FHC e Lula. Tais programas são: Pronera, Saberes da Terra e o
Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo.

7.4 Pronera: a política de FHC continuada por Lula

Em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria Nº. 10/98, o Ministério


Extraordinário de Política Fundiária criou o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária – PRONERA, vinculando ao Gabinete do Ministro e aprovou o seu
Manual de Operações. No ano de 2001, o Programa é incorporado ao INCRA. É
editada a Portaria/INCRA/nº. 837, aprovando a edição de um novo Manual de
Operações. A concepção de educação do Pronera entende que a educação do
campo é um direito de todos e se realiza por diferentes territórios e práticas sociais
que incorporam a diversidade do campo. É, ainda, uma garantia para ampliar as
possibilidades de criação e recriação de condições de existência da agricultura
familiar/camponesa. Por isso, o Pronera quer fortalecer o mundo rural como

62
território de vida em todas as suas dimensões: econômicas, sociais, ambientais,
políticas e éticas.

Fonte: dsvc.com.br

Esta ação promove a justiça social no campo por meio da democratização do


acesso à educação na alfabetização e escolarização de jovens e adultos, na
formação de educadores para as escolas de assentamentos/acampamentos e na
formação técnico-profissional de nível médio e superior. Enquanto política pública,
o Pronera fundamenta-se na gestão participativa e na descentralização das ações
das instituições públicas envolvidas com a educação. Essas instituições criam por
meio de projetos a oportunidade de exercitar e realizar ações com a coparticipação
dos movimentos sociais e sindicais de trabalhadores e trabalhadoras rurais,
instituições de pesquisa, governos estaduais e municipais, em prol do
desenvolvimento sustentável no campo, da construção da solidariedade e da justiça
social. Desta forma, o Pronera realiza práticas e reflexões teóricas da Educação do
Campo, tendo como fundamento a formação humana como condição primordial, e
como princípio a possibilidade de todos e todas serem protagonistas da sua história,
criando novas possibilidades para descobrir e reinventar, democraticamente,

63
relações solidárias e responsáveis no processo de reorganização socio territorial
em que vivem.

7.5 Programa Saberes da Terra: a política do Governo Lula

O Pro-Jovem Campo – Saberes da Terra é um programa de escolarização


de jovens agricultores/as familiares em nível fundamental na modalidade de
Educação de Jovens e Adultos (EJA), integrado à qualificação social e profissional.
O Programa surgiu em 2005, vinculado ao Ministério da Educação pela Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) com a meta de
escolarização de 5.000 jovens agricultores/as de diferentes estados e regiões do
Brasil: Bahia, Pernambuco, Paraíba, Maranhão e Piauí pela região nordeste. Mato
Grosso do Sul no Centro-Oeste. Santa Catarina e Paraná pela região Sul.

Fonte: portalcgrn.com

Da região Sudeste Minas Gerais e do Norte participam Pará, Tocantins e


Rondônia. Nos dois anos de sua existência, o Programa Saberes da Terra atingiu a
formação de jovens agricultores/as que vivem em comunidades ribeirinhas,
quilombolas, indígenas, assentamentos e de pequenos agricultores, escolarizou

64
adultos, entre outros. Essa diversidade étnico-cultural e de gênero vivenciada pelo
Programa, aparece nos debates e produções realizadas durante os quatro
Seminários Nacionais de Formação de Formadores/as, dezenas de Seminários
Estaduais de Formação de Educadores e na produção de materiais pedagógicos.
Estas experiências pedagógicas realizadas viabilizaram a escolarização em nível
fundamental integrada à qualificação social e profissional em Agricultura Familiar e
Sustentabilidade.
A organização curricular do Pro Jovem Campo – Saberes da Terra está
fundamentada no eixo articulador Agricultura Familiar e Sustentabilidade. Este eixo
amplia suas dimensões de atuação na formação do jovem agricultor por meio dos
seguintes eixos temáticos:

a) Agricultura Familiar: identidade, cultura, gênero e etnia.


b) Sistemas de Produção e Processos de Trabalho no Campo.
c) Cidadania, Organização Social e Políticas Públicas.
d) Economia Solidária.
e) Desenvolvimento Sustentável e Solidário com enfoque Territorial.

Os eixos temáticos agregam conhecimentos da formação profissional e das


áreas de estudo para a elevação da escolaridade. A execução da proposta
pedagógica e curricular acontece por meio da realização de atividades educativas
em diferentes tempo e espaços formativos. Os jovens iniciam a escolarização pelo
“Tempo Escola” que corresponde ao período no qual os jovens permanecem
efetivamente na unidade escolar com atribuições de aprendizagens sobre os
saberes técnico científicos dos eixos temáticos, planejamento e execução de
pesquisas, atividades de acolhimento e organização grupal, entre outras atividades
pedagógicas. Outro momento de organização do tempo e espaço formativo do
Programa é o “Tempo Comunidade” correspondente ao período no qual os
educandos realizam pesquisas, estudos e experimentações técnico-pedagógicas
nas comunidades, com o objetivo de partilharem seus conhecimentos e suas

65
experiências adquiridas na escola com as famílias ou instâncias de organização
social.
O “Tempo Escola” e o “Tempo Comunidade” são espaços formativos
privilegiados de articulação entre estudo, pesquisa e criação de propostas de
intervenção de modo a estimular diferentes aprendizagens nos jovens
agricultores/as, tais como, leitura, escrita, arte, afirmação da diversidade étnica,
cultural e gênero; desenvolver o espírito coletivo e solidário; superação dos valores
de dominação, preconceito étnico-raciais e desigualdades existentes na relação
campo cidade; desenvolver a autonomia e a solidariedade produtiva, entre outras
aprendizagens.

