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CAMPINAS
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
Percorrer o doutorado tornou-se muito menos difícil por contar com a participação
de pessoas especiais em minha vida. A elas gostaria de agradecer aqui:
À professora e orientadora Maria Lygia Quartim de Moraes por sempre confiar
em minha capacidade e me apoiar em todo esse percurso. Esses vários anos de convivência e
de diálogo me propiciaram muitos aprendizados que levarei vida afora.
À professora Selma Venco, fundamental na trajetória dessa pesquisa, por meio de
suas leituras atentas, apontamentos, apoio e ensinamentos, que foram muitos. Certamente as
palavras são poucas para expressar toda minha gratidão, mas espero, nessa vida, poder passar
adiante um pouco de tudo o que me ensinou como professora, pesquisadora, militante e
amiga.
Um agradecimento especial a duas professoras, não apenas pelas importantes
contribuições que deram à pesquisa no exame de qualificação, mas por serem grandes
referências para mim. À professora Helena Hirata, por toda sua generosidade, pelas reuniões e
discussões sobre a pesquisa, pela inspiração e encontros. À professora Liliana Segnini,
também sempre generosa e acolhedora, por seus apontamentos e indicações que me ajudam a
avançar no tema.
Gostaria de agradecer à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo/FAPESP, por ter oferecido as condições financeiras para a realização desta pesquisa,
por meio da concessão da bolsa de doutorado (Processo n. 2011/06611-6). À CAPES
agradeço por ter concedido uma bolsa de estudo durante o primeiro ano do doutoramento.
À FAPESP agradeço ainda pela bolsa de estágio de pesquisa no exterior (BEPE
Processo n. 2013/05517-1), realizado junto ao Centre de Recherches Sociologiques et
Politiques de Paris (CRESPPA - equipe Genre, Travail e Mobilité). A experiência propiciada
contribuiu enormemente para o aprofundamento da pesquisa e meu enriquecimento enquanto
estudante, socióloga e indivíduo.
Sobre minha estadia em Paris, gostaria de fazer alguns agradecimentos especiais.
Primeiramente, à Professora Sabine Fortino, por me acolher com enorme generosidade, ainda
que o momento não fosse o mais propício. A ela agradeço não apenas por ter aceitado
supervisionar meu estágio, como pelas indicações bibliográficas, discussões e encontros.
Novamente agradeço à Professora Helena Hirata, que, sempre disposta, indicou-me caminhos
para avançar na pesquisa acadêmica que eu buscava por lá. Um agradecimento muito especial
às Professoras Danièle Kergoat e Danièle Linhart. Conhecê-las e poder discutir com elas
sobre a pesquisa foi uma experiência enriquecedora e muito importante para mim. Agradeço
ainda a toda a equipe e direção do CRESPPA-GTM por ter me recebido neste laboratório,
referência para quem estuda o tema. Em especial, a Sandra Nicolas, por sua atenção e ajuda.
Aos amigos e amigas que fizeram o “séjour” em Paris ser ainda mais especial:
Fernanda, Julián, Maíra, Maya, Carol, Brigitte, entre tantos outros. Dele, carrego amizades
que seguirão comigo por onde eu for.
Durante todo o percurso do doutorado, outras pessoas foram fundamentais.
Agradeço aos meus pais, por serem minha inspiração e exemplo: ao Benê, por acompanhar de
perto minha trajetória, pelas leituras e conversas, por todo o tratamento dos dados estatísticos
e pela paciência; à Anita, por todo o companheirismo e diálogos, tanto os acadêmicos, como
todos os outros. Um agradecimento especial à Mariana e ao Leandro, também pelo
companheirismo e carinho. Ao João e à Gabi, simplesmente por existirem em minha vida,
fazendo-a ser muito mais divertida e feliz. Obrigada por suportarem minhas ausências e
dividirem comigo tantos bons momentos.
Com carinho, agradeço ao Augusto, companheiro de vida, por seu apoio e
paciência, por sempre estar presente, dividindo comigo cada um dos momentos, aqui e acolá.
Você me ajuda a ser mais forte.
Às minhas amigas Tica Moreno e Táli Pires, sempre presentes e companheiras,
pelo carinho, tantas vezes necessário e reconfortante. Obrigada pelas ajudas e diálogos e, à
Tica, pela inspiração ao título. Às amigas da pós, Juliana Guanais e Carol Gomes, sem as
quais trilhar esse caminho teria sido muito mais difícil. À Fernanda Sucupira pelas trocas e
parcerias. Ao Marcílio Lucas, pela leitura e conversas. À Sempreviva Organização Feminista-
SOF, pela inspiração e exemplo. Junto a estes, muitos outros amigos/as e familiares foram
fundamentais durante este percurso, contribuindo direta ou indiretamente para eu seguir em
frente. Não conseguiria mencionar cada um/a, mas agradeço a todos/as imensamente, de
coração.
Agradeço ao IFCH e a seus funcionários pelo suporte. E ao Sintratel/SP, que
sempre se mostrou aberto à pesquisa. À Sandra pela leitura atenta e rigorosa do texto.
Deixo para o fim o mais especial dos agradecimentos, dedicado a todos e todas as
trabalhadoras que concederam as entrevistas, disponibilizando um pouco do seu tempo e
confiando em meu trabalho. A vocês, muito obrigada!
RESUMO
A presente pesquisa analisa o modo como a flexibilização das relações de trabalho afeta a
experiência de trabalhadores e trabalhadoras na esfera produtiva, bem como seus efeitos na
vida cotidiana e familiar. Para isso, foca em duas atividades profissionais: a de operadora de
teleatendimento e a de caixa de super/hipermercados. A escolha de ambos os segmentos se
justifica pela forte presença de mulheres na força de trabalho e pelo fato de, neles, as
empresas recorrerem a constantes ajustes na organização do trabalho, regulando-a de acordo
com o fluxo de clientes e de produção. Essa prática adotada pelas empresas se insere em um
amplo processo de flexibilização das relações de trabalho. No Brasil, mudanças na legislação
trabalhista deram às empresas maior liberdade para demitir e contratar funcionários, alterar
suas atividades, tornar o salário variável de acordo com o desempenho individual e prolongar,
reduzir e modificar o tempo de trabalho. Com isso, os elementos centrais do trabalho tornam-
se mais imprevisíveis e variáveis. Exigem-se dos trabalhadores e das trabalhadoras maior
engajamento e disponibilidade à esfera produtiva, afetando o modo como estes vivenciam o
trabalho e o sentido conferido a ele. No entanto, os efeitos dessas novas dinâmicas
ultrapassam a esfera produtiva, incidindo também na vida cotidiana e familiar. Homens e
mulheres não vivenciam esses efeitos da mesma maneira, sendo as mulheres particularmente
afetadas pela flexibilidade. Fruto da divisão sexual do trabalho, elas estão fortemente
presentes em postos de trabalho mal remunerados e menos qualificados, além de serem as
principais responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados nos lares. A necessidade de
articular trabalho profissional e vida familiar é uma questão que segue circunscrita ao
feminino. Nesta pesquisa, analisam-se as estratégias acionadas pelas mulheres para realizar
essa articulação diante de um tempo de trabalho cada vez mais variável e de constantes
mudanças promovidas pelas empresas em sua atividade, remuneração e jornada. A
problemática da disponibilidade apareceu como elemento importante para compreender, no
atual contexto, as relações entre trabalho, gênero e a articulação entre trabalho e família.
The present research analyses the consequences of labour relations flexibility on workers’
experience in the productive sphere as well as its effects on daily and family life. For this
purpose, this study focuses two professional activities: that of the telemarketing operator and
the super/hypermarket cashier. The choice of those professions is justified by the strong
presence of women in their workforce and by the fact that companies in those sectors
frequently resort to continuous adjustments in working organization, setting it according to
the production and clients flows. This kind of practice is part of a wider process of increasing
flexibility of labour relations. Changes in Brazilian labour laws gave companies more liberty
to hire and fire employees, change their activities, adopt variable wage according to the
workers’ individual performance, and extend, reduce or modify their working time. Therefore,
the central elements of work become more unpredictable and diverse. The result for workers
is the requirement of more engagement and availability for the productive sphere, affecting
how they experience work and the meaning they give to it. However, effects of these new
dynamics transcend the productive sphere, also influencing daily and familiar life. Men and
women do not experience those effects the same way, women being particularly affected by
flexibility. As a result of the sexual division of labour, women are more likely to occupy
underpaid jobs, that require less instruction, besides being mainly responsible for doing
housework and care. The need for reconciling work and family life is still a women’s issue. In
this research, we analyze the strategies women adopt to achieve that reconciling, in the
context of a varying working time and facing continuous adjustments in their activities, wages
and timetables. The availability issue appeared as an important element to comprehend the
relations between work, gender and reconciling of work and family.
Keywords: Family and work, Labor relations, Gender relations, Call center, Supermarkets.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12
1. O trabalho feminino ........................................................................................... 20
2. Articular as esferas produtiva e reprodutiva como questão analítica ................... 26
3. As ocupações profissionais selecionadas ............................................................ 28
Capítulo 1 – Procedimentos metodológicos ...................................................................... 32
1. Caracterização do grupo estudado ...................................................................... 41
Capítulo 2 – Subsetores analisados: o trabalho feminino em foco ..................................... 48
1. O setor de serviços ............................................................................................. 48
1.1 - A expansão do setor de serviços ........................................................ 51
1.2 - Relações de gênero e o setor de serviços ............................................ 60
2. O ramo de comércio varejista de super/hipermercados ....................................... 63
3. O segmento de teleatendimento .......................................................................... 74
4. Divisão sexual do trabalho nas atividades .......................................................... 81
4.1 - Atividades feminizadas: “trabalho de mulher” ................................... 81
4.2 - Trabalhos que não são “de homens” ou “para homens” ...................... 86
4.3 - Relações de classe, gênero e raça ....................................................... 91
Capítulo 3 – Organização, gestão e relações de trabalho: as atividades da operadora de
caixa e da teleatendente .................................................................................................... 98
1. Introdução de maquinarias e a inovação tecnológica .......................................... 98
2. Organização e gestão do trabalho: o forte controle ........................................... 102
2.1 - Controle sobre o espaço e os movimentos ........................................ 104
2.2 - Controle sobre a atividade: padronização e regulação ...................... 106
2.3 - Controle do tempo: o caso exemplar do teleatendimento .................. 114
3. Supervisão do trabalho ..................................................................................... 126
4. Relação com o cliente ...................................................................................... 131
4.1 - A fila dos clientes: tempo do trabalho versus tempo do cliente......... 132
4.2 - Quando a relação com o cliente é de satisfação ou de conflito.......... 137
Capítulo 4 – A flexibilidade das relações de trabalho no teleatendimento e no comércio
varejista de super/hipermercados .................................................................................... 157
1. Relações de trabalho flexibilizadas................................................................... 158
1.1 - Atividade e função ........................................................................... 158
1.2 - Remuneração ................................................................................... 164
1.3 - Tempo de trabalho ........................................................................... 174
2. A flexibilidade e seus desdobramentos sobre a vivência no espaço produtivo ... 200
2.1 - Penosidades, precarização e o sentido do trabalho ........................... 202
2.2 - Pequenas e possíveis margens de resistência e de autonomia ........... 213
Capítulo 5 – A vida cotidiana e familiar das trabalhadoras no contexto da flexibilização 225
1. Efeitos da flexibilidade na vida cotidiana e familiar ......................................... 225
1.1 - Relação entre o tempo do trabalho profissional e os demais tempos
sociais .......................................................................................................... 228
1.2 - Dia de folga e limitação do tempo livre............................................ 232
1.3 - Convivência familiar ....................................................................... 235
2. Articulação entre trabalho e família.................................................................. 239
2.1 - A ausência de políticas públicas de cuidado ..................................... 241
2.2 - Divisão sexual do trabalho no espaço reprodutivo ............................ 249
2.3 - Articulação entre trabalho profissional e vida familiar: desafio às
mulheres ...................................................................................................... 256
2.4 - O trabalho doméstico e de cuidados circunscrito ao feminino .......... 268
2.5 - Disponibilidade permanente das mulheres à família ......................... 281
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 289
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 301
ANEXOS ....................................................................................................................... 323
1. Anexo I – Roteiro de entrevista ........................................................................ 323
2. Anexo II – Relação das entrevistas realizadas .................................................. 324
3. Anexo III – Termo de consentimento livre e esclarecido .................................. 325
4. Anexo IV - Perfil das entrevistadas .................................................................. 326
12
INTRODUÇÃO
1
Trata-se da pesquisa de mestrado intitulada Entre o tempo da produção econômica e o da reprodução
social: a vida das teleoperadoras, realizada na Unicamp e defendida em agosto de 2010.
13
2
Em 1940, a taxa de fecundidade no Brasil era de 6,2 filhos por mulher e, em 1980, era de 4,4
(Disponível em: <http://teen.ibge.gov.br/biblioteca/274-teen/mao-na-roda/1726-fecundidade-natalidade-
e-mortalidade.html>. Acesso em: 11 jan. 2016). Em 2014, a taxa de fecundidade era de 1,74 filhos por
mulher. São, sobretudo, as mulheres com maior escolaridade que apresentam um menor número de filhos.
Há ainda variações regionais no País: as menores taxas de fecundidade são verificadas nas regiões Sul e
Sudeste (1,60 e 1,62 respectivamente, em 2014), enquanto as maiores estão na região Norte e Nordeste
(2,16 e 1,85, respectivamente) (IBGE, 2015b).
14
3
Tradução livre e própria, como todas as citações de textos publicados em outros idiomas ao longo deste
trabalho.
4
Esta pesquisa estava, inicialmente, focada na flexibilização do tempo do trabalho. No entanto, no curso
da pesquisa de campo, ficou evidente a necessidade de ampliar essa análise, englobando a flexibilidade
que recai sobre outros elementos, como a atividade e a remuneração, os quais também sofrem alterações
constantes e afetam diretamente a vida fora do trabalho.
5
Cabe aqui ressaltar a importância de se pensar em uma igualdade real, que difere da igualdade apenas
formal. Nesse sentido, é interessante o apontamento de István Meszáros (2002) quanto à igualdade
substantiva.
15
6
Frederick Taylor, que introduziu a gerência científica sobre o trabalho, fazia um estudo minucioso sobre
os movimentos e o tempo dos trabalhadores a fim de planejar e determinar a melhor maneira de realizar
certa tarefa, otimizando a produtividade. Seu método foi publicado no livro Princípios de administração
científica.
7
Como mostrou Karl Marx, em O capital, a necessidade de constantemente criar e recriar as formas de
exploração da força de trabalho, de transformar e aprimorar os mecanismos, a gestão e organização do
processo produtivo é condição intrínseca ao capitalismo, na busca por obter sempre mais sobretrabalho
(mais mais-valia).
8
Dentre as novas formas de organização do processo de trabalho, destaca-se o toyotismo ou modelo
japonês, desenvolvido por Eiji Toyoda e Taiichi Ohno e difundido no Ocidente principalmente após os
anos 1970. Esse modelo se baseava no princípio do just-in-time, com o melhor aproveitamento do tempo
de produção, e na produção individualizada e fortemente vinculada à demanda; no trabalho em equipe e
na polivalência dos trabalhadores; em um processo de produção flexível; no sistema kanban, com a
adoção de placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque, mantendo este último o
mais reduzido possível; na estrutura horizontalizada e na externalização de parte da produção; nos
Círculos de Controle de Qualidade, com a formação de grupos de trabalhadores convocados a pensar
melhorias para o trabalho e a produção; além da instauração do “emprego vitalício” para uma parcela dos
trabalhadores (ANTUNES, 2007).
16
a definição de Annie Thébaud-Mony e Graça Druck (2007, p. 29), as quais apontam que
o termo “flexibilização” se refere a um “processo que tem condicionantes
macroeconômicos e sociais derivados de uma nova fase da mundialização do sistema
capitalista”. A esse termo se associariam normalmente as situações de incerteza,
instabilidade, imprevisibilidade, adaptabilidade e risco que derivariam desse processo.
Já o termo “flexibilidade” se refere a uma etapa consolidada, em relação tanto ao
processo e à organização do trabalho, quanto à sociedade capitalista em geral. Segundo
as autoras, o processo de flexibilização da legislação trabalhista e do mercado de
trabalho é difuso, aparecendo como uma estratégia patronal, apoiada pelo Estado, que
atinge os mais diversos países ao redor do mundo.
Entender essa dinâmica envolve lembrar o contexto de transformação mais
amplo, marcado pela crescente globalização e pelo advento do neoliberalismo. O
projeto neoliberal, ascendente nesse período, promovia as políticas de livre comércio
(com a redução da regulação do Estado na economia), de privatização, de
desregulamentação trabalhista, entre outros, que afetaram a divisão do trabalho,
nacional e internacionalmente (IBARRA, 2011) 9. Ilana Kovács (2006) indica que a forte
competição de mercados globais desse período exigiu das empresas a melhoria
simultânea da produtividade e da qualidade dos produtos, a redução de custos da
produção e da força de trabalho e, ao mesmo tempo, sua adaptação a um mercado
incerto e variado. Elementos que levaram à reorganização do processo produtivo,
tornando-o mais flexível.
Nesse contexto, a organização produtiva, segundo Alain Bihr (1998), passou
a se basear em fábricas difusas, com a descentralização e a externalização de partes do
processo produtivo; fábricas fluídas, que, a partir da adoção de novas tecnologias e de
uma gestão informatizada, buscavam garantir a continuidade na produção e reduzir de
maneira mais precisa o tempo morto, o que levou, por sua vez, ao estabelecimento de
novas formas de organização do trabalho, como a adoção da polivalência, da
multifuncionalidade e do trabalho em equipe; e fábricas flexíveis, com a introdução de
meios de trabalho e de produção ajustáveis à demanda e uma organização flexível do
trabalho, com trabalhadores cada vez mais capazes de se adaptar às demandas das
empresas. Todos os elementos centrais das relações de trabalho se tornaram flexíveis: os
9
Ricardo Antunes (2007) faz uma análise sobre o desenvolvimento do neoliberalismo nesse período na
Inglaterra e sobre seus desdobramentos no mundo do trabalho.
17
10
Há algumas divergências analíticas sobre esse ponto. Sônia Draibe e Manuel Riesco (2011), por
exemplo, defendem que, no Brasil e em demais países da América Latina, houve a consolidação de um
Estado de Bem-Estar Social (EBS), o qual se construiu com base em um modelo desenvolvimentista,
ainda que patamares elevados de exclusão social tenham sido mantidos. Para Draibe (1997), o EBS nos
países da América Latina foi, assim, construído de modo imperfeito e deformado. Já Marcio Pochmann
(2004) assinala que o Brasil vivenciou, a partir dos anos 1930, avanços no campo da proteção social, sem,
porém, reduzir as formas de exclusão social, o que leva o autor a apontar que o EBS não se completou no
País. Ainda que haja divergências nesse ponto, parece ser consenso que o sistema de proteção social no
Brasil não atingiu os mesmos patamares dos países centrais, mais desenvolvidos, prevalecendo aqui uma
forte desigualdade e exclusão social.
11
Segundo o IBGE (2013), em 2012, 43,1% dos trabalhadores estavam inseridos na informalidade (da
qual estão excluídos os empregados com carteira de trabalho assinada, trabalhadores domésticos com
carteira de trabalho assinada, militares, funcionários públicos estatutários, trabalhadores por conta própria
e empregadores que contribuíam para a previdência social). Para um debate sobre a presença do trabalho
informal no Brasil e uma discussão sobre suas transformações, ver: ARAÚJO & LOMBARDI (2013);
LIMA & SOARES (2002).
18
12
Em sua pesquisa, Krein apresenta uma análise detalhada das transformações na legislação e nos
acordos coletivos no contexto da flexibilização. Sua obra é referência para nossa análise.
20
1. O trabalho feminino
À primeira vista, pode parecer desnecessário justificar as razões em se
analisar especificamente o trabalho feminino, uma vez que o entendimento de que a
classe trabalhadora tem dois sexos (lembrando o artigo de Helena Hirata e Danièle
Kergoat, 1994 e o livro de Elisabeth Souza-Lobo, 2011) parece ser consolidado na
sociologia do trabalho. As relações de gênero no trabalho se constituem, há algumas
21
13
Sobre essa discussão, ver: ENGELS (2002); GUILLAUMIN (2005). Cecília Toledo (2008) também faz
uma discussão sobre a origem da opressão feminina. Heleieth Saffiotti (2015) discute o conceito de
patriarcado.
22
14
Posteriormente, o desenvolvimento da Teoria Queer, da qual Judith Butler é apontada como uma das
mais importantes referências, contribuiu indicando que não apenas as identidades de gênero são
construídas socialmente, como também as identidades sexuais e corporais, rompendo ainda com os
binarismos, tais como homem e mulher, feminino e masculino.
15
O termo em francês é “enjeux”, que, numa tradução aproximada, significa “o que está em jogo”. No
artigo de 2002 de Kergoat, o termo foi traduzido como “desafio”; no de 1996, como “disputa”. Optamos
aqui pelo segundo.
16
Esse não se restringe à esfera produtiva, mas abarca o trabalho doméstico e de cuidados. Do mesmo
modo, a autora aponta que considera trabalho como produção de si, sendo, portanto, indissociável da
análise da subjetividade (KERGOAT, 2002).
23
entanto, essa divisão não é imutável, a-histórica e estanque, uma vez que suas
modalidades variam no tempo e no espaço, sendo as disputas e as possibilidades de
transformação colocadas em função da relação de forças.
Uma característica da divisão sexual do trabalho é a atribuição primordial da
esfera reprodutiva, destinada às mulheres e mantida sem qualquer reconhecimento
social, enquanto as atividades de maior valorização social, como as pertencentes à
política e à esfera pública, foram destinadas aos homens. Portanto, estabeleceu-se uma
relação hierárquica entre esfera produtiva e reprodutiva, e entre trabalho de homens e de
mulheres. Hirata & Kergoat (2003) revelam que o “valor” – empregado pelas autoras no
sentido antropológico e ético, e não no econômico – é o que distingue o trabalho
masculino do feminino. Assim, “valor e princípio de hierarquia, sob aparências
múltiplas, permanecem imutáveis: o trabalho de um homem pesa mais do que o trabalho
de uma mulher” (HIRATA & KERGOAT, 2003, p. 113).
O feminismo denunciava que as mulheres realizavam uma grande carga de
trabalho, de forma gratuita, no âmbito doméstico, a qual era justificada como sendo
realizada em nome do amor e da família (HIRATA, 2002).
Esse posicionamento levou à alteração do conceito de trabalho, o qual, na
economia clássica, considerava apenas o trabalho assalariado e tomava o homem como
seu sujeito universal. Segundo Helena Hirata e Philippe Zarifian (2009), nos anos 1970,
a incorporação da dimensão sexuada do trabalho, com a introdução do debate em torno
da divisão sexual do trabalho, propiciou uma reformulação nesse conceito, que passou a
abarcar o trabalho doméstico, o trabalho não assalariado, não mercantil e informal, bem
como evidenciou a indissociabilidade entre as análises das relações de trabalho e as de
gênero. O tema do trabalho apareceu como uma questão privilegiada para que os
estudos sobre gênero fossem adentrando o mundo acadêmico (BRUSCHINI, 1994b) 17.
Apesar dessas mudanças nas práticas sociais femininas e na visibilidade da
problemática de gênero na sociedade, uma série de desigualdades entre homens e
mulheres permanece no mercado de trabalho e na família.
17
Diversas autoras destacam a importância que a realização do seminário “A Mulher na Força de
Trabalho na América Latina”, organizado no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
(Iuperj) por Neuma Aguiar, em 1978, teve na visibilidade do tema (BRUSCHINI, 1994; SCAVONE,
2011). Desse seminário, nesse mesmo ano, originou-se o grupo de trabalho Mulher e Trabalho na
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), ao lado dos grupos
Mulher e Política e Família e Sociedade (SCAVONE, 2011). As acadêmicas e feministas questionavam e
pressionavam não apenas o mundo da academia para a incorporação das questões das mulheres nos
estudos, como também as abordagens dos institutos de pesquisa brasileiros, como o IBGE, influenciando
futuras mudanças nos conceitos adotados por eles.
24
18
Dados da Fundação Carlos Chagas. Mulheres no mercado de trabalho: grandes números. Disponível
em: <http://www.fcc.org.br/bdmulheres/serie1.php?area=series>. Acesso em: 12 jan. 2016.
19
Fonte IBGE. Dados da Pesquisa Mensal de Emprego, referentes às pessoas com 10 anos ou mais de
idade, economicamente ativas na semana de referência da pesquisa, por regiões metropolitanas.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/
pme_nova/defaulttab_hist.shtm>. Acesso em: 12 jan. 2016.
25
20
Em 2013, a taxa de desocupação feminina era de 8,3%, enquanto a masculina era de 4,9% (IBGE,
2014b).
21
IBGE, 2014a.
22
Algumas mudanças têm sido verificadas por alguns estudos que apontam a incorporação de parte das
mulheres em segmentos predominantemente masculinos e mais qualificados, bem como em postos mais
elevados na hierarquia das empresas (ARAÚJO, 2007; BRUSCHINI, 2007; GUIMARÃES, 2004).
Entretanto, esse processo é lento e tende a ocorrer entre uma parcela minoritária das mulheres. Os estudos
apontam que estaria em curso um processo de bipolarização do trabalho feminino: uma parcela
minoritária das mulheres ascende a trabalhos que exige alta qualificação e postos de comando nas
empresas, enquanto grande parte das mulheres segue inserida em trabalhos pouco qualificados e menos
valorizados socialmente (HAKIM, 1996; BRUSCHINI & LOMBARDI, 2000; HIRATA, 2003).
26
referência23 passou de 3,6% a 15,1% (IBGE, 2015b), assim como aumentou o número
de arranjos formados por casal sem filhos residentes que tinham a mulher como pessoa
de referência (de 3,4% em 2004 para 10,9% em 2014).
Apesar disso, a manutenção da responsabilidade das mulheres pelo trabalho
doméstico e de cuidados condiciona o modo como elas se encontram no mercado de
trabalho hoje e reforça as desigualdades de gênero. Retomar esse quadro nos ajuda a
evidenciar a importância de se empreender uma análise das relações de trabalho de
forma mais ampla, abordando não apenas a esfera produtiva, mas também a reprodutiva,
bem como as relações de gênero em ambas.
23
Até os anos 1990, o IBGE utilizava em suas pesquisas o termo “chefe de família” ou “chefe do
domicílio”, o qual carregava historicamente uma conotação de gênero, ao remeter à ideia de autoridade e
daquele que detinha a maior renda. Mudanças na sociedade, inclusive nas práticas sociais das mulheres e
nos arranjos familiares, e sob influência do movimento feminista e das acadêmicas, levaram à
necessidade de substituição do termo. Após os anos 1990, as pesquisas domiciliares passaram a adotar o
termo “pessoa de referência” e, desde os anos 2000, é utilizado o termo “pessoa responsável”. Disponível
em: <http://www.ibge.gov.br/censo/questionarios.shtm>. Acesso em: 12 jan. 2016.
24
A discussão em torno do caráter produtivo ou improdutivo do trabalho doméstico foi alvo de um amplo
debate. Ver, entre outros: BRUSCHINI (2006) e ALBARRACÍN (1999).
27
25
Nogueira (2010) utiliza a expressão “divisão sociossexual do trabalho” para falar dessa divisão
existente tanto na esfera produtiva como na reprodutiva, as quais se encontram articuladas.
28
26
Ao longo deste texto, a referência ao conjunto de trabalhadores e trabalhadoras dos dois segmentos será
feita no feminino. Essa escolha se justifica por serem essas ocupações quase exclusivamente ocupadas por
mulheres. Do mesmo modo, o grupo de entrevistados também será tratado no termo flexionado no
feminino, uma vez que, apesar de composto por homens e mulheres, esse é majoritariamente feminino.
Entretanto, nos momentos em que se fizer necessário, serão apontadas as diferenciações por sexo.
29
realizados e da organização dos turnos. Isso em razão de termos como hipótese que as
práticas empresariais primam por implementar horários flexíveis, de forma a dispor dos
trabalhadores e trabalhadoras conforme lhes convenha para o atendimento de fluxos e
períodos distintos.
A escolha também procurou priorizar a investigação de uma empresa que
disponibilizasse creche no local de trabalho para atendimento dos filhos das
empregadas, o que foi possível apenas no caso do segmento de teleatendimento.
Segundo os dirigentes do Sintratel, a empresa que denominaremos A 28 é a única a
oferecer esse tipo de serviço, enquanto no ramo supermercadista não há registro de
empresas que disponibilizem creche para as empregadas no local de trabalho. Tal
escolha tornou-se interessante por possibilitar investigar o acesso a essa creche e se há
diferenciações no que tange à organização da vida diária das trabalhadoras, sendo um
caso particular e minoritário dentro do segmento em geral.
28
Optamos por manter o anonimato das empresas, uma vez que o foco da pesquisa está centrado não
nelas, mas na organização da vida diária das trabalhadoras. Além disso, consideramos que tal opção foi
um facilitador à coleta de entrevistas com as trabalhadoras. Salientamos também que não procuramos
estabelecer contato com representantes legais das empresas, mas apenas com as trabalhadoras. Isso por
dois motivos: o primeiro de ordem prática, uma vez que, desde a pesquisa de mestrado, procuramos
contatar as empresas de teleatendimento, obtendo sempre respostas negativas, além do fato de os
dirigentes do sindicato de comércio varejista contatado haverem nos informado que encontraríamos a
mesma resistência por parte das empresas daquele segmento; o segundo se refere ao fato de a pesquisa
estar, como mencionado, voltada à percepção das trabalhadoras sobre sua vida no trabalho e na família,
analisando a imbricação de ambas.
34
Teleatendimento
29
Informações retiradas do site oficial da empresa. Em 2012, o mesmo site anunciava que a empresa tinha
sete unidades administradas (sendo quatro próprias), localizadas nos estados de Santa Catarina, Rio de
Janeiro e São Paulo, contando com mais de 10 mil funcionários.
30
Informações disponíveis em: <www.callcenter.inf.br>. Acesso em: 27 ago. 2011.
31
Informações retiradas do site oficial da empresa.
32
Em maio de 2014, a empresa anunciou o fim do funcionamento ininterrupto de suas lojas, alegando
necessidade de redução de custos. Em fevereiro de 2015, a empresa retrocedeu em sua decisão, mantendo
22 dos 137 hipermercados abertos. Informações retiradas do site de notícias UOL.
33
Informações retiradas do site oficial da empresa.
35
34
Duas entrevistas foram feitas, sendo uma com uma trabalhadora e outra com um ex-funcionário da
empresa C do Município de Campinas. Ainda que o foco da pesquisa fosse a Região Metropolitana de
São Paulo, consideramos importante realizar essas entrevistas de modo a coletar informações e relatos
que possibilitassem enriquecer a análise.
35
O contato a partir de intermediários ocorreu ao indagarmos se as pessoas de nosso contato conheciam
trabalhadoras das empresas selecionadas.
36
A porta das centrais de atendimento é um lugar privilegiado para estabelecer contato com as
trabalhadoras e realizar observações, uma vez que, nelas, costuma-se aglomerar grande quantidade de
trabalhadoras nas horas de troca de turno de trabalho, bem como nos momentos de pausa. O mesmo foi
observado nos super/hipermercados, os quais, muitas vezes, destinam um lugar de descanso ou recreação
às trabalhadoras, como é o caso de uma praça de alimentação e de um espaço de lazer em um
hipermercado da empresa C.
36
37
Em quatro casos, as entrevistas foram realizadas em dupla. Procuramos evitar esse tipo de situação,
mas nesses casos não foi possível, uma vez que a trabalhadora levou para a entrevista uma colega de seu
trabalho para também ser entrevistada. Apesar de diferir do procedimento utilizado nas demais, optamos
por manter essas entrevistas na pesquisa, visto que as informações obtidas foram ao encontro dos
resultados já identificados pela pesquisadora. Ao analisarmos essas entrevistas especificamente, ativemo-
nos a pontos fatuais e objetivos relatados pelas entrevistadas (como a trajetória profissional, a organização
familiar e as pessoas que participam do cuidado dos filhos) e não às percepções delas ou aos aspectos
mais subjetivos dos relatos.
37
38
A interrupção se refere ao período de estágio de doutorado na França, realizado com a equipe Genre,
Travail, Mobilités (GTM) do Centre de Recherches Sociologiques et Politiques de Paris (Cresppa), no
período de agosto de 2013 a julho de 2014.
39
Procuramos manter comunicação permanente com as trabalhadoras, o que foi feito por telefone, por
contato direto na porta das empresas ou por redes sociais. Diversos contatos foram realizados,
posteriormente, por telefone, a fim de saber o que ocorria na vida das entrevistadas. As informações
foram registradas no diário de campo.
40
Os nomes das entrevistadas e dos entrevistados, bem como das pessoas citadas, foram alterados a fim
de garantir o anonimato.
38
41
Ver Anexo III.
42
Apenas a primeira entrevista não pôde ser gravada devido a um problema técnico no gravador. Neste
caso, ela foi anotada no diário de campo.
39
43
Alguns fatos indicaram que essa resistência dizia respeito não apenas a esta pesquisa. Na entrevista
com os dirigentes do Sindimercados, estes alertaram para a dificuldade que teríamos para falar com os
trabalhadores. Posteriormente, em um seminário em que os resultados parciais desta pesquisa foram
apresentados, outros pesquisadores do tema nos indagaram sobre como havíamos contatado as
trabalhadoras, uma vez que essa aproximação era considerada difícil no segmento.
