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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

TAÍS VIUDES DE FREITAS

A QUEM SERVE A DISPONIBILIDADE DAS MULHERES?


RELAÇÕES ENTRE GÊNERO, TRABALHO E FAMÍLIA

CAMPINAS
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta


pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 28
de março de 2016, considerou a candidata Taís Viudes de Freitas aprovada.

Prof. Dr. Michel Nicolau Netto

Profa. Dra. Cláudia Maria França Mazzei Nogueira

Profa. Dra. Felícia Silva Picanço

Profa. Dra. Liliana Rolfsen Petrilli Segnini

Profa. Dra. Bárbara Geraldo de Castro

A Ata da Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta


no processo de vida acadêmica da aluna.
A todas as mulheres que,
entoando gritos nas ruas
ou, silenciosamente,
em seus cotidianos,
resistem e lutam
por um mundo mais justo e igualitário.
AGRADECIMENTOS

Percorrer o doutorado tornou-se muito menos difícil por contar com a participação
de pessoas especiais em minha vida. A elas gostaria de agradecer aqui:
À professora e orientadora Maria Lygia Quartim de Moraes por sempre confiar
em minha capacidade e me apoiar em todo esse percurso. Esses vários anos de convivência e
de diálogo me propiciaram muitos aprendizados que levarei vida afora.
À professora Selma Venco, fundamental na trajetória dessa pesquisa, por meio de
suas leituras atentas, apontamentos, apoio e ensinamentos, que foram muitos. Certamente as
palavras são poucas para expressar toda minha gratidão, mas espero, nessa vida, poder passar
adiante um pouco de tudo o que me ensinou como professora, pesquisadora, militante e
amiga.
Um agradecimento especial a duas professoras, não apenas pelas importantes
contribuições que deram à pesquisa no exame de qualificação, mas por serem grandes
referências para mim. À professora Helena Hirata, por toda sua generosidade, pelas reuniões e
discussões sobre a pesquisa, pela inspiração e encontros. À professora Liliana Segnini,
também sempre generosa e acolhedora, por seus apontamentos e indicações que me ajudam a
avançar no tema.
Gostaria de agradecer à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo/FAPESP, por ter oferecido as condições financeiras para a realização desta pesquisa,
por meio da concessão da bolsa de doutorado (Processo n. 2011/06611-6). À CAPES
agradeço por ter concedido uma bolsa de estudo durante o primeiro ano do doutoramento.
À FAPESP agradeço ainda pela bolsa de estágio de pesquisa no exterior (BEPE
Processo n. 2013/05517-1), realizado junto ao Centre de Recherches Sociologiques et
Politiques de Paris (CRESPPA - equipe Genre, Travail e Mobilité). A experiência propiciada
contribuiu enormemente para o aprofundamento da pesquisa e meu enriquecimento enquanto
estudante, socióloga e indivíduo.
Sobre minha estadia em Paris, gostaria de fazer alguns agradecimentos especiais.
Primeiramente, à Professora Sabine Fortino, por me acolher com enorme generosidade, ainda
que o momento não fosse o mais propício. A ela agradeço não apenas por ter aceitado
supervisionar meu estágio, como pelas indicações bibliográficas, discussões e encontros.
Novamente agradeço à Professora Helena Hirata, que, sempre disposta, indicou-me caminhos
para avançar na pesquisa acadêmica que eu buscava por lá. Um agradecimento muito especial
às Professoras Danièle Kergoat e Danièle Linhart. Conhecê-las e poder discutir com elas
sobre a pesquisa foi uma experiência enriquecedora e muito importante para mim. Agradeço
ainda a toda a equipe e direção do CRESPPA-GTM por ter me recebido neste laboratório,
referência para quem estuda o tema. Em especial, a Sandra Nicolas, por sua atenção e ajuda.
Aos amigos e amigas que fizeram o “séjour” em Paris ser ainda mais especial:
Fernanda, Julián, Maíra, Maya, Carol, Brigitte, entre tantos outros. Dele, carrego amizades
que seguirão comigo por onde eu for.
Durante todo o percurso do doutorado, outras pessoas foram fundamentais.
Agradeço aos meus pais, por serem minha inspiração e exemplo: ao Benê, por acompanhar de
perto minha trajetória, pelas leituras e conversas, por todo o tratamento dos dados estatísticos
e pela paciência; à Anita, por todo o companheirismo e diálogos, tanto os acadêmicos, como
todos os outros. Um agradecimento especial à Mariana e ao Leandro, também pelo
companheirismo e carinho. Ao João e à Gabi, simplesmente por existirem em minha vida,
fazendo-a ser muito mais divertida e feliz. Obrigada por suportarem minhas ausências e
dividirem comigo tantos bons momentos.
Com carinho, agradeço ao Augusto, companheiro de vida, por seu apoio e
paciência, por sempre estar presente, dividindo comigo cada um dos momentos, aqui e acolá.
Você me ajuda a ser mais forte.
Às minhas amigas Tica Moreno e Táli Pires, sempre presentes e companheiras,
pelo carinho, tantas vezes necessário e reconfortante. Obrigada pelas ajudas e diálogos e, à
Tica, pela inspiração ao título. Às amigas da pós, Juliana Guanais e Carol Gomes, sem as
quais trilhar esse caminho teria sido muito mais difícil. À Fernanda Sucupira pelas trocas e
parcerias. Ao Marcílio Lucas, pela leitura e conversas. À Sempreviva Organização Feminista-
SOF, pela inspiração e exemplo. Junto a estes, muitos outros amigos/as e familiares foram
fundamentais durante este percurso, contribuindo direta ou indiretamente para eu seguir em
frente. Não conseguiria mencionar cada um/a, mas agradeço a todos/as imensamente, de
coração.
Agradeço ao IFCH e a seus funcionários pelo suporte. E ao Sintratel/SP, que
sempre se mostrou aberto à pesquisa. À Sandra pela leitura atenta e rigorosa do texto.
Deixo para o fim o mais especial dos agradecimentos, dedicado a todos e todas as
trabalhadoras que concederam as entrevistas, disponibilizando um pouco do seu tempo e
confiando em meu trabalho. A vocês, muito obrigada!
RESUMO

A presente pesquisa analisa o modo como a flexibilização das relações de trabalho afeta a
experiência de trabalhadores e trabalhadoras na esfera produtiva, bem como seus efeitos na
vida cotidiana e familiar. Para isso, foca em duas atividades profissionais: a de operadora de
teleatendimento e a de caixa de super/hipermercados. A escolha de ambos os segmentos se
justifica pela forte presença de mulheres na força de trabalho e pelo fato de, neles, as
empresas recorrerem a constantes ajustes na organização do trabalho, regulando-a de acordo
com o fluxo de clientes e de produção. Essa prática adotada pelas empresas se insere em um
amplo processo de flexibilização das relações de trabalho. No Brasil, mudanças na legislação
trabalhista deram às empresas maior liberdade para demitir e contratar funcionários, alterar
suas atividades, tornar o salário variável de acordo com o desempenho individual e prolongar,
reduzir e modificar o tempo de trabalho. Com isso, os elementos centrais do trabalho tornam-
se mais imprevisíveis e variáveis. Exigem-se dos trabalhadores e das trabalhadoras maior
engajamento e disponibilidade à esfera produtiva, afetando o modo como estes vivenciam o
trabalho e o sentido conferido a ele. No entanto, os efeitos dessas novas dinâmicas
ultrapassam a esfera produtiva, incidindo também na vida cotidiana e familiar. Homens e
mulheres não vivenciam esses efeitos da mesma maneira, sendo as mulheres particularmente
afetadas pela flexibilidade. Fruto da divisão sexual do trabalho, elas estão fortemente
presentes em postos de trabalho mal remunerados e menos qualificados, além de serem as
principais responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados nos lares. A necessidade de
articular trabalho profissional e vida familiar é uma questão que segue circunscrita ao
feminino. Nesta pesquisa, analisam-se as estratégias acionadas pelas mulheres para realizar
essa articulação diante de um tempo de trabalho cada vez mais variável e de constantes
mudanças promovidas pelas empresas em sua atividade, remuneração e jornada. A
problemática da disponibilidade apareceu como elemento importante para compreender, no
atual contexto, as relações entre trabalho, gênero e a articulação entre trabalho e família.

Palavras-chave: Família e trabalho, Relações trabalhistas, Relações de gênero,


Telemarketing, Supermercados.
ABSTRACT

The present research analyses the consequences of labour relations flexibility on workers’
experience in the productive sphere as well as its effects on daily and family life. For this
purpose, this study focuses two professional activities: that of the telemarketing operator and
the super/hypermarket cashier. The choice of those professions is justified by the strong
presence of women in their workforce and by the fact that companies in those sectors
frequently resort to continuous adjustments in working organization, setting it according to
the production and clients flows. This kind of practice is part of a wider process of increasing
flexibility of labour relations. Changes in Brazilian labour laws gave companies more liberty
to hire and fire employees, change their activities, adopt variable wage according to the
workers’ individual performance, and extend, reduce or modify their working time. Therefore,
the central elements of work become more unpredictable and diverse. The result for workers
is the requirement of more engagement and availability for the productive sphere, affecting
how they experience work and the meaning they give to it. However, effects of these new
dynamics transcend the productive sphere, also influencing daily and familiar life. Men and
women do not experience those effects the same way, women being particularly affected by
flexibility. As a result of the sexual division of labour, women are more likely to occupy
underpaid jobs, that require less instruction, besides being mainly responsible for doing
housework and care. The need for reconciling work and family life is still a women’s issue. In
this research, we analyze the strategies women adopt to achieve that reconciling, in the
context of a varying working time and facing continuous adjustments in their activities, wages
and timetables. The availability issue appeared as an important element to comprehend the
relations between work, gender and reconciling of work and family.

Keywords: Family and work, Labor relations, Gender relations, Call center, Supermarkets.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12
1. O trabalho feminino ........................................................................................... 20
2. Articular as esferas produtiva e reprodutiva como questão analítica ................... 26
3. As ocupações profissionais selecionadas ............................................................ 28
Capítulo 1 – Procedimentos metodológicos ...................................................................... 32
1. Caracterização do grupo estudado ...................................................................... 41
Capítulo 2 – Subsetores analisados: o trabalho feminino em foco ..................................... 48
1. O setor de serviços ............................................................................................. 48
1.1 - A expansão do setor de serviços ........................................................ 51
1.2 - Relações de gênero e o setor de serviços ............................................ 60
2. O ramo de comércio varejista de super/hipermercados ....................................... 63
3. O segmento de teleatendimento .......................................................................... 74
4. Divisão sexual do trabalho nas atividades .......................................................... 81
4.1 - Atividades feminizadas: “trabalho de mulher” ................................... 81
4.2 - Trabalhos que não são “de homens” ou “para homens” ...................... 86
4.3 - Relações de classe, gênero e raça ....................................................... 91
Capítulo 3 – Organização, gestão e relações de trabalho: as atividades da operadora de
caixa e da teleatendente .................................................................................................... 98
1. Introdução de maquinarias e a inovação tecnológica .......................................... 98
2. Organização e gestão do trabalho: o forte controle ........................................... 102
2.1 - Controle sobre o espaço e os movimentos ........................................ 104
2.2 - Controle sobre a atividade: padronização e regulação ...................... 106
2.3 - Controle do tempo: o caso exemplar do teleatendimento .................. 114
3. Supervisão do trabalho ..................................................................................... 126
4. Relação com o cliente ...................................................................................... 131
4.1 - A fila dos clientes: tempo do trabalho versus tempo do cliente......... 132
4.2 - Quando a relação com o cliente é de satisfação ou de conflito.......... 137
Capítulo 4 – A flexibilidade das relações de trabalho no teleatendimento e no comércio
varejista de super/hipermercados .................................................................................... 157
1. Relações de trabalho flexibilizadas................................................................... 158
1.1 - Atividade e função ........................................................................... 158
1.2 - Remuneração ................................................................................... 164
1.3 - Tempo de trabalho ........................................................................... 174
2. A flexibilidade e seus desdobramentos sobre a vivência no espaço produtivo ... 200
2.1 - Penosidades, precarização e o sentido do trabalho ........................... 202
2.2 - Pequenas e possíveis margens de resistência e de autonomia ........... 213
Capítulo 5 – A vida cotidiana e familiar das trabalhadoras no contexto da flexibilização 225
1. Efeitos da flexibilidade na vida cotidiana e familiar ......................................... 225
1.1 - Relação entre o tempo do trabalho profissional e os demais tempos
sociais .......................................................................................................... 228
1.2 - Dia de folga e limitação do tempo livre............................................ 232
1.3 - Convivência familiar ....................................................................... 235
2. Articulação entre trabalho e família.................................................................. 239
2.1 - A ausência de políticas públicas de cuidado ..................................... 241
2.2 - Divisão sexual do trabalho no espaço reprodutivo ............................ 249
2.3 - Articulação entre trabalho profissional e vida familiar: desafio às
mulheres ...................................................................................................... 256
2.4 - O trabalho doméstico e de cuidados circunscrito ao feminino .......... 268
2.5 - Disponibilidade permanente das mulheres à família ......................... 281
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 289
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 301
ANEXOS ....................................................................................................................... 323
1. Anexo I – Roteiro de entrevista ........................................................................ 323
2. Anexo II – Relação das entrevistas realizadas .................................................. 324
3. Anexo III – Termo de consentimento livre e esclarecido .................................. 325
4. Anexo IV - Perfil das entrevistadas .................................................................. 326
12

INTRODUÇÃO

O mundo do trabalho tem vivenciado, nas últimas décadas, profundas


transformações, ancoradas no desenvolvimento de novas tecnologias e serviços de
informação. No contexto de mundialização do capital, essas transformações tiveram
como base um intenso processo de flexibilização das relações de trabalho, engendrando
novas formas de gestão e organização do processo produtivo e de mobilização dos
trabalhadores.
A presente pesquisa tem por objetivo analisar o modo como a flexibilização
incide sobre as relações de trabalho hoje e seus desdobramentos sobre a forma como o
trabalho é vivenciado, bem como o modo como ela afeta a experiência dos
trabalhadores e das trabalhadoras fora da esfera profissional, especialmente sua vida
cotidiana e familiar. Compreender as relações de gênero nessas dinâmicas é o eixo
estruturante desta análise.
Para empreender esse percurso, tomamos como ponto de partida a
experiência vivida pelas trabalhadoras inseridas em dois segmentos: o teleatendimento e
o comércio varejista, especificamente de super/hipermercados.
Tal problematização emergiu da pesquisa realizada no mestrado 1, na qual o
tempo, enquanto categoria, foi analisado como controlador e regulador do trabalho
produtivo, mas também como regulador dos demais tempos sociais das trabalhadoras de
teleatendimento. Entre os principais problemas vivenciados pelas entrevistadas, estavam
a percepção da falta de tempo livre e a incompatibilidade entre o seu tempo de trabalho
e o dos demais membros de seu convívio social, sobretudo amigos e familiares. As
famílias das trabalhadoras eram diretamente afetadas pela flexibilidade da jornada de
trabalho. Devido ao fato de trabalharem no período noturno, aos finais de semana e por
escalas de revezamento, uma parcela das entrevistadas que tinham filhos não vivia na
mesma residência que eles e os momentos de convivência eram muito limitados.
Esses resultados levaram-nos a questionar sobre o que ocorre com as
famílias no contexto da flexibilização das relações de trabalho e, especificamente, com a
vida das mulheres. Como sugere Claudia Mazzei Nogueira (2010), as famílias tendem a
reproduzir a lógica do sistema produtivo e se adaptar a ele.

1
Trata-se da pesquisa de mestrado intitulada Entre o tempo da produção econômica e o da reprodução
social: a vida das teleoperadoras, realizada na Unicamp e defendida em agosto de 2010.
13

Assim, o problema inicial desta pesquisa foi elaborado, procurando-se


compreender o que se passa na vida social das trabalhadoras em um contexto em que o
tempo de trabalho está em constante mudança e é incompatível com o tempo dos demais
membros da família. O que ocorre com a organização cotidiana e familiar? Quem cuida
das crianças? Há mudanças nas esferas do trabalho e da família, bem como na maneira
como ambas são articuladas? Quais os desafios postos nessa articulação hoje?
A hipótese inicial foi de que haveria uma nova dinâmica em torno da
articulação entre trabalho e família, marcada por maior conflito, uma vez que as
relações de trabalho e os arranjos familiares estão em mudança no País.
A composição e a estrutura das famílias brasileiras têm se diversificado ao
longo do tempo. Jordi Girona (2008) indica que há novas ou renovadas formas de
convivência e de relações que se delineiam na atualidade, como as famílias
monoparentais, reconstruídas, de fim de semana, entre outras. Os dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) confirmam essas mudanças: a taxa de
fecundidade se reduz2, as pessoas se casam em idade mais avançada, a presença de
famílias monoparentais femininas é significativa, há uma diversidade de arranjos
familiares (como as famílias reconstituídas, homoafetivas etc.), o número de familiares
dividindo o mesmo domicílio diminui, entre outros (IBGE, 2013). As mudanças nas
práticas femininas, inclusive sua maior participação no mercado de trabalho,
contribuíram fortemente para esses rearranjos familiares.
Se, de um lado, o número de famílias extensas vivendo em mesmo
domicílio se reduz e, de outro, o número de famílias monoparentais femininas é
expressivo, podemos supor que haveria novas dinâmicas e desafios em torno da
articulação entre trabalho e família realizada pelas mulheres. Essa situação seria
agravada pelo fato de o tempo de trabalho hoje ser cada vez mais diverso e variável. A
flexibilidade contribuiria para ampliar as tensões que envolvem os usos do tempo –
econômico e da reprodução social – pelas mulheres (DEDECCA, 2004). Cristina
Carrasco e Maribel Mayordomo (2003) apontam que as empresas, cada vez mais,
pressionam por maior flexibilidade, adequada a seus interesses, a qual naturalmente

2
Em 1940, a taxa de fecundidade no Brasil era de 6,2 filhos por mulher e, em 1980, era de 4,4
(Disponível em: <http://teen.ibge.gov.br/biblioteca/274-teen/mao-na-roda/1726-fecundidade-natalidade-
e-mortalidade.html>. Acesso em: 11 jan. 2016). Em 2014, a taxa de fecundidade era de 1,74 filhos por
mulher. São, sobretudo, as mulheres com maior escolaridade que apresentam um menor número de filhos.
Há ainda variações regionais no País: as menores taxas de fecundidade são verificadas nas regiões Sul e
Sudeste (1,60 e 1,62 respectivamente, em 2014), enquanto as maiores estão na região Norte e Nordeste
(2,16 e 1,85, respectivamente) (IBGE, 2015b).
14

pode implicar mudanças na vida pessoal e familiar dos trabalhadores, principalmente


das mulheres. As autoras chamam a atenção para o fato de ainda serem escassos estudos
e informações sobre a reorganização dos tempos das pessoas que realizam trabalhos
mais flexíveis, sobre a interação entre família e mercado e sobre os efeitos em relação à
qualidade e às formas de vida desses trabalhadores.

Conhecer, por exemplo, como se resolve o conflito de organização do tempo


de trabalho entre as exigências da empresa e as preferências do trabalhador
ou trabalhadora (discutindo as diferenças por sexo), permitiria aproximar-se
mais da realidade das pessoas e vislumbrar algumas tendências futuras3
(CARRASCO & MAYORDOMO, 2003, p. 153).

A presente pesquisa procura percorrer esse caminho, buscando analisar as


atuais tendências de flexibilização das relações de trabalho 4, seus efeitos sobre a vida de
homens e mulheres e os desafios que se colocam na articulação das esferas profissional
e familiar. Para isso, cabe analisar como a vida dentro e fora do trabalho se organiza e
se transforma (LALLEMENT, 2003b), bem como as dinâmicas que se estabelecem em e
entre ambas as esferas.
Consideramos que realizar esta análise é de grande importância, na medida
em que “a compreensão dos problemas que se colocam na relação entre o trabalho das
mulheres, o trabalho doméstico e as relações familiares é fundamental para a construção
de igualdade5 entre mulheres e homens” (FREIRE, 2007, p. 11). É com esse objetivo
que gostaríamos de contribuir.
Deste modo, a presente análise se volta para a compreensão das relações
entre gênero, trabalho e família no atual contexto de flexibilização das relações de
trabalho.
Compreende-se esse contexto como parte do processo de reestruturação
produtiva vivido pelos países centrais, a partir dos anos 1970, caracterizado pela
reorganização e reconfiguração do sistema produtivo. Emergida diante de um quadro de
crise – a crise da sociedade salarial, tal como apresentada por Robert Castel (1998) –,

3
Tradução livre e própria, como todas as citações de textos publicados em outros idiomas ao longo deste
trabalho.
4
Esta pesquisa estava, inicialmente, focada na flexibilização do tempo do trabalho. No entanto, no curso
da pesquisa de campo, ficou evidente a necessidade de ampliar essa análise, englobando a flexibilidade
que recai sobre outros elementos, como a atividade e a remuneração, os quais também sofrem alterações
constantes e afetam diretamente a vida fora do trabalho.
5
Cabe aqui ressaltar a importância de se pensar em uma igualdade real, que difere da igualdade apenas
formal. Nesse sentido, é interessante o apontamento de István Meszáros (2002) quanto à igualdade
substantiva.
15

essa reestruturação aparecia como condição necessária ao capital ante um quadro de


esgotamento dos modelos de organização de trabalho predominantes até então, caso do
taylorismo e do fordismo (ANTUNES, 2007).
O taylorismo, desenvolvido, sobretudo, a partir do início do século XX,
estabeleceu a separação das tarefas de concepção e execução, a fragmentação e a
individualização das tarefas, além da regulação sobre a atividade e seu ritmo, definindo
o “melhor jeito de trabalhar” (the best way)6 como forma de otimizar a produção. O
fordismo foi responsável por implementar, dentre outros, a mecanização do processo
produtivo, o trabalho em série e também a imposição de um ritmo e cadência de
trabalho. A organização do trabalho baseada nesses dois modelos possibilitou atingir
elevados níveis de acumulação de capital. No entanto, nas últimas décadas do século
XX, esses modelos passaram a evidenciar sinais de esgotamento, indicando a
necessidade de o capital recriar suas formas de organização, a fim de recuperar os níveis
de acumulação anteriormente alcançados7.
Os novos modelos de organização do processo produtivo que foram
surgindo procuravam superar a rigidez dos anteriores, visando possibilitar maior
regulação da produção conforme a demanda e a oscilação do mercado 8. Para isso, eles
se apoiavam na flexibilidade dos processos e da organização do trabalho, dos mercados
de trabalho, dos produtos, sendo denominados por David Harvey (1993) de
“acumulação flexível”.
A flexibilização passou, então, a estar na ordem do dia, marcando a nova
fase do capitalismo (BOULIN, LALLEMENT & VOLKOFF, 2006; LIMA, 2004).
Cabe apontar que flexibilização e flexibilidade são entendidas aqui tomando-se por base

6
Frederick Taylor, que introduziu a gerência científica sobre o trabalho, fazia um estudo minucioso sobre
os movimentos e o tempo dos trabalhadores a fim de planejar e determinar a melhor maneira de realizar
certa tarefa, otimizando a produtividade. Seu método foi publicado no livro Princípios de administração
científica.
7
Como mostrou Karl Marx, em O capital, a necessidade de constantemente criar e recriar as formas de
exploração da força de trabalho, de transformar e aprimorar os mecanismos, a gestão e organização do
processo produtivo é condição intrínseca ao capitalismo, na busca por obter sempre mais sobretrabalho
(mais mais-valia).
8
Dentre as novas formas de organização do processo de trabalho, destaca-se o toyotismo ou modelo
japonês, desenvolvido por Eiji Toyoda e Taiichi Ohno e difundido no Ocidente principalmente após os
anos 1970. Esse modelo se baseava no princípio do just-in-time, com o melhor aproveitamento do tempo
de produção, e na produção individualizada e fortemente vinculada à demanda; no trabalho em equipe e
na polivalência dos trabalhadores; em um processo de produção flexível; no sistema kanban, com a
adoção de placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque, mantendo este último o
mais reduzido possível; na estrutura horizontalizada e na externalização de parte da produção; nos
Círculos de Controle de Qualidade, com a formação de grupos de trabalhadores convocados a pensar
melhorias para o trabalho e a produção; além da instauração do “emprego vitalício” para uma parcela dos
trabalhadores (ANTUNES, 2007).
16

a definição de Annie Thébaud-Mony e Graça Druck (2007, p. 29), as quais apontam que
o termo “flexibilização” se refere a um “processo que tem condicionantes
macroeconômicos e sociais derivados de uma nova fase da mundialização do sistema
capitalista”. A esse termo se associariam normalmente as situações de incerteza,
instabilidade, imprevisibilidade, adaptabilidade e risco que derivariam desse processo.
Já o termo “flexibilidade” se refere a uma etapa consolidada, em relação tanto ao
processo e à organização do trabalho, quanto à sociedade capitalista em geral. Segundo
as autoras, o processo de flexibilização da legislação trabalhista e do mercado de
trabalho é difuso, aparecendo como uma estratégia patronal, apoiada pelo Estado, que
atinge os mais diversos países ao redor do mundo.
Entender essa dinâmica envolve lembrar o contexto de transformação mais
amplo, marcado pela crescente globalização e pelo advento do neoliberalismo. O
projeto neoliberal, ascendente nesse período, promovia as políticas de livre comércio
(com a redução da regulação do Estado na economia), de privatização, de
desregulamentação trabalhista, entre outros, que afetaram a divisão do trabalho,
nacional e internacionalmente (IBARRA, 2011) 9. Ilana Kovács (2006) indica que a forte
competição de mercados globais desse período exigiu das empresas a melhoria
simultânea da produtividade e da qualidade dos produtos, a redução de custos da
produção e da força de trabalho e, ao mesmo tempo, sua adaptação a um mercado
incerto e variado. Elementos que levaram à reorganização do processo produtivo,
tornando-o mais flexível.
Nesse contexto, a organização produtiva, segundo Alain Bihr (1998), passou
a se basear em fábricas difusas, com a descentralização e a externalização de partes do
processo produtivo; fábricas fluídas, que, a partir da adoção de novas tecnologias e de
uma gestão informatizada, buscavam garantir a continuidade na produção e reduzir de
maneira mais precisa o tempo morto, o que levou, por sua vez, ao estabelecimento de
novas formas de organização do trabalho, como a adoção da polivalência, da
multifuncionalidade e do trabalho em equipe; e fábricas flexíveis, com a introdução de
meios de trabalho e de produção ajustáveis à demanda e uma organização flexível do
trabalho, com trabalhadores cada vez mais capazes de se adaptar às demandas das
empresas. Todos os elementos centrais das relações de trabalho se tornaram flexíveis: os

9
Ricardo Antunes (2007) faz uma análise sobre o desenvolvimento do neoliberalismo nesse período na
Inglaterra e sobre seus desdobramentos no mundo do trabalho.
17

trabalhadores, as formações, o mercado, o tempo de trabalho e o sistema de produção


(MEULDERS, 2003).
No Brasil, esse processo ocorreu principalmente a partir dos anos 1990,
período em que as formas de organizar a produção, o mercado de trabalho e as relações
de trabalho foram se tornando cada vez mais flexíveis (KREIN, 2007).
Cabe salientar, portanto, que o País vivenciou um processo distinto do dos
países centrais e mais desenvolvidos. Estes, como mostra Castel (1998), alcançaram, no
período da sociedade industrial, a generalização do assalariamento e uma garantia
consolidada de direitos sociais e trabalhistas. No entanto, a partir dos anos 1970, eles
começaram a vivenciar um processo de desmoronamento das relações de trabalho
existentes, emergindo questões como o desemprego, a precariedade e as novas formas
de relação de trabalho (como o contrato por tempo determinado e por tempo parcial).
Já no Brasil, a sociedade salarial – como descrita pelo autor – não atingiu a
todos da mesma forma e tampouco se viu estruturada do mesmo modo, não tendo
havido aqui a consolidação de um Estado de Bem-Estar Social como a ocorrida em
países da Europa10 ou uma ampla generalização da condição de assalariado, com
direitos trabalhistas garantidos a grande parte da população. A informalidade, por
exemplo, sempre esteve fortemente presente no País 11. Assim, ao invés de ruir uma
situação consolidada, as mudanças ocorridas na década de 1990 se somaram a
problemas e desigualdades já existentes, aprofundando-os.
Aqui, essa reestruturação ocorreu em um contexto de crise econômica, de
alta competitividade entre as empresas, de financeirização da economia e de introdução
de novos modelos de produção, exigindo uma reformulação no sistema produtivo
brasileiro.

10
Há algumas divergências analíticas sobre esse ponto. Sônia Draibe e Manuel Riesco (2011), por
exemplo, defendem que, no Brasil e em demais países da América Latina, houve a consolidação de um
Estado de Bem-Estar Social (EBS), o qual se construiu com base em um modelo desenvolvimentista,
ainda que patamares elevados de exclusão social tenham sido mantidos. Para Draibe (1997), o EBS nos
países da América Latina foi, assim, construído de modo imperfeito e deformado. Já Marcio Pochmann
(2004) assinala que o Brasil vivenciou, a partir dos anos 1930, avanços no campo da proteção social, sem,
porém, reduzir as formas de exclusão social, o que leva o autor a apontar que o EBS não se completou no
País. Ainda que haja divergências nesse ponto, parece ser consenso que o sistema de proteção social no
Brasil não atingiu os mesmos patamares dos países centrais, mais desenvolvidos, prevalecendo aqui uma
forte desigualdade e exclusão social.
11
Segundo o IBGE (2013), em 2012, 43,1% dos trabalhadores estavam inseridos na informalidade (da
qual estão excluídos os empregados com carteira de trabalho assinada, trabalhadores domésticos com
carteira de trabalho assinada, militares, funcionários públicos estatutários, trabalhadores por conta própria
e empregadores que contribuíam para a previdência social). Para um debate sobre a presença do trabalho
informal no Brasil e uma discussão sobre suas transformações, ver: ARAÚJO & LOMBARDI (2013);
LIMA & SOARES (2002).
18

Cabe mencionar que o período anterior a essa reestruturação,


especificamente os anos 1980, foi marcado pelo estabelecimento de uma profunda crise
da dívida externa nos países da América Latina. Para tentar superá-la, as políticas aqui
adotadas, de cunho conservador, promoveram ajustes, que levaram, entre outros efeitos,
à estagnação tecnológica e à obsolescência da estrutura produtiva brasileira
(MATTOSO & OLIVEIRA, 1990).
Tais medidas procuravam reverter um quadro de crise econômica. Porém,
seus efeitos foram frutíferos no campo político. O sindicalismo se fortaleceu nesse
período, ao se organizar na luta contra a recessão e a subordinação do governo federal
ao Fundo Monetário Internacional (FMI), o qual procurava impor regulações aos
mercados nacionais (MATTOSO & OLIVEIRA, 1990). José Dari Krein (2007) aponta
uma série de conquistas trabalhistas daí decorrentes: nos setores mais estruturados e nas
grandes empresas, houve avanços em relação às condições e ao ambiente de trabalho,
ampliação do sistema de proteção aos trabalhadores em situação especial e melhoria dos
direitos sociais.
É importante lembrar que, nesse período, vivenciava-se também o
movimento das “Diretas Já”, contra o regime militar e pela democratização do País,
seguido do processo de elaboração da Constituição Brasileira, promulgada em 1988.
Assim, diferentemente do ocorrido nos países centrais – que vivenciaram o
desmantelamento da sociedade salarial (CASTEL, 1998) –, no Brasil esse período foi
marcado pelo fortalecimento do processo de redemocratização e do sindicalismo, com
ampliação dos direitos e da proteção social (KREIN, SANTOS & MORETTO, 2013).
Apesar desses avanços, parte dos problemas estruturais do mercado de trabalho
brasileiro se manteve, como a alta rotatividade, o excedente da força de trabalho, a
prática de baixos salários e as desigualdades (KREIN, 2007).
Foi nesse contexto de crise e de avanços que a organização produtiva
brasileira vivenciou seu processo de reestruturação, tornando-se mais flexível. A
flexibilidade cumpre dois sentidos, segundo Krein (2007): o primeiro é dar maior
liberdade às empresas quanto à determinação das condições de uso, contratação e
remuneração do trabalho; o segundo é possibilitar a realização de ajustes no volume e
no preço da força de trabalho de modo a reduzir seus custos.
Os diferentes aspectos do processo produtivo passam, então, a ser afetados.
A reestruturação incide na cadeia produtiva, com a descentralização e a externalização
19

de parte da produção, fazendo emergir formas de subcontratação e terceirização, de


emprego temporário, de trabalho em domicílio, de atividades autônomas, de
informalidade, de cooperativas de trabalho, entre outras (DRUCK, 2002).
A terceirização ganha destaque como uma das principais formas de
flexibilização da contratação da força de trabalho vivenciada no Brasil a partir de então.
Trata-se da externalização por uma empresa de parte de seu processo produtivo (que
não sua atividade-fim) a outra empresa, possibilitando reduzir custos com a produção e
com a contratação da força de trabalho. Já para esta última, ampliam-se a instabilidade e
a desproteção de direitos.
Ao mesmo tempo, estabelecem-se novos tipos de gestão e organização do
trabalho nos moldes da acumulação flexível – possibilitados, em parte, pela introdução
de novas tecnologias baseadas na microeletrônica –, bem como uma profunda alteração
nas relações de trabalho, a partir de mudanças na legislação, nos acordos e nas
regulações do trabalho sob a lógica da flexibilidade (ALVES, 2000). Essas mudanças,
principalmente a partir dos anos 1990, deram às empresas maior possibilidade de
promover alterações nos contratos, nas funções, na jornada e na remuneração. Assim,
elas passam a ter maior liberdade para demitir e contratar funcionários, modificar a
atividade e a função realizada por eles, tornar o salário variável de acordo com o
desempenho individual e/ou coletivo dos trabalhadores e prolongar, reduzir ou alterar a
jornada de trabalho (KREIN, 2007)12. Esses ajustes obedecem à busca por redução de
custos e maximização de lucros das empresas.
Tais disposições não foram algo inédito no Brasil. Ana Cláudia Cardoso
(2009) indica que a legislação trabalhista, anteriormente a esse período, já permitia a
adoção de uma série de medidas para flexibilizar as relações de trabalho, como o
emprego de horas extras, o trabalho noturno e por turno, a redução da jornada e do
salário, a compra de férias, entre outras. Porém, a partir desse período, elas se
intensificam.
Segundo Adalberto Cardoso (2012), o mercado brasileiro sempre se
caracterizou como flexível e precário, predominando a informalidade e a instabilidade
para os trabalhadores. Assim, as mudanças na legislação e nas práticas de organização
do sistema produtivo em direção a uma maior flexibilização contribuíram para reforçar

12
Em sua pesquisa, Krein apresenta uma análise detalhada das transformações na legislação e nos
acordos coletivos no contexto da flexibilização. Sua obra é referência para nossa análise.
20

uma dinâmica já estabelecida, própria do mercado de trabalho brasileiro. Tais medidas


afetam o mundo do trabalho e a classe trabalhadora.
No entanto, é preciso chamar a atenção aqui para um aspecto fundamental
em relação a essas transformações: a reestruturação, nos moldes da acumulação flexível,
acontece sem significar a substituição ou a superação de um modelo produtivo por
outro. Na realidade, assiste-se à concatenação de práticas antigas, pautadas nos modelos
precedentes do taylorismo e do fordismo, com novas formas de gerir e de organizar a
produção. Essas novas práticas, assim, coexistem e se unem às antigas, contribuindo
para a intensificação da exploração sobre o trabalhador.

Combinando elementos herdeiros do fordismo (vigentes em vários ramos e


setores produtivos) com uma nova pragmática pautada pela acumulação
flexível, pela empresa enxuta (lean production), pela implantação de
programas de qualidade total e sistemas just-in-time e kanban, além da
introdução de ganhos salariais vinculados à lucratividade e à produtividade
(como o PLR, programa de participação nos lucros e resultados), sob uma
pragmática que se adequava fortemente aos desígnios do capital financeiro e
do ideário neoliberal, tudo isso acabou possibilitando uma reestruturação
produtiva de grande intensidade no Brasil, que teve como consequências a
ampliação da flexibilização, da informalidade e da precarização da classe
trabalhadora (ANTUNES, 2014, p. 40).

A adoção desse tipo de gestão e de organização do trabalho, no marco da


flexibilização, permite às empresas aumentar o controle sobre o processo de trabalho e
constantemente ajustá-lo de acordo com seus interesses. Para os trabalhadores, porém,
seus efeitos são adversos, dentre os quais destacamos a intensificação e a precarização
do trabalho. Tais efeitos tendem a não se dar do mesmo modo entre homens e mulheres.
Assim, parte-se do pressuposto, na presente análise, de que a reorganização
produtiva afeta de forma diferenciada homens e mulheres, o que nos leva a adotar uma
investigação que toma as relações de gênero como eixo norteador. É nesse contexto de
flexibilização que procuramos analisar o trabalho profissional feminino.

1. O trabalho feminino
À primeira vista, pode parecer desnecessário justificar as razões em se
analisar especificamente o trabalho feminino, uma vez que o entendimento de que a
classe trabalhadora tem dois sexos (lembrando o artigo de Helena Hirata e Danièle
Kergoat, 1994 e o livro de Elisabeth Souza-Lobo, 2011) parece ser consolidado na
sociologia do trabalho. As relações de gênero no trabalho se constituem, há algumas
21

décadas, objeto de estudo de uma gama de pesquisas, que evidenciam as assimetrias


entre homens e mulheres.
Se hoje esse tema tem relevância e reconhecimento, cabe dizer que nem
sempre foi assim. A invisibilidade do trabalho feminino reinou durante muito tempo no
mundo acadêmico, bem como na sociedade.
Maria Lygia Q. Moraes (1981), ao realizar um levantamento dos estudos
brasileiros voltados ao tema do trabalho das mulheres, em meados da década de 1970,
constatou que a maioria era fortemente baseada em uma visão masculina (e
legitimadora) do saber, sendo baixa a participação feminina na produção desses estudos.
Entretanto, a autora identificou já naquele período um princípio de mudanças.
Esse sinal de mudança indicava a influência que o movimento feminista
passava a ter na academia. Os estudos feministas começavam, naquele período, a se
infiltrar na produção acadêmica, alterando a óptica e as problemáticas tratadas. A partir
de então, parte dos estudos passou a voltar sua atenção à questão das mulheres, ao
trabalho feminino tanto na esfera produtiva como na reprodutiva e à articulação entre
ambas as esferas (BRUSCHINI, 2006; NEVES, 2013).
O movimento feminista, reemergido na década de 1960 em países da
Europa, nos Estados Unidos e na América Latina, teve um papel imprescindível quanto
às transformações nas práticas culturais e sociais das mulheres, influenciando o modo
como essa questão passou a ser tratada na sociedade. No Brasil, com mais força a partir
dos anos 1970, as feministas passaram a travar uma longa luta no combate à opressão
feminina na família e à exploração do trabalho das mulheres. Uma de suas bandeiras foi
a busca por politizar o privado, desnaturalizando as práticas cotidianas e denunciando o
controle sobre o corpo feminino, mostrando, assim, que a relação estabelecida entre
homens e mulheres era uma relação de poder (SARTI, 1988; PULEO, 2007), que se
dava na família, no lar, no trabalho, na política, na sociedade em geral.
Procurava-se, assim, evidenciar que tanto o “ser mulher” é uma construção
social, como a família também o é, como evidenciou Juliet Mitchell (1967). A família
patriarcal era apontada como uma das primeiras esferas onde se estabelece a relação de
opressão do homem sobre a mulher 13. A maternidade e o papel de cuidadora se

13
Sobre essa discussão, ver: ENGELS (2002); GUILLAUMIN (2005). Cecília Toledo (2008) também faz
uma discussão sobre a origem da opressão feminina. Heleieth Saffiotti (2015) discute o conceito de
patriarcado.
22

constituíram, historicamente, como o destino natural das mulheres, contribuindo para a


constituição de práticas sociais distintas e hierárquicas entre homens e mulheres.
Os movimentos de mulheres, principalmente o feminista, foram
responsáveis, portanto, por denunciar a desigualdade entre os sexos como um problema
estrutural na sociedade, que precisava ser visibilizado e enfrentado. Para aprofundar o
debate sobre essa relação hierarquizada entre os sexos, o conceito de gênero foi
elaborado e difundido, após os anos 1960, tanto nos estudos acadêmicos, como entre os
movimentos de mulheres. Joan Scott (1995), uma das autoras consideradas
conceituadoras do termo, afirma que ele foi utilizado pelas feministas como forma de
denunciar que as diferenças entre homens e mulheres constituíam-se não como aspecto
biológico, mas como construções sociais. Procurava-se, assim, desnaturalizar a relação
de opressão entre os sexos e enfatizar o modo como essa era elaborada e reiterada
histórica e socialmente14.
Kergoat (2002) evidenciou que as relações sociais estabelecidas entre
homens e mulheres, como todas as relações sociais, são marcadas por conflitos, tensões,
oposições e assimetrias. Segundo a autora, as relações sociais produzem e reproduzem,
por meio das disputas (isto é, aquilo que está em jogo)15, as práticas sociais, as quais,
por sua vez, agem sobre as tensões que são as relações sociais. Nas relações sociais de
sexo, homens e mulheres são grupos que se constroem por meio de tensões e conflitos,
em torno de uma disputa, que é o trabalho 16. Para a autora, a divisão sexual do trabalho
está no centro das relações de poder dos homens sobre as mulheres e é, principalmente,
a partir da análise dessa divisão que é possível demonstrar a existência dessa relação
social específica entre os sexos (KERGOAT, 1996; 2002; 2003).
A divisão sexual do trabalho, como conceituada pela autora, tem como base
dois princípios: o da separação, isto é, há trabalhos de homens e há trabalhos de
mulheres; e o da hierarquização, sendo os trabalhos masculinos mais valorizados
socialmente. Segundo ela, em todas as sociedades se verificam esses dois princípios. No

14
Posteriormente, o desenvolvimento da Teoria Queer, da qual Judith Butler é apontada como uma das
mais importantes referências, contribuiu indicando que não apenas as identidades de gênero são
construídas socialmente, como também as identidades sexuais e corporais, rompendo ainda com os
binarismos, tais como homem e mulher, feminino e masculino.
15
O termo em francês é “enjeux”, que, numa tradução aproximada, significa “o que está em jogo”. No
artigo de 2002 de Kergoat, o termo foi traduzido como “desafio”; no de 1996, como “disputa”. Optamos
aqui pelo segundo.
16
Esse não se restringe à esfera produtiva, mas abarca o trabalho doméstico e de cuidados. Do mesmo
modo, a autora aponta que considera trabalho como produção de si, sendo, portanto, indissociável da
análise da subjetividade (KERGOAT, 2002).
23

entanto, essa divisão não é imutável, a-histórica e estanque, uma vez que suas
modalidades variam no tempo e no espaço, sendo as disputas e as possibilidades de
transformação colocadas em função da relação de forças.
Uma característica da divisão sexual do trabalho é a atribuição primordial da
esfera reprodutiva, destinada às mulheres e mantida sem qualquer reconhecimento
social, enquanto as atividades de maior valorização social, como as pertencentes à
política e à esfera pública, foram destinadas aos homens. Portanto, estabeleceu-se uma
relação hierárquica entre esfera produtiva e reprodutiva, e entre trabalho de homens e de
mulheres. Hirata & Kergoat (2003) revelam que o “valor” – empregado pelas autoras no
sentido antropológico e ético, e não no econômico – é o que distingue o trabalho
masculino do feminino. Assim, “valor e princípio de hierarquia, sob aparências
múltiplas, permanecem imutáveis: o trabalho de um homem pesa mais do que o trabalho
de uma mulher” (HIRATA & KERGOAT, 2003, p. 113).
O feminismo denunciava que as mulheres realizavam uma grande carga de
trabalho, de forma gratuita, no âmbito doméstico, a qual era justificada como sendo
realizada em nome do amor e da família (HIRATA, 2002).
Esse posicionamento levou à alteração do conceito de trabalho, o qual, na
economia clássica, considerava apenas o trabalho assalariado e tomava o homem como
seu sujeito universal. Segundo Helena Hirata e Philippe Zarifian (2009), nos anos 1970,
a incorporação da dimensão sexuada do trabalho, com a introdução do debate em torno
da divisão sexual do trabalho, propiciou uma reformulação nesse conceito, que passou a
abarcar o trabalho doméstico, o trabalho não assalariado, não mercantil e informal, bem
como evidenciou a indissociabilidade entre as análises das relações de trabalho e as de
gênero. O tema do trabalho apareceu como uma questão privilegiada para que os
estudos sobre gênero fossem adentrando o mundo acadêmico (BRUSCHINI, 1994b) 17.
Apesar dessas mudanças nas práticas sociais femininas e na visibilidade da
problemática de gênero na sociedade, uma série de desigualdades entre homens e
mulheres permanece no mercado de trabalho e na família.

17
Diversas autoras destacam a importância que a realização do seminário “A Mulher na Força de
Trabalho na América Latina”, organizado no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
(Iuperj) por Neuma Aguiar, em 1978, teve na visibilidade do tema (BRUSCHINI, 1994; SCAVONE,
2011). Desse seminário, nesse mesmo ano, originou-se o grupo de trabalho Mulher e Trabalho na
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), ao lado dos grupos
Mulher e Política e Família e Sociedade (SCAVONE, 2011). As acadêmicas e feministas questionavam e
pressionavam não apenas o mundo da academia para a incorporação das questões das mulheres nos
estudos, como também as abordagens dos institutos de pesquisa brasileiros, como o IBGE, influenciando
futuras mudanças nos conceitos adotados por eles.
24

As mulheres, ao longo do século XX, tiveram sua participação aumentada


na esfera produtiva, processo que se tornou ainda mais intenso no Brasil a partir dos
anos 1970 e, sobretudo, dos anos 1980. Alguns autores indicam a ocorrência de um
processo de feminização do mercado de trabalho vivenciado nesse período
(NOGUEIRA, 2004; ARAÚJO, 2007). Em 1976, a participação feminina na população
economicamente ativa (PEA) era de 29% 18. Nos anos 1993, essa participação era de
39,6%, chegando a 43,5% em 2005 (BRUSCHINI, 2007). Em agosto de 2015, as
mulheres representavam 46,5% da PEA19.
O trabalho profissional foi ganhando, assim, uma posição central na vida
das mulheres (ARAÚJO & SCALON, 2005), associando-se tanto ao desejo como à
necessidade de inserção no mercado de trabalho. Não apenas a participação feminina no
mercado de trabalho se ampliou fortemente, como se diversificou o perfil das mulheres
e as atividades realizadas por elas. Esse movimento se deu ante as transformações
vividas na sociedade nesse período:

A intensa queda da fecundidade reduziu o número de filhos por mulher,


sobretudo nas cidades e nas regiões mais desenvolvidas do país, liberando-a
para o trabalho. A expansão da escolaridade e o acesso às universidades
viabilizaram o acesso das mulheres a novas oportunidades de trabalho. Por
fim, transformações nos padrões culturais e nos valores relativos ao papel
social da mulher, intensificadas pelo impacto dos movimentos feministas
desde os anos setenta e pela presença cada vez mais atuante das mulheres nos
espaços públicos, alteraram a constituição da identidade feminina, cada vez
mais voltada para o trabalho produtivo. A consolidação de tantas mudanças é
um dos fatores que explicariam não apenas o crescimento da atividade
feminina, mas também as transformações no perfil da força de trabalho desse
sexo (BRUSCHINI, 1998, p.3).

A responsabilidade quase exclusiva das mulheres pelo trabalho doméstico e


familiar, que persiste ao longo do tempo, foi decisiva para o modo como se estabeleceu
a inserção das mulheres no mercado de trabalho e para a situação em que elas se
encontram ainda hoje. Elas têm jornadas remuneradas menores, encontram mais
dificuldades de progressão na carreira e apresentam trajetórias laborais mais
descontinuadas ao longo da vida produtiva (GUEDES & ARAUJO, 2011).

18
Dados da Fundação Carlos Chagas. Mulheres no mercado de trabalho: grandes números. Disponível
em: <http://www.fcc.org.br/bdmulheres/serie1.php?area=series>. Acesso em: 12 jan. 2016.
19
Fonte IBGE. Dados da Pesquisa Mensal de Emprego, referentes às pessoas com 10 anos ou mais de
idade, economicamente ativas na semana de referência da pesquisa, por regiões metropolitanas.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/
pme_nova/defaulttab_hist.shtm>. Acesso em: 12 jan. 2016.
25

Dentre as desigualdades na esfera produtiva, destacamos que as mulheres


são minoria no conjunto de ocupados (42,7%) e maioria entre os desocupados20.
Quando inseridas no mercado de trabalho, elas se encontram em maior proporção que os
homens nos postos menos qualificados e mais mal remunerados: 29,8% das mulheres e
21,1% dos homens recebem até 1 salário mínimo (IBGE, 2014a).
Ademais, mesmo tendo maior escolaridade que os homens, as mulheres
seguem recebendo salários inferiores (em média, elas recebem 73,7% do salário
masculino 21). Segundo Laís Abramo (2007), as mulheres em países da América Latina
necessitam trabalhar, em média, quatro anos a mais para receber a mesma remuneração
que um homem. Além disso, Anne-Marie Daune-Richard (2003) indica que, mesmo
tendo diplomas iguais, os homens ascendem a níveis hierárquicos mais elevados e
trabalham em empresas com melhores remunerações, o que revelaria a existência de um
“teto de vidro” nas empresas que barra a ascensão na carreira feminina22.
Essa desigualdade entre os sexos está fortemente vinculada à divisão sexual
do trabalho, que mantém a responsabilidade feminina pelo trabalho doméstico e de
cuidados. No entanto, persiste, no segmento empresarial, a percepção de que são as
mulheres que privilegiam a esfera doméstica, sendo vistas como aquelas que se dedicam
menos integralmente ao trabalho e à carreira profissional (ABRAMO, 2007).
Ao longo do tempo, as mulheres passaram a cada vez mais se dedicar à
esfera produtiva e a valorizar o trabalho profissional como forma de ter autonomia,
como indicam as pesquisas que analisam as práticas e percepções de homens e mulheres
(ARAÚJO & SCALON, 2005). Além disso, a renda familiar feminina passou a ganhar
maior importância nos lares brasileiros, à medida que se alteraram as práticas sociais
assumidas por elas na sociedade e na família. De 2004 a 2014, a proporção de arranjos
familiares formados por casal com filhos que tinham a mulher como pessoa de

20
Em 2013, a taxa de desocupação feminina era de 8,3%, enquanto a masculina era de 4,9% (IBGE,
2014b).
21
IBGE, 2014a.
22
Algumas mudanças têm sido verificadas por alguns estudos que apontam a incorporação de parte das
mulheres em segmentos predominantemente masculinos e mais qualificados, bem como em postos mais
elevados na hierarquia das empresas (ARAÚJO, 2007; BRUSCHINI, 2007; GUIMARÃES, 2004).
Entretanto, esse processo é lento e tende a ocorrer entre uma parcela minoritária das mulheres. Os estudos
apontam que estaria em curso um processo de bipolarização do trabalho feminino: uma parcela
minoritária das mulheres ascende a trabalhos que exige alta qualificação e postos de comando nas
empresas, enquanto grande parte das mulheres segue inserida em trabalhos pouco qualificados e menos
valorizados socialmente (HAKIM, 1996; BRUSCHINI & LOMBARDI, 2000; HIRATA, 2003).
26

referência23 passou de 3,6% a 15,1% (IBGE, 2015b), assim como aumentou o número
de arranjos formados por casal sem filhos residentes que tinham a mulher como pessoa
de referência (de 3,4% em 2004 para 10,9% em 2014).
Apesar disso, a manutenção da responsabilidade das mulheres pelo trabalho
doméstico e de cuidados condiciona o modo como elas se encontram no mercado de
trabalho hoje e reforça as desigualdades de gênero. Retomar esse quadro nos ajuda a
evidenciar a importância de se empreender uma análise das relações de trabalho de
forma mais ampla, abordando não apenas a esfera produtiva, mas também a reprodutiva,
bem como as relações de gênero em ambas.

2. Articular as esferas produtiva e reprodutiva como questão analítica


A presente pesquisa toma como eixo analítico a imbricação entre as esferas
produtiva e reprodutiva. Consideramos que compreender as relações de gênero no
trabalho e na família envolve articular, constantemente, essas duas esferas, analisando
como uma influencia a outra e como ambas se retroalimentam.
Como mencionamos, o modo como as mulheres se inseriram no mercado de
trabalho esteve, e ainda hoje permanece, fortemente marcado pela divisão sexual do
trabalho. O papel e o trabalho realizado pelas mulheres na esfera doméstica, o qual
permite a reprodução da força de trabalho e garante o viver das pessoas – ou a
sustentabilidade da vida humana, segundo Cristina Carrasco (2003a) –, servem à lógica
capitalista. No entanto, o trabalho empreendido pelas mulheres na esfera produtiva e,
particularmente, o realizado na esfera doméstica foram dotados de baixo
reconhecimento e valorização social.
O trabalho doméstico feminino permaneceu socialmente invisível. Na óptica
capitalista, apenas aquilo que era considerado produtivo 24 foi valorizado, relegando ao
“esquecimento” ou à subalternidade todas as demais atividades. Assim, a sociedade
capitalista funcionava como se fosse sustentada em uma “mão invisível” (CARRASCO,
2003a), omitindo a importância de uma série de atividades, como o cuidado e o trabalho

23
Até os anos 1990, o IBGE utilizava em suas pesquisas o termo “chefe de família” ou “chefe do
domicílio”, o qual carregava historicamente uma conotação de gênero, ao remeter à ideia de autoridade e
daquele que detinha a maior renda. Mudanças na sociedade, inclusive nas práticas sociais das mulheres e
nos arranjos familiares, e sob influência do movimento feminista e das acadêmicas, levaram à
necessidade de substituição do termo. Após os anos 1990, as pesquisas domiciliares passaram a adotar o
termo “pessoa de referência” e, desde os anos 2000, é utilizado o termo “pessoa responsável”. Disponível
em: <http://www.ibge.gov.br/censo/questionarios.shtm>. Acesso em: 12 jan. 2016.
24
A discussão em torno do caráter produtivo ou improdutivo do trabalho doméstico foi alvo de um amplo
debate. Ver, entre outros: BRUSCHINI (2006) e ALBARRACÍN (1999).
27

doméstico, vitais para o funcionamento do capitalismo e da sociedade. Como vimos,


coube ao movimento feminista denunciar esse entrelaçamento, evidenciando como a
subordinação da mulher na família tem um papel na acumulação capitalista.
A obra de Mitchell (1967) foi de grande importância para problematizar
essas conexões quanto à subordinação feminina na sociedade. A autora foi uma das
pioneiras em revelar que essa condição se dá a partir da relação estabelecida entre
produção, reprodução, sexo e cuidado/socialização das crianças, com essas quatro
estruturas funcionando de modo indissociável. Assim, o papel socialmente atribuído às
mulheres na família, seu “lugar de mãe” e sua responsabilidade pela socialização e
cuidado das crianças são decisivos quanto à posição social que as mulheres ocupam na
sociedade.
Essa posição social de subalternidade das mulheres vai se refletir e, ao
mesmo tempo, ser aprofundada pelo modo como a esfera da produção se apropria do
trabalho feminino. As desigualdades de gênero no trabalho e na família persistem e se
conectam25. Como aponta Souza-Lobo (2011, p. 29),

o capital não cria a subordinação das mulheres, porém a integra e reforça. Na


verdade, as raízes da divisão sexual do trabalho devem ser procuradas na
sociedade e na família, e para apreendê-las é necessário sair da fábrica e
articular a análise das condições de trabalho com aquelas que prevalecem no
mundo exterior à empresa.

Compreender as transformações no mundo do trabalho e na família passa,


portanto, por considerar, a todo o momento, a articulação entre as duas esferas. Como
afirma Nogueira (2009, p. 57), “sempre que existir uma ação qualquer em um desses
polos, haverá repercussão de um sobre o outro, dada a articulação viva existente entre as
esferas do trabalho e da reprodução”.
Essa pesquisa visa, assim, analisar não só o processo de flexibilização das
relações de trabalho, procurando compreender seus efeitos sobre o modo como a esfera
produtiva é vivenciada, mas também seus desdobramentos sobre a esfera reprodutiva,
particularmente sobre a vida das mulheres.