7.6 Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação


do Campo – Procampo

O Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação


do Campo – Procampo é uma iniciativa do Ministério da Educação, por intermédio
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), em
cumprimento às suas atribuições de responder pela formulação de políticas públicas
de combate às desvantagens educacionais históricas sofridas pelas populações
rurais e valorização da diversidade nas políticas educacionais.

Fonte: seminarioprocampo2014.blogspot.com

66
O objetivo do Programa é apoiar a implementação de cursos regulares de
Licenciatura em Educação do Campo nas Instituições Públicas de Ensino Superior
de todo o país, voltados especificamente para a formação de educadores para a
docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas rurais.
O Procampo tem a missão de promover a formação superior dos professores em
exercício na rede pública das escolas do campo e de educadores que atuam em
experiências alternativas em educação do campo, por meio da estratégia de
formação por áreas de conhecimento, de modo a expandir a oferta de educação
básica de qualidade nas áreas rurais, sem que seja necessário a nucleação
extracampo.
Entre os critérios exigidos, os projetos devem prever: a criação de condições
teóricas, metodológicas e práticas para que os educadores em formação possam
tornar-se agentes efetivos na construção e reflexão do projeto político-pedagógico
das escolas do campo; a organização curricular por etapas presenciais,
equivalentes a semestres de cursos regulares, em Regime de Alternância entre
Tempo-Escola e Tempo-Comunidade, para permitir o acesso e permanência dos
estudantes na universidade (tempo-escola) e a relação prática-teoria-prática
vivenciada nas comunidades do campo (tempo-comunidade); a formação por áreas
de conhecimento previstas para a docência multidisciplinar – Linguagens e Códigos,
Ciências Humanas e Sociais, Ciências da Natureza e Ciências Agrárias, com
definição pela universidade da(s) respectiva(s) área(s) de habilitação; e a
consonância com a realidade social e cultural específica das populações do campo
a serem beneficiadas, segundo as determinações normativas e legais concernentes
à educação nacional e à educação do campo em particular.
Atualmente, quatro universidades públicas federais estão desenvolvendo
experiências piloto: UnB (Universidade de Brasília), UFMG (Universidade Federal
de Minas Gerais), UFBA (Universidade Federal da Bahia) e UFS (Universidade
Federal do Sergipe). O processo seletivo da Universidade de Brasília ocorreu em
setembro de 2007, com o curso organizado em uma carga horária de 3.525 horas-
aula, distribuída em 8 etapas, uma a cada semestre, integralizando 4 anos. Cada
etapa é composta de um tempo-escola e um tempo-comunidade. O tempo-escola é

67
dividido em períodos intensivos, com o mínimo de 50 e máximo de 70 dias
ininterruptos, em regime de internato, com 8 horas diárias de atividade. A primeira
etapa do tempo-escola teve início em setembro de 2007 no Instituto de Educação
Josué de Castro, em Veranópolis, Rio Grande do Sul.
A primeira etapa do tempo comunidade, que ocorreu no início de 2008, prevê
a inserção orientada dos estudantes nas comunidades camponesas, onde
desempenharão atividades curriculares específicas da respectiva etapa. Sabemos
que a burocracia estatal delimita as ações da Coordenação-Geral de Educação do
Campo o que determina que as práticas realizadas sejam impulsionadas realmente
pelos movimentos sociais do campo que possuem uma noção clara sobre a
educação do campo conforme destaca Fernandes (2002).

A Educação do Campo é um conceito cunhado com a preocupação de se


delimitar um território teórico. Nosso pensamento é defender o direito que
uma população tem de pensar o mundo a partir do lugar onde vive, ou seja,
da terra em que pisa, melhor ainda: desde a sua realidade. Quando
pensamos o mundo a partir de um lugar onde não vivemos, idealizamos
um mundo, vivemos um não lugar. Isso acontece com a população do
campo quando pensa o mundo e, evidentemente, o seu próprio lugar a
partir da cidade. Esse modo de pensar idealizado leva ao estranhamento
de si mesmo, o que dificulta muito a construção da identidade, condição
fundamental da formação cultural. (FERNANDES, 2002).

Para concluir, podemos formular cinco princípios básicos que mostram o


papel da escola e a sua transformação. A primeira transformação do papel da escola
refere-se, especificamente, a três compromissos que a educação do campo deve
assumir.

Fonte: conselhodeumbrasileiro.blogspot.com

68
O compromisso ético/moral com a pessoa humana. O compromisso com a
intervenção social que irá vincular os projetos de desenvolvimento regional e
nacional. E, o compromisso com a cultura no seu resgate, na sua conservação e na
sua recriação, tendo como eixo a educação dos valores baseada na educação para
autonomia cultural a partir de Freire (1997) e na educação pela memória histórica a
partir de Brandão (1985). A segunda transformação do papel da escola diz respeito
à gestão da escola como espaço público e comunitário, ou seja, a democratização
do espaço escolar. Isto significa que deve haver ampliação (quantitativa e
qualitativa) do acesso às escolas; participação da comunidade nas decisões sobre
gestão escolar, propostas pedagógicas e políticas públicas; participação dos
educandos/as na gestão escolar superando a democracia representativa; e, a
criação de coletivos pedagógicos que pensem e repensem os processos de
transformação.
A terceira transformação do papel da escola vem abordar a pedagogia
escolar, onde a educação popular inserir-se-á no cotidiano escolar e no processo
de ensino-aprendizagem. A finalidade desta transformação é trazer, para a escola,
alternativas pedagógicas que são produzidas fora do espaço escolar formal;
analisar as experiências e as discussões que acontecem a respeito da renovação
pedagógica; aprender a conhecer, aprender a viver juntos, aprender a fazer e
aprender a ser. A quarta transformação refere-se aos currículos escolares que deve
se adequar no movimento da realidade que o cerca. Por isso, a princípio, deve-se
retirar o conceito de que a escola é mera transmissora de conhecimentos teóricos.
Mas, é um espaço, por excelência, de formação humana. Para isso, faz-se
necessário pensar um novo ambiente educativo. Num segundo momento, refletir
sobre a existência do reducionismo de tendência pedagógica em ter a escola como
simples espaço de memorização e de informação.
Posteriormente, exigir que o currículo de uma escola do campo contemple as
relações com o trabalho na terra e trabalhar o vínculo entre educação e cultura,
sendo a escola um espaço de desenvolvimento cultural de toda a comunidade. E,
por fim, o currículo deve romper com a postura presenteísta que domina nossa
sociedade. Enfim, a quinta transformação do papel da escola vem mostrar a