40
44
Nesses casos, procuramos acompanhar o motivo da saída e o que ocorre na vida de tais trabalhadoras.
41
45
Uma entrevistada era transexual.
46
A caracterização é feita com base nas informações coletadas no momento da primeira entrevista com
cada trabalhador/a. Para as tabelas, ver Anexo IV.
42
14
12
10
8
6
4
2
0
Até 2,9 3,0 a 6,0 a 12,0 a 24,0 a 36,0 a 60,0 a 120,0
meses 5,9 11,9 23,9 35,9 59,9 119,9 meses
meses meses meses meses meses meses ou
mais
25
20
15
10
0
15 A 17 18 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 OU
MAIS
47
Aqui, uma consideração importante deve ser feita. A classificação da raça/cor foi feita pela
pesquisadora e não pelas entrevistadas. Apenas às últimas quatro entrevistadas foi solicitado que
declarassem sua raça/cor. Nesses casos, também houve manutenção da classificação feita pela
pesquisadora. Reconhecemos que teria sido mais interessante solicitar a autodeclaração a todas as pessoas
participantes, visto que esse é o método utilizado pelo IBGE em suas pesquisas e que a raça/cor é um
aspecto subjetivo, que pode, aqui, ter sido influenciado pela experiência da pesquisadora enquanto pessoa
branca. Entretanto, isso não invalida a importância desses dados, devendo ser levado em consideração o
tipo de classificação adotado.
48
Dois dos entrevistados – um homem e uma mulher – eram casados entre si.
44
Gráfico 3 – Distribuição das entrevistadas por composição dos domicílios (números absolutos)
Amigo/a
Só
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
49
Vale mencionar que foram encontrados alguns casos de pessoas da mesma família trabalhando na
empresa de super/hipermercados C.
46
50
É importante frisar que esse dado é aproximativo. O cálculo da distância teve como ponto de referência
o bairro de residência das entrevistadas, utilizando-se um aplicativo na internet que calcula distância e
tempo percorrido entre dois pontos. As informações quanto ao tempo gasto no deslocamento foram
coletadas no momento das entrevistas. Nos poucos casos em que o tempo gasto não foi mencionado pela
entrevistada, o cálculo do tempo foi aproximativo, tendo como referência o deslocamento por transporte
público entre o endereço da empresa e o bairro de residência.
47
140
120
100
Tempo (minutos)
80
60
40
20
0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Distância (km)
1. O setor de serviços
Um primeiro ponto a salientar na análise do setor de serviços é sua
amplitude e a heterogeneidade de atividades que engloba. Dadas essas características,
não há consenso – entre estudiosos e institutos de pesquisa – quanto à sua definição.
Tiffon (2013) indica que tudo aquilo que não é agrícola ou industrial acaba sendo
comumente considerado pertencente ao setor terciário. Foi sob essa denominação que o
setor passou, nos anos 1930, a ser objeto de análise econômica. Já nos anos 1950,
começou-se a falar em “serviços” (SAMBATTI & RISSATO, 2003).
49
São variadas suas definições. Os estudos de Jean Gadrey (2001; 2005) são
uma das referências no tema. Ao procurar mapear a especificidade do setor, o autor
destaca, de um modo mais geral, que, na produção de bens tangíveis, o resultado da
atividade tem uma forma material, a qual pode circular economicamente (em seu
aspecto físico) de modo independente de seu produtor, bem como de seu utilizador. Já
na produção de serviços, a forma material do resultado não permite essa relativa
independência econômica do produto.
Tais características levaram o setor a ser comumente definido em oposição
ao agrícola e ao industrial. Assim, ele seria marcado pela intangibilidade, pela
simultaneidade, pela não estocagem e pela relação entre prestadores e usuários dos
serviços. No entanto, tais características não parecem ser suficientes para compreendê-
lo, uma vez que a produção e o consumo dos serviços vivenciaram transformações ao
longo do tempo, a partir das inovações tecnológicas e organizacionais e das novas
formas de comercialização (MEIRELLES, 2006), que o complexificaram.
Uma das definições elaboradas para dar conta dessa diversidade é a de
Gadrey, que a pensa a partir de um desenho triangular. A atividade de serviços tratar-se-
ia, então, de:
51
Essa realidade é entendida como objetos ou sistemas materiais, informações, indivíduos ou
organizações. (TIFFON, 2013)
52
A definição de Hill também serve de base a Jean Gadrey, que reelabora a própria definição. TIFFON
(2013) apresenta uma análise da proposição de Hill e a crítica, posteriormente, feita a ela, que originou as
proposições de Gadrey e Zarifian.
50
53
DURAND, Jean-Pierre. La chaîne invisible – travailler aujourd’hui: flux tendu et servitude volontaire.
Paris: Seuil, 2004.
54
Em relação à definição e ao caráter produtivo do setor de serviços e à discussão entre imaterialidade e
materialidade, alguns estudos resumem, de maneira interessante, os debates existentes. Ver, entre outros:
ANTUNES (2007); BRAGA (2009); MAY (2000); MEIRELLES (2006); TIFFON (2013).
55
O cliente é, comumente, tratado pelos termos “usuário”, “consumidor”, “receptor de serviço”.
51
56
Esse é o conceito de setor de serviços amplo (muitas vezes referido pelo termo “terciário”), tal como
utilizado pelo IBGE, para, por exemplo, analisar a composição do PIB do País. Para nos referirmos aos
segmentos incluídos nessa definição, utilizaremos o termo “subsetor”. No que chamamos de “subsetor de
serviços”, o IBGE inclui os serviços prestados às famílias (alojamento e alimentação; outros serviços
prestados às famílias); serviços de informação e comunicação (serviços de tecnologia da informação e
comunicações – TIC; serviços audiovisuais, de edição e agências de notícia); serviços profissionais,
administrativos e complementares (serviços técnico-profissionais; serviços administrativos e
complementares); transportes, serviços auxiliares aos transportes e correio (transporte terrestre; transporte
aquaviário, transporte aéreo; armazenagem, serviços auxiliares dos transportes e correio); e outros
serviços. Quando se fizer necessário, diferenciaremos os subsetores de comércio e de serviços, sobretudo
na análise dos dados secundários.
52
100%
90%
80%
51,5 50,0 52,6 49,0
70% 60,0
68,0 67,7 71,0
60%
50%
40% 24,2 32,2
30% 35,9 40,9
33,0
20% 26,5 27,4 23,4
10% 24,3
17,8
11,5 10,1 6,9 5,5 4,9 5,6
0%
1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2014
Fontes: Fundação Getúlio Vargas – Centro de Contas Nacionais – Diversas publicações, período 1947 a 1989; IBGE
– Diretoria de Pesquisas – Coordenação de Contas Nacionais – Séries Históricas e Estatísticas. Elaboração própria.
57
O Valor Adicionado Bruto é a contribuição ao Produto Interno Bruto pelas diversas atividades
econômicas, sendo obtido descontando-se o valor dos insumos utilizados no processo produtivo
(excluindo impostos, por exemplo) do Valor Bruto da Produção (VBP). Para os anos de 2010 a 2014, os
resultados preliminares foram obtidos a partir das Contas Nacionais Trimestrais, segundo o IBGE.
53
busca por maior produtividade e redução de custos, parte do setor se expande com base
na mecanização, padronização, especialização e controle. Ocorreria um processo de
industrialização dos serviços, com estes sendo cada vez mais submetidos à
racionalidade do capital e à lógica dos mercados (ANTUNES, 2009; BRAGA, 2012).
O setor de serviços aparece, na atualidade, como o principal da economia no
País, sendo responsável pela maior parte da inserção e formalização da força de
trabalho. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged),
as atividades de comércio e de serviços, no ano de 2013, corresponderam a 76% do
saldo total de empregos criados com carteira de trabalho assinada 59.
Ao analisarmos especificamente esses dois subsetores (comércio e
serviços)60, os dados da PNAD indicam que eles, juntamente com o da construção civil,
vivenciaram um crescimento significativo entre 2002 e 2012, enquanto outros
subsetores perderam participação relativa nesse período, a exemplo da administração
pública e da indústria de transformação (IBGE, 2013).
40,0
34,1
35,0 32,0
30,0
23,7
25,0
18,2 17,2 19,4 18,8
20,0 16,8
15,0
10,0 6,0
4,0 3,1 3,9
5,0 1,1 0,9
0,4 0,5
0,0
Comércio
Transformação
Construção
industriais de
Vegetal, Caça e
Administração
Serviços
Extrativa
Mineral
Agropecuária,
Indústria de
Utilidade
Serviços
Pública
Extração
Civil
Pública
Pesca
2002 2012
Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2013. Elaboração própria.
59
Informações retiradas do site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=4&menu=4485>. Acesso em: 22
fev. 2016.
60
Como explicado na nota de rodapé 55, os subsetores de comércio e de serviços compõem o setor de
serviços, ou terciário.
55
60
46,8 52,5 49,4 53,8
50 45,1 43,6
40
30 37,5 36,0 37,3
%
Fontes: DIEESE, 2011; Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), 2001-2010. Elaboração própria.
64
A taxa de rotatividade é mensurada com base no valor mínimo observado entre o total de admissões e o
total de desligamentos anuais, comparado ao estoque médio de cada ano, e refere-se ao mercado formal
de trabalho (setores público e privado). A taxa de rotatividade descontada desconsidera os desligamentos
motivados por transferência, solicitação do trabalhador, aposentadoria e falecimento.
65
Cabe ainda assinalar que a rotatividade afeta, sobretudo, os jovens. Ao analisarem os dados da RAIS,
Carlos Henrique Corseuil et al. (2013) revelam que os jovens não encontram muitas barreiras para se
inserir no mercado de trabalho, uma vez que isso ocorre de modo relativamente fácil. No entanto, eles
57
perdem o emprego com mais frequência que os trabalhadores mais velhos. Ou seja, os jovens são
facilmente contratados, mas também são frequentemente afetados pela demissão, seja ou não voluntária.
66
Há uma divergência em torno da definição dos conceitos desses autores. Ver, por exemplo, a crítica de
Giovanni Alves ao conceito de Ruy Braga (Disponível em: <http://blogdaboitempo.com.br/2013
/07/22/o-que-e-o-precariado/>. Acesso em: 14 jan. 2016.). Não entraremos nessa polêmica. Procuramos
apenas salientar aqui que a precariedade é múltipla, atingindo hoje, de distintas formas, a “classe-que-
vive-do-trabalho”, como denominada por Antunes (2007).
58
Assim, a precariedade atua diretamente sobre aqueles que ela afeta (e que ela
impede, efetivamente, de serem mobilizados) e indiretamente sobre todos os
outros, pelo temor que ela suscita e que é metodicamente explorado pelas
estratégias de precarização, como a introdução da famosa “flexibilidade”
(BOURDIEU, 1998, p. 123).
57
56,9
56,9
56,8 56,8
56,5
56,2 56,2
56 56,0
55,5
55
1° Trim. 2º Trim. 3º Trim. 4° Trim. 1º Trim. 2º Trim. 3º Trim.
2014 2014 2014 2014 2015 2015 2015
Fontes: IBGE, 2015a – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Elaboração própria.
67
O nível de ocupação é medido pela parcela da população ocupada em relação à população em idade de
trabalhar. (IBGE, 2015a)
68
Os jovens de 18 a 24 anos são fortemente afetados pela desocupação: a estimativa foi de 17,6% no
primeiro trimestre de 2015, valor superior ao estimado para a taxa média total. (IBGE, 2014a)
59
10
9 8,9
8 8,3
7,2 7,9
6,8
7 6,8
6
6,5
4
1° Trim. 2014 2º Trim. 2014 3º Trim. 2014 4° Trim. 2014 1º Trim. 2015 2º Trim. 2015 3º Trim. 2015
Fontes: IBGE, 2015a – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Elaboração própria.
69
Dados da Pesquisa Mensal de Serviços, IBGE. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/
Comercio_e_Servicos/Pesquisa_Mensal_de_Servicos/Comentarios/pms_201509comentarios.pdf>.
Acesso em: 05 fev. 2016.
60
70
Scott (1994) faz uma análise sobre o trabalho feminino e suas transformações ao longo da História,
sobretudo no século XIX. A autora evidencia como a incorporação das mulheres em determinadas
atividades, como as de secretária, deu-se com base nas distinções entre os sexos.
61
de alguns serviços, que vão desde a creche até a externalização dos serviços domésticos
(os quais contribuem para reduzir a carga de trabalho das mulheres nos lares), e, ao
mesmo tempo, o crescimento do emprego feminino foi direcionado ao setor de serviços,
sobretudo naquelas atividades em que os estereótipos tradicionalmente femininos são
mais valorizados.
Um exemplo clássico é o serviço doméstico 71. No Brasil, em 2015, havia
92,2 milhões de pessoas nesse tipo de serviço, correspondendo a 6,5% do total de
ocupados no País72. Fruto de uma sociedade sexista e escravocrata, sua força de trabalho
é composta por mais de 90% de mulheres e com uma forte presença de negros (BRITES
& PICANÇO, 2014)73.
Assim como no serviço doméstico, as mulheres estão fortemente presentes
em uma série de outras atividades de serviço. No setor, 50,2% dos ocupados eram
mulheres em 2014. E sua presença, como evidencia o gráfico 10, segue um movimento
crescente ao longo dos anos.
71
O IBGE considera trabalhador doméstico quem presta serviço doméstico remunerado em dinheiro ou
benefícios, em uma ou mais unidades domiciliares, o que inclui as empregadas domésticas, faxineiras,
diaristas, babás, cozinheiras, lavadeiras, passadeiras, arrumadeiras, jardineiros, motoristas particulares e
acompanhantes de idoso, de doente, de criança à escola etc. (IBGE, 2013; DIEESE, 2013a).
72
Dados da PNAD Contínua, do IBGE, referentes ao 2o semestre de 2015. Disponível em:
<ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continu
a/Trimestral/Comentarios/pnadc_201502_trimestre_comentarios.pdf>. Acesso em: 07 fev. 2016.
73
Essa categoria tem vivenciado uma série de mudanças significativas nos últimos anos, como o aumento
da formalização dos contratos de trabalho e dos rendimentos ocorrido no período de 2002 a 2012 (IBGE,
2013). Além disso, a categoria vem demonstrando envelhecimento das trabalhadoras, com a redução da
inserção de jovens, e apresentando uma ligeira redução no número de trabalhadoras, assim como aumento
do número de diaristas, com redução das mensalistas. (Ver artigo de Jurema Brites e Felícia Picanço,
2014.) A queda no número de trabalhadoras nessa categoria é influenciada pela expansão da escolaridade
da população e pelo aumento da oferta de trabalhos formalizados no País visto nos últimos anos, como é o
caso dos call centers. Além disso, uma recente e importante transformação diz respeito à Proposta de
Emenda Constitucional sobre o trabalho doméstico (que ficou conhecida como “PEC das Domésticas”),
implementada em 2013 e regulamentada em 2015. Esta aproximou os direitos trabalhistas das
trabalhadoras domésticas daqueles dos trabalhadores regidos pela CLT. Essa nova regulamentação
constitui um expressivo marco para as trabalhadoras domésticas e, certamente, trará desdobramentos
quanto ao perfil da categoria e às relações estabelecidas entre empregadores e empregadas, o que
merecerá acompanhamento ao longo dos próximos anos.
62
40
Milhões
35
30
25
20
15
10
5
0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego – Caged. Consulta realizada em 5 nov. 2015. Elaboração própria.
74
Dados da PME para as regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São
Paulo e Porto Alegre. Fonte: IBGE, 2015c.
63
75
Para fim deste estudo, consideraremos os estabelecimentos de super e hipermercado como um todo.
Nos momentos em que se fizer necessário, apresentaremos as diferenças entre o tipo de organização e
gestão do trabalho existentes entre eles.
64
76
O primeiro supermercado surgido aqui foi o Sirva-se, inaugurado em 1952 e instalado na Rua da
Consolação, no município de São Paulo. Ver: DINIZ, Abílio. O Brasil na era dos supermercados.
Disponível em: <http://abiliodiniz.com.br/trajetoria/opiniao/o-brasil-na-era-dos-supermercados/>. Acesso
em: 18 jan. 2016.
77
Cabe apontar que a Classificação Brasileira de Ocupação, elaborada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego, inclui na categoria de caixas e bilheteiros (4211) os atendentes comerciais (agência postal),
bilheteiros de transporte coletivo, bilheteiros no serviço de diversões, emissores de passagem e
operadores de caixa, excluindo os caixas de banco. (Disponível em: <http://www.mtecbo.gov.br/
cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf>. Acesso em: 04 nov. 2015). Portanto, é incluída,
nessa categoria, uma grande variação de atividades e segmentos, entre os quais estão as operadoras de
caixa de super/hipermercados.
78
Para este capítulo, na elaboração dos dados referentes ao segmento de super/hipermercados, foi
considerada a CNAE 2.0 – Comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos
alimentícios – hipermercados e supermercados. Para a atividade de operadora de caixa, considerou-se
ainda a CBO 4211 – Caixas e bilheteiros. Trata-se dos dados da RAIS para o ano de 2014. A consulta aos
dados foi realizada no site do Ministério do Trabalho e Emprego em 4 nov. 2015.
65
(SANTOS, GIMENEZ & MATTOS, 1998). Ou seja, esse período, marcado pelo
processo de reestruturação produtiva, significou redução da força de trabalho contratada
e aumento da produtividade, o que revela um investimento tecnológico empregado de
modo a otimizar a produção, mas também uma intensificação do trabalho.
Assim, como as inovações gerenciais, a concentração do comércio varejista
entre poucas grandes empresas e a internacionalização são elementos-chave para
compreender as transformações e o dinamismo desse segmento no Brasil.
Netto (2010) salienta que, já nos anos 1970, grandes empresas
transnacionais de supermercado passaram a se instalar no Brasil. No entanto, foi a partir
dos anos 1990, mesmo período em que ocorre a chegada da empresa Walmart, que as
transformações se intensificaram (NETTO, 2011; FRANÇA JUNIOR, 2008).
Formaram-se grandes grupos, que passaram a controlar o segmento, tendo forte
presença de capital estrangeiro 79.
Há, hoje, um elevado grau de concentração do faturamento entre poucas
empresas. Em 2014, o faturamento das 500 principais empresas do segmento no País foi
de R$ 258,7 bilhões. As cinco maiores delas detinham 59,53% do total desse
faturamento, sendo que apenas as três maiores redes – Cia. Brasileira de Distribuição
(Grupo Pão de Açúcar), Carrefour e Walmart – eram responsáveis por cerca de 54%
dele (equivalente a R$ 140 bilhões)80.
Nos últimos anos, tanto esse faturamento como o número de funcionários se
elevaram. Segundo o ranking da Abras, o faturamento das 500 maiores empresas subiu
12,8% entre 2013 e 2014. O número de lojas operadas por elas cresceu 4,3%, com 345
novas lojas abertas, totalizando mais 8.308 unidades de trabalho. Os dados do Caged
revelam, ainda, a importância desse segmento na absorção da força de trabalho: em
2012, dos 383.426 postos de trabalho abertos no subsetor de comércio, 13,6% (52.083)
estavam no segmento de super/hipermercados (DIEESE, 2013b).
Entretanto, esse movimento foi acompanhado pela manutenção de uma
elevada taxa de rotatividade. Os dados do Caged indicam que, no Município de São
Paulo (MSP), em 2009, enquanto 49.192 pessoas foram admitidas no segmento, 44.151
79
Nesse contexto, foi emblemática a fusão, em 1999, e, posteriormente, a assunção do controle, em 2012,
da maior rede brasileira de super/hipermercados por um grupo francês.
80
A quarta maior empresa do segmento no País é, segundo o ranking da Abras, a chilena Cencosud. Na
quinta colocação está a rede Zaffari, com capital totalmente nacional. Informações retiradas do site da
Abras. Disponível em: <http://www.abras.com.br/economia-e-pesquisa/ranking-abras/apresentacao/>.
Acesso em: 7 fev. 2016.
66
81
Para compreender o volume desses desligamentos, cabe apontar que, no ano de 2012, o subsetor de
comércio no País apresentou uma taxa de rotatividade total de 63,9% e uma descontada de 41,4%. Taxas
muito mais elevadas do que aquelas referentes ao mercado de trabalho em geral (englobando todos os
setores de atividade), que correspondem, respectivamente, a 55,2% e 37,4%. Dentro do subsetor de
comércio, os desligamentos ocorridos entre os ocupados nas atividades de vendedor de comércio varejista
e de operadora de caixa corresponderam a mais de 31% do total. (DIEESE, 2014)
67
82
No entanto, cabe mencionar que na RMSP, 20% dos trabalhadores do segmento recebem até 1,5 SM,
enquanto nos serviços esse percentual é de 23%, revelando os maiores salários auferidos pelos ocupados
da RMSP quando comparados àqueles do País. Fonte: Dados RAIS, Brasil, 2014. Consulta na base de
dados on-line do Ministério do Trabalho e Emprego, realizada em 23 nov. 2015.
83
Analisaremos de modo aprofundado, nos capítulos seguintes, a organização e a gestão do trabalho, bem
como a flexibilização das relações de trabalho.
68
1.400.000
1.200.000
1.000.000
800.000
600.000
400.000
200.000
0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.
(1) Inclui o Município de São Paulo
50.000
45.000
40.000
35.000
30.000
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
0
10 A 14 15 A 17 18 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 64 65 OU
MAIS
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.
50
45
40
35
30
25
%
20
15
10
5
0
15 A 17 18 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 64 65 OU MAIS
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.
84
Aprofundaremos a questão da flexibilidade e seus desdobramentos sobre a vida familiar e social no
último capítulo.
71
completo (82,95%). As mulheres apresentam uma proporção maior que a dos homens,
embora as taxas sejam próximas: os dados da RAIS indicam que 84,22% delas
possuíam o ensino médio contra 78,6% deles.
Entre aqueles com nível superior incompleto ou completo, a proporção de
homens é ligeiramente maior, como mostra o gráfico 14. Essa parece ser uma
característica do segmento, que difere do setor de serviços. Neste último, há maior
proporção de mulheres com nível superior completo: na RMSP, eram 32,7% de
mulheres contra 23% de homens, em 2014. Em nosso grupo de entrevistados, também
encontramos uma escolaridade ligeiramente maior entre os homens. Isso pode indicar
que haveria maior investimento na formação dos trabalhadores homens do segmento,
visando galgar outros postos de atividade dentro ou fora da empresa.
90
80
70
60
50
%
40
30
20
10
0
Fundamental
Fundamental
Fundamental
Incompleto
Incompleto
Completo
Incompleto
Completo
5ª Completo
Superior
Superior
Médio
Completo
Médio
Até 5ª
6ª a 9ª
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.
remuneração média era de R$ 1.097,98, sendo que elas recebiam 92% dos salários
masculinos nessa atividade. Na RMSP, a remuneração média era de R$ 1.250,95 e as
mulheres recebiam, aproximadamente, 87% dos salários masculinos.
Além disso, elas estão mais presentes nas faixas até 2 salários mínimos. Já
nas faixas de rendimento superiores, a proporção de homens supera a de mulheres,
como mostra o gráfico 15.
70
60
50
40
%
30
20
10
0
Até 0,51 a 1,01 a 1,51 a 2,01 a 3,01 a 4,01 a 5,01 a 7,01 a 10,01 a
0,50 1,00 1,50 2,00 3,00 4,00 5,00 7,00 10,00 15,00
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.
3. O segmento de teleatendimento
O teleatendimento pode ser considerado um segmento recente no Brasil,
aparecendo como derivação do ramo de telefonia. Segundo Venco (2009a), as principais
centrais de teleatendimento surgiram no País nos anos 1960, como escritórios de
recebimento de reclamações. Nos anos 1990, o desenvolvimento tecnológico mudou a
atuação dessas centrais, que passaram a se constituir como núcleos de comunicação, de
satisfação e de fidelização de clientes. Nesse período, as centrais se configuravam como
plataformas telefônicas dentro das empresas, voltadas a atender seus clientes.
Já no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, as grandes empresas de
teleatendimento foram criadas, passando a prestar serviço de atendimento a várias
outras empresas. De acordo com Braga (2012), 96% das centrais de teleatividade
surgiram após os anos 1990, sendo que 76% foram criadas a partir de 1998, período em
que ocorreu a privatização do sistema de telefonia no País. O avanço nos processos de
privatização e de terceirização 85 desse período foi fator decisivo para impulsionar o
segmento, configurando os grandes call centers como vistos hoje.
A partir de então, o ramo de teleatendimento vivenciou uma forte expansão
e diversificação de suas atividades, ancoradas no desenvolvimento de novas tecnologias
e serviços de informação. Grandes empresas passaram a dominar o segmento,
concentrando alto número de trabalhadores em poucas empresas (BRAGA, 2012;
DIEESE, 2012). Suas atividades abrangem telemarketing, serviços de atendimento ao
consumidor (SACs), vendas, suporte, cobranças, retenção, entre outros.
A Classificação Brasileira de Ocupação considera operadores de
telemarketing aqueles que atendem os usuários, oferecem serviços e produtos, prestam
serviços técnicos especializados, realizam pesquisas, fazem serviços de cobrança e
cadastramento de clientes, via teleatendimento, seguindo roteiros e scripts planejados e
controlados para captar, reter ou recuperar clientes 86.
85
Consideramos que a terceirização é emblemática quanto ao processo de flexibilização das relações de
trabalho, no contexto da reestruturação produtiva. No entanto, não nos ateremos aqui a analisar esse
processo por compreendermos que há uma vasta e rica bibliografia sobre o tema. Ver, entre outros,
DRUCK & FRANCO, 2007; DRUCK, 1999; LIMA, 2010. Sávio Cavalcante (2006) analisa o processo
de terceirização nas telecomunicações no Brasil.
86
Informações do site do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em:
<http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf>. Acesso em: 4 nov.
2015.
75
87
Ver, por exemplo, a reportagem “Telemarketing emprega 1,4 milhão no país”. Disponível em:
<http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2012/10/telemarketing-emprega-14-milhao-no-pais-
veja-como-e-o-trabalho-no-setor.html>. Acesso em: 4 fev. 2016.
88
Foram considerados aqui os trabalhadores classificados como operadores de telemarketing (CBO
4223), abrangendo aqueles que exercem suas atividades em empresas de diferentes ramos de atividade,
como bancos, escritórios, comércio varejista, transporte etc. Apesar de os dados da RAIS parecerem não
76
Em geral
Regiões Masculino Feminino Total
nº % nº % nº %
Brasil 113.060 23,6 365.383 76,4 478.443 100
Estado de São Paulo 51.598 22,9 173.994 77,1 225.592 100
RMSP (1) 40.695 24,1 128.199 75,9 168.894 100
MSP 30.317 25,9 86.632 74,1 116.949 100
Em atividades de teleatendimento
Regiões Masculino Feminino Total
nº % nº % nº %
Brasil 76.271 25,3 224.878 74,7 301.149 100
Estado de São Paulo 35.997 24,7 109.847 75,3 145.844 100
(1)
RMSP 28.419 25,5 83.191 74,5 111.610 100
MSP 21.540 27,7 56.201 72,3 77.741 100
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.
(1) Inclui o Município de São Paulo
dar conta da abrangência da categoria, consideramos importante analisá-los, uma vez que são os dados
oficiais fornecidos pelas empresas, que auxiliam na compreensão do perfil dessa categoria e da dinâmica
do segmento. Os dados para o ano de 2014 apresentados nesse item se referem à consulta realizada à base
de dados on-line da RAIS, para a Região Metropolitana de São Paulo, no site do Ministério do Trabalho e
Emprego, em 4 nov. 2015.
89
Optamos por computar os dados referentes às pessoas operadoras de telemarketing em
estabelecimentos exclusivamente de atividade de teleatendimento (CNAE 82202). Dessa forma,
conseguimos traçar um perfil das que exercem suas atividades nos call centers, foco desta pesquisa.
77
90
No Município de São Paulo, os dados da RAIS sinalizam para uma redução no número de pessoas
ocupadas no segmento nos últimos anos. De 2011 a 2014, o número caiu 11,4%.
78
60
50
40
% 30
20
10
0
15 A 17 18 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 64 65 OU MAIS
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.
90
80
70
60
50
%
40
30
20
10
0
Fundamental
Fundamental
Fundamental
Completo
Completo
Incompleto
Incompleto
Incompleto
5ª Completo
Superior
Superior
Médio
Completo
Médio
Até 5ª
6ª a 9ª
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.
mas que se reduz ao longo do tempo, com os homens se retirando dele a fim de galgar
outros postos no mercado de trabalho, provavelmente mais qualificados.
Do mesmo modo, verificamos no segmento uma proporção ligeiramente
mais elevada de mulheres com ensino médio completo. Já nas escolaridades de nível
superior incompleto e completo, a presença de homens é um pouco mais elevada que a
de mulheres.
A maior presença feminina e de jovens entre as pessoas ocupadas está
ligada, em parte, à jornada de trabalho reduzida: 93,6% possuem jornada semanal de 31
a 40 horas. Cabe ainda assinalar que 4,8% possuem jornada em tempo parcial (21 a 30
horas), sendo que, dessas, 79,5% são mulheres.
Outra importante característica marca o segmento: os baixos salários. Na
categoria, o piso salarial corresponde a cerca de 1 salário mínimo (SM). Em 2014, 79%
das operadoras de telemarketing da RMSP recebiam até 1,5 SM. A remuneração
nominal média era de R$ 942,55 91, sendo que, entre quem tinha o ensino médio
completo (a maioria no segmento), ela era de R$ 920,93. As mulheres auferem salários
menores do que os homens: 21% delas recebiam, em 2014, até 1 SM contra 17% dos
homens.
Para as pessoas que se inserem no segmento, essa remuneração média é
menor. Os dados para a RMSP indicam que as pessoas ocupadas que estavam a até 2,9
meses no emprego recebiam, em média, R$ 823,13, sendo que as mulheres recebiam R$
818,07 e os homens, R$ 834,74.
Em relação ao tempo de permanência no emprego, 70,6% dos homens
estavam há menos de um ano no emprego contra 63% das mulheres. Entre as mulheres,
19% estavam há mais de dois anos no emprego, enquanto, entre os homens, 13%
estavam nessa condição. Portanto, nota-se não apenas alta rotatividade no segmento,
mas também, como já nos referimos, tendência a menor tempo de permanência dos
homens nessa atividade.
Além dos baixos salários e da alta rotatividade identificada nos dados
estatísticos, a condição de trabalho a que as pessoas do teleatendimento estão
91
A remuneração nominal média no País era de R$ 890,75. Fonte: RAIS, 2014. Segundo o DIEESE, em
2011 a remuneração média era de R$ 835,10. O aumento na renda vinha sendo verificada até, pelo menos,
2012, resultado inclusive da política de valorização do salário mínimo adotada pelo governo federal na
última década. De 2002 a 2015, o salário mínimo subiu 294% (Disponível em:
<http://www.mte.gov.br/images/Documentos/SalarioMinimo/EVOLEISM1940a2015.pdf>. Acesso em: 5
fev. 2016).
80
submetidas já foi alvo de uma série de estudos no País, como já indicamos. Estes
mostram que, embora a maior parte dos contratos de trabalho seja formalizada e regida
pela legislação trabalhista, o trabalho é marcado por rotinização e padronização das
tarefas, forte controle, pressão pela superação das metas e intensificação do trabalho
(FREITAS, 2010).
Tais condições levam a uma elevada taxa de adoecimento, verificada por
diversos autores que estudaram a atividade. As principais formas de adoecimento vão
desde a ocorrência de lesão por esforço repetitivo (LER), problemas de coluna, dor de
cabeça, zumbido no ouvido, surdez, infecções urinárias, depressão, outros distúrbios
mentais, até tentativas de suicídio 92. Vitor Filgueiras e Renata Dutra (2014) indicam
que, em 2007, o total de acidentes de trabalho registrados no Anuário Estatístico da
Previdência Social (INSS) nesse segmento foi superior a 3 mil ocorrências, sendo que,
dentre essas, mais de mil eram doenças ocupacionais93.
Para Braga (2012), essa alta taxa de adoecimento é fruto de uma
combinação de fatores quanto à organização e à gestão do trabalho, tais como
treinamento inadequado, pressão por cumprimento de metas, condições impróprias no
ambiente de trabalho, intervalos e folgas insuficientes, forte taxa de enquadramento e
intensificação do ritmo de trabalho, possibilitados pelo uso de modernas tecnologias.
Esse tipo de gestão do trabalho, que mescla tecnologias do século XXI com
condições de trabalho do século XIX, levou Antunes & Braga (2009) a definir os
teleoperadores e teleoperadoras como os novos proletários da era da informação ou do
trabalho virtual. Seriam os “infoproletários” ou cybertariat, termo cunhado por Ursula
Huws (2003) e empregado pelos autores.
Podemos afirmar que as mulheres são fortemente afetadas por esse tipo de
gestão, uma vez que elas não apenas são maioria nas atividades de teleatendimento,
como vivenciam piores condições no trabalho, como evidenciado nos menores salários
auferidos.
92
OLIVEIRA, 2009; BRAGA, 2009; FILGUEIRAS & DUTRA, 2014; NOGUEIRA, 2006; VENCO,
2009a; FREITAS, 2010.
93
Segundo os autores, a partir dos anos 2010 houve uma queda no número de registros de acidentes e
doenças no segmento. Porém, mais do que significar uma melhoria no quadro, isso evidencia uma postura
das empresas em “esconder” o problema. Um exemplo é o fato de que “em 2011 e 2012, dos casos de
doença ocupacional cadastrados no INSS, menos de 10% foram reconhecidos pelas empresas como tal”
(FILGUEIRAS & DUTRA, 2014, p. 8). Para os autores, as empresas tanto não admitem e reconhecem o
adoecimento, como deliberadamente agem de modo a ocultar as lesões.