25
Nogueira (2010) utiliza a expressão “divisão sociossexual do trabalho” para falar dessa divisão
existente tanto na esfera produtiva como na reprodutiva, as quais se encontram articuladas.
28

3. As ocupações profissionais selecionadas


Para realizar esta análise, optamos por partir da experiência das
trabalhadoras inseridas em dois segmentos profissionais: o teleatendimento e o
comércio varejista de super/hipermercados, particularmente aquelas que realizam a
atividade de operadora de caixa26.
No Brasil, estudos sobre o segmento dos comerciários e, especificamente,
aqueles sobre super/hipermercados ainda são escassos. Podemos citar os de Ângelo
Soares (1998; 2003), Luzimar França Junior (2008; 2009), Nilo Netto (2010), Naira
Santos (2012), Waltimar Lula (2007), Nádya Guimarães e Flavia Luciane Consoni
(2003), Ida Gonçalves (2009), Flávio Gilberto Araújo (2011). Já as pesquisas voltadas
ao segmento de teleatendimento proliferaram nos últimos anos, dada sua rápida e forte
expansão no País desde, principalmente, os anos 1990. A bibliografia sobre o tema é
riquíssima e abrange as múltiplas dimensões dessa atividade. Entre as principais
referências, hoje, estão os estudos de Selma Venco (2003; 2009a, 2014), Ricardo
Antunes e Ruy Braga (2009), Claudia Mazzei Nogueira (2006, 2009), Ruy Braga
(2006a), Cinara Rosenfield (2007a), Lailah Vilela e Ada Ávila Assunção (2004).
Nesta pesquisa, a escolha desses dois segmentos como objeto de análise se
baseou na busca por avaliar duas atividades que apresentassem algumas características
semelhantes. Como nos ensina a literatura relativa às comparações internacionais,
reconhecendo sua diferença em relação a este estudo, um cotejamento entre dois
fenômenos deve pressupor, a priori, que eles apresentem elementos em comum,
semelhantes, o que dá sentido à comparação (VASSY, 2003; SPURK, 2003). Assim,
procuramos aproximá-las e apreender, de uma forma mais ampla, as dinâmicas
estabelecidas tanto na esfera produtiva como na reprodutiva.
Ao longo da pesquisa, procuraremos evidenciar os elementos que
aproximam e aqueles que distanciam os dois segmentos, mesclando, na escrita, um
tratamento que unifique os dois segmentos com ênfase nas especificidades de cada um.
Empreender esta análise comparativa se configura um desafio, porém ela se
mostra importante, posto que esse tipo de estudo, particularmente entre as atividades de
serviço, conta com importante lacuna científica:

26
Ao longo deste texto, a referência ao conjunto de trabalhadores e trabalhadoras dos dois segmentos será
feita no feminino. Essa escolha se justifica por serem essas ocupações quase exclusivamente ocupadas por
mulheres. Do mesmo modo, o grupo de entrevistados também será tratado no termo flexionado no
feminino, uma vez que, apesar de composto por homens e mulheres, esse é majoritariamente feminino.
Entretanto, nos momentos em que se fizer necessário, serão apontadas as diferenciações por sexo.
29

De fato, tal uma obra coletiva, a sociologia do trabalho dispõe de uma


sucessão de estudos de caso, e, por isso mesmo, de um conhecimento
aprofundado sobre as diversas atividades de serviço, mas ela sabe muito
pouco, aprofundadamente, sobre os serviços enquanto tal, quer dizer, sobre o
quê, para além das especificidades dos terrenos estudados, resta comum e
diferente entre as atividades (TIFFON, 2013, p. 184).

É interessante assinalar que encontramos na literatura internacional alguns


estudos que realizam uma análise comparativa entre esses dois segmentos (incluindo
outras atividades na comparação), como os de Sara Casaca (2013), Guillaume Tiffon
(2013) e Miriam Wlosko et al. (2013). No Brasil, não encontramos nenhum estudo que
comparasse ambos. Desse modo, este estudo procura contribuir com os demais já
existentes na sociologia do trabalho, voltados a um ou outro segmento.
Algumas evidências iniciais acerca das atividades justificaram sua escolha
como objeto desta análise. A primeira delas é o fato de que ambas se inserem no
movimento de expansão do setor de serviços ocorrido nas últimas décadas no Brasil,
como será analisado adiante. Assim, as duas atividades vivenciaram um crescimento
nesse período, configurando-se como importantes polos empregadores de mulheres.
Outras evidências que aproximam as duas atividades são o fato de se
caracterizarem por trabalhos repetitivos, mecanizados e padronizados, e pelo fato de,
nelas, a relação com o cliente – seja presencial ou virtual – ser um componente
fundamental. Além disso, ambas envolvem baixos salários e são desvalorizadas
socialmente.
A isso somam-se as práticas de flexibilidade das relações de trabalho, que
permitem às empresas ajustar constantemente os elementos do trabalho, segundo o
fluxo da produção. A composição da jornada de trabalho, embora diferente entre elas,
foi um elemento que nos motivou a analisá-las. Nelas, há o trabalho realizado aos finais
de semana, em feriados e à noite, organizado por diversas formas de escala de
revezamento. Isso, por sua vez, cria variadas maneiras de vivenciar o tempo de trabalho.
A flexibilidade parece, portanto, estar presente e se propagar nas duas
ocupações. Casaca (2013), ao analisar os dois segmentos em Portugal, revela que há
uma aproximação entre eles, o que os torna exemplares para compreender as novas
formas de emprego e de organização do trabalho. Segundo a autora, eles são
caracterizados pela precariedade, com a busca das empresas em reduzir os custos e
flexibilizar o número de trabalhadores, suas funções e seus horários de trabalho.
30

Assim, esses dois segmentos são o foco de nosso estudo, no qual


procuramos compreender como operam as formas de gestão e organização do trabalho,
no bojo do processo de flexibilização, e seus desdobramentos sobre a vivência das
trabalhadoras na esfera produtiva e na reprodutiva.
A fim de percorrer esse caminho e responder às questões colocadas nesta
pesquisa, a tese foi estruturada da seguinte maneira:
O primeiro capítulo é destinado a apresentar os procedimentos
metodológicos, com a descrição das etapas da pesquisa de campo realizadas, bem como
do perfil do grupo entrevistado.
No capítulo 2, debruçamo-nos sobre o setor de serviços em geral e,
particularmente, sobre os dois segmentos estudados, apresentando suas dinâmicas e
principais características. Aqui, analisamos a divisão sexual do trabalho presente nesses
segmentos. Característica do setor de serviços como um todo, bem como dos ramos de
super/hipermercados e de teleatendimento, a presença feminina compõe a maioria da
força de trabalho. Desse modo, procuramos compreender como se dá a inserção
feminina nos serviços e nas atividades selecionadas e as desigualdades de gênero.
Em seguida, focamos na análise das características da organização do
trabalho e da gestão adotada pelas empresas em ambos os segmentos.
Assim, no capítulo 3, buscamos compreender, particularmente, as
estratégias e mecanismos de controle que recaem sobre os diferentes aspectos do
processo de trabalho. Aqui, salientamos uma dimensão fundamental das atividades,
ainda não muito aprofundada na sociologia do trabalho: a relação estabelecida com os
clientes, que afeta a organização e o exercício do trabalho da operadora de caixa e de
teleatendimento, como veremos.
Já o capítulo 4 é destinado à análise das práticas de flexibilização em voga
hoje, particularmente as que recaem na atividade, na remuneração e na jornada de
trabalho. Procuramos compreender quais são seus efeitos sobre a experiência vivida
pelas trabalhadoras na esfera produtiva e como elas respondem e agem às práticas
operadas pelas empresas.
No quinto e último capítulo, analisamos os efeitos dessa flexibilidade e
organização do trabalho sobre a vida fora da esfera produtiva, sobretudo em relação à
esfera doméstica e familiar, bem como o modo como ambas as esferas – produtiva e
31

reprodutiva – articulam-se. O foco é entender quais são as continuidades e as mudanças


nessas dinâmicas e os desafios colocados às mulheres hoje.
Encerramos com as considerações finais, elucidando as principais
problemáticas tratadas nesta pesquisa e questionamentos que se abrem.
32

Capítulo 1 – Procedimentos metodológicos

O presente estudo é realizado por meio de uma pesquisa qualitativa, a qual,


como define Heloísa Martins (2004), visa efetuar um exame intensivo, em amplitude e
profundidade, tratando as unidades sociais como totalidades. Segundo a autora, essa
abordagem permite ao pesquisador aproximar os dados o mais estreitamente possível,
deixando-os “falar” da forma mais completa, possibilitando, assim, uma melhor
compreensão da realidade.
Foram estudadas as trabalhadoras inseridas no segmento de teleatendimento
e de comércio varejista de super/hipermercados da Região Metropolitana de São Paulo
(RMSP), principalmente ocupantes dos cargos de teleatendente (ou teleoperadora) e de
operadora de caixa.
A pesquisa de campo, como expõe Jean-Michel Chapoulie (2000), consiste
na coleta de informações e de documentos concernentes a um conjunto de fenômenos
diante da presença do pesquisador no lugar onde eles se manifestam. Na presente
pesquisa, ocorrida no período de 2011 a 2016, os dados foram coletados por meio de
entrevistas e de observações.
Realizou-se, em primeiro lugar, uma pesquisa exploratória com o objetivo
de coletar informações sobre os segmentos profissionais estudados, possibilitando
aprofundar o conhecimento sobre eles e subsidiar a elaboração do roteiro de entrevistas
e das questões a investigar.
Assim, a primeira etapa da pesquisa consistiu na seleção das empresas de
cada segmento, nas quais se concentraria a abordagem com as trabalhadoras. Para essa
seleção, foi realizada uma investigação exploratória no Sindicato dos Trabalhadores em
Telemarketing – Sintratel – e no Sindicato dos Trabalhadores em Mercados,
Supermercados e Hipermercados, no Atacado e Varejo, no Município de São Paulo –
Sindimercados27. A seleção teve como critério destacar duas empresas que tivessem
grande representatividade no segmento em geral, em termos de lucratividade e de
significativa contratação de trabalhadores, e que realizassem suas atividades
ininterruptamente, ou seja, 24 horas por dia. A opção por triar empresas com tais
características reside em obter informações para conhecimento dos arranjos temporais
27
Este, na época, fora indicado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Comércio e Serviços e
buscava na justiça sua regulamentação. A categoria profissional é representada pelo Sindicato dos
Comerciários de São Paulo.
33

realizados e da organização dos turnos. Isso em razão de termos como hipótese que as
práticas empresariais primam por implementar horários flexíveis, de forma a dispor dos
trabalhadores e trabalhadoras conforme lhes convenha para o atendimento de fluxos e
períodos distintos.
A escolha também procurou priorizar a investigação de uma empresa que
disponibilizasse creche no local de trabalho para atendimento dos filhos das
empregadas, o que foi possível apenas no caso do segmento de teleatendimento.
Segundo os dirigentes do Sintratel, a empresa que denominaremos A 28 é a única a
oferecer esse tipo de serviço, enquanto no ramo supermercadista não há registro de
empresas que disponibilizem creche para as empregadas no local de trabalho. Tal
escolha tornou-se interessante por possibilitar investigar o acesso a essa creche e se há
diferenciações no que tange à organização da vida diária das trabalhadoras, sendo um
caso particular e minoritário dentro do segmento em geral.

28
Optamos por manter o anonimato das empresas, uma vez que o foco da pesquisa está centrado não
nelas, mas na organização da vida diária das trabalhadoras. Além disso, consideramos que tal opção foi
um facilitador à coleta de entrevistas com as trabalhadoras. Salientamos também que não procuramos
estabelecer contato com representantes legais das empresas, mas apenas com as trabalhadoras. Isso por
dois motivos: o primeiro de ordem prática, uma vez que, desde a pesquisa de mestrado, procuramos
contatar as empresas de teleatendimento, obtendo sempre respostas negativas, além do fato de os
dirigentes do sindicato de comércio varejista contatado haverem nos informado que encontraríamos a
mesma resistência por parte das empresas daquele segmento; o segundo se refere ao fato de a pesquisa
estar, como mencionado, voltada à percepção das trabalhadoras sobre sua vida no trabalho e na família,
analisando a imbricação de ambas.
34

Quadro 1 – Apresentação das empresas selecionadas

Teleatendimento

Empresa brasileira, prestadora de serviço de call center, com teleatendimento


ativo e receptivo (com funcionamento 24 horas por dia).
Empresa A
Conta com mais de 8 mil funcionários e 3,5 mil posições de atendimento (PAs).
Possui duas unidades localizadas no Estado de São Paulo, sendo uma na capital
e outra no Município de Poá, na RMSP29.

Empresa brasileira prestadora de serviço de call center.


Conta com um total de aproximadamente 7 mil funcionários e cerca de 4 mil
PAs30, com funcionamento 24 horas por dia.
Empresa B
Durante a pesquisa de campo, fundiu-se a outra grande empresa do ramo. Após
a fusão, passou a vivenciar uma série de problemas ligados à violação de direitos
trabalhistas, enfrentando inclusive manifestações e greves de funcionários,
tendo posteriormente decretado falência.

Comércio varejista de super/hipermercados

Rede de grupo francês de comércio varejista, apontada como a maior empresa


de varejo na América Latina. Pertencente anteriormente a um grupo brasileiro,
associou-se, em 1999, ao grupo francês e, desde 2012, passou a ser totalmente
controlada por ele. Este tem atuação em diversos países.
Empresa C Conta com 2.164 unidades (entre super e hipermercados, lojas especializadas,
drogarias etc.). Possui 137 hipermercados e 387 lojas de supermercado das duas
de suas principais marcas, estando a grande maioria no Estado de São Paulo.
Conta com 142 mil colaboradores31.
É indicada como uma das primeiras no País a adotar o funcionamento 24 horas
por dia em seus estabelecimentos32.

Rede de supermercados pertencente a um grupo norte-americano, que atua em


âmbito mundial.
Empresa D Possui mais de 11 mil lojas em 27 países e engloba mais de 2,2 milhões de
funcionários.
Presente no Brasil desde 1995, conta com 540 lojas distribuídas em 18 estados e
aglutina cerca de 73 mil funcionários33.

29
Informações retiradas do site oficial da empresa. Em 2012, o mesmo site anunciava que a empresa tinha
sete unidades administradas (sendo quatro próprias), localizadas nos estados de Santa Catarina, Rio de
Janeiro e São Paulo, contando com mais de 10 mil funcionários.
30
Informações disponíveis em: <www.callcenter.inf.br>. Acesso em: 27 ago. 2011.
31
Informações retiradas do site oficial da empresa.
32
Em maio de 2014, a empresa anunciou o fim do funcionamento ininterrupto de suas lojas, alegando
necessidade de redução de custos. Em fevereiro de 2015, a empresa retrocedeu em sua decisão, mantendo
22 dos 137 hipermercados abertos. Informações retiradas do site de notícias UOL.
33
Informações retiradas do site oficial da empresa.
35

Cabe mencionar que, inicialmente, as quatro empresas descritas foram


selecionadas, porém as entrevistas se concentraram em uma empresa de cada segmento:
na empresa A, de teleatendimento, e na C, de super/hipermercados. Na primeira, as
trabalhadoras entrevistadas trabalhavam na sede da empresa localizada no Município de
Poá. Já na empresa C, foram realizadas entrevistas com trabalhadoras de três
estabelecimentos na Zona Sul do Município de São Paulo, sendo dois hipermercados e
um supermercado34.
A etapa seguinte da pesquisa consistiu no estabelecimento dos contatos com
os atores investigados. A primeira definição em relação ao grupo estudado foi sua
composição por trabalhadores de ambos os sexos, de diferentes grupos etários e com
variadas configurações familiares (solteiras/os, casadas/os, com filhos e sem filhos). Da
mesma forma, procurou-se entrevistar trabalhadoras com diversos tipos de jornada e
horário de trabalho (por exemplo, investigando tanto aquelas submetidas a escalas de
trabalho como as que possuem jornadas fixas; trabalho em período noturno e diurno).
Essa heterogeneidade do grupo permite compreender as diferentes
dinâmicas que interferem na vida das trabalhadoras. A opção por investigar homens e
mulheres se deu com vistas a compreender as relações entre trabalho, flexibilidade e
família na categoria dos trabalhadores em geral, bem como naquilo que toca
especificamente às mulheres e, portanto, analisar as relações de gênero imbricadas nessa
dinâmica.
As estratégias de aproximação com as entrevistadas foram diversas, seja de
forma direta, seja por intermediação do Sindicato ou de uma terceira pessoa35. O contato
direto foi feito em locais que reúnem grande número de trabalhadoras, como a porta da
central de teleatendimento e os espaços de descanso em supermercados. Esses também
são loci privilegiados para a realização de observações, já que neles se evidenciam
relações e dinâmicas sociais, como a interação entre os sujeitos36.

34
Duas entrevistas foram feitas, sendo uma com uma trabalhadora e outra com um ex-funcionário da
empresa C do Município de Campinas. Ainda que o foco da pesquisa fosse a Região Metropolitana de
São Paulo, consideramos importante realizar essas entrevistas de modo a coletar informações e relatos
que possibilitassem enriquecer a análise.
35
O contato a partir de intermediários ocorreu ao indagarmos se as pessoas de nosso contato conheciam
trabalhadoras das empresas selecionadas.
36
A porta das centrais de atendimento é um lugar privilegiado para estabelecer contato com as
trabalhadoras e realizar observações, uma vez que, nelas, costuma-se aglomerar grande quantidade de
trabalhadoras nas horas de troca de turno de trabalho, bem como nos momentos de pausa. O mesmo foi
observado nos super/hipermercados, os quais, muitas vezes, destinam um lugar de descanso ou recreação
às trabalhadoras, como é o caso de uma praça de alimentação e de um espaço de lazer em um
hipermercado da empresa C.
36

A técnica adotada para formar o grupo estudado é a da “bola de neve”,


como utilizada por Eva Illouz (2010) em sua pesquisa. Esta consiste em, a partir do
estabelecimento de contato da pesquisadora com um informante, chegar a outros,
ampliando o conjunto de sujeitos investigados. Como sugere Rosália Duarte (2002), a
partir de um informante-chave é possível ir definindo outros atores e agregando novos
informantes ao grupo. Assim, é uma técnica não probabilística que envolve um
recrutamento em cadeia (BALDIN & MUNHOZ, 2011).
No entanto, Illouz (2010) chama a atenção para o fato de que a utilização
dessa técnica pode incorrer na homogeneização do grupo estudado, sendo necessário
adotar estratégias que minimizem tal possibilidade. A fim de evitar ou minimizar esse
viés, optamos por ter mais de uma informante-chave em cada grupo. Assim, foi
estabelecido contato com diferentes informantes iniciais, que passaram a indicar outras
informantes. Da mesma forma, foram utilizadas diferentes estratégias de abordagem das
trabalhadoras, o que se mostrou fundamental para diversificar o conjunto estudado, não
incorrendo, por exemplo, no erro de apenas entrevistar aquelas que tivessem algum
vínculo com o Sindicato ou com algum grupo específico (como religioso).
A pesquisa com as trabalhadoras foi realizada por meio de entrevistas
individuais37 e em profundidade. Segundo Piedade Lalanda (1998), esse tipo de
entrevista permite ao pesquisador adentrar o universo subjetivo do entrevistado, isto é,
as representações e os significados que ele próprio atribui ao mundo que o rodeia e aos
acontecimentos que narra. Ela pressupõe uma versão da história, que se baseia nas
representações e na memória do informante. No entanto, como assinala a autora, uma
narrativa deve ser interpretada pelo sociólogo não como específica de uma
individualidade, mas como componente de uma intersubjetividade, formada a partir da
partilha de valores e da socialização com diversos outros atores. Por meio dos diferentes
relatos, o sociólogo é capaz de analisar o objeto ou o problema em questão de forma
mais ampla, atribuindo uma representação social a ele. Neste sentido, Cláudia Fonseca
(1999) aponta a importância de o pesquisador não considerar uma fala como específica

37
Em quatro casos, as entrevistas foram realizadas em dupla. Procuramos evitar esse tipo de situação,
mas nesses casos não foi possível, uma vez que a trabalhadora levou para a entrevista uma colega de seu
trabalho para também ser entrevistada. Apesar de diferir do procedimento utilizado nas demais, optamos
por manter essas entrevistas na pesquisa, visto que as informações obtidas foram ao encontro dos
resultados já identificados pela pesquisadora. Ao analisarmos essas entrevistas especificamente, ativemo-
nos a pontos fatuais e objetivos relatados pelas entrevistadas (como a trajetória profissional, a organização
familiar e as pessoas que participam do cuidado dos filhos) e não às percepções delas ou aos aspectos
mais subjetivos dos relatos.
37

de um caso particular, pois é a partir do conjunto dos depoimentos e de sua


contextualização sócio-histórica que o pesquisador pode empreender a análise social.
As entrevistas, iniciadas em outubro de 2011, tiveram como objetivo
realizar uma caracterização socioeconômica e compreender tanto a percepção das
trabalhadoras relativamente à sua atividade profissional, quanto o modo como as
dimensões da vida familiar e social são organizadas, as dinâmicas estabelecidas na
esfera privada e os mecanismos e estratégias adotados na articulação entre as esferas
profissional e familiar. Para tanto, utilizou-se um roteiro semiestruturado (Anexo I),
elaborado a partir de grandes blocos temáticos.
É preciso informar que 30 entrevistas ocorreram em uma primeira fase,
durante o período de 2011 a 2013. A segunda fase, realizada de 2014 a 2015 38, voltou-
se tanto à entrevista de novos informantes, como à realização de novas entrevistas com
trabalhadoras anteriormente entrevistadas. Neste último caso, o objetivo foi
compreender se houve mudanças na empresa, no exercício do trabalho ou na
organização de suas vidas diárias e familiares. Como refere Robert Cabannes (2011), ao
estudar a organização familiar e suas transformações, torna-se importante realizar
entrevistas em distintos momentos, de modo a compreender tanto as mudanças
ocorridas como a própria percepção dos sujeitos em relação a elas 39.
Assim, foram realizadas 54 entrevistas com 48 trabalhadoras, englobando
tanto atuais trabalhadoras das empresas como ex-funcionárias40, conforme tabela no
Anexo II. Neste último caso, procuramos compreender os motivos que levaram à saída
da informante da empresa, suas percepções sobre as atividades realizadas e quais
mudanças e continuidades eram percebidas por elas.
As entrevistas, com duração média de uma hora, ocorreram
majoritariamente em restaurantes e lanchonetes próximos ao local de trabalho (34), mas
também na residência das entrevistadas (10), em estabelecimento próximo à residência
ou em local frequentado pelas informantes (8) e na sede do Sintratel (2).

38
A interrupção se refere ao período de estágio de doutorado na França, realizado com a equipe Genre,
Travail, Mobilités (GTM) do Centre de Recherches Sociologiques et Politiques de Paris (Cresppa), no
período de agosto de 2013 a julho de 2014.
39
Procuramos manter comunicação permanente com as trabalhadoras, o que foi feito por telefone, por
contato direto na porta das empresas ou por redes sociais. Diversos contatos foram realizados,
posteriormente, por telefone, a fim de saber o que ocorria na vida das entrevistadas. As informações
foram registradas no diário de campo.
40
Os nomes das entrevistadas e dos entrevistados, bem como das pessoas citadas, foram alterados a fim
de garantir o anonimato.
38

Destaque-se que no próprio processo de agendamento das entrevistas houve


a identificação de características da população, como a falta de tempo e o
descontentamento diante da percepção de “estar ausente da vida familiar”, elementos
que serão alvo de análise ao longo desta pesquisa.
As entrevistas foram realizadas até se alcançar o “ponto de saturação
qualitativo” (GONDIM & LIMA, 2010). Segundo Duarte (2002), na pesquisa
qualitativa, o grupo de entrevistados é definido até o momento em que o pesquisador, na
busca por novas informações, práticas e reflexões nos depoimentos dos informantes,
percebe a repetição de certos elementos, identificando um “ponto de saturação” das
informações.
Vale ressaltar que todas as participantes leram e assinaram o Termo de
Compromisso Livre e Esclarecido 41. As entrevistas foram gravadas 42, transcritas e,
posteriormente, classificadas por categorias analíticas.
As observações realizaram-se, de modo pontual e não sistemático, sobretudo
no momento das entrevistas, principalmente quando estas ocorreram na casa das
trabalhadoras. No caso das operadoras de caixa de super/hipermercados, elas também
foram colhidas no local de trabalho, uma vez que este é aberto ao público. Para ambos
os grupos, também se efetuaram observações nos lugares de convivência e de
sociabilidade das trabalhadoras. As anotações foram feitas no caderno de campo. Todos
os dados coletados foram sistematizados e analisados de acordo com os conceitos e
referenciais teóricos adotados ao longo da pesquisa.

Alguns desafios encontrados


Antes de caracterizar o grupo estudado, cabe indicar algumas dificuldades
encontradas ao longo da pesquisa de campo. Segundo a recomendação de Mirian
Goldenberg (2004), é necessário que o pesquisador evidencie os caminhos e
descaminhos percorridos, os feitos e obstáculos encontrados, as dificuldades e
motivações de suas escolhas ao longo do processo de pesquisa. Para a autora, esse é um
modo de o pesquisador controlar o possível viés de sua interferência, além de permitir
que o próprio leitor compreenda as questões e análises abordadas pelo pesquisador,
podendo repensá-las, futuramente, a partir das informações relatadas.

41
Ver Anexo III.
42
Apenas a primeira entrevista não pôde ser gravada devido a um problema técnico no gravador. Neste
caso, ela foi anotada no diário de campo.
39

Consideramos ainda que os caminhos e descaminhos da pesquisa aparecem


como dados importantes de análise, que falam por si e que, portanto, não podem ser
omitidos.
Um primeiro ponto a indicar é que alguns planejamentos e questionamentos
iniciais foram alterados no decorrer da pesquisa de campo. A composição do grupo
estudado ocorreu por meio de um processo lento e contínuo, devido às dificuldades
encontradas para contatar as trabalhadoras. Diante disso, diferentes estratégias foram
adotadas para contornar o problema e, assim, conseguir uma aproximação com as
informantes, como a realização de diversas ligações telefônicas, idas à porta da
empresa, contatos em redes de relacionamento na internet, entre outras.
No entanto, essas dificuldades se mostraram diferentes para cada grupo, o
que já desponta como um elemento interessante de análise sociológica. Segundo
Goldenberg (2004), é importante, ao analisar os dados coletados, escutar, além do que
foi dito pelo entrevistado, também o “não dito”, buscando compreender o porquê
daquilo que não foi falado pelo informante. E, em nosso caso, compreender também o
porquê do “não falar” das informantes.
No que se refere ao segmento de super/hipermercados, pudemos notar,
desde o início, uma resistência das trabalhadoras em aceitar conceder a entrevista.
Algumas delas chegaram a aceitar participar da pesquisa, para, posteriormente, desistir.
Não foram raros os casos em que as próprias trabalhadoras iniciaram a entrevista
informando que não “falariam mal” da empresa 43.
A difícil realização de pesquisa com operadoras de caixa de supermercado
também apareceu na pesquisa de Nathalie Cattaneo (1997). A autora, em seu estudo
sobre o trabalho em tempo parcial nos anos 1992 e 1994 na França, com duas
populações profissionais – enfermeiras e operadoras de caixa de supermercado –, indica
ter encontrado uma série de dificuldades. No caso da pesquisa em supermercados, ela se
deparou, de um lado, com a recusa dos dirigentes dos estabelecimentos em participar e,
de outro, com a resistência e a reticência das próprias operadoras de caixa. Estas últimas
se mostraram resistentes diante do longo questionário, que exigia respostas por escrito –
segundo a autora, a origem social e o nível de escolaridade das trabalhadoras podem ter

43
Alguns fatos indicaram que essa resistência dizia respeito não apenas a esta pesquisa. Na entrevista
com os dirigentes do Sindimercados, estes alertaram para a dificuldade que teríamos para falar com os
trabalhadores. Posteriormente, em um seminário em que os resultados parciais desta pesquisa foram
apresentados, outros pesquisadores do tema nos indagaram sobre como havíamos contatado as
trabalhadoras, uma vez que essa aproximação era considerada difícil no segmento.
40

sido fatores limitadores à participação – e reticentes em expor a situação que


vivenciavam. Se a primeira justificativa não é o caso de nossa pesquisa, já que não
envolveu questionários por escrito, a segunda ajuda a refletir sobre as motivações da
dificuldade encontrada em “fazê-las falar”.
A resistência que encontramos entre as trabalhadoras de
super/hipermercados foi oposta à postura das teleatendentes quanto à possibilidade de
falar sobre suas atividades. Estas últimas expressaram sempre uma vontade de falar
sobre a empresa e o trabalho, em muitos casos com um tom de desabafo. Essa diferença
de postura parece estar diretamente ligada ao sentido que o trabalho confere à vida de
cada grupo estudado, como analisaremos ao longo desta pesquisa.
Outro obstáculo encontrado se refere à manutenção de contato contínuo e
periódico com todas as trabalhadoras. Em muitos casos, não foi possível localizar a
trabalhadora posteriormente, sendo necessário retornar diversas vezes à porta das
empresas ou procurar outras formas de contatá-la, o que foi agravado pela alta taxa de
rotatividade em ambos os segmentos. Assim, muitas trabalhadoras contatadas ou
entrevistadas, dos dois grupos, já não estavam mais vinculadas às empresas 44 quando
procuradas para uma segunda entrevista.
O plano inicial previa, ainda, entrevistas com demais membros da
organização familiar das entrevistadas, etapa que ficou impossibilitada pelas inúmeras
negações às tentativas empreendidas. Aqui, novamente, gostaríamos de refletir sobre o
“não falar” das mulheres. Em muitos casos, tentamos entrevistar mães e tias das
trabalhadoras que permanecem nas residências, realizando, sobretudo, trabalho
doméstico e de cuidados. A invisibilidade e a não valorização desse trabalho são, como
já mencionamos, fortemente presentes em nossa sociedade. Consideramos que também
o seja entre essas mulheres, que recorrentemente disseram ser tímidas ou não considerar
ter algo importante para falar. Aqui, ainda, há um desafio às pesquisas sociológicas que
tratam do tema família e gênero, que é conseguir ouvir essas mulheres e suas
percepções sobre as dinâmicas familiares. Infelizmente, encontramos mais resistência
do que abertura nesse ponto.
A fim de contornar essa lacuna, procuramos, ao longo das entrevistas,
coletar o máximo de dados e informações acerca dos arranjos familiares, das pessoas
que os compõem e das atividades realizadas por cada membro da família, o que permite

44
Nesses casos, procuramos acompanhar o motivo da saída e o que ocorre na vida de tais trabalhadoras.
41

analisar as dinâmicas cotidianas e familiares. Do mesmo modo, as entrevistas realizadas


nas residências das trabalhadoras nos possibilitaram conhecer algumas dessas mulheres
e coletar informações a respeito dessas dinâmicas.
Passemos, então, a apresentar algumas características das 48 trabalhadoras
que compõem nosso grupo de análise.

1. Caracterização do grupo estudado


Do total de 48 pessoas entrevistadas, 37 eram do sexo feminino 45 e 11 eram
do sexo masculino. Nas tabelas do Anexo IV, encontra-se a caracterização do grupo
entrevistado por segmento profissional46.
Dentre o conjunto, 23 informantes eram do ramo de teleatendimento, sendo
20 mulheres e 3 homens. A maioria era operadora de teleatendimento, com exceção de
uma entrevistada que era supervisora e de um entrevistado que era coordenador. Duas
entrevistadas trabalhavam com teleatendimento receptivo e as demais, com ativo.
Apenas duas entrevistadas eram vinculadas à empresa B. Vale dizer aqui que, no
momento da segunda entrevista, uma das teleatendentes havia se tornado operadora de
caixa na empresa C.
Entre as 25 pessoas entrevistadas do ramo de super/hipermercados, 18 eram
mulheres e 7, homens. No que se refere à atividade, todas eram contratadas como
operadoras de super/hipermercados, com exceção de uma (homem) que era analista e
trabalhava na sede da empresa. No entanto, elas exerciam atividades diferentes nos
estabelecimentos: 17 eram operadoras de caixa (14 mulheres e 3 homens); 2 eram
fiscais de frente de caixa (mulheres) e 6 eram operadoras de super/hipermercados (4
homens e 2 mulheres) que realizavam atividades em diferentes setores da loja. Do total,
24 trabalhavam na empresa C (sendo 2 no Município de Campinas) e 1, na empresa D.
Apenas uma trabalhadora possuía outro vínculo empregatício (funcionária pública) além
do emprego no supermercado, ambos com jornadas de 6 horas diárias.
Todas as entrevistadas, de ambos os segmentos, possuíam um contrato
formal de trabalho. Ao analisar o tempo de permanência no emprego, verificamos que,
na média, ele é menor entre as teleatendentes. Chama a atenção a presença de
trabalhadoras com tempo de permanência na empresa superior a três anos (oito

45
Uma entrevistada era transexual.
46
A caracterização é feita com base nas informações coletadas no momento da primeira entrevista com
cada trabalhador/a. Para as tabelas, ver Anexo IV.
42

teleatendentes e 11 operadoras de super/hipermercados), dada a alta rotatividade


existente nos segmentos, conforme será verificado no capítulo seguinte.

Gráfico 1 – Distribuição das entrevistadas por tempo de permanência no emprego (números


absolutos)

14
12
10
8
6
4
2
0
Até 2,9 3,0 a 6,0 a 12,0 a 24,0 a 36,0 a 60,0 a 120,0
meses 5,9 11,9 23,9 35,9 59,9 119,9 meses
meses meses meses meses meses meses ou
mais

Total Teleatendimento Super/Hipermercado

A idade média era de 26,5 anos, tendo sido entrevistadas pessoas de 17 a 58


anos (gráfico 2). Porém, é importante notar que uma grande parcela, dos dois grupos,
era composta de jovens, sendo que 19 tinham menos de 24 anos e 24 tinham entre 24 e
33 anos. As teleatendentes eram ainda mais jovens que as operadoras de
super/hipermercados, as quais se encontravam numa faixa intermediária de idade.

Gráfico 2 – Distribuição das entrevistadas por faixa etária (números absolutos)

25

20

15

10

0
15 A 17 18 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 OU
MAIS

Total Teleatendimento Super/Hipermercado


43

No que se refere à escolaridade, a grande maioria (33) tinha o ensino médio


completo (sendo que duas cursavam o técnico profissionalizante), uma vez que essa é a
escolaridade exigida na contratação da maior parte dessas profissionais (teleatendentes e
operadoras de caixa). Apenas uma entrevistada possuía ensino médio incompleto, uma
possuía o ensino fundamental completo e uma, o ensino fundamental incompleto. Sete,
sendo dois homens e cinco mulheres, possuíam o ensino superior incompleto (estavam
cursando ou haviam interrompido o curso), três haviam terminado o ensino superior
(dois homens e uma mulher, sendo que um deles cursava o segundo curso universitário),
um estava cursando a pós-graduação e um havia concluído o curso de pós-graduação.
Ao desagregarmos a escolaridade por segmento, tem-se que, entre as
teleatendentes, todas concluíram o ensino médio, sendo que uma pequena parcela delas
tinha o curso superior incompleto; já entre as operadoras de super/hipermercado, a
escolaridade encontrada foi mais heterogênea, havendo desde trabalhadoras com ensino
fundamental completo ou incompleto até aquelas com nível superior ou pós-graduação
completos. Nota-se ainda, no caso do segmento de super/hipermercados, uma
escolarização masculina ligeiramente superior à feminina, particularmente em relação à
continuidade dos estudos pós-ensino superior.
A raça/cor é um elemento importante na caracterização do grupo estudado.
Do conjunto das pessoas entrevistadas, 25 eram brancas, 22 eram negras e uma era
amarela. Por segmento, tem-se que, no teleatendimento, foram entrevistadas mais
negras (12), seguidas por brancas (10) e amarela (1). No ramo de super/hipermercados,
predominou a entrevista com pessoas brancas (15) contra 10 negras47.
Em relação à situação conjugal, do conjunto de pessoas informantes, 28
disseram ser solteiras, 16 viviam com companheiro ou cônjuge 48 e 4 disseram ser
divorciadas ou separadas. Do total, 21 afirmaram ter filhos, sendo que a maioria tinha
um ou dois filhos, com exceção de duas entrevistadas que tinham três filhos e da
entrevistada mais velha que tinha cinco filhos.

47
Aqui, uma consideração importante deve ser feita. A classificação da raça/cor foi feita pela
pesquisadora e não pelas entrevistadas. Apenas às últimas quatro entrevistadas foi solicitado que
declarassem sua raça/cor. Nesses casos, também houve manutenção da classificação feita pela
pesquisadora. Reconhecemos que teria sido mais interessante solicitar a autodeclaração a todas as pessoas
participantes, visto que esse é o método utilizado pelo IBGE em suas pesquisas e que a raça/cor é um
aspecto subjetivo, que pode, aqui, ter sido influenciado pela experiência da pesquisadora enquanto pessoa
branca. Entretanto, isso não invalida a importância desses dados, devendo ser levado em consideração o
tipo de classificação adotado.
48
Dois dos entrevistados – um homem e uma mulher – eram casados entre si.
44

Ao desagregarmos por sexo, temos que, entre as mulheres (37 no total), 20


eram solteiras, 13 viviam com o companheiro/cônjuge e 4 disseram ser
divorciadas/separadas. Dessas, 19 tinham filhos e, dentre essas, 10 viviam co m
companheiro/cônjuge. Em relação aos homens, 8 eram solteiros e 3 viviam com
companheira/cônjuge. Desses, 2 tinham filho, um sendo casado e outro, solteiro.
Foram encontrados diversos arranjos familiares – tomados aqui como o
conjunto de pessoas ligadas por parentesco, dependência doméstica ou normas de
convivência, residentes no mesmo domicílio (IBGE, 2015b). Cabe dizer que, em alguns
casos, as trabalhadoras se encontravam na condição de dependência em relação a seu
responsável, isto é, eram filhas residindo com pai ou mãe. Em outros casos, elas eram as
responsáveis pelo lar, partilhando, ou não, esse encargo com outra pessoa. Portanto,
observam-se pessoas com variadas trajetórias e em diferentes momentos do ciclo de
vida, vivendo em configurações familiares diversas.
No gráfico seguinte, são apresentados os distintos arranjos, considerando as
pessoas com quem residiam. É importante salientar, e isto será analisado ao longo da
pesquisa, que outras pessoas do grupo familiar, embora não residissem diretamente com
a trabalhadora, desempenhavam papel decisivo no modo como a dinâmica familiar e as
atividades diárias se organizavam. Aqui, porém, as informações estão limitadas às
pessoas que viviam em mesma residência, tendo como referência a relação destas com a
entrevistada (gráfico 3).
45

Gráfico 3 – Distribuição das entrevistadas por composição dos domicílios (números absolutos)

Mãe, pai e outros familiares

Mãe e outros familiares, com ou sem filhos, e sem presença


de cônjuge ou pai

Cônjuge sem filho

Cônjuge, filho e outros familiares

Outros familiares (irmãos, tios, primos)

Apenas com filho

Filho e outros familiares, sem presença de cônjuge

Mãe, pai, irmão e filho

Amigo/a

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Homens Mulheres Total

A análise desses arranjos, além de determinar uma multiplicidade de


configurações, evidencia ainda outros importantes elementos sobre as dinâmicas
familiares. Primeiramente, nota-se uma grande parcela de famílias em que predomina a
monoparentalidade feminina. Esta se dá tanto entre as entrevistadas que tinham filhos e
não residiam com cônjuge, quanto entre as mães das trabalhadoras que, em vários casos,
foram consideradas a pessoa de referência do domicílio. Portanto, notam-se duas
gerações de mulheres vivendo em famílias monoparentais femininas.
Também é possível verificar a presença significativa de pessoas vivendo em
famílias numerosas, como aquelas que incluem o cônjuge, filhos e outros parentes
(como os avós), ou aquelas que incluem familiares diversos, como tias, sobrinhos e
primos habitando o mesmo lar 49.
A presença de famílias nucleares, formadas por cônjuges com filhos – seja
do trabalhador enquanto pai e da trabalhadora enquanto mãe, seja deles enquanto filho/a

49
Vale mencionar que foram encontrados alguns casos de pessoas da mesma família trabalhando na
empresa de super/hipermercados C.
46

–, mostrou-se acentuada, configurando-se a maioria. Destacam-se, porém, os casos de


arranjos formados por casais sem filhos.
Essa diversidade nos arranjos familiares aparece em acordo com os dados da
PNAD (IBGE, 2015b), os quais assinalam que as famílias nucleares formadas por
cônjuges com filhos ainda são predominantes no País, estando, porém, em declínio:
estas passaram de 51% em 2004 para 42,9% em 2014. No movimento inverso, vem
crescendo o número de famílias que têm a mulher como pessoa de referência, de
pessoas morando sozinhas e de casais sem filhos. Este último arranjo passou de 14,7% a
19,9% no mesmo período. A monoparentalidade feminina (mulheres sem cônjuges e
com filhos), ainda que venha sofrendo lenta redução, é significativa: passou de 18,3%,
em 2004, para 16,3%, em 2014.
Os dados indicam, assim, estar em curso um processo de diversificação das
famílias brasileiras, o que também pode ser identificado no grupo aqui estudado. Nesta
pesquisa, procuramos analisar quais dinâmicas se estabelecem nessas famílias e de que
modo a relação entre a esfera do trabalho e a da família afeta e/ou é afetada por esses
arranjos.
Para ajudar a compreender as dinâmicas estabelecidas entre trabalho
profissional e vida familiar, é importante analisar ainda a relação entre tempo e espaço
no deslocamento casa-trabalho do grupo de entrevistadas. Essa relação tem papel
importante na organização da vida cotidiana e familiar das trabalhadoras e, portanto, em
suas qualidades de vida.
A maior parte das entrevistadas residia em bairros próximos à empresa. A
distância média da residência à empresa foi de, aproximadamente, 9 km, sendo que 21
moravam a menos de 5 km de distância50. Essa proximidade e o curto tempo de
deslocamento tendem a ser priorizados pelas empresas na contratação, sendo
particularmente o caso da empresa de super/hipermercados C, como veremos adiante.
No caso da empresa de teleatendimento A, por estar localizada no Município de Poá, ela
aparece como um polo de emprego atrativo, sobretudo, para jovens do município e
daqueles adjacentes, como Suzano e Ferraz de Vasconcelos.

50
É importante frisar que esse dado é aproximativo. O cálculo da distância teve como ponto de referência
o bairro de residência das entrevistadas, utilizando-se um aplicativo na internet que calcula distância e
tempo percorrido entre dois pontos. As informações quanto ao tempo gasto no deslocamento foram
coletadas no momento das entrevistas. Nos poucos casos em que o tempo gasto não foi mencionado pela
entrevistada, o cálculo do tempo foi aproximativo, tendo como referência o deslocamento por transporte
público entre o endereço da empresa e o bairro de residência.
47

O gráfico abaixo apresenta a relação entre tempo e espaço de deslocamento.

Gráfico 4 – Distribuição das entrevistadas em relação ao tempo e à distância do trajeto casa-


trabalho

140

120

100
Tempo (minutos)

80

60

40

20

0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Distância (km)

Relativamente ao tempo gasto no deslocamento casa-trabalho (ou no trajeto


contrário), a média ficou em 42 minutos. Das pessoas entrevistadas, 15 gastavam menos
de 30 minutos; 28, entre 30 minutos e 1 hora; e 5, entre 1h30min e 2 horas.
O tempo encontrado apresenta confluência com a realidade do País.
Segundo dados da PNAD, em 2012 o brasileiro gastava em média 30,2 minutos para
percorrer o trajeto casa-trabalho de forma direta (isto é, sem passar por um destino
intermediário) e independentemente do meio de transporte utilizado. Na Região
Metropolitana de São Paulo, a média era de 45,6 minutos. No País, os mais pobres eram
os que gastavam mais tempo nesse deslocamento: 17% das famílias com renda per
capita de 0,5 a 1 salário mínimo levavam mais de 1 hora no deslocamento. Entre as
famílias com renda per capita acima de 5 salários mínimos, essa porcentagem era de
11% (IPEA, 2013).
Como vimos, a caracterização do grupo estudado evidencia uma
heterogeneidade de pessoas em diferentes momentos do ciclo de vida, inseridas em
diferentes arranjos familiares. Procuraremos investigar quais as experiências vividas por
elas nas esferas produtiva e reprodutiva, com o objetivo de compreender quais as
práticas cotidianas e as estratégias na articulação de ambas as esferas.
48

Capítulo 2 – Subsetores analisados: o trabalho feminino em foco

O setor de serviços (ou “terciário”) vivenciou, ao longo do século XX, uma


forte expansão, intensificada a partir dos anos 1960. Transformações sociais,
demográficas, culturais e econômicas nos países industrializados contribuíram para o
crescimento do setor, com o surgimento de novas atividades e com a reformulação de
outras. O desenvolvimento tecnológico, como os serviços de informação e a
microeletrônica, também foi elemento importante nesse movimento.
Este capítulo tem como objetivo destacar certos aspectos do setor de
serviços no Brasil, visando compreender sua dinâmica e importância na economia
nacional na atualidade, bem como no assalariamento feminino. Nele, apresentamos os
dois segmentos analisados nesta pesquisa: o de comércio varejista de
super/hipermercados, em particular a atividade de operadora de caixa, e o de
teleatendimento.
Ambos contam com uma presença massiva de mulheres. As atividades de
operadora de caixa de super/hipermercados e de teleatendente se caracterizam por sua
feminização. Desse modo, cabe analisarmos as relações de gênero nesses dois
segmentos.
Aqui, recorremos aos dados secundários produzidos pelos institutos de
pesquisa do País para apresentar ambos os segmentos e o emprego feminino neles. Para
aprofundar a análise, debruçamo-nos sobre as percepções das próprias trabalhadoras em
relação à divisão sexual do trabalho nas atividades. Assim, as análises quantitativa e
qualitativa se mesclam, com vistas à compreensão de como se configuram esses dois
segmentos hoje.

1. O setor de serviços
Um primeiro ponto a salientar na análise do setor de serviços é sua
amplitude e a heterogeneidade de atividades que engloba. Dadas essas características,
não há consenso – entre estudiosos e institutos de pesquisa – quanto à sua definição.
Tiffon (2013) indica que tudo aquilo que não é agrícola ou industrial acaba sendo
comumente considerado pertencente ao setor terciário. Foi sob essa denominação que o
setor passou, nos anos 1930, a ser objeto de análise econômica. Já nos anos 1950,
começou-se a falar em “serviços” (SAMBATTI & RISSATO, 2003).
49

São variadas suas definições. Os estudos de Jean Gadrey (2001; 2005) são
uma das referências no tema. Ao procurar mapear a especificidade do setor, o autor
destaca, de um modo mais geral, que, na produção de bens tangíveis, o resultado da
atividade tem uma forma material, a qual pode circular economicamente (em seu
aspecto físico) de modo independente de seu produtor, bem como de seu utilizador. Já
na produção de serviços, a forma material do resultado não permite essa relativa
independência econômica do produto.
Tais características levaram o setor a ser comumente definido em oposição
ao agrícola e ao industrial. Assim, ele seria marcado pela intangibilidade, pela
simultaneidade, pela não estocagem e pela relação entre prestadores e usuários dos
serviços. No entanto, tais características não parecem ser suficientes para compreendê-
lo, uma vez que a produção e o consumo dos serviços vivenciaram transformações ao
longo do tempo, a partir das inovações tecnológicas e organizacionais e das novas
formas de comercialização (MEIRELLES, 2006), que o complexificaram.
Uma das definições elaboradas para dar conta dessa diversidade é a de
Gadrey, que a pensa a partir de um desenho triangular. A atividade de serviços tratar-se-
ia, então, de:

uma operação visando uma transformação do estado de uma realidade C51,


possuída ou utilizada por um consumidor (ou cliente, ou usuário) B, realizada
por um prestador A diante da demanda de B, e frequentemente em relação
com ele, mas não resultando na produção de um bem suscetível de circular
economicamente independentemente do suporte C (GADREY, 2003, apud
TIFFON, 2013, p. 19).

Zarifian (2013) – outro estudioso que é referência no tema – também se


aproxima dessa linha. Ele, tomando a definição de Peter Hill52, afirma que o serviço
envolve uma transformação e depende de outro para acontecer, sendo, assim, “uma
transformação do modo de existência e/ou das disposições da pessoa humana,
disposição de seu corpo e de seu pensamento” (ZARIFIAN, 2013, p. 5).
Essas abordagens, no entanto, não são isentas de críticas e de reformulações.
Braga (2006a), por exemplo, critica a definição triangular de serviço, por ela se
restringir a um ponto de vista microeconômico e interindividualista, além de ser uma

51
Essa realidade é entendida como objetos ou sistemas materiais, informações, indivíduos ou
organizações. (TIFFON, 2013)
52
A definição de Hill também serve de base a Jean Gadrey, que reelabora a própria definição. TIFFON
(2013) apresenta uma análise da proposição de Hill e a crítica, posteriormente, feita a ela, que originou as
proposições de Gadrey e Zarifian.
50

definição funcional e não abranger as variações nas relações entre consumidor e


prestador. O autor defende a definição de Jean-Pierre Durand53, o qual, numa
aproximação marxista, afirma que os serviços envolvem a compra de tempo de trabalho
(assim como na indústria ou no setor agrícola), porém, com a diferença de que esse
tempo não é convertido em um bem durável.
Dessa discussão abrangente e que abarca uma vasta literatura do tema 54,
consideramos importante reter aqui o reconhecimento da heterogeneidade e da
complexidade que envolve o setor de serviços, com suas múltiplas atividades,
configurações e relações.
Apesar de sua abrangência e variabilidade, é possível identificar um traço
comum e importante que aproxima as atividades: trata-se da interação entre o prestador
e o usuário do serviço (o cliente)55. Essa é uma característica fundamental das relações
de serviço, sendo um ponto que as diferencia da produção, por exemplo, na indústria. O
cliente está presente nessas relações como um ator decisivo.
No entanto, mesmo essa dimensão apresenta variações. Assim, há atividades
em que a relação se dá entre o prestador do serviço e o cliente. Outras envolvem um
intermediário, isto é, o empregador. Nesses casos, o prestador contrata um assalariado
para realizar o serviço. Aqui se enquadram os casos da operadora de caixa e da
teleatendente. Neles, três atores estão envolvidos: o cliente, o prestador (geralmente
uma empresa) e o assalariado. Amparo Serrano, María Martín e Eduardo Crespo (2012)
apontam como característica dos serviços a “triangulação do poder”, em que o cliente
desempenha importante papel na produção.
Há ainda outras diferenças no modo como se estabelecem essas relações e a
situação dos trabalhadores que prestam o serviço. Assim, há circunstâncias em que os
assalariados produzem o serviço, mas não estão em contato direto com os clientes (back
office), e outras em que o contato se faz diretamente (front office). Além disso, esse
contato direto pode dar-se pessoalmente ou, por exemplo, por telefone.
Portanto, são múltiplas as variações nas atividades de serviço, nas formas de
produção e nas relações estabelecidas. Aqui, procurando abarcar essa heterogeneidade,

53
DURAND, Jean-Pierre. La chaîne invisible – travailler aujourd’hui: flux tendu et servitude volontaire.
Paris: Seuil, 2004.
54
Em relação à definição e ao caráter produtivo do setor de serviços e à discussão entre imaterialidade e
materialidade, alguns estudos resumem, de maneira interessante, os debates existentes. Ver, entre outros:
ANTUNES (2007); BRAGA (2009); MAY (2000); MEIRELLES (2006); TIFFON (2013).
55
O cliente é, comumente, tratado pelos termos “usuário”, “consumidor”, “receptor de serviço”.
51

utilizaremos o termo “setor de serviços” de uma forma ampla, como sinônimo de


“terciário”. Nele, incorporam-se as atividades de comércio; alojamento e alimentação;
transportes; telecomunicações; intermediação financeira; seguros e previdência privada;
atividades imobiliárias; serviços de informática; administração pública; pesquisa e
desenvolvimento; educação; saúde e serviços sociais; e serviços pessoais e domésticos 56
(LEMOS, ROSA & TAVARES, 2002).

1.1 - A expansão do setor de serviços

O crescimento e o desenvolvimento do setor de serviços, segundo Jordão


Nunes, Lúbia Dutra e Marina Landeiro (2008), podem ser considerados uma das mais
importantes transformações do mundo do trabalho vivenciadas a partir do século XX.
No plano econômico, algumas mudanças aparecem como fatores que
impulsionaram o desenvolvimento dos serviços no País. Cabe lembrar que, no Brasil, os
anos 1950 a 1980 foram marcados pela forte expansão industrial. Segundo Pochmann
(2014), nesse período a participação do setor secundário (o qual inclui a indústria e a
construção civil) no PIB do País foi crescente, enquanto o setor primário (agropecuária)
vivenciou uma redução em sua participação e o terciário (inclui comércio e serviços) se
manteve praticamente estável. Já no período seguinte, entre 1980 e 2010, houve uma
forte retração da indústria e elevado aumento do setor terciário, o qual, nos anos
recentes, passou a representar 70% do PIB. O gráfico 5 revela esse movimento,
evidenciando a forte expansão do setor de serviços na economia brasileira,
particularmente após os anos 1980.

56
Esse é o conceito de setor de serviços amplo (muitas vezes referido pelo termo “terciário”), tal como
utilizado pelo IBGE, para, por exemplo, analisar a composição do PIB do País. Para nos referirmos aos
segmentos incluídos nessa definição, utilizaremos o termo “subsetor”. No que chamamos de “subsetor de
serviços”, o IBGE inclui os serviços prestados às famílias (alojamento e alimentação; outros serviços
prestados às famílias); serviços de informação e comunicação (serviços de tecnologia da informação e
comunicações – TIC; serviços audiovisuais, de edição e agências de notícia); serviços profissionais,
administrativos e complementares (serviços técnico-profissionais; serviços administrativos e
complementares); transportes, serviços auxiliares aos transportes e correio (transporte terrestre; transporte
aquaviário, transporte aéreo; armazenagem, serviços auxiliares dos transportes e correio); e outros
serviços. Quando se fizer necessário, diferenciaremos os subsetores de comércio e de serviços, sobretudo
na análise dos dados secundários.
52

Gráfico 5 – Participação do Valor Adicionado Bruto segundo setor da economia (percentual) –


Brasil – 1947-201457

100%
90%
80%
51,5 50,0 52,6 49,0
70% 60,0
68,0 67,7 71,0
60%
50%
40% 24,2 32,2
30% 35,9 40,9
33,0
20% 26,5 27,4 23,4
10% 24,3
17,8
11,5 10,1 6,9 5,5 4,9 5,6
0%
1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2014

Agropecuária Indústria Serviços

Fontes: Fundação Getúlio Vargas – Centro de Contas Nacionais – Diversas publicações, período 1947 a 1989; IBGE
– Diretoria de Pesquisas – Coordenação de Contas Nacionais – Séries Históricas e Estatísticas. Elaboração própria.