69
transformação dos educadores e educadoras das escolas do campo. Dois
problemas são visíveis: os educadores/ as são vítimas de um sistema educacional
que desvaloriza o trabalho da docência e, principalmente, os coloca num círculo
vicioso e perverso. Isto faz gerar uma consequência problemática: como vítimas (os
educadores/as) constroem novas vítimas, os educandos/as das escolas do campo.
As iniciativas específicas para educadores/as do campo são: articulação, ou seja, a
criação e o fortalecimento dos coletivos pedagógicos locais, municipais, estaduais,
nacionais e internacionais; qualificação ou formação escolar para os docentes
leigos/as; e, criar programas sistemáticos de formação com metodologias
pedagógicas alternativas e dialógicas.7

8 IGUALDADE E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

O avanço da consciência social a respeito da importância da educação no


processo de construção das condições dignas da existência humana, impõe, hoje,
na agenda do Estado brasileiro, a necessidade de estabelecer em conjunto com os
movimentos sociais, as bases de uma política pública de educação, que efetive a
responsabilidade do poder público com a população do campo enquanto sujeito de
direitos, num espaço social, político e geográfico, em permanente transformação.
Neste sentido, a parceria com os movimentos sociais define uma configuração
reconhecidamente específica para a política em pauta.
Em primeiro lugar, trata a educação como direito humano e, ao fazê-lo, vai
além dos marcos legais. Estabelece o foco nos diversos modos de pertencimento
às comunidades, aos grupos, às classes sociais e ao mundo, apontando para uma
forma de sociabilidade ou modelo de convivência que, segundo Telles (1994), é
regida pelo reconhecimento do outro enquanto portador de interesses, demandas e
valores legítimos e, assim sendo, potencializa, além do pertencimento, a definição
do tipo de sociedade no interior da qual se pretende efetivar esta inclusão. Neste
modelo, o campo é considerado diverso e simultaneamente elo de unidade na

7
Texto Extraído de file:///C:/Users/Colaborador/Downloads/3450-12685-1-PB.pdf

70
complexa realidade brasileira, razão pela qual a educação do campo é uma
dimensão estruturadora da política nacional de educação que incorpora, em seu
âmbito, os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os
ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e
extrativista (Resolução n° 01-CEB/CNE, 2002).
Dessa forma, poder-se-ia identificar, de imediato, que a especificidade exige
a capacidade de reconhecer o diferente e o outro na condição de sujeito e, em
decorrência, elege como horizonte um modo de pertencimento que impede a
transformação das diferenças em efetivas desigualdades. Com esse entendimento,
poder-se-ia afirmar que a diferença e o pertencimento são aspectos de uma
abordagem que acolhe o diverso sem, contudo, perder a visão de totalidade,
contrapondo-se à compreensão setorializada e excludente que ainda predomina no
debate sobre a inserção da educação do campo numa proposta de desenvolvimento
para o país (Caldart, 2004). De modo equivalente, a Câmara da Educação Básica
do Conselho Nacional de Educação, traduzindo o pensamento da sociedade
brasileira, em especial a compreensão dos movimentos sociais, consultados a partir
de seminários e audiências públicas, estabeleceu as diretrizes para as escolas de
educação básica no campo, reafirmando que o modo próprio de vida social e de
utilização do espaço do campo são fundamentais para a constituição da identidade
da população e da inserção cidadã na definição dos rumos da sociedade brasileira.
Em função disso, ao tratar da identidade da escola do campo, as citadas
diretrizes contemplam o diverso sem descurar da perspectiva nacional,
assegurando a unidade mediante práticas, valores e discursos que enraízam o
direito à igualdade, no seu cotidiano. A propósito, transcrevemos alguns artigos da
resolução que surgem de uma crítica contundente às análises que procuram
identificar problemas e sugerir soluções, supondo incorretamente a
homogeneização do espaço nacional e, portanto, desconhecendo nos termos do
pensamento de Dagnani (1994) que a afirmação da diferença está vinculada à
reivindicação do direito de que ela possa existir como tal, do direito de que ela possa
ser vivida sem que isso signifique o tratamento desigual, a discriminação.

71
Art. 2°(...) Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pela
sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na
temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza
futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos
sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas
questões à qualidade social da vida coletiva do país.
Art. 3°. O Poder Público, considerando a magnitude da importância da
educação escolar para o exercício da cidadania plena e para o desenvolvimento de
um país cujo paradigma tenha como referências a justiça social, a solidariedade e
o diálogo entre todos, independente de sua inserção em áreas urbanas ou rurais,
deverá garantir a universalização do acesso da população do campo à Educação
Básica e à Educação Profissional de Nível Médio.
Art. 4°. O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho
compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização da
educação escolar com qualidade social, constituir-se-á espaço público de
investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o mundo do
trabalho, bem como para o desenvolvimento social, economicamente justo e
ecologicamente sustentável.
(...) Art. 10. O projeto institucional das escolas do campo, considerado o
estabelecido no artigo 14 da LDBEN, garantirá a gestão democrática, constituindo
mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre a escola, a comunidade
local, os movimentos sociais, os órgãos normativos dos sistemas de ensino e os
demais setores da sociedade.
Como se vê, a diversidade é fundamento básico de uma política pública de
educação do campo que tem como pretensão maior assegurar a mais ampla
condição de igualdade e bem-estar coletivo. Isto pressupõe homens e mulheres
que, independente de geração, etnia, raça, e gênero, entre outros, são sujeitos de
iniciativas em defesa da humanização de todos e, portanto, capazes de submeter
seus interesses individuais aos que são constitutivos do bem comum. Neste
particular, cabe destacar o artigo 2° da LDBEN (1996) quando estabelece a
inspiração da educação nacional no princípio da liberdade e nos ideais da