81
O segmento de super/hipermercados
Nesse segmento, a maior presença feminina é justificada, no discurso das
entrevistadas, pelo fato de as mulheres serem consideradas mais aptas para exercer a
atividade, principalmente porque seriam mais organizadas, gentis, delicadas e pacientes
que os homens. Ângelo Soares (1998) aponta que há uma divisão sexual do trabalho que
envolve o uso e o controle das emoções: os homens se concentram em tarefas que
demandam agressividade, dureza, rudeza e frieza, ao passo que as mulheres estão em
tarefas que requerem gentileza, delicadeza, sensibilidade, doçura etc.
“De vez em quando eles falam: ‘vai se arrumar!’. Só que eu, eu não
gosto muito, é difícil tipo maquiagem. Mas eles não exigem, não. É
mais assim uma coisa sua. Eles dizem assim o que não usar, eles não
querem que pinte as unhas de vermelho. Não pode pintar a unha de
vermelho. Não pode cor escura. Eles querem que pinte de uma cor
mais clarinha. [E cabelo?] Tem que estar de cabelo preso. Todo
mundo usa cabelo preso. Isso é exigência” (Carolina, operadora de
caixa de supermercado da empresa C, 18/5/2012).
para transmitir aos clientes a imagem que a empresa deseja, como pode acabar se
tornando um real instrumento de marketing. Um exemplo é o fato de, em 2014, uma
empresa de supermercado do Município de São Paulo ter sido condenada pelo Tribunal
Superior do Trabalho a indenizar uma operadora de caixa por obrigá-la a usar uniforme
com propagandas de produtos, sem receber compensação pecuniária. A operadora
denunciou a empresa por utilizá-la como um “veículo de propaganda” para diferentes
marcas de produto, fazendo de seu corpo um instrumento de propaganda.
Ou seja, os atributos físicos da mulher, seu corpo, bem como suas
“qualificações” tidas como naturais, são apropriados pelas empresas e colocados a
serviço do trabalho, na busca por maior lucratividade.
Ramo de teleatendimento
A atividade de teleatendimento, ao contrário da de operadora de caixa, tem
como característica manter o corpo da trabalhadora invisível na relação com o cliente.
Nela, é por meio da voz que as trabalhadoras, escondidas atrás do telefone, transmitem
certas características, como gentileza, paciência, calma e afeto. Liliana Segnini (2001)
assinala que, socialmente, a voz feminina tem o efeito de transmitir mais doçura e
confiança, o que estaria ligado à segurança que as pessoas sentem ao falar com uma
mulher ao telefone. Venco (2003) constata, em sua pesquisa no segmento, que a voz
feminina é considerada a que “soa melhor” ao telefone e transmite mais tranquilidade.
Aparece aqui o recurso à sedução da voz feminina, como forma de levar ao cliente uma
sensação agradável e positiva no atendimento.
Como é o único meio de contato das trabalhadoras com os clientes, a voz
fica sujeita a um forte controle. As empresas impõem padronizações nas falas e
procuram eliminar os sotaques e controlar a entonação, com o objetivo de impedir
manifestações de emoção e afeto das teleatendentes, limitando o diálogo (VILELA &
ASSUNÇÃO, 2004). Tais imposições permitem que a empresa controle aquilo que
deseja transmitir aos clientes, em relação tanto ao conteúdo quanto às sensações. E a
voz feminina parece ser, assim, mais eficaz para atingir tais objetivos.
Além da voz, há ainda outros elementos importantes que contribuem para
maior absorção de mulheres nesse segmento. O horário reduzido de trabalho é visto
como um fator preferível às mulheres, dadas suas responsabilidades no lar. Do mesmo
modo, ele foi apontado como favorável aos jovens, que teriam a possibilidade de
85
conciliar trabalho e estudos. Desse modo, parte das trabalhadoras vê esse tipo de
trabalho como uma opção diante de suas condições ou ciclo de vida, sendo elas mães ou
estudantes. Essa noção aparece no discurso tanto das entrevistadas como do ramo
empresarial.
“[Tem] Muito mais mulher do que homem. Acho que 90% são
mulheres. O resto é homem. [...] É, porque, na verdade, a maioria é
mãe. [A maioria é mãe?] A maioria é mãe. Porque, por ter filho,
procuram emprego com uma carga horária que seja, né... que não
compromete todo o tempo. Perto de casa. A maioria aqui também é da
região. A maioria é mãe. Ou, se não, são mocinhas, que trabalham
para comprar roupinha, para ir para a balada, essas coisas. Ou tem
também a grande parte que trabalha para realmente pagar a
faculdade, essas coisas. Mas a maioria é mulher” (Ametista,
teleatendente da empresa A, 4/5/2012).
94
A melhor articulação entre esferas do trabalho e da família foi utilizada como justificativa no campo
das “políticas de conciliação” em países da Europa, por exemplo, para a disseminação do trabalho em
tempo parcial, sendo fortemente direcionado às mulheres. Abordaremos esse aspecto em capítulo
posterior.
86
“[Tem] mais mulher. Homem, só tem dois meninos. [...] Acho que eles
acham o trabalho muito de... eles acham que é só para mulher. [risos]
O pessoal... acho também que é pelo salário. Muito pouco aqui para,
tipo, você sustentar alguém, não dá. Se você, tipo assim, vai morar
sozinha, se você trabalhar lá, você não consegue. Eu acho que
também é por isso. É muito pouco. E geralmente os homens, né,
sustentam a família, moram sozinhos, essas coisas... não dá”
(Carolina, operadora de caixa de supermercado da empresa C,
18/5/2012).
“[E tem mais mulher?] Tem, frente de caixa tem mais mulher, ou gay.
[Ou gay?] Não entra um homem lá. [...] [Mas por que você acha que
não tem homem?] Não sei, porque geralmente homem não gosta
95
Aqui, cabe assinalar uma importante estratégia adotada pela empresa: os empregados são contratados
como operadores de hipermercado, não havendo contratação específica de operadores de caixa. Isso
permite à empresa recorrer à polivalência e multifuncionalidade dos trabalhadores, além de manter baixos
os custos com a força de trabalho, sem precisar contratar profissionais especializados em determinadas
atividades. Analisaremos essa estratégia de modo mais aprofundado no capítulo destinado a compreender
as práticas de flexibilização das relações de trabalho adotadas pelas empresas.
96
Não podemos afirmar que seria uma estratégia gerencial das empresas recrutar homens homossexuais
para a frente de caixa; no entanto, podemos aventar a hipótese de que haveria essa tendência. O exemplo
do teleatendimento, como analisaremos logo a seguir, dá pistas para pensarmos essa relação.
88
97
Em nossas entrevistas, as trabalhadoras se referiram a estes como “homens homens” em oposição aos
homens homossexuais.
98
Durante observação no trabalho de campo (6 maio 2015), registramos o diálogo entre dois operadores
de caixa homens. Um deles, que treinava uma operadora, disse ao outro que estava bravo e incomodado
por ter sido confundido com ele. Posteriormente, dirigindo-se à operadora, ele disse que seu incômodo era
porque o outro “jogava em outra praia”, querendo deixar claro que o que os diferenciava era que ele era
heterossexual, enquanto o outro era homossexual. Assim, os estereótipos sociais acerca da sexualidade
também são decisivos quanto ao afastamento ou à inserção dos trabalhadores homens nesse tipo de
trabalho. Consideramos que a inserção de homossexuais em determinadas atividades, a apropriação de
sua sexualidade pelo capitalismo e a relação estabelecida entre os pares – homens e mulheres – são um
tema de estudo que merece ser analisado e aprofundado futuramente, sendo ainda escasso na sociologia e,
particularmente, na sociologia do trabalho.
89
aos atributos tidos como femininos, mas, ao mesmo tempo, elas recorrentemente
salientam que o exercício da atividade envolve o carregamento de peso – característica
associada ao masculino.
Tais elementos evidenciam que as construções de masculinidade e
feminilidade, bem como a divisão sexual do trabalho, não são estanques e permanecem
em constante transformação, sem deixar de revelar, porém, os estereótipos presentes no
imaginário social e as hierarquias existentes. Como aponta Delphine Gardey (2003, p.
53),
“[Por que você acha que tem mais mulher?] Porque... eu acho que as
mulheres querem trabalhar meio período. As que têm filhos. [...]
Homem quer trabalhar em coisa para homem, né? Não sei porque o
telemarketing é mais para mulher, não sei, não. [...] Mas os homens
90
mercado, essa força de trabalho acaba sendo a opção de certos setores, pois ela tenderia
a se submeter mais facilmente aos ditames das empresas.
No entanto, isso não se restringe apenas a pessoas homossexuais. O
segmento de teleatendimento vem sendo apontado também como uma porta de entrada
para outros trabalhadores frequentemente excluídos ou que encontram maiores
dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, como negros, jovens (muitos em busca
do primeiro emprego) etc. (VENCO, 2009a; FREITAS, 2010), como veremos logo
adiante.
Essa característica evidencia que, além das relações de gênero, outras
relações são fundamentais para compreender a composição da força de trabalho em
ambas as atividades, como veremos a seguir.
99
Em 2013, o rendimento médio das mulheres brancas equivalia a 72% do dos homens brancos, o dos
homens negros equivalia a 56,5% e o das mulheres negras correspondia a apenas 42%. A remuneração
das mulheres pretas ou pardas (classificações adotadas pelo IBGE) equivalia a 57,8% da das brancas
(IBGE, 2014c). Guimarães (2002), ao analisar as diferenças salariais por cor e sexo no mercado de
trabalho, pondera que as mulheres brancas são mais afetadas pela discriminação no local de trabalho em
virtude de seu sexo. Para as mulheres negras, a discriminação estaria ligada ainda a outras desigualdades
geradas fora do mercado de trabalho, como a menor escolaridade e o fato de competirem por atividades
que pagam menores salários. Apesar dessas diferenças, sexo e cor aparecem como componentes
fundamentais para explicar as desigualdades existentes no mercado de trabalho.
92
100
Em sua entrevista, ela relata a vontade de trazer o filho para viver com ela em São Paulo. No entanto,
considera que isso será possível apenas quando conseguir autonomia financeira para se mudar da casa da
tia, com quem mora, e constituir a própria casa. Enquanto isso, ela envia dinheiro mensalmente à mãe
para cuidar dele e, no momento da entrevista, havia acabado de retornar da visita ao filho.
94
101
Informações retiradas do site da Agência da ONU para Refugiados – Acnur. Refúgio no Brasil: uma
análise estatística – janeiro de 2010 a outubro de 2014. Disponível em:
<http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Estatisticas/Refugio_no_Brasil_2010_2014.
pdf?view=1>. Acesso em: 22 jan. 2016. A imigração haitiana no Brasil cresceu fortemente após o
terremoto que devastou o país em 2010.
102
Repórter Brasil. A situação dos imigrantes haitianos e senegaleses no Brasil. Publicado em
15/12/2014. Disponível em: <http://imigrantes.webflow.io/>. Acesso em: 22 jan. 2016.
95
uma força de trabalho facilmente explorável e de menor custo. Segundo Venco (2009b),
dada essa invisibilidade do trabalhador no contato com o cliente, esse segmento
incorpora amplamente “pessoas frequentemente rejeitadas em postos de trabalho que
envolvem o contato vis-à-vis, relegando-os a permanecerem invisíveis a uma sociedade
de consumo que privilegia certos padrões estéticos” (VENCO, 2009b, p. 170, grifo no
original) 103.
Os demarcadores inscritos nos corpos dos sujeitos condicionam, assim, os
espaços ocupados por eles no mercado de trabalho, reforçando as desigualdades
existentes.
O quadro apresentado evidencia como as relações de classe, gênero e raça104
estão imbricadas, sendo decisivas na compreensão do perfil da força de trabalho em
ambas as atividades, bem como no modo de as trabalhadoras vivenciarem a esfera
produtiva e as desigualdades existentes.
A importância de considerar a interdependência das relações de poder vem
sendo debatida há algumas décadas. Segundo Hirata (2014), a problemática da
interseccionalidade de classe, sexo e raça foi, inicialmente, desenvolvida por
pesquisadoras inglesas e norte-americanas nos anos 1990, como Kimberlé Crenshaw
(1989), tendo sofrido forte influência do feminismo negro (Black Feminism) do fim dos
anos 1970. Nesse período, na França, Danièle Kergoat desenvolveu suas análises,
articulando primeiramente classe e sexo e posteriormente incluindo as relações de raça.
Mais recentemente, a autora passou a falar em teoria da consubstancialidade 105,
apontando essas três relações de poder como coextensivas umas das outras. Aqui no
Brasil, Heleieth Saffioti (1997; 2015) salienta o nó existente entre os antagonismos de
classe, sexo e raça.
O desenvolvimento dos conceitos e dessas análises quanto à
interseccionalidade ou consubstancialidade dessas relações contribuiu para evidenciar
que há não uma hierarquização das formas de opressão, mas um entrecruzamento de
desigualdades (KERGOAT, 2010; HIRATA, 2014). Cinzia Arruzza (2015) defende que
103
Em entrevista ao jornal ABCD Maior, em julho de 2015 – para a matéria “Teleoperadores devem se
organizar contra a invisibilidade atrás do telefone” –, Selma Venco afirmou que o segmento é
frequentemente apontado como democrático por incorporar grupos de pessoas geralmente excluídos no
mercado de trabalho, quando, na prática, há uma perversidade nessa relação.
104
E vimos como a sexualidade/orientação sexual também é uma dimensão importante nessa imbricação.
105
Essa não é isenta de críticas. Cinzia Arruzza (2015) faz uma análise das teorias que tratam da relação
entre as opressões de raça e de gênero e o sistema capitalista. A autora critica as análises que tomam essas
relações como sistemas separados. Uma de suas críticas se volta à teoria da consubstancialidade de
Kergoat, por esta não apresentar quais as causas dessa intersecção.
96
*
* *
106
Marx (1983) diferencia dois modos de extrair a mais-valia: um é a extração da mais-valia absoluta, a
qual resulta do prolongamento da jornada de trabalho para além do necessário à produção da mercadoria;
o outro é a extração da mais-valia relativa, que resulta da redução do tempo necessário, com mudanças no
processo de trabalho que levam ao aumento da produtividade.
99
processo de trabalho. Braverman (1981) analisa, no que ele chama de revolução técnico-
científica, o modo como a maquinaria e as tecnologias foram incorporadas na produção
como forma de aumentar o controle do capitalista sobre ela. Segundo o autor, as
diferentes inovações tecnológicas empregadas visavam eliminar o máximo possível o
controle do trabalhador sobre a atividade e transferi-lo para um dispositivo, controlado,
o máximo possível, pela gerência.
Todos esses aprimoramentos e o desenvolvimento de novas tecnologias
revolucionaram o mundo do trabalho. Conforme indica Castells (1999), a revolução
tecnológica da informação foi de extrema importância no processo de reestruturação
produtiva do capitalismo desde os anos 1980.
Como vimos, o autor foi um dos pensadores que defendiam a ideia de que,
cada vez mais, as novas tecnologias e os serviços de informação resultariam na
liberação da sociedade do trabalho enquadrado, que seria substituído pelo trabalho
criativo e emancipador. Entretanto, ao longo da História, a realidade mostrou-se outra.
Ainda que tenham contribuído para o estabelecimento de empregos altamente
qualificados, as novas tecnologias também possibilitaram a simplificação de tarefas, a
substituição de trabalhadores pela maquinaria e a ampliação do submetimento de parte
dos trabalhadores aos ditames operacionais, principalmente daqueles inseridos em
trabalhos menos qualificados.
É nesse segundo campo que as duas atividades aqui analisadas se inserem.
Nelas, o uso intensivo de serviços de informação e tecnológico permite às empresas
padronizar e simplificar as atividades, intensificar o ritmo de trabalho, controlar o
processo de trabalho e a interferência das trabalhadoras, além de reduzir os custos e
otimizar a produção. Vejamos o caso de cada segmento:
No ramo de super/hipermercados, a introdução de novas tecnologias tem
contribuído para reconfigurar a atividade da operadora de caixa, levando,
principalmente, à intensificação do trabalho. Braverman (1981) assinala que a inovação
100
107
Essa automatização dos caixas (de autoatendimento) é encontrada em vários super/hipermercados em
países da Europa e nos Estados Unidos, por exemplo. Bernard (2012) estudou sua implementação no caso
francês. No Brasil, ainda são poucas as empresas a utilizar esse recurso. Ver, por exemplo, a experiência
em Londrina (Disponível em: <http://gizmodo.uol.com.br/caixas-automaticos-de-supermercado-no-
101
109
Dos estabelecimentos da empresa na qual se concentraram as entrevistas, um hipermercado funcionava
24 horas por dia e outro, das 8h às 23h. Já o supermercado funcionava das 7h às 22h.
110
Um aspecto aproxima ainda as duas atividades: ambas são normatizadas por um anexo da Norma
Regulamentadora 17 do Ministério do Trabalho e Emprego. Esta define parâmetros e diretrizes quanto à
ergonomia no trabalho, procurando adaptar as condições de trabalho às características psicofisiológicas
dos trabalhadores e trabalhadoras, e normatiza sobre a organização do trabalho. O Anexo I da NR-17, de
104
dia pela supervisora, e outras eventuais pausas devem ser solicitadas e autorizadas. A
jornada de trabalho de uma teleatendente é de 36 horas semanais, sendo de 6 horas
diárias. Em geral, elas trabalham seis dias por semana, inclusive por meio de escalas de
revezamento. As empresas mantêm horários variados de funcionamento, algumas
chegando a ficar em atividade 24 horas por dia, sete dias na semana 111.
As duas descrições de jornada já evidenciam alguns elementos quanto à
organização e à gestão produtiva nas atividades analisadas: nota-se, nelas, um forte
controle e padronização do processo de trabalho. A estandardização e a simplificação
das tarefas, bem como o forte controle e a vigília sobre as trabalhadoras, são aspectos
que aproximam a gestão do trabalho nessas atividades da racionalização taylorista da
produção. Esta passou a ser aplicada em atividades não industriais (GADREY, 2005)
com o objetivo de maximizar a produtividade e a lucratividade das empresas 112.
Passemos, então, a analisar mais aprofundadamente como opera esse tipo de
gestão e de organização do trabalho, particularmente por meio do forte controle. Este
recai sobre os gestos, os movimentos, o ritmo de trabalho, os resultados e a
produtividade.
2007, define os parâmetros quanto ao trabalho das operadoras de check-out (Disponível em:
<http://www.guiatrabalhista.com.br/legislacao/nr/nr17_anexoI.htm>. Acesso em: 26 jan. 2016). O Anexo
II se volta ao trabalho de teleatendimento/telemarketing. Nele, estão incluídas as determinações quanto às
pausas para descanso e refeição (Disponível em: <http://www.guiatrabalhista.com.br/
legislacao/nr/nr17_anexoII.htm>. Acesso em: 26 jan. 2016).
111
No teleatendimento ativo, a jornada de grande parte das teleatendentes é realizada de segunda-feira a
sábado. Ele é regido por um Código de Ética, que limita o horário das ligações que as empresas podem
fazer aos clientes: de segunda a sexta-feira das 9h às 21h e, aos sábados, das 10h às 16h (Disponível em:
<http://www.probare.com.br/Codigo_de_Etica_Revisao_4_OFICIAL.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2016). Já
no teleatendimento receptivo, a jornada de trabalho é, geralmente, distribuída no período de segunda a
domingo e organizada por escalas de revezamento. A Portaria n o 2.014 de 2008, que impôs
regulamentações específicas aos Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs), determinou às
empresas a disposição ininterrupta desse tipo de serviço. (Disponível em: <http://www.procon.sp.gov.br/
texto.asp?id=2586>. Acesso em: 26 jan. 2016).
112
Braverman (1981) analisa como determinados tipos de trabalho, como o realizado nos escritórios, são
inseridos na lógica de racionalização taylorista para aumento da produtividade, com a separação e
simplificação de tarefas, a especialização, a padronização, o controle das empresas sobre o processo de
trabalho etc.
105
113
Poucas são as empresas que dispõem de escâner portátil para leitura dos códigos de barra dos produtos
mais pesados. Ele possibilitaria que as operadoras o levassem ao produto ou ao carrinho de compras,
evitando que despendessem maior esforço físico.
114
Phil Taylor e Peter Bain, ao tratarem do segmento de teleatendimento, afirmam que a supervisão
eletrônica, embora intensa, não promove um controle total dos trabalhadores, o que é salientado inclusive
pelas possibilidades de resistência individuais e coletivas que as teleatendentes desenvolvem (TAYLOR
106
& BAIN, 1999; BAIN & TAYLOR, 2000). Concordamos com esse ponto. Consideramos que há uma
semelhança ao panóptico foucaultiano na organização do trabalho promovida pelas empresas, que levam
ao disciplinamento das trabalhadoras, mas estas encontram margem de manobras e de resistência.
Discutiremos esse aspecto no capítulo 4.
107
“[Antes] você tinha mais como falar com o cliente, você podia
brincar com o cliente. Hoje em dia, você já não pode. [...] Hoje não
pode mais. Não pode falar quase nada, só aquele script mesmo. O
básico do básico. Aí como que você vai... você falou o script. Aí a
pessoa: ‘ah, eu não quero’. Aí você não pode falar: ‘ah, senhor, mas
vai guardar dinheiro?’. Você não pode falar que ele vai guardar
dinheiro. Você não pode falar um monte de coisa, você não tem
noção. Sabe? Como você vai reverter a situação com um monte de
coisa que você não pode falar? Aí, você começa a falar demais, aí
zera116, porque você acaba... sem querer, você fala, né?” (Ângela,
teleatendente da empresa A, 18/04/2012).
116
“Zerar” é a expressão utilizada quando a qualidade do atendimento prestado é avaliada negativamente
pela empresa.
117
Buscatto (2002b) examina como a aplicação de um programa em um call center francês – “Vendre
Vraiment” (Vender Realmente) –, que buscava vender a todo o custo, o que implicava argumentar,
contra-argumentar, insistir, convencer os clientes, gerou uma série de resistências entre seus
trabalhadores.
112
Cabe apontar aqui que apenas uma entrevistada indicou recorrer à mentira
como forma de atingir e ultrapassar as metas estipuladas. Segundo ela, “entubar o
cliente” (quando a teleatendente “engana” o cliente para realizar a venda) é uma tática
usada em benefício próprio, para aumentar sua premiação, e sua prática, proibida pela
empresa, é possível apenas por contar com a conivência de uma de suas chefias.
“Aí quando era o antigo gerente, ele não estava nem aí que eu ia e
entubava [...] Entubar é assim é você falar para o cliente, que está,
que para ele, tipo assim, eu vou te vender um PIC, aí eu falo para
você assim ‘oh, está disponível um PIC na sua conta corrente, você
fica se você quiser’. Mas eu falo assim ‘já está disponível para você’.
[É dar uma mentida?] É. Eu, tipo, falo ‘já está disponível’, não, mas
não está disponível. [...] Isso é entubar, entendeu? É você, tipo, omitir
para o cliente alguma coisa” (Alcione, teleatendente da empresa A,
11/2/2012).
seu desempenho. Por sua vez, a rigidez das organizações pode gerar
perturbações na relação do trabalhador com a sua tarefa, alterando o uso
pleno de suas capacidades, e, ainda, “automatizar” o pensamento
(NOGUEIRA, 2009, p. 192).
“Você não podia ficar muito tempo com o cliente, mas também não
podia ser muito rápido com o cliente. Entendeu? Então assim,
obrigatoriamente aí, para você ter tempo de questionar alguma coisa,
tem o TMA [...], uns três minutos. Mas também não precisava ter 10,
15 minutos de ligação. Mas se tivesse e tivesse uma venda, né?
Entendeu? Não precisava ter tanto tempo assim, mas também não
podia ser muito curta” (Alcione, teleatendente da empresa A,
11/2/2012).
qualidade também foi verificado por Braga (2009), em sua pesquisa nesse segmento.
Esse conflito ou tensão é maior quanto mais restrita é a autonomia das trabalhadoras.
A imposição de uma forte pressão e de um ritmo intenso de trabalho marca
a atividade das teleatendentes nos call centers. O controle minucioso do tempo aparece
como decisivo na organização e gestão do trabalho, despontando como um dos
principais elementos que permitem à empresa obter ganhos de produtividade.
Já o caso dos super/hipermercados difere, em parte, do segmento de
teleatendimento. Nele, as entrevistas revelam que o controle do tempo como critério de
produtividade não é uma prática atualmente recorrente. Segundo as operadoras de caixa,
o controle sobre o tempo de escaneamento de cada produto, sobre o tempo médio de
atendimento e sobre o número de clientes imperou por anos no segmento. No entanto,
na empresa estudada, ele deixou, recentemente, de ser adotado, o que teria ocorrido
devido à pressão dos sindicatos e aos processos trabalhistas dirigidos contra a empresa.
A fiscal de frente de caixa Célia, há treze anos na empresa, explica tais mudanças:
“[No caixa, tem um tempo que precisa passar o cliente, não pode...?]
Não. [...] Isso já teve muito. Já teve muito. Chamava produtividade.
Precisou alguns funcionários sair e ir à justiça. Porque realmente lá
você não está para correr. Está para trabalhar. E aí gerou vários
problemas, de tendinite, problemas na coluna, porque era... você
tinha que passar 23 produtos em 10 segundos. E aí aquilo foi gerando
sérios problemas. E aí hoje já não tem mais. Isso já há dois anos”
(Célia, fiscal de frente de caixa de hipermercado da empresa C,
11/7/2012).
“Tem mercado que trabalha com produtividade, né? Que aí, nesse
caso, é por premiação. [Na empresa D], eles fazem isso... é,
produtividade. Você... Quanto mais rápido você passar, mais
produtividade você vai ter, mais premiação você vai ganhar. Aqui,
não. Aqui, não trabalhamos com produtividade” (Cristiane, operadora
de caixa de supermercado da empresa C, 1o/6/2012).
“Qualquer trabalho que você faz você tem que ser rápido. Se você
não for rápido, você não vai ser destacado. Você não vai ter
produção, você não vai dar produção para o mercado. Então, quer
dizer, eles sempre falavam: ‘ah, quem for rápido vai ganhar isso,
quem for...’, entendeu? Então sempre incentivava, mas assim obrigar:
‘você tem que ser rápido’, não. Tanto que tinha muita tartaruga. Eu
ficava bravo, porque tinha muita tartaruga” (Danilo, operador de
caixa de hipermercado da empresa D, 7/11/2012).
últimos 60 minutos; e uma pausa de 20 minutos destinada à refeição, a qual deve ser
remunerada e somada à jornada, que totaliza 6h20min diárias.
No call center estudado, os momentos de pausa são definidos pela empresa,
não havendo possibilidade de escolha para as trabalhadoras. Elas podem ser
individualizadas, quando o supervisor determina o horário de pausa a cada teleatendente
– mais recorrente no teleatendimento receptivo devido à necessidade de manter um
atendimento ininterrupto –, ou prescritas para toda a equipe.
O tempo de cada pausa é monitorado pela empresa e, assim como em caso
de absenteísmo, é utilizado como critério na avaliação de desempenho mensal de cada
trabalhadora. Essa avaliação consiste na atribuição de 100 pontos. Em cada critério
avaliado, os pontos vão sendo descontados conforme o mau desempenho da
teleatendente no mês.
A fim de exemplificar, tomemos o caso da empresa de call center estudada
por Vilela & Assunção (2004), segundo os critérios e a computação da pontuação na
avaliação mensal:
máquina dela. Quando a gente está voltando, ela está ali olhando”
(Alcione, teleatendente da empresa A, 11/2/2012).
119
O artigo 71 da CLT (BRASIL, 1943) define que “em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda
de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no
mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de
2 (duas) horas”.
120
“Então, parecia que [no caixa] você era, tipo, era um cárcere privado
ali. Sabe? Parecia que você tinha ‘ai, é ali, ali’. Agora, no outro
setor, você pode ir ao banheiro. No outro setor, você tem acesso de
poder ligar para alguém. A gente, não. A gente, para ligar, tinha que
pedir um azul. Aí se demorava: ‘Por que você está demorando
naquele seu azul? Por que não sei o quê?’, sabe assim? [Cobravam?].
Ai, era muito chato” (Carina, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 6/3/2013).
“[E que horas você para pra almoçar?] Deixa eu ver, no dia normal é
meio-dia, dia normal. [O que é um dia normal?] Um dia... Um dia sem
movimento. Agora, teve uma vez que eu entrei sete horas e fui
almoçar duas horas da tarde. Mas eles dão um lanchinho assim no
caixa, porque não pode ficar seis horas sem comer, o funcionário. [...]
Eu pergunto, né: ‘vai rodar o R hoje ainda?’. (Ah tá... rodar a “R”).
Porque eu falo ‘não estou aguentando mais, eu vou zerar a fila e vou
pausar o caixa, que não estou aguentando mais’. Eu aguento até duas
horas quando eles dão o lanche no caixa, que às vezes... teve uma vez
que eles não deram, você fica meio zonzo no caixa. Porque duas
horas da tarde, você comeu de manhã só, aquele café com leite com
pãozinho, você fica já a ponto de desmaiar” (Carmem, operadora de
caixa de hipermercado da empresa C, 17/10/2014).
120
No caso de uma das lojas da empresa C, as entrevistadas relataram que a empresa oferecia um lanche
após o jantar e antes do fechamento da loja, podendo ser servido em uma sala destinada aos funcionários
ou, nos dias de maior movimento, ser consumido no próprio caixa. No entanto, esse tipo de procedimento
não era padronizado em todas as lojas da empresa, nem garantido em todas as situações.
123
sem comer até a hora que você quer’”121 (Conrado, operador de caixa
de hipermercado da empresa C, 11/11/2014).
121
Segundo Conrado, depois de uma discussão entre os dois, ele bateu o ponto aquele dia e foi embora.
Depois disso, a empresa começou a, recorrentemente, oferecer um lanche nas situações em que o horário
de almoço atrasa.
122
Voltaremos a este aspecto no capítulo seguinte, dedicado à flexibilização do tempo de trabalho.
124
em que as empresas regulam e limitam as pausas, de modo a fazer com que elas sejam
usufruídas no início da jornada, ou que o trabalho seja realizado por horas seguidas sem
direito a descanso, ou que o almoço ocorra em momentos em que o trabalhador não
tenha fome – prática que pudemos notar nos dois segmentos aqui analisados. Como
resultado, tem-se uma intensificação do trabalho que pode ocasionar agravos à saúde
física e mental dos trabalhadores.
Segundo a autora, há ainda, entre as operadoras de caixa, o submetimento a
situações de humilhação e de constrangimento, na medida em que elas têm, por
exemplo, de se expor na presença do cliente ao demandarem uma pausa para ir ao
banheiro e/ou têm de aguardar a permissão (ou a recusa) da supervisora. Tem-se aqui
que o tempo das necessidades humanas é desrespeitado, sendo subordinado aos ditames
do tempo do espaço produtivo.
“Um azul é... vinha uma pessoa. Ou mesmo se não tivesse ninguém na
fila... por exemplo, eu não estava atendendo, aí eu falava: ‘ai, quero
um azul’. Um azul para você ir ao banheiro, beber água, né? Aí o
azul servia para isso. Só que também era uma briga, esse azul.
Quando eu fiquei grávida da minha filha, é... eu fiquei quarenta
minutos esperando esse azul. É. Por causa que... uma hora ele falava
que não tinha ninguém para estar colocando, porque tinha que ter
uma pessoa me substituindo. Outra hora, devido ao movimento
daquela loja, você não podia fechar o caixa. Então era briga (Carina,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 6/3/2013).
123
Disponível em: <http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/12/23/teles-e-bancos-
superexploram-operadores-de-telemarketing-aponta-mte/>. Acesso em: 27 jan. 2016.
124
Disponível em: <http://jornalismob.com/2014/10/16/greve-na-contax-empresas-de-telemarketing-
exploram-principalmente-mulheres-jovens-negras-e-homossexuais/>. Acesso em: 28 jan. 2016. Em
capítulo posterior, abordaremos a tentativa de controle gestacional das trabalhadoras pelas empresas.
125
Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/empregada-advertida-
por-excesso-de-idas-ao-banheiro-recebera-dano-moral?redirect=http://www.tst.jus.br/noticias
%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_89Dk%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mod
e%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-2%26p_p_col_count%3D2> . Acesso em: 31 jan. 2016.
126
3. Supervisão do trabalho
Como vimos, o forte controle sobre o processo de trabalho e sobre as
trabalhadoras é fundamental no tipo de gestão adotado pelas empresas em ambos os
segmentos. Os mecanismos de controle empregados são diversos. Entre eles, aparecem
as estratégias de supervisão, monitoramento e vigília.
No caso dos super/hipermercados, a supervisão e o controle são realizados
em cadeia pelos diferentes estratos hierárquicos da empresa. A frente de caixa, formada
pelo conjunto de operadoras de caixa de um estabelecimento, é a base do organograma
hierárquico da equipe. Acima delas na hierarquia da empresa, estão as fiscais, que têm
como função dar suporte às operadoras, sendo, normalmente, acionadas para auxiliar e
resolver os problemas que surgem no atendimento aos clientes. Em alguns momentos,
quando há necessidade, elas substituem as operadoras, como no período das pausas.
Normalmente, as fiscais são trabalhadoras que iniciaram suas atividades na loja como
operadoras de caixa, tendo realizado um breve treinamento para assumir a nova função.