Nesse período, o quadro de recessão econômica, com forte retração da


indústria, impulsionou a expansão dos serviços. Esse movimento, segundo Cristina
Bruschini (1989), contribuiu para evitar uma expressiva queda no nível de emprego,
absorvendo parte dos trabalhadores oriundos do setor industrial, e para retomar o
crescimento econômico. Assim, a retração da indústria foi elemento-chave para
compreender a expansão dos serviços no País.
No plano demográfico, as mudanças vividas nas últimas décadas, como a
redução das taxas de fecundidade e o envelhecimento da população (IBGE, 2015b),
aumentaram a necessidade por novos tipos de serviço no interior das famílias. Jean
Gadrey (2005) revela que essas e outras mudanças alteraram os comportamentos de
consumo nos lares. Segundo o autor, “as transformações nos modos de vida e na
estrutura familiar, a urbanização, a progressão das taxas de atividade das mulheres,
todos são elementos que influem sobre a demanda crescente de serviços nos domicílios”
(GADREY, 2005, p. 30). A vida familiar envolve a realização de uma série de tarefas e
atividades que, ao longo do tempo, passou a, cada vez mais, ser externalizada e

57
O Valor Adicionado Bruto é a contribuição ao Produto Interno Bruto pelas diversas atividades
econômicas, sendo obtido descontando-se o valor dos insumos utilizados no processo produtivo
(excluindo impostos, por exemplo) do Valor Bruto da Produção (VBP). Para os anos de 2010 a 2014, os
resultados preliminares foram obtidos a partir das Contas Nacionais Trimestrais, segundo o IBGE.
53

mercantilizada, tornando a família uma importante empregadora58, bem como


consumidora de serviços.
Essas mudanças, bem como o desenvolvimento tecnológico, foram aspectos
que contribuíram para que se criassem novas profissões e ocupações e se
reconfigurassem algumas atividades, possibilitando o estabelecimento de subsetores
diversos, muito ou pouco dinâmicos, mais ou menos produtivos, com maior ou menor
uso de tecnologia etc.
Essas diferenciações entre os segmentos nos serviços também já foi alvo de
uma ampla discussão na sociologia. Segundo Braga (2012), parte dos sociólogos na
década de 1990 assinalava que uma “nova economia” estar-se-ia configurando com base
no desenvolvimento de novas tecnologias e dos serviços de informação. Nela, os
empregos afastar-se-iam por completo dos modelos taylorista e fordista, passando a
predominar o trabalho autônomo e altamente qualificado. Manuel Castells (1999)
insere-se nesse pensamento, o qual apontava a superação do trabalho degradado por um
trabalho autônomo, criativo, prazeroso e altamente qualificado, ancorado nos serviços
informativos e tecnológicos.
No entanto, constata-se que tal perspectiva alinha-se aos autores otimistas
em relação às transformações do capitalismo, posto que observamos que, enquanto uma
parte do setor se baseou no uso intensivo de tecnologia e na inovação, criando empregos
altamente qualificados, outra parte é caracterizada por um trabalho padronizado,
realizado sob forte controle e pressão por produtividade, mas envolvendo baixos níveis
de qualificação e autonomia. Nestes últimos, a tecnologia é amplamente utilizada no
processo produtivo como forma de intensificar o controle das empresas sobre o trabalho
e os trabalhadores.
Gadrey (2005) indica que é possível diferenciar dois tipos de grupo no setor
de serviços: um seria aquele composto pelas atividades com aspecto mais relacional,
baseadas nas relações pessoais diretas, como os serviços de saúde, de ajuda à pessoa,
entre outros; o outro seria aquele composto pelas atividades que mais se aproximam da
lógica industrial, tendo importante ganho de produtividade a partir do uso de modernas
tecnologias.
A aplicação da lógica industrial no setor de serviços vem sendo exposta por
alguns autores como um elemento importante em sua dinâmica. Assim, inseridos na
58
Michel Lallement (2003a) analisa como as políticas de emprego na França se sustentam, em parte, no
discurso de que a família é um locus importante de oferta de empregos.
54

busca por maior produtividade e redução de custos, parte do setor se expande com base
na mecanização, padronização, especialização e controle. Ocorreria um processo de
industrialização dos serviços, com estes sendo cada vez mais submetidos à
racionalidade do capital e à lógica dos mercados (ANTUNES, 2009; BRAGA, 2012).
O setor de serviços aparece, na atualidade, como o principal da economia no
País, sendo responsável pela maior parte da inserção e formalização da força de
trabalho. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged),
as atividades de comércio e de serviços, no ano de 2013, corresponderam a 76% do
saldo total de empregos criados com carteira de trabalho assinada 59.
Ao analisarmos especificamente esses dois subsetores (comércio e
serviços)60, os dados da PNAD indicam que eles, juntamente com o da construção civil,
vivenciaram um crescimento significativo entre 2002 e 2012, enquanto outros
subsetores perderam participação relativa nesse período, a exemplo da administração
pública e da indústria de transformação (IBGE, 2013).

Gráfico 6 – Distribuição percentual de empregos formais, segundo os grupos de atividade – Brasil –


2002/2012

40,0
34,1
35,0 32,0

30,0
23,7
25,0
18,2 17,2 19,4 18,8
20,0 16,8
15,0
10,0 6,0
4,0 3,1 3,9
5,0 1,1 0,9
0,4 0,5
0,0
Comércio
Transformação

Construção
industriais de
Vegetal, Caça e

Administração
Serviços
Extrativa
Mineral
Agropecuária,

Indústria de

Utilidade
Serviços

Pública
Extração

Civil

Pública
Pesca

2002 2012

Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2013. Elaboração própria.

59
Informações retiradas do site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=4&menu=4485>. Acesso em: 22
fev. 2016.
60
Como explicado na nota de rodapé 55, os subsetores de comércio e de serviços compõem o setor de
serviços, ou terciário.
55

A expansão desse setor e o aumento da formalização da força de trabalho no


Brasil foram dois processos que se acompanharam desde os anos 2000, no bojo de um
movimento, mais geral, de melhora nos indicadores do mercado de trabalho, ocorrido
até meados de 2012.
Essa melhora foi percebida nos dados da PNAD. No período de 2002 a
2012, houve uma redução significativa da taxa de desocupação média nas regiões
metropolitanas, que passou de 11,5% a 5,4% (IBGE, 2013)61. Nesse mesmo período,
ocorreu um aumento na proporção de trabalhadores em empregos formais, passando de
44,6%, em 2002, para 56,9%, em 2012.
Do mesmo modo, houve um aumento da renda nesse período. O
crescimento do rendimento real da população com 16 anos ou mais ocupada foi de
27,1%, sendo maior o crescimento entre os trabalhadores informais (31,2%) do que
entre os formais (13,6%). Entre as mulheres em trabalhos informais, esse crescimento
foi de 38,5% entre 2002 e 2012 (IBGE, 2013).
Tais melhoras nos indicadores econômicos, no entanto, não podem ser lidas
de maneira isolada. Isso porque o aumento da formalização do contrato de trabalho não
significou a proliferação de empregos de qualidade, tampouco a estabilidade no
emprego. Segundo dados do Caged analisados por João Saboia (2014), entre os anos de
2011 e 2013 foram criados 3,2 milhões de empregos, dos quais a maior parte estava
concentrada na faixa de até 1,5 salário mínimo (SM). No setor de serviços, em 2014,
71% dos trabalhadores recebiam, em média, até 3 SM, sendo que 35% recebiam até 1,5
SM62.
Além dos baixos salários, seguiu prevalecendo no mercado de trabalho
brasileiro uma alta taxa de rotatividade 63. Esta possibilita às empresas a redução dos
custos com a força de trabalho, com a fácil substituição dos trabalhadores menos
produtivos por outros que, a fim de evitar o desemprego prolongado, aceitam se
submeter a más condições de trabalho e a baixos salários. Krein (2007) salienta que a
61
Os dados se referem às regiões metropolitanas de Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador,
Recife e Porto Alegre. (IBGE, 2013)
62
As mulheres estão mais presentes que os homens nos postos de trabalho com menores salários. No
setor de serviços, cerca de 41% delas recebiam até 1,5 salário mínimo contra 29% dos homens. Dados da
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2014, consultados na base de dados on-line do
Ministério do Trabalho e Emprego, em 23 nov. 2015. Disponível em: <http://bi.mte.gov.br/
bgcaged/login.php>. Acesso em: 23 nov. 2015.
63
Um dos indicadores que evidenciam a alta rotatividade no País é o tempo médio de permanência no
emprego. Quando comparado ao de outros países, tem-se que no Brasil, em 2009, o tempo médio era de 5
anos, enquanto em países como Itália, França, Bélgica, Portugal e Alemanha era de mais de 11 anos
(DIEESE, 2011).
56

liberdade do empregador em romper unilateralmente o contrato de trabalho evidencia o


caráter flexível da relação de emprego hoje. Segundo o autor, essa possibilidade foi
acentuada a partir do estabelecimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS), que eliminou da legislação trabalhista a estabilidade para os trabalhadores com
mais de dez anos no emprego e permitiu que as empresas diluíssem mensalmente o
custo da rescisão contratual. O resultado foi um aumento do fluxo de desligamentos e de
contratações.
O gráfico 7 evidencia a elevada rotatividade anual dos postos de trabalho no
País atualmente. Nota-se que, no ano de 2010, cerca de metade dos contratos de
trabalho firmados corresponde à substituição de um trabalhador desligado por um novo.
A rotatividade segue elevada mesmo considerando a taxa de rotatividade descontada64.

Gráfico 7 – Taxa de rotatividade, total e descontada, Brasil

60
46,8 52,5 49,4 53,8
50 45,1 43,6
40
30 37,5 36,0 37,3
%

34,5 32,9 34,3


20
10
0
2001 2004 2007 2008 2009 2010

Taxa de rotatividade Taxa de rotatividade descontada

Fontes: DIEESE, 2011; Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), 2001-2010. Elaboração própria.

A alta rotatividade vem acompanhada de rebaixamento de salários,


dificuldade de organização sindical, sensação de insegurança etc. (KREIN, 2007),
aparecendo como um dos indicadores de precariedade no mercado de trabalho. Ela leva
à conformação de trajetórias no mercado de trabalho marcadas por constantes entradas e
saídas65.

64
A taxa de rotatividade é mensurada com base no valor mínimo observado entre o total de admissões e o
total de desligamentos anuais, comparado ao estoque médio de cada ano, e refere-se ao mercado formal
de trabalho (setores público e privado). A taxa de rotatividade descontada desconsidera os desligamentos
motivados por transferência, solicitação do trabalhador, aposentadoria e falecimento.
65
Cabe ainda assinalar que a rotatividade afeta, sobretudo, os jovens. Ao analisarem os dados da RAIS,
Carlos Henrique Corseuil et al. (2013) revelam que os jovens não encontram muitas barreiras para se
inserir no mercado de trabalho, uma vez que isso ocorre de modo relativamente fácil. No entanto, eles
57

Mesmo que o aumento da formalização signifique maior acesso aos direitos


trabalhistas para maior número de pessoas, alguns autores identificam, na atual
conjuntura, um movimento de aumento de trabalhadores em situações de trabalho
precário. Braga (2012) utiliza o termo “precariado” para tratar da parcela de
trabalhadores que chama de proletariado precarizado 66, do qual fazem parte os
trabalhadores jovens, inseridos em empregos mal qualificados, sub-remunerados e nos
quais as relações trabalhistas impedem a organização coletiva. Giovanni Alves (2012)
indica que, apesar do aumento da formalização, ocorre uma propagação do que ele
chama de “trabalhadores periféricos”, isto é, daqueles inseridos em empregos precários
nos quais predomina a flexibilidade do salário e da jornada de trabalho.
A precariedade aparece, atualmente, como marca das relações de trabalho
que se propaga pelo mundo, sobretudo após o contexto de reestruturação produtiva e
ascensão do neoliberalismo. Ela envolve múltiplas dimensões. Patrick Cingolani (2005),
que prefere falar em “precariedades”, explica que as palavras “precariedade” e
“precário” remetem a significados diferentes, relacionados ao trabalho ou emprego
precário; aos precários, isto é, àqueles vivendo certa situação de precariedade; e à
precariedade, que seria uma manifestação específica da pobreza.
Hirata (2009) expõe como indicadores do trabalho precário a ausência de
proteção social e de direitos sindicais; horas reduzidas de trabalho, acompanhadas de
baixos salários; e baixos níveis de qualificação, os quais também resultam em baixos
salários, levando à precariedade e ao desemprego. Além disso, mesmo os trabalhadores
com contrato por tempo indeterminado e protegidos pela legislação trabalhista podem
vivenciar trabalhos precários, caracterizados por más condições de trabalho e
degradação da saúde física e mental, baixo rendimento, alta rotatividade, reduzida (ou
inexistente) possibilidade de ascensão na carreira etc. Portanto, a precariedade no
trabalho deve ser pensada não colocando em oposição emprego instável e estável, mas
levando em conta as diferentes dimensões que configuram a precariedade. Para Pierre
Bourdieu (1998), ela está, hoje, por toda a parte e afeta a todos.

perdem o emprego com mais frequência que os trabalhadores mais velhos. Ou seja, os jovens são
facilmente contratados, mas também são frequentemente afetados pela demissão, seja ou não voluntária.
66
Há uma divergência em torno da definição dos conceitos desses autores. Ver, por exemplo, a crítica de
Giovanni Alves ao conceito de Ruy Braga (Disponível em: <http://blogdaboitempo.com.br/2013
/07/22/o-que-e-o-precariado/>. Acesso em: 14 jan. 2016.). Não entraremos nessa polêmica. Procuramos
apenas salientar aqui que a precariedade é múltipla, atingindo hoje, de distintas formas, a “classe-que-
vive-do-trabalho”, como denominada por Antunes (2007).
58

Assim, a precariedade atua diretamente sobre aqueles que ela afeta (e que ela
impede, efetivamente, de serem mobilizados) e indiretamente sobre todos os
outros, pelo temor que ela suscita e que é metodicamente explorado pelas
estratégias de precarização, como a introdução da famosa “flexibilidade”
(BOURDIEU, 1998, p. 123).

Em alguns períodos, as melhorias nos indicadores econômicos tendem a


minimizar ou mascarar a percepção ou os efeitos dessa expansão da precarização no
trabalho. Em outros, a recessão econômica parece fazê-la avançar ainda mais.
No Brasil, a partir de 2012 principalmente, parte dos indicadores do
mercado de trabalho, que vinham apresentando uma melhora, passa a adotar movimento
descendente. Os gráficos 8 e 9 indicam o movimento de redução do nível de ocupação 67
e de aumento da taxa de desocupação ocorrido entre o primeiro trimestre de 2014 e o de
201568.

Gráfico 8 – Nível de ocupação, Brasil, 2014-2015

57
56,9
56,9
56,8 56,8
56,5
56,2 56,2

56 56,0

55,5

55
1° Trim. 2º Trim. 3º Trim. 4° Trim. 1º Trim. 2º Trim. 3º Trim.
2014 2014 2014 2014 2015 2015 2015

Fontes: IBGE, 2015a – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Elaboração própria.

67
O nível de ocupação é medido pela parcela da população ocupada em relação à população em idade de
trabalhar. (IBGE, 2015a)
68
Os jovens de 18 a 24 anos são fortemente afetados pela desocupação: a estimativa foi de 17,6% no
primeiro trimestre de 2015, valor superior ao estimado para a taxa média total. (IBGE, 2014a)
59

Gráfico 9 – Taxa de desocupação, Brasil, 2014-2015

10

9 8,9

8 8,3
7,2 7,9
6,8
7 6,8

6
6,5

4
1° Trim. 2014 2º Trim. 2014 3º Trim. 2014 4° Trim. 2014 1º Trim. 2015 2º Trim. 2015 3º Trim. 2015

Fontes: IBGE, 2015a – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Elaboração própria.

Nesse movimento, o setor de serviços também passou a evidenciar sinais de


retração. Ele, que vinha mantendo uma tendência de crescimento, vivenciou uma queda
em 2015. Segundo dados analisados pelo IPEA (2015), o setor recuou 0,7% no primeiro
semestre de 2015. Em relação ao ano anterior, a redução foi de 1,2%, o que
representaria a maior queda vivenciada desde 1996.
Os últimos dados revelados pelo IBGE para o subsetor de serviços também
indicam esse movimento. O volume dos serviços, em setembro de 2015, recuou 4,8%
em relação ao ano anterior, considerando os serviços prestados às famílias (com um
recuo de 6,7%); os serviços de informação e comunicação (recuo de 0,7%); os serviços
profissionais, administrativos e complementares (recuo de 8,1%); os serviços auxiliares
de transportes e correio (recuo de 6,4%); e outros serviços (recuo de 9,9%)69.
Esses quadros de recuo do setor e de piora nos indicadores do mercado de
trabalho aparecem como mudanças recentes e que estão, nesse momento, em curso,
influenciadas pelo cenário de instabilidade política e econômica que o País atravessa.
Seus efeitos sobre os serviços incidem particularmente sobre as mulheres, uma vez que
é nele que elas encontram sua principal esfera de inserção no mercado de trabalho.
Assim, se a expansão do setor de serviços desponta como uma das mais
importantes transformações no mundo do trabalho nas últimas décadas do século XX,
esse movimento foi marcado pela proliferação de postos de trabalho que exigem baixa

69
Dados da Pesquisa Mensal de Serviços, IBGE. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/
Comercio_e_Servicos/Pesquisa_Mensal_de_Servicos/Comentarios/pms_201509comentarios.pdf>.
Acesso em: 05 fev. 2016.
60

qualificação e envolvem baixos salários, limitada possibilidade de avanço na carreira e


alta rotatividade. Nessa condição, encontra-se grande parte das assalariadas.

1.2 - Relações de gênero e o setor de serviços

As mulheres estão fortemente presentes no setor de serviços. No curso da


História, a expansão do volume de empregos em escritórios e nos serviços teve um
importante desdobramento no movimento de ampliação do assalariamento da força de
trabalho feminina, tal como mostram os trabalhos de Eric Hobsbawm (1988), Harry
Braverman (1981), Helena Hirata (2002), entre outros.
No fim do século XIX e início do XX, o desenvolvimento das atividades de
escritório teve repercussão direta sobre a incorporação e diversificação do trabalho
feminino. Mulheres casadas e de classe econômica mais favorecida socialmente
passaram a adentrar em maior número no mercado de trabalho, por meio dessas
atividades70.
Além disso, o processo de racionalização taylorista pelo qual passaram esses
trabalhos contribuiu para a feminização de tais atividades ao possibilitar a simplificação
e a padronização do trabalho e, consequentemente, ao exigir baixa qualificação, fatores
favoráveis à maior absorção da força de trabalho feminina (BRAVERMAN, 1981).
Tais atividades, portanto, passaram a requisitar atributos considerados
tipicamente femininos para sua realização. Susan Besse (1999), ao analisar o princípio
da expansão desse setor no Brasil no início do século XX, aponta que os empregadores
afirmam que as mulheres são mais pacientes e eficientes do que os homens, suportam
melhor a rotina e se concentram no trabalho por longo período, qualidades favoráveis às
atividades comerciais.
Outro elemento também é identificado como fator de influência para a
maior incorporação das mulheres no setor terciário: as atividades envolvem um aspecto
relacional, o que é considerado no imaginário social como mais condizente com os
atributos femininos (DAUNE-RICHARD, 2003).
Para Gadrey (2005), há um duplo movimento na relação entre trabalho
feminino e setor de serviços: a atividade profissional feminina foi facilitada pela oferta

70
Scott (1994) faz uma análise sobre o trabalho feminino e suas transformações ao longo da História,
sobretudo no século XIX. A autora evidencia como a incorporação das mulheres em determinadas
atividades, como as de secretária, deu-se com base nas distinções entre os sexos.
61

de alguns serviços, que vão desde a creche até a externalização dos serviços domésticos
(os quais contribuem para reduzir a carga de trabalho das mulheres nos lares), e, ao
mesmo tempo, o crescimento do emprego feminino foi direcionado ao setor de serviços,
sobretudo naquelas atividades em que os estereótipos tradicionalmente femininos são
mais valorizados.
Um exemplo clássico é o serviço doméstico 71. No Brasil, em 2015, havia
92,2 milhões de pessoas nesse tipo de serviço, correspondendo a 6,5% do total de
ocupados no País72. Fruto de uma sociedade sexista e escravocrata, sua força de trabalho
é composta por mais de 90% de mulheres e com uma forte presença de negros (BRITES
& PICANÇO, 2014)73.
Assim como no serviço doméstico, as mulheres estão fortemente presentes
em uma série de outras atividades de serviço. No setor, 50,2% dos ocupados eram
mulheres em 2014. E sua presença, como evidencia o gráfico 10, segue um movimento
crescente ao longo dos anos.

71
O IBGE considera trabalhador doméstico quem presta serviço doméstico remunerado em dinheiro ou
benefícios, em uma ou mais unidades domiciliares, o que inclui as empregadas domésticas, faxineiras,
diaristas, babás, cozinheiras, lavadeiras, passadeiras, arrumadeiras, jardineiros, motoristas particulares e
acompanhantes de idoso, de doente, de criança à escola etc. (IBGE, 2013; DIEESE, 2013a).
72
Dados da PNAD Contínua, do IBGE, referentes ao 2o semestre de 2015. Disponível em:
<ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continu
a/Trimestral/Comentarios/pnadc_201502_trimestre_comentarios.pdf>. Acesso em: 07 fev. 2016.
73
Essa categoria tem vivenciado uma série de mudanças significativas nos últimos anos, como o aumento
da formalização dos contratos de trabalho e dos rendimentos ocorrido no período de 2002 a 2012 (IBGE,
2013). Além disso, a categoria vem demonstrando envelhecimento das trabalhadoras, com a redução da
inserção de jovens, e apresentando uma ligeira redução no número de trabalhadoras, assim como aumento
do número de diaristas, com redução das mensalistas. (Ver artigo de Jurema Brites e Felícia Picanço,
2014.) A queda no número de trabalhadoras nessa categoria é influenciada pela expansão da escolaridade
da população e pelo aumento da oferta de trabalhos formalizados no País visto nos últimos anos, como é o
caso dos call centers. Além disso, uma recente e importante transformação diz respeito à Proposta de
Emenda Constitucional sobre o trabalho doméstico (que ficou conhecida como “PEC das Domésticas”),
implementada em 2013 e regulamentada em 2015. Esta aproximou os direitos trabalhistas das
trabalhadoras domésticas daqueles dos trabalhadores regidos pela CLT. Essa nova regulamentação
constitui um expressivo marco para as trabalhadoras domésticas e, certamente, trará desdobramentos
quanto ao perfil da categoria e às relações estabelecidas entre empregadores e empregadas, o que
merecerá acompanhamento ao longo dos próximos anos.
62

Gráfico 10 – Número de vínculos no setor de serviços – Brasil

40
Milhões

35
30
25
20
15
10
5
0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Homens Mulheres Total

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego – Caged. Consulta realizada em 5 nov. 2015. Elaboração própria.

No setor, alguns grupamentos de atividade aparecem mais feminizados,


enquanto outros possuem baixa participação feminina. O da construção, por exemplo, é
um reduto masculinizado: apenas 6,9% dos ocupados eram mulheres em 2015. No
comércio, cerca de quatro a cada dez ocupados eram mulheres, mesma proporção
encontrada nos serviços prestados a empresas e em outros serviços. As mulheres
predominam nos serviços domésticos (95,4%) e na educação (64,9%)74.
Esses dados revelam uma forte segregação ocupacional no setor de serviços.
A desigualdade entre os sexos vai além dos espaços que homens e mulheres ocupam no
mercado de trabalho. Elas não apenas estão concentradas em alguns nichos
profissionais, como parte deles envolve menor valorização social. Tatiele Souza (2012),
analisando os dados de 2010, conclui que as mulheres predominam nas cinco primeiras
ocupações que envolvem baixa qualificação, isto é, aquelas ligadas a serviço doméstico,
cuidados, trabalho de servente de limpeza e comércio. Já nas principais atividades que
envolvem uso intensivo de tecnologia e conhecimento (dirigentes de vendas e
comercialização, dirigentes de serviços de tecnologia da informação e comunicações,
dirigentes de publicidade e relações públicas, engenheiros, entre outras), os homens são
presença majoritária.
Portanto, o próprio setor de serviços se apoia na lógica da divisão sexual do
trabalho, sendo orientado por uma construção de gênero (NUNES, DUTRA &

74
Dados da PME para as regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São
Paulo e Porto Alegre. Fonte: IBGE, 2015c.
63

LANDEIRO, 2008). Os dois segmentos analisados na presente pesquisa também são


marcados por essa lógica. As atividades de operadora de caixa de super/hipermercados e
de teleatendente se constituem como “feminizadas”, conforme passaremos a analisar.

2. O ramo de comércio varejista de super/hipermercados


Criado a partir do início do século XX, o segmento de comércio varejista de
super/hipermercados surgiu como resultado do desenvolvimento e da complexificação
das transações comerciais ao longo do tempo, seguindo o avanço do capitalismo.
Os primeiros supermercados foram criados nos Estados Unidos nas
primeiras décadas do século XX (FRANÇA JUNIOR, 2008; TIFFON, 2013). Sua
concepção era reunir em um mesmo estabelecimento produtos alimentícios, que
anteriormente eram vendidos por comércios separados e especializados.
Já a fórmula dos hipermercados apareceu como uma criação francesa, a
partir da importação de duas estratégias norte-americanas: o supermercado e o conceito
de autosserviço (self-service). Este último foi arquitetado nos Estados Unidos em 1916
por Clarence Saunders, que implementou a estratégia de o próprio cliente selecionar e
pegar os produtos no estabelecimento, sem a intermediação de um vendedor, para
depois pagá-los (BENQUET, 2013). Desde então, esse tipo de comércio se expandiu e
se generalizou.
Cabe aqui mencionar as semelhanças e diferenças entre os supermercados e
os hipermercados. Entre as semelhanças, destacam-se o formato arquitetônico das lojas,
em pavilhões cobertos e fechados; a forma de exposição das mercadorias, dispostas em
gôndolas e em prateleiras; e o self-service. No que concerne às diferenças, enquanto os
supermercados são menores, voltados ao público do bairro ou vizinhança e com uma
variedade de artigos básicos, sobretudo do gênero alimentício, os hipermercados são
maiores, localizados geralmente em áreas de grande circulação e de fácil acesso, com
oferta de maior variedade de produtos, que vão desde os alimentícios a outros tipos de
produtos e serviços, como eletroeletrônico, têxtil, informática, entre outros (FRANÇA
JUNIOR, 2008; GUIMARÃES & CONSONI, 2003) 75.

75
Para fim deste estudo, consideraremos os estabelecimentos de super e hipermercado como um todo.
Nos momentos em que se fizer necessário, apresentaremos as diferenças entre o tipo de organização e
gestão do trabalho existentes entre eles.
64

No Brasil, o primeiro supermercado se instalou nos anos 1950 e os


primeiros hipermercados datam dos anos 198076. Desde então, esse segmento segue
crescente.
No ano de 2011, segundo a Associação Brasileira de Supermercados
(Abras), havia 83.572 lojas no País e 210.245 check-outs, abrangendo 986.089
funcionários (DIEESE, 2013b). Os dados da RAIS indicam que, em 2014, eram
1.238.631 trabalhadores inseridos no comércio varejista de mercadorias em geral, com
predominância de produtos alimentícios, isto é, em hipermercados e supermercados. Na
atividade de operadora de caixa em super/hipermercados77 – objeto privilegiado de
nossa análise –, eram computados 284.300 trabalhadores, em 201478.
A expansão desse tipo de comércio, como o que temos hoje, envolveu uma
série de mudanças quanto à sua forma de organização e gestão do trabalho. Uma das
principais transformações ocorridas, nos anos 1990, foi a entrada de empresas
internacionais do ramo no Brasil e a aquisição de pequenas e médias empresas por
grandes grupos. Além dessas, o período foi marcado também pela introdução de
inovações gerenciais e organizacionais, pela implementação de sistemas de logística,
pelo crescimento das marcas próprias e pela expansão do número e da área das lojas
(LEMOS, ROSA & TAVARES, 2002).
Nesse período, tanto a introdução de novas tecnologias como a automação e
a terceirização impactaram negativamente a absorção da força de trabalho,
particularmente nos anos 1990 (GUIMARÃES & CONSONI, 2003). No período entre
1990 e 1997, ocorreu uma redução no número de empregos no segmento, sendo de 15%
entre as 300 principais empresas no País. Esse movimento, no entanto, foi acompanhado
pelo maior faturamento delas e pelo aumento no número de vendas por funcionário

76
O primeiro supermercado surgido aqui foi o Sirva-se, inaugurado em 1952 e instalado na Rua da
Consolação, no município de São Paulo. Ver: DINIZ, Abílio. O Brasil na era dos supermercados.
Disponível em: <http://abiliodiniz.com.br/trajetoria/opiniao/o-brasil-na-era-dos-supermercados/>. Acesso
em: 18 jan. 2016.
77
Cabe apontar que a Classificação Brasileira de Ocupação, elaborada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego, inclui na categoria de caixas e bilheteiros (4211) os atendentes comerciais (agência postal),
bilheteiros de transporte coletivo, bilheteiros no serviço de diversões, emissores de passagem e
operadores de caixa, excluindo os caixas de banco. (Disponível em: <http://www.mtecbo.gov.br/
cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf>. Acesso em: 04 nov. 2015). Portanto, é incluída,
nessa categoria, uma grande variação de atividades e segmentos, entre os quais estão as operadoras de
caixa de super/hipermercados.
78
Para este capítulo, na elaboração dos dados referentes ao segmento de super/hipermercados, foi
considerada a CNAE 2.0 – Comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos
alimentícios – hipermercados e supermercados. Para a atividade de operadora de caixa, considerou-se
ainda a CBO 4211 – Caixas e bilheteiros. Trata-se dos dados da RAIS para o ano de 2014. A consulta aos
dados foi realizada no site do Ministério do Trabalho e Emprego em 4 nov. 2015.
65

(SANTOS, GIMENEZ & MATTOS, 1998). Ou seja, esse período, marcado pelo
processo de reestruturação produtiva, significou redução da força de trabalho contratada
e aumento da produtividade, o que revela um investimento tecnológico empregado de
modo a otimizar a produção, mas também uma intensificação do trabalho.
Assim, como as inovações gerenciais, a concentração do comércio varejista
entre poucas grandes empresas e a internacionalização são elementos-chave para
compreender as transformações e o dinamismo desse segmento no Brasil.
Netto (2010) salienta que, já nos anos 1970, grandes empresas
transnacionais de supermercado passaram a se instalar no Brasil. No entanto, foi a partir
dos anos 1990, mesmo período em que ocorre a chegada da empresa Walmart, que as
transformações se intensificaram (NETTO, 2011; FRANÇA JUNIOR, 2008).
Formaram-se grandes grupos, que passaram a controlar o segmento, tendo forte
presença de capital estrangeiro 79.
Há, hoje, um elevado grau de concentração do faturamento entre poucas
empresas. Em 2014, o faturamento das 500 principais empresas do segmento no País foi
de R$ 258,7 bilhões. As cinco maiores delas detinham 59,53% do total desse
faturamento, sendo que apenas as três maiores redes – Cia. Brasileira de Distribuição
(Grupo Pão de Açúcar), Carrefour e Walmart – eram responsáveis por cerca de 54%
dele (equivalente a R$ 140 bilhões)80.
Nos últimos anos, tanto esse faturamento como o número de funcionários se
elevaram. Segundo o ranking da Abras, o faturamento das 500 maiores empresas subiu
12,8% entre 2013 e 2014. O número de lojas operadas por elas cresceu 4,3%, com 345
novas lojas abertas, totalizando mais 8.308 unidades de trabalho. Os dados do Caged
revelam, ainda, a importância desse segmento na absorção da força de trabalho: em
2012, dos 383.426 postos de trabalho abertos no subsetor de comércio, 13,6% (52.083)
estavam no segmento de super/hipermercados (DIEESE, 2013b).
Entretanto, esse movimento foi acompanhado pela manutenção de uma
elevada taxa de rotatividade. Os dados do Caged indicam que, no Município de São
Paulo (MSP), em 2009, enquanto 49.192 pessoas foram admitidas no segmento, 44.151

79
Nesse contexto, foi emblemática a fusão, em 1999, e, posteriormente, a assunção do controle, em 2012,
da maior rede brasileira de super/hipermercados por um grupo francês.
80
A quarta maior empresa do segmento no País é, segundo o ranking da Abras, a chilena Cencosud. Na
quinta colocação está a rede Zaffari, com capital totalmente nacional. Informações retiradas do site da
Abras. Disponível em: <http://www.abras.com.br/economia-e-pesquisa/ranking-abras/apresentacao/>.
Acesso em: 7 fev. 2016.
66

foram desligadas. Assim, enquanto há significativo volume de contratação, há


igualmente fortes movimentos de demissão, independentemente de o contexto
econômico ser ou não de recessão (DIEESE, 2010)81.
Cabe assinalar que, no primeiro trimestre de 2015, esse processo de
crescimento não ocorreu. Nesse período, as atividades no comércio varejista de
super/hipermercados apareceram como as ocupações que tiveram o maior saldo
negativo quanto às movimentações de desligamento e de admissão na RMSP. Na
ocupação de vendedor de comércio varejista, foram admitidos 36.644 trabalhadores e
desligados 43.464, configurando um saldo negativo de 6.820 postos de trabalho. Na
ocupação de operadora de caixa, foram admitidos 17.265 trabalhadores e desligados
19.471, com um saldo negativo de 2.206 postos (SEADE, 2015).
Na análise dos motivos dos desligamentos no ramo, os dados do Caged
indicam que aqueles motivados por iniciativa do trabalhador são majoritários (43,4% do
total), seguidos pelo desligamento promovido pela empresa e sem justa causa (34,9%).
Realidade que difere da encontrada no comércio em geral, no qual o desligamento pela
empresa e sem justa causa aparece como o principal motivo. Assim, o fato de, no
segmento de super/hipermercados, a maior parte dos desligamentos se dar a pedido dos
trabalhadores seria revelador da insatisfação que estes vivenciam quanto ao trabalho
(DIEESE, 2013b).
Além de indicar uma possível insatisfação dos trabalhadores, a alta
rotatividade aparece como estratégia das empresas do segmento para não apenas
substituir um trabalhador por outro, como também para selecioná-los, procurando
recrutar trabalhadores mais escolarizados (GUIMARÃES & CONSONI, 2003), além de
possibilitar o rebaixamento salarial. É o que revelam os dados do Caged. No Município
de São Paulo, em 2009, os trabalhadores de super/hipermercados recebiam, em média,
R$ 771,32. No entanto, os admitidos recebiam remunerações menores do que as dos
trabalhadores desligados: enquanto os primeiros passaram a receber R$ 712,15, os
segundos recebiam R$ 837,25 (DIEESE, 2010).

81
Para compreender o volume desses desligamentos, cabe apontar que, no ano de 2012, o subsetor de
comércio no País apresentou uma taxa de rotatividade total de 63,9% e uma descontada de 41,4%. Taxas
muito mais elevadas do que aquelas referentes ao mercado de trabalho em geral (englobando todos os
setores de atividade), que correspondem, respectivamente, a 55,2% e 37,4%. Dentro do subsetor de
comércio, os desligamentos ocorridos entre os ocupados nas atividades de vendedor de comércio varejista
e de operadora de caixa corresponderam a mais de 31% do total. (DIEESE, 2014)
67

Os baixos salários são uma realidade entre os trabalhadores desse segmento.


Em 2014, 49% deles tinham uma remuneração média mensal de até 1,5 salário mínimo,
proporção superior à do setor de serviços como um todo (35%)82.
Essa baixa remuneração se soma a certas condições de trabalho, que
contribuem para um quadro de insatisfação e adoecimento dos trabalhadores. França
Junior (2008), ao estudar os comerciários do Carrefour, verifica mudanças na
organização e na gestão produtiva que levam à intensificação do trabalho 83. Esta, por
sua vez, incide diretamente sobre o alto número de afastamentos de trabalhadores por
Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e estresse. Segundo o autor, a introdução de novas
tecnologias e estratégias de gerenciamento, que buscam maior engajamento e
produtividade dos trabalhadores, afeta as condições de trabalho e promove o
rebaixamento dos salários e da qualidade do emprego, configurando um processo de
degradação desse segmento.
Esse quadro tem desdobramentos sobre as características da força de
trabalho absorvida. A presença de mulheres é expressiva no segmento, no qual cerca de
52% dos postos de trabalho, em 2014, eram ocupados por elas (mesma porcentagem
verificada na Região Metropolitana de São Paulo). O gráfico 11 indica a distribuição
por sexo entre os ocupados no segmento de super/hipermercados no País, sendo
interessante notar o movimento de crescimento da força de trabalho, particularmente em
relação às mulheres.

82
No entanto, cabe mencionar que na RMSP, 20% dos trabalhadores do segmento recebem até 1,5 SM,
enquanto nos serviços esse percentual é de 23%, revelando os maiores salários auferidos pelos ocupados
da RMSP quando comparados àqueles do País. Fonte: Dados RAIS, Brasil, 2014. Consulta na base de
dados on-line do Ministério do Trabalho e Emprego, realizada em 23 nov. 2015.
83
Analisaremos de modo aprofundado, nos capítulos seguintes, a organização e a gestão do trabalho, bem
como a flexibilização das relações de trabalho.
68

Gráfico 11 – Trabalhadores no comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de


produtos alimentícios – super e hipermercados – Brasil – 2006-2014

1.400.000
1.200.000
1.000.000
800.000
600.000
400.000
200.000
0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Total Mulheres Homens

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.

No que se refere à atividade de operadora de caixa, o predomínio feminino é


ainda maior. As mulheres correspondem a 86,4% da força de trabalho ocupada nessa
atividade no País, conforme tabela 1 a seguir. Essa feminização da atividade de
operadora evidencia alguns aspectos da divisão sexual do trabalho no segmento. Nos
estabelecimentos de super/hipermercados, enquanto as mulheres estão concentradas em
poucas atividades – sobretudo como operadoras de caixa, recepcionistas e vendedoras –,
os homens estão mais dispersos, ocupando um leque maior de atividades
(GUIMARÃES & CONSONI, 2003). Netto (2010) também confirma essa segregação:
as mulheres estão concentradas em departamentos considerados “tipicamente
femininos”, como os caixas, a padaria, a limpeza e o têxtil/vestuário. Já os homens estão
mais presentes nos departamentos de venda de eletroeletrônicos, açougue, peixaria,
interior das padarias e confeitarias e reposição de mercadorias.
69

Tabela 1 – Operadoras de caixa em super/hipermercados, por sexo – 2014

Regiões Homens Mulheres Total


nº % nº % nº %
Brasil 38.561 13,6 245.739 86,4 284.300 100
Estado de São Paulo 14.000 15,1 78.950 84,9 92.950 100
(1)
RMSP 8.020 17,6 37.483 82,4 45.503 100
MSP 6.002 21,7 21.599 78,3 27.601 100

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.
(1) Inclui o Município de São Paulo

Além da participação majoritária de mulheres, há uma presença significativa


de jovens, tanto no segmento em geral, como na atividade de operadora de caixa, como
revelam os gráficos 12 e 13. Cabe notar a maior presença de homens jovens, enquanto
as mulheres, apesar da também expressiva presença de jovens, estão mais distribuídas
nas demais faixas etárias.

Gráfico 12 – Trabalhadores no comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de


produtos alimentícios – super/hipermercados, por faixa etária, segundo o sexo – RMSP – 2014

50.000
45.000
40.000
35.000
30.000
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
0
10 A 14 15 A 17 18 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 64 65 OU
MAIS

Total Mulheres Homens

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.

No caso da atividade de operadora de caixa, essa mesma tendência se


mantém. No País, 39% das pessoas com essa ocupação, em 2014, tinham até 24 anos.
Essa proporção é mais elevada do que a encontrada no setor de serviços (16%). Na
Região Metropolitana de São Paulo, eram 35% nessa faixa etária.
70

Do mesmo modo que no segmento em geral, nessa atividade os homens são


mais jovens do que as mulheres: cerca de 46% deles tinham até 24 anos. Entre as
mulheres, aproximadamente 33% estavam nessa faixa etária. Já nas demais, a presença
feminina era maior do que a masculina.

Gráfico 13 – Distribuição percentual das operadoras de caixa em super/hipermercados, por faixa


etária, segundo o sexo – RMSP – 2014

50
45
40
35
30
25
%

20
15
10
5
0
15 A 17 18 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 64 65 OU MAIS

Total Mulheres Homens

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.

A contratação de jovens se associa ao fato de o segmento não exigir alta


qualificação ou experiência profissional. Guimarães & Consoni (2003) revelam que,
para além desse, outro motivo favorece a inserção desse perfil de trabalhadores: os mais
jovens tendem a “aceitar” mais os baixos salários, visto que, geralmente, eles não têm
responsabilidade familiar e muitos estão em fase de estudos, pretendendo galgar outros
postos de trabalho no futuro. Além disso, segundo as autoras, a exigência de
flexibilidade de tempo, em virtude dos dias e horários de funcionamento dos
estabelecimentos, seria um fator que levaria a um predomínio de jovens, uma vez que,
para estes, a difícil compatibilização do trabalho profissional com as responsabilidades
familiares não está posta. No entanto, a significativa presença de mulheres nas
diferentes faixas etárias nos faz questionar esse último ponto. Assim, parece-nos que os
movimentos de saída do segmento não são explicados pelos mesmos fatores entre
homens e mulheres84.

84
Aprofundaremos a questão da flexibilidade e seus desdobramentos sobre a vida familiar e social no
último capítulo.
71

A maior presença de jovens do sexo masculino seria, desse modo, indicativo


de que estes tendem a não ficar durante tanto tempo neste segmento quanto as mulheres.
Assim, os homens, diante dos baixos salários e da pouca possibilidade de avanço na
carreira, entram no segmento, mas logo saem dele, obtendo outro tipo de inserção no
mercado de trabalho. Já as mulheres tendem a permanecer nele por mais tempo, dadas
as limitações de inserção que encontram no mercado de trabalho, resultado das
desigualdades de gênero.
Guimarães & Consoni (2003) constataram essa maior rotatividade entre os
homens nesse segmento já na década de 1990. Os dados recentes sobre o tempo de
permanência no emprego também reforçam essa constatação, indicando ainda o
predomínio de uma alta rotatividade no segmento. Em 2014, no Brasil,
aproximadamente 66% das pessoas ocupadas na atividade de operadora de caixa
estavam há menos de dois anos no emprego, sendo que 46% estavam há menos de um
ano. Na RMSP, eram 60% e 40,2% nessas condições, respectivamente.
Entre as pessoas ocupadas na atividade de operadora de caixa, a proporção
de homens é ligeiramente maior entre aqueles que estavam há até 2,9 meses no
emprego: 16,6% contra 14,5% entre as mulheres. É a partir, principalmente, dos 12
meses ou mais que a diferença entre os sexos se acentua. Assim, 19,6% das mulheres
estavam de 12 a 23,9 meses no emprego, enquanto 15,7% dos homens estavam nessa
mesma situação. A maior proporção feminina se mantém até o grupo daqueles que
estavam há mais de 60 meses no emprego. Entre esses, a proporção se inverte: são
23,3% de homens contra 14,9% de mulheres. Ou seja, a maior presença de homens se
dá nos dois polos: entre aqueles com menos e mais tempo no emprego, revelando
diferenças significativas quanto ao modo que os sexos vivenciam a atividade.
Além de jovens, a maior parte das pessoas ocupadas no segmento de
super/hipermercados possuía o ensino médio completo (66,5%). Cabe ainda mencionar
que 12,5% tinham até o ensino fundamental completo, enquanto apenas 5% dos
trabalhadores havia completado o nível superior. As mulheres estão em maior
quantidade entre aqueles com ensino médio completo. Nos níveis até o ensino médio
incompleto, os homens estão em maior presença. Assim como é ligeiramente superior a
presença deles no nível de superior completo e incompleto.
Essa mesma tendência é verificada no caso específico da atividade de
operadora de caixa. Nela, a grande maioria dos ocupados possuía o ensino médio
72

completo (82,95%). As mulheres apresentam uma proporção maior que a dos homens,
embora as taxas sejam próximas: os dados da RAIS indicam que 84,22% delas
possuíam o ensino médio contra 78,6% deles.
Entre aqueles com nível superior incompleto ou completo, a proporção de
homens é ligeiramente maior, como mostra o gráfico 14. Essa parece ser uma
característica do segmento, que difere do setor de serviços. Neste último, há maior
proporção de mulheres com nível superior completo: na RMSP, eram 32,7% de
mulheres contra 23% de homens, em 2014. Em nosso grupo de entrevistados, também
encontramos uma escolaridade ligeiramente maior entre os homens. Isso pode indicar
que haveria maior investimento na formação dos trabalhadores homens do segmento,
visando galgar outros postos de atividade dentro ou fora da empresa.

Gráfico 14 – Distribuição percentual das operadoras de caixa em super/hipermercados, por


escolaridade, segundo o sexo – RMSP – 2014

90
80
70
60
50
%
40
30
20
10
0
Fundamental

Fundamental
Fundamental
Incompleto

Incompleto

Completo

Incompleto

Completo
5ª Completo

Superior
Superior
Médio
Completo
Médio
Até 5ª

6ª a 9ª

Total Mulheres Homens

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.

O salário é, do mesmo modo, revelador das desigualdades de gênero no


segmento, aparecendo ainda como uma possível explicação da menor permanência
masculina nele e um indicador da precariedade nele, afetando particularmente a força de
trabalho feminina.
Assim, seguindo a tendência do mercado de trabalho em geral, as
operadoras de caixa têm rendimentos menores que os homens. Em 2014, no País, a
73

remuneração média era de R$ 1.097,98, sendo que elas recebiam 92% dos salários
masculinos nessa atividade. Na RMSP, a remuneração média era de R$ 1.250,95 e as
mulheres recebiam, aproximadamente, 87% dos salários masculinos.
Além disso, elas estão mais presentes nas faixas até 2 salários mínimos. Já
nas faixas de rendimento superiores, a proporção de homens supera a de mulheres,
como mostra o gráfico 15.

Gráfico 15 – Distribuição percentual das operadoras de caixa em super/hipermercados, por faixa


de remuneração (salário mínimo), segundo o sexo – RMSP – 2014

70

60

50

40
%
30

20

10

0
Até 0,51 a 1,01 a 1,51 a 2,01 a 3,01 a 4,01 a 5,01 a 7,01 a 10,01 a
0,50 1,00 1,50 2,00 3,00 4,00 5,00 7,00 10,00 15,00

Total Mulheres Homens

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.

Aos salários femininos inferiores se somam ainda as menores jornadas de


trabalho. A grande maioria das pessoas ocupadas na atividade de operadora de caixa era
contratada com jornadas de 41 a 44 horas semanais (93,3%), sendo que entre os homens
essa proporção era de 97,8% e, entre as mulheres, de 92,4%. Elas são mais afetadas
pelas jornadas em tempo parcial ou com horário reduzido de trabalho: 3,9% de mulheres
eram contratadas para trabalhar de 21 a 30 horas semanais contra 0,5% dos homens.
Portanto, podemos caracterizar a atividade de operadora de caixa de
super/hipermercados como aquela em que predomina uma força de trabalho feminina e
jovem, que vivencia alta rotatividade e baixa remuneração e na qual as desigualdades de
gênero são presentes.
Passaremos a analisar o teleatendimento seguindo as mesmas características
aqui abordadas.
74

3. O segmento de teleatendimento
O teleatendimento pode ser considerado um segmento recente no Brasil,
aparecendo como derivação do ramo de telefonia. Segundo Venco (2009a), as principais
centrais de teleatendimento surgiram no País nos anos 1960, como escritórios de
recebimento de reclamações. Nos anos 1990, o desenvolvimento tecnológico mudou a
atuação dessas centrais, que passaram a se constituir como núcleos de comunicação, de
satisfação e de fidelização de clientes. Nesse período, as centrais se configuravam como
plataformas telefônicas dentro das empresas, voltadas a atender seus clientes.
Já no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, as grandes empresas de
teleatendimento foram criadas, passando a prestar serviço de atendimento a várias
outras empresas. De acordo com Braga (2012), 96% das centrais de teleatividade
surgiram após os anos 1990, sendo que 76% foram criadas a partir de 1998, período em
que ocorreu a privatização do sistema de telefonia no País. O avanço nos processos de
privatização e de terceirização 85 desse período foi fator decisivo para impulsionar o
segmento, configurando os grandes call centers como vistos hoje.
A partir de então, o ramo de teleatendimento vivenciou uma forte expansão
e diversificação de suas atividades, ancoradas no desenvolvimento de novas tecnologias
e serviços de informação. Grandes empresas passaram a dominar o segmento,
concentrando alto número de trabalhadores em poucas empresas (BRAGA, 2012;
DIEESE, 2012). Suas atividades abrangem telemarketing, serviços de atendimento ao
consumidor (SACs), vendas, suporte, cobranças, retenção, entre outros.
A Classificação Brasileira de Ocupação considera operadores de
telemarketing aqueles que atendem os usuários, oferecem serviços e produtos, prestam
serviços técnicos especializados, realizam pesquisas, fazem serviços de cobrança e
cadastramento de clientes, via teleatendimento, seguindo roteiros e scripts planejados e
controlados para captar, reter ou recuperar clientes 86.

85
Consideramos que a terceirização é emblemática quanto ao processo de flexibilização das relações de
trabalho, no contexto da reestruturação produtiva. No entanto, não nos ateremos aqui a analisar esse
processo por compreendermos que há uma vasta e rica bibliografia sobre o tema. Ver, entre outros,
DRUCK & FRANCO, 2007; DRUCK, 1999; LIMA, 2010. Sávio Cavalcante (2006) analisa o processo
de terceirização nas telecomunicações no Brasil.
86
Informações do site do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em:
<http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf>. Acesso em: 4 nov.
2015.
75

Dentre as atividades no interior das empresas, diferenciam-se ainda o


teleatendimento ativo (quando a empresa entra em contato com os clientes), o receptivo
(quando os clientes entram em contato com a empresa para solicitar algum tipo de
serviço) e o híbrido, que concatena ambos os tipos.
São diversas as atividades que uma mesma empresa de call center realiza,
bem como são diferentes os clientes que a contratam. Assim, as atividades nas empresas
variam de acordo com o serviço prestado – sobretudo no caso de um trabalho ativo,
receptivo ou híbrido – e de acordo com a empresa contratante do serviço e,
consequentemente, com o produto do qual se trata o atendimento. Como as empresas de
teleatendimento tendem a seguir as determinações da empresa contratante, dentro de um
mesmo call center há diferentes equipes de trabalho, variando suas formas de
organização e de gestão.
Com essa gama de atividades, o segmento é, hoje, considerado um dos que
mais empregam no País. No primeiro trimestre de 2015, as atividades de
teleatendimento apareceram com destaque entre aquelas que tiveram maior saldo
positivo quanto às movimentações de desligamento e admissão (SEADE, 2015).
Destacaram-se as ocupações de operador de telemarketing ativo e receptivo (26.761
admissões e 21.852 desligamentos, com saldo de 4.909 postos de trabalho); operador de
telemarketing receptivo (14.844 admissões e 12.423 desligamentos, com saldo de 2.421
postos); operador de telemarketing ativo (5.504 admissões e 3.979 desligamentos, com
saldo de 1.525 postos); e operador de telemarketing técnico (5.110 admissões e 3.708
desligamentos, com saldo de 1.402 postos).
Apesar de ser reconhecida a importância, hoje, desse segmento na absorção
da força de trabalho brasileira, os dados quanto ao número de pessoas empregadas em
call centers são controversos. Há uma discrepância entre os dados estatísticos oficiais e
aqueles expostos pelos sindicatos da categoria. Estes últimos estimam que mais de um
milhão de pessoas estejam empregadas no segmento no País 87. Já os dados da RAIS
indicam que, em 2014, eram 478.443 trabalhadores exercendo a atividade de
telemarketing88. Essa divergência pode ser explicada, em parte, pela heterogeneidade

87
Ver, por exemplo, a reportagem “Telemarketing emprega 1,4 milhão no país”. Disponível em:
<http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2012/10/telemarketing-emprega-14-milhao-no-pais-
veja-como-e-o-trabalho-no-setor.html>. Acesso em: 4 fev. 2016.
88
Foram considerados aqui os trabalhadores classificados como operadores de telemarketing (CBO
4223), abrangendo aqueles que exercem suas atividades em empresas de diferentes ramos de atividade,
como bancos, escritórios, comércio varejista, transporte etc. Apesar de os dados da RAIS parecerem não
76

das atividades e dos tipos de empresa no segmento. Assim, há trabalhadores que


realizam atividades de teleatendimento fora das empresas de call center, mas que não
são registrados como tal, não sendo, portanto, incluídos nessa categoria nos dados
estatísticos. Essa pode ser uma estratégia empresarial para burlar os direitos
conquistados pela categoria, como omitir o pagamento do piso salarial estabelecido nos
acordos ou convenções coletivas.
A tabela 2 mostra o número de pessoas operadoras de telemarketing no País,
indicando aquelas que realizam suas atividades em diferentes ramos e aquelas que
atuam especificamente nas atividades de teleatendimento (isto é, nos call centers)89.

Tabela 2 – Pessoas operadoras de telemarketing, em geral e em atividades de teleatendimento, por


sexo – 2014

Em geral
Regiões Masculino Feminino Total
nº % nº % nº %
Brasil 113.060 23,6 365.383 76,4 478.443 100
Estado de São Paulo 51.598 22,9 173.994 77,1 225.592 100
RMSP (1) 40.695 24,1 128.199 75,9 168.894 100
MSP 30.317 25,9 86.632 74,1 116.949 100

Em atividades de teleatendimento
Regiões Masculino Feminino Total
nº % nº % nº %
Brasil 76.271 25,3 224.878 74,7 301.149 100
Estado de São Paulo 35.997 24,7 109.847 75,3 145.844 100
(1)
RMSP 28.419 25,5 83.191 74,5 111.610 100
MSP 21.540 27,7 56.201 72,3 77.741 100

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.
(1) Inclui o Município de São Paulo

dar conta da abrangência da categoria, consideramos importante analisá-los, uma vez que são os dados
oficiais fornecidos pelas empresas, que auxiliam na compreensão do perfil dessa categoria e da dinâmica
do segmento. Os dados para o ano de 2014 apresentados nesse item se referem à consulta realizada à base
de dados on-line da RAIS, para a Região Metropolitana de São Paulo, no site do Ministério do Trabalho e
Emprego, em 4 nov. 2015.
89
Optamos por computar os dados referentes às pessoas operadoras de telemarketing em
estabelecimentos exclusivamente de atividade de teleatendimento (CNAE 82202). Dessa forma,
conseguimos traçar um perfil das que exercem suas atividades nos call centers, foco desta pesquisa.
77

Os dados acima revelam a elevada concentração de pessoas teleatendentes


no Estado de São Paulo. A Região Sudeste se destaca, assim, como aglutinadora da
maior parte das empresas de teleatendimento no Brasil. No entanto, ainda que essa
região continue sendo o principal polo empregador, vem ocorrendo um deslocamento
das empresas do segmento para a Região Nordeste (BRAGA, 2012; ALMEIDA,
2013)90. Esse deslocamento se insere na estratégia das empresas de buscar,
constantemente, reduzir seus custos, procurando se fixar em regiões economicamente
mais pobres e com excedente de força de trabalho. Além disso, essa estratégia
possibilita que elas ampliem o controle e obtenham maior disciplinamento sobre seus
empregados, na medida em que, em um contexto de escassez de emprego, a força
trabalhadora tende a se submeter mais facilmente às imposições das empresas.
É preciso salientar ainda que o mesmo movimento vem ocorrendo em
âmbito internacional, tendo as empresas transnacionais de call center se deslocado dos
países mais desenvolvidos para países economicamente mais pobres e com farta oferta
de força de trabalho, como Índia, Marrocos e Filipinas, como mostraram os trabalhos de
Venco (2009; 2014).
No Brasil, há forte concentração de assalariados em grandes empresas do
ramo, com elevada presença de mulheres. Como indicado na tabela 2, cerca de 75% das
pessoas operadoras de telemarketing em atividades de teleatendimento são mulheres. A
força de trabalho jovem também é majoritária, predominando aquelas que possuem o
ensino médio completo, como mostram os gráficos 16 e 17. Isabel Georges (2003), em
sua pesquisa nas seis maiores empresas de teleatendimento no Brasil, também identifica
uma prevalência de teleatendentes jovens (88%) e estudantes (81%).

90
No Município de São Paulo, os dados da RAIS sinalizam para uma redução no número de pessoas
ocupadas no segmento nos últimos anos. De 2011 a 2014, o número caiu 11,4%.
78

Gráfico 16 – Distribuição percentual das pessoas operadoras de telemarketing em atividades de


teleatendimento, por faixa etária, segundo o sexo – RMSP – 2014

60

50

40

% 30

20

10

0
15 A 17 18 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 64 65 OU MAIS

Total Mulheres Homens

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.