72
solidariedade humana e coloca a sua finalidade no pleno desenvolvimento do
educando. Assim procedendo, estimula vínculos e indica como eixo do projeto
educativo, a emancipação do isolamento que é próprio de um mundo de estranhos,
remetendo diretamente ao processo permanente de aprendizagem que advém do
protagonismo exercido no interior das lutas sociais pelos direitos. Sobre isto, Chauí
(2001) registra que a liberdade é a consciência simultânea das circunstâncias
existentes e das ações, que suscitadas por tais circunstâncias nos permitem
ultrapassá-las. Quanto ao direito, reafirma que é geral e universal, válido para todos
os indivíduos, grupos e classes sociais e sua instituição, na sociedade democrática,
é dada pela abertura do campo social à criação de direitos reais, à ampliação de
direitos existentes e à criação de novos direitos.
Nesta perspectiva, todos são convocados à vida enquanto um território de
possibilidades de criação e recriação de novos e surpreendentes elementos para a
existência da humanidade, admitindo-se a provisoriedade da verdade e a
reafirmação do vínculo entre a história e o direito a ter direitos. Neste caso, fala-se
da história que não se repete nem tampouco é pré-determinada. O amanhã é
sempre novo e o presente, ao valorizar a liberdade, requer escolhas e aponta
futuros que emergem da capacidade de invenção e reinvenção que mobiliza a
humanidade. Efetivadas as escolhas, o futuro, sem sombra de dúvida, passa a ser
a esperança do presente que se viabiliza a partir da superação das condições de
existência e que, embora não tenham sido necessariamente criadas por cada um,
no seu interior que se processam e conduzem as transformações do universo.
Esta é a inspiração acolhida pelos movimentos sociais do campo quando
fazem o registro de que a educação na perspectiva dos direitos humanos é
essencialmente solidária, é um direito humano em si e, ao mesmo tempo, base para
a realização de outros direitos. Neste particular, propugnam uma sociedade aberta
ao diverso e ao novo nos termos das proposições que constam das declarações
finais das Conferências Nacionais de Educação do Campo e, mais recentemente,
das estaduais, todas assinadas por um conjunto de entidades articuladas em torno
da garantia da educação do campo sob a ótica do direito. Observe-se, por exemplo,
que as proposições presentes no texto da Declaração Final da II Conferência

73
Nacional de Educação do Campo CNEC/04, denunciam a grave situação
educacional vivida pela população camponesa, evidenciam o respeito à diversidade
e insistem no esforço de construir a unidade necessária à luta social que se
contrapõe a um modelo de desenvolvimento baseado na concentração de
privilégios e na exclusão da maioria dos brasileiros. Além disso, pautam a educação
do campo na agenda política do país, definindo seus protagonistas e formulando
concepções de campo, desenvolvimento, educação e de política pública que
fortalecem os sujeitos coletivos e movimentos sociais.
A nossa caminhada se enraíza nos anos 60 do século passado, quando
movimentos sociais, sindicais e algumas pastorais passaram a desempenhar papel
determinante na formação política de lideranças do campo e na luta pela
reivindicação de direitos (...) (p.3) Respeitando a diversidade dos sujeitos que aqui
representamos e, ao mesmo tempo, construindo a unidade necessária para a tarefa
que nos colocamos, queremos aqui reafirmar o nosso compromisso coletivo com
uma visão de campo, de educação e de política pública (p.6). (...) Defendemos um
tratamento específico da educação do campo com dois argumentos básicos: - a
importância da inclusão da população do campo na política educacional brasileira,
como condição de construção de um projeto de educação, vinculado a um projeto
de desenvolvimento nacional, soberano e justo; na situação atual está inclusão
somente poderá ser garantida através de uma política pública específica de acesso
e permanência e do projeto político pedagógico; - a diversidade dos processos
produtivos e culturais que são formadores dos sujeitos humanos e sociais do campo
que precisam ser compreendidos e considerados na construção do projeto de
educação do campo. (...) (p.8).
É por este caminho que se encontra a afinidade entre o que estabelece o
artigo 1° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e as decisões a respeito
dos espaços de realização das ações educativas, agora definidos para além da
chamada educação doméstica e das instituições que integram os sistemas de
ensino, nos seguintes termos:
Art.1°. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e

74
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
Isto posto, há que se atentar para uma política pública que propicie as
mudanças necessárias no quadro de atendimento escolar brasileiro, em especial, a
superação das desigualdades constatadas quando comparamos o perfil de
escolarização da população tomando como referência a sua residência no campo e
na cidade. No primeiro, o atendimento escolar na educação infantil e no ensino
médio são insignificantes, acrescido dos problemas decorrentes da ausência de
condições de trabalho dos docentes, altos índices de analfabetismo de jovens e
adultos, baixos níveis de aprendizagem e significativa taxa de distorção idade-série.
A ausência de políticas públicas para implementar a educação do campo como
direito humano é evidente.