126
Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2013/10/walmart-e-condenado-em-r-223-mi-por-assedio-
moral/>. Acesso em: 31 jan. 2016.
127
Disponível em: <http://www.sintese.com/noticia_integra_new.asp?id=327124>. Acesso em: 31 jan.
2016.
127
“O líder faz o que o chefe não faz. Um exemplo, é... vamos lá... azul,
né?, é... eu vou e peço um azul para o patinador. Aí cheguei para o
patinador e pedi um azul. Aí o patinador vai ver com o líder se pode
cobrir meu azul, se tem alguém para cobrir ou se é o líder quem vai
cobrir. Aí, um exemplo, a colocação, né?... tem a escala. O chefe faz a
escala junto com o líder. Aí, então, ele tem 7 caixas. Então é o líder
que vai... é, como é que fala? Colocar o pessoal nos caixas. Então,
tudo é o líder. O almoço... o líder vai ver se o almoço... só que antes...
o líder vai ver. Se ele acha que pode começar... só que para ele
começar, ele tem que ter a opinião do chefe. Entendeu?” (Carina,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 6/3/2013).
128
Cabe dizer que, nas entrevistas, parte das operadoras indicou não ter interesse em se tornar patinadora,
uma vez que o trabalho de fiscal é visto como intenso, submetido a forte pressão e extenuante, cuja verba
adicional recebida não compensaria a intensidade do trabalho.
129
A referência ao termo no masculino e no feminino foi proposital. Se, em sua maioria, as operadoras de
caixa, as fiscais e as líderes são mulheres, tendo sido referidas pelas entrevistadas no termo no feminino, a
referência à/ao chefe apresentou maior variação no gênero, tendo sido encontrados chefes tanto homens
como mulheres.
128
130
Nas entrevistas, algumas operadoras relatam casos de colegas que cometeram ou foram acusadas pela
empresa de ter cometido um delito, tendo sido demitidas por justa causa. Não raramente, a empresa não
tem provas para esse tipo de acusação, o que resulta em uma ação da trabalhadora na justiça por danos
morais.
131
Alguns estabelecimentos contam com seguranças terceirizados para vigiar a loja. Em muitos casos,
porém, os funcionários contratados para fiscalizar as mercadorias e prevenir perdas (os “prevenções”),
evitando o vencimento e a deterioração dos produtos, uma vez que a loja e cada seção têm metas quanto a
esse quesito, são encarregados também da segurança, havendo um desvio de função entre eles.
130
“[O que você menos gosta do seu trabalho?] Nossa, eu acho que é da
gritaria, o povo todo falando com aquele barulho todo [...] e ainda
mais eles gritam lá da frente. Ficam gritando: “Olha a pausa”,
“Libera a pausa”, “Olha o TMA”. [...] [O coordenador] do
computador dele dá um grito no supervisor e o supervisor dá um grito
na gente, entendeu?” (Áurea, teleatendente da empresa A, 19/5/2015).
132
As campanhas ocorrem quando as empresas estipulam metas, oferecendo premiações para quem as
alcança, como forma de incentivo. Não raro, há denúncias na justiça trabalhista de abusos cometidos por
supervisores e por empresas de teleatendimento que, durante essas campanhas motivacionais, recorrem a
situações de constrangimento, humilhação e assédio moral contra os trabalhadores.
131
até chegar às teleatendentes, que estão na ponta mais baixa dessa cascata (VENCO,
2009a).
Para Roel Schouteten, Jos Benders e Els Bosch (2010), o alto controle
aliado à figura do supervisor leva ao disciplinamento dos teleatendentes e ao aumento
da produtividade. Entretanto, para os autores, esse tipo de gestão tem efeitos diversos
sobre o modo como o trabalho é vivenciado: ele pode tanto levar à maior motivação e
ao engajamento dos trabalhadores, como gerar insatisfação e descontentamento.
Segundo eles, essa insatisfação, diante da percepção de falta de liberdade e de
autonomia, aumenta a intenção dos trabalhadores de deixar o emprego, contribuindo
para elevar a taxa de rotatividade no setor.
Portanto, nas duas atividades aqui analisadas, a supervisão é feita a partir de
um aparato tecnológico amplamente utilizado, que permite o controle e a intensificação
do trabalho. A ela se soma o papel desempenhado pela supervisora, a qual gere,
organiza e controla a atividade e os resultados, exercendo pressão sobre as
trabalhadoras. O forte controle, vigília e pressão acaba por aumentar o disciplinamento
das trabalhadoras, afetando o modo como o trabalho é vivenciado por elas.
Entretanto, é preciso destacar a presença de outro ator que tem papel
fundamental nesse controle e supervisão: trata-se do próprio cliente. A seguir,
analisaremos a relação entre clientes e trabalhadoras em ambas as atividades.
133
Assim, ao pressionarem os trabalhadores a acelerar seu ritmo de trabalho, os clientes contribuiriam
para a produção da mais-valia. No entanto, Tiffon (2013) vai além e propõe repensar a teoria do valor de
132
Marx a partir do papel desempenhado pelos clientes nos serviços. Para o autor, em algumas situações, os
clientes produzem diretamente a mais-valia (o que ele chama de “neomais-valia”), como nas situações em
que os clientes substituem os trabalhadores e, portanto, passam a realizar o trabalho socialmente
necessário à produção do serviço (para o autor, seria o “neossobretrabalho”).
133
interferência seja da operadora, que não realiza adequadamente seu trabalho, seja de
outro cliente. Nesses casos, um cliente passa a pressionar o outro. No entanto, Tiffon
(2013) chama a atenção para os casos em que os clientes se solidarizam entre si e,
coletivamente, pressionam a operadora. Seria, assim, uma manifestação coletiva do
descontentamento, em relação ao trabalho da operadora de caixa ou da empresa, que se
direciona à trabalhadora.
Portanto, a fila de clientes aparece como um importante mecanismo,
apropriado e controlado pelas empresas, que interfere na dinâmica do trabalho das
operadoras de caixa de supermercado. Trata-se de um eficiente instrumento de pressão
sobre as trabalhadoras. A fila aumenta a tensão no exercício do trabalho, uma vez que,
quanto maior o número de clientes em espera, maior a pressão exercida pela chefia e
pela direção da empresa, pelos clientes e, em alguns casos, pelas próprias colegas, que
incitam a acelerar o ritmo de trabalho. Entre as empresas, há um interesse nos períodos
de forte afluência de clientes e nas filas de espera, pois estes mobilizam tanto
trabalhadores como clientes a se controlar e a aumentar o ritmo de trabalho, o que,
consequentemente, leva ao aumento da produtividade.
Do mesmo modo, no segmento de teleatendimento, o fluxo e a fila de
clientes também são objeto de gestão pelas empresas.
Nele, as teleatendentes ficam submetidas a um ritmo intenso de trabalho,
dada a imposição do TMA e a submissão ao fluxo informacional, com as ligações se
sucedendo continuamente. Elas são incitadas a manter um ritmo acelerado de trabalho,
com pouco tempo de intervalo entre uma ligação e outra.
A fila de clientes contribui para intensificar o trabalho. As empresas fazem a
gestão dessa fila, organizando o número de trabalhadoras de acordo com o fluxo
produtivo que lhes interesse. O objetivo é aumentar constantemente a produtividade das
trabalhadoras. Para isso, como já mencionado, elas recorrem a sinais que indicam o
tempo gasto com cada ligação e o número de clientes aguardando atendimento. Manter
clientes em espera age como uma fonte de pressão sobre as teleatendentes. Assim, ainda
que a fila seja virtual, ela é real e está presente, interferindo no trabalho.
Braga (2006b, p. 141) expõe que o trabalho da teleatendente se torna
“objeto de uma regulação tecnológica centralizada pelo regime de mobilização
permanente da força de trabalho”. Dado o fluxo contínuo e intenso de ligações, Taylor
& Bain (1999) afirmam que o operador tem “uma linha de montagem na cabeça”,
135
“É muita ligação, assim. Tem dias que é muita ligação, uma atrás da
outra, aí não dá nem para respirar direito. Eu falo ‘nossa, não dá
nem para respirar, Fulana’, que é a supervisora, né?” (Alberto,
teleatendente da empresa A, 17/4/2012).
Lidar com clientes envolve uma parte do trabalho que não pode ser
totalmente controlada pela empresa, sendo dependente da subjetividade de cada
trabalhadora. Isso porque essa interação requer que as trabalhadoras respondam,
cotidianamente, aos imprevistos e lidem com situações variadas, que exigem tomadas
de decisão. O fato de os clientes diferirem entre si, cada um carregando uma expectativa
quanto ao atendimento, exige que elas constantemente se adaptem para melhor atendê-
los, ainda que as possibilidades de ajuste sejam limitadas e controladas pelas empresas.
Como característica das atividades de serviço, o trabalho envolve garantir a
satisfação e buscar o bem-estar dos clientes. Nesse sentido, Soares (1998) aponta que o
trabalho de serviços envolve um aspecto físico, psíquico, sexual (instrumentalização do
corpo) e emocional. Parte da sociologia vem analisando essa última dimensão a partir
do conceito de “trabalho emocional” 134. Trata-se, tal como conceituado por Arlie
Hochschild (1983), da exigência, a cada indivíduo, de controlar ou exprimir um
sentimento ou uma emoção na realização de determinadas tarefas.
Nas atividades aqui analisadas, o exercício do trabalho envolve o controle
das emoções. As trabalhadoras devem manter determinado padrão de comportamento,
sendo simpáticas, gentis, pacientes e sorridentes (no caso das teleatendentes, é o
“sorriso na voz”, como expresso na gestão empresarial) e controlar suas emoções ao
lidar com os clientes. São as regras de sentimento criadas pelas empresas com o
objetivo de administrar o tipo, o momento e a intensidade da emoção na realização das
tarefas (VILELA & ASSUNÇÃO, 2007). Portanto, é o controle das emoções das
trabalhadoras que é posto a serviço do trabalho. Além disso, elas devem gerir a emoção
dos próprios clientes, transmitindo-lhes uma sensação positiva e garantindo sua
satisfação e bem-estar (SOARES, 2000).
Esse lidar com a individualidade de cada cliente e com cada situação é
limitado, como vimos, pela baixa autonomia das trabalhadoras e pela imposição de
134
Esse tema tem ganhado destaque em parte da sociologia do trabalho, sem, no entanto, haver uma
abordagem consensual. Segundo Soares (2002), a sociologia voltada ao estudo das emoções ainda é muito
inicial, mas cresce desde os anos 1990. Ela apresenta duas perspectivas: de um lado, estão os estudos que
abordam as emoções suscitadas pelo trabalho e, de outro, estão aqueles que estudam as emoções
colocadas a serviço do trabalho, sobretudo no setor de serviços.
137
certos procedimentos pelas empresas. Nesse sentido, Vilela & Assunção (2004, p.
1.071), ao analisarem o trabalho no teleatendimento, verificam que
“O que eu mais gosto? Ai, acho que lidar com o público é bom. [É
bom?] Eu gosto de lidar com o público em geral” (Adriana,
teleatendente da empresa A, 4/6/2012).
Se, para muitas, lidar com os clientes é algo positivo e que dá sentido ao
trabalho, essa relação é conturbada na medida em que o tratamento recebido dos clientes
138
não condiz com o esperado pelas trabalhadoras. No geral, a postura adotada pelos
clientes e a posição que as trabalhadoras assumem nessa relação são as variáveis-chave
para compreender a complexidade das dinâmicas estabelecidas nos dois segmentos.
Segundo Tiffon (2013), a relação entre cliente e trabalhador envolve três
dimensões: uma contratual, uma técnica e uma de tratamento, todas perpassadas por
conflitos e tensões. A primeira delas diz respeito aos acordos e às negociações feitas
entre ambas as partes em relação ao custo e ao campo da intervenção do serviço. As
tensões nessa dimensão decorreriam dos acordos incompletos ou incertos, como um
serviço de má qualidade ou preço alto etc.
No que concerne à dimensão técnica, o autor aponta que há uma relação de
codependência entre ambos os atores. Entretanto, o tratamento estabelecido entre eles
depende do nível de conhecimento e da competência do trabalhador em relação ao
cliente. Assim, quanto mais alto o diferencial técnico do assalariado em relação ao
cliente, maior a dependência do último ao serviço e mais o trabalhador pode controlar a
interação. Nesse caso, a relação tende a ser mais respeitosa e “igualitária”, como no
caso do fisioterapeuta, citado como exemplo pelo autor, de cujo saber o cliente/paciente
depende para se curar. Ao contrário, quanto mais falho é esse diferencial, mais o cliente
tende a controlar a interação, e o serviço prestado pelo trabalhador é menos valorizado e
reconhecido. A atividade da operadora de caixa exemplificaria esse tipo de situação,
uma vez que é um trabalho do qual os clientes precisam, mas não consideram
qualificado, que exija conhecimento especializado. Prunier-Poulmaire (2000) estabelece
que o fato de o trabalho da operadora de caixa parecer simples, estar submetido a um
forte controle da hierarquia e ter uma baixa representação coletiva gera uma
desvalorização da atividade. O mesmo pode ser afirmado quanto ao trabalho de
teleatendimento, desvalorizado socialmente.
A terceira dimensão – de tratamento – envolve as formas de respeito e de
acolhimento na relação cliente-trabalhador, também estabelecidas pela relação de forças
entre os atores. Assim, dependendo do modo como essa relação ocorre, o assalariado
pode se sentir em posição de prestar um serviço a alguém ou de estar a serviço de
alguém. “Enquanto ‘prestar serviço’ marca a liberdade, a vocação e o engajamento
pessoal, a servidão (no sentido de estar a serviço de alguém e não de escravidão) reenvia
à submissão, à obrigação e à abnegação de si” (TIFFON, 2013, p. 30). Bernard (2012)
salienta que a fronteira entre serviço e servidão é muito frágil.
139
“Eu não sou de discutir com cliente, não é do meu feitio ficar
discutindo com a pessoa. Eles falam: se de repente você se estressar
com o cliente, você chama o fiscal e fala pro fiscal ficar no seu lugar
e vai lá pra dentro. Ah, tá. Porque tem umas que discute feio, eu fico
olhando, não adianta discutir. Sempre o cliente vai ter razão, falam
‘o cliente tem razão’, eu prefiro não discutir, eu chamo o fiscal e vou
lá pra dentro” (Carmem, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 17/10/2014, grifo nosso).
“[O que você gosta mais no seu trabalho?] Eu gosto quando... você
atende um cliente e o cliente te trata bem. Porque tem uns clientes que
fala bravo com você e você não fez nada com ele. [...] [E o que você
menos gosta?] Ah, quando tem aqueles clientes que começam a
discutir com você por nada” (Carmem, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 17/10/2014).
Há, portanto, uma relação ambígua das trabalhadoras com os clientes: ora é
fonte de satisfação e de valorização do trabalho, ora é fonte de descontentamento e
insatisfação. Podemos considerar que essa dimensão se atrela à própria relação
contraditória do trabalhador com sua atividade no capitalismo. O trabalho assalariado,
“estranhado”, parece hostil ao trabalhador, que nele não reconhece nem sua atividade,
nem o resultado dela. Tal relação se revela naquela estabelecida com os clientes.
No caso das operadoras de caixa, diversos atores salientam essa
ambiguidade na relação com os clientes (BERNARD, 2003; SOARES, 2000; TIFFON,
2013). Nas entrevistas, nota-se uma oposição entre os “clientes bons” – que tratam as
operadoras com respeito e simpatia – e os “clientes ruins” – que agem com desrespeito e
desprezo.
“Vou falar para você, tem muito cliente folgado naquela loja. Tem.
Mas tem cliente que é um amor, não tenho o que falar. Mas tem uns
que olha, ‘estou pagando, então dane-se’, acaba até te
desrespeitando” (Carina, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 6/3/2013).
141
“Tem uns clientes legais, que conversam com você, fala... aí elogiam
você. Tem uma cliente que só passa no meu caixa” (Carmem,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 17/10/2014).
“Porque o cliente veio falar para mim que eu... eu nem atendi ele, ele
estava na fila... ele falou, para mim, calar a boca porque ele pagava
meu salário. Aí eu falei que não, que eu não trabalhava na Prefeitura
para ele pagar o meu salário. Ele ficou muito bravo e foi lá no
atendimento ao cliente e falou que queria minha demissão imediata”
(Cleusa, operadora de caixa de hipermercado da empresa C,
23/5/2013).
“Eu tive a primeira reclamação esse ano, de quase três anos que eu
trabalhei. [...] A mulher foi reclamar de mim porque eu não quis falar
meu nome pra ela. [Risos] Eu fui atender ela, aí ela não gostou foi
que eu peguei o celular pra ver se tinha mensagem. Aí ela ‘você vai
me atender ou vai ficar brincando no celular?’. Eu olhei pra cara
dela e guardei o celular. [...] No fim ‘vou reclamar de você, qual o seu
nome?’. Continuei passando as compras, aí eu ‘mais alguma coisa’ e
ela ‘não, não, só isso”, ‘deu tal valor’, ‘qual o seu nome? Qual o seu
nome?’. [E você não falou?] Não, eu não falei. Aí ela me deu o
dinheiro e eu dei o troco. E eu falei ‘tchau senhora, tenha um bom
dia’. Aí ela: ‘pra você não vai ser um bom dia, não, que eu vou
reclamar de você’, ‘pra mim sempre vai ser um ótimo dia’. Aí ela foi
reclamar” (Carmem, operadora de caixa de hipermercado da empresa
C, 17/10/2014).
“Lá [no caixa] eles falam, vão pra brigar, pra xingar. ‘Eu quero isso,
eu quero aquilo’. ‘Preço isso, preço aquilo’, é tudo isso. É mais
estressante. É mais difícil ficar no caixa, você acaba se estressando
com a pessoa. Se [você] vai devagar a pessoa acha ruim, se vai
rápido acha ruim” (Cíntia, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 17/10/2014).
135
Ver: <http://www.procon.sp.gov.br/texto.asp?id=2689>. Acesso em: 2 fev. 2016. A lei regulamentada
em São Paulo foi, posteriormente, regulada em outros estados. Ainda em 2008, o Decreto Federal n o
6.523 procurou regulamentar o Serviço de Atendimento ao Consumidor, com a determinação, entre
outras, de um tempo máximo de espera para o atendimento e de proibição à interrupção da chamada antes
de finalizado o atendimento, queixas comuns entre os clientes. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6523.htm>. Acesso em: 2 fev.
2016.
144
telemarketing em seu número de telefone fixo ou móvel. Essa medida apareceu como
forma de responder às inúmeras reclamações dos clientes quanto a esse tipo de serviço.
Reclamações que derivam, por exemplo, da percepção dos clientes de que a
teleatendente está oferecendo um produto em que eles não têm interesse ou não
solicitaram136. Essa hipótese vai ao encontro da percepção de Alcione:
“Ah, lidar com o público não é fácil, né? Você ligar para o cliente... o
‘não’ você já tem. O cliente fala ‘Não, não quero’. ‘Não? Você não
quer? Você não quer o quê? Você não sabe nem do que eu estou
falando! Como você não quer?’. ‘Eu não quero o que você vai me
oferecer’. ‘Ah, não?’. Ou se você falava que era um benefício: ‘Mas
que benefício?’. ‘Oh, o senhor não quer, então está bom’. Às vezes, eu
era bem arrogante: ‘Ah, o senhor não quer? Então está bom’. E
desligava na cara, ele ficava bravo. Às vezes não... às vezes você não
está bem, aí o cliente fala para você: ‘Ai, eu não quero falar com
136
Reclamações contra telemarketing abusivo ou indevido são recorrentes, como pudemos concluir ao
fazer uma pesquisa em um dos principais sites de reclamação no País. Ver:
<http://www.reclameaqui.com.br/busca/?q=telemarketing+abusivo&=buscar>. Segundo reportagem
veiculada no jornal O Estado de S. Paulo, entre 2011 e 2012 a média mensal de reclamações contra o
telemarketing abusivo cresceu 49%. “No Procon-SP, eram 424 queixas mensais em 2011; em 2012, até a
metade de junho, a quantidade subiu para 520 reclamações” (Disponível em:
<http://blogs.estadao.com.br/ advogado-de-defesa/tag/telemarketing/>. Acesso em: 2 fev. 2016).
145
você!’. Nossa, isso acaba com você. Às vezes o cliente manda você ir
lá para o Paraíso e você: ‘Então está bom, senhor. Muito obrigada e
tenha uma boa tarde’. Aí depende muito. Mas, assim, lidar com o
público é estressante” (Alcione, teleatendente da empresa A,
11/2/2012).
“Ah, é muito variado assim no dia, né? Tem uns [clientes] que são
calmos, ‘de boa’. Tem uns que já são insatisfeitos com o banco, está
sempre xingando a mãe, o pai, até a sua última geração, mas é
normal. [...] A gente, com o passar do tempo, a gente se acostuma a
deixar isso pra lá, porque no começo a gente acaba sentindo. [Agora
você já não liga mais?] Não, porque a gente sabe que ele queria falar
aquilo para alguém do banco, qualquer um que ligasse do banco ele
ia xingar, não necessariamente a gente, né? Não é pessoal, ele queria
passar o recado dele pra alguém, aí a gente acaba não ligando muito,
agradece e finaliza (Arlene, teleatendente da empresa A, 6/2/2012).
146
“Agora, nossa senhora... você tem que falar aquela coisa todos os
dias, a mesma coisa. Você pega cliente que acaba com você. Acaba.
Você não está num dia bom, igual ontem, eu não estava num dia legal,
estou de TPM. Aí você pega aquele cliente, a ligação nem é para ele,
é para a mulher dele... “Boa tarde, por gentileza, a fulana de tal?”.
“Pô, que vocês já ligaram nesse número quatro vezes. Estou falando
para vocês que ela não vai falar” [gritando]. Sabe, você só escutando.
“Senhor, calma, senhor. É só para falar referente a isso, isso e isso”.
Sabe? “Não quero saber” [gritando]. Sabe? Aquela coisa. [...] Quer
ver eu ficar ferrada é eu falar, falar, falar e eles te acabam, acabam
com você e depois desligam na sua cara. Sabe? Nem dá tempo para
você se explicar. [...] Nem querem escutar e já acabam com você. É
difícil. É bem estressante” (Ângela, teleatendente da empresa A,
18/4/2012).
137
Maria Cecília Minayo (2013) salienta que a natureza dos atos violentos pode ser física (com o uso da
força para produzir lesões, traumas, feridas, dores ou incapacidades em outra pessoa); psicológica
(manifesta por agressões verbais ou gestuais, cujo objetivo é aterrorizar, rejeitar e humilhar a vítima, além
de restringir-lhe a liberdade ou o convívio social); sexual (por meio de atos que utilizam a vítima para
obter excitação sexual nas práticas eróticas, pornográficas e sexuais impostas por meio de aliciamento,
violência física ou ameaças); ou negligências, abandonos e privações de cuidado (por meio da ausência,
recusa ou abandono do atendimento necessário à pessoa que deveria receber atenção e cuidados).
147
pode estar ligada aos comportamentos internos do coletivo do trabalho (em relação seja
aos colegas, seja às chefias), manifestando-se por meio ou de uma agressão explícita –
psíquica ou verbal –, ou, de modo menos visível, de formas de violação da dignidade da
pessoa.
No setor de serviços, é alto o risco de os trabalhadores sofrerem algum tipo
de violência no trabalho, principalmente quando envolve a relação direta com o cliente,
usuário ou paciente (WLOSKO et al., 2013). Estar inserido nesse tipo de atividade
expõe os trabalhadores a riscos psicossociais, que, de acordo com o tipo de gestão,
organização e contexto social do trabalho, afetam sua saúde mental e física (BUÉ et al.,
2008). O estresse é uma das doenças comuns decorrentes de tais riscos.
A violência vivida no trabalho atinge de modo desigual as diferentes
profissões, variando também conforme a função, o tipo de organização no trabalho (isto
é, se envolve maior ou menor controle), o gênero e a idade (BUÉ et al., 2008). Dada
essa complexidade, não é simples mensurar esse tipo de violência. Parte dela é omitida
ou mascarada, muitas vezes, pelas próprias instituições. No entanto, algumas pesquisas
quantitativas realizadas em diferentes países ajudam a compreender a relação entre
trabalho e violência.
Assim, um dos primeiros aspectos a salientar quanto ao trabalho em
serviços é a violência perpetrada pelos clientes. Paul Bouffartigue e Jacques Bouteiller
(2014), analisando os dados da pesquisa SUMER na França 138, indicam que, entre os
trabalhadores que estão em contato com o público, um pouco mais de um a cada dez
assalariados afirma vivenciar “em permanência” ou “regularmente” situações de tensão
com o público. Ainda segundo os autores, essas tensões frequentemente se manifestam
por meio de agressão verbal: 22,9% das mulheres e 18% dos homens em contato direto
com o público confirmam ter sofrido esse tipo de violência nos doze meses precedentes
à pesquisa.
A agressão sofrida no trabalho tende a se dar de maneira não isolada, mas
recorrente (BUÉ & SANDRET, 2007). Esse tipo de violência tem impacto direto sobre
a saúde dos trabalhadores. Bué et al. (2008) relatam que os trabalhadores que dizem
sofrer maior agressão do público são os mesmos que indicam ter má saúde, ausentar-se
138
Os autores analisam os dados da pesquisa SUMER de 2010 na França. Bué et al. (2008) analisam os
dados da pesquisa para o ano de 2003. Esta visa descrever o conjunto de exposições profissionais,
inclusive aos riscos psicossociais, aos quais os trabalhadores estão submetidos. Ela é aplicada pelos
médicos do trabalho na França, que interrogam os trabalhadores que passam por consultas médicas
periódicas (BUÉ et al., 2008).
148
recorrentemente do trabalho devido a doenças ou considerar que seu trabalho faz mal à
saúde. Nossas entrevistas também revelam o adoecimento provocado por esse tipo de
relação, como o estresse e a depressão.
Esse tipo de violência se atrela diretamente ao tipo de organização e gestão
do trabalho. Ainda segundo Bué et al. (2008), quanto mais restrita e disciplinadora a
organização do trabalho, maior a probabilidade de os trabalhadores sofrerem agressões
do público. Assim, a violência tende a ser maior à medida que os trabalhadores não têm
recursos suficientes para realizar um trabalho de qualidade, seja por não deterem as
informações necessárias, seja por não terem apoio dos colegas e chefias.
Do mesmo modo, o horário de trabalho tem uma relação importante com a
vivência de situações de agressão perpetradas por clientes: os trabalhadores que dizem
sofrer mais frequentemente agressão são aqueles que trabalham em “horários atípicos”
(isto é, aos sábados, à noite, entre outros), em número de horas superior ao da jornada
de trabalho oficial ou em horários determinados pela empresa, sem possibilidade de
mudança (BUÉ et al., 2008).
Essa violência é perpassada ainda pelas relações de gênero, uma vez que as
mulheres são mais acometidas pela violência no trabalho (BUÉ & SANDRET, 2007).
Nesse sentido, Bouffartigue & Bouteiller (2014) afirmam que os riscos psicossociais
têm um gênero. Assim, homens e mulheres não são afetados da mesma maneira quanto
à saúde física e mental no trabalho.
Os autores definem o caso das operadoras de caixa de super/hipermercados
como exemplar quanto à relação trabalho, violência e danos à saúde, uma vez que elas
vivenciam frequentemente essa tensão com os clientes. Elas ficam, assim, expostas a
riscos psicossociais e a adoecimentos. O exercício do trabalho marcado por tarefas
repetitivas, realizadas sob forte pressão, com baixa autonomia e de conflito com os
clientes, imputa-lhes um sentimento de desqualificação e de não reconhecimento do
trabalho, fazendo com que elas tendam a estabelecer uma relação negativa com sua
atividade.
Podemos afirmar que esse quadro é igual para as teleatendentes, que
vivenciam esse mesmo tipo de organização do trabalho – com controle ainda mais
intenso do que entre as operadoras – e situações frequentes de tensão com os clientes.
Ou seja, nas duas categorias, trata-se de uma população jovem, mas que, desde cedo em
seu percurso laboral, fica submetida a situações de conflito e de violência no trabalho.
149
Isso, por sua vez, afeta o modo como o mundo do trabalho é vivenciado pelas
trabalhadoras, mas também sua saúde física e mental.
A violência sofrida por parte do público pode se associar a outras formas de
violência no trabalho, como o assédio moral. Segundo Bué et al. (2008), os abusos
psicológicos impostos pelas chefias podem ser divididos em três grupos: o primeiro se
refere às violações degradantes, isto é, comportamentos muito hostis; o segundo é uma
negação do reconhecimento do trabalho, como é o caso de receber críticas injustas pela
atividade realizada e ser encarregado de tarefas inúteis ou degradantes; e o terceiro
grupo trata dos comportamentos de desprezo, que atingem a dignidade da pessoa, mas
sem, necessariamente, negar seu valor profissional.
O acometimento por tal tipo de violência também varia conforme a
organização do trabalho e o tipo de inserção na hierarquia. O trabalho realizado sob
estrito controle potencializa a exposição a esse tipo de violência (BUÉ et al., 2008). Do
mesmo modo, estar em posição de subordinação na hierarquia da empresa ou não ter
autonomia nem recursos para exercer um trabalho de qualidade também contribui para
sujeitar os trabalhadores ao assédio moral.
Essa violência também é perpassada pelas relações de gênero. Segundo
Jennifer Bué e Nicolas Sandret (2008), as profissões menos qualificadas são mais
expostas ao assédio moral, e mais mulheres do que homens afirmam vivenciar situações
de comportamento hostil no trabalho. O tipo de assédio também varia conforme o sexo:
os homens têm maior probabilidade de vivenciar situações de negação do
reconhecimento do trabalho, enquanto as mulheres vivenciam mais situações de
desprezo (BUÉ & SANDRET, 2008).
O estudo realizado por Wlosko et al. (2013) sobre quatro segmentos
profissionais do setor de serviços em Buenos Aires, Argentina – supermercados, call
centers, clínicas e geriatria – confirma essa conclusão, mas permite analisar mais de
perto as atividades das operadoras de caixa e das teleatendentes.
Segundo a pesquisa, no conjunto da população estudada, a principal
violência sofrida é a psicológica, seguida pela combinação de violência psicológica com
discriminação. O assédio no trabalho é maior entre os trabalhadores de call center, os
quais também sofrem com a discriminação. A violência física aparece mais
recorrentemente entre os geriatras e os trabalhadores de supermercado. Já a incidência
150
que as deixa mais sujeitas a sofrer agressões, na maioria verbais, mas também de gestos,
olhares e ameaças. Já no caso do teleatendimento, é por meio da voz que o contato entre
trabalhadoras e clientes se estabelece e, portanto, estes apenas podem manifestar seu
descontentamento por meio da entonação de voz ou por palavras.
Em princípio, poderíamos supor que a violência que as teleatendentes
sofrem seria amenizada por esse fator. Entretanto, as entrevistas revelam o quão
intensas são as agressões verbais sofridas. Isso no fez questionar se haveria diferença
nas situações em que a trabalhadora é presente ou “virtual”.
Para procurar compreender essa diferenciação, um elemento que vale
ressaltar é que, como vimos, a postura dos clientes em relação às trabalhadoras varia
conforme a percepção da hierarquia estabelecida entre eles e o reconhecimento da
importância e dependência do trabalho. A violência tende a ser maior quanto menos o
trabalho é valorizado socialmente.
Bernard (2003) salienta que, no caso das operadoras de caixa, a gestão
empresarial caminha em direção à negação da individualidade e à uniformização das
trabalhadoras, o que leva a autora a falar em uma tendência à “desumanização”. Essa
“desumanização” das operadoras aparece por meio do controle e da imposição de
gestos, postura, falas, olhares e sorrisos. Ainda segundo a autora, o cliente também
contribui com essa “desumanização”, como quando dirige poucas palavras à operadora,
agindo com desprezo, além de pressioná-la para acelerar o atendimento.
Se no caso do supermercado a tendência é a “desumanização” das
trabalhadoras, como fala Bernard (2003), no caso do teleatendimento ela parece ser
ainda mais intensa, já que a trabalhadora não está visivelmente presente para realizar o
trabalho. Os relatos das teleatendentes indicam que o contato a distância faz com que os
clientes deixem de perceber que do outro lado da linha há mais que uma voz – um
sujeito. A “ausência” da trabalhadora, que está “invisível” na relação, permite aos
clientes a livre expressão de seu descontentamento.
“Às vezes, assim, quem está do outro lado da linha não entende que
você quer, às vezes você liga ela fala assim: ‘Ah, ele não está, ele está
trabalhando’. E eu, estou fazendo o quê?! Entendeu? Assim, às vezes
a pessoa do outro lado não entende que você também está
trabalhando, que... às vezes falam ‘Esse pessoal só enche o saco’.
Não é encher o saco. Eu sou paga para trabalhar, paga para passar
informação. Até às vezes, acho que assim o pior é a incompreensão
das pessoas do outro lado. [...] É, porque nem todo mundo
compreende que quem está do outro lado é um ser humano e que
152
*
* *
liberdade por parte da empresa para despedir uma parte de seus empregados,
sem penalidades, quando a produção e as vendas diminuem; liberdade para a
empresa, quando a produção necessite, de reduzir o horário de trabalho ou de
recorrer a mais horas de trabalho, repetidamente e sem aviso prévio;
faculdade por parte da empresa de pagar salários reais mais baixos do que a
paridade de trabalho, seja para solucionar negociações salariais, seja para que
ela possa participar de uma concorrência internacional; possibilidade de a
empresa subdividir a jornada de trabalho em dia e semana de sua
conveniência, mudando os horários e as características (trabalho por turno,
por escala, em tempo parcial, horário flexível, etc.); liberdade para destinar
parte de sua atividade a empresas externas; possibilidade de contratar
trabalhadores em regime de trabalho temporário, de fazer contratos por
tempo parcial, de um técnico assumir um trabalho por tempo determinado,
subcontratado, entre outras figuras emergentes do trabalho atípico.
e obter rendimentos suplementares ou para uma melhor articulação entre trabalho, vida
pessoal e tempo de lazer, enquanto, para outros, ele significa redução da proteção social,
menos oportunidades de progressão na carreira, menores níveis salariais e redução ou
falta de acesso à formação profissional.