Gráfico 17 – Distribuição percentual das pessoas operadoras de telemarketing em atividades de


teleatendimento, por escolaridade, segundo o sexo – RMSP – 2014

90
80
70
60
50
%
40
30
20
10
0
Fundamental

Fundamental

Fundamental

Completo

Completo
Incompleto

Incompleto

Incompleto
5ª Completo

Superior
Superior
Médio
Completo

Médio
Até 5ª

6ª a 9ª

Total Mulheres Homens

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Relação Anual de Informações (RAIS). Elaboração própria.

Aqui, assim como na atividade de operadora de caixa de


super/hipermercados, nota-se maior concentração de homens na faixa de 18 a 24 anos,
enquanto as mulheres aparecem mais dispersas nas demais faixas etárias. Podemos,
portanto, apontar movimento semelhante ao verificado no segmento de
super/hipermercados, com uma absorção masculina no segmento de teleatendimento,
79

mas que se reduz ao longo do tempo, com os homens se retirando dele a fim de galgar
outros postos no mercado de trabalho, provavelmente mais qualificados.
Do mesmo modo, verificamos no segmento uma proporção ligeiramente
mais elevada de mulheres com ensino médio completo. Já nas escolaridades de nível
superior incompleto e completo, a presença de homens é um pouco mais elevada que a
de mulheres.
A maior presença feminina e de jovens entre as pessoas ocupadas está
ligada, em parte, à jornada de trabalho reduzida: 93,6% possuem jornada semanal de 31
a 40 horas. Cabe ainda assinalar que 4,8% possuem jornada em tempo parcial (21 a 30
horas), sendo que, dessas, 79,5% são mulheres.
Outra importante característica marca o segmento: os baixos salários. Na
categoria, o piso salarial corresponde a cerca de 1 salário mínimo (SM). Em 2014, 79%
das operadoras de telemarketing da RMSP recebiam até 1,5 SM. A remuneração
nominal média era de R$ 942,55 91, sendo que, entre quem tinha o ensino médio
completo (a maioria no segmento), ela era de R$ 920,93. As mulheres auferem salários
menores do que os homens: 21% delas recebiam, em 2014, até 1 SM contra 17% dos
homens.
Para as pessoas que se inserem no segmento, essa remuneração média é
menor. Os dados para a RMSP indicam que as pessoas ocupadas que estavam a até 2,9
meses no emprego recebiam, em média, R$ 823,13, sendo que as mulheres recebiam R$
818,07 e os homens, R$ 834,74.
Em relação ao tempo de permanência no emprego, 70,6% dos homens
estavam há menos de um ano no emprego contra 63% das mulheres. Entre as mulheres,
19% estavam há mais de dois anos no emprego, enquanto, entre os homens, 13%
estavam nessa condição. Portanto, nota-se não apenas alta rotatividade no segmento,
mas também, como já nos referimos, tendência a menor tempo de permanência dos
homens nessa atividade.
Além dos baixos salários e da alta rotatividade identificada nos dados
estatísticos, a condição de trabalho a que as pessoas do teleatendimento estão

91
A remuneração nominal média no País era de R$ 890,75. Fonte: RAIS, 2014. Segundo o DIEESE, em
2011 a remuneração média era de R$ 835,10. O aumento na renda vinha sendo verificada até, pelo menos,
2012, resultado inclusive da política de valorização do salário mínimo adotada pelo governo federal na
última década. De 2002 a 2015, o salário mínimo subiu 294% (Disponível em:
<http://www.mte.gov.br/images/Documentos/SalarioMinimo/EVOLEISM1940a2015.pdf>. Acesso em: 5
fev. 2016).
80

submetidas já foi alvo de uma série de estudos no País, como já indicamos. Estes
mostram que, embora a maior parte dos contratos de trabalho seja formalizada e regida
pela legislação trabalhista, o trabalho é marcado por rotinização e padronização das
tarefas, forte controle, pressão pela superação das metas e intensificação do trabalho
(FREITAS, 2010).
Tais condições levam a uma elevada taxa de adoecimento, verificada por
diversos autores que estudaram a atividade. As principais formas de adoecimento vão
desde a ocorrência de lesão por esforço repetitivo (LER), problemas de coluna, dor de
cabeça, zumbido no ouvido, surdez, infecções urinárias, depressão, outros distúrbios
mentais, até tentativas de suicídio 92. Vitor Filgueiras e Renata Dutra (2014) indicam
que, em 2007, o total de acidentes de trabalho registrados no Anuário Estatístico da
Previdência Social (INSS) nesse segmento foi superior a 3 mil ocorrências, sendo que,
dentre essas, mais de mil eram doenças ocupacionais93.
Para Braga (2012), essa alta taxa de adoecimento é fruto de uma
combinação de fatores quanto à organização e à gestão do trabalho, tais como
treinamento inadequado, pressão por cumprimento de metas, condições impróprias no
ambiente de trabalho, intervalos e folgas insuficientes, forte taxa de enquadramento e
intensificação do ritmo de trabalho, possibilitados pelo uso de modernas tecnologias.
Esse tipo de gestão do trabalho, que mescla tecnologias do século XXI com
condições de trabalho do século XIX, levou Antunes & Braga (2009) a definir os
teleoperadores e teleoperadoras como os novos proletários da era da informação ou do
trabalho virtual. Seriam os “infoproletários” ou cybertariat, termo cunhado por Ursula
Huws (2003) e empregado pelos autores.
Podemos afirmar que as mulheres são fortemente afetadas por esse tipo de
gestão, uma vez que elas não apenas são maioria nas atividades de teleatendimento,
como vivenciam piores condições no trabalho, como evidenciado nos menores salários
auferidos.

92
OLIVEIRA, 2009; BRAGA, 2009; FILGUEIRAS & DUTRA, 2014; NOGUEIRA, 2006; VENCO,
2009a; FREITAS, 2010.
93
Segundo os autores, a partir dos anos 2010 houve uma queda no número de registros de acidentes e
doenças no segmento. Porém, mais do que significar uma melhoria no quadro, isso evidencia uma postura
das empresas em “esconder” o problema. Um exemplo é o fato de que “em 2011 e 2012, dos casos de
doença ocupacional cadastrados no INSS, menos de 10% foram reconhecidos pelas empresas como tal”
(FILGUEIRAS & DUTRA, 2014, p. 8). Para os autores, as empresas tanto não admitem e reconhecem o
adoecimento, como deliberadamente agem de modo a ocultar as lesões.
81

O panorama traçado entre as duas atividades permite identificar


semelhanças entre os dois segmentos, como predomínio de mulheres e jovens,
escolaridade relativamente elevada, baixos salários e alta rotatividade. Em ambos os
segmentos, apesar do predomínio da força de trabalho feminina, as mulheres não
vivenciam a atividade da mesma maneira que os homens.

4. Divisão sexual do trabalho nas atividades


Os dados apresentados evidenciam algumas dimensões das desigualdades de
gênero no interior dessas atividades. Procuraremos analisar agora alguns elementos que
levam a maior absorção de mulheres nelas. A percepção das trabalhadoras oferece pistas
que ajudam a compreender por que essas atividades se caracterizam como feminizadas.

4.1 - Atividades feminizadas: “trabalho de mulher”

A maior presença feminina, em ambas as atividades, segue a lógica da


divisão sexual do trabalho. Nelas, os estereótipos socialmente atribuídos às mulheres –
como gentileza, delicadeza, paciência e amabilidade – são considerados importantes e
requeridos pelas empresas. Além disso, a noção, presente no imaginário social, de que
as mulheres são mais capazes de realizar múltiplas tarefas concomitantemente e de que
se submetem mais facilmente a um forte controle (HIRATA, 2002) contribui para que
sejam vistas, pelo ramo empresarial, como mais aptas ou preferidas para ocupar esses
tipos de serviço.
Venco (2009b, p. 161), ao analisar o segmento de teleatendimento, expõe
que a incorporação de mulheres é utilizada para a obtenção de ganhos de produtividade,
mobilizando os atributos ditos femininos “sem os quais a simples padronização e
controle dos comportamentos não bastam para a consecução dos objetivos do capital”.
Se tais atributos são requisitados em determinadas atividades, nem por isso
gozam de uma valorização social, uma vez que são reconhecidos não como
qualificações ou competências construídas, mas como qualidades tidas como naturais às
mulheres (MOLINIER & WELZER-LANG, 2009). Isso se deve ao fato de parte dessas
habilidades e qualidades ser adquirida por elas no espaço doméstico, desde a infância
(KERGOAT, 1989). Assim, certas atividades são vistas como uma extensão das tarefas
realizadas em casa, sendo consideradas mais condizentes com a força de trabalho
82

feminina e justificando seu baixo reconhecimento e valorização social, que perdura ao


longo do tempo.
A incorporação da força de trabalho feminina em certas atividades seria,
assim, privilegiada pelas empresas. No entanto, caberia ponderar se essa seria apenas
uma estratégia empresarial ou se as mulheres seriam mais inclinadas a procurar
determinados tipos de emprego (que auxiliariam a compatibilizar trabalhos produtivo e
reprodutivo), ou ainda se ocorreria uma mescla de vários fatores. Esta última nos parece
a pista para entender a configuração da força de trabalho nas duas atividades aqui
analisadas.
Paul Bouffartigue e Jean-René Pendariès (1994), analisando o recrutamento
de um hipermercado no sul da França nos anos 1990, concluem que a feminização da
linha de caixa sobrevinha menos de uma política da empresa, e mais de uma seleção
prévia externa a ela, isto é, advinda da própria força de trabalho, uma vez que a maior
parte das pessoas que procuravam emprego era mulher. Assim, fruto da divisão sexual
do trabalho, a atividade de operadora de caixa é socialmente reconhecida como
feminina e procurada por mulheres principalmente. Entretanto, a preferência por
contratar mulheres também se mostrava presente no discurso dos responsáveis pelo
recrutamento, o que levou os autores a concluir que, na prática, adiantava-se uma
seleção que inevitavelmente ocorreria, sendo o trabalho de operadora de caixa visto,
socialmente, como um trabalho “de mulher”.

O segmento de super/hipermercados
Nesse segmento, a maior presença feminina é justificada, no discurso das
entrevistadas, pelo fato de as mulheres serem consideradas mais aptas para exercer a
atividade, principalmente porque seriam mais organizadas, gentis, delicadas e pacientes
que os homens. Ângelo Soares (1998) aponta que há uma divisão sexual do trabalho que
envolve o uso e o controle das emoções: os homens se concentram em tarefas que
demandam agressividade, dureza, rudeza e frieza, ao passo que as mulheres estão em
tarefas que requerem gentileza, delicadeza, sensibilidade, doçura etc.

“A maioria é mulher. [E você imagina o porquê?] Porque mulher tem


mais paciência, né? [...] Porque precisa ter muita paciência. Ah,
mulher é mais organizada para algumas coisas, né, aí a maioria é
mulher mesmo” (Celeste, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 12/4/2013).
83

“Eu acho que [a maioria mulher] é porque as mulheres têm mais


facilidade para trabalhar com o público. Tem a questão da
sensibilidade de atender as pessoas. A delicadeza. Eu acredito que
seja por isso” (Carla, fiscal de frente de caixa de hipermercado da
empresa C, 3/3/2012).

Para além desses atributos socialmente atrelados ao sexo feminino, há um


aspecto importante quanto ao trabalho de operadora de caixa: trata-se da imagem a ser
transmitida ao cliente. Os caixas são a porta de entrada e de saída dos clientes na loja –
normalmente localizados em pontos estratégicos dos estabelecimentos. Suas operadoras
são as intermediadoras dessa relação. Portanto, é por meio delas que a empresa
transmite “sua imagem” aos clientes.
Como consequência, a necessidade de manter uma boa aparência faz parte
da realidade das trabalhadoras no caixa (CRUZ, 2003; SOARES, 1998). Elas ficam
submetidas a exigências quanto à forma de se portar (como ser simpáticas e sorridentes,
por exemplo) e de manter a aparência, com o “uniforme apresentável”, o cabelo
penteado e preso, a maquiagem (mas sem “exageros”), entre outras. Essas exigências já
aparecem desde o momento do recrutamento, como evidencia Sofia Alexandra Cruz
(2003). Em sua pesquisa nesse segmento em Portugal, o chefe da seção de caixas
manifestou a preferência da empresa por recrutar trabalhadoras que tivessem “boa
aparência” e fossem simpáticas, calmas e sociáveis para melhor lidar com os clientes.
Algumas das regras da “boa aparência”, segundo as entrevistadas, não são
exigências ou obrigações. Entretanto, é possível notar entre elas a assimilação do que é
esperado pela empresa quanto a uma boa imagem. A transcrição a seguir indica certa
contradição quanto a essas normas: ao mesmo tempo em que diz não ser uma obrigação,
Carolina indica a ordenação da empresa para que mantenha certa aparência.

“De vez em quando eles falam: ‘vai se arrumar!’. Só que eu, eu não
gosto muito, é difícil tipo maquiagem. Mas eles não exigem, não. É
mais assim uma coisa sua. Eles dizem assim o que não usar, eles não
querem que pinte as unhas de vermelho. Não pode pintar a unha de
vermelho. Não pode cor escura. Eles querem que pinte de uma cor
mais clarinha. [E cabelo?] Tem que estar de cabelo preso. Todo
mundo usa cabelo preso. Isso é exigência” (Carolina, operadora de
caixa de supermercado da empresa C, 18/5/2012).

Além dessas normas e padrões sobre o corpo e a aparência, há ainda outra


dimensão importante: “o corpo da trabalhadora é também utilizado como estratégia de
marketing pela gestão dos supermercados” (SOARES, 1998, p. 112). Ele tanto é usado
84

para transmitir aos clientes a imagem que a empresa deseja, como pode acabar se
tornando um real instrumento de marketing. Um exemplo é o fato de, em 2014, uma
empresa de supermercado do Município de São Paulo ter sido condenada pelo Tribunal
Superior do Trabalho a indenizar uma operadora de caixa por obrigá-la a usar uniforme
com propagandas de produtos, sem receber compensação pecuniária. A operadora
denunciou a empresa por utilizá-la como um “veículo de propaganda” para diferentes
marcas de produto, fazendo de seu corpo um instrumento de propaganda.
Ou seja, os atributos físicos da mulher, seu corpo, bem como suas
“qualificações” tidas como naturais, são apropriados pelas empresas e colocados a
serviço do trabalho, na busca por maior lucratividade.

Ramo de teleatendimento
A atividade de teleatendimento, ao contrário da de operadora de caixa, tem
como característica manter o corpo da trabalhadora invisível na relação com o cliente.
Nela, é por meio da voz que as trabalhadoras, escondidas atrás do telefone, transmitem
certas características, como gentileza, paciência, calma e afeto. Liliana Segnini (2001)
assinala que, socialmente, a voz feminina tem o efeito de transmitir mais doçura e
confiança, o que estaria ligado à segurança que as pessoas sentem ao falar com uma
mulher ao telefone. Venco (2003) constata, em sua pesquisa no segmento, que a voz
feminina é considerada a que “soa melhor” ao telefone e transmite mais tranquilidade.
Aparece aqui o recurso à sedução da voz feminina, como forma de levar ao cliente uma
sensação agradável e positiva no atendimento.
Como é o único meio de contato das trabalhadoras com os clientes, a voz
fica sujeita a um forte controle. As empresas impõem padronizações nas falas e
procuram eliminar os sotaques e controlar a entonação, com o objetivo de impedir
manifestações de emoção e afeto das teleatendentes, limitando o diálogo (VILELA &
ASSUNÇÃO, 2004). Tais imposições permitem que a empresa controle aquilo que
deseja transmitir aos clientes, em relação tanto ao conteúdo quanto às sensações. E a
voz feminina parece ser, assim, mais eficaz para atingir tais objetivos.
Além da voz, há ainda outros elementos importantes que contribuem para
maior absorção de mulheres nesse segmento. O horário reduzido de trabalho é visto
como um fator preferível às mulheres, dadas suas responsabilidades no lar. Do mesmo
modo, ele foi apontado como favorável aos jovens, que teriam a possibilidade de
85

conciliar trabalho e estudos. Desse modo, parte das trabalhadoras vê esse tipo de
trabalho como uma opção diante de suas condições ou ciclo de vida, sendo elas mães ou
estudantes. Essa noção aparece no discurso tanto das entrevistadas como do ramo
empresarial.

“[Tem] Muito mais mulher do que homem. Acho que 90% são
mulheres. O resto é homem. [...] É, porque, na verdade, a maioria é
mãe. [A maioria é mãe?] A maioria é mãe. Porque, por ter filho,
procuram emprego com uma carga horária que seja, né... que não
compromete todo o tempo. Perto de casa. A maioria aqui também é da
região. A maioria é mãe. Ou, se não, são mocinhas, que trabalham
para comprar roupinha, para ir para a balada, essas coisas. Ou tem
também a grande parte que trabalha para realmente pagar a
faculdade, essas coisas. Mas a maioria é mulher” (Ametista,
teleatendente da empresa A, 4/5/2012).

Venco (2009a), em suas pesquisas no segmento, constata que o próprio


discurso empresarial indica maior facilidade das mulheres em ingressar nesse tipo de
atividade por lhes permitir manter as responsabilidades no âmbito familiar94. Por seu
lado, as empresas tendem a recrutar mulheres em arranjos monoparentais com filhos,
por exemplo, que necessitam se manter inseridas no mercado de trabalho, como forma
de aumentar o disciplinamento e a produtividade das trabalhadoras (BRAGA, 2009;
BENQUET, 2013). Assim, a posição na família contribui para o submetimento dos
trabalhadores ao capital (BRAGA 2009), condicionando a forma de sua inserção na
esfera produtiva.
Esse quadro evidencia que há uma estratégia de absorção da força de
trabalho feminina nessas atividades, ao considerar as mulheres como mais aptas e
preferíveis para exercê-las, apontando como o capital se apropria da divisão sexual do
trabalho para explorar de maneira específica as mulheres.
A percepção das trabalhadoras tende a reforçar essa ideia das atividades
como mais condizentes com os atributos tidos como femininos, bem como a indicar que
os homens não aceitariam ou não se submeteriam facilmente a esses tipos de trabalho,
sobretudo por serem rotineiros, padronizados e realizados sob forte controle, além dos
baixos salários.

94
A melhor articulação entre esferas do trabalho e da família foi utilizada como justificativa no campo
das “políticas de conciliação” em países da Europa, por exemplo, para a disseminação do trabalho em
tempo parcial, sendo fortemente direcionado às mulheres. Abordaremos esse aspecto em capítulo
posterior.
86

4.2 - Trabalhos que não são “de homens” ou “para homens”

No segmento de super/hipermercados, o trabalho é visto como preferível


às mulheres, em função da valorização da aparência. As entrevistas revelam a percepção
de que o caixa não é local para homem, nem o trabalho é considerado “de homem”.
A fala de Carolina ilustra a existência de dois elementos que afastariam os
homens desse posto de trabalho: o preconceito e os baixos salários. Este último,
sobretudo, é visto como incompatível com o “papel” do homem como provedor do lar,
ainda muito arraigado no imaginário social, mesmo que, na realidade, as práticas sociais
de homens e mulheres tenham vivenciado uma série de mudanças, diferindo da lógica
do “homem provedor” e da “mulher dona de casa”.

“[Tem] mais mulher. Homem, só tem dois meninos. [...] Acho que eles
acham o trabalho muito de... eles acham que é só para mulher. [risos]
O pessoal... acho também que é pelo salário. Muito pouco aqui para,
tipo, você sustentar alguém, não dá. Se você, tipo assim, vai morar
sozinha, se você trabalhar lá, você não consegue. Eu acho que
também é por isso. É muito pouco. E geralmente os homens, né,
sustentam a família, moram sozinhos, essas coisas... não dá”
(Carolina, operadora de caixa de supermercado da empresa C,
18/5/2012).

Carolina, no momento da segunda entrevista, estava trabalhando na área


interna do estabelecimento, sendo, inclusive, responsável por parte do recrutamento. Em
seu relato, afirma que os dois trabalhadores homens recentemente contratados haviam
evidenciado a vontade de não permanecer no caixa. Segundo ela, eles achavam que o
caixa não era um espaço “de homem”, revelando seus preconceitos em relação ao
trabalho. Esse fato reforça nosso apontamento anterior de que os homens tendem a
permanecer por pouco tempo nessa atividade.
Nos estabelecimentos de super/hipermercados, os homens acabam sendo
destinados a outros setores tidos como mais condizentes à incorporação da força de
trabalho masculina, principalmente quando envolvem esforço físico. Celso, operador de
hipermercado que trabalhava na seção de frutas, legumes e verduras como responsável
pela organização e pelo abastecimento do estoque e das bancadas de produto, sustenta
essa opinião. Segundo ele, seu trabalho requer demasiado esforço físico, sendo
considerado mais “duro” e difícil quando comparado a outros, como o de operadora de
caixa. Este é visto por ele como de mais fácil execução por não exigir carregamento de
87

peso constante (embora, na prática, o trabalho de operadora de caixa também envolva


esforço físico, como fizeram questão de mencionar algumas entrevistadas).
Essa naturalização da divisão de tarefas entre os sexos aparece de forma
reveladora no caso de Conrado. Um dos poucos homens na frente de caixa no período
diurno, ele podia ser convocado para realizar tarefas muito variáveis ao longo do dia.
Quando questionado a esse respeito, ele atribui a justificativa a seu sexo, afirmando que,
por ser homem, realiza as tarefas que envolvem carregamento de peso ou que são
consideradas mais perigosas95.

“A maioria do que me pedem para fazer é coisa de peso, né? O pallet,


eu tenho que ir ao depósito pegar um hidráulico. O pallet de sacola,
se não me engano, vem duzentos e vinte pacotes com... ao total dá
mais ou menos 83 kg. Aí eu vou, puxo, aí depois pego os pacotes de
sacola, subo dois lances de escada e coloco lá em cima. Ou então
para reiniciar o painel que fica pendurado em cima, aí eu vou pego a
escada e tem que subir. Ou então repor produto na loja, tipo pacote
de arroz etc., etc. Aí eu vou e faço. Essas coisas assim” (Conrado,
operador de caixa de hipermercado da empresa C, 11/11/2014).

Assim, o caso de Conrado evidencia que um homem, mesmo quando


inserido em um trabalho considerado “tipicamente” feminino e altamente feminizado, é
convocado a fazer tarefas tidas “de homem”.
A noção da masculinidade associada à virilidade é determinante quanto à
divisão sexual do trabalho nos estabelecimentos. Ela é vista como menos condizente
com o trabalho no caixa, que envolve uma atividade mais relacional e exige
amabilidade, delicadeza e paciência. Comumente, as trabalhadoras indicam que os
poucos homens em atividade na frente de caixa são homossexuais, aos quais elas
atrelam uma menor virilidade, o que justificaria a presença desse grupo nessa
atividade96.

“[E tem mais mulher?] Tem, frente de caixa tem mais mulher, ou gay.
[Ou gay?] Não entra um homem lá. [...] [Mas por que você acha que
não tem homem?] Não sei, porque geralmente homem não gosta

95
Aqui, cabe assinalar uma importante estratégia adotada pela empresa: os empregados são contratados
como operadores de hipermercado, não havendo contratação específica de operadores de caixa. Isso
permite à empresa recorrer à polivalência e multifuncionalidade dos trabalhadores, além de manter baixos
os custos com a força de trabalho, sem precisar contratar profissionais especializados em determinadas
atividades. Analisaremos essa estratégia de modo mais aprofundado no capítulo destinado a compreender
as práticas de flexibilização das relações de trabalho adotadas pelas empresas.
96
Não podemos afirmar que seria uma estratégia gerencial das empresas recrutar homens homossexuais
para a frente de caixa; no entanto, podemos aventar a hipótese de que haveria essa tendência. O exemplo
do teleatendimento, como analisaremos logo a seguir, dá pistas para pensarmos essa relação.
88

muito de trabalhar, assim, como operador de caixa, que acha que é


um trabalho mais da mulher. Mentira, porque carrega peso também,
caixas de leite... [E por que será que tem gay? Mais gay?] O pessoal
gosta de contratar gay porque a maioria é gay, a maioria, a maioria.
Eu falo: ‘ai, poxa...’ [...] ‘Homem’, assim, é difícil. Muito difícil,
muito. Mais mulher e gay tem na frente de caixa” (Carmem,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 17/10/2014).

Molinier & Welzer-Lang (2009), no Dicionário crítico do feminismo,


definem “virilidade” a partir de dois aspectos: um ligado aos atributos sociais atrelados
aos homens e ao masculino, como força, coragem e capacidade de combater; e outro
associado à forma erétil e penetrante da sexualidade masculina. Os autores apontam que
aos “verdadeiros” homens – como denominados por eles97 –, que adotam e demonstram
uma atitude, comportamento e imagem viris, são atribuídos os privilégios da honra, do
poder, e da colocação das mulheres à sua disposição doméstica e sexual.
Diferentemente, os homens que não conseguem adotar uma atitude viril ou que negam a
virilidade (entre os quais se incluem os homossexuais), ainda que permaneçam
dominantes em relação às mulheres, são colocados em uma posição de inferioridade,
ficando sujeitos a sofrer discriminações e violências de outros homens.
As entrevistadas revelam que ocupar uma atividade considerada feminina –
e, portanto, menos viril – é percebido como um elemento que afeta a masculinidade 98.
Disso decorreria o afastamento de parte dos homens desse tipo de trabalho e certo
preconceito em relação a ele e aos homens que o executam.
É interessante notar que as entrevistadas, em seus relatos, expressam uma
percepção que associa o homem homossexual a menor virilidade. Entretanto, Conrado,
homossexual e um dos poucos homens na frente de caixa, é considerado mais forte e
mais indicado a realizar determinadas tarefas ditas “de homem”, evidenciando a noção
da superioridade masculina ante a feminina. Além disso, aparece uma ambiguidade na
percepção das próprias entrevistadas quanto à atividade no caixa: o trabalho é associado

97
Em nossas entrevistas, as trabalhadoras se referiram a estes como “homens homens” em oposição aos
homens homossexuais.
98
Durante observação no trabalho de campo (6 maio 2015), registramos o diálogo entre dois operadores
de caixa homens. Um deles, que treinava uma operadora, disse ao outro que estava bravo e incomodado
por ter sido confundido com ele. Posteriormente, dirigindo-se à operadora, ele disse que seu incômodo era
porque o outro “jogava em outra praia”, querendo deixar claro que o que os diferenciava era que ele era
heterossexual, enquanto o outro era homossexual. Assim, os estereótipos sociais acerca da sexualidade
também são decisivos quanto ao afastamento ou à inserção dos trabalhadores homens nesse tipo de
trabalho. Consideramos que a inserção de homossexuais em determinadas atividades, a apropriação de
sua sexualidade pelo capitalismo e a relação estabelecida entre os pares – homens e mulheres – são um
tema de estudo que merece ser analisado e aprofundado futuramente, sendo ainda escasso na sociologia e,
particularmente, na sociologia do trabalho.
89

aos atributos tidos como femininos, mas, ao mesmo tempo, elas recorrentemente
salientam que o exercício da atividade envolve o carregamento de peso – característica
associada ao masculino.
Tais elementos evidenciam que as construções de masculinidade e
feminilidade, bem como a divisão sexual do trabalho, não são estanques e permanecem
em constante transformação, sem deixar de revelar, porém, os estereótipos presentes no
imaginário social e as hierarquias existentes. Como aponta Delphine Gardey (2003, p.
53),

há campos de atividade forte e permanentemente naturalizados: a costura é


assunto de mulher; o domínio da engenharia é assunto de homem. Mas
quando se observam intimamente as tarefas ditas “femininas” as coisas não
são tão evidentes: muitas tarefas relacionadas à costura (corte, trabalho com
couro e com peles) são reservadas aos homens. O que aparece de fato é que,
fora das grandes áreas das quais as mulheres são excluídas, as fronteiras do
masculino e do feminino estão em constante elaboração.

Entretanto, ainda que essas fronteiras estejam em constante ressignificação,


a desigualdade entre os sexos persiste. Para Hirata (2003b, p. 20), apesar dos elementos
de mudança e de continuidade, “o deslocamento hoje das fronteiras do masculino e do
feminino deixa intacta a hierarquia social que confere superioridade ao masculino sobre
o feminino, hierarquia sobre a qual [...] se assenta a divisão sexual do trabalho”. Esta
segue decisiva quanto à forma como homens e mulheres se inserem na esfera do
trabalho e quanto ao modo como é apropriada pelo capital.
Alguns aspectos muito semelhantes ao verificado no caso das operadoras de
caixa são identificados no segmento de teleatendimento.
Nele, a atividade de teleatendente também é apontada como mais condizente
com as mulheres. Como vimos, a jornada de trabalho reduzida favorece a incorporação
da força de trabalho tanto feminina, por propiciar, em maior medida, a articulação entre
trabalho e família, quanto jovem, normalmente formada por solteiros e sem filhos que
recorrem ao emprego para pagar o curso universitário. Se para estes a jornada de
trabalho é favorável, para os homens, principalmente quando já não são tão jovens, o
trabalho não seria compatível com o papel socialmente esperado deles.

“[Por que você acha que tem mais mulher?] Porque... eu acho que as
mulheres querem trabalhar meio período. As que têm filhos. [...]
Homem quer trabalhar em coisa para homem, né? Não sei porque o
telemarketing é mais para mulher, não sei, não. [...] Mas os homens
90

não gostam, não. Não gostam de telemarketing” (Andréa,


teleatendente da empresa A, 18/4/2012, grifo nosso).

Georges (2009) relata que o trabalho em teleatendimento aparece como um


recurso de inserção no mercado formal de trabalho das mulheres de todas as idades e
origens sociais. Já os homens tendem a evitar esse tipo de trabalho, o que se acentua
com a idade. Os homens, portanto, permaneceriam por menos tempo no segmento ou
tentariam evitá-lo.
A entrevista de Aline é reveladora quanto a esse aspecto e se assemelha à
situação de várias outras entrevistadas. Ela avalia positivamente seu trabalho em
teleatendimento devido à jornada de seis horas, o que lhe permite cuidar da filha. No
entanto, ela salienta somente ser possível permanecer nesse trabalho por contar com o
salário do marido (superior ao dela) para pagar as despesas de casa.
Recorrentemente, o baixo salário do segmento é apontado como insuficiente
para garantir o sustento da casa. Como podemos ver, o trabalho passa a ser considerado
como não sendo “de homem” na medida em que envolve pouco reconhecimento social e
baixo salário, elementos que vão contra a noção, ainda arraigada no imaginário social,
do homem como provedor e que tem na esfera produtiva seu locus privilegiado de ação.
Já para a mulher, predomina a ideia de que é importante seu trabalho ser compatível
com as tarefas e responsabilidades domésticas.
No entanto, assim como no caso dos super/hipermercados, notamos no
segmento de teleatendimento a forte presença de homossexuais, o que também vem
sendo verificado em outros estudos, como no de Venco (2009a). Segundo um dos
entrevistados, eles encontrariam mais dificuldades de se inserir em outros setores do
mercado de trabalho.

“[E tem mais mulher aí na empresa?] Mais mulher. [São poucos os


homens?] É, tem poucos. E os que tem também... são gays. [Risos]
[Por que todo mundo fala isso?] Não, mas é verdade. Tem poucos
héteros[sexuais] aí trabalhando. Mas... eu vejo isso pelo menos. [E
por que você acha?] Ah, não sei. Não tenho ideia. Porque, eu acho
que eles são mais extravagantes, sei lá, aí não acha emprego fácil.
[Risos] [Ah, fora daí?] Aí o povo não tem nada para fazer, entra aí e
já fica aí” (Alberto, teleatendente da empresa A, 17/4/2012).

Novamente aqui, cabe apontar um aspecto significativo que aproxima as


duas atividades: há uma apropriação da homossexualidade colocada a serviço do capital.
Seja por certos atributos que carrega, seja pela dificuldade que vivencia de inserção no
91

mercado, essa força de trabalho acaba sendo a opção de certos setores, pois ela tenderia
a se submeter mais facilmente aos ditames das empresas.
No entanto, isso não se restringe apenas a pessoas homossexuais. O
segmento de teleatendimento vem sendo apontado também como uma porta de entrada
para outros trabalhadores frequentemente excluídos ou que encontram maiores
dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, como negros, jovens (muitos em busca
do primeiro emprego) etc. (VENCO, 2009a; FREITAS, 2010), como veremos logo
adiante.
Essa característica evidencia que, além das relações de gênero, outras
relações são fundamentais para compreender a composição da força de trabalho em
ambas as atividades, como veremos a seguir.

4.3 - Relações de classe, gênero e raça

Nesta análise de duas atividades profissionais feminizadas, estamos


tomando duas dimensões importantes das relações sociais: as relações de classe e de
gênero. As mulheres vivenciam a exploração pelo capital enquanto trabalhadoras e a
opressão na relação produção/reprodução, homem/mulher, em virtude de seu sexo. A
essas duas relações se somam ainda uma terceira: trata-se da relação de raça/etnia.
As mulheres negras vivenciam uma série de desigualdades no mercado de
trabalho: elas são mais acometidas pelo desemprego, recebem menores salários e estão
mais presentes no trabalho informal (IBGE, 2014c; 2015b) 99.
Diversos estudos (BRUSCHINI, 1994; SAFIOTTI, 2004; GUIMARÃES,
2002) evidenciam como gênero e raça/etnia se articulam, determinando as
desigualdades no mercado de trabalho. Como indica Guimarães (2002), entre os fatores
explicativos dessas desigualdades sobressaem os demarcadores inscritos no corpo e na
aparência dos indivíduos. “São marcas de corpo, socialmente valoradas e transformadas

99
Em 2013, o rendimento médio das mulheres brancas equivalia a 72% do dos homens brancos, o dos
homens negros equivalia a 56,5% e o das mulheres negras correspondia a apenas 42%. A remuneração
das mulheres pretas ou pardas (classificações adotadas pelo IBGE) equivalia a 57,8% da das brancas
(IBGE, 2014c). Guimarães (2002), ao analisar as diferenças salariais por cor e sexo no mercado de
trabalho, pondera que as mulheres brancas são mais afetadas pela discriminação no local de trabalho em
virtude de seu sexo. Para as mulheres negras, a discriminação estaria ligada ainda a outras desigualdades
geradas fora do mercado de trabalho, como a menor escolaridade e o fato de competirem por atividades
que pagam menores salários. Apesar dessas diferenças, sexo e cor aparecem como componentes
fundamentais para explicar as desigualdades existentes no mercado de trabalho.
92

em elementos de qualificação (ou desqualificação) social, de qualificação (ou


desqualificação) para o trabalho” (GUIMARÃES, 2002, p. 261).
A imbricação das relações de classe, gênero e raça/etnia aparece como uma
chave de análise fundamental para compreender as duas atividades aqui analisadas.
No segmento de super/hipermercados, Soares (2011) identifica que o
trabalho das operadoras de caixa é marcado pelas relações tanto de gênero – é um
trabalho feminizado –, como de raça – é um trabalho preponderantemente de mulheres
brancas. Foi também o que verificamos em nossa pesquisa empírica, tanto no perfil das
entrevistadas como nas observações: prevalece a participação de mulheres brancas.
Há, portanto, uma divisão racial do trabalho que afasta as mulheres negras
desses postos. Essa segregação se atrela ao fato, como já apontado, de as operadoras de
caixa serem responsáveis por transmitir a “imagem da empresa” aos clientes, o que
influencia no tipo de perfil das trabalhadoras recrutadas. Em nossa sociedade, com forte
herança escravocrata, o racismo segue presente. Segundo Antonio Sérgio Guimarães
(2000), as mulheres são as principais vítimas de insulto racial e sofrem uma série de
discriminações e exclusões no mercado de trabalho em virtude de sua cor.
Outro dado relevante para nossa análise quanto ao perfil das trabalhadoras é
a forte presença de mulheres migrantes de regiões mais pobres do País, sobretudo da
Região Nordeste. No grupo entrevistado, sete eram oriundas, principalmente, de Bahia,
Pernambuco e Piauí. Outras quatro procediam de municípios localizados no sul do
Estado de São Paulo e uma tinha vindo do Paraná. Correspondendo à grande motivação
para as migrações, a maioria das entrevistadas se dirigiu ao Município de São Paulo em
busca de trabalho formal e de melhor condição de vida.
Algumas trajetórias das entrevistadas apresentaram características comuns,
como a criação por uma avó na cidade de origem, após a mãe (com ou sem a presença
do pai) ter migrado para São Paulo para trabalhar. Após anos, ao virem a São Paulo em
visita à mãe, elas resolveram permanecer na cidade, encontrando no ramo de
super/hipermercados o local (primeiro ou não) onde conseguiram emprego.

“Porque meu pai veio primeiro para procurar emprego. Aí começou a


trabalhar, arrumou casa. Aí mandou buscar ela [a mãe]. Aí ela veio.
Logo em seguida, um ano pra frente, eu vim passar minhas férias e
resolvi ficar. [E por que você resolveu ficar?] Porque aqui tem mais
oportunidade de emprego. Lá não tem. E aqui é um mundo totalmente
diferente, que você pode crescer. É um mundo mais avançado. Porque
lá é uma cidadezinha pacata. Você vive naquele mundinho, todo
mundo te conhece. Você faz alguma coisa de errado, todo o povo da
93

cidade já fica sabendo. É uma cidade muito pequena” (Cibele,


operadora de hipermercado da empresa C, 13/6/2012).

Ainda que a maior parte das entrevistadas tivesse permanecido na cidade de


origem enquanto a mãe migrava em busca de emprego, encontramos uma que migrara
para São Paulo havia um ano e sete meses, deixando o filho na cidade de origem aos
cuidados da mãe e da irmã100.
A presença de migrantes, sobretudo do Nordeste, também vem sendo
descrita por outros estudos. Soares (2011), em sua pesquisa, também constata a forte
presença de nordestinas na atividade de operadora de caixa.
Isso também é confirmado por Santos (2012), a qual pesquisou uma rede
francesa de hipermercados no Brasil e na França. Segundo a autora, em ambos os países
os funcionários recrutados pela empresa eram jovens de camadas mais desfavorecidas
em face de condições e/ou atributos diversos (de classe, étnico-raciais, sexo etc.), tendo
uma “presença significativa de imigrantes e/ou descendentes, no caso da França, e de
migrantes de regiões mais pobres, no caso do Brasil” (SANTOS, 2012, p. 5).
As trajetórias revelam, assim, a busca de parte das trabalhadoras pela
ruptura de situações de maior pobreza, sendo o segmento de super/hipermercados uma
importante porta de acesso dessas mulheres ao mercado de trabalho. No entanto, elas
não deixam de ser alvo de discriminação e de baixo reconhecimento social. Como
aponta Soares (2011, p. 105), “a discriminação contra os nordestinos em São Paulo é
grande e pode-se manifestar de diferentes formas. Em São Paulo, os nordestinos são
vistos como símbolo de migrantes pobres e incompetentes”. É o que também vivenciam
as mulheres negras e pobres.
Mais recentemente, também constatamos, em nosso trabalho de campo, a
presença de uma trabalhadora imigrante internacional (também negra). O número de
imigrantes internacionais no País tem crescido nas últimas décadas Segundo dados do
último censo do IBGE, houve aumento de 87% no período entre 2000 e 2010: enquanto
em 2000 foram 143,6 mil novos residentes, em 2010 foram 268,4 mil. No Município de
São Paulo, esse incremento foi ainda maior: 117% no mesmo período. Assim, 39.655

100
Em sua entrevista, ela relata a vontade de trazer o filho para viver com ela em São Paulo. No entanto,
considera que isso será possível apenas quando conseguir autonomia financeira para se mudar da casa da
tia, com quem mora, e constituir a própria casa. Enquanto isso, ela envia dinheiro mensalmente à mãe
para cuidar dele e, no momento da entrevista, havia acabado de retornar da visita ao filho.
94

novos residentes ingressaram no município em 2010, contra 18.237 em 2000 (SÃO


PAULO, 2012).
Desde os anos 2010, esse aumento parece se intensificar. Dados mais
recentes da Polícia Federal indicam que, entre 2010 e 2014, apenas entre os haitianos,
houve um ingresso de mais de 39 mil novos residentes no Brasil101. Segundo
reportagem da Repórter Brasil, um dos importantes centros de acolhida de imigrantes no
MSP – o Missão Paz – tem recebido um número significativo de haitianos (80% dos
acolhidos), sendo que metade deles permanece no município, enquanto os demais
migram para outras regiões. Segundo a reportagem, dos segmentos que mais contratam
esses migrantes destacam-se construção civil, restaurantes, serviços de limpeza, serviços
em geral e, mais recentemente, mercados102.
Não se pode afirmar uma nova tendência de absorção de imigrantes nos
estabelecimentos de super/hipermercados devido à escassez de dados oficiais; no
entanto, há indícios de que eles começam a se configurar como uma porta de entrada de
imigrantes internacionais no mercado de trabalho brasileiro.
Algumas semelhanças quanto ao perfil da força de trabalho nos
super/hipermercados também são verificadas no segmento de teleatendimento.
Nos call centers, para além do predomínio de mulheres, como já
mencionamos, a força de trabalho é composta, sobretudo, por jovens, negros, obesos e
homossexuais.
Como o trabalho é realizado por telefone, alguns atributos físicos, que
poderiam levar a uma maior discriminação, ficam omitidos na interação com os clientes.

“O telemarketing é um setor que aborda todas as pessoas, porque na


verdade você não aparece, quem aparece é a sua voz; então, a minha
cor sendo negro não aparece para o cliente da classe A1. Então o tom
da minha voz é o que representa” (Bruno, teleatendente da empresa
B, 8/2/2012).

O ramo de teleatendimento incorpora, assim, uma parcela da população


frequentemente discriminada no mercado de trabalho, a qual se torna, por conta disso,

101
Informações retiradas do site da Agência da ONU para Refugiados – Acnur. Refúgio no Brasil: uma
análise estatística – janeiro de 2010 a outubro de 2014. Disponível em:
<http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Estatisticas/Refugio_no_Brasil_2010_2014.
pdf?view=1>. Acesso em: 22 jan. 2016. A imigração haitiana no Brasil cresceu fortemente após o
terremoto que devastou o país em 2010.
102
Repórter Brasil. A situação dos imigrantes haitianos e senegaleses no Brasil. Publicado em
15/12/2014. Disponível em: <http://imigrantes.webflow.io/>. Acesso em: 22 jan. 2016.
95

uma força de trabalho facilmente explorável e de menor custo. Segundo Venco (2009b),
dada essa invisibilidade do trabalhador no contato com o cliente, esse segmento
incorpora amplamente “pessoas frequentemente rejeitadas em postos de trabalho que
envolvem o contato vis-à-vis, relegando-os a permanecerem invisíveis a uma sociedade
de consumo que privilegia certos padrões estéticos” (VENCO, 2009b, p. 170, grifo no
original) 103.
Os demarcadores inscritos nos corpos dos sujeitos condicionam, assim, os
espaços ocupados por eles no mercado de trabalho, reforçando as desigualdades
existentes.
O quadro apresentado evidencia como as relações de classe, gênero e raça104
estão imbricadas, sendo decisivas na compreensão do perfil da força de trabalho em
ambas as atividades, bem como no modo de as trabalhadoras vivenciarem a esfera
produtiva e as desigualdades existentes.
A importância de considerar a interdependência das relações de poder vem
sendo debatida há algumas décadas. Segundo Hirata (2014), a problemática da
interseccionalidade de classe, sexo e raça foi, inicialmente, desenvolvida por
pesquisadoras inglesas e norte-americanas nos anos 1990, como Kimberlé Crenshaw
(1989), tendo sofrido forte influência do feminismo negro (Black Feminism) do fim dos
anos 1970. Nesse período, na França, Danièle Kergoat desenvolveu suas análises,
articulando primeiramente classe e sexo e posteriormente incluindo as relações de raça.
Mais recentemente, a autora passou a falar em teoria da consubstancialidade 105,
apontando essas três relações de poder como coextensivas umas das outras. Aqui no
Brasil, Heleieth Saffioti (1997; 2015) salienta o nó existente entre os antagonismos de
classe, sexo e raça.
O desenvolvimento dos conceitos e dessas análises quanto à
interseccionalidade ou consubstancialidade dessas relações contribuiu para evidenciar
que há não uma hierarquização das formas de opressão, mas um entrecruzamento de
desigualdades (KERGOAT, 2010; HIRATA, 2014). Cinzia Arruzza (2015) defende que

103
Em entrevista ao jornal ABCD Maior, em julho de 2015 – para a matéria “Teleoperadores devem se
organizar contra a invisibilidade atrás do telefone” –, Selma Venco afirmou que o segmento é
frequentemente apontado como democrático por incorporar grupos de pessoas geralmente excluídos no
mercado de trabalho, quando, na prática, há uma perversidade nessa relação.
104
E vimos como a sexualidade/orientação sexual também é uma dimensão importante nessa imbricação.
105
Essa não é isenta de críticas. Cinzia Arruzza (2015) faz uma análise das teorias que tratam da relação
entre as opressões de raça e de gênero e o sistema capitalista. A autora critica as análises que tomam essas
relações como sistemas separados. Uma de suas críticas se volta à teoria da consubstancialidade de
Kergoat, por esta não apresentar quais as causas dessa intersecção.
96

as opressões de gênero e de raça são parte integrante da sociedade capitalista. Portanto,


segundo a autora, são relações que não apenas se interseccionam externamente, mas
também formam um sistema unitário.
A existência da divisão social, sexual e racial-étnica do trabalho faz certas
categorias serem particularmente afetadas pela degradação do trabalho, caso, em
especial, das mulheres negras e pobres. Em uma sociedade patriarcal, as mulheres
ocupam os postos menos valorizados de emprego, além de receberem menores salários
e sofrerem formas específicas de discriminação. Do mesmo modo, fruto de uma herança
escravocrata, os negros encontram-se nessa posição de subordinação, estando sujeitos a
vivenciar formas de discriminação e de racismo no trabalho. E essas relações se cruzam
e se interconectam, conformando e recrudescendo as desigualdades no mercado de
trabalho.
Nas atividades de serviço, a imbricação dessas três relações também está
posta. Não por acaso, vemos nessas atividades uma forte presença de mulheres, jovens,
negros, imigrantes, pobres. São categorias que se encontram mais vulneráveis e, por
isso mesmo, veem a exploração sobre sua força de trabalho ser, em alguma medida,
intensificada.
Nesse sentido, Soares (2000) aponta que o trabalho de serviços já possui um
baixo reconhecimento social, o que se agrava quando realizado por mulheres, sobretudo
de classe econômica socialmente desfavorecida. Isso afeta o modo como as
trabalhadoras vivenciam as atividades.

*
* *

Ao longo deste capítulo, procuramos traçar um panorama sobre o setor de


serviços no Brasil, enfatizando sua importância para a economia hoje, bem como para a
incorporação da força de trabalho. Esse vivenciou uma forte expansão nas últimas
décadas do século XX, transformando o mundo do trabalho. Apesar de contribuir com a
maior formalização do trabalho, os empregos advindos de sua expansão se caracterizam,
em grande medida, pela baixa qualificação, baixos salários, pouca possibilidade de
ascensão na carreira, alta rotatividade e más condições de trabalho.
As mulheres são fortemente afetadas, uma vez que se encontram
amplamente inseridas nesse setor. Resultado da divisão sexual do trabalho, elas se
97

concentram em atividades em que os atributos socialmente atrelados ao sexo feminino


são requisitados.
Esse é o caso das duas atividades aqui analisadas. Ao traçarmos o panorama
sobre os dois segmentos e sobre o perfil da força de trabalho neles inserido, pudemos
notar características que os aproximam, como a alta feminização e a presença de uma
população jovem, que está sujeita a uma alta rotatividade e a baixos salários. O
atendimento – presencial ou a distância – remete à mulher, dados os atributos
socialmente atrelados a elas. Ambos os segmentos seguem a lógica da divisão sexual do
trabalho, sendo marcados por profundas desigualdades de gênero.
A essas desigualdades se somam outras, como as de raça. Enquanto o
teleatendimento se caracteriza pela incorporação de pessoas recorrentemente afastadas
do mercado de trabalho, em virtude da invisibilidade do trabalhador na relação com o
cliente, o segmento de super/hipermercados tende, em prol da transmissão de uma “boa
imagem” aos clientes, recrutar principalmente mulheres brancas, repelindo, em alguma
medida, as negras.
Do mesmo modo, pudemos notar uma prevalência de homossexuais em
ambas as atividades, despontando como um importante campo de análise, isto é, a
sexualidade apropriada e colocada a serviço do capital.
Os dois segmentos fazem uso, assim, de estratégias de recrutamento, de
modo a absorver uma força de trabalho que, dadas as desigualdades existentes no
mercado de trabalho e na sociedade, tende a se submeter mais facilmente aos ditames da
empresa, permitindo a esta recrudescer a exploração sobre tal força de trabalho. As
relações de poder encontram-se, portanto, imbricadas, reforçando as desigualdades e
exclusões existentes.
O capítulo seguinte será destinado a analisar a organização do trabalho nos
segmentos de teleatendimento e de super/hipermercados, procurando identificar como
se operam a racionalização e a gestão do processo de trabalho, bem como o modo como
o trabalho é vivenciado pelas trabalhadoras, inclusive na relação com os clientes.
98

Capítulo 3 – Organização, gestão e relações de trabalho: as atividades da


operadora de caixa e da teleatendente

As atividades que norteiam esta pesquisa apresentam algumas


características semelhantes e outras distintas quanto à gestão e à organização do
trabalho. Como já mencionamos, dentre os traços comuns está o fato de ambas serem
marcadas por trabalhos rotineiros, mecanizados e padronizados. Além disso,
característica do setor de serviços, a relação com os clientes é fundamental para o
exercício de ambas.
Neste capítulo, procuraremos compreender o modo como se operam a
gestão e a organização do trabalho nelas, analisando quais os mecanismos de controle
das empresas sobre o processo de trabalho e quais os elementos de autonomia das
trabalhadoras sobre ele.
Também analisaremos aqui como se estabelece a relação com os clientes
nos dois segmentos. Presencial no caso das operadoras de caixa e a distância no caso
das teleatendentes, essa interação afeta o modo como o trabalho é vivenciado pelas
trabalhadoras, como veremos.

1. Introdução de maquinarias e a inovação tecnológica


Um dos primeiros aspectos a analisar quanto à gestão e à organização do
processo de trabalho em ambos os segmentos é o papel da tecnologia para seus
desenvolvimentos.
Marca do capitalismo, a inovação tecnológica e a incorporação de
maquinarias se constituem em motores para o desenvolvimento produtivo. Segundo
Marx (1984), o capitalismo tem como característica intrínseca a necessidade de
constantemente criar e recriar as formas de exploração da força de trabalho. Para tanto,
o aprimoramento dos mecanismos, da gestão e da organização do processo produtivo é
fundamental, permitindo ao capitalista reduzir os custos de produção da mercadoria e
obter a mais-valia106.
A inovação tecnológica possibilita aos detentores do capital simplificar e
padronizar as tarefas, além de ampliar e intensificar, cada vez mais, seu controle sobre o

106
Marx (1983) diferencia dois modos de extrair a mais-valia: um é a extração da mais-valia absoluta, a
qual resulta do prolongamento da jornada de trabalho para além do necessário à produção da mercadoria;
o outro é a extração da mais-valia relativa, que resulta da redução do tempo necessário, com mudanças no
processo de trabalho que levam ao aumento da produtividade.
99

processo de trabalho. Braverman (1981) analisa, no que ele chama de revolução técnico-
científica, o modo como a maquinaria e as tecnologias foram incorporadas na produção
como forma de aumentar o controle do capitalista sobre ela. Segundo o autor, as
diferentes inovações tecnológicas empregadas visavam eliminar o máximo possível o
controle do trabalhador sobre a atividade e transferi-lo para um dispositivo, controlado,
o máximo possível, pela gerência.
Todos esses aprimoramentos e o desenvolvimento de novas tecnologias
revolucionaram o mundo do trabalho. Conforme indica Castells (1999), a revolução
tecnológica da informação foi de extrema importância no processo de reestruturação
produtiva do capitalismo desde os anos 1980.

Conforme as inovações tecnológicas e organizacionais foram permitindo que


homens e mulheres aumentassem a produção de mercadorias com mais
qualidade e menos esforço e recurso, o trabalho e os trabalhadores mudaram
da produção direta para a indireta, do cultivo, extração e fabricação para o
consumo de serviços e trabalho administrativo e de uma estreita gama de
atividades econômicas para um universo profissional cada vez mais diverso
(CASTELLS, 1999, p. 293).

Como vimos, o autor foi um dos pensadores que defendiam a ideia de que,
cada vez mais, as novas tecnologias e os serviços de informação resultariam na
liberação da sociedade do trabalho enquadrado, que seria substituído pelo trabalho
criativo e emancipador. Entretanto, ao longo da História, a realidade mostrou-se outra.
Ainda que tenham contribuído para o estabelecimento de empregos altamente
qualificados, as novas tecnologias também possibilitaram a simplificação de tarefas, a
substituição de trabalhadores pela maquinaria e a ampliação do submetimento de parte
dos trabalhadores aos ditames operacionais, principalmente daqueles inseridos em
trabalhos menos qualificados.
É nesse segundo campo que as duas atividades aqui analisadas se inserem.
Nelas, o uso intensivo de serviços de informação e tecnológico permite às empresas
padronizar e simplificar as atividades, intensificar o ritmo de trabalho, controlar o
processo de trabalho e a interferência das trabalhadoras, além de reduzir os custos e
otimizar a produção. Vejamos o caso de cada segmento:
No ramo de super/hipermercados, a introdução de novas tecnologias tem
contribuído para reconfigurar a atividade da operadora de caixa, levando,
principalmente, à intensificação do trabalho. Braverman (1981) assinala que a inovação
100

tecnológica do século XX possibilitou a mecanização do trabalho da operadora de caixa


de supermercado, aproximando-o do da linha de montagem das indústrias.
Como dois exemplos, podemos citar a esteira rolante, que passou a impor
novo ritmo ao trabalho, e o leitor óptico, que, a partir do escaneamento dos produtos,
permitiu intensificar o trabalho (SOARES, 1998; PRUNIER-POULMAIRE, 2000). Para
Sophie Bernard (2012), a introdução do escâner foi responsável por inserir esse trabalho
na lógica da racionalização industrial, permitindo cadenciar e acelerar o ritmo, além de
padronizar os movimentos.
Se esses dois componentes tecnológicos transformaram a atividade da
operadora de caixa, intensificando o ritmo de trabalho, eles também alteraram o papel e
a contribuição dos clientes na produção. Segundo Tiffon (2013), essa é uma
particularidade do uso de tecnologias nos serviços: ela permite simplificar o trabalho de
tal forma que parte da atividade pode ser externalizada ao cliente. A organização dos
super/hipermercados a partir do princípio de self-service é exemplar quanto a essa
lógica, uma vez que direciona ao cliente parte do trabalho realizado na venda de uma
mercadoria.
Seguindo essa lógica, uma mudança atual vem sendo adotada nesse
segmento: a automatização efetivada por meio da introdução de caixas automáticos em
supermercados de países da Europa, por exemplo. Neles, os clientes são responsáveis
por passar as mercadorias em uma máquina e fazer, nela, o pagamento da compra.
Segundo Tiffon (2013), essa automatização promove a substituição do trabalhador não
pela máquina, mas pelo cliente, o qual passa a fazer o trabalho de caixa. É preciso
salientar, no entanto, que, na prática, isso não implicou a eliminação da figura das
operadoras de caixa nos estabelecimentos. Ao contrário, o que ocorreu foi uma
diversificação da tarefa e a intensificação do trabalho realizado por elas, as quais
passaram a vigiar e a controlar o trabalho dos clientes, assegurando que estes realizem
os procedimentos corretamente e não furtem os produtos, além de instruí-los e acolhê-
los (BERNARD, 2012).
Esse tipo de automatização, que vem sendo aprimorado em países da
Europa, mas ainda não tão disseminado no Brasil107, demonstra o interesse constante

107
Essa automatização dos caixas (de autoatendimento) é encontrada em vários super/hipermercados em
países da Europa e nos Estados Unidos, por exemplo. Bernard (2012) estudou sua implementação no caso
francês. No Brasil, ainda são poucas as empresas a utilizar esse recurso. Ver, por exemplo, a experiência
em Londrina (Disponível em: <http://gizmodo.uol.com.br/caixas-automaticos-de-supermercado-no-
101

das empresas em incorporar novas tecnologias que permitam simplificar o trabalho,


aumentando a participação dos clientes e reduzindo o trabalho vivo necessário da
operadora de caixa.
A incorporação dos serviços de informação também teve importantes
desdobramentos sobre a organização do trabalho nesse segmento. Seu uso permite às
empresas controlar, em tempo real, o número de caixas em atividade e o fluxo de
clientes e de produtos e, assim, realizar os ajustes necessários para adequar a
organização e o ritmo do trabalho à melhor fluidez.