Fonte: redebrasilatual.com.br

Demonstra, segundo o MEC, o descaso dos dirigentes e as matrizes culturais


centradas no trabalho escravo, na concentração fundiária, no controle do poder
político pela oligarquia e nos modelos de cultura letrada europeia. Neste sentido,
merece especial destaque, o relatório nacional para o direito humano à educação

75
que, apoiado nas diretrizes operacionais para as escolas de educação básica do
campo e, ao mesmo tempo, aproximando-se do que propugnam os movimentos
sociais, recomendam a vinculação rigorosa entre a universalização da oferta pública
da educação escolar, as demandas sociais e culturais específicas das diversas
regiões, rurais ou urbanas, e adversidade dos seus públicos. Para tanto indica
políticas próprias e afirmativas, sem perder as características que conformam o
povo brasileiro (Haddad, 2005).8

9 A QUESTÃO AGRÁRIA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO

A discussão sobre a questão agrária no Brasil é muito recente - se


comparada ao debate internacional - e somente aconteceu em sua forma diversa
(ideias e teses contrastantes que interpretavam a origem e a posse da terra) na
década de 1960. Essa discussão surgiu, segundo Stédile (2005), devido à
necessidade política e sociológica dos partidos e não ao devido desenvolvimento
científico e acadêmico, que sempre foi fruto da submissão colonial e que se
encontrava impedido de desenvolver pesquisas e um consolidado pensamento
nacional.

Fonte: novaescola.org.br

8
Texto Extraído em
http://www.contag.org.br/imagens/f298Educacao_como_%20Direito_Edla%20Soares.pdf

76
Para o autor o conceito “questão agrária” é um conjunto de interpretações e
análises da realidade agrária, que procura explicar como se organiza a posse, a
propriedade, o uso e a utilização das terras na sociedade brasileira. Para a corrente
hegemônica de interpretação da evolução da questão agrária no Brasil, no período
de 50.000 a.C. a 1.500 d.C., a ocupação do nosso território se deu através das
correntes migratórias que vieram da Ásia, cruzando o estreito do Alasca e ocupando
todo o continente americano, essa interpretação se consolida pelos vestígios
humanos e instrumentos localizados no Estado do Piauí que datam deste período.
A historiografia brasileira registra que as populações que habitavam nosso território
viviam em agrupamentos sociais, famílias, tribos, clãs, de maioria nômade,
dedicando-se basicamente à caça, à pesca, à extração de frutas, sendo que os bens
naturais presentes no território eram de uso coletivo e atendiam às necessidades
de sobrevivência do grupo.
É de comum acordo nos debates da corrente hegemônica que a posse o uso
do território nesse contexto era coletivo e que se vivia no comunismo primitivo.
Sobre o período que vai de 1500 d.C. a 1850 d.C. existem, segundo Stédile (2005),
teses e registros históricos de que missões de outros povos, seja dos fenícios, dos
árabes, dos africanos e até mesmo de europeus, que chegaram ao nosso continente
antes de 1500, informações para além do registro oficial da descoberta e
empoderamento realizado por Cristóvão Colombo, em 1492. Com a invasão
europeia e com a dominação e aculturação dos povos originais os bens naturais
aqui presentes foram submetidos à lógica e às leis do capitalismo mercantil (período
histórico já dominante na Europa), bem como a força de trabalho se tornou a
escrava. Todos os bens foram transformados em mercadoria e enviados à
metrópole, em pouco tempo os europeus perceberam que a alta fertilidade de
nossas terras era a principal fonte de exploração de produtos que antes eram
obtidos em territórios que não estavam sob seu domínio e pelos quais pagavam-se
altos valores; 2 surgiram então os ciclos de exploração da cana de açúcar, do
algodão, do gado, do café, da pimenta do reino e do cacau, inundando o mercado
europeu através de um modelo agroexportador.

77
Quanto à organização da produção, para Stédile (2005), apesar das
polêmicas sobre o assunto, existe um consenso de que o modelo adotado para
organizar as unidades de produção agrícola foi o da plantation, que se caracteriza
pela organização da produção agrícola em grandes fazendas de áreas contínuas,
priorizando as monoculturas como as citadas acimas e de boa localização no
território para facilitar a exportação pelos portos. Apesar da utilização da mão de
obra escrava, em termos de tecnologia os engenhos utilizavam o que havia me mais
avançado para aumentar a produção/lucros e diminuir os custos; a propriedade da
terra era da Monarquia e gerenciada pela coroa, o que não caracterizava a
propriedade da terra como capitalista, pois não havia propriedade privada. Para
Stédile (2005) a relação desse sistema com o capitalismo residia no modelo
agroexportador que para estimular o investimento do capital na produção das
mercadorias, concedeu o uso de enormes extensões de terra para a produção de
mercadorias para exportação.
Para o autor, a “concessão de uso” era dada por direito hereditário, sendo
que os herdeiros do fazendeiro poderiam continuar com a posse das terras e com
a sua exploração, ao mesmo tempo não lhes era garantido o direito de vender as
terras, ou mesmo de comprar terras vizinhas, em suma não havia propriedade
privada das terras e as terras ainda não eram mercadorias (Stédile, 2005). Podemos
notadamente afirmar como demonstra Stédile (2005), que a adoção do modelo
agroexportador sob a lógica da plantation foi um genocídio do povo brasileiro, o
autor mostra que em 1500 existiam aproximadamente 5 milhões de pessoas em
nosso território, ou seja, um grande massacre da população indígena, da população
negra trazida da África, pelo colonizador europeu. Devido às pressões inglesas para
a substituição do trabalho escravo por trabalho assalariado e com a abolição da
escravidão, surge em 1850 a primeira lei de terras no país que garantia a
propriedade privada, não permitindo que os negros libertos se apossassem das
mesmas, nem que se tornassem pequenos camponeses, pois para a compra de
propriedades no Brasil era necessário que se pagasse uma parcela para a coroa.
Essa conjuntura refletia a crise do trabalho escravo e inaugurava o período
que vai de 1850 a 1930, no qual os escravos continuaram sob o domínio dos