Assim, este capítulo tem como objetivo identificar as variadas práticas de
flexibilização das relações de trabalho em voga hoje, a partir da análise da gestão e
organização do trabalho empregada nos dois segmentos analisados. Em seguida,
procuraremos compreender quais os desdobramentos dessas práticas sobre a experiência
vivida pelas trabalhadoras na esfera produtiva: como elas afetam o mundo do trabalho e
a classe trabalhadora?
139
O Anexo I da NR-17 determina que o empregador adote medidas para evitar que a atividade de
ensacamento se incorpore ao ciclo de trabalho ordinário e habitual das operadoras de caixa. No entanto,
em alguns casos, estas acabam por realizar o ensacamento, seja ele para ajudar o cliente, preencher o
tempo que aguarda no recebimento do pagamento da compra ou evitar o aumento da fila.
160
Para as entrevistadas, isso torna o trabalho penoso, uma vez que sua carga é
intensa ao longo do dia, com restrito tempo de descanso entre uma tarefa e outra.
Situação semelhante é verificada no segmento de teleatendimento.
As teleatendentes também realizam um trabalho repetitivo, cadenciado e
estandardizado. Apesar de o trabalho ser submetido a um forte controle e haver a
exigência de obediência aos scripts, as empresas também recorrem à contratação de
trabalhadoras “polivalentes”. Assim, as teleatendentes devem, em muitos casos, ofertar
diferentes tipos de serviço e deter conhecimentos especializados, para a realização do
atendimento.
Entretanto, cabe dizer que a polivalência neste caso não ganhou tanto
destaque nos relatos. O que mais chamou a atenção neste segmento foram as mudanças
periódicas na organização do trabalho promovidas pelas empresas, de modo a aumentar
seu controle e otimizar a produção.
Assim, uma das primeiras formas de flexibilidade verificadas incide sobre o
exercício da atividade. O fato de as empresas de call center terem de responder às
empresas contratantes e à alta competitividade no segmento faz com que o ritmo de
trabalho e as metas sejam constantemente ajustados pela gestão, a fim de atingir o nível
de produtividade esperado.
161
“Tem que vender... hoje mesmo, eles estipularam para a gente três
vendas, porque é por campanha. Nessa última campanha, eles
estipularam três vendas por dia, aí nas outras campanhas eles
estipularam mais” (Andréa, teleatendente da empresa A, 18/4/2012).
140
O modo como essa estratégia recai sobre a remuneração e a jornada de trabalho será aprofundado nas
duas seções seguintes.
162
“E você vai mudando de produto, você começa a ser jogada para lá,
para cá, para lá, para cá. [...] Então a cada dia que você vai, você
tem um supervisor diferente. Isso é horrível. [...] Você vai mudando
muito. Se fosse a cada três meses uma mudança, tudo bem. Mas não
chega a isso. Entendeu? Então, assim, muda muito rápido. Igual, você
conversa com o supervisor e conta seu problema para ele, quando
você chega amanhã já não é mais ele. Você vai ter que contar tudo de
novo. Você vai ter que explicar sua história tudo de novo. Entendeu?”
(Adélia, teleatendente da empresa A, 20/6/2012).
momento em que esta finalizou seu contrato com a empresa de call center, Adélia
passou a trabalhar com telemarketing ativo, prestando serviço de venda de produtos de
uma empresa financeira. Para a teleatendente, essa mudança foi significativa, uma vez
que ela não apenas passou a trabalhar com outro produto, mas também teve alterada a
natureza da atividade, do teleatendimento receptivo para o ativo, com o qual ela não se
identifica.
“Inclusive dessa última vez que mudaram, vai fazer um mês que
mudou de produto, eu fui pega de surpresa. Eu vim trabalhar, bati
meu ponto, me loguei, caía ligação para todo mundo e não caía
ligação para mim. Aí eu achei estranho. Fui perguntar para o
supervisor por que não estava caindo ligação para mim. Ela falou:
‘Ah, esqueci de falar para você, você foi transferida de produto. Pega
suas coisas que você vai para o treinamento, começa em 5 minutos’.
Aí fui pro treinamento. Aí cheguei lá, comecei a chorar, chorar,
chorar141” (Ametista, teleatendente da empresa A, 4/5/2012).
141
Ametista disse ter avaliado, posteriormente, a mudança como positiva, pois o trabalho passou a ser
realizado com menos pressão e com equipe reduzida. No entanto, ponderou que, por ser um produto
novo, que estava em teste e, portanto, com poucos clientes, não era possível realizar muitas vendas e,
consequentemente, ela não iria conseguir receber comissão, auferindo apenas o piso salarial –
considerado baixo.
164
1.2 - Remuneração
142
Esta foi regulamentada no País em 1994 e, desde então, é um ponto importante nas negociações
coletivas. A PLR possibilitou estimular a produtividade e reduzir os custos das empresas. Para uma
análise aprofundada, ver: KREIN, 2007.
165
143
A avaliação por desempenho é mais incisiva no caso do teleatendimento receptivo. Na empresa
estudada durante a pesquisa de mestrado, para as trabalhadoras de teleatendimento receptivo, o resultado
obtido na avaliação mensal resultava em uma premiação em dinheiro acrescida ao salário (FREITAS,
2010). Este não é o caso da empresa A. Nesta, as trabalhadoras de teleatendimento receptivo são
avaliadas mensalmente, porém o resultado obtido não acarreta qualquer impacto sobre o salário.
144
Sobre essa remuneração incidem os descontos salariais, previstos na legislação, como contribuição ao
INSS, encargos com transporte, assistência médica etc.
166
145
Esse valor era próximo ao salário mínimo nacional, que, em 2012, era de R$ 622,00. A partir de 2013,
este passou a ser de R$ 677,75. O valor pago pela empresa correspondia ao acordo coletivo da categoria.
No entanto, ele era inferior ao salário mínimo determinado para o Estado de São Paulo. Neste, a partir de
1o de março de 2012, o salário mínimo determinado pela Lei no 14.693 para um operador de
telemarketing passou a R$ 700,00 (Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/subs/saoluizdoparaitinga
/institucional/legislacao-basica/lei-estadual-no-14.394-11>. Acesso em: 3 fev. 2016). Em 2015, o piso
salarial era de R$ 788,00.
167
No ano de 2015, essa estratégia já não vinha sendo utilizada pela empresa.
No entanto, o salário seguia variando mensalmente, de acordo com o número de
produtos vendidos por trabalhadora. A isso se somava outra tática – eficiente – utilizada
pela empresa: a constante alteração no valor das comissões.
Esse valor é determinado pela empresa de acordo com o tipo de produto
vendido, de empresa contratante do serviço (que impõe metas a alcançar à empresa de
call center) e de mailing (por exemplo, a comissão tende a ter um valor mais baixo se a
lista de clientes já estiver com o número do aparelho celular, por ser mais fácil contatá-
los, como explicaram as entrevistadas).
A empresa recorrentemente aumenta ou reduz o valor das comissões de
acordo com seus interesses e necessidades. Segundo o relato de uma das entrevistadas,
no período de três anos em que estava vinculada à empresa, a comissão por produto
vendido caiu, aproximadamente, a um terço do valor inicial: passou de cerca de R$ 9,00
para R$ 3,75.
Essas mudanças no valor da comissão também se associam às alterações
periódicas da teleatendente em relação aos produtos: ao trocar de equipe e de produto,
pode-se ter de lidar com valores mais baixos quanto à comissão ou com maior
dificuldade para realizar as vendas, como exemplifica o caso de Alana. Ela, no
momento da entrevista, havia acabado de mudar para um produto em que o valor da
comissão era mais baixo do que o anterior. Quando questionada, ela afirmou não
conseguir saber quanto seria seu salário na nova equipe, porém já previa uma redução
salarial.
Em ambos os casos, o resultado é uma queda significativa no rendimento e
uma intensificação do trabalho, uma vez que passa a ser necessário realizar um número
169
muito maior de vendas para alcançar o salário anteriormente recebido, o que nem
sempre é conseguido pelas trabalhadoras.
“[E agora a comissão está 4 reais esta semana? Você não sabe até
quando?] Até o dia 30. [Ah, até o final do mês?] Até o final do mês.
Aí, vamos supor, tem uma meta para bater, aí eles falam que se a
gente atingir essa meta permanece a 4 reais. Se a gente não atingir a
meta, abaixa” (Ângela, teleatendente da empresa A, 18/4/2012).
salário, como no caso de Astrid. Já aquelas que não conseguem, ainda que reconheçam
os obstáculos externos a seu desempenho, passam a manifestar um sentimento de culpa
pelos resultados obtidos.
146
Essa é a expressão utilizada pelas teleatendentes para se referir à efetivação da venda de um produto.
171
147
O absenteísmo aparece como uma estratégia das trabalhadoras para contornar a pressão e o estresse no
trabalho e organizar a vida diária. Discutiremos esse aspecto mais à frente.
148
De acordo com as convenções coletivas do segmento em São Paulo. Esses eram os salários das
operadoras de caixa nos anos das entrevistas.
149
Os trabalhadores de super/hipermercados e de teleatendimento, segundo a convenção coletiva de
ambos, têm direito à participação nos lucros e resultados. Porém, nas entrevistas, ela não foi mencionada
por nenhuma das entrevistadas, com exceção de algumas às quais foi direcionada uma pergunta sobre
isso. Não queremos com isso apontar que a PLR não é importante para as trabalhadoras; apenas
salientamos que essa não tem impacto direto na vivência diária da atividade e da organização de sua vida
social (ponto central de análise da pesquisa). Uma explicação para a baixa importância que a PLR ganhou
no relato das entrevistadas pode estar atrelada a seu baixo valor. No caso das operadoras de caixa, por
exemplo, ele variava de 100 a 200 reais por ano, segundo as entrevistadas.
172
“Mas a loja em si, ela tem uma meta. A loja toda, né? Ela tem uma
meta para ser cumprida. Se, de repente, a meta dessa loja é vender
um milhão por mês, então ela tem que bater a meta. Se ela não bater e
tiver muita quebra, então é prejuízo. A loja tendo muita quebra,
prejuízo, isso quer dizer que reduz os benefícios para a gente. [Que
benefícios?] No caso, seria se a gente tiver um benefício de um vale-
alimentação, uma cesta básica. Então, no caso, quanto mais prejuízo
a loja tem, menos benefício a gente tem também. Entendeu? Então
assim, se a loja tiver bom lucro, se ela estiver bem, vendendo bem,
mais chance a gente tem de ter benefício. Se não, a gente não tem. Ou
se, de repente, a gente tiver tendo vale-refeição, cesta básica e a loja
começar tendo prejuízo, então esses benefícios são cortados. [Eles são
cortados?] É, para reduzir custos” (Carla, fiscal de frente de caixa de
hipermercado da empresa C, 3/3/2012).
“A gente tem que oferecer recarga. Então, é uma meta que a gente
tem que bater. Isso já faz parte da frente de caixa. É uma meta da
frente de caixa. [...] O que fizer mais ganha 30 reais. E o em segundo
lugar ganha 15 [reais]. Só que você não ganha em dinheiro, você
ganha para você poder fazer compra na loja. Só que esses 30 reais
equivalem a 60, porque você compra a preço de custo, que eles
compram” (Cristiane, operadora de caixa de supermercado da
empresa C, 1o/6/2012).
“Tem ações na loja. Ações de quem faz mais recarga, quem vende
mais sacola retornável, quem oferece [o programa de fidelização]. [E
ganha alguma coisa?] Ah, uma folga” (Conrado, operador de caixa de
hipermercado da empresa C, 11/11/2014).
150
Após a terceira advertência por quebra de caixa no período de seis meses, a operadora recebe uma
suspensão, a qual pode ser de um, dois ou três dias. Nesse período, ela fica ausente do trabalho e,
portanto, não recebe remuneração referente aos dias. Após essas suspensões, a próxima etapa é a
demissão por justa causa (como explicou Cristiane, operadora de caixa da empresa C, 1o/6/2012).
174
151
Como afirma Frederick Taylor (1978, p. 181), “o estudo minucioso do tempo, por exemplo, é um
instrumento poderoso e pode ser usado, dum lado, para promover a harmonia entre os trabalhadores e a
direção, gradualmente instruindo, treinando e dirigindo o operário dentro de novos e melhores métodos de
realizar o trabalho e, de outro, para levá-lo a produzir mais no trabalho diário, com mais ou menos o
mesmo salário que ele recebia anteriormente”.
175
Há, assim, uma priorização daqueles que têm mais tempo para dispor à
empresa e maior facilidade para se adaptar a suas necessidades. Para Lago (2008), a
regulação dos horários de trabalho e a disponibilidade exigida são elementos centrais na
política empresarial do ramo supermercadista, uma vez que permitem à empresa manter
maior número de caixas disponíveis a qualquer momento do funcionamento do
estabelecimento.
Segundo Soares (2003), essa opção funciona ainda como uma tentativa
gerencial de limitar a contratação de trabalhadoras com vínculos familiares, sobretudo
com filhos pequenos152. Assim, ao adotar tal estratégia, o ramo empresarial busca
152
A maior dificuldade das trabalhadoras mães para se adaptar à jornada e ao horário de trabalho em
super/hipermercados foi apontada pelas entrevistadas. Uma delas afirmou que, para uma trabalhadora que
têm filhos, é muito mais difícil “sobreviver” à rotina desses estabelecimentos, inclusive devido à
realização constante de horas adicionais. Discutiremos a relação entre trabalho profissional e vida familiar
no capítulo seguinte.
153
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a limitação da jornada de trabalho em oito horas diárias e
44 horas semanais.
154
O IPEA (2012) confirma que vem havendo uma redução no excesso de horas de trabalho realizadas no
País, porém salienta que os subsetores de comércio, construção e serviços de transporte/comunicação
ainda apresentam proporções significativas de pessoas trabalhando 45 ou mais horas por semana.
177
155
Sofia Alexandra Cruz (2003) também encontrou essa mesma realidade entre as operadoras de caixa de
supermercado em Portugal, para as quais o não cumprimento da jornada legal fazia parte de seu dia a dia.
156
Nos estabelecimentos estudados, a jornada diária das operadoras de caixa era de 7h20min (além de
uma hora para a refeição), à qual se somam as horas adicionais constantemente realizadas. São apontados
como os dias de maior fluxo de clientes: os sábados, os domingos e, principalmente, as quartas-feiras, dia
oficial de promoção de uma das marcas da empresa C.
157
Modificações na legislação aumentaram o prazo para que essas horas sejam compensadas, passando de
uma semana para um ano. Ver: KREIN, 2007.
178
casos, elas ficam na dependência da chefia imediata, que pode demonstrar maior ou
menor abertura à negociação.
O banco de horas aparece como um mecanismo eficiente para as empresas,
ao lhes permitir ajustar o tempo de trabalho em função do fluxo da produção e dos
clientes. No entanto, para as trabalhadoras, ele não possibilita que ajustem o trabalho em
função da vida pessoal.
158
Vale lembrar que a legislação trabalhista (CLT) e a convenção coletiva do segmento no Município de
São Paulo permitem a realização de apenas duas horas adicionais por dia. A convenção define o acúmulo
de até 100 horas no banco. Ver: Convenção Coletiva de Trabalho – Comerciários da Capital/Sincovaga,
2015/2016. Disponível em: <http://www.sincovaga.com.br/CT/Convencoes/Default. aspx>. Acesso em: 5
fev. 2016.
159
Cabe dizer que, ao longo da pesquisa, algumas mudanças quanto à organização e à gestão puderam ser
identificadas. Dentre elas, estava a tentativa da empresa de reduzir a realização de horas adicionais por
seus funcionários e limitar seu acúmulo no banco de horas. No entanto, conforme as entrevistas
indicaram, essas mudanças foram menos efetivas entre as operadoras de caixa, para as quais a realização
de horas adicionais seguiu recorrente.
179
trecho da entrevista de Carla, ao ser questionada sobre o que avaliava como negativo em
seu trabalho:
A mesma avaliação foi feita por grande parte das operadoras de caixa. Estas
se queixam da impossibilidade de saber o momento em que a jornada termina e a
recorrência de seu prolongamento, casos indicados como geradores de estresse e de
desgaste físico e mental. Para as trabalhadoras, esses dois aspectos são percebidos como
desrespeito, considerando que a empresa ignora suas necessidades e vidas pessoais em
prol do melhor funcionamento (e fluxo) do estabelecimento.
A isso se soma uma denúncia frequente no relato das operadoras. Trata-se
dos constantes erros na folha de registro de ponto, em que constam os horários diários
de entrada, saída e pausa para refeição. Essa folha deve ser assinada uma vez por mês
pelas trabalhadoras. Segundo os diversos relatos, é comum haver divergência nos
horários realizados.
“[...] o fechamento sempre era dia 10. Aí, um exemplo, chegou dia 10
é o fechamento do banco. Aí, quando era dia 12, 13, 14, vinha lá o
folhetinho para a gente. Só que o que era errado era o seguinte: nós
não ficávamos com nenhum comprovante. Nós... você olhava ali
naquela hora, você assinava e entregava para ele. Só que, que nem eu
falei, eu sei o horário que eu almoçava, eu sei o horário que eu ia
embora e eu sabia o horário que eu entrava. Porque você... você sabe.
Um exemplo, se eu entro às 7h, vou almoçar o quê? Meio-dia ou 11h.
Se ele colocar que eu fui almoçar às 10h, eu falo “Aqui está errado”.
Se eles colocarem que eu fui embora, um exemplo, 14h, pera aí, eu
olhava assim: “Mas esse dia eu não fui embora às 14h”. [E você
conseguia saber?] Eu conseguia. [Mas tinha erro?] O quê?! Eles
conseguiam entrar no banco da gente” (Carina, operadora de caixa
de hipermercado da empresa C, 6/3/2013).
180
160
Cleusa anotava diariamente, em cadernos, os dias e horários de trabalho que fazia na empresa. No
momento da entrevista, ela nos mostrou suas anotações, nas quais foi possível notar a grande variedade
nos horários de entrada e saída e as jornadas excessivas. Segundo ela, ao conferir a folha e suas
anotações, sempre havia divergências. Ela se referiu a esses erros no registro como situações de
humilhação e exploração.
161
Recentemente, o ponto passou a ser digital e um comprovante é impresso com o nome da trabalhadora
e o horário de entrada e saída. Esta pode, assim, guardar todos os comprovantes e confirmar ao final do
mês.
181
limitação da jornada em 36 horas semanais e seis horas diárias segue aquela do ramo de
telefonia constante na CLT162. Já o tempo de pausas no segmento é regulado pelo
Anexo II da NR-17.
Dado o trabalho intenso e submetido a forte estresse, a jornada de trabalho
de seis horas diárias teria como efeito proteger a saúde das teleatendentes. Essa
limitação, no entanto, não afeta os interesses empresariais, uma vez que, como
constatou Venco (1999) ao entrevistar um dirigente do ramo, a partir desse período a
taxa de produtividade de uma teleatendente é reduzida 163. Como aponta o relato a
seguir, apesar de a jornada de trabalho ser menor, as empresas procuram aproveitar o
máximo de cada trabalhadora, intensificando o ritmo de trabalho.
162
De acordo com o artigo 227, “Nas empresas que explorem o serviço de telefonia, telegrafia submarina
ou subfluvial, de radiotelegrafia ou de radiotelefonia, fica estabelecida para os respectivos operadores a
duração máxima de seis horas contínuas de trabalho por dia ou 36 (trinta e seis) horas semanais”
(BRASIL, 1943).
163
Dado da pesquisa de campo de Venco, que resultou em sua dissertação de mestrado (1999).
182
164
Voltaremos a esse aspecto no capítulo seguinte.
165
No entanto, há pressões para que se intensifique ainda mais esse tipo de jornada no País. Um projeto
de lei (PL no 2.820/15) tramita na Câmara dos Deputados com a proposta de regulamentar a flexibilização
da jornada em tempo parcial, permitindo sua subdivisão, a contratação do trabalhador em alguns dias da
semana etc. A remuneração ficaria atrelada ao número de horas trabalhadas. O alvo desse tipo de
contratação seriam os estudantes e pessoas acima de 60 anos. Do mesmo modo, o PL n o 726/15, também
em trâmite, propõe o estabelecimento da jornada de trabalho variável, permitindo que ela seja realizada
em dias e horários muito variados ao longo do mês. Nota-se, assim, um movimento de avanço quanto à
intensificação da flexibilização do tempo de trabalho no País. Para os respectivos projetos, ver:
<http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1379159&filename=PL+282
0/2015> e <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1308994&filena
me=PL+726/2015>. Acesso em: 5 fev. 2016.
166
Ver, respectivamente, os trabalhos de Sophie Bernard (2003, 2005), José Lago (2008) e Sofia
Alexandra Cruz (2003).
183
fluxo de clientes, como à noite e aos finais de semana. Além disso, as jornadas em
tempo parcial têm durações diversas, que chegam a ser quase individuais, cada
trabalhadora com determinada carga de trabalho (BERNARD, 2003; 2005).
Os estudos, nesses países, mostram que se estabelece uma relação de
hierarquia entre as operadoras de caixa, uma vez que as mulheres mais velhas e com
mais tempo na empresa trabalham em períodos mais regulares, durante o dia e com
jornada ao longo da semana, enquanto as estudantes ficam submetidas a horários e dias
mais irregulares (BERNARD, 2003; BENQUET, 2013).
No Brasil, essa prática não é tão disseminada nesse segmento 167, embora ela
exista. A fiscal de frente de caixa Carla, por exemplo, foi contratada por tempo parcial
pela empresa, tendo sido, posteriormente, efetivada com uma jornada full-time.
Algumas entrevistas indicaram que a empresa, atualmente, não utiliza mais esse tipo de
contratação. No entanto, encontramos, em outra loja da rede, parte das trabalhadoras
contratadas com jornadas menores, isto é, seis horas diárias, totalizando 36 horas
semanais168. Do mesmo modo, em outra rede de super/hipermercados, verificamos o
anúncio da contratação de trabalhadoras em tempo parcial, cuja jornada também seria
realizada aos sábados, domingos e quartas-feiras, dias de maior fluxo de clientes169.
167
A legislação trabalhista brasileira permite esse tipo de contratação, devendo obedecer às regulações
vigentes, que proíbem que a jornada exceda oito horas diárias e que o contratado realize horas adicionais
(BRASIL, 1943). Recentemente, empresários do comércio varejista apresentaram uma solicitação ao
governo de regulamentação do trabalho “part-time”, que permitiria a contratação de trabalhadoras para
realizar suas atividades em alguns dias por semana, à noite ou aos sábados, domingos e feriados. Essa
solicitação, segundo a reportagem, teria como interesse, assim, impedir que processos trabalhistas sejam,
posteriormente, dirigidos às empresas, exigindo direitos compensatórios (Disponível em:
<http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531580-governo-vai-propor-trabalho-qpicadoq>. Acesso em: 6 fev.
2016).
168
Segundo a operadora de caixa Cecília, “A diferença de quem faz 6 e de quem faz 8 [horas]: ganha um
pouco mais e tem uma hora de janta. No caso de quem faz seis horas, tem 15 minutos. É muito rápido”
(supermercado da empresa C, 12/4/2012).
169
Observação da pesquisa de campo, 18/8/2015.
170
Em 2009, o salário mínimo nacional era de R$ 465,00 e o valor da hora trabalhada era de R$ 2,11.
Disponível em: <http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/salario_minimo.htm>. Acesso em: 6 fev. 2016.
184
171
Para as leis citadas, ver, respectivamente, <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10101. htm> e
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11603.htm#art1>. Acesso em: 6 fev.
2016. No Município de São Paulo, o Decreto no 37.271/1997 autorizou o funcionamento dos
estabelecimentos de comércio em geral aos domingos. A Lei n o 13.473/2002, e posteriormente o Decreto
no 45.750/2005, tornou-o sujeito à autorização, devendo constar em negociação coletiva. Para estas,
consultar <http://www.leispaulistanas.com.br/categorias/licenca-de-funcionamento/horario-de-abertura-
de-comercio>. Acesso em: 6 fev. 2016.
185
1x1 (um domingo trabalhado seguido por um domingo de descanso) ou 2x1 (dois
domingos trabalhados seguidos por um de descanso), por opção das empresas 172.
No ramo de teleatendimento, a obrigação das empresas em garantir
serviços de atendimento ao consumidor de modo ininterrupto impõe a necessidade de os
call centers também funcionarem aos domingos. Assim, o trabalho nesse dia,
consagrado, historicamente, ao descanso 173, torna-se, para grande parte dos assalariados,
um dia de exercer suas atividades profissionais.
Os mesmos fatores explicam o trabalho em feriados. Cabe aqui lembrar que,
para ambos os segmentos – teleatendimento e comércio –, as legislações e convenções
coletivas asseguram que o trabalho nesses dias deva ser informado com antecedência
aos trabalhadores.
Para o ramo de super/hipermercados, a legislação já mencionada permite
a abertura de estabelecimentos de comércio nos feriados, desde que aprovada em
negociação coletiva. Esta última, por sua vez, define que o trabalho em feriados em
super/hipermercados não é obrigatório aos funcionários, os quais devem manifestar sua
vontade de trabalhar nesses dias174.
No entanto, as entrevistas revelaram haver uma pressão para que as
trabalhadoras compareçam nesses dias. Parte das entrevistadas desconhecia o direito à
opção e comparece em praticamente todos os feriados. Segundo uma delas, esses dias
são considerados dias normais e obrigatórios de trabalho, chegando a afirmar que em
172
Se a abertura do comércio varejista é, em grande medida, consolidado no País, ao menos em suas
grandes cidades, em outros países essa prática é interdita. Na França, por exemplo, há restrições legais
quanto ao funcionamento dos estabelecimentos de super/hipermercados aos domingos. Porém, isso não se
faz sem conflito. Há uma forte pressão do lado empresarial pela liberação da abertura dos
estabelecimentos nesses dias e, desde 2009, mudanças na lei têm inserido algumas possibilidades de
abertura. Em outubro de 2013, a polêmica em torno do trabalho dominical ganhou destaque no noticiário
francês quando empresas do ramo da bricolagem foram proibidas de funcionar aos domingos. As
empresas fizeram campanhas contra a interdição, envolvendo seus trabalhadores e consumidores,
alegando que o número de empregos formais no segmento seria reduzido com o fechamento das lojas
nesses dias.
173
Edward Thompson (1998) analisa como, ao longo do desenvolvimento capitalista, houve a
necessidade de alterar certas práticas sociais dos trabalhadores. Assim, passou-se a coibir o número de
festas, feriados, dias de descanso. Segundo o autor, a segunda-feira (a “segunda-feira santa”) era utilizada
por trabalhadores como um dia de descanso. Com a necessidade de controle do tempo advinda com as
fábricas e o desenvolvimento capitalista, que tinha a necessidade de eliminar os tempos mortos, algumas
dessas práticas passaram a ser condenadas, disciplinando os trabalhadores. Há ainda uma dimensão
religiosa presente quanto ao dia de descanso aos domingos.
174
A convenção coletiva garante ao empregado que opte por trabalhar nos feriados que, no decorrer do
ano, três deles sejam destinados a seu descanso. Ver: Convenção Coletiva de Trabalho – Comerciários da
Capital/Sincovaga (2015/2016). Disponível em: <http://www.sincovaga.com.br/CT/ Convencoes/Default.
aspx>. Acesso em: 6 fev. 2016.
186
Celso, por sua vez, explicou como o trabalho em feriado se torna uma
imposição:
“Os feriados, você também tem direito [...] [mas] você é praticamente
obrigado, eles condicionam a vinda: ‘Você vai vir no feriado, né?’.
Para eles é um dia normal. Não, você não tem direito a folgar. Se
você folgar... [Rola uma coerção?] Uma coação mesmo. Se você
folgar, se você não vier no feriado, o cara te chama na sala dele,
pergunta o que você tem, se você estava passando mal, por que você
não veio” (Celso, operador de hipermercado da empresa C, 5/4/2012).
175
Na realidade, as horas efetivamente trabalhadas em feriados são remuneradas com um adicional de
100% e não 50% como mencionado pela entrevistada.
176
César, operador de hipermercado da empresa C, por exemplo, após ser demitido, moveu um processo
trabalhista contra a empresa, reivindicando, entre outros, o direito a 52 dias de folga adquiridos por
feriados trabalhados e não usufruídos.
187
177
Após o grupo francês assumir totalmente a direção da empresa C.
188
Segmento de super/hipermercados
No caso dos super/hipermercados, encontramos escalas com folgas fixas e
variáveis, dependendo do tipo de estabelecimento – se super ou hipermercado. Nos
estabelecimentos maiores, operava-se por meio da escala com folga fixa: a empresa
estabelecia uma escala mensal, em que o descanso de cada funcionária caía no mesmo
dia a cada semana. A empresa recorria ainda ao sistema 2x1 em relação aos domingos.
“[E sua folga é de que dia?] [...] Toda terça e, a cada dois domingos
trabalhados, eu folgo um. [Aí você folga na terça e no domingo?] No
caso, por exemplo, eu folguei na terça e, se for meu domingo, aí eu
folgo terça e domingo. Se não, é só quando chega o domingo mesmo
da sua folga, então é só na terça-feira, uma vez por semana” (Cleusa,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 23/5/2013).
178
Como sugere o autor, esse é um assunto importante, que ainda precisa ser estudado aprofundadamente.
189
No entanto, mesmo sendo fixa, a folga fica sujeita a sofrer variações. Isso
porque a empresa altera periodicamente esse dia, como evidenciaram os relatos das
entrevistadas.
“[São eles que falam quando você vai folgar ou você pode escolher,
tipo “preciso fazer alguma coisa”?] Geralmente, são eles que
escolhem. Eles colocam “sua folga vai ser tal dia”, colocam a escala
lá e a gente já está ciente da nossa folga. E essas folgas mudam todo
mês. Esse mês eu posso folgar toda quinta-feira. Próximo mês eu já
posso folgar toda segunda-feira. [...] Durante um mês é uma folga
sempre fixa. Aí conforme vai virando o mês, a folga pode mudar”
(Carla, fiscal de frente de caixa de hipermercado da empresa C,
3/3/2012).
“[E a sua folga é de que dia da semana?] Não tem dia. [Ah, varia?]
Isso. Cada dia, tipo, hoje... igual, essa semana, eu folguei terça. Aí eu
só vou saber na sexta-feira que a escala é nova, que no caso foi
ontem. Só que como ontem eu entrei de manhã, eu não fiquei sabendo.
Mas a escala foi feita ontem. [...] Então, eu só vou ficar sabendo hoje,
quando eu chegar, eu vou ver a escala. Eu vou folgar na semana, mas
a gente nunca sabe o dia certo” (Cristiane, operadora de caixa de
supermercado da empresa C, 1o/6/2012).
“Tipo assim: toda sexta-feira sai a escala para a semana inteira, com
quando você vai folgar. [...] Se eu for folgar domingo agora, eu tenho
que trabalhar essa semana todinha sem folgar para folgar só no
domingo. Tem vezes que chega a trabalhar 13 dias sem folga para
folgar no domingo” (Carolina, operadora de caixa de supermercado da
empresa C, 18/5/2012).
180
Essa organização era diferente do verificado no hipermercado. Nele, a trabalhadora gozava a folga do
domingo no sistema 2x1; no entanto, na semana em que ela usufruía dessa folga, a empresa mantinha o
dia de descanso fixo na semana. Assim, em uma das semanas do mês, a trabalhadora folgava dois dias.
Entretanto, a empresa descontava essa folga “a mais” do banco de horas da funcionária. Segundo os
relatos, essa prática gerava tensões e conflitos entre as operadoras e a empresa. Pode-se verificar,
portanto, a utilização de diferentes práticas de flexibilização, dando maior liberdade à empresa para gerir
o tempo de trabalho das funcionárias conforme suas necessidades.
191
trabalhadoras devem entrar a cada dia, que podem variar ao longo do mês. A empresa
mantém uma parcela de operadores de caixa com horários de trabalho sujeitos a
variações ao longo do mês, como afirmou Conrado.
“[E quando você fica sabendo que (horário vai fazer), quando eles te
avisam?] Não avisa. Põe lá na escala, eles colocam lá no mural.
Pronto. [Ah, mas tipo o mês inteiro? Ou...] Não. Só amanhã que eu
vou entrar cinco e cinquenta. Aí no outro dia já não sei que horas eu
vou entrar. Se eu vou entrar oito, se eu vou entrar sete. [...] Cada dia
é um horário. [...] [Mas tipo, sua escala do mês já está lá com os
horários que você vai entrar?] É. Minha escala do mês é nove horas.
Oito horas, quer dizer, na verdade. Mas aí tem a escala diária. Na
verdade de quarta. De quarta, sexta, sábado, domingo e feriado, aí
que eles trocam o horário. Aí fica lá. Aí você tem que olhar.”
(Conrado, operador de caixa de hipermercado da empresa C,
11/11/2014).