“Porque assim, quando a gente abre o caixa, eles contam todos no


sistema, a quantidade de caixas. E a gente também tem que verificar a
quantidade de cliente por fila, para poder estar distribuindo esses
clientes nos caixas que já estão abertos” (Carla, fiscal de frente de
caixa de hipermercado da empresa C, 3/3/2012).

Segundo Sophie Prunier-Poulmaire (2000), a informatização permitiu às


empresas controlar a gestão dos estoques em tempo real, bem como conhecer
precisamente o comportamento dos clientes – seus gostos, a periodicidade das compras
e das vendas de produtos, os momentos de maior e menor afluência –, o que lhes
propiciou melhor gestão e organização do trabalho nos estabelecimentos.
Do mesmo modo, a inovação tecnológica e os serviços de informação
também foram responsáveis por transformar o setor de comunicação e de telefonia.
A expansão do segmento de teleatendimento, derivado do setor de
telefonia, ocorreu ancorada no desenvolvimento tecnológico, que favoreceu o
atendimento a distância de forma ampla, possibilitando, por sua vez, o deslocamento
desse atendimento no espaço. O serviço prestado ao cliente deixou de ser
necessariamente realizado pela e na empresa. Assim, no bojo do processo de
terceirização, parte das empresas passou a contratar prestadoras de serviço de
atendimento para seus clientes. Toda a dinâmica de desenvolvimento e expansão dos
call centers no País esteve, assim, fortemente atrelada ao uso intensivo de novas
tecnologias.
Os serviços de informação aplicados no teleatendimento possibilitam que as
empresas controlem todo o processo de trabalho: o tempo de trabalho e o de não
trabalho (as pausas, os descansos, as ausências), a produtividade, a qualidade e o

brasil/>. Acesso em: 12 fev. 2016) e em Belo Horizonte (Disponível em:


<http://www.portalamis.org.br/?secao=noticias&id=1053>. Acesso em: 12 fev. 2016).
102

resultado, além de registrar todas as ligações (OLIVEIRA, 2009; WOLFF, 2009). A


partir da obtenção de uma gama de dados fornecida por essas tecnologias, as gerências
organizam o processo de trabalho de modo a garantir a melhor fluidez e a máxima
produtividade. Assim, os serviços de informação aparecem, como indica Braga (2006a),
como um impulso na direção da redução de custos das empresas.
Deste modo, a constante incorporação de novas tecnologias e o uso
intensivo dos serviços de informação nos dois segmentos afetam a forma como o
processo produtivo é organizado: eles possibilitam a simplificação das tarefas e a
intensificação do trabalho, a substituição de parte do trabalho realizado pela
trabalhadora por maquinarias, os deslocamentos no tempo e no espaço, a obtenção de
uma série de informações que permitem às empresas ajustar o processo produtivo da
maneira mais rentável possível, além do controle estrito sobre toda a atividade.
Esse forte controle marca ambas as atividades. A seguir, passaremos a
analisar como opera a gestão pelo controle, possibilitada pelo desenvolvimento
tecnológico.

2. Organização e gestão do trabalho: o forte controle


A descrição de um dia de trabalho “padrão”108 de uma operadora de caixa de
hipermercado e de uma teleatendente permite compreender como as estratégias
empresariais de gestão e de organização do trabalho operam em ambos os segmentos.
A atividade de operadora de caixa de hipermercado pode ser descrita da
seguinte maneira: a trabalhadora chega ao estabelecimento, registra sua entrada, veste o
uniforme e se dirige ao caixa (check-out) indicado pela chefia. Lá, ela deve conferir o
dinheiro disponível e “abrir o caixa”, isto é, iniciar o sistema e começar os
atendimentos. A partir de então, ela atende em sequência os clientes que chegam,
passando os produtos pelo escâner, oferecendo algum serviço que a empresa tenha
determinado e recebendo o pagamento pela compra. Em momentos periódicos ao longo
da jornada, ela deve realizar a “sangria” do caixa, isto é, recolher o valor elevado
acumulado e direcioná-lo à tesouraria do estabelecimento. Durante toda a atividade, a
operadora de caixa deve ser educada, paciente e gentil, além de ter de dizer
determinadas frases prescritas pela empresa, como o agradecimento ao cliente e a oferta
108
Trata-se da descrição de uma jornada de trabalho “padrão”, reconstruída com base nas entrevistas e na
bibliografia sobre os dois segmentos, sendo apresentada aqui de maneira sintetizada e com caráter
ilustrativo, reconhecendo que ela não dá conta da complexidade das relações e atividades diárias a que
estas trabalhadoras estão submetidas.
103

do programa de fidelização. Ao fim da jornada, ela deve fazer o fechamento do caixa:


contar, recolher e levar o dinheiro à tesouraria, onde será conferido pelos responsáveis.
A atividade envolve, assim, movimentos e procedimentos repetitivos. A
exceção são as respostas que a operadora tem de dar a situações diversas que se
apresentam diariamente quando se lida com pessoas.
A operadora de caixa permanece em atividade durante toda a jornada,
exceto quando a supervisora autoriza o fechamento do caixa, seja no horário da
refeição, seja no fim da jornada de trabalho, quando a trabalhadora registra o horário de
saída. Outros eventuais momentos de pausa devem ser solicitados à supervisora e
autorizados por ela.
A empresa pode também requerer que a operadora se desloque do caixa para
realizar outro tipo de atividade no estabelecimento, como arrumar as estantes, sobretudo
nos momentos de menor afluência de clientes. Cabe dizer que a jornada de trabalho das
operadoras de caixa é de 44 horas semanais e, na empresa C, elas trabalham seis dias
por semana, com escala de revezamento. Os horários e dias de funcionamento dos
estabelecimentos são variados, alguns chegando a permanecer abertos 24 horas por dia,
sete dias da semana109.
A atividade de uma teleatendente, por sua vez, mantém aspectos muito
semelhantes aos de uma operadora de caixa, com a diferença de que ela não lida
presencialmente com o cliente, e sim por meio do telefone: a teleatendente chega à
empresa, registra sua entrada e se dirige à posição de atendimento (PA). Lá, ela faz o
login no sistema e, a partir de então, deve permanecer sentada em frente ao computador,
conectada por um headfone, atendendo em sequência às ligações dos clientes que
“caem” automaticamente em seu computador. A cada ligação, ela deve seguir o script
determinado pela empresa e também ser educada, amável, paciente e gentil. Sua
atividade segue assim até o fim da jornada, quando registra seu horário de saída.
Diferentemente das da operadora de caixa, as pausas durante a jornada são determinadas
e regulamentadas, sendo três: uma de 20 minutos para a refeição e duas de 10 minutos
cada uma para o descanso 110. As pausas podem ser predefinidas ou determinadas a cada

109
Dos estabelecimentos da empresa na qual se concentraram as entrevistas, um hipermercado funcionava
24 horas por dia e outro, das 8h às 23h. Já o supermercado funcionava das 7h às 22h.
110
Um aspecto aproxima ainda as duas atividades: ambas são normatizadas por um anexo da Norma
Regulamentadora 17 do Ministério do Trabalho e Emprego. Esta define parâmetros e diretrizes quanto à
ergonomia no trabalho, procurando adaptar as condições de trabalho às características psicofisiológicas
dos trabalhadores e trabalhadoras, e normatiza sobre a organização do trabalho. O Anexo I da NR-17, de
104

dia pela supervisora, e outras eventuais pausas devem ser solicitadas e autorizadas. A
jornada de trabalho de uma teleatendente é de 36 horas semanais, sendo de 6 horas
diárias. Em geral, elas trabalham seis dias por semana, inclusive por meio de escalas de
revezamento. As empresas mantêm horários variados de funcionamento, algumas
chegando a ficar em atividade 24 horas por dia, sete dias na semana 111.
As duas descrições de jornada já evidenciam alguns elementos quanto à
organização e à gestão produtiva nas atividades analisadas: nota-se, nelas, um forte
controle e padronização do processo de trabalho. A estandardização e a simplificação
das tarefas, bem como o forte controle e a vigília sobre as trabalhadoras, são aspectos
que aproximam a gestão do trabalho nessas atividades da racionalização taylorista da
produção. Esta passou a ser aplicada em atividades não industriais (GADREY, 2005)
com o objetivo de maximizar a produtividade e a lucratividade das empresas 112.
Passemos, então, a analisar mais aprofundadamente como opera esse tipo de
gestão e de organização do trabalho, particularmente por meio do forte controle. Este
recai sobre os gestos, os movimentos, o ritmo de trabalho, os resultados e a
produtividade.

2.1 - Controle sobre o espaço e os movimentos

Um dos primeiros aspectos a salientar em relação a ambas as atividades é o


forte controle que recai sobre os gestos e os movimentos das trabalhadoras, ligados à
intensa padronização das tarefas. Esse controle se atrela ainda a outro, que é aquele
sobre a organização espacial em que se encontram as trabalhadoras.

2007, define os parâmetros quanto ao trabalho das operadoras de check-out (Disponível em:
<http://www.guiatrabalhista.com.br/legislacao/nr/nr17_anexoI.htm>. Acesso em: 26 jan. 2016). O Anexo
II se volta ao trabalho de teleatendimento/telemarketing. Nele, estão incluídas as determinações quanto às
pausas para descanso e refeição (Disponível em: <http://www.guiatrabalhista.com.br/
legislacao/nr/nr17_anexoII.htm>. Acesso em: 26 jan. 2016).
111
No teleatendimento ativo, a jornada de grande parte das teleatendentes é realizada de segunda-feira a
sábado. Ele é regido por um Código de Ética, que limita o horário das ligações que as empresas podem
fazer aos clientes: de segunda a sexta-feira das 9h às 21h e, aos sábados, das 10h às 16h (Disponível em:
<http://www.probare.com.br/Codigo_de_Etica_Revisao_4_OFICIAL.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2016). Já
no teleatendimento receptivo, a jornada de trabalho é, geralmente, distribuída no período de segunda a
domingo e organizada por escalas de revezamento. A Portaria n o 2.014 de 2008, que impôs
regulamentações específicas aos Serviços de Atendimento ao Consumidor (SACs), determinou às
empresas a disposição ininterrupta desse tipo de serviço. (Disponível em: <http://www.procon.sp.gov.br/
texto.asp?id=2586>. Acesso em: 26 jan. 2016).
112
Braverman (1981) analisa como determinados tipos de trabalho, como o realizado nos escritórios, são
inseridos na lógica de racionalização taylorista para aumento da produtividade, com a separação e
simplificação de tarefas, a especialização, a padronização, o controle das empresas sobre o processo de
trabalho etc.
105

No caso do segmento de teleatendimento, as trabalhadoras permanecem


durante toda a jornada em sua posição de atendimento (PA), sentadas à frente da tela do
computador, presas a ele pelo headfone. Estes – computador e headfone – compõem
seus instrumentos de trabalho. Em muitas empresas, é vedado levar qualquer objeto à
PA, com exceção de uma garrafa de água.
As PAs são alinhadas uma ao lado da outra, separadas entre si por baias
(SEGNINI, 2001; VENCO, 2003). Essas divisórias procuram limitar as conversas entre
as teleatendentes e as possíveis interferências de uma na realização do trabalho da outra.
A mesa do supervisor também se encontra estrategicamente posicionada, de modo a lhe
permitir ter uma visão geral das trabalhadoras.
Essa divisão espacial na central de atendimento cumpre, como aponta
Venco (2003), com o objetivo de permitir maior vigilância e obter o disciplinamento
dos trabalhadores. Do mesmo modo se enquadra a busca das empresas por eliminar
qualquer tipo de interferência e distração das trabalhadoras, o que poderia levar, por sua
vez, à redução da produtividade.
No caso dos super/hipermercados, podemos notar uma organização
espacial semelhante. Neles, as operadoras de caixa realizam sua atividade no check-out
(o caixa propriamente dito), composto pela esteira eletromecânica, pela balança e pelo
sistema de computador para registro da compra (escâner) fixado à sua frente 113. Elas
permanecem no posto de trabalho durante toda a atividade, revezando entre sentadas e
em pé. Os check-outs ficam alinhados um ao lado do outro, formando a chamada “frente
de caixa”, estando geralmente na entrada e saída das lojas. Em frente aos caixas ficam
posicionados os seguranças dos estabelecimentos e as câmeras de vigilância. Pelo
corredor formado pela frente de caixa circulam as fiscais, responsáveis por auxiliar as
operadoras de caixa, e a chefe da frente de caixa.
A configuração espacial dos estabelecimentos em ambos os segmentos se
aproxima do modelo de panóptico (“visão total”), analisado por Michel Foucault
(1987)114. Aliado à limitação dos movimentos das trabalhadoras, ele permite aumentar o
controle, o disciplinamento e o enquadramento das trabalhadoras.

113
Poucas são as empresas que dispõem de escâner portátil para leitura dos códigos de barra dos produtos
mais pesados. Ele possibilitaria que as operadoras o levassem ao produto ou ao carrinho de compras,
evitando que despendessem maior esforço físico.
114
Phil Taylor e Peter Bain, ao tratarem do segmento de teleatendimento, afirmam que a supervisão
eletrônica, embora intensa, não promove um controle total dos trabalhadores, o que é salientado inclusive
pelas possibilidades de resistência individuais e coletivas que as teleatendentes desenvolvem (TAYLOR
106

No entanto, não é apenas o espaço e os movimentos e gestos das


trabalhadoras que permanecem submetidos a um controle. A atividade também é
constantemente monitorada e regulada pelas empresas.

2.2 - Controle sobre a atividade: padronização e regulação

A padronização da atividade, com a adoção de scripts e a prescrição dos


procedimentos, aparece como outra importante estratégia de controle sobre o processo
de trabalho e sobre as trabalhadoras. Para Simone Wolff (2009), o eficiente
monitoramento, favorecido pelos serviços de informação, torna possível tanto controlar
como padronizar e simplificar o trabalho. Isso, por sua vez, tem efeitos sobre a
qualificação e o tipo da força de trabalho absorvida, uma vez que

padronizar implica sempre em reduzir os elementos esparsos do mesmo


gênero a um só tipo, unificado e simplificado, segundo um modelo gerencial
preestabelecido. Ao simplificar e submeter o conhecimento do trabalho vivo
a um padrão, reduz-se também o tempo necessário à sua
formação/qualificação e, por conseguinte, seu custo (WOLFF, 2009, p. 62,
grifo no original).

Portanto, a simplificação da tarefa também se enquadra na busca das


empresas por redução de custos, permitindo a contratação de trabalhadores com baixa
qualificação, o que, consequentemente, significará menor remuneração e, na maior parte
das vezes, pouca possibilidade de ascensão nas carreiras. Desse modo, como afirma a
autora, a simplificação leva necessariamente à desvalorização do trabalho.
No caso das atividades aqui analisadas, a adoção de procedimentos
preestabelecidos, a simplificação das tarefas e o forte controle sobre o processo de
trabalho levam a uma uniformização das trabalhadoras, limitando sua individualidade e
exercendo domínio sobre sua subjetividade, sobretudo na relação com os clientes. Nesse
sentido, há um esforço das empresas em controlar a interação entre trabalhador e
cliente, padronizando as falas, as entonações e a voz (BRAGA, 2006a; TIFFON, 2013).
Josiane Boutet (2001; 2008) evidencia que, nas diversas modalidades de
organização e gestão do trabalho, que vão desde as das fábricas manufatureiras aos
modernos call centers, há uma busca das empresas por regular e controlar a fala dos

& BAIN, 1999; BAIN & TAYLOR, 2000). Concordamos com esse ponto. Consideramos que há uma
semelhança ao panóptico foucaultiano na organização do trabalho promovida pelas empresas, que levam
ao disciplinamento das trabalhadoras, mas estas encontram margem de manobras e de resistência.
Discutiremos esse aspecto no capítulo 4.
107

trabalhadores de acordo com seus interesses e necessidades, como forma de assegurar


maior produtividade. Como lembra a autora, no taylorismo essa regulação envolve a
desvalorização, redução e interdição da fala dos trabalhadores. No entanto, nos serviços
de call centers, por exemplo, a comunicação e a interação verbal de trabalhadores e
clientes são inerentes à atividade, não podendo ser totalmente eliminadas. As empresas
passam, então, a impor sobre elas uma série de regulações e imposições, procurando
codificar, enquadrar, formatar e regulamentar as práticas de linguagem.
Ou seja, a própria comunicação entre trabalhadores e clientes é inserida na
lógica da racionalização taylorista, sendo controlada pela empresa, que a
instrumentaliza a favor da produção.

Nesse sentido, os ganhos de produtividade dos serviços passariam pela


rotinização da relação entre o trabalhador e o usuário, o cliente ou o
utilizador. Na verdade, trata-se, primordialmente, de um tipo particular de
rotinização capaz de enquadrar a comunicação compreensiva. Por rotinização
da comunicação compreensiva entendemos a tentativa de mobilizar a
subjetividade dos trabalhadores por meio da redução – e que nunca é
completa, vale salientar – da reflexão a respeito do contexto no interior do
qual ocorre o processo comunicacional à pura troca automatizada de signos.
Nesse sentido, com a rotinização taylorista da relação de serviço, a
comunicação compreensiva que caracteriza a maior parte das relações sociais
tende a ser degradada pela comunicação instrumental (BRAGA, 2006a, p. 9).

Seria, portanto, a aplicação de um processo de mecanização e uniformização


do trabalho nos serviços que envolve não apenas o uso de maquinarias, mas também a
regulação e o controle sobre a subjetividade e individualidade das trabalhadoras. Essa
estratégia é verificada em ambas as atividades, por meio da prescrição e da
padronização do trabalho.
No caso do segmento de super/hipermercados, a operadora de caixa,
como vimos, deve, a cada cliente, cumprimentá-lo, ofertar-lhe algum produto ou o
programa de fidelização, passar os produtos no leitor óptico, enunciar o valor da
compra, demandar qual a forma de pagamento, receber o pagamento pela compra e
novamente saudar o cliente, sempre sendo gentil, paciente e sorridente.
A padronização da atividade torna o processo rotineiro e repetitivo, cujo
ritmo é ditado pela sucessão dos clientes no caixa – um após outro – e das mercadorias.
O som do “bipe”, emitido no escaneamento de cada produto, evidencia a cadência da
atividade.

“[...] eu abria o caixa, eu fazia o movimento mecânico repetidas vezes


de passar produto pelo leitor, perguntar se queria nota fiscal paulista,
108

se era cliente [do programa de fidelização], todo esse procedimento


padrão, aí perguntar a forma de pagamento, se era no cartão, se era
débito ou crédito etc., e era o tempo só de falar ‘boa noite, tchau, boa
noite’ e atender outra pessoa, sempre nesse ritmo, que muitos dias foi
frenético, sinceramente. Foi bastante frenético” (Cléber, operador de
hipermercado da empresa C, 12/3/2012).

Essa padronização da atividade, que torna sua realização mecânica,


transmite a percepção de se tratar de um trabalho extremamente simplificado. As
operadoras revelam que, de fato, a repetição dos procedimentos a cada dia faz a
atividade ser de fácil aprendizagem. O treinamento de uma operadora iniciante não
supera três dias, sendo que logo no primeiro dia ela já realiza o atendimento dos
clientes, sendo supervisionada por uma operadora mais experiente. Em menos de uma
semana, ela já desempenha sozinha a atividade.

“Uma semana você já vai pegando tudo, porque o processo é muito


repetitivo. [Vocês decoram?] O serviço é muito repetitivo. Aí tem a
tabela, né, com os códigos, mas hoje em dia eu uso a tabela pra uma
coisa ou outra, porque já está tudo [na cabeça]...” (Carmem,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 17/10/2014).

Ainda que a atividade pareça fácil, algumas habilidades (como a rapidez na


passagem das mercadorias) e conhecimentos (como saber os códigos dos produtos)
exigem um pouco mais de experiência, como evidencia essa fala de Carmem. Há, assim,
saberes e habilidades no exercício da atividade que precisam ser aprendidos; as
trabalhadoras, portanto, vão além da simples execução dos procedimentos
determinados.
No caso das teleatendentes, a obediência aos procedimentos estabelecidos
pelas empresas dita o exercício da atividade. Elas também devem ser gentis e
“sorridentes” no atendimento, cumprimentar o cliente e seguir rigorosamente o script
determinado pela empresa, mantendo certa entonação de voz. Toda a comunicação entre
elas e os clientes é monitorada e controlada pela empresa.
A adoção dos scripts permite à empresa padronizar o atendimento telefônico
e realizar o controle na relação cliente-trabalhadora, otimizando o tempo produtivo, com
a intensificação do trabalho e a redução dos tempos mortos.

A submissão à pressão oriunda do fluxo informacional é realizada, em grande


medida, por intermédio do protocolo de comunicação – script – cujo objetivo
central consiste em aumentar a eficácia comercial associada à redução do
tempo de conexão tendo em vista a multiplicação das chamadas por hora
trabalhada. Assim, a autonomia do teleoperador é significativamente reduzida
109

enquanto os supervisores escutam as comunicações para assegurar o respeito


ao script (BRAGA, 2006a, p. 12).

A obediência ao script é um dos critérios na avaliação da qualidade do


serviço prestado pelas teleatendentes, sendo os atendimentos gravados e monitorados
pelas empresas. Estas avaliam o tempo do atendimento, mas também o que foi dito
pelas trabalhadoras, quais os termos utilizados, a entonação da voz e o comportamento
delas durante as ligações. Certas palavras e determinadas expressões e gírias são
proibidas.
Para Sirlei Marcia de Oliveira (2009), o monitoramento quase em tempo
real dos atendimentos é uma das estratégias utilizadas pelas empresas para eliminar a
autonomia dos trabalhadores. Essa estratégia, juntamente com a imposição dos ritmos
de trabalho e com a determinação dos procedimentos, aumenta o disciplinamento das
trabalhadoras e permite o controle da interferência subjetiva de cada teleatendente.
No entanto, Rosenfield (2007b) assinala que há uma pequena margem de
autonomia das trabalhadoras, aceita pelas empresas, para adaptar os scripts a cada
atendimento, de acordo com o perfil de cada cliente e a cada situação. Assim, a pouca
possibilidade de autonomia no segmento aparece nesses momentos de interação com o
cliente, permitindo que as teleatendentes respondam e se adaptem à variabilidade de
cada caso.
Uma das entrevistadas indicou essa possibilidade de adaptar o script ao
atendimento.

“A gente pode alterar, usar as nossas palavras, mas as características


do produto têm que ser as mesmas. Por exemplo, eu quero... tenho lá,
eu posso falar totalmente diferente, mas eu não posso alterar a
característica do produto e não posso usar palavras que são
proibidas” (Andressa, teleatendente da empresa A, 11/4/2012).

Venco (2009a) indica que, no surgimento dos call centers, a política


gerencial que imperava era a de exigir a obediência rigorosa aos scripts. Essa estratégia
foi sendo alterada pelas empresas na medida em que perceberam que uma maior
flexibilidade lhes permitia obter maiores ganhos de produtividade. Entretanto, essa
flexibilidade segue sendo restrita, devido à necessidade das empresas em reduzir o
tempo de cada atendimento e garantir uma padronização das informações a ser
transmitidas aos clientes.
110

Aparece aqui uma aparente contradição na organização do trabalho: de um


lado, a padronização e o controle rigorosos sobre o processo de trabalho com o objetivo
de aumentar a produtividade, negando a individualidade das trabalhadoras; de outro, a
necessidade de atender à individualidade de cada cliente.
Taylor & Bain (1999) referem-se a essa contradição como o dilema
gerencial presente nos call centers – da quantidade versus qualidade. Assim, uma gestão
muito rigorosa sobre os operadores, por meio de metas e medição quantitativa de
desempenho, afeta negativamente a qualidade do serviço, bem como a motivação e o
comprometimento dos trabalhadores, ao passo que uma gestão baseada na
informalidade, com relaxamento das metas e da vigilância, leva à redução da
produtividade. Nesse mesmo sentido, Marie Buscatto (2002a, b) aponta que a atividade
em teleatendimento é marcada por uma série de dilemas, dentre os quais está o conflito
– gerencial, mas também vivenciado pelas trabalhadoras – entre um trabalho
padronizado e um personalizado.
Porém, mesmo que as regras sejam rígidas quanto aos scripts, a autora
indica que os próprios teleatendentes reinterpretam a atividade prescrita. Assim, eles
buscam personalizar o atendimento de acordo com o que consideram correto e adequado
à sua personalidade, respeitando aquilo em que acreditam115. Essa seria uma forma de
garantirem certa identificação e satisfação com a atividade que realizam. Portanto, os
trabalhadores, mesmo diante de um forte enquadramento, não são sujeitos passivos,
uma vez que procuram reinterpretar as tarefas prescritas e dar um sentido positivo ao
trabalho.
Esses conflitos e dilemas vivenciados no exercício da atividade foram
apontados pelas entrevistadas. Na empresa A, ainda que as trabalhadoras tenham certa
possibilidade de adaptar o script, a margem de manobra é muito limitada, uma vez que
os atendimentos e sua qualidade são monitorados. A necessidade de obedecer aos
procedimentos determinados e a restrição quanto ao uso de determinadas palavras
aparecem como obstáculos na realização da atividade e no alcance das metas impostas
pela empresa. As teleatendentes entrevistadas manifestaram um descontentamento pelo
fato de o script, muitas vezes, não corresponder ao tipo de atendimento que gostariam
de prestar, não ser eficiente para “converter” a venda ou não responder à necessidade de
cada cliente.
115
Para entender essas nuances, é interessante a diferença entre trabalho prescrito e trabalho real, como
feita por: CLOT, Yves. La fonction psychologique du travail. Paris: PUF, 1999.
111

Um dos desafios para as teleatendentes se refere, portanto, ao conflito entre


terem de lidar com as imposições da empresa e, ao mesmo tempo, garantir a qualidade
do atendimento e a satisfação do cliente, o que nem sempre é possível, dadas as
restrições que encontram na interação com o cliente. A dificuldade em não conseguirem
adaptar o atendimento às particularidades de cada cliente gera um desgaste, inclusive,
emocional entre elas.

“[Antes] você tinha mais como falar com o cliente, você podia
brincar com o cliente. Hoje em dia, você já não pode. [...] Hoje não
pode mais. Não pode falar quase nada, só aquele script mesmo. O
básico do básico. Aí como que você vai... você falou o script. Aí a
pessoa: ‘ah, eu não quero’. Aí você não pode falar: ‘ah, senhor, mas
vai guardar dinheiro?’. Você não pode falar que ele vai guardar
dinheiro. Você não pode falar um monte de coisa, você não tem
noção. Sabe? Como você vai reverter a situação com um monte de
coisa que você não pode falar? Aí, você começa a falar demais, aí
zera116, porque você acaba... sem querer, você fala, né?” (Ângela,
teleatendente da empresa A, 18/04/2012).

Além disso, para algumas teleatendentes, a insistência e a mentira aparecem


como elementos que geram um mal-estar em relação ao trabalho. Essas dimensões
fazem parte do trabalho de teleatendimento. Como aponta Rosenfield (2007a), na
organização no call center o trabalhador deve

garantir a qualidade e a satisfação do cliente, ser gentil, educado, responder


com bom humor, em um ritmo acelerado e em bem pouco tempo, fazendo o
cliente crer que é um bom negócio, mesmo quando o próprio operador sabe
que não é (como vender um plano de provedor de internet para quem não tem
computador) (ROSENFIELD, 2007a, p. 452)117.

Entre as entrevistadas, a necessidade de ter de convencer o cliente, mesmo


que ele recuse, é vista como um elemento que gera desconforto no exercício da
atividade. Não raramente, as teleatendentes utilizam expressões com conotação negativa
(como incômodo, chateação) para se referir ao papel que assumem no contato com os
clientes.

“[(Você) Não se identificou com vender?] Não, não me identifiquei


com vender. [...] ter que convencer o cliente. Eu acho chato você estar

116
“Zerar” é a expressão utilizada quando a qualidade do atendimento prestado é avaliada negativamente
pela empresa.
117
Buscatto (2002b) examina como a aplicação de um programa em um call center francês – “Vendre
Vraiment” (Vender Realmente) –, que buscava vender a todo o custo, o que implicava argumentar,
contra-argumentar, insistir, convencer os clientes, gerou uma série de resistências entre seus
trabalhadores.
112

ligando para a casa da pessoa para incomodar na verdade. [...] você


liga para incomodar e tem que ficar insistindo. E você não pode
desistir, senão vão dizer que você não está... você não pode desistir,
deixar de insistir, vão dizer que você não está argumentando, não está
fazendo o seu trabalho” (Ametista, teleatendente da empresa A,
4/5/2012).

Nesse sentido, em nossas entrevistas, o tipo de teleatendimento em que o


cliente entra em contato com a empresa é considerado menos invasivo, uma vez que ele
já manifestaria um prévio interesse ou necessidade de obter o atendimento.

“O receptivo, para mim, eu acho mais interessante porque você não


tem que obrigar ninguém a comprar nada. É horrível você insistir,
entendeu? [...] E eu também nunca gostei de ninguém ligando na
minha casa para me cobrar: ‘ai, vê, compra’. Eu também não gosto
de fazer com os outros o que eu não gosto que faça comigo. Eu
prefiro o receptivo” (Adélia, teleatendente da empresa A, 20/6/2012).

Volta-se aqui ao que Buscatto (2002a, b) analisa quanto à necessidade de as


teleatendentes buscarem formas de respeitar e preservar sua personalidade, tentando
driblar as situações que julguem ferir sua identidade. Essas tentativas se chocam com as
exigências das empresas.
Um dos conflitos aparece na pressão das empresas por mais argumentação
das teleatendentes para convencer os clientes a adquirir um produto ou serviço, como a
fala anterior de Ametista sinaliza. A exigência da empresa é, muitas vezes, conflitante
com o aceito pela teleatendente. Como demonstra o caso de Andréa, sua percepção
quanto ao ponto de saturação no convencimento do cliente, percebido no próprio tipo de
recusa, difere daquele aceito pela empresa.

“Então, eu argumento bastante. Só que o meu supervisor sempre fala:


‘você não persiste o tanto que tem que persistir’. Mas é verdade
mesmo, eu não consigo. Às vezes, eu falo para o cliente isso, isso,
isso. Ele fala: ‘oh filha, mas eu não quero’. ‘Ah, tá bom, então.
Obrigada. Tenha um bom dia e tchau’. Porque eu mesma... não é uma
coisa que está em mim, né, coisa chata de fazer. [...] Eu insisto assim,
mas até o meu limite. O limite deles [da empresa] é muito maior, né?
Eles querem que eu fale até...” (Andréa, teleatendente da empresa A,
18/4/2012).

O conflito se instaura entre as teleatendentes e as empresas, mas também


entre elas e os clientes. Por estarem na linha de frente na interação com os clientes, os
descontentamentos com o atendimento ou com a empresa recaem sobre elas, como
veremos mais à frente.
113

Do mesmo modo, a necessidade de ter de convencer o cliente a consumir


algo que a própria teleatendente desconhece ou não reconhece como um bom negócio
também causa mal-estar e tensões em relação ao exercício da atividade.

“Então, eu não posso bater de frente com o cliente por um produto


que eu não conheço. Então eu não tenho como argumentar. Aí eu já
expliquei isso várias vezes. ‘Ah, mas você tem que falar, tem que
falar, tem que falar’. É fácil, você estar ali na frente falando ‘vai lá e
fala isso’, mas quem está ali falando com o cliente é você [...] Eu só
posso te vender alguma coisa que eu acredite, que eu sei que é boa.
Como eu vou te vender um produto que nem eu utilizei, para falar se é
bom ou não” (Adélia, teleatendente da empresa A, 20/6/2012).

Cabe apontar aqui que apenas uma entrevistada indicou recorrer à mentira
como forma de atingir e ultrapassar as metas estipuladas. Segundo ela, “entubar o
cliente” (quando a teleatendente “engana” o cliente para realizar a venda) é uma tática
usada em benefício próprio, para aumentar sua premiação, e sua prática, proibida pela
empresa, é possível apenas por contar com a conivência de uma de suas chefias.

“Aí quando era o antigo gerente, ele não estava nem aí que eu ia e
entubava [...] Entubar é assim é você falar para o cliente, que está,
que para ele, tipo assim, eu vou te vender um PIC, aí eu falo para
você assim ‘oh, está disponível um PIC na sua conta corrente, você
fica se você quiser’. Mas eu falo assim ‘já está disponível para você’.
[É dar uma mentida?] É. Eu, tipo, falo ‘já está disponível’, não, mas
não está disponível. [...] Isso é entubar, entendeu? É você, tipo, omitir
para o cliente alguma coisa” (Alcione, teleatendente da empresa A,
11/2/2012).

No entanto, é importante ressaltar que apenas essa teleatendente citou o uso


dessa prática. Na grande maioria dos casos, o exercício da atividade é marcado pela
limitada autonomia para adaptar o script a cada atendimento e pela necessidade de
argumentar, mesmo diante da recusa do cliente. Estas despontam como elementos que
causam constrangimento, insatisfação e descontentamento nas trabalhadoras.
Nesse sentido, a afirmação de Nogueira (2009) contribui para a
compreensão dos desdobramentos desse tipo de organização do trabalho – sobretudo o
alto controle e a baixa autonomia – sobre a relação que a trabalhadora tece com sua
atividade.

Se a instituição a afasta do poder de decisão, acaba por prejudicar e/ou


impedir que ela desenvolva estratégias para adaptar o trabalho desenvolvido à
sua realidade, sendo gerados, em grande medida, sentimentos de insatisfação
e inutilidade, interferindo na motivação e nos desejos, inclusive reduzindo o
114

seu desempenho. Por sua vez, a rigidez das organizações pode gerar
perturbações na relação do trabalhador com a sua tarefa, alterando o uso
pleno de suas capacidades, e, ainda, “automatizar” o pensamento
(NOGUEIRA, 2009, p. 192).

A ideia de “automatizar” o pensamento nos parece um elemento importante


para compreender essas atividades. Longe de um trabalho criativo e emancipador,
ocorre uma captura da subjetividade das trabalhadoras, colocada a serviço da produção,
intensificando, de certa forma, a relação de “estranhamento”, de alienação do
trabalhador com seu trabalho, tal como teorizou Marx (2004). Esse “estranhamento”,
segundo o autor, aparece na relação do trabalhador com o objeto resultado de sua
produção, que lhe é hostil e independente de si, e com o próprio ato produtivo, que o
trabalhador não reconhece como dele, como pertencente a ele.
A busca por uma “automatização” do pensamento não se restringe à
estratégia gerencial dos dois segmentos aqui analisados, mas se estende a outros ramos
no setor de serviços. Nunes, Dutra & Landeiro (2008), analisando o segmento de fast-
food, concluem que a rotinização das tarefas, com sua simplificação e padronização,
leva à redução das oportunidades de tomada de decisão dos trabalhadores e limita a
interação de consumidores e clientes. Portanto, é o controle e a regulação da
interferência individual e subjetiva dos trabalhadores que estão em jogo.
Além da padronização das atividades e dos controles sobre os gestos e os
movimentos, o controle sobre o tempo – que, por sua vez, perpassa as outras formas de
controle descritas anteriormente – também é decisivo nesse tipo de gestão e organização
do trabalho.

2.3 - Controle do tempo: o caso exemplar do teleatendimento

O rigoroso controle sobre o tempo possibilita às empresas impor um ritmo


ao trabalho e intensificá-lo. Esse tipo de controle é central no segmento de
teleatendimento, em que o tempo da atividade constitui um dos principais indicadores
de produtividade.
As empresas determinam um Tempo Médio de Atendimento (TMA), o qual
é considerado o tempo “ideal” para as teleatendentes falarem o script e efetuarem o
atendimento. O TMA varia conforme o tipo de atendimento prestado (se receptivo ou
ativo), o produto oferecido, a meta a ser alcançada etc. No entanto, cabe dizer que ele
tende a ser curto – em muitos casos, 2 ou 3 minutos. O TMA se constitui como uma
115

importante meta a ser alcançada pelas teleatendentes, além de critério na avaliação de


seus desempenhos individuais, o que, por sua vez, resulta na intensificação do ritmo de
trabalho.
Os supervisores são responsáveis por realizar em tempo real o controle do
tempo de atividade. As empresas dispõem de variadas formas de exercer esse controle e
pressão sobre as teleatendentes, como a adoção de um sistema que emite um sinal
intermitente na tela do computador, indicando a elas o tempo de atendimento ou a fila
de clientes em espera118, ou a disposição de um cronômetro na tela do computador.
Diante da pressão a que estão submetidas, as próprias teleatendentes passam a controlar
seu tempo e sua produtividade.
A cobrança do TMA é, muitas vezes, contraditória com as metas de
qualidade no atendimento e de número de vendas, o que exige das empresas uma
escolha dos critérios a adotar (o dilema quantidade versus qualidade já referido). No
entanto, em muitos casos, as empresas exigem o alcance de ambas as metas, mesmo
que, na prática, isso seja conflitante. Nesses casos, cabe às trabalhadoras arcar com a
decisão de atender a um ou outro critério. Assim, recorrentemente, as teleatendentes têm
de abrir mão de uma das metas para alcançar outra: por exemplo, realizar determinado
número de atendimentos implica reduzir o tempo de contato com cada cliente, ou seja,
insistir e argumentar menos com o cliente, como elas mesmas dizem.

“Você não podia ficar muito tempo com o cliente, mas também não
podia ser muito rápido com o cliente. Entendeu? Então assim,
obrigatoriamente aí, para você ter tempo de questionar alguma coisa,
tem o TMA [...], uns três minutos. Mas também não precisava ter 10,
15 minutos de ligação. Mas se tivesse e tivesse uma venda, né?
Entendeu? Não precisava ter tanto tempo assim, mas também não
podia ser muito curta” (Alcione, teleatendente da empresa A,
11/2/2012).

Na prática, equilibrar as metas de tempo de atendimento, assegurando um


número alto de ligações por dia, e de argumentação não é tarefa fácil, exigindo
habilidade das trabalhadoras para gerir a atividade, mesmo estando submetidas a uma
forte pressão e a um fluxo contínuo de ligações. Esse conflito quanto à necessidade de
se submeter ao fluxo informacional e à vontade de garantir um atendimento de
118
O Anexo II da NR-17 proíbe o uso desses mecanismos para acelerar o trabalho. Segundo o item 5.9 da
NR-17: “Os mecanismos de monitoramento da produtividade, tais como mensagens nos monitores de
vídeo, sinais luminosos, cromáticos, sonoros, ou indicações do tempo utilizado nas ligações ou de filas de
clientes em espera, não podem ser utilizados para aceleração do trabalho e, quando existentes, deverão
estar disponíveis para consulta pelo operador, a seu critério”.
116

qualidade também foi verificado por Braga (2009), em sua pesquisa nesse segmento.
Esse conflito ou tensão é maior quanto mais restrita é a autonomia das trabalhadoras.
A imposição de uma forte pressão e de um ritmo intenso de trabalho marca
a atividade das teleatendentes nos call centers. O controle minucioso do tempo aparece
como decisivo na organização e gestão do trabalho, despontando como um dos
principais elementos que permitem à empresa obter ganhos de produtividade.
Já o caso dos super/hipermercados difere, em parte, do segmento de
teleatendimento. Nele, as entrevistas revelam que o controle do tempo como critério de
produtividade não é uma prática atualmente recorrente. Segundo as operadoras de caixa,
o controle sobre o tempo de escaneamento de cada produto, sobre o tempo médio de
atendimento e sobre o número de clientes imperou por anos no segmento. No entanto,
na empresa estudada, ele deixou, recentemente, de ser adotado, o que teria ocorrido
devido à pressão dos sindicatos e aos processos trabalhistas dirigidos contra a empresa.
A fiscal de frente de caixa Célia, há treze anos na empresa, explica tais mudanças:

“[No caixa, tem um tempo que precisa passar o cliente, não pode...?]
Não. [...] Isso já teve muito. Já teve muito. Chamava produtividade.
Precisou alguns funcionários sair e ir à justiça. Porque realmente lá
você não está para correr. Está para trabalhar. E aí gerou vários
problemas, de tendinite, problemas na coluna, porque era... você
tinha que passar 23 produtos em 10 segundos. E aí aquilo foi gerando
sérios problemas. E aí hoje já não tem mais. Isso já há dois anos”
(Célia, fiscal de frente de caixa de hipermercado da empresa C,
11/7/2012).

Se a empresa C não recorre a essa prática, outras empresas do ramo


continuam a utilizá-la. Cristiane, que trabalhou na empresa D antes da C, explica que a
primeira realiza campanhas motivacionais para acelerar o ritmo de trabalho das
operadoras de caixa.

“Tem mercado que trabalha com produtividade, né? Que aí, nesse
caso, é por premiação. [Na empresa D], eles fazem isso... é,
produtividade. Você... Quanto mais rápido você passar, mais
produtividade você vai ter, mais premiação você vai ganhar. Aqui,
não. Aqui, não trabalhamos com produtividade” (Cristiane, operadora
de caixa de supermercado da empresa C, 1o/6/2012).

Segundo outro operador da empresa D, essas campanhas motivacionais


fazem os próprios trabalhadores introjetarem a necessidade de intensificar o ritmo de
117

trabalho, levando-os a pressionar os colegas a acelerar o ritmo, de modo a evitar filas


nos caixas.

“Qualquer trabalho que você faz você tem que ser rápido. Se você
não for rápido, você não vai ser destacado. Você não vai ter
produção, você não vai dar produção para o mercado. Então, quer
dizer, eles sempre falavam: ‘ah, quem for rápido vai ganhar isso,
quem for...’, entendeu? Então sempre incentivava, mas assim obrigar:
‘você tem que ser rápido’, não. Tanto que tinha muita tartaruga. Eu
ficava bravo, porque tinha muita tartaruga” (Danilo, operador de
caixa de hipermercado da empresa D, 7/11/2012).

O controle do tempo como critério de produtividade, assim, não é prática


tão difundida no ramo de super/hipermercados quanto no segmento de teleatendimento.
No entanto, em ambos, a pressão sobre o ritmo de trabalho, em menor ou maior
intensidade, está posta na prática, cabendo às trabalhadoras gerir e lidar com os
conflitos.
Porém, o controle sobre o tempo não se restringe a essa dimensão. Há
também, em ambas as atividades, um forte controle sobre as pausas, isto é, sobre os
tempos de não trabalho em meio à jornada laboral, que se destinam ao descanso, às
refeições ou ao atendimento das necessidades pessoais.

2.3a - Limitação das pausas


Em ambas as atividades, as empresas organizam o número de trabalhadoras
de acordo com o fluxo de clientes. O objetivo é manter a melhor fluidez de clientes e de
produção com o menor número de trabalhadoras em atividade. Para isso, as empresas
procuram, constantemente, intensificar o trabalho e eliminar ao máximo os tempos
mortos. Assim, os momentos de menor intensidade do ritmo de trabalho, de descanso e
de pausa são reduzidos ao mínimo.
No segmento de teleatendimento, o controle sobre o tempo recai não
apenas sobre o tempo de atendimento, mas também sobre o tempo conectado ao sistema
(o “tempo logado”) e o das pausas. Sobre estes são estipuladas metas que devem ser
alcançadas pelas trabalhadoras.
Como já dito, as pausas são reguladas pela NR-17 (em seu Anexo II), sendo
três distribuídas durante a jornada: duas pausas de 10 minutos cada uma para o
descanso, as quais devem ocorrer após os 60 minutos iniciais do trabalho e antes dos
118

últimos 60 minutos; e uma pausa de 20 minutos destinada à refeição, a qual deve ser
remunerada e somada à jornada, que totaliza 6h20min diárias.
No call center estudado, os momentos de pausa são definidos pela empresa,
não havendo possibilidade de escolha para as trabalhadoras. Elas podem ser
individualizadas, quando o supervisor determina o horário de pausa a cada teleatendente
– mais recorrente no teleatendimento receptivo devido à necessidade de manter um
atendimento ininterrupto –, ou prescritas para toda a equipe.
O tempo de cada pausa é monitorado pela empresa e, assim como em caso
de absenteísmo, é utilizado como critério na avaliação de desempenho mensal de cada
trabalhadora. Essa avaliação consiste na atribuição de 100 pontos. Em cada critério
avaliado, os pontos vão sendo descontados conforme o mau desempenho da
teleatendente no mês.
A fim de exemplificar, tomemos o caso da empresa de call center estudada
por Vilela & Assunção (2004), segundo os critérios e a computação da pontuação na
avaliação mensal:

Os atendentes, já imbuídos do “espírito da empresa”, são avaliados


mensalmente nos seguintes quesitos: (a) qualidade no atendimento, que inclui
alguns critérios definidos para cada setor e controlados por meio de
formulário eletrônico e escuta de ligações pela Monitoria de Qualidade,
totalizando 40 pontos; (b) TMA, 10 pontos; (c) tempo “logado”, 5 pontos; (d)
tempo de pausa, 10 pontos; (e) postura no tratamento ao cliente, 10 pontos;
(f) pontualidade, 6 pontos; (g) assiduidade, 6 pontos; (h) busca de
autodesenvolvimento, 3 pontos; e (i) observância das normas operacionais,
10 pontos; somando-se 100 pontos mensais, que significam o resultado da
avaliação de desempenho e o futuro do operador naquela empresa (VILELA
& ASSUNÇÃO, 2004, p. 1.076).

Assim, o tempo de atendimento, o “logado”, o das pausas, a assiduidade


aparecem como critérios que avaliam o desempenho de cada teleatendente. O mesmo
ocorre na empresa A. No caso das pausas, quando o tempo determinado é ultrapassado,
a trabalhadora perde certo número de pontos, de modo que, quanto menos pontos ela
tiver no final do mês, menor será, por exemplo, a possibilidade de evolução na carreira.
A pressão para que o tempo determinado não seja ultrapassado
(“estourado”, como as teleatendentes dizem) aparece recorrentemente no relato das
entrevistadas.

“E ela [a supervisora] parece que ela tem um olho assim de filmar


cada um que entra e que sai dali; parece que quando você estoura um
minuto da pausa, ela já está ali te acusando. E ela monitora da
119

máquina dela. Quando a gente está voltando, ela está ali olhando”
(Alcione, teleatendente da empresa A, 11/2/2012).

Outras eventuais pausas também podem ser utilizadas pelas trabalhadoras.


Trata-se de pausas para ir à enfermaria, para tirar alguma dúvida em relação ao sistema
ou script, ou para ir ao toalete, por exemplo. Estas também ficam submetidas à
autorização da supervisora, sendo registradas pelos serviços eletrônicos e consideradas
como critério na avaliação mensal, uma vez que afetam o tempo “logado”.
O modo como as empresas lidam com essas eventuais pausas é variado,
umas sendo menos rigorosas que outras. No entanto, vê-se no segmento uma tendência
a controlá-las e limitá-las. Na empresa de teleatendimento estudada durante a pesquisa
de mestrado, as teleatendentes eram proibidas de se ausentar da PA, podendo fazê-lo
apenas nas pausas regulamentadas. Já na empresa A, as teleatendentes apontam ter
liberdade para se ausentar da PA para responder a suas necessidades pessoais, como ir
ao toalete. No entanto, essa liberdade é restrita, uma vez que deve ser anunciada ao
supervisor e seguir o fluxo de pausas estabelecido, além do fato de o número de pausas
ao longo do dia e de o tempo gasto serem limitados e controlados pela empresa.

“A gente pode pôr pausa particular. Você pode ir lá ao banheiro. Não


uma pausa longa, né? Cinco minutos, dez minutos é o máximo. [...]
Pode pôr pausa, mas desde que não tenha excesso. No caso, eles não
querem que a gente tenha mais de duas pausas particular no dia. [...]
Tem o fluxo também de pausa, que não pode tirar. É uma forma de
burocracia na verdade. [Para não tirar todo mundo junto?] Para não
tirar todo mundo junto, aí a gente tem que ficar esperando a pessoa
voltar para a gente poder ir. Tem que estar avisando o supervisor, o
coordenador: ‘olha, estou indo ao banheiro’. Aí, para ele estar ciente
de onde você está indo” (Adélia, teleatendente da empresa A,
20/6/2012).

Portanto, é um forte controle sobre o tempo que envolve não apenas o


tempo de trabalho, mas também o de não trabalho. No caso do segmento de
super/hipermercados, encontramos o mesmo tipo de prática.
No que concerne às operadoras de caixa de super/hipermercados, a única
pausa regulamentada por lei é aquela destinada à refeição e ao descanso, cujo direito
consta na CLT119. As demais eventuais pausas, como para responder às necessidades

119
O artigo 71 da CLT (BRASIL, 1943) define que “em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda
de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no
mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de
2 (duas) horas”.
120

fisiológicas, devem ser solicitadas à supervisora e ficam condicionadas à sua


autorização. Durante toda a jornada de trabalho, as operadoras só podem sair de seu
posto quando autorizadas.
Na empresa C, para ir ao toalete, as trabalhadoras solicitam um “azul” como
forma de não se exporem aos clientes. Ainda segundo os relatos, no caso de período
menstrual, a operadora solicita um “rosa”. Quando questionadas sobre isso, as
trabalhadoras informaram que essa diferenciação entre azul e rosa serve não para maior
controle ou para sua exposição à chefia, mas sim para salientar a urgência da
autorização da pausa. Essa necessidade de reiterar sobre a urgência do pedido ocorre
porque, na maior parte das vezes, a autorização para sair de seu check-out demora a vir,
tempo que pode ser superior ao suportado pela trabalhadora e, inclusive, gerar
problemas de saúde ou constrangimentos. A autorização significa deslocar outra pessoa
para cobrir a trabalhadora em seu caixa durante a ausência. Em muitos casos, devido à
falta de efetivos no estabelecimento – estratégia da empresa para redução de custos –,
ter uma pessoa disponível para substituir outra demora, o que atrasa a autorização.

“A gente passa muitas horas, a gente pega infecção urinária. Lá você


pede, que lá chama azul, você pede um azul, ‘ah já vem’ e vai
passando, vai passando, vai passando. Dá uma hora, dá uma hora e
meia, duas horas e não aparece ninguém. Eu estou com problema no
útero, que está aumentado o meu útero, então quando dá vontade de
fazer xixi, eu só desligo o monitor e falo assim ‘estou indo no azul’.
Eu não posso ficar segurando muito tempo” (Cleusa, operadora de
caixa de hipermercado da empresa C, 23/5/2013).

Assim, diante dessas situações, as trabalhadoras têm como opção esperar,


mesmo que por prolongado tempo, ou se ausentar do caixa mesmo sem a autorização da
supervisora. Neste caso, as próprias operadoras procuram o apoio das colegas para as
substituir ou saem do caixa, mesmo que isso represente, posteriormente, uma
indisposição com as chefias.
Cléber, que foi operador de caixa por curto período na empresa A, explica
que, diante do ritmo intenso de clientes, ele não ia ao banheiro durante a jornada. Foram
os colegas de trabalho que o advertiram a não adotar tal prática, mesmo que isso
significasse ir contra a recomendação da chefia. A solidariedade entre os colegas,
incluindo aqueles com mais tempo de trabalho na empresa, permite adotar estratégias de
proteção e resistência contra a intensificação do trabalho.
121

“Teve dias que alguns colegas chegaram pra mim e disseram:


‘escuta, você não vai ao banheiro?’. Eu falei: ‘olha a minha chefe me
disse que é para eu aproveitar para ir ao banheiro no horário da
refeição e quando eu sair’. ‘Ah não, mas pode ir ao banheiro, a gente
te cobre, porque muitos colegas aqui, muitos funcionários já fizeram o
mesmo que você, todo mundo já passou por isso e muitos tiveram
problema de infecção urinária, por ficar segurando e tal’. ‘Então
firmeza, eu vou. Segura que eu vou’” (Cléber, operador de
hipermercado da empresa C, 12/3/2012).

Ainda que a pausa seja autorizada, o tempo a dispor é limitado. Ele


possibilita apenas ir ao banheiro e tomar água, por exemplo, mas não descansar. A
pressão da fila de clientes e o controle pelas chefias pressionam as operadoras a encurtar
o tempo da pausa de modo a retornar logo a seu check-out.

“Então, parecia que [no caixa] você era, tipo, era um cárcere privado
ali. Sabe? Parecia que você tinha ‘ai, é ali, ali’. Agora, no outro
setor, você pode ir ao banheiro. No outro setor, você tem acesso de
poder ligar para alguém. A gente, não. A gente, para ligar, tinha que
pedir um azul. Aí se demorava: ‘Por que você está demorando
naquele seu azul? Por que não sei o quê?’, sabe assim? [Cobravam?].
Ai, era muito chato” (Carina, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 6/3/2013).

As pausas, portanto, escapam ao controle das trabalhadoras, as quais não


podem utilizá-las para suas necessidades pessoais. Inclui-se aqui o tempo destinado à
refeição, que fica sob controle da empresa. Cabe dizer que a empresa disponibiliza um
refeitório para seus funcionários, sendo que eles pagam um preço que é considerado
baixo pelas entrevistadas (R$ 20,00 por mês, segundo elas).
O horário destinado à refeição e ao descanso é definido diariamente pela
supervisora, de acordo com a escala do quadro de funcionários e com o fluxo de
clientes. Ele tende a ser organizado conforme a ordem de início da jornada de cada
trabalhadora, mas é a empresa que determina o horário em que as saídas para a refeição
começam a ocorrer (no caso da empresa estudada, as trabalhadoras falam em “rodar o
R” para se referir ao início da liberação do horário de refeição conforme a escala).
Não raramente, as operadoras de caixa se deparam com o horário de almoço
ou jantar bem próximo do início da jornada de trabalho. Cléber, por exemplo, entrava às
15h, jantava às 17h e terminava a jornada às 23h. Cinara iniciava a jornada às 14h,
jantava às 16h30min e encerrava às 22h. Como explicaram as entrevistadas, a empresa
122

utiliza a estratégia de adiantar o horário de jantar, de modo a garantir um número maior


de funcionárias em atividade nos momentos de maior movimento 120.
Portanto, a empresa organiza os horários de pausa e de refeição visando à
melhor fluidez dos clientes, mas pouco levando em conta as necessidades individuais de
cada trabalhadora.
Em outros casos, a demora em receber a autorização ultrapassa o limite
suportável pelas operadoras. Não raros foram os relatos sobre situações em que a chefia
“esqueceu” de liberá-las para fazer a refeição, por exemplo.

“[E que horas você para pra almoçar?] Deixa eu ver, no dia normal é
meio-dia, dia normal. [O que é um dia normal?] Um dia... Um dia sem
movimento. Agora, teve uma vez que eu entrei sete horas e fui
almoçar duas horas da tarde. Mas eles dão um lanchinho assim no
caixa, porque não pode ficar seis horas sem comer, o funcionário. [...]
Eu pergunto, né: ‘vai rodar o R hoje ainda?’. (Ah tá... rodar a “R”).
Porque eu falo ‘não estou aguentando mais, eu vou zerar a fila e vou
pausar o caixa, que não estou aguentando mais’. Eu aguento até duas
horas quando eles dão o lanche no caixa, que às vezes... teve uma vez
que eles não deram, você fica meio zonzo no caixa. Porque duas
horas da tarde, você comeu de manhã só, aquele café com leite com
pãozinho, você fica já a ponto de desmaiar” (Carmem, operadora de
caixa de hipermercado da empresa C, 17/10/2014).