78
fazendeiros só que agora como assalariados. Após a promulgação da Lei Áurea de
1888 estima-se que quase dois milhões de ex-escravos (Stédile, 2005)
abandonaram o trabalho agrícola e migraram 3 para as cidades em busca de
alternativas para vender a força de trabalho, ao mesmo tempo que buscavam
territórios nas cidades, os ex-escravos eram proibidos pela lei de terras de se
apossarem de terrenos que já eram propriedade privada dos capitalistas, surgindo
assim, as primeiras favelas presentes nas grandes cidades e suas comunidades.
Como estratégia para repor a mão de obra escrava, as elites realizaram uma forte
propaganda na Europa no período de 1875 a 1914 atraindo cerca de 1,6 milhões de
camponeses renegados pelo avanço do capitalismo para o trabalho agrícola das
grandes propriedades, para Stédile (2005) o número de imigrantes europeus
coincide com as últimas estatísticas de trabalhadores escravizados. Parte desses
imigrantes foram para a região sul do país e outra parte para São Paulo e Rio de
Janeiro, estabelecendo o regime de produção sob a forma de colonato, no qual
recebiam as lavouras de café prontas, casa, direito de moradia e direito de plantar
outros produtos para sua subsistência, recebendo o pagamento em forma de café
que poderia ser vendido.

Fonte: redebrasilatual.com.br/

79
O campesinato brasileiro teve então sua origem em duas formações, a
primeira mencionada acima, inseriu milhares de camponeses pobres europeus no
trabalho agrícola nas regiões Sudeste e Sul, já a segunda formação é relativa à
miscigenação das populações branca, indígena, e negra presentes no processo de
colonização. A crise do modelo agroexportador e a migração de camponeses
europeus seguiu até a primeira guerra mundial, e foi nesse contexto que surgiu o
campesinato brasileiro. No período subsequente ocorreram mudanças significativas
para a questão agrária no Brasil, a crise da República Velha havia se prolongado
ao longo da década de 1920, os seus expoentes políticos vinham perdendo força
com a mobilização do trabalhador industrial e com as dissidências políticas que
enfraqueceram as grandes oligarquias. Esses acontecimentos ameaçaram a
estabilidade da tradicional aliança rural entre os estados de São Paulo e Minas
Gerais (a política do café com leite) e no ano de 1930 setores da elite da nascente
burguesia industrial fizeram uma "revolução" política provocando a queda da
republica velha e tomando o poder da oligarquia rural exportadora e impondo um
novo modelo econômico para o país.

9.1 A educação no Brasil e a sua relação com a questão agrária

No contexto de transição da república no Brasil, a república velha se


encarregou de inserir o país no processo de modernidade do século XX,
“escolarizando” o povo brasileiro e criando uma alavanca para o progresso; esse
movimento tinha como intenção inserir o Brasil na disputa econômica junto às
grandes potências da época. Neste contexto “escolarizar” significava abrir mão da
escolaridade formal que era exclusividade das classes elevadas e leva-la às classes
médias e inferiores do meio urbano. Para Leite (1999), essa transição já dava sinais
desde antes do final do império quando um número significativo de congregações
religiosas instalou escolas de ensino médio nas principais províncias. Apesar das
inspirações positivistas da república, não se desenvolveram políticas educacionais
destinadas à escolarização rural devido ao maior interesse das elites na formação
do operariado e de experiências urbanas.

80
Para Florestan Fernandes (1973) surge nesse contexto de criação de um
novo modelo econômico, a industrialização dependente, que se explica pela
condição de não romper política e economicamente a dependência com países
desenvolvidos, nem romper o vínculo com a oligarquia rural brasileira, mas criando-
se um novo cenário, de subordinação da agricultura à lógica da indústria. Stédile
(2005) aponta que alguns estudiosos chamaram esse período de “projeto nacional
desenvolvimentista” e de “Era Vargas”, pois a coordenação política foi executada
por Getúlio Vargas, que governou o país de 1930 a 1945.

Fonte: slideplayer.com.br

Ao mesmo tempo em que se modificou a correlação de forças entre a


burguesia nascente e a oligarquia, a posse das terras e a produção para a
exportação ainda era das oligarquias, perdendo somente a força política que antes
detinham, isso se deve ao fato de que a burguesia industrial brasileira se originou
das oligarquias e possuía origem vinculada à acumulação das exportações do
período colonial. Para a consolidação do processo industrial no Brasil necessitava-
se importar máquinas, tecnologia e mão de obra operária o que, segundo Stédile
(2005), gerava dividas justificava a consequente dependência, nesse contexto
surge também a necessidade de uma indústria para a agricultura que importasse

81
insumos, ferramentas, máquinas, adubos, venenos, criando-se então a
agroindústria e consequentemente uma burguesia agrária.
A agroindústria dinamizou e criou também um mercado interno incorporando
os camponeses à indústria e ao mercado. Nesse contexto os camponeses
passaram a fornecer mão de obra barata para as indústrias, passaram pelo
processo de êxodo rural e de proletarização, consequência da lógica capitalista que
desestimulou os filhos de camponeses a sonharem em se reproduzir socialmente
enquanto classe camponesa e se desestimulassem com a sua permanência no
campo. A educação brasileira só deu sinais de preocupação com o rural neste
momento, face ao grande movimento migratório dos rurícolas (nos anos de 1910-
1920) para as grandes cidades em busca de emprego e está representada pela
corrente do Ruralismo Pedagógico que defendia as virtudes do campo e da vida
campesina, mascarando a sua maior preocupação, o esvaziamento populacional
das áreas rurais e a possível oposição à movimentação progressista urbana (Maia,
1982).
Essa corrente permaneceu até a década de 1930 ainda fortemente ligada às
origens coloniais e somente após as transformações mais profundas do modelo
agroexportador é que a educação no Brasil deu alguns sinais de mudanças. Frente
as forças liberais da década de 1930 algumas mudanças são incorporadas na
sociedade brasileira seguindo os moldes do estado de bem-estar social, onde o
estado é o promotor da vida social e organizador da economia, implementando a
noção de direitos e participação da população. Essas mudanças estão fortemente
presentes na constituição de 1934 e foram “incrementadas” de forma nacionalista
no período Vargas, reforçando a consolidação de um processo de industrialização
de base, possibilitando o equilíbrio social e sustentando a condução do Estado
Novo.
Nesse contexto a escolarização ganha nova função, passa a ser suporte para
a industrialização, mas não tem olhares voltados para o processo de educação rural,
ainda está ligada ao desenvolvimento de sujeitos para o trabalho urbano
(capacitação profissional) e sujeitos que permaneçam no campo, ou seja, ainda era
de caráter ruralista pedagógica. Apesar da pouca atenção para a educação rural