“Só folga uma vez por semana, mas não tem dia certo para folgar,
entendeu? Tipo, pode ser no sábado, pode ser... não, no sábado não
pode. [Não pode?] Não. Nem no sábado e nem na quarta. [Quando é
mais cheio?] Isso. Pode nos outros dias na semana. Você trabalha
dois domingos para folgar um. E na quarta-feira nem pensar”
(Carolina, operadora de caixa de supermercado da empresa C,
18/5/2012).
pelas entrevistadas (embora tenhamos podido observá-la181), mas sim a prática de alterar
o dia de folga diante de uma necessidade, mesmo que ele estivesse previsto na escala
mensal.
“Mas acontece de você vir, ficar sem folgar um dia na semana. Tipo,
a gente tem a folga na semana e a folga no domingo. Ele pode falar
assim para você: ‘Oh, você não vai folgar a folga da semana dessa
vez, só folga no segundo domingo, tá?’. É um caso específico. Mas já
aconteceu comigo de eu ficar uma semana sem folgar, duas semanas
sem folgar. O cara: “Ah, hoje você”... que nem o funcionário meu que
tinha dentista marcado para a folga dele, porque era a folga dele, ele
achou que ele podia marcar alguma coisa. Eu falei para ele: ‘Não,
você não pode. Vai ter visita182 e você vai vir hoje à noite e vai folgar
na sexta’” (Celso, operador de hipermercado da empresa C, 5/4/2012,
grifo nosso).
No segmento de teleatendimento
Algumas dessas práticas também são verificadas no segmento de
teleatendimento, no qual os ajustes seguem o fluxo informacional e de clientes. Nele, o
trabalho também é realizado, semanalmente, por meio da escala 6x1.
Nos serviços receptivos, a organização das escalas de revezamento pode
envolver a fixação do dia da folga ou sua variação. Como consequência do tipo adotado,
algumas práticas, já indicadas no segmento de super/hipermercados, também são
verificadas, tais como a mudança periódica dos dias de folga e a realização de dias
consecutivos de trabalho sem o dia de descanso, entre outras (FREITAS, 2010). Já no
caso do teleatendimento ativo (devido à regulamentação que interdita o telemarketing
181
“Um funcionário, uniformizado, do hipermercado da empresa C falava ao telefone celular na porta do
estabelecimento e dizia: ‘Eu já falei para ela que se for para eu vir trabalhar amanhã que é para ela me
falar hoje, porque se ela me ligar amanhã falando para eu vir, eu não venho. Já falei para ela’” (Anotações
do diário de campo, 31/10/2012).
182
“Ter visita” é quando gerentes de alto nível na hierarquia da empresa vão à loja fazer uma inspeção,
ver o andamento de seu funcionamento, organização etc. Nesse caso, Celso era o funcionário da equipe
responsável pelo setor em que trabalhava. Note em sua fala que ele diz que o trabalhador achou que
“podia marcar alguma coisa” em seu dia de descanso, o que, nesse caso, ele não podia fazer. Questiona-
se, assim, a autonomia do trabalhador e exige-se disponibilidade deste à empresa mesmo nos momentos
em que ele não está nela.
193
183
Posteriormente, como vimos, a empresa alterou essa estratégia, reduzindo a jornada (e o salário) de
parte das teleatendentes contratadas.
194
“Uma vez, eles mandaram todo mundo vir, manhã e tarde. Mas foi
uma bagunça. [...] Vem para o atendimento, mas não tem onde pôr.
Então eles inventam alguma coisa: ‘Ah, vamos lá para o
treinamento’. Oh, ai quero morrer com isso, quando eles falam
‘Vamos para o treinamento’. Aí fica lá, duas horas de treinamento, e,
para passar as horas, eles põem um filme. Porque não tem como estar
em operação. Você não pode ir embora. Não pode ir para a operação.
Não pode ficar no refeitório, tem que ficar lá, sem nada. Aí você vai
ver filme!184” (Andressa, teleatendente da empresa A, 11/4/2012).
“Eles colocam sábado sim e sábado não como meta para dar uma...
[Animada?] Animada no pessoal. Para ver se vira venda. Se você
sabe... oh, semana que você sabe que é sua folga [...], vamos supor:
‘Ângela, você tem que fazer dezessete vendas até sexta-feira. Você tem
que me entregar dezessete vendas até sexta-feira para você folgar no
sábado’. Então, você se mata. Quando é na outra semana, você sabe
que você vai vir trabalhar, porque é o seu sábado, aí...” (Ângela,
teleatendente da empresa A, 18/4/2012).
“Acaba que, assim, quem vende bem acaba folgando todo sábado e
quem vende mal acaba vindo trabalhar sempre no sábado. Então
sempre aquele que não vende bem se ferra no final da semana”
(Arlene, teleatendente da empresa A, 6/2/2012).
184
Normalmente, trata-se de filmes motivacionais.
195
“É porque aqui, tudo muda aqui. Tudo muda, tudo muda muito
rápido. Por exemplo, um mês, às vezes, vai ser uma folga sim, uma
folga não mesmo se você não bater a meta. Eles já estão falando que
no mês que vem já não vai mais ser assim: quem não bater, não vai
folgar mais, vai trabalhar todos os sábados [...]. A minha equipe
estava mó (sic) feliz, o pessoal estava achando ‘Ah, eu vou folgar
semana que vem, que é minha folga’. Eles falaram que não, que tem
que bater a meta” (Andréa, teleatendente da empresa A, 18/4/2012).
Todas essas alterações das metas, bem como dos dias de trabalho e de não
trabalho, são utilizadas pelas empresas para adequar o ritmo de trabalho ao fluxo da
produção. Tais medidas são possibilitadas pela grande facilidade que elas encontram
para alterar uma série de elementos do processo de trabalho, inclusive se valendo da
preferência das trabalhadoras pelas folgas aos sábados e domingos para atingir maiores
níveis de produtividade.
“Tem dias que eu entro mais cedo porque eles trabalham com
revezamento de escala, né? Às vezes, eu entro mais cedo, às vezes um
pouquinho mais tarde. Aí tem uma escala que a gente tem que seguir.
Não é todo dia certinho às 11 horas. Sempre que necessário, eles
mudam a escala. A gente trabalha com revezamento de escala. Aí eles
mudam e a gente entra no horário da escala” (Carla, fiscal de frente
de caixa de hipermercado da empresa C, 3/3/2012).
“[E tem muita gente que fica trocando horário, ou são algumas
pessoas, tipo você? Ou é toda equipe?] Não. Tem gente que não troca
de jeito nenhum. Tipo, se o horário dela é às oito, ela vem pelas oito e
pronto e acabou. São algumas pessoas. Quando a chefe sabe que, ah,
aquele ali dá pra entrar qualquer hora, então... Também depende da
pessoa, se ela mora perto ou não” (Conrado, operador de caixa de
hipermercado da empresa C, 11/11/2014).
185
Aqui, mais do que o sexo do trabalhador, parece importar a ausência de vínculos familiares,
particularmente de crianças pequenas. As mulheres solteiras, sem filhos e que moram perto do trabalho
também são tidas como mais “disponíveis” à empresa, embora, resultado da divisão sexual do trabalho,
elas tendam a assumir mais trabalho doméstico nos lares que os homens.
197
186
Termo usado pelas próprias entrevistadas.
198
187
Para uma análise mais aprofundada, ver: FREITAS, 2010.
188
Nas entrevistas, constatamos apenas um caso de teleatendente que foi transferida de local de trabalho,
sendo direcionada ao estabelecimento da empresa situado na Zona Oeste do Município de São Paulo pelo
período de um mês. Segundo seu relato, ela permaneceu trabalhando no novo local por cerca de seis
meses e, ao solicitar seu retorno à sede em Poá, ela foi informada de que deveria pedir demissão e
reiniciar o processo de reintegração à empresa no local desejado (Entrevista Alcione, 11/2/2012).
199
trabalho organizado por escalas de revezamento aos domingos e feriados, bem como a
alteração periódica dos dias de folga e horários de trabalho.
Nesse contexto, o tempo de trabalho passa a ser constantemente ajustado, de
acordo com a demanda por produtividade das empresas. Em consequência, para as
trabalhadoras, esse tempo já não se resume a um período determinado em que exercem
sua atividade profissional. Ele se torna cada vez mais inconstante e imprevisível,
propagando-se sobre os demais tempos sociais. Desse modo, a análise da jornada de
trabalho não pode se limitar à quantidade de tempo dedicada à atividade. Como aponta
Krein,
deixam também de saber o valor que seu trabalho lhes renderá exatamente ao final do
mês, uma vez que parte dele é variável, atrelada ao alcance das metas. Do mesmo modo,
elas passam a não ter conhecimento antecipado sobre os dias e horários que irão
trabalhar e folgar.
A mesma realidade é encontrada entre as operadoras de caixa de
super/hipermercados, entre as quais o tempo de trabalho e o de descanso podem ser
alterados constantemente. Muitas vezes, a organização das escalas de trabalho lhes
escapa ao entendimento, sem que elas possam prever com antecedência suas atividades.
Todas essas constantes mudanças podem ser ilustradas pela metáfora de um
“barco à deriva”, cuja direção é determinada pelo fluxo da produção e dos clientes. As
trabalhadoras se encontram diante da necessidade de se adaptar, de se adequar, de estar
preparadas. Exige-se, assim, que as próprias trabalhadoras sejam cada vez mais
flexíveis.
Essa estratégia se alia à racionalização e à individualização da organização
do trabalho. A individualização é exemplar no caso do teleatendimento, em que a
própria configuração espacial visa ao isolamento das trabalhadoras: como vimos, as
baias separam as teleatendentes, contribuindo para reduzir a interferência no
desempenho de cada uma e o contato entre elas. Segundo as entrevistadas, a supervisora
altera periodicamente as PAs de cada teleatendente, a fim de reduzir as conversas e
diluir os grupos de amizade que possam vir a interferir na produtividade. Da mesma
forma, as metas atreladas ao desempenho individual acirram a competitividade dentro
da própria categoria.
Em situação muito similar se encontram as operadoras de caixa. Também
separadas umas das outras nos check-outs, a gestão individualizada e flexível dos
horários de entrada e saída, bem como dos de descanso, reduz a possibilidade de uma
organização coletiva (CATTANEO, 1997) e do estabelecimento de relações pessoais
entre elas. Nas entrevistas, foi recorrente a menção ao fato de as operadoras não terem
muitos vínculos de amizades entre si. A isso, alia-se ainda a alta rotatividade –
encontrada em ambos os segmentos.
Portanto, a gestão do trabalho, que associa individualização, racionalização
(nos moldes tayloristas, como vimos) e flexibilização, contribui para reduzir as
possibilidades de mobilização coletiva dos trabalhadores (KOVÁCS, 2006; LINHART,
2010b) e afeta os sentidos do trabalho para estes.
202
189
Aqui, gostaríamos de ressaltar que consideramos que a flexibilidade poderia ser positiva ao
trabalhador se este exercesse alguma autonomia sobre sua atividade e tivesse a possibilidade de negociar
com as empresas seus tempos de trabalho, seu desenvolvimento etc. No caso das práticas de flexibilidade
heteronômicas, os aspectos negativos prevalecem.
203
reprodução social, do indivíduo, de sua família, de seu grupo social” (LIMA, 2004, p.
168).
No contexto de flexibilização,
190
Optamos por traduzir o termo francês “penibilité” por “penosidade”.
204
“Igual, hoje, eu tive uma conversa séria... eu quero sair. Então, como
está tendo corte... [Você pediu para sair?] Eu pedi para sair. Eu pedi
para colocar o meu nome no próximo corte que vier. Aí mandaram eu
esperar até o final do mês para me darem a resposta” (Adélia,
teleatendente da empresa A, 20/6/2012).
“Aí estou esse tempo todo, mas estou querendo sair. Estou tentando
ver se agora eles me demitem. [Você pediu para sair?] Pedi. Há dois
anos atrás” (Cleusa, operadora de caixa de hipermercado da empresa
C, 23/5/2013)191.
191
Vale mencionar que essas duas entrevistadas foram demitidas das respectivas empresas. Como
abordamos no capítulo dedicado a apresentar as etapas da pesquisa de campo, grande parte das
entrevistadas foi, posteriormente, demitida das empresas, na maioria após solicitação a ela.
208
chegar, porque eles vão mandar aqueles com mais tempo de empresa
embora’” (Anotações do diário de campo, 4/5/2012).
“[É, pelo visto, eles não demitem?] Não, não demite. É assim, agora
tem uma regra que os bons funcionários, você vai conversar, com o
tempo eles te liberam. Eles te demitem. Os bons funcionários! Porque
os maus, eles não... eles fazem você se encher, se encher até você
chegar e pedir demissão. Ou então te mandar por justa causa. Que é
o que mais está acontecendo lá” (Cleusa, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 23/5/2013).
192
No caso da empresa estudada, o autor indica que, após 10 meses de abertura da loja, houve uma
renovação (turnover) de 100% dos funcionários: para um quadro de 346 pessoas trabalhando, houve 692
contratações no período. O próprio autor foi demitido por falta grave, o que o levou a acionar a justiça,
alegando desrespeito aos direitos trabalhistas, devido à longa jornada que fazia, ao não pagamento das
horas suplementares etc. (PHILONENKO, 1997)
210
demitidas, mas não pediriam demissão. Aqui cabe apontar a importância do FGTS, bem
como do seguro-desemprego, nas trajetórias de entrada e saída no mercado de trabalho.
O tempo dedicado à empresa é considerado por elas um “bem valioso”, à medida que se
converte em recurso financeiro, necessário durante o período em que não estarão
inseridas no mercado de trabalho. Assim, elas desejam sair da empresa, mas querem que
esta as demita, “porque não compensa pedir as contas” (Célia, fiscal de frente de caixa
de hipermercado da empresa C, 11/7/2012).
193
Os motivos para esse tipo de demissão estão previstos no artigo 483 da CLT (BRASIL, 1943). Nos
casos julgados positivos, o trabalhador tem direito a receber saldo de salário, salário-família, 13o salário
proporcional, férias proporcionais e, quando houver, férias vencidas, além do direito a sacar o Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) acrescido da multa de 40% paga pelo empregador sobre o valor do
FGTS e solicitar o seguro-desemprego.
194
Essa prática também aparece aqui como uma estratégia de resistência – individualizada – das
trabalhadoras, em oposição à organização e gestão do trabalho. Analisaremos as estratégias de resistência
no item a seguir.
211
195
Procuramos aqui acompanhar a trajetória das trabalhadoras que se desvincularam, posteriormente, da
empresa. Ainda que não tenha sido possível recolher informações de todas elas, pudemos constatar alguns
caminhos percorridos. No caso do teleatendimento, encontramos muitas delas trabalhando em outra
empresa do mesmo segmento. Uma teleatendente tornou-se operadora de caixa de supermercado. Tanto
entre as operadoras de caixa como entre as teleatendentes, encontramos aquelas que buscaram trabalhos
autônomos e informais; outras buscaram inserção em postos de trabalho em empresas voltados à sua
formação e mais qualificados.
196
Conforme troca de mensagem via celular em 20/01/2016 (registrada no diário de campo).
212
197
Mensagem de celular trocada em 20/1/2016. Anotações do diário de campo.
213
sindicalizada ou tivesse alguma participação nas atividades dos sindicatos. Algumas até
desconheciam a entidade sindical que representava sua categoria.
No caso do segmento de teleatendimento, as mobilizações coletivas e
greves ainda são poucas, embora ocorram. Há registros de paralisações e greves,
realizadas para protestar contra más condições de trabalho, imposições de meta e
controle abusivo, por exemplo. No ano de 2005, uma das maiores greves no segmento
ocorreu na empresa Atento, com a paralisação das atividades por 55 dias. Do mesmo
modo, a empresa B, como já mencionamos, vivenciou uma série de paralisações de
funcionárias para denunciar o atraso no pagamento dos salários e os desacordos nos
contratos de trabalho.
No entanto, essas mobilizações e a atuação dos sindicatos esbarram em
limitações impostas pela própria configuração da categoria – jovem, “de passagem” etc.
–, pela disputa entre organizações sindicais pelo direito à representatividade do
segmento198 e pelas políticas empresariais, que tendem a dificultar o envolvimento das
teleatendentes com os sindicatos. Em nossas entrevistas, as trabalhadoras indicaram que
o sindicato, periodicamente, comparecia à empresa para entrega de materiais
informativos, mas a prática foi proibida 199. A organização coletiva nesse segmento
desponta, assim, como um desafio a ser enfrentado.
No segmento de super/hipermercados, do mesmo modo, a mobilização
coletiva e a realização de greves também são limitadas no País 200. O comércio aparece
como um subsetor com baixo número de greves. Entretanto, Patrícia Trópia (2014)
salienta que, na categoria de comerciários, os super/hipermercados são aqueles que
198
Há duas organizações sindicais no Estado de São Paulo que representam e disputam a
representatividade da categoria: o Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing (Sintratel) e o Sindicato
dos Trabalhadores em Telecomunicações (Sintetel). Alguns estudos discorrem sobre a relação e as
divergências entre eles. Ver, entre outros: BRAGA, 2012; CORROCHANO, 2007. Em pesquisa anterior,
também abordamos o tema; ver: FREITAS, 2010.
199
Em entrevista com dirigentes do Sintratel, a proibição de sua presença nas dependências da empresa A
também foi mencionada, tendo sido assinalada como um dificultador para o estabelecimento de diálogos e
aproximações com as trabalhadoras.
200
Cabe observar que, internacionalmente, o segmento tem vivenciado algumas greves. Uma importante
mobilização coletiva vem ocorrendo em torno da rede varejista Walmart, em que, desde 2012, os
funcionários realizam paralisações, especialmente durante a campanha da Black Friday. Elas ocorrem em
lojas ao redor do mundo, particularmente nos EUA, mas também no Brasil. A rede é acusada de ser uma
das principais do segmento em termos de más condições de trabalho, baixos salários e violações dos
direitos trabalhistas. Ver, entre outras reportagens: <http://exame.abril.com.br/negocios /noticias/walmart-
muda-gestao-para-lidar-com-1a-greve-de-funcionarios>. Acesso em: 8 fev. 2016.
215
registram maior número de mobilizações, apesar de sua ocorrência ainda ser reduzida
quando comparada ao tamanho do segmento201.
Em nossas entrevistas, a referência ao sindicato foi pouco mencionada pelas
operadoras de caixa, embora tenha aparecido de modo espontâneo em alguns relatos. O
mais significativo foi o caso de uma operadora que recorreu ao sindicato, com mais
quatro colegas, para denunciar a proibição ao acesso ao banheiro durante a jornada, o
que havia causado o adoecimento de uma delas. Também, aqui, houve relatos sobre a
presença periódica de dirigentes sindicais nas lojas, entregando material informativo e
conversando com as trabalhadoras para saber sobre as condições e a organização do
trabalho praticadas pela empresa.
Na segunda etapa das entrevistas, constatamos que o sindicato havia
passado a estar mais presente nas lojas da rede, com uma atuação mais incisiva.
Segundo as trabalhadoras, isso foi responsável por promover algumas mudanças na
organização do trabalho nos estabelecimentos da empresa C. Entre elas estavam, por
exemplo, as exigências de gozo dos dias de folga por feriado trabalhado e do
cumprimento da escala de trabalho 2x1 relativamente aos domingos. Menos do que
novas conquistas, trata-se de normas previstas no acordo coletivo que não estavam
sendo cumpridas pela empresa.
No entanto, é importante ressaltar que a organização do trabalho e o
cumprimento do acordo coletivo não se dão da mesma maneira em todas as lojas da
empresa C. Podemos afirmar que recorrentemente esta se utiliza de subterfúgios para
contornar ou desviar o cumprimento de certos acordos, particularmente em relação ao
banco de horas e às escalas de revezamento.
Entre suas ações para pressionar a empresa, o sindicato realizou, durante o
período de negociação pelo ajuste salarial, uma série de mobilizações, como a que
impôs, em setembro de 2013, o fechamento de uma das lojas da rede por algumas
horas202. Se essa ação repercutiu sobre a política empresarial, as trabalhadoras pouco se
envolveram ou participaram dela, seja por ter sido uma estratégia do sindicato, sem a
mobilização prévia das trabalhadoras, seja pela política da empresa de coibir o
envolvimento delas com a organização sindical, como indicaram as entrevistas.
201
Segundo a autora, no período 1982-2009, foram deflagradas 166 greves no subsetor de comércio, a
maioria ocorrida nas décadas de 1980 e 1990. Entre 1991 e 2009, cerca de 68% das greves foram
motivadas por questões salariais (TRÓPIA, 2014).
202
Informações disponíveis em: <http://www.comerciarios.org.br/index.php/>. Acesso em: 10 fev. 2016.
216
“Ela [a chefe] puxa as meninas, ela grita. No dia que ela gritou
comigo, eu chamei ela na sala dela e falei: ‘Nunca mais grita comigo,
está achando que eu sou quem?’ Aí ela falou: ‘Ai, desculpa, não foi
minha intenção gritar’. ‘Mas você gritou na frente dos clientes, eu
não quero isso.’ Aí desse dia pra lá ela não gosta de mim e eu não
gosto dela” (Cíntia, operadora de caixa de hipermercado da empresa
C, 17/10/2014).
A relação com os clientes não se faz sem conflitos, o que exige atitudes das
operadoras para lidar com tensões e imprevistos. Podemos considerar que elas, muitas
vezes, valem-se da própria padronização e controle da empresa sobre a atividade para
lidar com algumas situações de conflito. A partir da justificativa de que realizar algo
está fora de seu controle ou que não podem fazer de outro jeito por serem as normas da
empresa, elas contornam essas situações. Por exemplo, se a operadora comete algum
erro no sistema ou se o cliente faz uma demanda que ela não pode ou não quer atender,
ela recorre à própria “burocratização” da atividade para se eximir da culpa. Ou seja, há
uma reapropriação, pelas operadoras de caixa, do forte controle que a empresa exerce
sobre a atividade – e que reduz sua autonomia – para tentar ganhar algum tipo de
controle ou autonomia sobre o trabalho 203.
Além disso, os clientes também são responsáveis por ditar, em grande
medida, o ritmo de trabalho das operadoras. A pressão que exercem e sua sucessão
contínua fazem com que as trabalhadoras tenham pouca margem de manobra para
escapar desse fluxo, isto é, para que estabeleçam um ritmo próprio, realizem o
atendimento como gostariam e descansem. No entanto, se a margem de manobra é
limitada, as operadoras desenvolvem uma série de estratégias, informais, para gerir o
tempo de sua atividade, recuperar-se e interromper o fluxo de clientes (BERNARD,
2003, 2005; BENQUET, 2013).
As entrevistas revelaram algumas dessas práticas que lhes permitem “ganhar
tempo” ou reduzir o ritmo do trabalho, tais como demorar um pouco mais no banheiro
ou tomando água, passar as mercadorias em um ritmo mais acelerado ou mais devagar,
203
Esse aspecto também é aplicado ao caso das teleatendentes. Estas podem se valer do controle exercido
e da imposição de regras pela empresa para contornar situações de conflito com os clientes ou para não
realizar uma ação que julguem ferir sua dignidade.
219
Segmento de teleatendimento
Situações muito parecidas de conflito e resistência se dão no caso das
teleatendentes. Estas, mesmo submetidas a um forte controle, padronização, supervisão,
pressão e intensificação do trabalho, criam alguns espaços de liberdade e de resistência.
Entretanto, esses espaços também são limitados, ficando restritos, sobretudo, à adoção
de estratégias que permitam escapar ao controle informacional ou negociar pequenas
margens de autonomia com a chefia (BRAGA, 2009).
Uma das principais formas de resistência individual e silenciosa utilizadas
pelas teleatendentes é burlar o sistema eletrônico, que distribui automaticamente as
chamadas, de forma contínua, tendo pouco intervalo entre elas. As práticas
desenvolvidas pelas trabalhadoras visam permitir que elas tenham algum tipo de
controle sobre o fluxo de ligações, sobre o ritmo e sobre a atividade. Trata-se da
“derrubada” da ligação, isto é, quando a própria operadora desliga a chamada para
interromper o fluxo (VENCO, 2009a)204. Ela serve tanto para ajustar o tempo médio de
atendimento (TMA), caso a teleatendente tenha demorado mais tempo em uma ligação
anterior, quanto para ampliar, ainda que pouco, o tempo que se sucede entre uma
ligação e outra ou mesmo para interromper o ritmo de trabalho, reduzindo o estresse.
“Aí vem um atrás do outro, você tem que fazer venda, você não
consegue, você se esforça, aí chega uma hora que você começa a
derrubar ligação, porque já está estressada, né?” (Amanda,
teleatendente da empresa A, 4/6/2012).
204
Essa prática é proibida pelo Decreto Federal no 6.523 de 2008.
221
“Meu colega me ensinou, falou: ‘Você não quer mais trabalhar, você
tá com dor de cabeça? É... faz sua máquina parar de cair ligação’.
[Você consegue fazer isso?] Consigo. [...] Continua ‘logado’ pra mim,
continua disponível pra mim e pra eles, mas pra mim não cai mais
ligação nenhuma, né?, sério mesmo” (Audrey, teleatendente da
empresa A, 30/7/2015).
205
Há ainda outra estratégia fundamental no entendimento de como o trabalho é vivenciado, sendo
comum a ambas as categorias: trata-se do absenteísmo. Abordaremos essa estratégia no capítulo seguinte,
pela importância que ela adquire para que as trabalhadoras mantenham algum tipo de controle tanto sobre
o trabalho como sobre a organização da vida cotidiana.
222
*
* *
206
Uma discussão preliminar dos resultados parciais desta pesquisa foi publicada em artigo intitulado
“Trabalho, flexibilidade e família: uma combinação (im)perfeita”, na revista Estudos de Sociologia, em
2014, cujo dossiê foi organizado pela Profa. Maria Lygia Q. de Moraes.
226
essa é uma característica que faz diferença, pois, no Brasil e na maioria dos
países desenvolvidos, uma parte significativa do financiamento da seguridade
social está vinculada à folha de pagamento. Além disso, possibilita uma
redução de custos, pois, não sendo incorporada ao salário, sobre essa parte
227
dos “bônus” não incidem futuros reajustes, tornando-se variável, dado que o
seu valor pode se alterar de um ano para outro, dependendo do resultado
alcançado pela empresa (KREIN, 2007, p. 261).
No caso das teleatendentes, esse aspecto é muito significativo, uma vez que
não apenas o piso salarial da categoria é baixo, como a empresa adota a estratégia de
manter uma parte do salário variável, interessante a ela, mas prejudicial em longo prazo
para as trabalhadoras.
Da mesma forma, no caso das operadoras de caixa, a contratação de todas as
empregadas do estabelecimento como “operadora de super/hipermercados” permite à
empresa não apenas recorrer à multifuncionalidade e à polivalência das trabalhadoras,
alocando-as em setores conforme sua necessidade, como também manter no registro da
carteira de trabalho o menor piso salarial para o conjunto das contratadas 207. Assim, são
práticas que têm desdobramentos sobre a qualidade de vidas das trabalhadoras, tanto no
presente como no futuro.
Os efeitos da flexibilidade salarial são perpassados por uma questão de
gênero. Eles podem ser ainda mais intensos sobre a vida das mulheres, uma vez que elas
são responsáveis pelo cuidado das crianças pequenas e muitas estão inseridas em
arranjos monoparentais. Assim, a inserção no emprego não é garantia de autonomia
econômica das mulheres. O baixo salário, aliado à sua variabilidade, faz com que as elas
sigam com certa dependência financeira do marido ou de outros membros da família,
dada a impossibilidade de prever o salário a ser recebido no final do mês. Como aponta
Fortino (2010), a precariedade do trabalho feminino acarreta uma dependência
econômica, seja do Estado, seja do parceiro (nas relações conjugais), o que contribui
para reforçar as relações sociais de sexo, marcadas pela desigualdade. A variação
salarial contribui para um movimento que tende a prolongar a precariedade que toca às
mulheres no mercado de trabalho e se estende ao longo dos anos, comprometendo sua
perspectiva de futuro.
Se o tempo futuro é afetado pela imprevisibilidade e instabilidade no
trabalho, a organização do tempo presente e as relações entre os diferentes tempos
sociais também são impactadas, afetando todo o cotidiano e a vida familiar das
trabalhadoras. Como aponta Lallement (2003a), uma mudança no tempo de trabalho
acarreta em alterações nas práticas e nas condições de vida dos assalariados.
207
Além disso, vale lembrar os casos de assunção de outras funções relatados pelas trabalhadoras.
228
“[E essas mudanças de horário, você acha que atrapalha na sua vida?]
Não, assim a minha vida não, mas eu digo assim se eu tiver que fazer
alguma coisa, estudar um pouquinho mais lá na frente, aí eu ia ter
que sentar, conversar com eles para fixar mesmo o horário para mim,
né?, porque aí realmente ia me atrapalhar. Porque para eu cumprir
um outro compromisso, eu tenho que ter um horário certo, um horário
fixo. Mas, por enquanto não, por enquanto eu tenho disponibilidade
de horário, então não me atrapalha, não” (Carla, fiscal de frente de
caixa de hipermercado da empresa C, 3/3/2012).
Cabe lembrar que existe uma lei que protege o trabalhador estudante. O
Código do Trabalho, aprovado pela Lei no 7/2009, define que, ao trabalhador que
estuda, o horário de trabalho deve ser compatível com sua qualificação profissional e
sua frequência às aulas208. No entanto, constatamos que as trabalhadoras precisam fazer
negociações com as empresas para adequar seu horário de trabalho à atividade de
estudo.
O caso de Conrado evidencia essa necessidade de fazer arranjos na jornada
para adequar os interesses da empresa aos seus. Ele, como vimos no capítulo anterior,
ficava submetido a mudanças quase diárias em seu horário de trabalho. Seu plano para o
ano seguinte ao da entrevista era seguir os estudos universitários. Ao ser questionado
como seria feita a conciliação entre ambas as atividades, ele respondeu:
“Eu vou poder fazer até uma hora a mais [de trabalho] só. Quando
eles precisarem. Porque, se passar de uma hora, não vai dar para eu
ficar. Aí eu posso entrar 5h50. Até 5h50 eu entro, que é o único
horário que vai dar, só. Agora tipo, acima das 7h, não. Eu só faço se
eu entrar uma hora antes das 7h. Porque se não eu não entro. Porque
se não não vai dar” (Conrado, Operador de caixa de hipermercado da
empresa C, 11/11/2014).
208
Disponível em: <http://www.uc.pt/colegioartes/Cr/reg/trabest1>. Acesso em: 11 fev. 2016.
230
209
Ele passou do cargo de operador de hipermercado, quando trabalhava de segunda-feira a domingo, ao
de analista na sede da empresa, onde trabalha de segunda a sexta-feira.
210
Sobre este último, apresentaremos uma discussão mais à frente.
231
“O dia a dia de uma jovem é um pouco corrido, né? Não tenho tempo
para quase nada” (Cibele, operadora de hipermercado da empresa C,
13/6/2012).
211
No caso das operadoras de caixa, apenas uma entrevistada tinha dois empregos, conciliando o trabalho
no supermercado com um emprego no serviço público, de seis horas diárias.
232
“Meu dia de folga? Ah, meus dias de folga são para aproveitar para
descansar. Ontem mesmo eu estava muito cansada. Minha folga é de
sexta-feira, né? Chega de quinta-feira, eu já estou assim esgotada,
porque eu trabalho em pé, todo o dia, tem quarta, sábado, domingo...
para folgar na sexta-feira. Aí eu fico bem cansada. Eu fico mais em
casa mesmo. Eu fico mais para descansar mesmo” (Carla, fiscal de
frente de caixa de hipermercado da empresa C, 3/3/2012).
Tais aspectos não são particulares à população estudada nesta pesquisa, mas
configuram a vida de grande parte das mulheres no País. Segundo pesquisa realizada
por SOS Corpo e Data Popular (2012), 73% das mulheres entrevistadas afirmaram que
utilizam o final de semana para realizar o trabalho doméstico. Em relação ao lazer, a
principal atividade mencionada por elas foi assistir à novela (44%) e 22% disseram não
realizar nenhuma atividade de lazer.
Em geral, as mulheres tendem a reduzir o tempo livre ou o tempo dedicado
a si para dar conta de suas múltiplas atividades e responsabilidades. Segundo Cláudio
Salvadori Dedecca (2004), citando uma pesquisa realizada nos países desenvolvidos, as
mulheres vivenciam um menor tempo livre que os homens, principalmente aquelas com
filhos menores de 15 anos. Na pesquisa realizada por SOS Corpo e Data Popular
(2012), as principais respostas dadas pelas mulheres quanto ao que gostariam de dedicar
mais de tempo em seu dia a dia foram: cuidar de si (58%), ficar com família e filhos
(46%), divertir-se (42%), dormir e descansar (32%), limpar e cuidar da casa (16%),
estudar e fazer curso (11%), entre outras.
Nota-se que algumas trabalhadoras procuram adiantar o trabalho doméstico,
realizando-o ao longo da semana, de modo a liberar um pouco do tempo livre para se
dedicar ao lazer ou à convivência familiar. No entanto, mesmo nesses casos, o dia da
folga seguiu sendo descrito como aquele em que as atividades domésticas são
realizadas.
faz essas coisas?] Faço tudo. [Na sua folga?] Na minha folga, de
preferência. Porque no meio da semana não dá” (Caio, operador de
hipermercado da empresa C, 19/4/2013).