A demora em obter autorização da pausa para a refeição gera conflitos entre


as trabalhadoras e as chefias, muitas vezes resultando em enfrentamentos das primeiras
contra as segundas. O caso de Conrado exemplifica essa situação:

“Aí, eu tinha entrado sete horas da manhã [...]. Aí eu fiquei lá. Aí eu


fiquei esperando até me darem o meu R, que R é o almoço lá. Aí eu
fiquei esperando. Aí deu 13h, deu 13h40, deu 14h, 14h15. Aí depois
veio uma menina me cobrir, às 14h32 da tarde. Aí eu: ‘está bom’. Aí
eu cheguei lá e bati meu cartão para ir poder comer, aí eu falei
assim: ‘Quer saber? Eu vou embora’. Aí eu fui, voltei, chamei a chefe,
a minha chefe era nova, né? Aí eu falei assim: ‘Não vou voltar pro
caixa. Eu vou voltar para o meu caixa, vou fechar ele e vou embora’.
Ela falou assim: ‘Por quê?’. ‘Pelo que eu saiba até seis horas o
operador sem trabalhar, tem o direito de ir embora’. [...] aí eu discuti
com ela: ‘Eu acho isso injusto. Porque esquecer é uma coisa. Pelo
menos você não teve nem a consideração de avisar: Ó, vai atrasar o
R, ó, não veio ninguém pra te cobrir’. Aí eu falei pra ela: ‘Você não
teve nem a consideração de dar satisfações a mim. E nem sequer você
ofereceu um lanche pra ninguém. Eu não sou obrigado a ficar aqui

120
No caso de uma das lojas da empresa C, as entrevistadas relataram que a empresa oferecia um lanche
após o jantar e antes do fechamento da loja, podendo ser servido em uma sala destinada aos funcionários
ou, nos dias de maior movimento, ser consumido no próprio caixa. No entanto, esse tipo de procedimento
não era padronizado em todas as lojas da empresa, nem garantido em todas as situações.
123

sem comer até a hora que você quer’”121 (Conrado, operador de caixa
de hipermercado da empresa C, 11/11/2014).

A negação a um direito básico também aparece na demora ou no


“esquecimento” da chefia em autorizar a finalização da jornada, o que resulta no
prolongamento da jornada de trabalho. Esta também aparece como fonte de
descontentamento em relação à atividade122.

“Para falar a verdade, eu fiquei desmotivada por causa disso, por


causa que, pô, você tem horário para entrar, mas horário para
almoçar e horário para sair você não tinha. Não existe isso, né?”
(Carina, operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 6/3/2013).

Aqui, um ponto importante para nossa análise aparece na fala das


entrevistadas: maior tempo de vivência no trabalho dá experiência e conhecimento às
trabalhadoras para escapar ou contornar algumas imposições da empresa ou o ritmo de
trabalho, que podem acarretar prejuízos no futuro, inclusive à integridade física e
emocional. Ao contrário, as trabalhadoras novatas tendem a seguir rigorosamente as
regras impostas pela empresa, submetendo-se a seus ditames. Devido à alta rotatividade
nos dois segmentos, há uma grande presença de trabalhadoras com menor tempo de
permanência na empresa e que, portanto, têm menor poder de enfrentamento e
experiência para lidar com essas situações e conflitos. Não por acaso, a lógica
capitalista se apoia na flexibilidade dos vínculos, substituindo constantemente os
trabalhadores por outros “mais produtivos”.

2.3b - Quando não se pode parar


Nos dois casos analisados, fica evidente o controle das empresas sobre o
tempo, inclusive aquele das pausas. No geral, as trabalhadoras têm pouca autonomia
para administrar o ritmo de trabalho e os tempos de não trabalho durante a jornada.
Cattaneo (1997), ao analisar o segmento de hipermercado na França, indica
que as políticas gerenciais adotadas promovem uma violação do significado das pausas.
Estas têm como objetivo permitir o descanso dos trabalhadores, amenizando a
intensificação do trabalho. No entanto, esse propósito deixa de ser cumprido na medida

121
Segundo Conrado, depois de uma discussão entre os dois, ele bateu o ponto aquele dia e foi embora.
Depois disso, a empresa começou a, recorrentemente, oferecer um lanche nas situações em que o horário
de almoço atrasa.
122
Voltaremos a este aspecto no capítulo seguinte, dedicado à flexibilização do tempo de trabalho.
124

em que as empresas regulam e limitam as pausas, de modo a fazer com que elas sejam
usufruídas no início da jornada, ou que o trabalho seja realizado por horas seguidas sem
direito a descanso, ou que o almoço ocorra em momentos em que o trabalhador não
tenha fome – prática que pudemos notar nos dois segmentos aqui analisados. Como
resultado, tem-se uma intensificação do trabalho que pode ocasionar agravos à saúde
física e mental dos trabalhadores.
Segundo a autora, há ainda, entre as operadoras de caixa, o submetimento a
situações de humilhação e de constrangimento, na medida em que elas têm, por
exemplo, de se expor na presença do cliente ao demandarem uma pausa para ir ao
banheiro e/ou têm de aguardar a permissão (ou a recusa) da supervisora. Tem-se aqui
que o tempo das necessidades humanas é desrespeitado, sendo subordinado aos ditames
do tempo do espaço produtivo.

“Um azul é... vinha uma pessoa. Ou mesmo se não tivesse ninguém na
fila... por exemplo, eu não estava atendendo, aí eu falava: ‘ai, quero
um azul’. Um azul para você ir ao banheiro, beber água, né? Aí o
azul servia para isso. Só que também era uma briga, esse azul.
Quando eu fiquei grávida da minha filha, é... eu fiquei quarenta
minutos esperando esse azul. É. Por causa que... uma hora ele falava
que não tinha ninguém para estar colocando, porque tinha que ter
uma pessoa me substituindo. Outra hora, devido ao movimento
daquela loja, você não podia fechar o caixa. Então era briga (Carina,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 6/3/2013).

Assim, a limitação dos momentos de pausa, com sua submissão à


autorização e ao controle da chefia, faz os tempos de não trabalho durante a jornada
serem insuficientes para evitar a fadiga, descansar, pois, além de curtos, eles são
imprevisíveis e escapam ao controle das trabalhadoras. Desse modo, eles não só não
contribuem para tornar o trabalho mais suportável, como também não permitem que as
trabalhadoras respondam a suas necessidades fisiológicas, por exemplo. Isso pode gerar
uma série de danos à saúde, como as infecções urinárias e cistites, afetando ainda mais
as mulheres grávidas.
No caso do teleatendimento, a situação é similar, com a diferença de não
haver a exposição ante os clientes. As teleatendentes não apenas precisam demandar
autorização e/ou informar o supervisor, como têm seu tempo de pausa controlado e
limitado. Segundo as teleatendentes, o tempo de pausa aceito pela empresa é, muitas
vezes, insuficiente para se deslocar ao toalete (dada a configuração das empresas em
grandes salas ou galpões, o banheiro pode ficar a uma grande distância do posto de
125

trabalho) e realizar as necessidades pessoais. O questionamento do supervisor quanto ao


tempo gasto na pausa é, muitas vezes, feito na frente da equipe, colocando as
trabalhadoras em situações de constrangimento.
Braga (2009) menciona que a constante negação do supervisor em autorizar
a ida ao banheiro, por exemplo, aparece como um tipo “passivo” de assédio moral. Essa
negação é apresentada como um indicador da condição degradante e da precariedade do
trabalho que atinge ambas as atividades, uma vez que essa prática não é restrita a uma
ou outra empresa.
Nos dois segmentos, empresas são recorrentemente denunciadas e
condenadas na justiça pelos danos morais que causam a seus trabalhadores, sobretudo
pela restrição do uso de banheiros. A título de exemplo, podemos citar algumas
reportagens veiculadas em canais de comunicação que evidenciam a abrangência desse
problema.
No teleatendimento, por exemplo, fiscais do Ministério do Trabalho e
Emprego verificaram, durante uma fiscalização no ano de 2014, que a empresa Contax,
localizada no Ceará, utilizava um cronômetro para marcar o tempo que a trabalhadora
levava, fora do tempo da pausa legal, para ir ao banheiro. Entre as teleatendentes, foi
verificada uma série de adoecimentos advindos do impedimento de responder às
necessidades fisiológicas. Os fiscais constataram até mesmo o caso de teleatendentes
optando pelo uso de fralda geriátrica 123. Na mesma empresa, em Porto Alegre, as
trabalhadoras entraram em greve para denunciar práticas de assédio moral e de
humilhações diante do não cumprimento de metas, de cronometragem do tempo para ir
ao banheiro e de adoção de uma escala para a gravidez das funcionárias 124.
Também em 2014, na Paraíba, o Tribunal Superior do Trabalho concedeu o
direito à indenização por danos morais a uma operadora de telemarketing, que sofria
restrição às idas ao banheiro e ainda ficava sujeita a ser advertida na frente dos colegas
caso desobedecesse à regra dos cinco minutos destinados para esse fim 125.

123
Disponível em: <http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/12/23/teles-e-bancos-
superexploram-operadores-de-telemarketing-aponta-mte/>. Acesso em: 27 jan. 2016.
124
Disponível em: <http://jornalismob.com/2014/10/16/greve-na-contax-empresas-de-telemarketing-
exploram-principalmente-mulheres-jovens-negras-e-homossexuais/>. Acesso em: 28 jan. 2016. Em
capítulo posterior, abordaremos a tentativa de controle gestacional das trabalhadoras pelas empresas.
125
Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/empregada-advertida-
por-excesso-de-idas-ao-banheiro-recebera-dano-moral?redirect=http://www.tst.jus.br/noticias
%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_89Dk%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mod
e%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-2%26p_p_col_count%3D2> . Acesso em: 31 jan. 2016.
126

No ramo de super/hipermercados, a situação não é diferente, como


exemplificam algumas reportagens. Em 2013, o Ministério Público do Trabalho
condenou o Walmart a pagar uma indenização por dano moral coletivo devido à prática
de discriminação e assédio moral contra seus trabalhadores, ocorrida em
estabelecimentos da rede no Distrito Federal, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Dentre as práticas de assédio citadas, estava a restrição à ida ao banheiro 126.
Recentemente, em 2015, outra empresa do setor – a WMS Supermercados –
foi condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho, 9a Região, a indenizar uma
operadora de caixa, em Curitiba, por danos morais devido à restrição ao uso do banheiro
durante a jornada de trabalho 127.
Em todas essas condenações, a Justiça do Trabalho considerou que a
condição humana estava sendo violada ao não ser concedido ao trabalhador um direito
básico, de responder às suas necessidades fisiológicas. Esses exemplos são claros
quanto à tentativa de desumanizar o trabalhador, tomado como uma máquina ou
extensão desta, cuja atividade é estritamente padronizada e controlada pela empresa.

3. Supervisão do trabalho
Como vimos, o forte controle sobre o processo de trabalho e sobre as
trabalhadoras é fundamental no tipo de gestão adotado pelas empresas em ambos os
segmentos. Os mecanismos de controle empregados são diversos. Entre eles, aparecem
as estratégias de supervisão, monitoramento e vigília.
No caso dos super/hipermercados, a supervisão e o controle são realizados
em cadeia pelos diferentes estratos hierárquicos da empresa. A frente de caixa, formada
pelo conjunto de operadoras de caixa de um estabelecimento, é a base do organograma
hierárquico da equipe. Acima delas na hierarquia da empresa, estão as fiscais, que têm
como função dar suporte às operadoras, sendo, normalmente, acionadas para auxiliar e
resolver os problemas que surgem no atendimento aos clientes. Em alguns momentos,
quando há necessidade, elas substituem as operadoras, como no período das pausas.
Normalmente, as fiscais são trabalhadoras que iniciaram suas atividades na loja como
operadoras de caixa, tendo realizado um breve treinamento para assumir a nova função.

126
Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2013/10/walmart-e-condenado-em-r-223-mi-por-assedio-
moral/>. Acesso em: 31 jan. 2016.
127
Disponível em: <http://www.sintese.com/noticia_integra_new.asp?id=327124>. Acesso em: 31 jan.
2016.
127

As fiscais realizam seu trabalho sob intensa pressão. Em muitos


hipermercados, elas utilizam patins como forma de acelerar seu deslocamento, já que
devem, com urgência, prestar esse suporte128.

“Nosso trabalho é sob pressão, né? [...] Como eu te falei, é um


trabalho dinâmico, tem que ter agilidade, tem que resolver os
problemas rápido, tem que pensar rápido, não pode deixar o cliente
esperando, não pode deixar gerar reclamações por parte dos clientes.
Então, assim, é trabalho sob pressão. Não são todos os dias que a
gente trabalha sob pressão. Mas alguns dias mais, a gente trabalha,
assim, sob pressão” (Carla, fiscal de frente de caixa de hipermercado
da empresa C, 3/3/2012).

As fiscais respondem à líder. Esta, segundo a hierarquia da empresa, tem


como uma de suas funções organizar a frente de caixa, isto é, o número de caixas
abertos por turno, o posicionamento das operadoras nos check-outs, as filas de clientes,
as escalas das pausas e o fechamento de caixas. Portanto, no dia a dia, é a líder quem
organiza e faz a gestão do trabalho das operadoras.

“O líder faz o que o chefe não faz. Um exemplo, é... vamos lá... azul,
né?, é... eu vou e peço um azul para o patinador. Aí cheguei para o
patinador e pedi um azul. Aí o patinador vai ver com o líder se pode
cobrir meu azul, se tem alguém para cobrir ou se é o líder quem vai
cobrir. Aí, um exemplo, a colocação, né?... tem a escala. O chefe faz a
escala junto com o líder. Aí, então, ele tem 7 caixas. Então é o líder
que vai... é, como é que fala? Colocar o pessoal nos caixas. Então,
tudo é o líder. O almoço... o líder vai ver se o almoço... só que antes...
o líder vai ver. Se ele acha que pode começar... só que para ele
começar, ele tem que ter a opinião do chefe. Entendeu?” (Carina,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 6/3/2013).

Assim, acima da líder, na hierarquia da empresa, encontra-se a/o chefe129,


que tem a função de supervisionar e coordenar o trabalho da líder e da equipe da frente
de caixa. Essa função, por sua vez, está subordinada a outros postos de direção da loja e
da empresa. Em alguns casos, essas relações hierárquicas não são bem delineadas,
provocando conflitos e desentendimentos.

128
Cabe dizer que, nas entrevistas, parte das operadoras indicou não ter interesse em se tornar patinadora,
uma vez que o trabalho de fiscal é visto como intenso, submetido a forte pressão e extenuante, cuja verba
adicional recebida não compensaria a intensidade do trabalho.
129
A referência ao termo no masculino e no feminino foi proposital. Se, em sua maioria, as operadoras de
caixa, as fiscais e as líderes são mulheres, tendo sido referidas pelas entrevistadas no termo no feminino, a
referência à/ao chefe apresentou maior variação no gênero, tendo sido encontrados chefes tanto homens
como mulheres.
128

As operadoras de caixa, portanto, respondem a chefes, líderes e fiscais. São


estes que controlam e monitoram seu trabalho. O sistema eletrônico e os serviços de
informação permitem esse monitoramento, ao fornecerem uma série de dados quanto ao
comportamento tanto dos clientes quanto das operadoras. Todas essas informações
permitem às empresas avaliar o desempenho e a produtividade de cada uma delas.
Soares (1998) aponta que há, assim, uma dupla supervisão no trabalho das
operadoras: aquela exercida pela supervisora pessoalmente (e pela hierarquia da
empresa) e a realizada pela supervisão eletrônica. Ambas estão associadas e exercem, na
prática, uma forte pressão sobre as operadoras.
No entanto, o monitoramento não se resume a essa “dupla supervisão”.
Como afirma Marlène Benquet (2013), a organização do trabalho no caixa obedece a
uma regra simples: as operadoras estão sempre sendo vigiadas e de diferentes lugares.
A distribuição espacial da frente de caixa nos estabelecimentos, como já
vimos, aparece aqui como um elemento importante. O fato de as operadoras ficarem
posicionadas na entrada e saída da loja submete-as ao olhar constante do público, das
demais operadoras e funcionários, assim como da chefia. Essa exposição faz com que a
pressão sobre as trabalhadoras seja difusa e intensa, uma vez que provém de variados
atores e mecanismos.
Além dessa exposição ao olhar de diferentes atores, há o monitoramento por
“outro olhar” – o eletrônico – por meio das câmeras de vigilância instaladas próximas à
frente de caixa. Estas, na concepção empresarial, teriam como finalidade impedir o furto
de produtos da loja pelos clientes e garantir a segurança do estabelecimento. No entanto,
elas contribuem também para a observação da atividade das operadoras, inclusive para
verificar se estas não realizam procedimentos incorretos ou furtam produtos ou dinheiro.
Para as operadoras, as câmeras desempenham o papel de vigiá-las.

“E tem umas câmeras bem em cima da gente lá, filmando o que a


gente faz, se faz alguma coisa de errado” (Cleide, operadora de caixa
de hipermercado da empresa C, 20/1/2012).

É importante assinalar que essa questão referente ao roubo ou desvio de


dinheiro ganhou certa importância no relato das entrevistadas, mesmo que isso não
tenha sido questionado a elas. Nas entrevistas, elas relatam casos de colegas que
cometeram um delito ou fazem referência à preocupação da empresa com essa
129

questão130. A empresa parece, assim, reforçar, constantemente e de diferentes modos, a


noção de que elas estão sob constante vigília para evitar perdas e roubos.
Uma dessas práticas é a revista ou inspeção a que as operadoras são
submetidas. Estas devem, ao final da jornada, dirigir-se ao segurança da loja (em alguns
casos, “o prevenção”131) e mostrar o interior da bolsa ou mochila, comprovando que não
carregam indevidamente um produto do estabelecimento.
Além de vigiadas, as operadoras, por solicitação da empresa, também têm
de vigiar os clientes, para evitar furtos. Elas são incumbidas de uma tarefa que não
consideram sua função e para a qual não têm meios de executar. Aqui, tem-se uma
inversão na relação hierarquizada entre operadoras e clientes, o que se torna fonte de
conflito, como veremos mais à frente.

“Eu olho assim, se tem alguma coisa no carrinho, aí falo com a


pessoa, abordo a pessoa: ‘Então, aquele negócio ali não foi pago
ainda. A senhora vai passar agora ou vai passar separado?’, tem que
abordar. Agora se a pessoa tipo sair... teve um cara que saiu com um
monte de bebida, passou no meu caixa e, porque estava fila, aí as
pessoas olharam pra mim: ‘Você vai ficar parada?’, ‘Eu não, vai que
ele se irrita e joga os litros de bebida em mim?’. Deixa ele ir embora.
A prevenção que vê isso. E sempre pegam, né?” (Carmem, operadora
de caixa de hipermercado da empresa C, 17/10/2014).

Portanto, na prática, há uma dupla relação entre vigiar e ser vigiado: ao


mesmo tempo em que devem controlar os clientes e supervisioná-los, as operadoras
estão constantemente sendo vigiadas e monitoradas por diversos mecanismos.
Diferentemente, no teleatendimento, como não mantêm contato presencial
com os clientes, as trabalhadoras não são incumbidas de vigiá-los, mas o
monitoramento e a supervisão sobre elas são intensos.
O rigoroso e constante controle, exercido pela dupla supervisão – eletrônica
e pessoal –, também está presente no trabalho da teleatendente. Como vimos, os
serviços de informação permitem o monitoramento, em tempo real, de toda a atividade.
A seu lado, a supervisora cumpre um papel fundamental na execução dessa vigília.

130
Nas entrevistas, algumas operadoras relatam casos de colegas que cometeram ou foram acusadas pela
empresa de ter cometido um delito, tendo sido demitidas por justa causa. Não raramente, a empresa não
tem provas para esse tipo de acusação, o que resulta em uma ação da trabalhadora na justiça por danos
morais.
131
Alguns estabelecimentos contam com seguranças terceirizados para vigiar a loja. Em muitos casos,
porém, os funcionários contratados para fiscalizar as mercadorias e prevenir perdas (os “prevenções”),
evitando o vencimento e a deterioração dos produtos, uma vez que a loja e cada seção têm metas quanto a
esse quesito, são encarregados também da segurança, havendo um desvio de função entre eles.
130

Esta, por meio do sistema de computação, verifica quantas teleatendentes


estão “logadas”, quantas estão em atendimento, o tempo de cada ligação e o tempo das
pausas, quantos clientes estão em espera, a distribuição das chamadas por operadora, a
produtividade de cada uma delas etc. Segundo Braga (2009), a ação da supervisora é
fundamental para controlar ao máximo os trabalhadores, mas também para mantê-los
constantemente submetidos ao fluxo informacional, reduzindo as possibilidades de
margem de manobra e de escape desse fluxo.
Sua função é não apenas controlar o fluxo de ligações e de trabalho, mas
também assegurar os ganhos de produtividade de cada teleatendente e da equipe em
geral. Na maioria dos casos, ela é responsável pelas campanhas motivacionais 132,
incentivando as teleatendentes a alcançar ou ultrapassar as metas estabelecidas. Assim,
sua ação é decisiva para o alcance, ou não, das metas.

O erro do supervisor no dimensionamento da equipe, na quantidade de PAs


necessárias e na adequação do treinamento, bem como a sua incapacidade de
extrair o máximo de cada atendente ou equipe, certamente resultará no
descumprimento das metas (OLIVEIRA, 2009, p. 121).

São várias as estratégias de incentivo para alcançar as metas, como ofertar


produtos ou dias de folga ou cantar e aplaudir quando alguém atinge uma meta ou
realiza uma venda. Em outros casos, é por meio do grito que os supervisores buscam o
aumento da produtividade, o que aparece como um gerador de pressão e estresse entre
as trabalhadoras.

“[O que você menos gosta do seu trabalho?] Nossa, eu acho que é da
gritaria, o povo todo falando com aquele barulho todo [...] e ainda
mais eles gritam lá da frente. Ficam gritando: “Olha a pausa”,
“Libera a pausa”, “Olha o TMA”. [...] [O coordenador] do
computador dele dá um grito no supervisor e o supervisor dá um grito
na gente, entendeu?” (Áurea, teleatendente da empresa A, 19/5/2015).

Como mostra essa fala, a pressão por atingir os altos índices de


produtividade também recai sobre a supervisora. A coordenação exige dela o alcance
das metas, e ela, por sua vez, cobra a produtividade das teleatendentes. Assim, é uma
pressão que se desencadeia em cascata pelos diferentes níveis hierárquicos da empresa

132
As campanhas ocorrem quando as empresas estipulam metas, oferecendo premiações para quem as
alcança, como forma de incentivo. Não raro, há denúncias na justiça trabalhista de abusos cometidos por
supervisores e por empresas de teleatendimento que, durante essas campanhas motivacionais, recorrem a
situações de constrangimento, humilhação e assédio moral contra os trabalhadores.
131

até chegar às teleatendentes, que estão na ponta mais baixa dessa cascata (VENCO,
2009a).

É uma pirâmide de coações com efeito cumulativo que determinam o ritmo


de trabalho, ações agressivas de vendas e atendimento racionalizado. Assim,
ser capaz de trabalhar sob pressão é condição sine qua non para ingressar e
permanecer no telemarketing (VENCO, 2009a, p. 165).

Para Roel Schouteten, Jos Benders e Els Bosch (2010), o alto controle
aliado à figura do supervisor leva ao disciplinamento dos teleatendentes e ao aumento
da produtividade. Entretanto, para os autores, esse tipo de gestão tem efeitos diversos
sobre o modo como o trabalho é vivenciado: ele pode tanto levar à maior motivação e
ao engajamento dos trabalhadores, como gerar insatisfação e descontentamento.
Segundo eles, essa insatisfação, diante da percepção de falta de liberdade e de
autonomia, aumenta a intenção dos trabalhadores de deixar o emprego, contribuindo
para elevar a taxa de rotatividade no setor.
Portanto, nas duas atividades aqui analisadas, a supervisão é feita a partir de
um aparato tecnológico amplamente utilizado, que permite o controle e a intensificação
do trabalho. A ela se soma o papel desempenhado pela supervisora, a qual gere,
organiza e controla a atividade e os resultados, exercendo pressão sobre as
trabalhadoras. O forte controle, vigília e pressão acaba por aumentar o disciplinamento
das trabalhadoras, afetando o modo como o trabalho é vivenciado por elas.
Entretanto, é preciso destacar a presença de outro ator que tem papel
fundamental nesse controle e supervisão: trata-se do próprio cliente. A seguir,
analisaremos a relação entre clientes e trabalhadoras em ambas as atividades.

4. Relação com o cliente


A relação estabelecida entre clientes e trabalhadoras é parte fundamental do
trabalho nessas atividades. Os clientes são os destinatários e os consumidores de um
serviço, pelo qual pagam para ter acesso (TIFFON, 2013). No entanto, o papel que eles
desempenham não se restringe a essa dimensão, uma vez que participam e interferem na
produção do serviço, seja realizando determinadas tarefas, seja contribuindo para
aumentar a produtividade dos assalariados e, assim, para a extração de mais-valia pelas
empresas133.

133
Assim, ao pressionarem os trabalhadores a acelerar seu ritmo de trabalho, os clientes contribuiriam
para a produção da mais-valia. No entanto, Tiffon (2013) vai além e propõe repensar a teoria do valor de
132

Assim, mais do que meros consumidores, os clientes têm papel ativo no


processo de trabalho e na maneira como ele é vivenciado pelas trabalhadoras, como
analisaremos a seguir.

4.1 - A fila dos clientes: tempo do trabalho versus tempo do cliente

Uma primeira dimensão a ser ressaltada aqui é o papel que os clientes


desempenham, em ambas as atividades, como supervisores e controladores do trabalho.
A fila de clientes – presencial no caso das operadoras de caixa, e virtual no
caso das teleatendentes – funciona como uma fonte de pressão sobre as trabalhadoras.
Estas são incitadas a acelerar seu ritmo de trabalho, a fim de evitar o descontentamento
dos clientes e de cumprir as metas determinadas pela empresa.
Bernard (2003) salienta que, no caso das operadoras de caixa, a atividade
exige que elas mantenham um ritmo intenso e contínuo de trabalho, estando
constantemente submetidas a uma pressão psicológica, exercida tanto pela direção da
empresa como pelos clientes. Situação similar é vivenciada pelas teleatendentes, em que
a fila virtual de clientes e o fluxo contínuo de ligações exercem forte pressão, impondo
um ritmo intenso de trabalho. “Assim, do mesmo modo que a cadeia de montagem fixa
as cadências de trabalho, o fluxo de clientes coloca sob pressão os assalariados em
front-office e determina a intensidade de seu trabalho” (TIFFON, 2013, p. 54). Portanto,
a fila de clientes aparece como um mecanismo eficaz que leva à intensificação do
trabalho.
As empresas têm consciência da pressão exercida pelos clientes e, assim,
organizam o processo de trabalho controlando o tempo tanto do trabalhador como do
cliente. Desse modo, a manutenção de uma fila de clientes constante e contínua faz
parte da estratégia gerencial das empresas como forma de impor uma cadência ao ritmo
de trabalho.
No caso dos super/hipermercados, as empresas regulam o número de
trabalhadoras em atividade conforme o número de clientes no estabelecimento, fazendo
o controle e a gestão das filas de acordo com seus interesses. O objetivo é manter a
melhor fluidez com um menor custo.

Marx a partir do papel desempenhado pelos clientes nos serviços. Para o autor, em algumas situações, os
clientes produzem diretamente a mais-valia (o que ele chama de “neomais-valia”), como nas situações em
que os clientes substituem os trabalhadores e, portanto, passam a realizar o trabalho socialmente
necessário à produção do serviço (para o autor, seria o “neossobretrabalho”).
133

“[Então vocês têm que estar o tempo todo de olho no movimento da


loja?] É no movimento da loja. Conforme for dando fila, a gente já
tem que ir abrindo mais caixas para não deixar aquelas pessoas, que
estão com a fila grande, sobrecarregadas, os clientes também, não
gerar reclamação” (Carla, fiscal de frente de caixa de hipermercado
da empresa C, 3/3/2012).

Quanto maior a fila, maior a insatisfação dos clientes e, consequentemente,


a pressão sobre as operadoras. É por meio de gestos, olhares e palavras que os clientes
manifestam seus descontentamentos. Nessas situações, as trabalhadoras são obrigadas a
acelerar o ritmo. Prunier-Poulmaire (2000) indica que as operadoras de caixa trabalham
sem tempo morto, uma vez que o tempo de atendimento entre um cliente e outro é
reduzido ou inexistente, sobretudo nos períodos de maior afluência.

“Às vezes quando eu vou... quando o caixa para, eu olho assim, aí


vejo cliente olhando com cara feia, e eu falo: ‘prefiro não olhar,
melhor’. Eu falo: ‘faço o que posso, não sou duas’. Mas às vezes a
gente trabalha por dois, porque uma fila... teve vezes que eu estava no
caixa normal, a fila estava no meio do corredor, aí você olha, você
fala... e os carrinhos tudo cheio, né?, aí eu falo: ‘é melhor eu não
olhar pra fila não’, senão eu desanimo, quero fugir do caixa, é melhor
eu olhar pra frente, ou olhar para o cliente, prestar atenção no que eu
estou fazendo... só olhando pra fila você desanima, que... tanto de
gente, fica desanimado” (Carmem, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 17/10/2014).

Em algumas situações, no entanto, a aceleração do ritmo de trabalho se


choca com a individualidade de cada cliente. Assim, a garantia da satisfação dos
clientes pode envolver a redução do ritmo de trabalho, cabendo à operadora adaptá-lo de
acordo com o ritmo do cliente. Isso, por sua vez, também pode acarretar outros
conflitos, como salienta a fala abaixo.

“[Carmem, você consegue então passar o cliente às vezes mais


devagar, às vezes mais rápido?] Sim. [...] quando eu vejo que o cliente
está com pressa ou está mal-humorado, eu penso ‘aff, vou passar logo
esse cliente para [ele] ir embora’. Aí se o cliente fala ‘Calma, vou
colocar as coisas em cima...’, eu falo ‘Está bom’, aí eu aguardo ela
colocar as coisas e passo. [...] Mas aí se o cliente de trás começa a
reclamar, aí é o cliente da frente que começa a brigar com ele, eu não
falo absolutamente nada. Eu passo do jeito que... às vezes da forma
que o cliente pede pra passar, né?” (Carmem, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 17/10/2014).

Assim, há um conflito que se instaura entre os próprios clientes na medida


em que algum deles considera que o fluxo do trabalho não está sendo garantido, por
134

interferência seja da operadora, que não realiza adequadamente seu trabalho, seja de
outro cliente. Nesses casos, um cliente passa a pressionar o outro. No entanto, Tiffon
(2013) chama a atenção para os casos em que os clientes se solidarizam entre si e,
coletivamente, pressionam a operadora. Seria, assim, uma manifestação coletiva do
descontentamento, em relação ao trabalho da operadora de caixa ou da empresa, que se
direciona à trabalhadora.
Portanto, a fila de clientes aparece como um importante mecanismo,
apropriado e controlado pelas empresas, que interfere na dinâmica do trabalho das
operadoras de caixa de supermercado. Trata-se de um eficiente instrumento de pressão
sobre as trabalhadoras. A fila aumenta a tensão no exercício do trabalho, uma vez que,
quanto maior o número de clientes em espera, maior a pressão exercida pela chefia e
pela direção da empresa, pelos clientes e, em alguns casos, pelas próprias colegas, que
incitam a acelerar o ritmo de trabalho. Entre as empresas, há um interesse nos períodos
de forte afluência de clientes e nas filas de espera, pois estes mobilizam tanto
trabalhadores como clientes a se controlar e a aumentar o ritmo de trabalho, o que,
consequentemente, leva ao aumento da produtividade.
Do mesmo modo, no segmento de teleatendimento, o fluxo e a fila de
clientes também são objeto de gestão pelas empresas.
Nele, as teleatendentes ficam submetidas a um ritmo intenso de trabalho,
dada a imposição do TMA e a submissão ao fluxo informacional, com as ligações se
sucedendo continuamente. Elas são incitadas a manter um ritmo acelerado de trabalho,
com pouco tempo de intervalo entre uma ligação e outra.
A fila de clientes contribui para intensificar o trabalho. As empresas fazem a
gestão dessa fila, organizando o número de trabalhadoras de acordo com o fluxo
produtivo que lhes interesse. O objetivo é aumentar constantemente a produtividade das
trabalhadoras. Para isso, como já mencionado, elas recorrem a sinais que indicam o
tempo gasto com cada ligação e o número de clientes aguardando atendimento. Manter
clientes em espera age como uma fonte de pressão sobre as teleatendentes. Assim, ainda
que a fila seja virtual, ela é real e está presente, interferindo no trabalho.
Braga (2006b, p. 141) expõe que o trabalho da teleatendente se torna
“objeto de uma regulação tecnológica centralizada pelo regime de mobilização
permanente da força de trabalho”. Dado o fluxo contínuo e intenso de ligações, Taylor
& Bain (1999) afirmam que o operador tem “uma linha de montagem na cabeça”,
135

sentindo-se constantemente sob pressão e estando ciente de que as tarefas se sucedem


continuamente, em um ritmo acelerado.

“É muita ligação, assim. Tem dias que é muita ligação, uma atrás da
outra, aí não dá nem para respirar direito. Eu falo ‘nossa, não dá
nem para respirar, Fulana’, que é a supervisora, né?” (Alberto,
teleatendente da empresa A, 17/4/2012).

O fluxo intenso de chamadas desponta como uma fonte de estresse e de


adoecimento para as teleatendentes. Em sua pesquisa no setor, Braga (2006b) encontrou
uma percepção fortemente negativa entre a maior parte das teleatendentes estudadas
quanto ao fluxo informacional. Este foi apontado como desencadeador de uma série de
adoecimentos.
Se a fila de clientes afeta as trabalhadoras, ela também tem efeitos sobre os
clientes. A gestão operada pelas empresas procura externalizar determinadas tarefas aos
clientes, que passam a ajudar a coorganizar o trabalho e regular o fluxo informacional
(BRAGA, 2006b). O autor cita como exemplo o fato de as empresas manterem um
número insuficiente de teleatendentes nos períodos de maior afluência de ligações,
levando os clientes a buscar outros horários para realizar a ligação. Portanto, a gestão do
fluxo produtivo envolve tanto trabalhadoras como clientes.
Desse modo, em ambas as atividades, o fluxo de clientes e, sobretudo, a fila
são mecanismos de pressão que levam à intensificação do trabalho. No entanto, exige-se
das trabalhadoras não apenas que mantenham um ritmo acelerado de trabalho, mas
também que garantam a satisfação dos clientes. Cabe-lhes gerir sua atividade levando
em conta essas duas dimensões.
Aparece, novamente, aqui um dilema que toca a ambas as atividades. Há, no
exercício do trabalho, lógicas temporais distintas e, muitas vezes, conflitantes: o tempo
da empresa, que visa à melhor fluidez e impõe determinado ritmo de trabalho; o tempo
do cliente, que, em alguns casos, apressa o atendimento e, em outros, requer mais tempo
para ser bem atendido; e o tempo da trabalhadora, isto é, o tempo dos movimentos,
corporais e fisiológicos, os quais não necessariamente seguem a cadência produtiva
imposta pela empresa, como vimos.
Segundo Bernard (2005, p. 174),
136

opõem-se aqui duas concepções diametralmente opostas do tempo de


trabalho e de sua medida: de um lado, trata-se do tempo quantitativo,
homogêneo, sequencial, previsível e predeterminado do trabalho industrial
medido pelos relógios, pelo cronômetro; de outro, trata-se do tempo
qualitativo, heterogêneo, descontínuo, aleatório, imprevisível da relação, da
tomada de decisão, da iniciativa face ao acontecimento imprevisto.

Lidar com clientes envolve uma parte do trabalho que não pode ser
totalmente controlada pela empresa, sendo dependente da subjetividade de cada
trabalhadora. Isso porque essa interação requer que as trabalhadoras respondam,
cotidianamente, aos imprevistos e lidem com situações variadas, que exigem tomadas
de decisão. O fato de os clientes diferirem entre si, cada um carregando uma expectativa
quanto ao atendimento, exige que elas constantemente se adaptem para melhor atendê-
los, ainda que as possibilidades de ajuste sejam limitadas e controladas pelas empresas.
Como característica das atividades de serviço, o trabalho envolve garantir a
satisfação e buscar o bem-estar dos clientes. Nesse sentido, Soares (1998) aponta que o
trabalho de serviços envolve um aspecto físico, psíquico, sexual (instrumentalização do
corpo) e emocional. Parte da sociologia vem analisando essa última dimensão a partir
do conceito de “trabalho emocional” 134. Trata-se, tal como conceituado por Arlie
Hochschild (1983), da exigência, a cada indivíduo, de controlar ou exprimir um
sentimento ou uma emoção na realização de determinadas tarefas.
Nas atividades aqui analisadas, o exercício do trabalho envolve o controle
das emoções. As trabalhadoras devem manter determinado padrão de comportamento,
sendo simpáticas, gentis, pacientes e sorridentes (no caso das teleatendentes, é o
“sorriso na voz”, como expresso na gestão empresarial) e controlar suas emoções ao
lidar com os clientes. São as regras de sentimento criadas pelas empresas com o
objetivo de administrar o tipo, o momento e a intensidade da emoção na realização das
tarefas (VILELA & ASSUNÇÃO, 2007). Portanto, é o controle das emoções das
trabalhadoras que é posto a serviço do trabalho. Além disso, elas devem gerir a emoção
dos próprios clientes, transmitindo-lhes uma sensação positiva e garantindo sua
satisfação e bem-estar (SOARES, 2000).
Esse lidar com a individualidade de cada cliente e com cada situação é
limitado, como vimos, pela baixa autonomia das trabalhadoras e pela imposição de

134
Esse tema tem ganhado destaque em parte da sociologia do trabalho, sem, no entanto, haver uma
abordagem consensual. Segundo Soares (2002), a sociologia voltada ao estudo das emoções ainda é muito
inicial, mas cresce desde os anos 1990. Ela apresenta duas perspectivas: de um lado, estão os estudos que
abordam as emoções suscitadas pelo trabalho e, de outro, estão aqueles que estudam as emoções
colocadas a serviço do trabalho, sobretudo no setor de serviços.
137

certos procedimentos pelas empresas. Nesse sentido, Vilela & Assunção (2004, p.
1.071), ao analisarem o trabalho no teleatendimento, verificam que

se de um lado, a natureza da atividade solicita habilidade em contornar


situações difíceis e inusitadas, por outro, existem padrões rígidos para o
controle do tempo e da qualidade do trabalho que incluem os scripts e
fluxogramas de atendimento.

São lógicas contraditórias no exercício da atividade que levam ao


esgotamento físico e mental das trabalhadoras. Em nossa pesquisa, foram recorrentes,
nos relatos das entrevistadas, as manifestações de situações de estresse, adoecimento,
desânimo e descontentamento, advindas da própria condição e exercício do trabalho e
da própria relação com os clientes. Isso deriva do fato de a relação entre trabalhador e
cliente nem sempre ser vivida de forma harmoniosa. Ao contrário, muitas vezes ela é
fonte de tensão.

4.2 - Quando a relação com o cliente é de satisfação ou de conflito

A dimensão relacional do trabalho – ter de lidar com o público, interagir


com as pessoas e relacionar-se com os clientes – aparece espontaneamente na fala das
entrevistadas ao se referirem a seu trabalho, ganhando importância em seus discursos.
De um lado, a relação com o cliente ou público é apontada como o elemento de
valorização, identificação e satisfação das trabalhadoras com a atividade. De outro, o
cliente é identificado como aquele que age com desrespeito, agressividade e violência,
gerando nelas um mal-estar em relação ao trabalho.
Parte das entrevistadas, de ambos os segmentos, indica gostar de falar e de
se relacionar com as pessoas como o aspecto mais positivo do trabalho, que lhes confere
uma identificação e as motiva a estar inseridas na atividade. Essa é uma dimensão
comum, como exemplifica a fala de uma operadora de caixa que diz gostar de “trabalhar
com o povão”, pois “eles que fazem o meu pagamento”. Do mesmo modo, Adriana
indica uma perspectiva semelhante:

“O que eu mais gosto? Ai, acho que lidar com o público é bom. [É
bom?] Eu gosto de lidar com o público em geral” (Adriana,
teleatendente da empresa A, 4/6/2012).

Se, para muitas, lidar com os clientes é algo positivo e que dá sentido ao
trabalho, essa relação é conturbada na medida em que o tratamento recebido dos clientes
138

não condiz com o esperado pelas trabalhadoras. No geral, a postura adotada pelos
clientes e a posição que as trabalhadoras assumem nessa relação são as variáveis-chave
para compreender a complexidade das dinâmicas estabelecidas nos dois segmentos.
Segundo Tiffon (2013), a relação entre cliente e trabalhador envolve três
dimensões: uma contratual, uma técnica e uma de tratamento, todas perpassadas por
conflitos e tensões. A primeira delas diz respeito aos acordos e às negociações feitas
entre ambas as partes em relação ao custo e ao campo da intervenção do serviço. As
tensões nessa dimensão decorreriam dos acordos incompletos ou incertos, como um
serviço de má qualidade ou preço alto etc.
No que concerne à dimensão técnica, o autor aponta que há uma relação de
codependência entre ambos os atores. Entretanto, o tratamento estabelecido entre eles
depende do nível de conhecimento e da competência do trabalhador em relação ao
cliente. Assim, quanto mais alto o diferencial técnico do assalariado em relação ao
cliente, maior a dependência do último ao serviço e mais o trabalhador pode controlar a
interação. Nesse caso, a relação tende a ser mais respeitosa e “igualitária”, como no
caso do fisioterapeuta, citado como exemplo pelo autor, de cujo saber o cliente/paciente
depende para se curar. Ao contrário, quanto mais falho é esse diferencial, mais o cliente
tende a controlar a interação, e o serviço prestado pelo trabalhador é menos valorizado e
reconhecido. A atividade da operadora de caixa exemplificaria esse tipo de situação,
uma vez que é um trabalho do qual os clientes precisam, mas não consideram
qualificado, que exija conhecimento especializado. Prunier-Poulmaire (2000) estabelece
que o fato de o trabalho da operadora de caixa parecer simples, estar submetido a um
forte controle da hierarquia e ter uma baixa representação coletiva gera uma
desvalorização da atividade. O mesmo pode ser afirmado quanto ao trabalho de
teleatendimento, desvalorizado socialmente.
A terceira dimensão – de tratamento – envolve as formas de respeito e de
acolhimento na relação cliente-trabalhador, também estabelecidas pela relação de forças
entre os atores. Assim, dependendo do modo como essa relação ocorre, o assalariado
pode se sentir em posição de prestar um serviço a alguém ou de estar a serviço de
alguém. “Enquanto ‘prestar serviço’ marca a liberdade, a vocação e o engajamento
pessoal, a servidão (no sentido de estar a serviço de alguém e não de escravidão) reenvia
à submissão, à obrigação e à abnegação de si” (TIFFON, 2013, p. 30). Bernard (2012)
salienta que a fronteira entre serviço e servidão é muito frágil.
139

A política gerencial predominante em grande parte das atividades de serviço


tende a reiterar essa relação de forças, na qual os trabalhadores estão em posição de
subordinação, ao propagarem a ideia de que o “cliente é rei” e “o cliente sempre tem
razão”.
Essa noção do cliente como rei pressiona os trabalhadores e aumenta seu
submetimento aos ditames da empresa. Nesse sentido, Braga (2009) afirma que ela é um
eficaz instrumento de mobilização dos trabalhadores utilizado pelas empresas. A
construção da “figura do cliente” – impessoal e poderosa – é, assim, instrumentalizada
como forma de aumentar o disciplinamento dos trabalhadores (JULHE, 2006).
Do mesmo modo, essa ideologia pauta as formas de tratamento e o tipo de
interação entre clientes e trabalhadores. Quanto mais consolidada a percepção de uma
relação hierarquizada entre ambos os atores, maior a possibilidade de os trabalhadores
se perceberem como “estando a serviço de alguém”. Soares (2000), ao analisar o caso
das operadoras de caixa, afirma que a interação de clientes e trabalhadoras tem como
base uma assimetria, na qual elas estão em posição de subordinação, o que faz com
sejam frequentemente ignoradas e invisibilizadas. O mesmo ocorre entre as
teleatendentes.
O estudo de Boutet (2001) sobre as formas de linguagem no trabalho
contribui para evidenciar que essa assimetria também se manifesta na comunicação
entre os atores. Assim, nas relações entre trabalhadores e clientes, os primeiros se
encontram em uma posição de subordinação, uma vez que vivenciam uma forte
restrição quanto à forma de comunicação, podendo apenas empregar um tipo de
linguagem e devendo seguir os procedimentos e protocolos de interação determinados.
Já os clientes gozam de maior liberdade: eles podem ser cooperativos e estabelecer uma
relação harmoniosa, mas, em caso de conflitos, eles podem utilizar uma série de outras
formas de linguagem que, por sua vez, impõem desafios com os quais os trabalhadores
são obrigados a lidar – por exemplo, nos casos de xingamento.
Desse modo, as trabalhadoras se encontram em uma posição em que
precisam procurar formas de se adaptar às variadas situações e desenvolver estratégias
para contornar os conflitos, de modo a se submeterem à figura primordial do cliente.
Volta novamente aqui a necessidade de controlar seus sentimentos, emoções e
comportamento.
140

“Eu não sou de discutir com cliente, não é do meu feitio ficar
discutindo com a pessoa. Eles falam: se de repente você se estressar
com o cliente, você chama o fiscal e fala pro fiscal ficar no seu lugar
e vai lá pra dentro. Ah, tá. Porque tem umas que discute feio, eu fico
olhando, não adianta discutir. Sempre o cliente vai ter razão, falam
‘o cliente tem razão’, eu prefiro não discutir, eu chamo o fiscal e vou
lá pra dentro” (Carmem, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 17/10/2014, grifo nosso).

Essa forma como se estabelecem as relações entre clientes e trabalhadoras


afeta não só o modo como o trabalho é vivenciado, mas também o sentido que elas
conferem a ele. A resposta de Carmem às perguntas sobre o que ela mais gosta e menos
gosta em seu trabalho nos dá pistas para compreender essa relação: para ambas as
perguntas, a resposta está ligada ao relacionamento com os clientes. E explica:

“[O que você gosta mais no seu trabalho?] Eu gosto quando... você
atende um cliente e o cliente te trata bem. Porque tem uns clientes que
fala bravo com você e você não fez nada com ele. [...] [E o que você
menos gosta?] Ah, quando tem aqueles clientes que começam a
discutir com você por nada” (Carmem, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 17/10/2014).

Há, portanto, uma relação ambígua das trabalhadoras com os clientes: ora é
fonte de satisfação e de valorização do trabalho, ora é fonte de descontentamento e
insatisfação. Podemos considerar que essa dimensão se atrela à própria relação
contraditória do trabalhador com sua atividade no capitalismo. O trabalho assalariado,
“estranhado”, parece hostil ao trabalhador, que nele não reconhece nem sua atividade,
nem o resultado dela. Tal relação se revela naquela estabelecida com os clientes.
No caso das operadoras de caixa, diversos atores salientam essa
ambiguidade na relação com os clientes (BERNARD, 2003; SOARES, 2000; TIFFON,
2013). Nas entrevistas, nota-se uma oposição entre os “clientes bons” – que tratam as
operadoras com respeito e simpatia – e os “clientes ruins” – que agem com desrespeito e
desprezo.

“Vou falar para você, tem muito cliente folgado naquela loja. Tem.
Mas tem cliente que é um amor, não tenho o que falar. Mas tem uns
que olha, ‘estou pagando, então dane-se’, acaba até te
desrespeitando” (Carina, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 6/3/2013).
141

Com os “bons clientes”, a relação que se estabelece é de respeito. As


trabalhadoras se orgulham dos “clientes fiéis”, referindo-se àqueles que sempre passam
no caixa delas, o que demonstraria o reconhecimento por seu trabalho.

“Tem uns clientes legais, que conversam com você, fala... aí elogiam
você. Tem uma cliente que só passa no meu caixa” (Carmem,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 17/10/2014).

As entrevistadas fizeram questão de ressaltar em seus relatos os casos de


clientes que conversam e interagem com as operadoras, estabelecendo uma relação que
elas percebem como de cumplicidade. O fato de essas situações estarem presentes em
seus discursos evidencia a valorização que elas atrelam a esse tipo de relação.

“Tem cliente lá que chega e fica lá no meu caixa conversando. Tem


uma mulher lá que vai quase todos os dias e ela passa no meu caixa
pra poder falar comigo” (Conrado, operador de caixa de
hipermercado da empresa C, 11/11/2014).

Entretanto, em muitos casos, a relação com o cliente é conflituosa e tensa.


Isso porque as queixas e os descontentamentos dos clientes tendem a ser dirigidos
diretamente às operadoras de caixa. Como já mencionamos, o caixa é o principal locus
de intermediação entre os clientes e a empresa. Nos estabelecimentos, o cliente faz toda
a compra sozinho e, praticamente, apenas entra em contato com um funcionário da loja
no momento em que passa pelo caixa. Assim, todas as reclamações e
descontentamentos que o cliente vivencia são comunicados no final de seu percurso na
loja, isto é, no caixa. Ademais, como agravante, tem-se que o caixa é, praticamente, o
único local do estabelecimento em que o cliente depende do atendimento de um
funcionário e onde, na maior parte das vezes, ele tem de aguardar para ser atendido.
Como consequência, as operadoras se tornam os “para-raios” da empresa
(SOARES, 2000). Cristiane chega a afirmar que o caixa é o coração da loja e, portanto,
é nele que todas as reclamações e insatisfações dos clientes são despejadas. O mesmo é
afirmado por Cecília:

“Todas as reclamações de todos os setores vão para a frente de caixa.


Porque o cliente, ele passa na padaria, ele passa nos frios, passa no
açougue. Se ele tiver uma reclamaçãozinha de cada setor, ele não vai
reclamar, ele pode até falar ‘oh, eu vou falar com alguém’, mas ele
vai falar sempre para quem? Para a pessoa que está no caixa. Às
vezes nem para o fiscal ele não fala. Ele fala para o caixa” (Cecília,
operadora de caixa de supermercado da empresa C, 12/4/2012).
142

As operadoras ficam, assim, sujeitas a receber violências verbais e


comportamentais dos clientes (ALONZO, 1998). Como explica Benquet (2013, p. 166),
o fato de o trabalho ser realizado na frente dos clientes, para eles e em sua presença lhes
dá legitimidade e a possibilidade de exprimirem “por meio de suspiros, de observações
e às vezes – em casos extremamente raros, mas temidos pelas operadoras de caixa – de
gestos, seu descontentamento ou satisfação”.
Esse conflito se torna mais intenso quando os clientes reivindicam sua
posição de superioridade em relação às operadoras, isto é, quando a noção do “cliente
como rei” se faz valer.

“Porque o cliente veio falar para mim que eu... eu nem atendi ele, ele
estava na fila... ele falou, para mim, calar a boca porque ele pagava
meu salário. Aí eu falei que não, que eu não trabalhava na Prefeitura
para ele pagar o meu salário. Ele ficou muito bravo e foi lá no
atendimento ao cliente e falou que queria minha demissão imediata”
(Cleusa, operadora de caixa de hipermercado da empresa C,
23/5/2013).

Como indicado nesse relato, parte do descontentamento dos clientes acaba


tomando a forma de ameaça, particularmente a de registrar uma reclamação sobre o
atendimento prestado ou de exigir a demissão da trabalhadora. Os clientes agem
demonstrando que eles têm certo poder sobre o emprego da trabalhadora, reforçando
sua posição de superioridade. Mesmo que as ameaças não se efetivem na prática, as
operadoras se ressentem pelas situações que consideram injustas, sobretudo quando a
qualidade de seu trabalho é posta em questão.

“Eu tive a primeira reclamação esse ano, de quase três anos que eu
trabalhei. [...] A mulher foi reclamar de mim porque eu não quis falar
meu nome pra ela. [Risos] Eu fui atender ela, aí ela não gostou foi
que eu peguei o celular pra ver se tinha mensagem. Aí ela ‘você vai
me atender ou vai ficar brincando no celular?’. Eu olhei pra cara
dela e guardei o celular. [...] No fim ‘vou reclamar de você, qual o seu
nome?’. Continuei passando as compras, aí eu ‘mais alguma coisa’ e
ela ‘não, não, só isso”, ‘deu tal valor’, ‘qual o seu nome? Qual o seu
nome?’. [E você não falou?] Não, eu não falei. Aí ela me deu o
dinheiro e eu dei o troco. E eu falei ‘tchau senhora, tenha um bom
dia’. Aí ela: ‘pra você não vai ser um bom dia, não, que eu vou
reclamar de você’, ‘pra mim sempre vai ser um ótimo dia’. Aí ela foi
reclamar” (Carmem, operadora de caixa de hipermercado da empresa
C, 17/10/2014).

Em alguns casos, essas ameaças também podem ser dirigidas à integridade


física das trabalhadoras. Os relatos indicam a ocorrência não só de ameaças verbais, que
143

procuram amedrontar a operadora, mas também de ameaças físicas, como a de agressão.


Do mesmo modo, ainda que não se concretizem na prática, as ameaças geram, entre as
operadoras, o medo e o receio de que um dia elas possam se efetivar.
Essas ameaças e agressões manifestam o descontentamento dos clientes à
empresa, mas são dirigidas às operadoras. No entanto, estas se encontram diante de
situações em que não têm recursos para responder ou resolver, uma vez que escapam ao
âmbito de seu trabalho.

“Lá [no caixa] eles falam, vão pra brigar, pra xingar. ‘Eu quero isso,
eu quero aquilo’. ‘Preço isso, preço aquilo’, é tudo isso. É mais
estressante. É mais difícil ficar no caixa, você acaba se estressando
com a pessoa. Se [você] vai devagar a pessoa acha ruim, se vai
rápido acha ruim” (Cíntia, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 17/10/2014).

A exposição a formas de tratamento hostis e a manifestações de insatisfação


que nem sempre estão ligadas ao desempenho ou exercício de seu trabalho, torna-se
uma fonte de pressão e de estresse para as operadoras de caixa.
O mesmo é verificado no segmento de teleatendimento. No caso das
teleatendentes, a relação estabelecida com os clientes é semelhante à das operadoras de
caixa, com a ressalva de que entre elas o conflito com os clientes parece ser ainda mais
intenso.
Entre as teleatendentes, também é possível identificar a relação ambígua que
estabelecem com os clientes. Parte delas manifesta valorizar, no trabalho, o contato com
os clientes e o “lidar com o público”. Porém, a dificuldade e os conflitos nesse tipo de
interação ganham destaque no relato das entrevistadas.
Podemos questionar se o forte conflito no relacionamento com os clientes
provém do fato de o teleatendimento ser um tipo de serviço que, atualmente, carrega
uma conotação negativa e gera uma insatisfação social. No caso do teleatendimento
ativo, vale lembrar que, em 2008, no Estado de São Paulo, a Lei n o 13.226,
regulamentada pelo Decreto Estadual no 53.921/2008135, determinou a criação de um
cadastro para os clientes que desejarem o bloqueio do recebimento de ligações de

135
Ver: <http://www.procon.sp.gov.br/texto.asp?id=2689>. Acesso em: 2 fev. 2016. A lei regulamentada
em São Paulo foi, posteriormente, regulada em outros estados. Ainda em 2008, o Decreto Federal n o
6.523 procurou regulamentar o Serviço de Atendimento ao Consumidor, com a determinação, entre
outras, de um tempo máximo de espera para o atendimento e de proibição à interrupção da chamada antes
de finalizado o atendimento, queixas comuns entre os clientes. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6523.htm>. Acesso em: 2 fev.
2016.
144

telemarketing em seu número de telefone fixo ou móvel. Essa medida apareceu como
forma de responder às inúmeras reclamações dos clientes quanto a esse tipo de serviço.
Reclamações que derivam, por exemplo, da percepção dos clientes de que a
teleatendente está oferecendo um produto em que eles não têm interesse ou não
solicitaram136. Essa hipótese vai ao encontro da percepção de Alcione:

“Ah, o telemarketing, ele é muito malvisto, né? Ele é muito malvisto,


mas assim ele é um trabalho, até para mim mesma, quando ligam aí
[em casa], nossa, vou falar para você, que saco, viu! Mas é muito
malvisto, mas é um trabalho que, nossa, é muito complicado, é muito
estressante. É estresse. Estressa os nervos. Porque assim, a gente sai
de lá cansada, mas não é um cansaço corporal, não é corporal, é
mental. Tem dia que é tão puxado, tem dias que têm uns clientes que
parece que soltaram um zoológico, né?, então tem dias que você sai
com a cabeça desse tamanho, não é dor de cabeça, é como se tivesse
cheio de ar, sabe como se tivesse um globo no lugar da cabeça? É
mais ou menos assim” (Alcione, teleatendente da empresa A,
11/2/2012).