82
nesse período existem dois momentos marcantes, foi criada em 1937 a Sociedade
Brasileira de Educação Rural que tinha como meta a preservação da cultura, da arte
e do folclore rural e em 1942 durante o VIII Congresso Brasileiro de Educação,
foram reforçadas as tendências ruralistas pedagógicas e as tendências
nacionalistas-burguesas do Estado Novo. Com o fim da II Guerra e do Estado Novo
e com surgimento da tendência de redemocratização, solidificou-se ainda mais a
influência da política externa norte americana e criou-se no Brasil a CBAR –
Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais que tinha
como programa a implantação de projetos na zona rural brasileira para o
desenvolvimento de comunidades camponesas, trazendo através de centros de
ensino, conhecimentos técnicos aos camponeses, criando conselhos, clubes e
representações camponesas. Esse tipo de ação tinha por finalidade organizar o
campesinato brasileiro de acordo com os padrões norte-americanos - nesse caso o
padrão Farmer - no 6 qual os camponeses passariam a produzir em grandes
propriedades voltadas para a exportação.
O governo brasileiro possuía fortes alianças com os Estados Unidos,
emblematicamente representadas pela Inter American Foundation Inc. que
propunha a criação de missões rurais, que segundo Ammann (1991) funcionavam
como missões que realizavam o adestramento de brasileiros naquele país e pela
Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR) a qual se transformou em
EMATER após alguns anos, famosa pelos programas de extensão rural.
Observamos que a criação do novo modelo econômico brasileiro ocorreu
necessariamente segundo as coordenações políticas e influencias intelectuais do
modelo norte-americano, ligadas ao ideal de bem-estar social e desenvolvimento
assegurados pelo Estado, com o propósito de ensinar a “ajudar” as famílias
camponesas a “ajudarem” a si mesmas usando tecnologia para conseguir uma
maior produtividade e atingirem os padrões de bem-estar, incorporando
consequentemente o modelo liberal no Brasil.
A extensão rural tinha como princípio o combate à carência, às doenças, à
subnutrição e à ignorância dos classificados como desprovidos de valores, trabalho
e de integração à sociedade, assistindo e protegendo a população rural. Ampliar e

83
melhorar as condições de vida do campo é uma questão política e ideológica na
medida em que ela silencia as possíveis forças camponesas revolucionárias que
nesse contexto poderiam se rebelar frente ao imperialismo no Brasil. A partir dos
anos 1950 crescem no Brasil as atividades educacionais voltadas para a população
rural, temos a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) e o Serviço Social
Rural (SSR) que continuam seguindo o modelo extensionista visando construir um
desenvolvimento comunitário no campo e desconsiderando as contradições
naturais dos grupos campesinos.
Para Leite (1999) apesar dos esforços dessas organizações para manter o
homem no campo, intensificaram-se os fluxos migratórios para as grandes cidades
nos anos subsequentes. Com a criação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nos anos 1960, reforçou-se ainda mais as contradições da educação no
Brasil, para Freitag (1980) apesar da lei possuir elementos populistas ela não
deixava seu caráter elitista de lado e explicitava claramente a relação de
dependência e subordina 7 populares que se organizavam e se solidificavam
enquanto grupos que lutavam por seus interesses. Em todos os momentos em que
surgia na sociedade brasileira uma nova força resistente no campo ou na cidade,
em contraposição, era criado e executado mais um programa norte americano;
nesse momento criou-se a Aliança para o Progresso que tinha como objetivo
reajustar a estrutura econômica da américa latina através de um programa
assistencial que não modificava nem um pouco a relação de dependência em
relação aos Estados Unidos.
O programa servia como ferramenta de controle para que o presidente norte
americano em exercício John F. Kennedy, conseguisse manter o nível de bem-estar
social no país e diminuísse as possíveis contradições sociais que impulsionavam as
ideologias comunistas. Nesse momento criou-se as superintendências para o
desenvolvimento do Nordeste e do Sul, SUDENE, SUDESUL, INBRA, INDA e o
INCRA e outros subprogramas que estavam preocupados com o desenvolvimento
territorial das áreas agrícolas, trabalhando questões políticas (como a educação e
a organização de camponeses) e questões econômicas (como o aumento da
produção) que fundamentalmente serviam para controlar os movimentos