“[E quando você não trabalha, o que você faz na sua folga?] Aí eu
faço todos os afazeres de um dono de casa. [...] Deixo lá na máquina
de lavar, joga as roupas, aí vai lavar a louça, enquanto isso vai ver
alguma coisa na internet, estar baixando, assistindo, escutando
música [...]. Faço uma faxina de manhã e já me programo ou para
sair ou assistir alguma coisa, ir à casa de um amigo, ou ver no
catracalivre.com o que tem de interessante, cultural em São Paulo,
uma peça, um teatro” (Celso, operador de hipermercado da empresa
C, 5/4/2012)212.
212
Celso, que é solteiro e mora sozinho, foi o único a citar a prática de atividades culturais.
235
com os horários de amigos e familiares. Seu estudo revela que a família é a primeira a
sentir os efeitos desse tipo de jornada sobre as atividades cotidianas, tendo de se adaptar
ao horário de trabalho de um de seus membros. À medida que a flexibilização se
intensifica no contexto atual, afetando o tempo de trabalho, podemos considerar que
esses efeitos passam a atingir um número cada vez maior de assalariados.
Cattaneo (1997), ao tratar do caso das operadoras de caixa de supermercado
na França, conclui que a irregularidade do horário de trabalho acarreta um impacto
negativo sobre a experiência profissional, mas também sobre a vida social e familiar das
trabalhadoras. Entre as operadoras, a exigência de disponibilidade permanente ao
trabalho funciona tanto como um regulador da relação que elas estabelecem com o
trabalho profissional – afetando a experiência vivida no trabalho –, quanto como um
desregulador da vida privada e de seu entorno. O estabelecimento de um abismo entre
seu tempo de trabalho e o tempo de trabalho dos demais, inclusive familiares
(CARDOSO, 2009), torna-se uma fonte de sofrimento para trabalhadores e
trabalhadoras.
Quando o dia de folga não coincide com o dia de descanso dos familiares, a
percepção é de que o tempo livre se torna ainda mais condensado e pouco aproveitado.
Ao falar da preferência pela folga no domingo, Áurea afirmou:
“Eu acho ruim [trabalhar aos finais de semana] porque no dia de sair
com as meninas eu estou trabalhando. [...] [A tia] fica com elas.
Sábado e domingo, ela fica. Ela é solteira. Ela só vai embora na
segunda. E também quando eu preciso de alguma coisa, eu ligo para
ela, aí ela vem. [...] [Elas passeiam bastante com a tia?] Passeiam
mais com ela do que comigo. [De domingo, seu marido também fica
com as crianças?] Fica, ele leva elas [para passear]. [Quem menos vai
é você?] Quem menos vai sou eu, por causa do trabalho” (Carolina,
operadora de caixa de supermercado da empresa C, 18/5/2012).
213
Também não encontramos essa percepção entre as teleatendentes.
239
214
Para Carrasco (2003a), trata-se da “dupla presença/ausência”, indicando o estar e o não estar
totalmente em nenhum dos dois lugares. O termo “dupla presença” vem sendo utilizado por algumas
autoras do tema. Fernanda Sucupira (2015) apresenta um resgate sobre o uso do conceito.
241
215
As autoras criticam o termo “conciliação” para abordar essa relação entre as esferas do trabalho e da
família, o qual foi utilizado nas políticas sociais em alguns países, como no caso da França. Esse termo
tende a mascarar uma relação de conflito e de desigualdade entre homens e mulheres. Arlene Ricoldi
(2010) indica que parte dos estudiosos do tema alega que o termo “conciliação” denotaria uma dimensão
mais individual no equilíbrio das duas esferas, enquanto “articulação” abarca uma dimensão mais ampla.
Optamos, nesta pesquisa, por falar em articulação entre trabalho profissional e vida familiar em vez de
empregar o termo “conciliação”.
242
216
A educação infantil, conforme anunciada na Constituição brasileira e afirmada na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB – Lei no 9.394/96), inclui a creche, voltada para crianças de 0 a 3
anos, e a pré-escola, para crianças de 4 a 5 anos. Ela constitui a primeira etapa da educação básica.
217
Segundo Léa Marques e Renata Moreno (2012), no período da ditadura militar no Brasil, os grupos
que reivindicavam as creches, sobretudo os grupos de mulheres e os feministas, unificaram-se,
organizando no Município de São Paulo o Movimento de Luta por Creches. Na década de 1980, o
movimento se ampliou, tendo sido decisivo para a inclusão do direito à creche na Constituição Federal.
Fúlvia Rosemberg (1984) analisa esses movimentos e a política de creche em São Paulo.
218
Ocorre, portanto, uma mudança na concepção da creche como um direito da mulher trabalhadora e
como um espaço exclusivo de "guardar" e acolher as crianças, enquanto as mães trabalham, sobretudo
entre as famílias mais pobres. O viés assistencialista marcou o início da história das creches no País. Se
ela foi inicialmente concebida a partir desse viés, seu caráter e objetivo foram alterados na medida em que
a criança passou a ser reconhecida como um sujeito de direito e em que a educação infantil tornou-se um
espaço de desenvolvimento integral da criança. Assim, ao inserirmos as creches como uma política de
cuidado, não podemos perder de vista a dimensão educativa nela implícita, que visa garantir o
desenvolvimento pleno e integral da criança.
243
desde meados dos anos 2000, o processo de relocalização da política de creches, a qual
passou do campo da assistência social para o da educação, e a criação de mecanismos
institucionais que assegurassem seu financiamento foram importantes para reorganizar a
agenda política voltada à educação infantil, ampliando o número de vagas e o acesso a
ela.
No entanto, ainda que a oferta de creches públicas esteja se expandindo nas
últimas décadas, seu alcance é baixo, sobretudo entre as crianças pequenas e as famílias
mais pobres. No Brasil, os dados apontam que, em 2013, a taxa de escolarização das
crianças de 0 a 3 anos e de 4 a 5 anos correspondia, respectivamente, a 23,2% e 81,4%.
A frequência à creche era 32,8% maior entre a população no estrato de renda mais alto
(IBGE, 2014b).
A legislação trabalhista brasileira prevê algumas medidas de promoção de
uma melhor articulação entre trabalho e família para as mulheres, como a licença-
maternidade, o direito à amamentação e o acesso à creche ou auxílio-creche. A
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que as empresas com mais de 30
empregadas com mais de 16 anos devem ter um “local apropriado onde seja permitido
às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da
amamentação”, que pode ser substituído por vagas em creches mantidas por outras
entidades públicas ou privadas, entre outras (BRASIL, 1943). Portanto, é uma
legislação que garante esse direito apenas no período de amamentação, restrito aos seis
primeiros meses de vida.
As empresas podem substituir a vaga em creche por um auxílio ou
reembolso às trabalhadoras – verba destinada ao pagamento de creche privada, de modo
a não precisar manter uma no local da empresa –, definido em acordo coletivo. Cabe
ainda destacar que os direitos previstos na legislação são voltados à mulher
trabalhadora. Alguns deles podem ser estendidos ao pai trabalhador, como o auxílio-
creche, mas isso depende da negociação coletiva de cada segmento.
Nesse sentido, Sorj, Fontes & Machado (2007) salientam que as garantias
previstas em lei são limitadas e cobrem apenas a parcela das trabalhadoras inseridas no
mercado formal de trabalho. Além disso, há um claro viés de gênero, uma vez que os
benefícios concedidos focam a mulher trabalhadora e o início de sua vida reprodutiva.
Assim, continua a haver uma associação entre creche e trabalhadoras na legislação, que
244
reforça o cuidado infantil como uma responsabilidade das mulheres (RICOLDI, 2010),
contribuindo para a manutenção das desigualdades de gênero no trabalho e na família.
Ainda que a CLT preveja alguns direitos, parte das empresas parece não
cumpri-los ou dificultar o acesso a eles. No segmento de teleatendimento, a empresa A
oferece creche no local de trabalho para as empregadas, tendo sido apontada como a
única do segmento a ter esse tipo de serviço 219. A creche fica localizada dentro da
empresa, e as vagas são destinadas às funcionárias.
Nesta pesquisa, foram entrevistadas seis trabalhadoras mães que tinham
filhos frequentando essa creche. Outras entrevistadas eram mães, mas seus filhos não a
frequentavam, seja por não terem a idade adequada, seja por não terem conseguido
vaga. Comparar a trajetória e as dinâmicas cotidianas desses dois grupos de mulheres
evidencia a importância da oferta de creches para sua qualidade de vida. O acesso à
creche é apontado pelas trabalhadoras como facilitador tanto para a organização da vida
familiar, como por lhes aportar segurança, visto que reconhecem o papel que essa
instituição cumpre na garantia do bem-estar da criança.
Assim, a oferta desse serviço pela empresa A é muito importante e,
infelizmente, configura-se como uma exceção. Porém, é preciso salientar que sua
abrangência é muito restrita e não cobre grande parte das necessidades das trabalhadoras
mães. A empresa, que conta com centenas de funcionárias em cada turno, oferece
atendimento a, aproximadamente, 25 crianças, somente no período diurno e durante os
primeiros 12 meses de vida.
As trabalhadoras mencionaram existir uma “fila” de requerimento à creche,
dado o número reduzido de vagas disponibilizadas. Segundo as entrevistas, a vaga fica
condicionada ao absenteísmo da mãe. Se esta falta ao trabalho, perde o direito à vaga.
Para nós, esse seria um mecanismo da empresa para garantir a assiduidade dessas
trabalhadoras; para elas, no entanto, o discurso que aparece legitimado é de que “se a
trabalhadora falta muito é porque ela não precisa da creche”. Em suas percepções, há
uma introjeção da noção que vincula o direito de usufruir a vaga na creche com o
comprometimento da trabalhadora com a empresa e o trabalho.
Há, assim, dois problemas. Um é que a cobertura da creche abrange um
número muito restrito de trabalhadoras. O outro é que, apesar de a empresa garantir o
219
Segundo entrevista com o sindicato da categoria na Capital e Região Metropolitana de São Paulo.
245
Já para as funcionárias mães que não tinham acesso a essa creche, era pago
um auxílio-creche. A convenção coletiva garante esse auxílio à trabalhadora e ao
trabalhador, desde que este não tenha cônjuge, por filho, até este completar 24 meses. O
valor do auxílio correspondia, em 2014, a R$ 140,00, considerado insuficiente pelas
entrevistadas para arcar com as despesas de uma creche pública ou de uma cuidadora.
220
Há outras barreiras para que as mulheres usufruam esse direito, revelando certa resistência das
empresas, como a falta de equipamentos adequados. A fim de tentar vencer essas barreiras, uma cartilha
foi produzida pelo Ministério da Saúde, em 2010, procurando informar a mulher trabalhadora sobre seus
direitos à amamentação, e instruir as empresas sobre a possibilidade de usufruto desse direito. Ver:
Cartilha para a mãe trabalhadora que amamenta. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_mae_trabalhadora_amamenta.pdf>. Acesso em: 13
fev. 2016.
221
Cabe aqui apontar que o filho mais novo de Áurea, com 6 meses, frequentava a creche da empresa. Ele
ia perder esse direito quando completasse 1 ano. Ela pretendia pleitear uma vaga na creche pública. No
entanto, ela já aguardava vaga para a filha mais velha, de 2 anos e 6 meses, que ficava aos cuidados d o
marido, enquanto estava desempregado, ou da sogra.
222
Novamente aqui temos a estratégia de retorno de parte dos custos com a força de trabalho em lucros
para a empresa, uma vez que o valor dado tem de ser gasto em seus estabelecimentos.
246
considerar a atenção que esta exige, particularmente, durante seus primeiros anos. Essa
limitação dos direitos acaba tendo desdobramentos sobre a inserção e a situação da
mulher no mercado de trabalho.
Diversos estudos evidenciam que o acesso dos filhos à creche afeta
positivamente a trajetória profissional feminina, com a mulher tendo mais chance de se
inserir no mercado formal de trabalho, em postos de melhor qualidade e com maior
remuneração (MONTALI, 2014; SORJ & FONTES, 2010; GAMA, 2014). Ao
contrário, a ausência desse acesso faz com que parte das mulheres se mantenha inserida
em postos mais precários, com baixo salário e menor qualificação, dificultando a
ruptura com uma situação de vulnerabilidade e de dependência.
Segundo Sorj & Fontes (2010), a relação positiva entre a frequência dos
filhos pequenos à creche e à pré-escola e a posição das mulheres no mercado de
trabalho se dá entre o conjunto da força de trabalho feminina, mas é ainda mais forte
entre as mulheres mais pobres. No mesmo sentido, Andréa Gama (2014) salienta que,
particularmente entre as mães em famílias monoparentais, as maiores proporções de
acesso a esse serviço significam maiores benefícios em termos do cuidado das crianças,
aparecendo como um importante recurso para que elas sigam inseridas no mercado de
trabalho.
Os resultados de nossa pesquisa apontaram para essa mesma direção,
evidenciando que a ausência de acesso à creche afeta diretamente a trajetória das
mulheres no mercado de trabalho. A carreira feminina é prejudicada pela falta de apoio,
sobretudo institucional, para garantir o cuidado dos filhos.
Podemos citar como exemplo o caso da teleatendente Adriana, cujo filho
frequentava a creche da empresa e, ao completar 12 meses, perdeu esse direito. Ela,
então, por meio de um processo, acionou a prefeitura de seu município para exigir a
abertura de uma vaga para o filho na creche pública. Nesse período, ela se absteve do
trabalho durante seis dias consecutivos, por não ter onde ou com quem deixá-lo para ser
cuidado.
Aline, na mesma situação, deixou o emprego quando a filha completou 12
meses, perdendo o direito à vaga na creche da empresa, e acionou um processo de
rescisão indireta do contrato de trabalho, por considerar que o auxílio dado pela empresa
não era suficiente para pagar uma creche.
247
223
Aqui, pensamos também na oferta de equipamentos coletivos que permitissem socializar o trabalho
doméstico, como restaurantes, lavanderias etc. Sobre esse debate, ver Maria Lúcia Silveira e Neuza Tito
(2008). Além disso, as mulheres são responsáveis pelos cuidados não apenas dos filhos, mas também de
idosos, pessoas dependentes etc. Repensar a distribuição do cuidado na sociedade, no Estado e na família
coloca-se ainda como um desafio a ser enfrentado.
248
224
A discussão sobre as creches em tempo integral tem sido pautada no debate político brasileiro, sendo
apontada como uma política que levaria a uma melhor condição e qualidade de vida para a mulher
trabalhadora. Na última eleição para a prefeitura no Município de São Paulo, em 2012, ganhou relevância
a discussão em torno da demanda por creches durante as 24 horas do dia. Apesar de existirem algumas
experiências no País, o assunto é polêmico, gerando divergências sobretudo em relação às condições de
trabalho das profissionais de creche e ao papel desta instituição e da família como educadoras, além do
debate em torno do direito das crianças a conviver com os familiares e a ter seu desenvolvimento integral
respeitado.
249
225
Segundo os autores, as discussões sobre o tempo das cidades se cristalizaram na Europa a partir da
discussão do tempo de trabalho. Essa não é feita sem conflito. A flexibilização dos horários de trabalho é
indicada como uma das formas de promover uma melhor organização da vida cotidiana. No entanto, ela
pode ser problemática conforme o modo que as empresas se apropriam dela. Estas não apenas fazem uso
de uma gama de jornadas de trabalho impostas aos trabalhadores, como tendem a direcionar a
flexibilidade às mulheres, mantendo a articulação entre trabalho e família como uma questão feminina.
250
“É cansativo, viu, essa vida, eu confesso para você que não é fácil
não. É bem complicado. Tem hora que dá vontade, que nem, tem hora
que você fala, né?, ‘cansei’. Mas só que assim, que nem eu falo, acho
que não tem nenhuma mãe que não acabe dando peso a essa correria.
Porque você tem que cuidar de casa, tem que cuidar de filho, tem que
cuidar do trabalho. Aí tem que cuidar do marido. Daí se surge algum
imprevisto, você corre naquele imprevisto. Aí você está aqui, que nem
eu estou aqui com a cabeça lá” (Adriana, teleatendente da empresa A,
4/6/2012).
“[Ah, tá. Aí comida na sua casa quem faz, você?] É, eu. [E limpar a
casa?] É, às vezes. Ele limpa mais que eu. [Risos] [...] Ele faz mais
coisa dentro de casa do que eu. [...] ele lava roupa. Ele limpa a casa.
Lava louça” (Celeste, operadora de caixa de hipermercado da empresa
C, 12/4/2013).
“Quando meu marido, que nem eu falei, quando meu marido estava
em casa, ele ficava com ele [o filho], até mesmo para eu não me
cansar também, né? Porque um tem que ajudar o outro” (Adriana,
teleatendente da empresa A, 4/6/2012).
“Eu que levo [o filho à creche]. Às vezes, assim, agora, esses dias,
graças a Deus, eu levo e meu marido busca. Daí às vezes eu chego,
ele já chegou. Ou se ele já está em casa, mesmo assim eu levo ele de
manhã, daí ele busca à tarde para mim, para não ficar tão cansativo
também” (Adriana, teleatendente da empresa A, 4/6/2012, grifo
nosso).
“[O que você faz agora de trabalho de casa?] Faço as mesmas coisas
de sempre. Faço comida, lavo a louça, lavo a roupa... [Seu marido
continua fazendo mais coisas?] Continua me ajudando [risos]. [Você
falava que ele fazia mais que você...]. Continua me ajudando [...] Ele
cuida da casa e da roupa. [E da comida é você?] É, sou eu” (Celeste,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 12/11/2015).
salientam Araújo, Picanço & Scalon (2007), dividir não implica necessariamente
igualdade.
Nesse sentido, as entrevistas mostraram que, ainda que participe ou ajude, o
homem opta pelas atividades que prefere e quer fazer.
“O meu marido, como ele não está trabalhando, ele arruma muito a
casa, então eu chego a casa está organizada, tudo certinho. A única
coisa que ele não faz é lavar roupa. Então no dia da minha folga é o
dia que eu vou lavar roupa” (Cecília, operadora de caixa de
supermercado da empresa C, 12/4/2012).
“Ele fala que a pior coisa é ele ficar em casa. Ele fica sábado e
domingo em casa, ele fica reclamando, que não tem o que fazer, que
não tem nada para fazer. ‘Meu filho, tem a casa para você limpar’.
Mas ele diz: ‘Isso não’” (Cristiane, operadora de caixa de
supermercado da empresa C, 1o/6/2012, grifo nosso).
“Aí ele que pega o Pedro para mim. [E a Sofia ficou...] Ficou com a
minha mãe. Isso. Como ele não sabe lidar com a Sofia, eu pego a
Sofia só quando eu chego [do trabalho]. Então, ele não sabe... tem
medo de trocar a fralda. Ele não sabe trocar a fralda de menina, ele
não consegue. Então, ele prefere que eu pegue. Aí ele fica com o
Pedro até a hora de eu chegar. Eu chego em casa por volta das 17h,
17h30, até 18 horas é o horário que eu chego” (Adélia, teleatendente
da empresa A, 20/6/2012).
Podemos apontar ainda que os homens também estão postos nessa troca e a
influenciam, porém seria uma presença marcada, na prática, pela ausência. É o que
revela o caso de Clarice. Ela não contava com a participação do marido no trabalho
doméstico. Nos momentos em que ele era responsável pelos cuidados do filho pequeno,
sua participação era transferida à sogra226. Novamente aqui, o “não saber masculino” se
opõe ao “saber feminino” do cuidar.
“[E (seu marido) cuida do bebê?] Não muito, né? Ele pega e vai para
a casa da minha sogra. Tipo, eu tenho que fazer janta, ele pega meu
filho e vai lá para a casa da minha sogra e fica lá. Até eu terminar.
Na hora que eu termino, eu subo lá e pego o meu filho de novo [...] [A
sua sogra ajuda a cuidar?] Ajuda, porque ele não troca a fralda, ele
não dá mamadeira. Aliás, ele não faz. Dar, ele dá. Ele não sabe
fazer” (Clarice, operadora de caixa de supermercado da empresa C,
3/10/2014).
227
Carrasco (2003a, p. 28) aponta que essa tensão é reflexo de uma contradição muito mais profunda em
nossa sociedade, a qual se dá “entre a produção capitalista e o bem-estar humano, entre o objetivo do
lucro e o objetivo do cuidado da vida. Entre a sustentabilidade da vida humana e o benefício econômico,
nossas sociedades patriarcais têm optado pelo segundo”.
258
“[Você pensa em ter filhos?] Penso. [...] [Se você tiver filho, você
quer continuar trabalhando?] É. Mas não aqui. [Não aqui?] Tem que
ter um tempo para filho, né? Tem que pelo menos ficar em casa no
feriado e final de semana” (Celeste, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 12/4/2013)228.
“Teve um rapaz que ele é solteiro, ele não tem família, não tem nada,
então ele ficou, praticamente, o dia inteiro no mercado. Ele entra
228
Celeste tornou-se mãe 18 meses após a primeira entrevista. Na segunda entrevista, ela relatou haver
pedido à empresa para ser demitida e que teria de aguardar a resposta durante meses. Quando soube que
seria demitida, ela descobriu estar grávida – situação que, pela CLT, impede sua demissão (BRASIL,
1943). Na terceira entrevista, um ano após o nascimento da filha, ela afirmou haver novamente solicitado
à empresa que a demitisse. E afirmou: “Continuo com o mesmo pensamento. Eu falo assim: ‘Quero sair
porque eu tenho que ter pelo menos o final de semana pra ficar com a filha’” (Celeste, operadora de caixa
de hipermercado da empresa C, 12/11/2015).
259
no tempo e regular o uso que as pessoas faziam dele, o que foi possibilitado pelo relógio
e pela determinação dos dias de trabalho, pela proibição de certas práticas sociais (como
as festas) e pela defesa, a partir de um discurso moral, de um “modelo familiar ideal”
que deveria ser seguido por todo trabalhador.
Antonio Gramsci (2001), nesse sentido, aponta uma profunda ligação entre
a racionalização do trabalho e o proibicionismo. Segundo o autor, industriais como Ford
passaram a se preocupar e a impor padrões em relação à questão sexual, familiar e
comportamental dos trabalhadores. O alto salário foi uma estratégia para manter a
estabilidade dos trabalhadores e torná-los consumidores.
Castel (2003) faz uma rica descrição do impacto do salário de cinco dólares
por dia (“five dollars day”) implementado por Henry Ford em suas fábricas. Como
indica o autor, isso tornou possível associar a produção em massa com o consumo em
massa. No entanto, como salienta Gramsci (2001), era preciso “regular” o uso do
salário, fazendo com que os trabalhadores o gastassem racionalmente, de modo a
maximizar, e não danificar, sua capacidade produtiva. Daí a necessidade de regulação
sobre os comportamentos dos trabalhadores, como a privação ao álcool e o apelo à
manutenção de um modelo familiar idealizado.
Assim, o controle sobre a vida privada dos trabalhadores não é novo, mas é
intrínseco ao capitalismo. O que vemos hoje é uma reelaboração e intensificação dessas
formas de controle sobre os corpos, o planejamento reprodutivo e a vida privada,
afetando fortemente as mulheres. Esses são controlados e apropriados como ferramenta
de acumulação do capital. Assim, em vez da adoção de políticas que visem promover
melhor equilíbrio entre as vidas produtiva e reprodutiva das trabalhadoras, as empresas
buscam a eliminação das barreiras que dificultem a exploração sobre essa força de
trabalho. Afastar as mulheres com vínculos familiares aparece como uma dessas
estratégias.
Cíntia, em seu relato, discorreu que, após algumas tentativas, apenas
conseguiu ser contratada quando informou, no momento do recrutamento, que tinha
dois filhos e não três.
234
Araújo & Scalon (2006) indicam que essa percepção do trabalho feminino como secundário e
complementar também é fortemente presente entre homens e mulheres, mesmo que a prática não seja essa
em grande parte dos arranjos familiares.
262
os diferenciais entre os níveis de participação laboral entre homens e mulheres por nível
de escolaridade. Enquanto entre os universitários a diferença de participação por sexo é
de 7%, entre os menos escolarizados é de 23%, o que revela que as mulheres mais
pobres não dispõem de recursos para arcar com creches ou serviços de cuidado,
deixando com mais frequência o mercado de trabalho quando têm filho pequeno.
235
Um mês após a entrevista, Adélia foi demitida da empresa.
236
Estamos usando o termo “optar”, mas sem esquecer as obrigações e imposições sociais nessas
escolhas.
263
237
Segundo Hirata (2009), a contratação por tempo parcial na França era de 18% em 1982
e passou a mais de 31% do total de mulheres ocupadas no ano 2009. A composição do grupo de
assalariados em tempo parcial é majoritariamente feminina (cerca de 83% de mulheres) e, do total desse
tipo de emprego, aproximadamente 40% lhes são impostos e não escolhidos por elas.
264
“[E agora, qual trabalho é melhor?] Este. Este porque tem mais tempo
[...] Este tem mais tempo porque não trabalha de final de semana, não
trabalho no domingo nem feriado. E aí quando eu chego lá, eu tenho
tempo para ficar com ele” (Cleide, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 20/1/2012).
mercado de trabalho, tendo ainda menos recursos para fazer negociações e gerir seu
tempo de trabalho.
A impossibilidade de negociar e de ter autonomia sobre o tempo de trabalho
impõe novos desafios e tensões quanto à organização da vida cotidiana das mulheres.
Assim, quando se trata de práticas de flexibilização do tempo de trabalho
heteronômicas, isto é, impostas às trabalhadoras, os possíveis benefícios que
permitiriam a melhor articulação do tempo de trabalho com a vida cotidiana e familiar
são anulados. É o que identificamos no caso das entrevistadas nos dois segmentos.
A flexibilização, tal como adotada pelas empresas, em lugar de permitir
maior apropriação das trabalhadoras pelo tempo de trabalho, aprisiona-as, mantendo
pouca possibilidade de elas regularem esse tempo a suas necessidades pessoais e
familiares. Ao tratar das operadoras de caixa de supermercado, Casaca (2013) fala na
(in)flexibilidade do tempo de trabalho, que é flexível e rígido ao mesmo tempo. As
empresas fazem uso dessa flexibilidade de acordo com seus interesses, possibilidade
que não se coloca às trabalhadoras.
Voltamos aqui ao caso de Celeste, que exemplifica essa (in)flexibilização.
Como operadora de caixa, ela realizava horas adicionais e tinha seu tempo fortemente
controlado pela empresa. Seu marido também trabalhava na empresa, mas em outro
setor da loja. Após o nascimento da filha, ele teve de fazer constantes alterações em
seus horários de trabalho para adaptá-los ao horário da creche da filha e do trabalho da
esposa. Quando questionado sobre isso, ele apontou que Celeste, como operadora de
caixa, tinha de obedecer às escalas determinadas pela empresa, enquanto ele tinha mais
autonomia para gerir seu tempo. Segundo ele informou, essas adaptações eram feitas
por necessidade e até o momento em que sua chefia não se opusesse; no entanto, ele
previa prejuízos à sua carreira decorrentes disso. Celeste, como já mencionamos,
esperava ser demitida da empresa para poder se inserir em um trabalho com jornada
mais compatível com o cuidado da filha.
Quando não há possibilidade de fazer negociações e adaptações, as
trabalhadoras encontram outras estratégias para articular trabalho profissional e vida
familiar. Uma delas se refere ao absenteísmo. Assim, é comum a falta ao trabalho diante
de uma necessidade familiar ou como forma de romper com o fluxo de trabalho, quando
consideram estar cansadas ou estressadas. Aparece aqui uma importante estratégia de
resistência das trabalhadoras, como tratamos no capítulo anterior, que lhes permite
267
“Tem um sábado que às vezes não dá para eu ir, eu fico em casa. [Aí
você falta?] Falto. [Aí toma falta e é descontado?] É descontado. Mas
você vai, pega um atestado. Essa modalidade que todo mundo faz. [...]
Porque às vezes tem um compromisso que não dá para você deixar de
238
No caso do segmento de comércio varejista, a convenção coletiva determina que a comerciária que se
ausentar do trabalho para atender a enfermidade do filho menor de 14 anos, desde que comprovado em
atestado médico, terá suas faltas abonadas, no limite máximo de 15 dias. Esse direito pode ser estendido
ao pai, desde que comprove ser o único responsável pelo filho (Convenção Coletiva de Trabalho –
Comerciários da Capital/Sincovaga 2015/2016). No segmento de teleatendimento, por sua vez, apenas a
partir da convenção coletiva da categoria em 2014 foi incluído o direito à ausência remunerada de um dia
por semestre ao empregado (sem distinção de sexo) que precisar acompanhar o filho ou dependente
previdenciário de até seis anos ao médico, mediante comprovação (Convenção Coletiva do Trabalho 2015
– Sintratel/Sintelmark). As entrevistas realizadas antes de 2014 indicaram que a empresa de
teleatendimento A não aceitava o atestado médico de acompanhamento do filho para justificar a ausência
da mãe no trabalho. Após esse ano, ela passou a aceitar um atestado por semestre, conforme previsto na
convenção.
268
ir, aí você acaba tendo que ir, né?” (Adélia, teleatendente da empresa
A, 20/6/2012).
239
Na empresa de super/hipermercados, o absenteísmo, além do desconto do dia não
trabalhado, implica a perda do direito à cesta básica, o que está previsto em convenção coletiva.
269
e emprego. Para elas, a solução passa, sobretudo, por um apoio externo. Enquanto
algumas encontram nas instituições públicas ou privadas essa possibilidade, outras
acabam por recorrer à ajuda ou participação de outras mulheres para realizar seu
trabalho doméstico e de cuidados.
Hirata e Kergoat (2008) indicam que há uma tendência entre as mulheres
em postos de trabalho mais valorizados – que requerem dedicação integral à carreira –
de delegar suas atividades no lar a outras mulheres, principalmente por meio da
contratação de empregadas domésticas. Hochschild (2008) também analisa essa
tendência e mostra como parte das mulheres passa a se inserir em postos de trabalho que
exigem um tipo de dedicação à carreira profissional fortemente moldado por parâmetros
masculinos, ou seja, com a exigência de realizar tarefas, competir com os colegas e
obter reconhecimento no trabalho, dedicando o maior tempo disponível à carreira e
minimizando aquele dedicado ao trabalho doméstico – o que os homens, historicamente,
fazem apoiando-se no trabalho feminino nos lares. Como consequência, as mulheres
procuram contratar outras mulheres para realizar suas atividades domésticas e, assim,
liberar tempo para se dedicar à carreira profissional 240.
Essa dinâmica também é verificada no Brasil. Aqui, fruto da herança
escravocrata, a empregada doméstica faz parte da realidade de muitos lares, sobretudo
daqueles com maior poder aquisitivo. Como já dito, em 2015 eram 92,2 milhões de
pessoas ocupadas nesse tipo de serviço, sendo majoritariamente mulheres e negras.
No entanto, a contratação de trabalhadoras domésticas ou o acesso a
instituições privadas de cuidado não faz parte da realidade da grande maioria das
mulheres inseridas em postos de trabalho mais precários, menos qualificados e com
menores salários241. Para estas, a solução passa, muitas vezes, por contar com o apoio
de outras mulheres da família ou da vizinhança, a fim de se manterem inseridas no
mercado de trabalho.
Sorj (2004) aborda que, no País, as responsabilidades domésticas são
atribuídas a uma pessoa do sexo feminino, seja qual for a configuração familiar ou
240
Hochschild (2008), ao tratar dessa situação nos países desenvolvidos, argumenta que a externalização
dos trabalhos domésticos e de cuidado, por meio da contratação de outra mulher, segue a direção do Norte
para o Sul, ou seja, as mulheres de países mais ricos do Norte contratam mulheres de países mais pobres
do Sul para realizar esse tipo de serviço. A rede feminina de cuidados, inclusive com a prática das
famílias de habitar espaços diferentes, cumpre um papel decisivo na imigração feminina, em âmbito
nacional e internacional. As cadeias de cuidado internacionais são abordadas ainda, entre outros, por
Hirata (2010) e Orozco (2012).
241
Araújo & Scalon (2005), na análise dos resultados de um survey nacional, indicam que apenas 7,5%
dos entrevistados afirmaram ter empregada doméstica.
270
laboral das mulheres. Segundo dados analisados pela autora 242, 96% dos domicílios
pesquisados tinham uma mulher como responsável pelo trabalho doméstico. Em 35%
dos lares, essa mulher não contava com ajuda para a realização desse trabalho. Quando
havia outra pessoa participando, esta era, principalmente, uma mulher.
Portanto, o trabalho doméstico e de cuidados segue, majoritariamente,
circunscrito ao feminino. Menos do que resolvidas ou partilhadas entre o casal, ou entre
homens e mulheres e Estado, as atividades de cuidado se restringem a uma rede
familiar, formada sobretudo por mulheres (CARRASCO, 2003a; DAUNE-RICHARD,
1983; FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, 2009).
A importância das avós, tias e vizinhas na dinâmica familiar e na
organização do dia a dia das mulheres já foi indicada em uma série de estudos sobre o
tema (BRUSCHINI, 1990; CARRASCO, 2003a; SORJ, 2004). Clarice Peixoto (2005)
revela que as avós são o principal apoio das mulheres na articulação entre trabalho e
família. Assim, quando não há a contratação de uma empregada doméstica no lar, são as
avós que cuidam das crianças.
Em nossa pesquisa, encontramos duas tendências no perfil das mulheres de
ambos os segmentos analisados: elas são ainda jovens e sem filhos ou são trabalhadoras
que contam com uma rede formada por outras mulheres que lhes permite seguir
inseridas no mercado de trabalho. Entre as últimas, a presença de avós, tias, irmãs e/ou
vizinhas realizando o trabalho doméstico e de cuidado aparece como um dado comum
em suas dinâmicas cotidianas e organização familiar.