A insatisfação e a rejeição dos clientes com os serviços de teleatendimento


em geral são notadas pelas entrevistadas como um elemento que dificulta a realização
do trabalho e o alcance das metas. Os relatos a seguir indicam que as teleatendentes
iniciam a ligação já esperando uma resposta negativa do cliente ou mesmo a
manifestação de seu descontentamento por estar recebendo a ligação,
independentemente do tipo de atendimento ou do produto oferecido. Nesses casos,
segundo as teleatendentes, elas têm dificuldade para conseguir falar o script inicial
exigido pela empresa e, mais ainda, para reverter a postura negativa do cliente e
“converter” a venda do produto.

“Ah, lidar com o público não é fácil, né? Você ligar para o cliente... o
‘não’ você já tem. O cliente fala ‘Não, não quero’. ‘Não? Você não
quer? Você não quer o quê? Você não sabe nem do que eu estou
falando! Como você não quer?’. ‘Eu não quero o que você vai me
oferecer’. ‘Ah, não?’. Ou se você falava que era um benefício: ‘Mas
que benefício?’. ‘Oh, o senhor não quer, então está bom’. Às vezes, eu
era bem arrogante: ‘Ah, o senhor não quer? Então está bom’. E
desligava na cara, ele ficava bravo. Às vezes não... às vezes você não
está bem, aí o cliente fala para você: ‘Ai, eu não quero falar com

136
Reclamações contra telemarketing abusivo ou indevido são recorrentes, como pudemos concluir ao
fazer uma pesquisa em um dos principais sites de reclamação no País. Ver:
<http://www.reclameaqui.com.br/busca/?q=telemarketing+abusivo&=buscar>. Segundo reportagem
veiculada no jornal O Estado de S. Paulo, entre 2011 e 2012 a média mensal de reclamações contra o
telemarketing abusivo cresceu 49%. “No Procon-SP, eram 424 queixas mensais em 2011; em 2012, até a
metade de junho, a quantidade subiu para 520 reclamações” (Disponível em:
<http://blogs.estadao.com.br/ advogado-de-defesa/tag/telemarketing/>. Acesso em: 2 fev. 2016).
145

você!’. Nossa, isso acaba com você. Às vezes o cliente manda você ir
lá para o Paraíso e você: ‘Então está bom, senhor. Muito obrigada e
tenha uma boa tarde’. Aí depende muito. Mas, assim, lidar com o
público é estressante” (Alcione, teleatendente da empresa A,
11/2/2012).

No caso do teleatendimento receptivo, a insatisfação dos clientes pode


provir de motivos diversos, seja com o serviço prestado pela empresa, seja com a
demora na fila de atendimento, seja, ainda, com o próprio modelo de atendimento, em
que o teleatendente obedece a um script, não resolvendo de modo satisfatório o
problema, entre outras situações. Em todos esses casos, a insatisfação e o
descontentamento dos clientes com a empresa são dirigidos diretamente às
teleatendentes.
Aqui também podemos afirmar que as teleatendentes se tornam os “para-
raios” das empresas. Como resultado, essa relação conflituosa aparece como uma fonte
de tensão e de estresse, agravada pelo fato de as trabalhadoras não poderem externalizar
esses sentimentos – devido à imposição das regras de sentimento e de comportamento,
bem como ao fluxo informacional, que mantém uma ligação atrás da outra, sem
intervalo entre elas.

“Quando você lida com o público, é estressante. Porque você... você


está conversando comigo, eu te trato bem. Você vai conversar com um
cliente, ele vai te tratar mal. E você vai ficar meio assim. Já vai ficar
estressada. Vai descontar nos contatos. Vai guardar para você.
Porque no serviço você tem que engolir tudo. Entendeu? Então acaba
sendo estressante por isso” (Adélia, teleatendente da empresa A,
20/6/2012).

Algumas teleatendentes manifestam que, diante do desrespeito recebido, é


necessário ter compreensão e a capacidade para separar aquilo que o cliente fala a elas
do que realmente é dirigido a elas. No entanto, tal habilidade apenas é adquirida a partir
de um tempo de experiência no trabalho.

“Ah, é muito variado assim no dia, né? Tem uns [clientes] que são
calmos, ‘de boa’. Tem uns que já são insatisfeitos com o banco, está
sempre xingando a mãe, o pai, até a sua última geração, mas é
normal. [...] A gente, com o passar do tempo, a gente se acostuma a
deixar isso pra lá, porque no começo a gente acaba sentindo. [Agora
você já não liga mais?] Não, porque a gente sabe que ele queria falar
aquilo para alguém do banco, qualquer um que ligasse do banco ele
ia xingar, não necessariamente a gente, né? Não é pessoal, ele queria
passar o recado dele pra alguém, aí a gente acaba não ligando muito,
agradece e finaliza (Arlene, teleatendente da empresa A, 6/2/2012).
146

Se algumas aprendem a lidar com essas situações, outras são afetadas


negativamente por essas formas de desrespeito e desprezo, que, em muitos casos, são
descritas como causadoras de adoecimento, sobretudo quando se somam a experiências
particulares, que também afetam o dia a dia no trabalho.

“Agora, nossa senhora... você tem que falar aquela coisa todos os
dias, a mesma coisa. Você pega cliente que acaba com você. Acaba.
Você não está num dia bom, igual ontem, eu não estava num dia legal,
estou de TPM. Aí você pega aquele cliente, a ligação nem é para ele,
é para a mulher dele... “Boa tarde, por gentileza, a fulana de tal?”.
“Pô, que vocês já ligaram nesse número quatro vezes. Estou falando
para vocês que ela não vai falar” [gritando]. Sabe, você só escutando.
“Senhor, calma, senhor. É só para falar referente a isso, isso e isso”.
Sabe? “Não quero saber” [gritando]. Sabe? Aquela coisa. [...] Quer
ver eu ficar ferrada é eu falar, falar, falar e eles te acabam, acabam
com você e depois desligam na sua cara. Sabe? Nem dá tempo para
você se explicar. [...] Nem querem escutar e já acabam com você. É
difícil. É bem estressante” (Ângela, teleatendente da empresa A,
18/4/2012).

Para Rosenfield (2009), o fato de a teleatendente valorizar a relação


interpessoal em sua atividade – isto é, a satisfação na interação, o reconhecer um sujeito
do outro lado da linha e o ser reconhecida como sujeito – torna difícil para ela suportar
as ofensas e os xingamentos dos clientes. Essas formas de tratamento se manifestam nos
poucos momentos em que as trabalhadoras podem exercer sua – restrita – autonomia.
Assim, como constatamos, elas são desvalorizadas e desprezadas exatamente nos
momentos em que mais valorizam sua atividade, isto é, na interação com os clientes.
Desse modo, o reconhecimento e o sentido do trabalho acabam sendo colocados em
jogo nessas situações.
Como vimos, em ambas as atividades, devido à marcada relação de poder
estabelecida entre clientes e trabalhadoras, estas últimas ficam sujeitas a diferentes
situações e tipos de tratamento pelos primeiros, que, inclusive, tomam a forma de
violência137. Jennifer Bué et al. (2008) salientam que a violência vivida no trabalho é
múltipla: ela pode ocorrer a partir de um conflito entre o assalariado e pessoas exteriores
à empresa (como os clientes e pacientes), resultando em agressões verbais ou físicas; ou

137
Maria Cecília Minayo (2013) salienta que a natureza dos atos violentos pode ser física (com o uso da
força para produzir lesões, traumas, feridas, dores ou incapacidades em outra pessoa); psicológica
(manifesta por agressões verbais ou gestuais, cujo objetivo é aterrorizar, rejeitar e humilhar a vítima, além
de restringir-lhe a liberdade ou o convívio social); sexual (por meio de atos que utilizam a vítima para
obter excitação sexual nas práticas eróticas, pornográficas e sexuais impostas por meio de aliciamento,
violência física ou ameaças); ou negligências, abandonos e privações de cuidado (por meio da ausência,
recusa ou abandono do atendimento necessário à pessoa que deveria receber atenção e cuidados).
147

pode estar ligada aos comportamentos internos do coletivo do trabalho (em relação seja
aos colegas, seja às chefias), manifestando-se por meio ou de uma agressão explícita –
psíquica ou verbal –, ou, de modo menos visível, de formas de violação da dignidade da
pessoa.
No setor de serviços, é alto o risco de os trabalhadores sofrerem algum tipo
de violência no trabalho, principalmente quando envolve a relação direta com o cliente,
usuário ou paciente (WLOSKO et al., 2013). Estar inserido nesse tipo de atividade
expõe os trabalhadores a riscos psicossociais, que, de acordo com o tipo de gestão,
organização e contexto social do trabalho, afetam sua saúde mental e física (BUÉ et al.,
2008). O estresse é uma das doenças comuns decorrentes de tais riscos.
A violência vivida no trabalho atinge de modo desigual as diferentes
profissões, variando também conforme a função, o tipo de organização no trabalho (isto
é, se envolve maior ou menor controle), o gênero e a idade (BUÉ et al., 2008). Dada
essa complexidade, não é simples mensurar esse tipo de violência. Parte dela é omitida
ou mascarada, muitas vezes, pelas próprias instituições. No entanto, algumas pesquisas
quantitativas realizadas em diferentes países ajudam a compreender a relação entre
trabalho e violência.
Assim, um dos primeiros aspectos a salientar quanto ao trabalho em
serviços é a violência perpetrada pelos clientes. Paul Bouffartigue e Jacques Bouteiller
(2014), analisando os dados da pesquisa SUMER na França 138, indicam que, entre os
trabalhadores que estão em contato com o público, um pouco mais de um a cada dez
assalariados afirma vivenciar “em permanência” ou “regularmente” situações de tensão
com o público. Ainda segundo os autores, essas tensões frequentemente se manifestam
por meio de agressão verbal: 22,9% das mulheres e 18% dos homens em contato direto
com o público confirmam ter sofrido esse tipo de violência nos doze meses precedentes
à pesquisa.
A agressão sofrida no trabalho tende a se dar de maneira não isolada, mas
recorrente (BUÉ & SANDRET, 2007). Esse tipo de violência tem impacto direto sobre
a saúde dos trabalhadores. Bué et al. (2008) relatam que os trabalhadores que dizem
sofrer maior agressão do público são os mesmos que indicam ter má saúde, ausentar-se

138
Os autores analisam os dados da pesquisa SUMER de 2010 na França. Bué et al. (2008) analisam os
dados da pesquisa para o ano de 2003. Esta visa descrever o conjunto de exposições profissionais,
inclusive aos riscos psicossociais, aos quais os trabalhadores estão submetidos. Ela é aplicada pelos
médicos do trabalho na França, que interrogam os trabalhadores que passam por consultas médicas
periódicas (BUÉ et al., 2008).
148

recorrentemente do trabalho devido a doenças ou considerar que seu trabalho faz mal à
saúde. Nossas entrevistas também revelam o adoecimento provocado por esse tipo de
relação, como o estresse e a depressão.
Esse tipo de violência se atrela diretamente ao tipo de organização e gestão
do trabalho. Ainda segundo Bué et al. (2008), quanto mais restrita e disciplinadora a
organização do trabalho, maior a probabilidade de os trabalhadores sofrerem agressões
do público. Assim, a violência tende a ser maior à medida que os trabalhadores não têm
recursos suficientes para realizar um trabalho de qualidade, seja por não deterem as
informações necessárias, seja por não terem apoio dos colegas e chefias.
Do mesmo modo, o horário de trabalho tem uma relação importante com a
vivência de situações de agressão perpetradas por clientes: os trabalhadores que dizem
sofrer mais frequentemente agressão são aqueles que trabalham em “horários atípicos”
(isto é, aos sábados, à noite, entre outros), em número de horas superior ao da jornada
de trabalho oficial ou em horários determinados pela empresa, sem possibilidade de
mudança (BUÉ et al., 2008).
Essa violência é perpassada ainda pelas relações de gênero, uma vez que as
mulheres são mais acometidas pela violência no trabalho (BUÉ & SANDRET, 2007).
Nesse sentido, Bouffartigue & Bouteiller (2014) afirmam que os riscos psicossociais
têm um gênero. Assim, homens e mulheres não são afetados da mesma maneira quanto
à saúde física e mental no trabalho.
Os autores definem o caso das operadoras de caixa de super/hipermercados
como exemplar quanto à relação trabalho, violência e danos à saúde, uma vez que elas
vivenciam frequentemente essa tensão com os clientes. Elas ficam, assim, expostas a
riscos psicossociais e a adoecimentos. O exercício do trabalho marcado por tarefas
repetitivas, realizadas sob forte pressão, com baixa autonomia e de conflito com os
clientes, imputa-lhes um sentimento de desqualificação e de não reconhecimento do
trabalho, fazendo com que elas tendam a estabelecer uma relação negativa com sua
atividade.
Podemos afirmar que esse quadro é igual para as teleatendentes, que
vivenciam esse mesmo tipo de organização do trabalho – com controle ainda mais
intenso do que entre as operadoras – e situações frequentes de tensão com os clientes.
Ou seja, nas duas categorias, trata-se de uma população jovem, mas que, desde cedo em
seu percurso laboral, fica submetida a situações de conflito e de violência no trabalho.
149

Isso, por sua vez, afeta o modo como o mundo do trabalho é vivenciado pelas
trabalhadoras, mas também sua saúde física e mental.
A violência sofrida por parte do público pode se associar a outras formas de
violência no trabalho, como o assédio moral. Segundo Bué et al. (2008), os abusos
psicológicos impostos pelas chefias podem ser divididos em três grupos: o primeiro se
refere às violações degradantes, isto é, comportamentos muito hostis; o segundo é uma
negação do reconhecimento do trabalho, como é o caso de receber críticas injustas pela
atividade realizada e ser encarregado de tarefas inúteis ou degradantes; e o terceiro
grupo trata dos comportamentos de desprezo, que atingem a dignidade da pessoa, mas
sem, necessariamente, negar seu valor profissional.
O acometimento por tal tipo de violência também varia conforme a
organização do trabalho e o tipo de inserção na hierarquia. O trabalho realizado sob
estrito controle potencializa a exposição a esse tipo de violência (BUÉ et al., 2008). Do
mesmo modo, estar em posição de subordinação na hierarquia da empresa ou não ter
autonomia nem recursos para exercer um trabalho de qualidade também contribui para
sujeitar os trabalhadores ao assédio moral.
Essa violência também é perpassada pelas relações de gênero. Segundo
Jennifer Bué e Nicolas Sandret (2008), as profissões menos qualificadas são mais
expostas ao assédio moral, e mais mulheres do que homens afirmam vivenciar situações
de comportamento hostil no trabalho. O tipo de assédio também varia conforme o sexo:
os homens têm maior probabilidade de vivenciar situações de negação do
reconhecimento do trabalho, enquanto as mulheres vivenciam mais situações de
desprezo (BUÉ & SANDRET, 2008).
O estudo realizado por Wlosko et al. (2013) sobre quatro segmentos
profissionais do setor de serviços em Buenos Aires, Argentina – supermercados, call
centers, clínicas e geriatria – confirma essa conclusão, mas permite analisar mais de
perto as atividades das operadoras de caixa e das teleatendentes.
Segundo a pesquisa, no conjunto da população estudada, a principal
violência sofrida é a psicológica, seguida pela combinação de violência psicológica com
discriminação. O assédio no trabalho é maior entre os trabalhadores de call center, os
quais também sofrem com a discriminação. A violência física aparece mais
recorrentemente entre os geriatras e os trabalhadores de supermercado. Já a incidência
150

de violência sexual é baixa, mas um pouco maior e semelhante entre os trabalhadores de


call center e de supermercado.
Além disso, o estudo mostra que o tipo e a intensidade da violência sofrida
no trabalho variam de acordo com o perpetrador, o que, por sua vez, está ligado ao tipo
e à organização da atividade. No caso dos call centers, o perpetrador da violência é,
principalmente, a chefia, ou seja, ela é cometida por alguém em posto mais alto no nível
hierárquico da empresa em relação a quem a sofre. Esse dado corresponde às pesquisas
brasileiras, as quais assinalam que o assédio moral é alto e recorrente no segmento de
teleatendimento (BRAGA, 2006b; VENCO, 2015). Já entre os trabalhadores de
supermercado, o estudo de Wlosko et al. (2013) indica que a violência é cometida, em
proporções semelhantes, tanto pelas chefias como pelos clientes.
Em nossa pesquisa, a violência no trabalho tem destaque nas entrevistas,
salientando, sobretudo, aquela perpetrada pelos clientes. Essa violência se soma à forte
pressão, ao controle e ao assédio moral cometido pelos funcionários de postos mais
altos na hierarquia da empresa, configurando uma situação de degradação das condições
de trabalho e da saúde das trabalhadoras.
Cabe evidenciar que, no caso dos super/hipermercados, surge uma terceira
dimensão dessa violência, que não se refere à perpetrada nem pelos clientes, nem pela
chefia: trata-se do relato ou do medo de situações de violência urbana, como assaltos e
furtos. As operadoras de caixa estão sujeitas a sofrer esse tipo de violência no trabalho,
uma vez que lidam diretamente com dinheiro e estão expostas ao público. Algumas
entrevistadas relataram ter vivenciado este tipo de situação. Para Soares (2000), o medo
faz parte do cotidiano das operadoras.
Logo, são variadas as formas de violência a que as operadoras ficam
submetidas. Segundo Soares (2000), elas são acometidas pela violência verbal e
psíquica, preconceitos e racismo, assédio sexual, além de outras formas externas de
violência (como roubos e furtos). Estas potencializam o estresse causado pelo trabalho e
afetam o modo como ele é vivenciado pelas trabalhadoras.
Como vimos, em ambas as atividades, a relação com os clientes aparece
como um elemento de tensão, expondo as trabalhadoras a situações de conflito e
violência.
Aqui, uma diferença importante entre as duas atividades deve ser salientada:
no caso dos super/hipermercados, as operadoras ficam expostas aos olhos dos clientes, o
151

que as deixa mais sujeitas a sofrer agressões, na maioria verbais, mas também de gestos,
olhares e ameaças. Já no caso do teleatendimento, é por meio da voz que o contato entre
trabalhadoras e clientes se estabelece e, portanto, estes apenas podem manifestar seu
descontentamento por meio da entonação de voz ou por palavras.
Em princípio, poderíamos supor que a violência que as teleatendentes
sofrem seria amenizada por esse fator. Entretanto, as entrevistas revelam o quão
intensas são as agressões verbais sofridas. Isso no fez questionar se haveria diferença
nas situações em que a trabalhadora é presente ou “virtual”.
Para procurar compreender essa diferenciação, um elemento que vale
ressaltar é que, como vimos, a postura dos clientes em relação às trabalhadoras varia
conforme a percepção da hierarquia estabelecida entre eles e o reconhecimento da
importância e dependência do trabalho. A violência tende a ser maior quanto menos o
trabalho é valorizado socialmente.
Bernard (2003) salienta que, no caso das operadoras de caixa, a gestão
empresarial caminha em direção à negação da individualidade e à uniformização das
trabalhadoras, o que leva a autora a falar em uma tendência à “desumanização”. Essa
“desumanização” das operadoras aparece por meio do controle e da imposição de
gestos, postura, falas, olhares e sorrisos. Ainda segundo a autora, o cliente também
contribui com essa “desumanização”, como quando dirige poucas palavras à operadora,
agindo com desprezo, além de pressioná-la para acelerar o atendimento.
Se no caso do supermercado a tendência é a “desumanização” das
trabalhadoras, como fala Bernard (2003), no caso do teleatendimento ela parece ser
ainda mais intensa, já que a trabalhadora não está visivelmente presente para realizar o
trabalho. Os relatos das teleatendentes indicam que o contato a distância faz com que os
clientes deixem de perceber que do outro lado da linha há mais que uma voz – um
sujeito. A “ausência” da trabalhadora, que está “invisível” na relação, permite aos
clientes a livre expressão de seu descontentamento.

“Às vezes, assim, quem está do outro lado da linha não entende que
você quer, às vezes você liga ela fala assim: ‘Ah, ele não está, ele está
trabalhando’. E eu, estou fazendo o quê?! Entendeu? Assim, às vezes
a pessoa do outro lado não entende que você também está
trabalhando, que... às vezes falam ‘Esse pessoal só enche o saco’.
Não é encher o saco. Eu sou paga para trabalhar, paga para passar
informação. Até às vezes, acho que assim o pior é a incompreensão
das pessoas do outro lado. [...] É, porque nem todo mundo
compreende que quem está do outro lado é um ser humano e que
152

também está trabalhando, entendeu? E que o seu trabalho não é ligar


para encher o saco” (Adriana, teleatendente da empresa A, 4/6/2012,
grifo nosso).

Celso, operador da empresa C que havia trabalhado em call center, compara


os dois segmentos, apontando que o estresse no teleatendimento é maior do que no
supermercado, dada a postura dos clientes. Assim, a despersonificação da trabalhadora
contribui para sujeitá-la a formas mais hostis e agressivas de tratamento.

“É estresse dos dois lados, fisicamente, mentalmente. Mas ele [o


cliente] estando na sua frente parece que inibe um pouco ele a falar
tanta coisa que nem ele fala ao telefone. Porque no telefone, o cara
realmente xinga a sua mãe, sua avó, todo mundo” (Celso, operador de
hipermercado da empresa C, 5/4/2012).

Podemos aventar ainda como hipótese se o fato de ser um trabalho realizado


por uma população jovem, de classe socioeconomicamente desfavorecida e negra
também contribui para essa maior sujeição a receber tratamentos hostis e agressões
verbais. O estudo de Guimarães (2000) reforça essa pista, ao constatar que a maioria dos
insultos desferidos no local de trabalho é perpetrada por clientes ou usuários de serviços
prestados por trabalhadores negros. Segundo o autor, esses insultos ocorrem quando os
clientes percebem a atitude do trabalhador como um cumprimento de normas ou de
regras que desagradam ou ferem sua hierarquia, ou seja, quando os clientes percebem
que a relação de poder entre eles está posta em questão.
No caso das teleatendentes e das operadoras de caixa, há ainda a questão de
serem trabalhos feminizados. Como apontamos, as mulheres são mais sujeitas a
vivenciar situações de violência no trabalho. A isso se soma o fato de estarem, em
maioria, nos postos de trabalho mais desvalorizados socialmente, o que reforça sua
posição de subalternidade no mercado de trabalho e na sociedade.
Philippe Alonzo (1998), ao tratar do trabalho das operadoras de caixa,
afirma que, por elas estarem em uma posição de subordinação social e sexual, os
clientes se consideram no direito de agir da maneira que desejam, desconsiderando-as
como sujeitos. O mesmo pode ser afirmado no caso das teleatendentes, as quais, ante os
estereótipos sociais atrelados a elas, ficam em uma posição de subordinação e de baixo
reconhecimento social. Esses fatores, aliados à propagação da ideologia do “cliente
como rei”, contribuem para expor as trabalhadoras a situações de violência, tanto
interna quanto externamente ao trabalho.
153

*
* *

Ao longo deste capítulo, apresentamos algumas características quanto à


organização do trabalho em ambos os segmentos aqui analisados. As atividades das
operadoras de caixa de super/hipermercados e das teleatendentes são marcadas pela
prescrição, pela padronização e pelo forte controle, supervisão e pressão. As empresas
procuram controlar ao máximo o processo de trabalho, limitando os gestos, o
comportamento, as emoções, os movimentos das trabalhadoras e mantendo o domínio
sobre o ritmo, o desempenho e a produtividade. Os mecanismos para isso são diversos,
ancorados, particularmente, no desenvolvimento de novas tecnologias e serviços de
informação. Estes permitem às empresas monitorar em tempo real todo o processo de
trabalho, possibilitando ajustá-lo conforme o fluxo de clientes e de produção.
A percepção, aos olhos do cliente, é de que ambas as atividades se
caracterizam pela simplificação e mecanização, acentuando o baixo reconhecimento e a
desvalorização social desses trabalhos.
Aliás, a relação estabelecida entre trabalhadoras e clientes e o papel que
estes desempenham são fundamentais para compreender as dinâmicas nas atividades de
serviço. Como procuramos enfatizar, os clientes não apenas são consumidores do
serviço, mas também afetam a organização e o exercício do trabalho, o modo como ele
é vivenciado e o sentido conferido a ele pelas trabalhadoras. A presença dos clientes
envolve dinâmicas particulares e conflitos.
Se as empresas procuram controlar ao máximo o processo de trabalho, nos
serviços, essa estratégia encontra uma limitação, que é dada pela própria interação com
os clientes. Esta envolve lidar com imprevistos, com situações cotidianas diversas e
com as particularidades de cada cliente. Como consequência, há uma parte do trabalho
que não pode ser totalmente controlada pela empresa – ainda que o seja em grande
medida, como vimos –, pois é dependente da subjetividade de cada trabalhadora.
Alguns dilemas e tensões se colocam, então, tanto para a gestão empresarial
como para as trabalhadoras: atingir níveis de produtividade, com um ritmo intenso de
trabalho, entra em choque com a garantia da satisfação do cliente e da qualidade do
serviço prestado.
154

Nesse sentido, ao analisar o setor de teleatendimento, Caroline Lanciano-


Morandat, Hiroatsu Nohara e Robert Tchobanian (2009) revelam que há, nele, um
sistema híbrido de gestão, uma vez que depende tanto da racionalização da produção,
operada pela empresa, como da qualidade do serviço prestado, isto é, do trabalho
realizado pelas teleatendentes na interação com os clientes. É o que Danièle Linhart
(2002) denomina de uma “estranha hibridação” entre exigências extremas em matéria
de personalidade e de competência no relacionamento e a utilização de roteiros
minuciosos, com um tempo restrito para as chamadas.
O mesmo é verificado na atividade das operadoras de caixa de
super/hipermercados, que devem concatenar a exigência de obedecer a um trabalho
rotineiro, sendo ágeis e eficientes, ao mesmo tempo em que devem ser gentis, pacientes
e prestar um atendimento personalizado, que garanta a satisfação dos clientes.
Portanto, há lógicas distintas e contraditórias no exercício das atividades,
que são colocadas pelas empresas às trabalhadoras como competências que devem ter
para o trabalho. Ou seja, exigem-se delas, por um lado, a obediência a um trabalho
prescrito e padronizado e, por outro, a mobilização de sua subjetividade e personalidade
para garantir a qualidade do serviço.
Segundo Linhart (2007), a coexistência de lógicas contraditórias de
gerenciamento – de um lado, o envolvimento e a mobilização da subjetividade dos
trabalhadores e, de outro, o forte controle; de um lado, exigências quanto à qualidade e à
inovação e, de outro, normas temporais coercitivas – marca o processo de modernização
do mundo do trabalho ocorrido nas últimas décadas. As mudanças gerenciais e
organizacionais promovidas atingem grande parte da classe trabalhadora.
Nas atividades analisadas, vimos que as trabalhadoras devem responder a
essas exigências contraditórias, o que, muitas vezes, resulta num quadro de estresse e
adoecimento. Além disso, a própria relação que as trabalhadoras tecem com os clientes,
seu trabalho e o sentido que conferem a ele são afetados.
Como vimos, a relação com os clientes é ambígua. De um lado, as
trabalhadoras tendem a valorizar a lida com o público e o relacionamento com os
clientes, pois reconhecem a necessidade de certas habilidades e competências para
exercer esse tipo de trabalho. De outro, a figura do cliente exerce pressão e certo
controle sobre elas, além de agir, muitas vezes, com desprezo. São recorrentes os casos
relatados de tratamento hostil e de desrespeito dos clientes em relação a elas. Estes,
155

muitas vezes, manifestam seus descontentamentos quanto à empresa ou ao serviço por


meio de ofensas, xingamentos e ameaças dirigidos às trabalhadoras. Assim, elas ficam
sujeitas a vivenciar uma série de formas de violência cometidas pelos clientes. Fato
reforçado pela postura gerencial, que prega a ideologia do “cliente como rei”,
“soberano”, acentuando a assimetria e a hierarquia dos clientes sobre as trabalhadoras.
A violência tende a se agravar quanto maior é a desvalorização do trabalho, o que
verificamos ser mais intenso entre as teleatendentes do que entre as operadoras de caixa.
Aparece, portanto, aqui outra relação contraditória: é justamente no aspecto
mais valorizado pelas trabalhadoras em sua atividade – a relação com os clientes – que
se manifesta e se evidencia o baixo reconhecimento e valorização social de seu trabalho.
Como resultado, as trabalhadoras tendem a estabelecer uma relação negativa com o
trabalho. Assim, ao serem submetidas a situações de humilhação, desprezo e agressão
pelos clientes, as trabalhadoras vivenciam uma situação de forte desvalorização de seu
trabalho e, até mesmo, de si.
Esse baixo reconhecimento do trabalho é ainda reforçado pelo fato de ser
um trabalho feminizado, o qual, como a História nos mostra, já vem acompanhado de
baixa valorização social. Em ambos os segmentos, as relações de trabalho e aquelas
estabelecidas entre clientes e trabalhadoras são perpassadas pelas dimensões de gênero e
de classe, configurando a posição de subordinação das trabalhadoras e sua sujeição a
formas variadas de tratamento e discriminação.
Considerar a relação de poder entre clientes e trabalhadores é, assim,
decisivo para compreender as atividades de serviço e as dinâmicas do mundo do
trabalho. No entanto, essa compreensão envolve considerar as demais relações
assimétricas e hierárquicas existentes em nossa sociedade. Volta-se aqui à importância
de uma abordagem que tome o conceito de interseccionalidade ou consubstancialidade
das relações de poder na análise das dinâmicas e relações estabelecidas nas duas
atividades e no mundo do trabalho em geral.
Desse modo, podemos afirmar que as relações entre trabalhadoras e clientes,
entre chefes e assalariadas são marcadas por tensões, conflitos e assimetrias, que afetam
o modo como o trabalho é vivenciado. Como vimos, essas tensões advêm, em parte, do
próprio tipo de organização do trabalho e se acentuam, particularmente, quando
envolvem forte controle, padronização e intensificação do trabalho, como é o caso das
duas atividades aqui analisadas.
156

A esse tipo de organização e de gestão empregado pelas empresas se soma


outra dimensão: as práticas de flexibilização das relações de trabalho. Segundo Michel
Lallement (2003b), a intensificação do trabalho (assegurada pelo forte controle) e a
flexibilidade (em nome da qualidade e diante da forte competitividade) aliam-se para
cumprir os objetivos das empresas de aumentar a produtividade e ajustar
constantemente a oferta da produção à demanda.
No capítulo seguinte, analisaremos como operam as práticas de
flexibilização das relações de trabalho em ambas as atividades, focando naquelas que
recaem sobre as atividades, a remuneração e o tempo de trabalho.
157

Capítulo 4 – A flexibilidade das relações de trabalho no teleatendimento e no


comércio varejista de super/hipermercados

A flexibilização, como apontamos, é marca da atual fase do capitalismo.


Desde os anos 1970, o mundo do trabalho passa por uma série de transformações,
possibilitadas, em grande medida, pelo desenvolvimento tecnológico e dos serviços de
informação. Novas formas de gestão e organização do processo produtivo e de
mobilização dos trabalhadores se desenvolveram, nos moldes da acumulação flexível.
No Brasil, como vimos, esse processo de flexibilização ocorreu um pouco
mais tardiamente que nos países desenvolvidos. Aqui, sobretudo a partir dos anos 1990,
mudanças na legislação trabalhista e nos acordos coletivos possibilitaram às empresas
alterar e ajustar os elementos centrais do trabalho, como a atividade, o vínculo, a
remuneração e a jornada (KREIN, 2007).
As novas formas de gestão e de organização do trabalho passaram a se unir
a práticas antigas, possibilitando às empresas atingir seus dois objetivos primordiais:
reduzir os custos e aumentar a produtividade. Assim, de um lado, acirrou-se a
possibilidade de controle das empresas sobre o processo de trabalho; de outro, o
processo produtivo se tornou mais ajustável e maleável de acordo com as flutuações da
demanda.
Hoje, a flexibilidade assume diferentes facetas e, como diz Luciano
Vasapollo (2005, p. 28), manifesta-se na

liberdade por parte da empresa para despedir uma parte de seus empregados,
sem penalidades, quando a produção e as vendas diminuem; liberdade para a
empresa, quando a produção necessite, de reduzir o horário de trabalho ou de
recorrer a mais horas de trabalho, repetidamente e sem aviso prévio;
faculdade por parte da empresa de pagar salários reais mais baixos do que a
paridade de trabalho, seja para solucionar negociações salariais, seja para que
ela possa participar de uma concorrência internacional; possibilidade de a
empresa subdividir a jornada de trabalho em dia e semana de sua
conveniência, mudando os horários e as características (trabalho por turno,
por escala, em tempo parcial, horário flexível, etc.); liberdade para destinar
parte de sua atividade a empresas externas; possibilidade de contratar
trabalhadores em regime de trabalho temporário, de fazer contratos por
tempo parcial, de um técnico assumir um trabalho por tempo determinado,
subcontratado, entre outras figuras emergentes do trabalho atípico.

Essas práticas atingem de distintas maneiras os assalariados. É o que revela


Kovács (2004), por exemplo, ao analisar o emprego flexível em Portugal. Segundo a
autora, esse tipo de emprego é visto, por alguns, como uma oportunidade para trabalhar
158

e obter rendimentos suplementares ou para uma melhor articulação entre trabalho, vida
pessoal e tempo de lazer, enquanto, para outros, ele significa redução da proteção social,
menos oportunidades de progressão na carreira, menores níveis salariais e redução ou
falta de acesso à formação profissional.
Assim, este capítulo tem como objetivo identificar as variadas práticas de
flexibilização das relações de trabalho em voga hoje, a partir da análise da gestão e
organização do trabalho empregada nos dois segmentos analisados. Em seguida,
procuraremos compreender quais os desdobramentos dessas práticas sobre a experiência
vivida pelas trabalhadoras na esfera produtiva: como elas afetam o mundo do trabalho e
a classe trabalhadora?

1. Relações de trabalho flexibilizadas


No Brasil, como vimos, o processo de flexibilização das relações de
trabalho tem se intensificado nas últimas décadas. As empresas encontram maior
liberdade para contratar e despedir os funcionários; atrelar o salário ao desempenho
individual dos trabalhadores, tornando-o variável a cada mês; alterar as atividades e os
planos de carreira; além de prolongar, reduzir ou modificar a jornada de trabalho
(KREIN, 2007).
Nos dois segmentos analisados, essas práticas vêm ganhando, cada vez
mais, recorrência e importância na organização do trabalho. Aqui, analisaremos aquelas
que recaem sobre as atividades e funções, a remuneração e o tempo de trabalho.

1.1 - Atividade e função

Nas entrevistas, uma das primeiras solicitações feitas às trabalhadoras foi


que descrevessem a rotina diária de sua atividade profissional. Ao analisarmos os
relatos, uma dupla dimensão – contraditória – apareceu em ambos os segmentos: de um
lado, a percepção entre elas da realização de um trabalho monótono, rotineiro e
submetido a um rigoroso controle – tanto a tarefa de passar os produtos por um leitor
óptico e receber o pagamento pela compra, como a de entrar em contato com o cliente
por meio telefônico e obedecer ao script na oferta de um produto –, e, de outro, uma
rotina que está em constante mudança.
No caso das operadoras de caixa, elas realizam múltiplas tarefas e de
forma concomitante. A adoção de um aparato tecnológico, tal como o leitor óptico, a
159

esteira rolante e a balança acoplada ao check-out, diversificou e intensificou, ao longo


do tempo, as tarefas realizadas por elas (SOARES, 2003; NETTO, 2010). Além de
passarem as mercadorias no sistema e receberem o pagamento pela compra, as
operadoras realizam a pesagem dos alimentos, o empacotamento das mercadorias139, a
oferta de outros produtos e serviços (notadamente a recarga de telefone celular, o
pagamento de contas e o cartão do programa de fidelização do cliente) e a organização
do caixa. A isso se soma ainda a atenção que devem dispensar a cada cliente e, como
vimos, a vigilância para evitar erros e furtos de mercadorias. Portanto, ainda que a
atividade pareça simples e mecanizada, ela envolve uma série de tarefas, umas mais
complexas do que outras.
No entanto, para além dessas atribuições, as entrevistas revelam ser comum
o “desvio de função”, isto é, uma operadora de caixa acumulando o cargo de tesoureira,
por exemplo, ou realizando a atividade de fiscal. Nesse caso, as operadoras são
denominadas “apoios” ou “polivalentes”, de modo a legitimar o acúmulo de atividades
ou a assunção de outras funções na loja.

“[E no seu dia a dia, você é operadora de caixa?] É, operadora de


caixa, mas ao mesmo tempo eu sou fiscal. [...] Apoio, a gente fala
assim para não falar fiscal, porque a gente não é registrada como
fiscal. Mas é a mesma coisa. A função é a mesma coisa. Faz o mesmo
serviço” (Cristiane, operadora de caixa de supermercado da empresa
C, 1o/6/2012).

A empresa, como vimos, utiliza como estratégia a contratação de seus


empregados como “operadores de super/hipermercados”, independentemente da
atividade que exerçam no estabelecimento. Não há, assim, a contratação de funcionárias
como operadoras de caixa na empresa. Essa estratégia permite à empresa realocar as
trabalhadoras, quando necessário, nos múltiplos setores, além de manter os salários nos
pisos mais baixos.

“O cargo básico da companhia é operador de hipermercado. Por que


eles registram o cara assim? Para poder estar tirando o cara de um
setor para outro, de uma função para outra” (Celso, operador de
hipermercado da empresa C, 5/4/2012).

139
O Anexo I da NR-17 determina que o empregador adote medidas para evitar que a atividade de
ensacamento se incorpore ao ciclo de trabalho ordinário e habitual das operadoras de caixa. No entanto,
em alguns casos, estas acabam por realizar o ensacamento, seja ele para ajudar o cliente, preencher o
tempo que aguarda no recebimento do pagamento da compra ou evitar o aumento da fila.
160

A fim de evitar os tempos mortos, a gestão atribui às operadoras outras


tarefas a realizar ao longo do dia. Nos períodos de menor fluxo de clientes, elas podem
ser incumbidas de arrumar os caixas, fazer a devolução dos produtos deixados pelos
clientes, ajudar a arrumar as prateleiras de outras seções ou cobrir a ausência de outros
funcionários, por exemplo. Recorrentemente, as trabalhadoras se referiram a si próprias
como funcionárias “mil e uma utilidades”, que exercem distintas funções no
estabelecimento.

“Porque lá [na empresa] você não é só operador de caixa. Você é


contratado como operador de hipermercado. Está lá na sua carteira:
operador de hipermercado. Então, se eles te mandarem pra padaria
ou pra mercearia, você vai porque você tem que ir, eu sou contratada
pra isso. [...] Lá [na empresa] eu falo ‘você é mil e uma utilidades,
igual Bombril’, tem que fazer. Às vezes eles mandam você limpar o
caixa, aí falam ‘mas isso aí não é trabalho de operador’, mas a gente
aqui não é operador, a gente faz o que eles mandam, né?” (Carmem,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 17/10/2014).

Para as entrevistadas, isso torna o trabalho penoso, uma vez que sua carga é
intensa ao longo do dia, com restrito tempo de descanso entre uma tarefa e outra.
Situação semelhante é verificada no segmento de teleatendimento.
As teleatendentes também realizam um trabalho repetitivo, cadenciado e
estandardizado. Apesar de o trabalho ser submetido a um forte controle e haver a
exigência de obediência aos scripts, as empresas também recorrem à contratação de
trabalhadoras “polivalentes”. Assim, as teleatendentes devem, em muitos casos, ofertar
diferentes tipos de serviço e deter conhecimentos especializados, para a realização do
atendimento.
Entretanto, cabe dizer que a polivalência neste caso não ganhou tanto
destaque nos relatos. O que mais chamou a atenção neste segmento foram as mudanças
periódicas na organização do trabalho promovidas pelas empresas, de modo a aumentar
seu controle e otimizar a produção.
Assim, uma das primeiras formas de flexibilidade verificadas incide sobre o
exercício da atividade. O fato de as empresas de call center terem de responder às
empresas contratantes e à alta competitividade no segmento faz com que o ritmo de
trabalho e as metas sejam constantemente ajustados pela gestão, a fim de atingir o nível
de produtividade esperado.
161

Na empresa A, as metas de venda variam a cada semana ou diariamente. As


teleatendentes são periodicamente informadas sobre a quantidade de produtos a ser
vendidos por dia. A venda de cada produto implica uma comissão, e o alcance das
metas pode resultar em uma premiação, como um dia de folga140.

“Tem que vender... hoje mesmo, eles estipularam para a gente três
vendas, porque é por campanha. Nessa última campanha, eles
estipularam três vendas por dia, aí nas outras campanhas eles
estipularam mais” (Andréa, teleatendente da empresa A, 18/4/2012).

As campanhas motivacionais visam estimular a produtividade, incentivando


a competitividade entre as trabalhadoras (VILELA & ASSUNÇÃO, 2004). O
desempenho individual é colocado à prova e, constantemente, avaliado. O
estabelecimento de metas individualizadas acirra a disputa entre o conjunto de
trabalhadores e leva à intensificação do trabalho.
Mesmo quando as metas são voltadas à equipe, em vez da promoção de
solidariedade entre o grupo, o resultado é o aumento da competitividade e da pressão
entre as teleatendentes. Cria-se uma lógica em que cada trabalhadora passa a controlar e
a cobrar a produtividade das demais no intuito de usufruir da premiação.

“Porque até aí, no começo, era assim: 30 pessoas na equipe, 5 vendas


de cada um, dava 150 vendas por semana. Só que tinha gente que não
batia a meta dela, então não estava chegando às 150 vendas. Aí o que
aconteceu? Eles começaram a falar assim: ‘Se não bater a venda da
equipe, a meta da equipe, a equipe inteira não folga’. Aí eu abri a
boca, né? Aí eu ficava brava. Aí o pessoal não gostava quando eu
falava. Eu falava: ‘Se vocês não querem... se vocês não estão aqui
para trabalhar, pedem as contas, porque eu estou aqui para
trabalhar, eu quero folgar, eu tenho as minhas filhas em casa’”
(Alcione, teleatendente da empresa A, 11/2/2012).

Além de mudarem a meta de vendas, as empresas tendem a deslocar as


teleatendentes para outras equipes, realocando-as conforme a necessidade de vender
mais ou menos produtos em cada grupo de trabalho. Assim, periodicamente, a
trabalhadora passa a lidar com outros produtos e outro script (em muitos casos, sem
receber um treinamento adequado), a trabalhar em outra equipe e com outros
supervisores. Diversos relatos indicam trajetórias na empresa marcadas por constantes
mudanças de produtos e de equipes.

140
O modo como essa estratégia recai sobre a remuneração e a jornada de trabalho será aprofundado nas
duas seções seguintes.
162

“Então, assim, eu já fui mudada de produto que nem se troca de


roupa” (Adélia, teleatendente da empresa A, 20/6/2012).

Parte dessas mudanças tem a finalidade de realocar algumas teleatendentes


para cobrir um deficit de vendas de determinada equipe (quando a equipe está longe de
alcançar a meta estipulada pela empresa contratante) ou de adequar o número de
atendentes das equipes ao fluxo de ligações. Por sua vez, essas alterações tendem a
resultar em uma intensificação do trabalho, já que as trabalhadoras são realocadas para
realizar maior número de vendas ou atendimentos. Além disso, elas podem ainda
ocorrer devido ao desempenho individual; quando uma teleatendente não atinge as
metas estipuladas, ela pode ser encaminhada a outra equipe. Como afirma a
teleatendente Ângela, “se você não vende, se você dá trabalho”, a empresa “fica te
jogando” (empresa A, 18/4/2012).

“Então, na verdade, não somos nós que fazemos as escolhas para


mudar de produto, e sim eles, a empresa. Aquelas, a gente não
trabalha pro produto, e sim para a empresa. A gente tem que ir para
onde eles mandam, o que eles [decidem], ou a gente pede as contas. É
desse jeito. [...] Eles falam: ‘Ah, você vai sair daqui e vai para outro
produto’. Assim, eles vão te mudando de produto” (Ana, teleatendente
da empresa A, 21/5/2012).

Com as mudanças de equipe, também se alteram o produto a ser trabalhado,


o supervisor e, consequentemente, a organização do trabalho. Esse mecanismo não
apenas torna impessoais as relações entre teleatendentes e supervisores, como também
exigem que as primeiras constantemente se ajustem e se adaptem às novas
determinações e formas de gestão.

“E você vai mudando de produto, você começa a ser jogada para lá,
para cá, para lá, para cá. [...] Então a cada dia que você vai, você
tem um supervisor diferente. Isso é horrível. [...] Você vai mudando
muito. Se fosse a cada três meses uma mudança, tudo bem. Mas não
chega a isso. Entendeu? Então, assim, muda muito rápido. Igual, você
conversa com o supervisor e conta seu problema para ele, quando
você chega amanhã já não é mais ele. Você vai ter que contar tudo de
novo. Você vai ter que explicar sua história tudo de novo. Entendeu?”
(Adélia, teleatendente da empresa A, 20/6/2012).

Durante a entrevista, a teleatendente Adélia descreveu uma importante


mudança ocorrida em seu trabalho no período de, aproximadamente, três anos em que
está na empresa. Inicialmente, ela foi contratada para trabalhar com teleatendimento
receptivo, no período noturno e prestando serviço para uma empresa de telefonia. No
163

momento em que esta finalizou seu contrato com a empresa de call center, Adélia
passou a trabalhar com telemarketing ativo, prestando serviço de venda de produtos de
uma empresa financeira. Para a teleatendente, essa mudança foi significativa, uma vez
que ela não apenas passou a trabalhar com outro produto, mas também teve alterada a
natureza da atividade, do teleatendimento receptivo para o ativo, com o qual ela não se
identifica.

“Porque eu não sei vender. Eu não sei argumentar. Eu falo muito


bem. Eu converso muito bem. Sou bem falante. Mas não sou
insistente. Eu não consigo fazer você acreditar naquilo que eu estou
vendendo. Entendeu? Então eu já não tenho perfil para o ativo e eu
não tenho mesmo” (Adélia, teleatendente da empresa A, 20/6/2012).

Tais mudanças, recorrentes e impostas às teleatendentes, afetam diretamente


a experiência vivida no trabalho. O controle que elas têm sobre a atividade passa a ser
ainda mais reduzido e parte delas deixa de se identificar com o trabalho que realiza.
O caso de Ametista parece ser ainda mais exemplar quanto ao efeito de tais
mudanças sobre o exercício da atividade profissional. Após relatar os diferentes
produtos com que trabalhou na empresa, ela narra como foi a última mudança pela qual
passou um mês antes da entrevista:

“Inclusive dessa última vez que mudaram, vai fazer um mês que
mudou de produto, eu fui pega de surpresa. Eu vim trabalhar, bati
meu ponto, me loguei, caía ligação para todo mundo e não caía
ligação para mim. Aí eu achei estranho. Fui perguntar para o
supervisor por que não estava caindo ligação para mim. Ela falou:
‘Ah, esqueci de falar para você, você foi transferida de produto. Pega
suas coisas que você vai para o treinamento, começa em 5 minutos’.
Aí fui pro treinamento. Aí cheguei lá, comecei a chorar, chorar,
chorar141” (Ametista, teleatendente da empresa A, 4/5/2012).

Na sequência de seu relato, Ametista evidenciou como essas constantes


mudanças e a ausência de algum tipo de controle sobre elas acarretam um sentimento de
insegurança e de incerteza, bem como de desânimo e desmotivação em relação à
atividade. O mesmo apareceu na fala da teleatendente Adélia, ao afirmar que, devido às

141
Ametista disse ter avaliado, posteriormente, a mudança como positiva, pois o trabalho passou a ser
realizado com menos pressão e com equipe reduzida. No entanto, ponderou que, por ser um produto
novo, que estava em teste e, portanto, com poucos clientes, não era possível realizar muitas vendas e,
consequentemente, ela não iria conseguir receber comissão, auferindo apenas o piso salarial –
considerado baixo.
164

constantes mudanças de produto, “você vai perdendo a motivação” (empresa A,


20/6/2012).

“E é isso que vai desanimando mais ainda. Se pelo menos falasse


‘Não, estou mandando você, porque você não está vendendo muito’
ou porque, sei lá, ‘de repente, não fui com seu jeito’. Tem que ter um
porquê. Não dá o porquê, simplesmente muda. Aí você fica deduzindo
o porquê será que foi. Não sei, eu acho... eu acho que foi por isso, né?
Porque a última conversa que eu tive com a gerente foi pra... ela
perguntou o que estava acontecendo comigo, que eu só ficava triste,
só estava triste, vinha trabalhar de cara fechada, não sei o quê; o que
estava acontecendo. Aí eu falei para ela que eu estava cansada”
(Ametista, teleatendente da empresa A, 4/5/2012).

O caso dos dois segmentos exemplifica como as empresas se utilizam da


polivalência e da flexibilidade sobre as atividades. Entre as operadoras de caixa, têm-se
as múltiplas tarefas que são incumbidas de realizar diariamente. Entre as teleatendentes,
as constantes mudanças de produto, metas e supervisor.
Nota-se uma contradição na percepção das entrevistadas: o trabalho é
considerado monótono ao mesmo tempo em que é submetido a constantes mudanças.
Os dois aspectos geram desconforto às trabalhadoras, sendo alvo de queixas. A chave
para entender esse fenômeno é a ausência de controle e autonomia das trabalhadoras
sobre sua atividade (intensificada com as práticas de flexibilização adotadas pelas
empresas), revelando uma insatisfação mais generalizada, isto é, aquela com o trabalho
em si.
À flexibilidade da atividade se soma aquela que recai sobre a remuneração e
a jornada de trabalho, como veremos a seguir.

1.2 - Remuneração

A flexibilidade que incide sobre a remuneração consiste, principalmente, em


tornar variável uma parte da composição do salário. Essa variação se dá,
principalmente, por meio da participação nos lucros e resultados (PLR) 142, atrelada
diretamente ao desempenho da empresa, ou por meio de metas e comissões, vinculadas
ao desempenho individual dos trabalhadores. No segundo caso, cada trabalhador passa a
ser responsabilizado pelo rendimento que aufere a cada mês.

142
Esta foi regulamentada no País em 1994 e, desde então, é um ponto importante nas negociações
coletivas. A PLR possibilitou estimular a produtividade e reduzir os custos das empresas. Para uma
análise aprofundada, ver: KREIN, 2007.
165

Entre as categorias profissionais analisadas nesta pesquisa, as


teleatendentes são as principais afetadas pela variação salarial. Se a princípio
pensávamos em focar esta pesquisa na flexibilidade do tempo de trabalho, as entrevistas
das teleatendentes nos revelaram a importância de analisar aquela que recai sobre a
remuneração, por ter consequências na vida das trabalhadoras dentro e fora da esfera
produtiva. A flexibilidade salarial ganhou destaque no relato da maioria das
teleatendentes entrevistadas.
Como vimos, as empresas de call center estipulam variadas metas, que
podem ser individualizadas ou coletivas e sofrer variações constantes. Algumas delas
adotam a estratégia de estipular comissões por produto vendido ou por meta alcançada,
por exemplo. Outras promovem campanhas ou realizam avaliações de desempenho
periódicas, cujo resultado dá direito a uma premiação, que pode equivaler a uma quantia
em dinheiro143. Todas essas estratégias tornam o salário variável a cada mês.
Como explica Krein (2007), a flexibilidade salarial que vem sendo utilizada
pelas empresas corresponde em dividir a remuneração em uma parte fixa – geralmente,
um valor baixo – e em uma parte variável, a qual fica atrelada ao desempenho
individual do trabalhador. Tal estratégia, como mostra o autor, é interessante às
empresas, à medida que a parte variável não é considerada verba salarial. Assim, ela não
fica sujeita a encargos, nem fica obrigada a sofrer reajustes. Já para as trabalhadoras, as
consequências são outras, como veremos.
Na empresa A, a remuneração difere entre as trabalhadoras do
teleatendimento receptivo e as do ativo. Entre as primeiras, a remuneração é fixada no
piso da categoria, isto é, cerca de um salário mínimo, sem sofrer variações mensais. Em
2015, ela correspondia a R$ 788,00144.
Já no caso do teleatendimento ativo, a remuneração também corresponde ao
salário mínimo. No entanto, verificamos uma série de estratégias adotadas pela empresa
que a torna variável; todas elas visam manter uma parte do salário fixa, enquanto a outra
parte depende da produtividade da teleatendente.

143
A avaliação por desempenho é mais incisiva no caso do teleatendimento receptivo. Na empresa
estudada durante a pesquisa de mestrado, para as trabalhadoras de teleatendimento receptivo, o resultado
obtido na avaliação mensal resultava em uma premiação em dinheiro acrescida ao salário (FREITAS,
2010). Este não é o caso da empresa A. Nesta, as trabalhadoras de teleatendimento receptivo são
avaliadas mensalmente, porém o resultado obtido não acarreta qualquer impacto sobre o salário.
144
Sobre essa remuneração incidem os descontos salariais, previstos na legislação, como contribuição ao
INSS, encargos com transporte, assistência médica etc.
166

A principal estratégia se refere ao pagamento por comissão. Para as


teleatendentes que trabalhavam com vendas, cada produto vendido gerava um valor
adicional a ser agregado a seu salário. No entanto, identificamos que ora a empresa
estipulava um teto, a partir do qual a trabalhadora passaria a receber o valor pelas
comissões – assim, só a partir do momento em que ela atingisse um número de vendas é
que o valor das comissões passava a ser adicionado ao salário mensal –; ora não havia
essa prefixação e todo o valor das comissões passava a ser agregado ao piso da
categoria.
Encontramos a primeira estratégia no ano de 2012, quando o salário
correspondia a R$ 630,00145 para uma jornada contratual de trabalho de 6 horas e 20
minutos por dia. Para as trabalhadoras de teleatendimento ativo, no entanto, essa
remuneração era composta da seguinte forma: salário de R$ 500,00, acrescido de uma
componente (a “variável”) de R$ 130,00, totalizando o valor do salário mensal. A parte
variável era composta pela somatória da comissão recebida pelos produtos vendidos a
cada mês. No entanto, a teleatendente passava a receber o adicional equivalente à
comissão apenas a partir do momento em que o valor da variável (R$ 130,00) era
alcançado. Por exemplo, se o valor por produto vendido fosse de dez reais, a
teleatendente apenas passava a receber a comissão a partir do décimo quarto produto
vendido no mês. Ou seja, o valor de parte das vendas realizadas pelas trabalhadoras não
era acrescido ao salário, pois já estava incluso nele.
Caso a trabalhadora não atingisse o valor da variável com as vendas
realizadas, ficava garantido o recebimento do salário mensal de R$ 630,00. Nesse caso,
a teleatendente não recebia pelas vendas feitas, pois essas já faziam parte de sua
remuneração. Essa estratégia possibilita à empresa reduzir gastos com o pagamento de
comissões e pressionar a trabalhadora para que ela venda um número elevado de
produtos a cada mês.
Posteriormente, naquele mesmo ano, a empresa realizou uma mudança
ainda maior quanto ao salário e à composição da jornada de trabalho de seus
funcionários. Segundo as entrevistadas, a empresa criou dois grupos: um com as

145
Esse valor era próximo ao salário mínimo nacional, que, em 2012, era de R$ 622,00. A partir de 2013,
este passou a ser de R$ 677,75. O valor pago pela empresa correspondia ao acordo coletivo da categoria.
No entanto, ele era inferior ao salário mínimo determinado para o Estado de São Paulo. Neste, a partir de
1o de março de 2012, o salário mínimo determinado pela Lei no 14.693 para um operador de
telemarketing passou a R$ 700,00 (Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/subs/saoluizdoparaitinga
/institucional/legislacao-basica/lei-estadual-no-14.394-11>. Acesso em: 3 fev. 2016). Em 2015, o piso
salarial era de R$ 788,00.
167

teleatendentes que seguiriam trabalhando de segunda-feira a sábado, agora com um


salário de R$ 600,00 mais uma variável de R$ 30,00; e outro com aquelas que
passariam a trabalhar de segunda a sexta-feira com um salário de R$ 500,00 mais a
comissão por produto vendido. Neste último caso, não foi estipulado um valor para a
variável a partir da qual as trabalhadoras receberiam a comissão.
Nota-se aqui uma flexibilização não apenas do salário, mas também da
jornada de trabalho, que foi reduzida para uma parcela das trabalhadoras (acompanhada
pela redução do salário). O relato abaixo explica essa mudança:

“Agora eu estou de segunda a sexta, porque teve um contrato novo. Aí


o salário aumentou para R$ 630,00 para quem trabalha de segunda a
sábado. Para quem trabalha de segunda a sexta ficou R$ 500,00.
[Agora você ficou de segunda a sexta?] É, mas agora eu vou receber o
salário um pouco mais... era o que eu recebia antes. Antes eu
recebia... o salário na carteira era de R$ 500,00 [...] Agora de
segunda a sexta vai ficar R$ 500,00” (Amanda, teleatendente da
empresa A, 4/6/2012, grifo nosso).