84
migratórios e as rebeliões camponesas. A partir dos anos 1960 consolida-se então
no Brasil uma agricultura capitalista moderna e um setor camponês completamente
subordinado aos interesses do capital industrial. Esse período é marcado pelo
caráter monopolista ou imperialista do capital, no qual se desenvolveu de forma
abrangente a tecnologia e a ciência, construindo novos polos de concentração de
renda e conhecimento, grandes indústrias ligadas a grandes centros de estudo e
pesquisa.
Com a formação de grandes conglomerados financeiros e industriais,
aumentou-se ainda mais a dependência dos países pobres através da dívida
externa e o endividamento gerado pela lógica da industrialização dependente, como
mencionado acima, para Florestan Fernandes (1973), a implantação de uma política
neocolonial. Nos anos subsequentes no Brasil temos a entrada do governo militar
que solidificou ainda mais a dependência e a aproximação brasileira ao fundo
monetário internacional, temos a agravação das ondas de migração e o
desenvolvimento do milagre econômico, fatores que coordenaram as ações
voltadas para a construção do rural neste momento. A extensão rural consolidou a
sua ideologia e substituiu os professores do ensino formal no campo, pelo técnico
e pelo extensionista - subsidiados pela organização norte americana Inter-American
Foundation; esse cenário, tanto no campo quanto na cidade, demonstra a 8
preocupação com a educação de sujeitos para minimamente operarem máquinas e
executarem tarefas técnicas para se inserirem no mercado de trabalho, retirando o
conteúdo de reflexão crítica e uma pedagogia na qual poderiam se criar sujeitos
para construir e modificar a sua sociedade.
Podemos dizer então que a nova estruturação curricular partiu das mesmas
premissas tanto para o campo quanto para a cidade, buscando educar os sujeitos
para o trabalho capitalista. A lei 5.692 elaborada pelos governos militares, conferia
poderes municipais para cuidar das escolas rurais e acentuava a profissionalização
pelo ensino, ou seja, considerava a formação de um exército de reserva para o
processo produtivo cada vez mais sofisticado e elaborado. Os movimentos sociais
percebendo os problemas da educação no Brasil buscaram outras formas de
educação, utilizando-se da metodologia de Paulo Freire o Movimento de Educação

85
de Base (MEB) popularizou a alfabetização de diversos sujeitos nas comunidades
rurais utilizando seu próprio repertório cultural e simbólico. Essa metodologia
possuía também um forte caráter combatente, conscientizando os sujeitos das
pressões advindas do capitalismo exploratório. Para a manutenção de um estado
de bem-estar social o estado brasileiro continuou criando programas para vincular
capital, trabalho e educação.

Fonte: jornalistaslivres.org

O Programa nacional de Ações Socioeducativas e Culturais para o meio rural


(Pronasec) instituído pelo governo militar trabalhava com a participação da
comunidade, com a ampliação das oportunidades de renda, de suas manifestações
culturais e visava a inclusão dessas pessoas na previdência social e no ensino
formal. Porém, na prática, o programa não se preocupava com a formação urbana
dos professores que lecionavam no campo, não se preocupava com a inadequação
do material didático e com as precárias instalações da escola no campo. O
programa nada mais foi do que um agravante da precarização das relações entre
trabalho e educação. Nesse momento a política educacional teve seu discurso
mudado, vinculado a participação e à redistribuição de renda, elementos chaves na
tentativa de o Estado garantir a sua legitimidade, mas que foram inúteis, já que não
foram cumpridas em decorrência do quadro de crise que impulsionava cada vez
mais o governo.

86
Em 1975 o ensino sofreu uma municipalização, ou seja, os encargos
educacionais do 1º grau como previa a lei 5692/71 foram transferidos aos
municípios, com a justificativa de que somente o governo municipal tinha condições
de identificar as necessidades de sua população, e assim transpor a educação
tradicional e criasse uma que equalizasse as oportunidades, promovesse a 9
ascensão social e proporcionasse um planejamento participativo que permitisse o
desenvolvimento de suas ações. O governo militar para manter sua hegemonia
perante a sociedade brasileira, criou políticas de redistribuição de renda e de
participação da população na formulação de uma sociedade democrática com
acesso livre a oportunidades, isso ocorreu pela necessidade de legitimidade por
parte do Estado frente às manifestações das elites contra a ditadura.
A educação, neste quadro, foi colocada pelo governo como a “salvadora da
pátria” aquela que teria o poder de modificar a vida social brasileira, já que era vista
como a propulsora de ascensão social, mas que era enfatizada que dependia da
força de vontade de cada indivíduo. Sobre a educação durante o regime militar é
claro, segundo Leite (1999), que o sistema escolar controlado pela ideologia de
caserna limitou-se aos ensinamentos mínimos e necessários para a garantia do
modelo capitalista-dependente e dos elementos básicos de segurança nacional. No
período subsequente, com o término do regime militar, são importantes as
mudanças trazidas pela LDB de 1996 para a educação, que em partes, descolou o
ensino rural do ensino urbano, tornando o calendário escolar rural mais adequado
às peculiaridades locais, climáticas, econômicas, respeitando o sistema de ensino
sem reduzir o número de horas previsto nessa lei e favorecendo a escolaridade rural
com base no tempo do plantio/colheita com as dimensões sócio culturais do campo.
Para Leite (1999) essa nova concepção difere consubstancialmente do
modelo militar pela sua consciência ecológica, pelo seu interesse na preservação
dos valores culturais e da práxis rural juntamente à ação política dos rurícolas. Para
o autor, apesar da legitimação através da lei de novos parâmetros para a educação
rural, ainda existem diversos problemas na escola rural até os dias de hoje,
problemas que surgiram e que permanecem desde o início do modelo
urbano/industrial de educação, dentre esses fatores estão as condições estruturais

87
da escola no campo, a formação urbana dos professores que não estão preparados
para lidar com outras práticas culturais e temporais, as distâncias percorridas pelos
alunos para se locomoverem até as escolas, a não participação dos rurícolas na
elaboração do currículo das escolas – o que consequentemente gera um currículo
inadequado e inadaptado para essas realidades e a ausência de recursos
financeiros para a escola rural.9

9
Texto Extraído de
http://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2014/jornadadeestudosagrarios/lacerra_bruno_simonetti_mir
ian.pdf

88
10 BIBLIOGRAFIA BÁSICA

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