A dependência da ajuda de outras mulheres parece ser ainda mais decisiva
para que as trabalhadoras deem conta de articular as esferas do trabalho e da família
diante da exigência de maior disponibilidade temporal à empresa e da flexibilidade das
relações de trabalho.
Karen Messing e Johane Prévost (1996243) realizaram uma pesquisa com
telefonistas na França, submetidas a horários irregulares de trabalho e a escalas de
revezamento que mudavam constantemente – com semelhanças em relação aos dois
grupos analisados por nós. Segundo as autoras, a imprevisibilidade do tempo de
trabalho exigia uma grande disponibilidade delas à empresa. Para darem conta de suas
242
Objeto da pesquisa A mulher brasileira nos espaços público e privado, realizada pela Fundação Perseu
Abramo, em 2001 (VENTURI et al., 2004). Tratava-se, nessa questão, de respostas espontâneas e de
múltipla escolha.
243
Ver também Prévost & Messing (1997).
271
“não cumpridoras de seus deveres”, uma vez que elas se sentem menos culpadas pela
ausência do lar quando a mãe ou avó assume sua função. Ainda segundo Daune-Richard
(1983), a circulação do trabalho doméstico entre mães e filhas é percebida como um
prolongamento natural da relação estabelecida entre elas, o que contribui para reduzir o
conflito das mulheres quanto à dedicação ao trabalho profissional. Essa percepção é
compartilhada pelas entrevistadas.
“Minha mãe... eu sem minha mãe não sou nada porque minha mãe me
ajuda muito. Minha mãe cuida muito bem dos meninos. Eu trabalho
sossegada” (Adélia, teleatendente da empresa A, 20/6/2012).
No entanto, não são apenas as mães, avós ou sogras que participam dessa
ajuda. Há outras mulheres envolvidas nessa rede feminina, como analisaremos a seguir.
“Aí, minha filha fica com a minha mãe até certo horário, depois ela
fica com essa minha tia. [...] Com minha tia aqui, que é minha tia
solteira, tomou conta de todos os sobrinhos, né? E tem paciência.
Então, eu deixo com ela” (Carina, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 6/3/2013).
“Ele [o filho] fica com a minha cunhada. [...] Ela é solteira. [...] Tem
32 anos. Nunca quis casar. Ela é bem tranquila assim. Nunca
trabalhou registrado” (Clarice, operadora de caixa de supermercado
da empresa C, 3/10/2014).
“[E a sua sogra só cuida dela ou cuida de outras crianças?] Não, ela
está cuidando também do meu sobrinho, que é um mês mais velho do
que ela. É o filho da filha dela que também começou a trabalhar
aqui” (Ametista, teleatendente da empresa A, 4/5/2012).
Esses casos são reveladores de uma rede mais ampla de cuidados com a
participação feminina, que envolve não apenas uma mulher ajudando outra, mas uma
mulher que centraliza o papel de cuidadora para ajudar várias mulheres.
274
“Só que agora [minha prima] ganhou neném também e eu não posso
deixar mais. Ela está com um bebezinho pequeno. [...] Já está
ocupada. Precisa é de ajuda agora” (Celeste, operadora da caixa de
hipermercado da empresa C, 12/11/2015).
Pode-se chegar assim a uma situação de dívida mútua positiva, em que cada
um ignora deliberadamente a situação exata de sua conta, devedor ou credor,
porque ser próximo ou parente talvez seja também nunca sentir vontade de
estar completamente quite (LALLEMENT, 2003a, p. 189).
“[Aí você paga a (sua cunhada)?] É, a gente paga para ela. [Quanto
você paga por mês?] R$ 300,00” (Clarice, operadora de caixa de
supermercado da empresa C, 3/10/2014).
O pagamento para uma mulher cuidar dos filhos não constitui novidade.
Nos anos 1980, Rosemberg (1986) discutia o papel das creches domiciliares ou das
“mães crecheiras”, isto é, quando uma mãe cuida, na própria casa, dos filhos de outras
famílias, recebendo um valor por esse trabalho. No entanto, há uma diferença em
relação às dinâmicas aqui observadas. No caso das trabalhadoras entrevistadas, a maior
parte dos casos se configura como uma relação monetária envolvendo mulheres da
mesma família, o que pode indicar um elemento de mudança nas relações estabelecidas
nos últimos tempos.
276
Assim, é uma mulher da família que permanece no lar para que outras se
mantenham inseridas no mercado de trabalho, sendo remunerada para isso. Para essa
mulher que faz o trabalho de cuidados (e ela o faz, geralmente, para outras mulheres), a
atividade se torna uma fonte de renda que lhe permite “contornar” sua ausência do
mercado de trabalho ou os baixos rendimentos auferidos quando realiza trabalhos
autônomos ou informais.
Há ainda outra dimensão a ser destacada nessa transação monetária, que se
refere ao salário das próprias trabalhadoras. Frequentemente alocadas em empregos com
baixa remuneração, o valor pago à encarregada dos cuidados dos filhos representa uma
porcentagem significativa de sua remuneração mensal. Assim, mesmo se a “delegação”
do trabalho de cuidado não envolve a contratação de uma empregada doméstica ou
babá, ela tem um custo e um impacto sobre a experiência das mulheres no mercado de
trabalho.
“Eu pago a minha tia. Eu pago R$ 300,00, né? É pouco, mas eu pago
R$ 300,00. É, eu dou trezentos para ela. Mas aí essa parte já era da
minha parte [nas despesas familiares]. Era minha parte eu pagar a
minha tia” (Carina, operadora de caixa de hipermercado da empresa
C, 6/3/2013).
“Não tinha muita opção porque não ia ter com quem deixar ele,
porque você trabalhar de segunda a sábado, tá, ia ganhar um pouco
mais, só que esse um pouco mais eu ia ter que pagar alguém para
ficar com ele, então acabaria saindo perdendo de qualquer maneira.
Então eu preferi ficar com ele, perder um pouco, mas poder ficar com
ele, tanto com ele como com o meu mais velho” (Adriana,
teleatendente da empresa A, 4/6/2012).
Essas práticas vão em direção ao apontado por Sorj (2004, p. 111), a qual
afirma que “quando as condições de vida das famílias não são significativamente
melhoradas pela renda que as mulheres aportam, elas são e se sentem encorajadas a
abrir mão do trabalho remunerado para se dedicar aos cuidados dos filhos”. Aqui, dois
elementos têm um papel decisivo. O primeiro se refere à desigualdade salarial entre os
sexos no mercado de trabalho. A divisão sexual do trabalho, com as mulheres ocupando
os postos com menores rendimentos, faz com que as avaliações quanto ao custo do
cuidado ante os salários auferidos sejam feitas por elas e não pelos homens. Assim, o
fato de os salários masculinos serem maiores leva homens e mulheres a assumirem
práticas diferentes – e desiguais – dentro e fora do mercado de trabalho.
O segundo ponto diz respeito à insuficiência das políticas públicas e à
omissão das empresas em oferecer e garantir serviços de cuidado para os filhos
pequenos das trabalhadoras (e também dos trabalhadores), e adequados a seus horários
245
Como já mencionamos, Aline, após perder o direito à vaga na creche da empresa quando a filha
completou 12 meses, acionou a justiça com um processo de rescisão indireta do contrato de trabalho.
278
“Cento e vinte reais da minha renda vai para pagar ela [a avó].
Porque ele ganha mais do que eu. Só que ele arca com as despesas
maiores também. Ele que faz compra. Ele que paga material de
construção, que ainda está pagando. [...] E eu pago a conta de
telefone, conta de água, e pago também as coisas que eu compro para
mim e para minha filha, as coisas que vão faltando” (Ametista,
teleatendente da empresa A, 4/5/2012).
“[E o que você faz com seu salário? É para você, para sua casa, como
que é?] É assim, eu pago a creche do meu filho que é R$ 290,00. [...]
E eu pago mais R$ 70,00 pra minha prima. Meu sogro viajou. E
agora minha prima vai buscar na escola pra mim e eu dou 70 reais
pra ela. [...] Aí, às vezes, eu ajudo na conta de água em casa. Às
vezes, eu compro coisa pra mim e ajudo também nas despesas de
casa” (Astrid, teleatendente da empresa A, 27/6/2015).
Essa divisão sexual do salário está ligada à designação dos filhos como
sendo, ainda, de responsabilidade da mãe, mesmo havendo participação do pai nas
atividades de cuidado, como revelaram as entrevistadas. Pode-se dizer que os filhos
continuam sendo das mães, ou melhor, das mulheres.
Um fator agravante é vivenciado por parte das entrevistadas: trata-se de sua
inserção em arranjos monoparentais com filhos. As mulheres que não contavam com a
presença do cônjuge informaram que este não contribuía financeiramente para o
cuidado dos filhos, caso, por exemplo, de Cíntia, que tem três filhos, ou de Adélia, que
no momento da segunda entrevista estava separada. Como essas, outras mulheres
entrevistadas se encontravam na mesma situação ou eram filhas de mães nessas
279
“[E com o seu salário você faz o quê? Ajuda em casa ou você usa
mais para...] Ajudo pouco. [...] Ajudo, assim, conta de telefone, o
básico assim para o meu filho. Compra mesmo eu não faço, é o meu
pai. Mas tipo besteiras, né?, besteiras dele assim eu compro e tal. E
lazer também, né? [...] Eles [seus pais] ajudam assim... eu falo já
ajudam muito só de eu não ter que ajudar com comida, essas coisas.
Nossa, eu fico pensando que se eu tivesse que fazer tudo isso, não ia
dar” (Ângela, teleatendente da empresa A, 18/4/2012).
“Eu fui morar perto da minha sogra, aí não deu certo. Minha sogra já
não podia me ajudar tanto como minha mãe [...]. Então eu precisava
de alguém que cuidasse do meu filho, levasse para a escola, tudo. Aí
minha mãe falou: [...] ‘Arruma uma casa aqui mais perto, que daí eu
te ajudo’. E aí foi o que eu fiz” (Adélia, teleatendente da empresa A,
20/6/2012).
Do mesmo modo, Adriana contava com uma rede familiar espacial ampla,
com vários parentes residindo próximo a ela. Essa presença familiar a auxiliava a cuidar
dos filhos, incluindo o mais velho (13 anos), o qual, mesmo estando sozinho na casa,
era cuidado pela família. Assim, há maior garantia do cuidado aportada pelos membros
da família.
Essas práticas parecem se inserir no que Maria Angélica Motta-Maués
(2004) chama de fluxos curtos e intermitentes na circulação de crianças. A noção de
circulação de crianças, como aponta Fonseca (2006), refere-se às práticas de adoção, em
que há a transferência de uma criança entre famílias, na forma tanto de guarda
temporária quanto de adoção propriamente dita246. Já Motta-Maués (2004), partindo
dessa noção, propõe considerar outros fluxos, nos quais se inserem as práticas de
“reparar” as crianças, termo usado pela autora para falar das práticas de cuidar, olhar,
tomar conta das crianças realizadas por parentes, vizinhas e amigas 247, que não se
restringem a determinada classe social, mas são difusas na sociedade.
246
Fonseca (2006), em seus estudos, analisa como a circulação de crianças é fundamental na conformação
das famílias de classes sociais desfavorecidas socioeconomicamente, sendo uma prática historicamente
consolidada no País.
247
Segundo Motta-Maués (2004), também se inserem nesse fluxo a criação compartilhada por pais
separados e por famílias reconstituídas e a socialização da criança em diversas instituições (realizando
diferentes atividades).
281
Devo dizer que a inclusão desta última prática, como a circulação, também
cruza grupos populares e camadas médias e inclui, como movimento
sucessivamente repetido, o cuidar de uma criança por algumas horas (uma
manhã, uma tarde, uma noite), o que pode se dar, uma vez ou outra, ou
permanentemente, todos os dias, como “tomar conta” durante a semana toda
(com a mãe “pegando” no fim de semana) (MOTTA-MAUÉS, 2004, p. 26).
A prática de apoio entre mulheres não é nova, fazendo parte da vida das
mulheres ao longo da História. Na década de 1980, Souza-Lobo (2011), em seu estudo,
apontou que a repartição do trabalho doméstico ocorria entre as mulheres da família,
formando-se arranjos familiares que dessem conta dessa repartição. Segundo a autora,
“o trabalho doméstico, naturalizado e invisível, se distribui no interior da rede familiar,
restrito à rede feminina em que as gerações se sucedem nas mesmas funções” (SOUZA-
LOBO, 2011, p. 88).
Da mesma maneira, Daune-Richard (1983) também constatou, nos anos
1980, que a partilha dos afazeres domésticos – e o grau de limitações que estes exercem
na atividade profissional feminina – atravessava o conjunto da rede familiar,
concernindo, sobretudo, às mulheres da família.
282
ligação da empresa para a trabalhadora quando esta está em casa, informando sobre uma
alteração no dia ou horário de trabalho ou comunicando algo sobre o trabalho. Para a
autora, “bem mais que uma dissolução das fronteiras entre esfera profissional e esfera
privada, trata-se de uma intrusão na vida privada das caixas” (CATTANEO, 1997, p.
78).
Haveria, assim, uma disponibilidade permanente das mulheres à família e
uma busca das empresas por maior disponibilidade das mulheres ao trabalho
assalariado.
Cabe questionar como isso é possível se, a princípio, elas são regidas por
lógicas conflitantes. A resposta está no uso da força de trabalho feminina pelo capital e
na persistência da divisão sexual do trabalho. O capital explora e se apropria do trabalho
feminino dentro e fora da esfera produtiva, respectivamente. Como aponta Cattaneo
(1997), a busca das empresas por máxima disponibilidade é direcionada às mulheres,
dada a divisão social e sexual do trabalho, que estrutura as relações dentro e fora da
esfera do trabalho. Desse modo, a política empresarial procuraria aplicar a mesma
lógica da disponibilidade permanente das mulheres à família, construída historicamente,
à esfera produtiva.
Na presente pesquisa, partimos da hipótese de que haveria um conflito mais
intenso na articulação entre trabalho e família, devido ao fato de as relações de trabalho
exigirem hoje uma grande mobilidade e disponibilidade das trabalhadoras, de a
organização do trabalho envolver mudanças constantes e de o tempo do trabalho
profissional se impor e ditar, cada vez mais, os demais tempos sociais, inclusive
familiar. No entanto, essa hipótese não se sustenta. Obviamente, essas dinâmicas
implicam novas tensões e desafios, que muitas vezes se intensificam diante da
flexibilização. Entretanto, não é possível falarmos em um conflito mais acirrado no dia
a dia das mulheres.
As mudanças nas configurações do trabalho – e sua flexibilização – têm um
desdobramento importante sobre a vida cotidiana das trabalhadoras. A articulação entre
trabalho e família continua sendo um desafio que concerne, quase exclusivamente, às
mulheres. Elas precisam cumprir suas responsabilidades nas duas esferas. No entanto,
as estratégias utilizadas por elas parecem não ter mudado muito no curso do tempo. Elas
seguem apoiadas na rede familiar, envolvendo principalmente as mulheres e
284
implicando, frequentemente, uma proximidade espacial (ainda que parte das pessoas
não habite mais a mesma residência doméstica 249).
Um dos casos que nos fizeram chegar a essa conclusão foi a história de
Adélia, que, no momento da primeira entrevista, era operadora de teleatendimento na
empresa A, trabalhava de segunda-feira a sábado, era casada e morava com o cônjuge e
os dois filhos em uma casa alugada. A filha frequentava a creche da empresa e o filho, a
escola pública. Ela contava com a ajuda da mãe e da sogra para cuidar dos filhos nos
momentos em que se ausentava do lar para trabalhar.
No momento da segunda entrevista, dois anos após a primeira, muitas coisas
haviam mudado em sua vida: durante esse período, ela havia sido demitida da empresa
A (a pedido dela), ficado um período desempregada (recorrendo ao seguro-desemprego
e ao dinheiro recebido com a rescisão contratual e, posteriormente, com o Programa
Bolsa Família) e feito um curso de formação profissional. Posteriormente, ela encontrou
um novo emprego: como operadora de caixa na empresa C. Naquele momento, Adélia
trabalhava de segunda-feira a domingo, com folga não fixa (a qual variava
mensalmente). Sua jornada de trabalho havia passado de 36 horas para 44 horas
semanais. Agora ela trabalhava aos domingos e feriados e seu salário havia aumentado.
Ela estava separada do marido e morava na casa dos pais com os dois filhos. Estes
frequentavam instituições públicas de ensino e Adélia continuava a contar com a ajuda
da mãe e da sogra para cuidar deles nos momentos em que estava trabalhando.
Ao final dessa entrevista, Adélia comentou que havia tido muitas mudanças
significativas em sua vida no período que transcorreu entre nosso primeiro e segundo
encontros: seu emprego, suas práticas cotidianas, sua união conjugal etc. O único
elemento que não sofreu alteração foi a manutenção do apoio da rede familiar para
cuidar dos filhos. A mãe e a sogra continuavam tendo uma participação decisiva para
que ela pudesse organizar a vida e articular ambas as esferas.
Sua trajetória nos oferece pistas para compreender uma dinâmica de
mudanças, mas também de permanências, sendo que estas últimas parecem dar suporte
às primeiras. Essa constatação permite refletir sobre o fato de que as empresas têm
liberdade para mudar suas estratégias e exigir maior disponibilidade dos trabalhadores e
das trabalhadoras, pois, no que se refere à esfera doméstica, a rede familiar continua a
garantir o trabalho de reprodução social; ela permite resolver a questão da articulação
249
Os dados da PNAD indicam uma redução no número de famílias dividindo a mesma unidade
doméstica (IBGE, 2013).
285
entre trabalho e família pelas mulheres (e pelos homens, que podem seguir mantendo
uma baixa participação no trabalho doméstico e de cuidados).
Entre as trabalhadoras que não contam com essa rede, as estratégias
parecem ser a opção por não ter filhos ou por adiar a maternidade, a procura de
empregos compatíveis com o cuidado dos filhos (isto é, menos horas de trabalho) ou o
abandono temporário do mercado de trabalho (ao menos no período de vigência do
seguro-desemprego e ainda que retornem mais tarde para o mesmo tipo de emprego),
como sugeriram as entrevistas realizadas. Para as demais, a rede familiar e de
proximidade entre mulheres lhes permite seguir inseridas no mercado de trabalho.
De todo o modo, não se quer afirmar aqui que a articulação entre as duas
esferas não seja um problema ou um desafio às mulheres. Ao contrário, a presença de
crianças pequenas e a ausência de políticas públicas continuam tendo um efeito negativo
sobre a participação feminina no mercado de trabalho (SORJ & FONTES, 2010). O
trabalho doméstico e de cuidados é ainda condicionante das trajetórias femininas. Como
afirma Souza-Lobo (2011, p. 137), “há uma ideologia sobre o lugar da mulher na
família que não só força a mulher a aceitar certos empregos que a permitem carregar seu
duplo fardo, mas também perpetua a situação”.
No entanto, parece-nos que as soluções encontradas pelas mulheres para
contornar esse desafio pouco mudaram ao longo do tempo: a rede de mulheres segue
sendo decisiva. Eis aí um paradoxo que toca à vida das mulheres: para que umas se
mantenham inseridas no mercado, e possam reduzir os efeitos da flexibilização das
relações de trabalho e da maior exigência de disponibilidade à empresa, é necessário
que outras mulheres se mantenham inseridas na esfera doméstica, garantindo o cuidado.
Prévost & Messing (1997) afirmam que as mulheres devem fazer uma série
de arranjos em seu dia a dia para organizar o cuidado e o trabalho doméstico de modo a
garantir a disponibilidade que a organização do trabalho exige. Assim, o “estar
disponível” para o trabalho requer delas esforço e negociações cotidianas. Como vimos,
isso passa, muitas vezes, por obter a disponibilidade de outras pessoas para realizar o
trabalho de cuidado enquanto elas cumprem as exigências da esfera profissional.
Portanto, essa disponibilidade não é algo natural, harmônico e tranquilo às mulheres.
Ela implica fazer organizações e reorganizações constantes. Para María Inés Miranda et
al. (2003), as mulheres são malabaristas da vida, uma vez que precisam dar conta, o
286
*
* *
seus interesses, mas não permite às trabalhadoras organizar seu tempo de trabalho de
acordo com suas necessidades pessoais e familiares.
Assim, submetidas a um tempo de trabalho incerto, imprevisível e variável,
elas o veem invadir e pautar suas atividades e os demais tempos sociais. O tempo livre
passa a ser comprimido e há maior dificuldade, entre elas, de se engajar em outras
atividades, o que, do mesmo modo, afeta sua qualidade de vida, assim como dificulta a
ruptura com situações de precariedade que vivenciam no mercado de trabalho.
Para as mulheres, esses efeitos se agravam na medida em que são as
principais responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados nas famílias. Cabe a elas
articular o trabalho profissional e a vida familiar, sobretudo quando esta envolve o
cuidado de crianças pequenas. Essa articulação, longe de ser harmônica, é permeada por
forte tensão, aparecendo como fonte de conflitos no dia a dia. Tal tensão advém do fato
não apenas de ambas as esferas serem regidas por lógicas temporais distintas – o que
dificulta responder às exigências que elas impõem na organização cotidiana –, mas
também de essas responsabilidades não serem partilhadas por mulheres, homens, e
Estado – partilha que pressupõe igualdade.
No Brasil, as garantias previstas na legislação trabalhista são insuficientes,
além de terem um viés de gênero. O cuidado dos filhos é associado às mulheres e os
direitos da trabalhadora se restringem apenas ao período de gestação e aos primeiros
meses da criança. As empresas parecem se manter omissas e pouco atuam de modo a
permitir que suas empregadas (e, menos ainda, seus empregados, que permanecem
sendo considerados isentos de responsabilidades familiares e domésticas – a não ser no
âmbito financeiro) possam vivenciar a articulação entre trabalho e família de forma
mais harmoniosa e menos conflitante.
O Estado brasileiro mantém uma política familista, relegando o cuidado dos
filhos, sobretudo, ao âmbito privado e às famílias. As políticas de cuidado ou aquelas
que promovam uma mediação na articulação entre trabalho e família ainda são muito
incipientes no País.
Segundo Araújo, Picanço & Scalon (2007), a ausência de mediações
estruturadas, por parte do Estado ou do mercado, faz com que a satisfação com essa
articulação seja muito baixa no País. As mulheres se sentem fortemente penalizadas por
isso.
288
CONSIDERAÇÕES FINAIS
sentido que conferem ao trabalho. Como apontamos, estas ficam submetidas a situações
como se estivessem em um barco à deriva, subordinadas aos fluxos da produção e dos
clientes e aos constantes ajustes impostos pelas empresas de acordo com seus interesses.
Elas devem responder a metas que muitas vezes não conseguem alcançar e a tarefas que
escapam a seu alcance, sem ao menos um referencial coletivo com o qual partilhar a
experiência e os sofrimentos. Ao falar da precariedade objetiva e da precariedade
subjetiva do trabalho – marcada, de um lado, pela intensificação do trabalho, pelas más
condições de trabalho, pela baixa remuneração etc., e, de outro, pelo sentimento de
isolamento e de incapacidade para fazer face aos obstáculos na realização do trabalho –,
Linhart (2010a) clareia a compreensão das dinâmicas postas no mundo do trabalho na
atualidade.
Serrano, Martín & Crespo (2012) registram que a posição ambivalente em
que se encontram os trabalhadores é uma marca da precariedade do trabalho: eles ficam
sujeitos a demandas contraditórias – trabalhar com rapidez e eficiência, garantindo, ao
mesmo tempo, um tratamento satisfatório e personalizado ao cliente –, mas que não são
interpretadas como tais por estarem naturalizadas, sendo vistas como parte do modo da
organização do trabalho. Este é o caso das trabalhadoras de ambos os segmentos
analisados por nós, em que o dilema “quantidade versus qualidade” é posto. Elas devem
obedecer às imposições e padronizações das empresas, ao mesmo tempo em que devem
assegurar a satisfação dos clientes. Em muitos casos, as imposições se chocam com a
percepção das trabalhadoras quanto ao que é um trabalho bem feito ou à forma como
gostariam de executá-lo. Essas contradições se transformam em tensões e conflitos para
elas. A incapacidade de resolver os problemas e de responder às demandas das empresas
gera sofrimento e adoecimento entre as trabalhadoras. São as penosidades que afetam o
mundo do trabalho hoje, como definiram Fortino & Linhart (2011). Penosidades que se
agravam diante dos baixos salários, da pouca possibilidade de avanço na carreira, da
limitada autonomia, da intensificação do trabalho, do baixo reconhecimento social do
trabalho, como vimos tanto em um como em outro segmento.
Neles, as trabalhadoras, diante das mudanças permanentes promovidas na
organização e gestão do trabalho, acabam por se sentir como um número às empresas,
revelando o baixo reconhecimento social de seu trabalho. Como afirma Tiffon (2013), o
reconhecimento (do cliente, dos colegas e da empresa) confere sentido ao trabalho. A
isso se somam as instituições e o que elas representam, a hierarquia e as modalidades de
294
251
Ver, entre outras matérias: “Flexibilidade de horário no trabalho ajuda a dormir melhor e produzir
mais” (Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Vida/noticia/2015/01/ flexibilidade-
de-horario-no-trabalho-ajuda-dormir-melhor-e-produzir-mais.html>); “Flexibilidade de horários em alta”
295
operadoras de caixa e teleatendentes recorrem à ajuda de avós, mães, tias, primas, irmãs,
sogras, cunhadas e vizinhas para realizar sua atividade profissional, principalmente por
esta envolver trabalho aos finais de semana e feriados, alteração dos dias e horários de
trabalho e, no caso das operadoras de caixa, prolongamento periódico de sua jornada de
trabalho – tempos cada vez mais incompatíveis com aqueles dos demais membros da
família.
Concluímos o capítulo anterior afirmando que, apesar de a articulação entre
trabalho e família ser perpassada por fortes tensões, nossa pesquisa indica não haver um
conflito mais acirrado na vida das trabalhadoras, uma vez que o apoio entre a linhagem
feminina da família resta ainda muito forte e presente nas práticas cotidianas. Assim,
apesar das inúmeras transformações nos arranjos familiares, a família, e a divisão sexual
do trabalho em seu interior, aparece como uma das esferas que mais resistem a
mudanças.
Tal constatação nos levou a afirmar que a flexibilização pode se intensificar
no atual contexto, com as empresas realizando ajustes constantes nos elementos centrais
do trabalho e exigindo cada vez mais disponibilidade das trabalhadoras à esfera
produtiva, à medida que há um respaldo para isso na esfera doméstica. A participação
feminina segue decisiva, garantindo, por meio de seu trabalho (historicamente
invisibilizado), a reprodução e a sustentabilidade da vida humana sob o capitalismo. No
curso da História, a disponibilidade das mulheres à família e sua responsabilização pelo
trabalho doméstico e de cuidados foram colocadas a serviço do capital, o que se mantém
até hoje.
Não queremos com isso transmitir uma ideia de culpabilização ou
vitimização feminina253. Longe disso. Como já mencionamos, a luta das mulheres é
vetor que promove transformações nas práticas sociais e que, embora muito lentamente,
leva a mudanças nas dinâmicas entre homens e mulheres e na divisão sexual do
trabalho. No entanto, podemos afirmar que a disponibilidade feminina à família, visto
253
Aqui consideramos interessante retomar o debate feito por Nancy Fraser (2009), a qual diz que a
segunda onda do movimento feminista, ao lutar pelo reconhecimento da diferença – com proposições
mais no âmbito cultural –, tornou-se terreno fértil para que o capitalismo se apropriasse das críticas e se
fortalecesse, contribuindo para impulsionar o neoliberalismo. A autora se debruça sobre a tese de Luc
Boltanski e Ève Chiapello (2009), que aponta para “o novo espírito do capitalismo”. Segundo os autores,
o capitalismo tem a propriedade de se refazer a cada momento de crise ou de ruptura, incorporando a seu
favor as críticas que até então tinham sido direcionadas contra ele e ressignificando-as, de modo a se
recriar e se fortalecer.
297
254
Ver o debate realizado por Kergoat (2010) sobre essa aparente contradição. As mudanças na família e
as práticas das mulheres nela e no mercado de trabalho como um suposto “déjà vu” foram identificadas
por Maria Coleta Oliveira e Gláucia Marcondes (2015). Márcia Leite e Pilar Guimarães (2015), ao
analisarem o trabalho em fábricas do setor eletroeletrônico, concluem que a introdução de novas
tecnologias tem reforçado a divisão sexual do trabalho nelas, mantendo a mesma realidade identificada
décadas atrás.
298
de trabalho pelo capital255. Por que algo permanece quando tudo muda? A inspiração
para essa questão veio da leitura do artigo de Segnini (2011), intitulado “O que
permanece quando tudo muda?”, no qual ela analisa os aportes teóricos tradicionais e
fundadores da sociologia que ajudam a compreender o mundo do trabalho hoje, diante
das inúmeras transformações sofridas. Essa pergunta nos vem à mente quando vemos
que na esfera produtiva a mudança parece ser a palavra de ordem: os trabalhadores são
convocados a ser mais flexíveis, adaptáveis a um fluxo de produção em constante
mudança. Porém, do outro lado, a esfera reprodutiva, ainda que apresente alguns
elementos de mudança (como a diversificação dos arranjos familiares), parece resistir
fortemente a ela, apoiando-se na divisão sexual do trabalho, naturalizada em nossa
sociedade. E consideramos que a segunda parecer possibilitar a primeira.
Nesse sentido, a questão parece ser compreender o porquê, apesar das
inúmeras transformações nas práticas sociais femininas e no mundo do trabalho, de o
trabalho doméstico e de cuidados permanecer como atribuição quase exclusiva das
mulheres, realizado por e entre elas, e até quando essa disponibilidade temporal
feminina à família seguirá na base da organização da sociedade.
Carrasco (2003b) indica que a manutenção dessa prática se dá porque as
mulheres reconhecem a importância desse tipo de trabalho, o que a sociedade não faz.
255
Agradecemos à Danièle Kergoat por levantar algum desses questionamentos.
299
Para começar, lembremos alguns fatos: não foi tratando a questão do aborto,
como usualmente se diz, que o movimento feminista começou. Foi a partir da
tomada de consciência de uma opressão específica: tornou-se coletivamente
“evidente” que uma enorme massa de trabalho era realizada gratuitamente
pelas mulheres; que esse trabalho era invisível; que era feito não para si, mas
para os outros e sempre em nome da natureza, do amor e do dever maternal
(KERGOAT, 2003, p. 56).
256
Ver o debate proposto por Carrasco (2003a). Um desses movimentos vem aparecendo, sobretudo em
países da América Latina, ligados ao “buen vivir”, isto é, a uma nova proposta para o desenvolvimento e
organização da sociedade com base no bem-estar, na harmonia com o meio ambiente e no viver em
comunidade. Do mesmo modo, podemos incluir as experiências de algumas cidades, como foi o caso
italiano descrito anteriormente, propondo repensar a organização das cidades de modo a garantir uma
melhor qualidade de vida às pessoas. Nancy Fraser (2007) vê ainda as políticas feministas que atuam em
espaços transnacionais como uma possibilidade de promover rupturas nas desigualdades de gênero.
300
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ANEXOS
4) Conte-me como é um dia em sua vida quando você está de folga no trabalho.
a. Quais são os dias de folga?
b. Como a folga é definida? Por quem? É fixa?
c. Com quanta antecedência fica ciente da folga?
d. O que costuma fazer nos dias de folga?
O (a) Sr (a) está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa de doutorado,
desenvolvida no Programa de Pós-graduação de Sociologia da Universidade Estadual de
Campinas, que tem como objetivo conhecer e compreender a organização da vida profissional e
familiar dos e das profissionais inseridos no setor de teleatendimento e do setor de comércio
varejista, em particular super e hipermercados, do município de São Paulo-SP e região
metropolitana.
A sua participação se dará por meio de uma ou mais entrevistas e por meio da
observação de suas atividades diárias. A confidencialidade das informações e o seu anonimato
serão plenamente garantidos. Ou seja, em nenhuma circunstância o seu nome e o de qualquer
pessoa por você mencionada durante sua participação serão divulgados. As informações
fornecidas serão registradas e poderão, posteriormente, ser publicadas, sem, contudo, divulgar
os nomes das pessoas mencionadas.
É importante ressaltar que a sua participação é voluntária, desse modo, o (a) sr (a) tem
o direito de recusar ou desistir de participar do estudo a qualquer momento, sem que isso lhe
cause qualquer prejuízo. Em caso de dúvida o (a) sr (a) tem o direito de solicitar os devidos
esclarecimentos ao longo da pesquisa.
Salienta-se que não será adotado qualquer procedimento que possa lhe causar prejuízo
ou trazer risco à sua vida.
Esta pesquisa possibilitará a ampliação do conhecimento a cerca destes setores
profissionais, bem como dos profissionais que nele atuam, contribuindo assim com os avanços
das Ciências Sociais.
O (a) sr (a) poderá sempre que achar necessário entrar em contato com a pesquisadora
responsável pela pesquisa Taís Viudes de Freitas, no telefone (11)97XXX-XXXX, ou com a
coordenadora da pesquisa Maria Lygia Quartim de Moraes, na sede do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, situada na Universidade Estadual de Campinas, Caixa Postal nº6110, CEP
13081-970, Campinas - SP.
Eu ____________________________________________________________ declaro
que, após ter lido e entendido os propósitos deste estudo e ter tido todas as minhas dúvidas
adequadamente esclarecidas, concordo livremente em participar dessa pesquisa.
________________________________________________
Assinatura do (a) entrevistado (a)
________________________________________________
Assinatura do (a) pesquisador (a)
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