Nesse processo, foi dada às teleatendentes a possibilidade de optar pelo


grupo em que gostariam de permanecer, porém os relatos revelaram que houve certo
direcionamento dos supervisores e que nem todas as teleatendentes conseguiram
permanecer no grupo escolhido.

“Eles pegaram e colocaram umas pessoas para trabalhar de segunda


a sexta. Outras para trabalhar de segunda a sábado. Aí sábado não
tem mais folga. Eles mudaram o produto, mandaram embora. [Não
foi você quem escolheu trabalhar de segunda a sexta?] Também. Mas
foi mais por ordem do supervisor que mudou mesmo. O decreto final
foi dele” (Ana, teleatendente da empresa A, 21/5/2012).

Os relatos das entrevistadas evidenciaram ainda uma contradição na


percepção quanto a essa mudança. Entre aquelas que tiveram o salário e a jornada
reduzidos, as falas indicaram, a princípio, uma avaliação positiva, devido,
principalmente, ao fato de não mais trabalharem aos sábados (elemento de extrema
importância no modo como o trabalho é vivenciado, como analisaremos no capítulo
seguinte) e por considerarem que isso não acarretaria prejuízos salariais, uma vez que a
comissão permitiria aumentar a remuneração mensal. Entretanto, as próprias falas das
teleatendentes contradisseram essa afirmativa ao mencionarem a dificuldade em vender
os produtos, sinalizando que o valor da comissão não incidia significativamente sobre o
salário mensal. Ou seja, para parte das trabalhadoras houve não apenas uma redução
168

salarial, como também a necessidade de intensificar o trabalho a fim de manter o salário


anteriormente auferido. O sentimento de autorresponsabilização pelos resultados, e
consequentemente pela remuneração, e a culpa por não o atingirem recrudesceram.

“[A comissão] ficou igual, só mudou o salário mesmo, entendeu? Só


vai ganhar menos no salário, mas a comissão é a mesma coisa. Mas
se parar para analisar, eu posso ganhar R$ 630,00 vendendo na
semana, de segunda a sexta. Tem isso também. Mas eu não consigo
porque está muito duro para vender” (Amanda, teleatendente da
empresa A, 4/6/2012).

No ano de 2015, essa estratégia já não vinha sendo utilizada pela empresa.
No entanto, o salário seguia variando mensalmente, de acordo com o número de
produtos vendidos por trabalhadora. A isso se somava outra tática – eficiente – utilizada
pela empresa: a constante alteração no valor das comissões.
Esse valor é determinado pela empresa de acordo com o tipo de produto
vendido, de empresa contratante do serviço (que impõe metas a alcançar à empresa de
call center) e de mailing (por exemplo, a comissão tende a ter um valor mais baixo se a
lista de clientes já estiver com o número do aparelho celular, por ser mais fácil contatá-
los, como explicaram as entrevistadas).
A empresa recorrentemente aumenta ou reduz o valor das comissões de
acordo com seus interesses e necessidades. Segundo o relato de uma das entrevistadas,
no período de três anos em que estava vinculada à empresa, a comissão por produto
vendido caiu, aproximadamente, a um terço do valor inicial: passou de cerca de R$ 9,00
para R$ 3,75.
Essas mudanças no valor da comissão também se associam às alterações
periódicas da teleatendente em relação aos produtos: ao trocar de equipe e de produto,
pode-se ter de lidar com valores mais baixos quanto à comissão ou com maior
dificuldade para realizar as vendas, como exemplifica o caso de Alana. Ela, no
momento da entrevista, havia acabado de mudar para um produto em que o valor da
comissão era mais baixo do que o anterior. Quando questionada, ela afirmou não
conseguir saber quanto seria seu salário na nova equipe, porém já previa uma redução
salarial.
Em ambos os casos, o resultado é uma queda significativa no rendimento e
uma intensificação do trabalho, uma vez que passa a ser necessário realizar um número
169

muito maior de vendas para alcançar o salário anteriormente recebido, o que nem
sempre é conseguido pelas trabalhadoras.

“Reduziu [o salário], né?, porque, assim, quando era R$ 9,00, dava


até para você tirar um salário até que mais ou menos. Dava para tirar
uns setecentos, oitocentos, até para cima, porque uma venda que você
faz compensa. Entendeu? Agora [com a comissão por R$ 3,75] já não,
porque você tem que suar muito para você conseguir fazer passar da
variável. Entendeu? Às vezes, não vale a pena, se não passar da
variável” (Aline, teleatendente da empresa A, 1o/3/2012).

Em determinados momentos, a empresa aumenta o valor das comissões,


como quando avalia a necessidade de incentivar as vendas e, assim, aumentar a
produtividade das trabalhadoras. Essa estratégia funciona ainda como forma de
intensificar a pressão sobre elas. Segundo a teleatendente Andréa, a empresa ameaça
abaixar o valor da comissão como forma de “assustar, né?, para a gente vender
achando que vai acabar” (empresa A, 18/4/2012).

“[E agora a comissão está 4 reais esta semana? Você não sabe até
quando?] Até o dia 30. [Ah, até o final do mês?] Até o final do mês.
Aí, vamos supor, tem uma meta para bater, aí eles falam que se a
gente atingir essa meta permanece a 4 reais. Se a gente não atingir a
meta, abaixa” (Ângela, teleatendente da empresa A, 18/4/2012).

Essa alteração periódica do valor da comissão faz com que as trabalhadoras


não saibam antecipadamente o quanto devem vender, nem o quanto será acrescido por
produto vendido a seu salário ao final do mês. Para elas, é uma lógica contraditória, à
medida que são responsabilizadas pela remuneração e, ao mesmo tempo, não têm
controle sobre ela.

“Aí a comissão é assim, não é uma comissão fixa. Semana passada


estava R$ 2,55. Ontem aumentaram para R$ 4,00. [Ah, ela varia?] Ela
varia. [...] Não é uma coisa fixa. Você nunca sabe quanto você vai
pegar no mês, porque hoje você vai trabalhar é uma coisa, amanhã
você vai e já é outra” (Ângela, teleatendente da empresa A,
18/4/2012).

Tal estratégia aparece como um dos mais importantes mecanismos adotados


pela empresa para a redução de custos. Com ela, as trabalhadoras são responsabilizadas
pelo valor da comissão e do salário, além de ficarem sujeitas à intensificação do
trabalho. E elas acabam por introjetar essa responsabilização. Algumas manifestam
conseguir realizar uma grande quantidade de vendas e aumentar consideravelmente o
170

salário, como no caso de Astrid. Já aquelas que não conseguem, ainda que reconheçam
os obstáculos externos a seu desempenho, passam a manifestar um sentimento de culpa
pelos resultados obtidos.

“Mês passado eu peguei de comissão uns 300 reais [...] Parece,


assim, que eu conto mais com a minha comissão que com o salário,
sabe?” (Astrid, teleatendente da empresa A, 27/6/2015).

“Antes eu conseguia fazer 60 vendas no mês. É bom. Dava para tirar


uma comissão boa. Agora eu nem sei mais. Agora estou vendendo
pouco” (Amanda, teleatendente da empresa A, 4/6/2012).

Essa percepção se agrava diante da dificuldade que as teleatendentes


encontram para conseguir converter146 as vendas e, assim, receber a comissão. A fala de
Amanda ecoa a de outras teleatendentes. Ao se referir às vendas, ela afirmou: “agora
está muito difícil” (Amanda, teleatendente da empresa A, 4/6/2012).
A dificuldade em vender os produtos e alcançar as metas apareceu como um
ponto comum entre todas as entrevistadas. As trabalhadoras buscam atingir as metas
determinadas no intuito de aumentar o salário mensal, porém a percepção, entre elas, é
de que isso exige demasiado esforço, o qual nunca parece ser suficiente diante da
inconstância do fluxo de ligações e das determinações da empresa. Isso, por sua vez,
altera a maneira como o trabalho é vivenciado. Este parece ser realizado de modo ainda
mais mecanizado e com menos sentido. As trabalhadoras revelam um sentimento de
desânimo e descontentamento em relação à atividade.
Esse descontentamento reflete, em parte, a insatisfação com a remuneração
mensal – considerada baixa e insuficiente. Por sua vez, ele incide e é refletido na
remuneração, uma vez que ela é atrelada ao desempenho individual. Assim, ao falarem
do salário que recebem no fim do mês, é possível notar o círculo vicioso que se
estabelece entre a desmotivação do trabalho e os resultados obtidos, ambos se
reforçando mutuamente.

“[E você tira, mais ou menos, um salário mínimo?] Um salário


mínimo. [...] se você não tiver falta nem nada. Porque quando a gente
está desanimada assim, vira e mexe é uma faltinha. Aí uma falta, já é

146
Essa é a expressão utilizada pelas teleatendentes para se referir à efetivação da venda de um produto.
171

o dia, já perde o sábado, já perde...” (Ângela, teleatendente da


empresa A, 18/4/2012)147.

A necessidade de realizar as vendas e atingir ou superar as metas, somada à


dificuldade ou à impossibilidade de fazê-lo, acarreta impactos sobre o salário e sobre a
atividade, mas também sobre a saúde das trabalhadoras. As teleatendentes acabam por
vivenciar um esgotamento mental, que leva tanto à desmotivação como à sensação de
fadiga e ao adoecimento.

“O que dá de gente indo ao psicólogo, tudo louco, porque dá um


cansaço mental, eu não tinha isso. Eu comecei a ter quando eles
começaram com essa história de abaixar a comissão porque aí você
tinha... cada ligação que você perdia, que era um ‘não’ do cliente,
que você não conseguia reverter, você tinha que ficar lá oh, tentando
no próximo, tentando no próximo” (Alcione, teleatendente da empresa
A, 11/2/2012).

Desse modo, a variação salarial é um componente fundamental para


compreender a realidade das teleatendentes. O trabalho por metas e o salário atrelado às
comissões exercem pressão para que intensifiquem o trabalho e a atividade, sem
saberem ao certo quanto receberão ao final de cada mês.
Essa situação difere daquela encontrada entre as operadoras de caixa de
super/hipermercados.
No caso do comércio varejista de super/hipermercados, tais práticas
parecem ser menos decisivas quanto à composição do salário. O piso salarial entre os
anos 2012 e 2013, no Município de São Paulo, era de R$ 922,00, com uma jornada de
44 horas semanais. Em 2015, era de R$ 1.192,00148. O salário não sofria variação
mensal, sendo apenas reajustado anualmente, conforme determinado em convenção
coletiva149.

147
O absenteísmo aparece como uma estratégia das trabalhadoras para contornar a pressão e o estresse no
trabalho e organizar a vida diária. Discutiremos esse aspecto mais à frente.
148
De acordo com as convenções coletivas do segmento em São Paulo. Esses eram os salários das
operadoras de caixa nos anos das entrevistas.
149
Os trabalhadores de super/hipermercados e de teleatendimento, segundo a convenção coletiva de
ambos, têm direito à participação nos lucros e resultados. Porém, nas entrevistas, ela não foi mencionada
por nenhuma das entrevistadas, com exceção de algumas às quais foi direcionada uma pergunta sobre
isso. Não queremos com isso apontar que a PLR não é importante para as trabalhadoras; apenas
salientamos que essa não tem impacto direto na vivência diária da atividade e da organização de sua vida
social (ponto central de análise da pesquisa). Uma explicação para a baixa importância que a PLR ganhou
no relato das entrevistadas pode estar atrelada a seu baixo valor. No caso das operadoras de caixa, por
exemplo, ele variava de 100 a 200 reais por ano, segundo as entrevistadas.
172

“Todo mês é a mesma coisa. O salário é fixo e é o piso de loja. Todas


as lojas são o mesmo piso. Todas as funções... é operador de
hipermercado por causa disso, é um piso só” (Celso, operador de
caixa de hipermercado da empresa C, 5/4/2012).

Como vimos, a contratação de todos os funcionários como “operadores de


super/hipermercados” permite à empresa ter funcionários polivalentes, sem precisar
contratar trabalhadores especializados e mantendo os salários baixos.
A empresa estipula algumas metas, tanto para as operadoras como para a
loja. Entretanto, segundo as entrevistadas e diferentemente das teleatendentes, o
cumprimento dessas metas não interfere diretamente no salário mensal. Eventualmente,
ele pode gerar uma premiação, quando a empresa promove campanhas motivacionais,
mas se trata do recebimento de produtos como prêmios, e não de dinheiro.
No entanto, as metas têm um peso sobre a execução da atividade diária
realizada por elas. As metas determinadas para a loja dependem do trabalho do conjunto
dos empregados, mas também de fatores externos, como o fluxo de clientes no mês.
Geralmente, elas são metas de faturamento ou de “quebra”, isto é, do número de
produtos perdidos. Ainda que sejam vinculadas à loja, elas recaem sobre as operadoras,
as quais vivenciam diariamente uma pressão para que tais objetivos sejam alcançados.
O alcance dessas metas coletivas e, assim, do desempenho satisfatório da
empresa pode vir a refletir na aquisição ou na perda de benefícios. Assim, a ideia
incorporada entre as operadoras de caixa é de que, se a empresa “vai mal”, elas também
“vão mal”.

“Mas a loja em si, ela tem uma meta. A loja toda, né? Ela tem uma
meta para ser cumprida. Se, de repente, a meta dessa loja é vender
um milhão por mês, então ela tem que bater a meta. Se ela não bater e
tiver muita quebra, então é prejuízo. A loja tendo muita quebra,
prejuízo, isso quer dizer que reduz os benefícios para a gente. [Que
benefícios?] No caso, seria se a gente tiver um benefício de um vale-
alimentação, uma cesta básica. Então, no caso, quanto mais prejuízo
a loja tem, menos benefício a gente tem também. Entendeu? Então
assim, se a loja tiver bom lucro, se ela estiver bem, vendendo bem,
mais chance a gente tem de ter benefício. Se não, a gente não tem. Ou
se, de repente, a gente tiver tendo vale-refeição, cesta básica e a loja
começar tendo prejuízo, então esses benefícios são cortados. [Eles são
cortados?] É, para reduzir custos” (Carla, fiscal de frente de caixa de
hipermercado da empresa C, 3/3/2012).

Portanto, a pressão para o alcance das metas se estende em cadeia pela


empresa. Além disso, há a determinação de metas individuais, ou seja, que dependem
173

do desempenho de cada trabalhadora. Essas, normalmente, estão ligadas à


multifuncionalidade da operadora de caixa, como já analisado.
Uma das metas individuais é o “quebra de caixa”, isto é, a diferença entre o
valor das vendas registrado e o valor recebido em caixa. Trata-se não de uma meta de
premiação, mas de um mecanismo de controle do trabalho pela empresa. Quando o
valor de quebra de caixa tolerado pela empresa é ultrapassado, isso pode resultar em
uma advertência e, após sua recorrência, em uma suspensão 150.
Outras metas individuais são a identificação prévia do cliente (participação
no programa de fidelidade ou uso do cartão da loja para pagamento da compra) e a
efetuação de recarga de crédito de celular. Como explica uma das entrevistadas, a
empresa determina um valor de recarga de celular para ser alcançado pela equipe de
frente de caixa ou pelas operadoras individualmente. Em geral, recebe a premiação
aquela que atingir maior valor em vendas de recarga. Por sua vez, a premiação pode
corresponder a um dia de folga ou a um vale-compras, muitas vezes para ser utilizado
na própria loja de super/hipermercados.

“A gente tem que oferecer recarga. Então, é uma meta que a gente
tem que bater. Isso já faz parte da frente de caixa. É uma meta da
frente de caixa. [...] O que fizer mais ganha 30 reais. E o em segundo
lugar ganha 15 [reais]. Só que você não ganha em dinheiro, você
ganha para você poder fazer compra na loja. Só que esses 30 reais
equivalem a 60, porque você compra a preço de custo, que eles
compram” (Cristiane, operadora de caixa de supermercado da
empresa C, 1o/6/2012).

“Tem ações na loja. Ações de quem faz mais recarga, quem vende
mais sacola retornável, quem oferece [o programa de fidelização]. [E
ganha alguma coisa?] Ah, uma folga” (Conrado, operador de caixa de
hipermercado da empresa C, 11/11/2014).

Essa estratégia contribui para aumentar a competitividade entre as


funcionárias e ampliar as atividades realizadas pelas operadoras de caixa – ao
oferecerem um serviço que não faz parte das atribuições iniciais daquele cargo.
Portanto, são modalidades que acirram a disputa entre as trabalhadoras, que as
autorresponsabiliza pelos resultados (individuais ou da empresa) e que permitem o
aumento da produtividade para a empresa.

150
Após a terceira advertência por quebra de caixa no período de seis meses, a operadora recebe uma
suspensão, a qual pode ser de um, dois ou três dias. Nesse período, ela fica ausente do trabalho e,
portanto, não recebe remuneração referente aos dias. Após essas suspensões, a próxima etapa é a
demissão por justa causa (como explicou Cristiane, operadora de caixa da empresa C, 1o/6/2012).
174

A análise sobre os dois segmentos evidencia as diferentes práticas de


flexibilização salarial adotadas pela empresa, por meio, principalmente, do
estabelecimento de metas e de premiações. A remuneração fica diretamente atrelada ao
desempenho de cada trabalhadora, recaindo sobre ela a responsabilidade por aumentar
seu salário ao final do mês.
Essas práticas, como vimos, são mais recorrentes e intensas no caso das
teleatendentes do que entre as operadoras de caixa, embora ambas sejam,
constantemente, pressionadas a aumentar a produtividade. As teleatendentes acabam por
vivenciar um quadro de insegurança e incerteza quanto à remuneração, que gera ainda
sentimentos de descontentamento e mal-estar em relação ao trabalho.
A seguir, analisaremos as principais práticas de flexibilização do tempo de
trabalho, apresentando como elas vêm sendo usadas em cada um dos segmentos,
evidenciando em que eles se aproximam e se distanciam. Esta análise permite
identificar algumas tendências quanto a essa flexibilidade no mundo do trabalho hoje.

1.3 - Tempo de trabalho

Além da atividade e do salário, o tempo do trabalho também foi inserido na


lógica da flexibilização. Cabe lembrar que o estrito controle do tempo, com a extensão
da jornada e a compressão do tempo necessário à produção, permite a extração da mais-
valia pelo capitalista, elemento-chave da exploração sobre a força de trabalho (MARX,
1983). Nos modelos fordistas e tayloristas, propagaram-se as técnicas de compressão do
tempo gasto no exercício de cada atividade e de eliminação dos tempos mortos,
aumentando a produtividade do trabalhador151.
Nas últimas décadas, o tempo do trabalho seguiu submetido ao rigoroso
controle das empresas, porém estas passaram a utilizar outros mecanismos para
possibilitar cada vez mais seu ajuste ao fluxo da produção. Segundo Krein (2007), a
partir dos anos 1970, teve início uma fase de pressão pela flexibilização do tempo do
trabalho.

151
Como afirma Frederick Taylor (1978, p. 181), “o estudo minucioso do tempo, por exemplo, é um
instrumento poderoso e pode ser usado, dum lado, para promover a harmonia entre os trabalhadores e a
direção, gradualmente instruindo, treinando e dirigindo o operário dentro de novos e melhores métodos de
realizar o trabalho e, de outro, para levá-lo a produzir mais no trabalho diário, com mais ou menos o
mesmo salário que ele recebia anteriormente”.
175

De acordo com o autor, podem ser identificados três níveis de mudança


estrutural no capitalismo que passaram a afetar o tempo do trabalho: em primeiro lugar,
a ordem econômica, social e política, que impõe a redução de custos e a otimização da
produção, levando à alteração dos elementos centrais das relações de trabalho; em
segundo, as inovações organizacionais e tecnológicas, que ampliam o controle e o ajuste
do tempo de trabalho à produção; e, em terceiro, as mudanças que dizem respeito ao
viver em sociedade, como os novos padrões de sociabilidade, cada vez mais ancorados
no consumo. Para o autor, “o avanço da sociabilidade pelo consumo está levando à
constituição de um padrão em que parte do comércio e outros serviços funcionem 24
horas nos 365 dias do ano” (KREIN, 2007, p. 212). Assim, criam-se novas necessidades
e formas de consumo, que, por sua vez, estabelecem novas normas temporais, afetando
tanto a esfera produtiva como as demais esferas sociais.
No contexto de reestruturação produtiva, a flexibilização ganhou impulso e
se intensificou. Segundo Lallement (2003b), tanto nas indústrias como nos serviços, o
tempo de trabalho tem se tornado cada vez mais maleável. Propagam-se, hoje, variadas
estratégias para ampliar, reduzir, entrecortar e alterar o horário de trabalho dos
assalariados.
Trata-se das práticas heteronômicas de flexibilidade do tempo do trabalho
(PRIETO, RAMOS & CALLEJO, 2008), isto é, dos constantes ajustes nos horários, nos
dias e no tempo de trabalho promovidos pela empresa e impostos aos trabalhadores.
Essas práticas têm como objetivo eliminar o tempo morto, ampliar a liberdade de gestão
do tempo de trabalho e aumentar a vinculação do trabalhador com a empresa, “inclusive
quando ele está fora dela” (KREIN, 2007, p. 215). Portanto, a flexibilidade do tempo
permite à empresa não apenas ajustar a atividade ao fluxo de produção, mas também
ajustar os trabalhadores – mobilizando sua disponibilidade e engajamento – a esse
fluxo.
Passaremos a analisar como essas práticas vêm sendo adotadas pelas
empresas e como elas afetam os trabalhadores e as trabalhadoras.

1.3a - Prolongamento da jornada de trabalho


No segmento de super/hipermercados, a disponibilidade de horário é
exigida no momento da contratação dos empregados, como evidencia a política de
recrutamento da empresa:
176

No dia 12/12/2012, uma placa, colocada na entrada de um


hipermercado da empresa C, anunciava a contratação de funcionários,
estabelecendo os seguintes critérios aos candidatos: ter dezoito ou
mais anos de idade; ter ensino médio completo (ou estar em fase de
finalização); ter disponibilidade de horário; e residir próximo (ou
ter acesso rápido) da loja. (Anotação do caderno de campo, dia
12/12/2012, grifo nosso).

Há, assim, uma priorização daqueles que têm mais tempo para dispor à
empresa e maior facilidade para se adaptar a suas necessidades. Para Lago (2008), a
regulação dos horários de trabalho e a disponibilidade exigida são elementos centrais na
política empresarial do ramo supermercadista, uma vez que permitem à empresa manter
maior número de caixas disponíveis a qualquer momento do funcionamento do
estabelecimento.
Segundo Soares (2003), essa opção funciona ainda como uma tentativa
gerencial de limitar a contratação de trabalhadoras com vínculos familiares, sobretudo
com filhos pequenos152. Assim, ao adotar tal estratégia, o ramo empresarial busca

não somente reduzir as possíveis interferências do mundo familiar no mundo


do trabalho, mas também obter uma mão de obra mais “repousada” e
portanto capaz de suportar as longas e duras jornadas de trabalho, muitas
vezes acrescidas de horas extras, sem problemas de saúde (SOARES, 2003,
p. 393).

A procura por profissionais com maior disponibilidade de tempo se deve ao


fato de o prolongamento da jornada de trabalho ser uma prática recorrente no segmento.
Essa segue a lógica do sistema de trabalho brasileiro. Segundo Cardoso (2009), na
Região Metropolitana de São Paulo, desde o ano de 1988 153 até os dias atuais, cerca de
40% dos trabalhadores assalariados trabalham além da duração legal da jornada.
Segundo Sadi Dal Rosso (2013), o número de pessoas realizando jornadas excessivas
vem se reduzindo no Brasil, porém ainda são milhares que o fazem: em 2010, eram 13,3
milhões, ou seja, 15,4% da PEA154.

152
A maior dificuldade das trabalhadoras mães para se adaptar à jornada e ao horário de trabalho em
super/hipermercados foi apontada pelas entrevistadas. Uma delas afirmou que, para uma trabalhadora que
têm filhos, é muito mais difícil “sobreviver” à rotina desses estabelecimentos, inclusive devido à
realização constante de horas adicionais. Discutiremos a relação entre trabalho profissional e vida familiar
no capítulo seguinte.
153
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a limitação da jornada de trabalho em oito horas diárias e
44 horas semanais.
154
O IPEA (2012) confirma que vem havendo uma redução no excesso de horas de trabalho realizadas no
País, porém salienta que os subsetores de comércio, construção e serviços de transporte/comunicação
ainda apresentam proporções significativas de pessoas trabalhando 45 ou mais horas por semana.
177

A extensão da jornada de trabalho é a realidade das operadoras de caixa de


super/hipermercados. Estas são as mais afetadas nos estabelecimentos por tal tipo de
flexibilidade, por sua atividade oscilar conforme o fluxo de clientes.
A frase mais recorrente em seus relatos foi: “Eu tenho horário para entrar,
mas não tenho horário para sair” 155. Este último fica submetido à autorização da
chefia. Isso faz com que a realização de horas adicionais – uma, duas, três horas diárias
– seja recorrente, resultando no prolongamento da jornada, principalmente em dias de
maior fluxo de clientes156.

“Hoje eu estou fazendo das 7h, aí varia a hora de saída.


[Oficialmente é o quê?] Oficialmente, é às 15h20. [Mas não sai?] Não.
São duas horas após, uma hora e meia, uma e quarenta. Geralmente a
gente sai às 16h50, às 17h. Nas quartas, sábados e domingos e
feriados, são quase três horas a mais” (Cleusa, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 23/5/2013).

As horas adicionais são computadas no sistema de banco de horas. Para


Cardoso (2009), esse é, hoje, um dos principais mecanismos de flexibilização da
jornada de trabalho. O banco de horas, permitido pela legislação desde 1998, possibilita
a realização de maior ou menor número de horas de trabalho, conforme a exigência da
empresa, sem que as horas adicionais sejam remuneradas. Estas são computadas no
sistema e posteriormente compensadas, em um período que pode variar de 120 dias até
um ano157, dependendo da regulamentação ou do acordo coletivo. Majoritariamente, é a
empresa que determina o momento da compensação dessas horas, não havendo uma
negociação entre ela e as trabalhadoras.
Esse é o caso das entrevistadas. Para elas, o grau de negociação é muito
baixo, principalmente nos hipermercados. A decisão quanto aos momentos de
compensação se coloca de cima para baixo. No caso dos supermercados, que são
menores, algumas operadoras afirmaram ser possível, em determinadas ocasiões,
negociar com a chefia o uso dessas horas quando necessário. Porém, mesmo nesses

155
Sofia Alexandra Cruz (2003) também encontrou essa mesma realidade entre as operadoras de caixa de
supermercado em Portugal, para as quais o não cumprimento da jornada legal fazia parte de seu dia a dia.
156
Nos estabelecimentos estudados, a jornada diária das operadoras de caixa era de 7h20min (além de
uma hora para a refeição), à qual se somam as horas adicionais constantemente realizadas. São apontados
como os dias de maior fluxo de clientes: os sábados, os domingos e, principalmente, as quartas-feiras, dia
oficial de promoção de uma das marcas da empresa C.
157
Modificações na legislação aumentaram o prazo para que essas horas sejam compensadas, passando de
uma semana para um ano. Ver: KREIN, 2007.
178

casos, elas ficam na dependência da chefia imediata, que pode demonstrar maior ou
menor abertura à negociação.
O banco de horas aparece como um mecanismo eficiente para as empresas,
ao lhes permitir ajustar o tempo de trabalho em função do fluxo da produção e dos
clientes. No entanto, para as trabalhadoras, ele não possibilita que ajustem o trabalho em
função da vida pessoal.

“[...] você quer um horário da entrada, mas também quer um horário


para almoçar, você quer um horário para sair. Você fala que sua vida
não é só lá, ‘eu tenho uma vida aqui fora’. [...] Eu fiquei desmotivada
por causa dessa situação” (Carina, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 6/3/2013).

A empresa tende a esperar o acúmulo do número máximo de horas


permitido no acordo coletivo para, então, determinar quando elas serão compensadas 158.
Com isso, aumenta-se a carga de trabalho das operadoras de caixa, sem que elas tenham
direito ao descanso compensatório 159.

“[...] se chegar a 90 horas no banco de horas, eles já têm que


começar a abater em dias de folgas para os funcionários. Eles vão
abatendo as horas dando folgas para as pessoas: três dias, dois dias,
depende. Porque não pode ultrapassar 90 horas no banco de horas.
Aí eles vão abatendo assim a carga horária. Ou se eles não abaterem
folga, eles abatem liberando o funcionário uma hora mais cedo, duas
horas mais cedo. Para ir abatendo essa diferença. Todo mês é assim.
Geralmente, quando acumula muito banco de horas, é isso o que eles
fazem” (Carla, fiscal de frente de caixa de hipermercado da empresa
C, 3/3/2012).

Como agravante, tem-se que esse sistema tende a promover um


desequilíbrio e uma intensificação do trabalho ao longo do mês, pois as horas adicionais
são realizadas nos momentos de maior pressão e, ao contrário, são compensadas quando
o fluxo da produção (e dos clientes) é menor. Em decorrência, há uma sobrecarga de
trabalho, resultando em maior desgaste físico e mental das trabalhadoras, como mostra o

158
Vale lembrar que a legislação trabalhista (CLT) e a convenção coletiva do segmento no Município de
São Paulo permitem a realização de apenas duas horas adicionais por dia. A convenção define o acúmulo
de até 100 horas no banco. Ver: Convenção Coletiva de Trabalho – Comerciários da Capital/Sincovaga,
2015/2016. Disponível em: <http://www.sincovaga.com.br/CT/Convencoes/Default. aspx>. Acesso em: 5
fev. 2016.
159
Cabe dizer que, ao longo da pesquisa, algumas mudanças quanto à organização e à gestão puderam ser
identificadas. Dentre elas, estava a tentativa da empresa de reduzir a realização de horas adicionais por
seus funcionários e limitar seu acúmulo no banco de horas. No entanto, conforme as entrevistas
indicaram, essas mudanças foram menos efetivas entre as operadoras de caixa, para as quais a realização
de horas adicionais seguiu recorrente.
179

trecho da entrevista de Carla, ao ser questionada sobre o que avaliava como negativo em
seu trabalho:

“O que eu acho ruim, assim, do meu trabalho é o trabalho com banco


de horas. Eu não acho legal. [...] É um trabalho a mais, que
sobrecarrega a gente, e nem sempre a gente tem retorno dessa carga
horário em descanso. Não é sempre. Eu acho ruim. Mesmo que fosse
em hora extra, acho que não seria tão bom. Porque quando a gente
fica muito sobrecarregada, no outro dia que a gente vai trabalhar é
ruim. [E, geralmente, faz muita hora a mais?] Olha, nos dias de
movimento... começo de mês ou dias de movimento, a gente faz. [Faz
quanto?] Geralmente, duas horas, duas horas e meia. Isso se torna
bem cansativo” (Carla, fiscal de frente de caixa de hipermercado da
empresa C, 3/3/2012).

A mesma avaliação foi feita por grande parte das operadoras de caixa. Estas
se queixam da impossibilidade de saber o momento em que a jornada termina e a
recorrência de seu prolongamento, casos indicados como geradores de estresse e de
desgaste físico e mental. Para as trabalhadoras, esses dois aspectos são percebidos como
desrespeito, considerando que a empresa ignora suas necessidades e vidas pessoais em
prol do melhor funcionamento (e fluxo) do estabelecimento.
A isso se soma uma denúncia frequente no relato das operadoras. Trata-se
dos constantes erros na folha de registro de ponto, em que constam os horários diários
de entrada, saída e pausa para refeição. Essa folha deve ser assinada uma vez por mês
pelas trabalhadoras. Segundo os diversos relatos, é comum haver divergência nos
horários realizados.

“[...] o fechamento sempre era dia 10. Aí, um exemplo, chegou dia 10
é o fechamento do banco. Aí, quando era dia 12, 13, 14, vinha lá o
folhetinho para a gente. Só que o que era errado era o seguinte: nós
não ficávamos com nenhum comprovante. Nós... você olhava ali
naquela hora, você assinava e entregava para ele. Só que, que nem eu
falei, eu sei o horário que eu almoçava, eu sei o horário que eu ia
embora e eu sabia o horário que eu entrava. Porque você... você sabe.
Um exemplo, se eu entro às 7h, vou almoçar o quê? Meio-dia ou 11h.
Se ele colocar que eu fui almoçar às 10h, eu falo “Aqui está errado”.
Se eles colocarem que eu fui embora, um exemplo, 14h, pera aí, eu
olhava assim: “Mas esse dia eu não fui embora às 14h”. [E você
conseguia saber?] Eu conseguia. [Mas tinha erro?] O quê?! Eles
conseguiam entrar no banco da gente” (Carina, operadora de caixa
de hipermercado da empresa C, 6/3/2013).
180

“Para você ter uma ideia, na quarta-feira eu entro às 6h40, eu saio às


17h30, quase 12 horas. E depois vem a folha de ponto e você não tem
uma hora sobrando” (Cleusa, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 23/5/2013)160.

Como aponta Lallement (2003b), trata-se da neutralidade relativa dos


marcadores de ponto. Essa prática – que retira ainda mais o controle das trabalhadoras
sobre seu tempo de e no trabalho – aumenta a percepção que elas têm quanto ao
desrespeito da empresa. Para elas, o banco de horas aparece como um sistema sobre o
qual não conseguem ter muito controle. Ainda que procurem computar quantas horas
fizeram a mais, elas deixam de saber exatamente o tempo trabalhado e seus direitos
quanto à compensação das horas adicionais realizadas 161.
Diferentemente, o segmento de teleatendimento não se apoia tanto na
prática de extensão da jornada. Raras foram as menções das entrevistadas quanto à
realização de horas adicionais de trabalho.
A extensão da jornada foi verificada apenas no caso do teleatendimento
ativo da empresa B. Essa prática, segundo as entrevistas, apareceria como uma “opção”
das teleatendentes, devido ao fato de trabalharem com comissão. Assim, estender a
jornada permitiria às trabalhadoras aumentarem sua remuneração mensal. Volta-se aqui
à eficácia da estratégia de vinculação de parte do salário ao desempenho individual das
trabalhadoras, por meio da comissão, que leva à intensificação do trabalho e ao aumento
da produtividade, interessantes à empresa.
No entanto, apesar de existente, não podemos apontar o prolongamento da
jornada como uma estratégia comum no segmento de teleatendimento, o que está ligado
à limitação dessa jornada, como veremos.

1.3b - Jornada de trabalho reduzida


A jornada de trabalho no segmento de teleatendimento fica limitada a seis
horas diárias. Vale lembrar que, desde o surgimento dos call centers, as condições e a
jornada de trabalho são alvos de disputa entre sindicatos, empresários e governo. A

160
Cleusa anotava diariamente, em cadernos, os dias e horários de trabalho que fazia na empresa. No
momento da entrevista, ela nos mostrou suas anotações, nas quais foi possível notar a grande variedade
nos horários de entrada e saída e as jornadas excessivas. Segundo ela, ao conferir a folha e suas
anotações, sempre havia divergências. Ela se referiu a esses erros no registro como situações de
humilhação e exploração.
161
Recentemente, o ponto passou a ser digital e um comprovante é impresso com o nome da trabalhadora
e o horário de entrada e saída. Esta pode, assim, guardar todos os comprovantes e confirmar ao final do
mês.
181

limitação da jornada em 36 horas semanais e seis horas diárias segue aquela do ramo de
telefonia constante na CLT162. Já o tempo de pausas no segmento é regulado pelo
Anexo II da NR-17.
Dado o trabalho intenso e submetido a forte estresse, a jornada de trabalho
de seis horas diárias teria como efeito proteger a saúde das teleatendentes. Essa
limitação, no entanto, não afeta os interesses empresariais, uma vez que, como
constatou Venco (1999) ao entrevistar um dirigente do ramo, a partir desse período a
taxa de produtividade de uma teleatendente é reduzida 163. Como aponta o relato a
seguir, apesar de a jornada de trabalho ser menor, as empresas procuram aproveitar o
máximo de cada trabalhadora, intensificando o ritmo de trabalho.

“O quanto que eu gero de lucro trabalhando como receptivo lá em um


dia de trabalho meu? [Por]que mesmo trabalhando seis horas e vinte,
pra mim é uma carga horária de doze horas, porque é pesado”
(Bruno, teleatendente da empresa B, 8/2/2012).

Porém, essa jornada também é alvo de flexibilização. Vale lembrar a já


mencionada mudança que a empresa A realizou durante o período desta pesquisa: a
jornada de trabalho foi reduzida, sendo acompanhada pela redução salarial. Essa
estratégia parece ser uma das mais exemplares no que concerne ao processo de
flexibilização das relações de trabalho e do modo como as empresas vêm fazendo uso
dela. Ela permite que estas reduzam os custos com a força de trabalho.
O trabalho por tempo parcial se insere nessa estratégia, tendo sido
disseminado em uma série de países. Nos países mais desenvolvidos, seu uso foi
justificado no discurso empresarial de cunho neoliberal por possibilitar a ampliação da
oferta de emprego e, assim, responder às taxas de desemprego crescentes. Ademais, ele
foi apontado como aquele que permitiria uma melhor articulação entre trabalho e
família, sendo fortemente direcionado às mulheres.
Dominique Méda (2008) expõe que, se primeiramente o tempo parcial foi
apresentado como facilitador dessa articulação, logo ele se tornou ferramenta de ajuste
do processo de trabalho ao fluxo de produção e de clientes, sendo amplamente utilizada
pelas empresas.

162
De acordo com o artigo 227, “Nas empresas que explorem o serviço de telefonia, telegrafia submarina
ou subfluvial, de radiotelegrafia ou de radiotelefonia, fica estabelecida para os respectivos operadores a
duração máxima de seis horas contínuas de trabalho por dia ou 36 (trinta e seis) horas semanais”
(BRASIL, 1943).
163
Dado da pesquisa de campo de Venco, que resultou em sua dissertação de mestrado (1999).
182

De um instrumento de conciliação entre vida familiar e vida profissional que


era – e ao qual optavam principalmente as mulheres que trabalhavam na
função pública ou mulheres executivas –, o tempo parcial se tornou uma
ferramenta de desenvolvimento da flexibilidade, da qual as empresas, em
particular o setor do comércio varejista, abusaram. O tempo parcial foi
deturpado, transformado pelas empresas em instrumento de ajustamento de
seus efetivos à demanda dos consumidores (MÉDA, 2008, p. 23).

Para as trabalhadoras, há ainda uma agravante nesse tipo de jornada, que é


vir acompanhado, geralmente, de salários também parciais (SILVEIRA, 2003;
HIRATA, 2003a), afetando, portanto, fortemente as mulheres 164.
No Brasil, segundo a legislação trabalhista, configuram-se como tempo
parcial os trabalhos cuja jornada seja de no máximo 25 horas semanais (BRASIL,
1943). Segundo os dados da PNAD analisados pelo IPEA (2009), no período de 1988 a
2007, o País vivenciou um forte aumento no número de trabalhadores realizando
jornadas mínimas de trabalho (de até 19 horas), assim como um aumento do trabalho
em tempo parcial (20 a 25 horas). Entretanto, a proporção de trabalhadores em jornadas
reduzidas de trabalho ainda é considerada baixa: 10,2% dos ocupados realizam jornada
com tempo mínimo e 13,4%, jornada em tempo parcial. A maior parte destes se
concentra nos postos de trabalho informais, sendo ainda residual a participação nos
contratos de trabalho formais 165.
No ramo de super/hipermercados, a contratação de trabalhadoras por
tempo parcial no País também é residual. No entanto, essa realidade é bem diferente
daquela encontrada em alguns países desenvolvidos, como França, Espanha e
Portugal166, onde ela é extremamente disseminada.
Nesses países, as empresas supermercadistas recorrem à jornada de trabalho
em tempo parcial, muitas vezes, aliada ao contrato por tempo determinado. São as
mulheres jovens e estudantes os principais alvos. Elas trabalham nos horários de maior

164
Voltaremos a esse aspecto no capítulo seguinte.
165
No entanto, há pressões para que se intensifique ainda mais esse tipo de jornada no País. Um projeto
de lei (PL no 2.820/15) tramita na Câmara dos Deputados com a proposta de regulamentar a flexibilização
da jornada em tempo parcial, permitindo sua subdivisão, a contratação do trabalhador em alguns dias da
semana etc. A remuneração ficaria atrelada ao número de horas trabalhadas. O alvo desse tipo de
contratação seriam os estudantes e pessoas acima de 60 anos. Do mesmo modo, o PL n o 726/15, também
em trâmite, propõe o estabelecimento da jornada de trabalho variável, permitindo que ela seja realizada
em dias e horários muito variados ao longo do mês. Nota-se, assim, um movimento de avanço quanto à
intensificação da flexibilização do tempo de trabalho no País. Para os respectivos projetos, ver:
<http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1379159&filename=PL+282
0/2015> e <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1308994&filena
me=PL+726/2015>. Acesso em: 5 fev. 2016.
166
Ver, respectivamente, os trabalhos de Sophie Bernard (2003, 2005), José Lago (2008) e Sofia
Alexandra Cruz (2003).
183

fluxo de clientes, como à noite e aos finais de semana. Além disso, as jornadas em
tempo parcial têm durações diversas, que chegam a ser quase individuais, cada
trabalhadora com determinada carga de trabalho (BERNARD, 2003; 2005).
Os estudos, nesses países, mostram que se estabelece uma relação de
hierarquia entre as operadoras de caixa, uma vez que as mulheres mais velhas e com
mais tempo na empresa trabalham em períodos mais regulares, durante o dia e com
jornada ao longo da semana, enquanto as estudantes ficam submetidas a horários e dias
mais irregulares (BERNARD, 2003; BENQUET, 2013).
No Brasil, essa prática não é tão disseminada nesse segmento 167, embora ela
exista. A fiscal de frente de caixa Carla, por exemplo, foi contratada por tempo parcial
pela empresa, tendo sido, posteriormente, efetivada com uma jornada full-time.
Algumas entrevistas indicaram que a empresa, atualmente, não utiliza mais esse tipo de
contratação. No entanto, encontramos, em outra loja da rede, parte das trabalhadoras
contratadas com jornadas menores, isto é, seis horas diárias, totalizando 36 horas
semanais168. Do mesmo modo, em outra rede de super/hipermercados, verificamos o
anúncio da contratação de trabalhadoras em tempo parcial, cuja jornada também seria
realizada aos sábados, domingos e quartas-feiras, dias de maior fluxo de clientes169.

“Eu entrei aqui em 2009. [...] Eu entrei como operador part-time,


trabalhando três dias na semana. O salário era R$ 170,00170. É, três
dias na semana. Depois de 8 meses, eles me efetivaram para operador
full-time, que eles chamam aqui. [...] [O part-time trabalha três vezes
por semana e trabalha o dia inteiro?] Não, a carga horária é seis
horas do part-time. [Seis horas e só três dias por semana?] Isso. No
caso seria quarta, sábado e domingo. Que eram os dias que eles
precisavam mais. Aí eu trabalhei assim, comecei assim na empresa”
(Carla, fiscal de frente de caixa de hipermercado da empresa C,
3/3/2012).

167
A legislação trabalhista brasileira permite esse tipo de contratação, devendo obedecer às regulações
vigentes, que proíbem que a jornada exceda oito horas diárias e que o contratado realize horas adicionais
(BRASIL, 1943). Recentemente, empresários do comércio varejista apresentaram uma solicitação ao
governo de regulamentação do trabalho “part-time”, que permitiria a contratação de trabalhadoras para
realizar suas atividades em alguns dias por semana, à noite ou aos sábados, domingos e feriados. Essa
solicitação, segundo a reportagem, teria como interesse, assim, impedir que processos trabalhistas sejam,
posteriormente, dirigidos às empresas, exigindo direitos compensatórios (Disponível em:
<http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531580-governo-vai-propor-trabalho-qpicadoq>. Acesso em: 6 fev.
2016).
168
Segundo a operadora de caixa Cecília, “A diferença de quem faz 6 e de quem faz 8 [horas]: ganha um
pouco mais e tem uma hora de janta. No caso de quem faz seis horas, tem 15 minutos. É muito rápido”
(supermercado da empresa C, 12/4/2012).
169
Observação da pesquisa de campo, 18/8/2015.
170
Em 2009, o salário mínimo nacional era de R$ 465,00 e o valor da hora trabalhada era de R$ 2,11.
Disponível em: <http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/salario_minimo.htm>. Acesso em: 6 fev. 2016.
184

Nesses casos, mesmo com a jornada reduzida, há uma intensificação do


trabalho, já que essas trabalhadoras são contratadas para realizar suas atividades nos
dias em que o trabalho é mais intenso. Assim, as empresas passam a manter um número
de trabalhadoras à sua disposição – cujo custo de contratação é menor – nos períodos de
maior necessidade.

1.3c – O trabalho aos domingos e feriados


Outro aspecto que flexibiliza a jornada de trabalho diz respeito ao trabalho
aos domingos e em feriados, comum nos dois segmentos. Tal fator está diretamente
atrelado a mudanças nos padrões de consumo da sociedade, que criam a necessidade de
estabelecimentos funcionando 24 horas por dia, sete dias da semana, e das dinâmicas do
capitalismo, que visam ao aumento dos lucros.
A liberação do trabalho aos domingos no País, até então proibido na CLT
(embora houvesse exceções), deu-se a partir dos anos 1990, devendo ser acordada em
negociação coletiva e regulada pelas câmaras municipais (KREIN, 2007). A legislação
garante que ao menos um descanso mensal coincida com o domingo.
No caso do segmento de super/hipermercados, as grandes empresas
passaram, ao longo das últimas décadas, a ampliar o horário de funcionamento de seus
estabelecimentos, alguns mantendo as atividades de modo ininterrupto. Netto (2010)
assinala que a liberação do trabalho aos domingos e a ampliação do horário de
funcionamento dos estabelecimentos estão diretamente ligadas à instalação, desde a
década de 1990, de empresas transnacionais do ramo no Brasil, que acirraram a
competitividade e impuseram novas formas de gestão. A pressão das empresas, aliada às
políticas de cunho neoliberal em ascensão no período, contribuiu, assim, para criar
novas dinâmicas no segmento.
Nos anos 2000, a Lei no 10.101/2000, e posteriormente a Lei no
11.603/2007, autorizou e regulou a abertura do trabalho aos domingos no comércio em
geral, devendo ser legislada por município 171, bem como em feriados. Vale lembrar que
a convenção coletiva, para o Município de São Paulo, determina a adoção do sistema

171
Para as leis citadas, ver, respectivamente, <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10101. htm> e
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11603.htm#art1>. Acesso em: 6 fev.
2016. No Município de São Paulo, o Decreto no 37.271/1997 autorizou o funcionamento dos
estabelecimentos de comércio em geral aos domingos. A Lei n o 13.473/2002, e posteriormente o Decreto
no 45.750/2005, tornou-o sujeito à autorização, devendo constar em negociação coletiva. Para estas,
consultar <http://www.leispaulistanas.com.br/categorias/licenca-de-funcionamento/horario-de-abertura-
de-comercio>. Acesso em: 6 fev. 2016.
185

1x1 (um domingo trabalhado seguido por um domingo de descanso) ou 2x1 (dois
domingos trabalhados seguidos por um de descanso), por opção das empresas 172.
No ramo de teleatendimento, a obrigação das empresas em garantir
serviços de atendimento ao consumidor de modo ininterrupto impõe a necessidade de os
call centers também funcionarem aos domingos. Assim, o trabalho nesse dia,
consagrado, historicamente, ao descanso 173, torna-se, para grande parte dos assalariados,
um dia de exercer suas atividades profissionais.
Os mesmos fatores explicam o trabalho em feriados. Cabe aqui lembrar que,
para ambos os segmentos – teleatendimento e comércio –, as legislações e convenções
coletivas asseguram que o trabalho nesses dias deva ser informado com antecedência
aos trabalhadores.
Para o ramo de super/hipermercados, a legislação já mencionada permite
a abertura de estabelecimentos de comércio nos feriados, desde que aprovada em
negociação coletiva. Esta última, por sua vez, define que o trabalho em feriados em
super/hipermercados não é obrigatório aos funcionários, os quais devem manifestar sua
vontade de trabalhar nesses dias174.
No entanto, as entrevistas revelaram haver uma pressão para que as
trabalhadoras compareçam nesses dias. Parte das entrevistadas desconhecia o direito à
opção e comparece em praticamente todos os feriados. Segundo uma delas, esses dias
são considerados dias normais e obrigatórios de trabalho, chegando a afirmar que em

172
Se a abertura do comércio varejista é, em grande medida, consolidado no País, ao menos em suas
grandes cidades, em outros países essa prática é interdita. Na França, por exemplo, há restrições legais
quanto ao funcionamento dos estabelecimentos de super/hipermercados aos domingos. Porém, isso não se
faz sem conflito. Há uma forte pressão do lado empresarial pela liberação da abertura dos
estabelecimentos nesses dias e, desde 2009, mudanças na lei têm inserido algumas possibilidades de
abertura. Em outubro de 2013, a polêmica em torno do trabalho dominical ganhou destaque no noticiário
francês quando empresas do ramo da bricolagem foram proibidas de funcionar aos domingos. As
empresas fizeram campanhas contra a interdição, envolvendo seus trabalhadores e consumidores,
alegando que o número de empregos formais no segmento seria reduzido com o fechamento das lojas
nesses dias.
173
Edward Thompson (1998) analisa como, ao longo do desenvolvimento capitalista, houve a
necessidade de alterar certas práticas sociais dos trabalhadores. Assim, passou-se a coibir o número de
festas, feriados, dias de descanso. Segundo o autor, a segunda-feira (a “segunda-feira santa”) era utilizada
por trabalhadores como um dia de descanso. Com a necessidade de controle do tempo advinda com as
fábricas e o desenvolvimento capitalista, que tinha a necessidade de eliminar os tempos mortos, algumas
dessas práticas passaram a ser condenadas, disciplinando os trabalhadores. Há ainda uma dimensão
religiosa presente quanto ao dia de descanso aos domingos.
174
A convenção coletiva garante ao empregado que opte por trabalhar nos feriados que, no decorrer do
ano, três deles sejam destinados a seu descanso. Ver: Convenção Coletiva de Trabalho – Comerciários da
Capital/Sincovaga (2015/2016). Disponível em: <http://www.sincovaga.com.br/CT/ Convencoes/Default.
aspx>. Acesso em: 6 fev. 2016.
186

“feriado, todo mundo trabalha” (Cristiane, operadora de caixa de supermercado da


empresa C, 1o/6/2012).

“Agora, tipo assim, feriado a gente trabalha também, normal.


Trabalha tudo. [Mas você pode escolher?] O quê? Trabalhar ou não?
Não. [Tem que vir?] Tem que trabalhar. Também é outro dia que não
pode folgar. Todo mundo trabalha” (Carolina, operadora de caixa de
supermercado da empresa C, 18/5/2012).

Celso, por sua vez, explicou como o trabalho em feriado se torna uma
imposição:

“Os feriados, você também tem direito [...] [mas] você é praticamente
obrigado, eles condicionam a vinda: ‘Você vai vir no feriado, né?’.
Para eles é um dia normal. Não, você não tem direito a folgar. Se
você folgar... [Rola uma coerção?] Uma coação mesmo. Se você
folgar, se você não vier no feriado, o cara te chama na sala dele,
pergunta o que você tem, se você estava passando mal, por que você
não veio” (Celso, operador de hipermercado da empresa C, 5/4/2012).

O depoimento a seguir indica uma contradição em relação ao trabalho em


feriados: de um lado, há um descontentamento por ter de trabalhar; de outro, a atividade
nesses dias chega a ser preferida pelas operadoras de caixa, dado que há um adicional
recebido pelas horas trabalhadas e o direito a outro dia de descanso, a ser gozado
posteriormente. Ainda que ele não seja desejado, o trabalho em feriados permite, assim,
aumentar o salário.

“Ninguém quer trabalhar no sábado, domingo, feriado. Ainda


compensa para a gente o feriado porque são cinquenta por cento175,
que a gente recebe. Então, ninguém quer folgar no feriado. Todo
mundo quer vir. Eu mesma só não vim nesse. Mas eu preferia estar
trabalhando que eu ia estar ganhando. Eles preferem estar ali. Já que
vai todo dia, então, feriado... já está sábado e domingo, feriado não
vai fazer diferença, né?” (Célia, fiscal de frente de caixa de
hipermercado da empresa C, 11/7/2012).

A convenção coletiva garante um dia de descanso por feriado trabalhado.


No entanto, foram recorrentes as situações em que a trabalhadora tinha acumulado um
número significativo de dias de descanso por direito, sem que fosse usufruído 176.

175
Na realidade, as horas efetivamente trabalhadas em feriados são remuneradas com um adicional de
100% e não 50% como mencionado pela entrevistada.
176
César, operador de hipermercado da empresa C, por exemplo, após ser demitido, moveu um processo
trabalhista contra a empresa, reivindicando, entre outros, o direito a 52 dias de folga adquiridos por
feriados trabalhados e não usufruídos.
187

“Assim, você trabalhou o feriado, você tem o direito à folga. E ele [o


chefe] não dava folga para ninguém. Eu tinha uma média, eu tinha 42
feriados, 42 folgas” (Cleusa, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 23/5/2013).

No momento da segunda entrevista, Celeste explicou que a nova gestão da


177
empresa C havia passado a cumprir o direito ao gozo de um dia de descanso por
feriado trabalhado, exigindo que as funcionárias usufruíssem os dias acumulados até
então. Segundo ela, a empresa havia constatado que ela tinha direito a 30 dias de folga.
No caso de Caio, da mesma empresa, ele tinha direito a 54 dias de descanso pelos
feriados trabalhados em sete anos de vínculo com a empresa. Em sua segunda
entrevista, ele disse que havia, por determinação da empresa, conseguido compensar 14
desses dias, porém essa determinação havia sido suspensa por falta de funcionários em
sua equipe.
Do mesmo modo, no segmento de teleatendimento, o trabalho em feriados
faz parte da realidade das trabalhadoras, sobretudo para aquelas do teleatendimento
receptivo, sendo alvo de conflitos entre estas e as empresas.
Na pesquisa anteriormente realizada no segmento, constatamos as diferentes
estratégias utilizadas pelas empresas para que a trabalhadora comparecesse ao trabalho
nesses dias. Elas envolviam desde o estímulo, por meio da criação de competições
envolvendo premiações, à coerção, com o recrudescimento do controle do supervisor
sobre a atividade nos dias posteriores e/ou com a definição do absenteísmo como
critério na avaliação mensal de desempenho (FREITAS, 2010).
Na empresa A, as trabalhadoras em teleatendimento ativo não trabalham em
feriados, ao passo que as do receptivo, sim. Para as últimas, o feriado aparece como um
dia normal de trabalho.
Assim, o funcionamento ininterrupto dos estabelecimentos ou em horários
estendidos impõe novas dinâmicas às trabalhadoras. Exige-se que um número cada vez
maior delas exerça suas atividades nesses períodos. Para tanto, as empresas passam a
adotar variadas escalas de revezamento, a fim de adequar o quadro de empregados ao
horário de funcionamento da empresa.

177
Após o grupo francês assumir totalmente a direção da empresa C.
188

1.3d - Escalas de revezamento


Assiste-se, hoje, a uma proliferação de tipos de escala de revezamento
adotados pelas empresas, cada vez mais diversos e complexos, despontando, segundo
Krein (2007), como um importante campo de inovação gerencial na organização do
trabalho178. As escalas variam conforme o número de dias trabalhados, que se alternam
aos de descanso.
Cabe lembrar que a legislação trabalhista brasileira (BRASIL, 1943)
determina que o descanso semanal seja de 24 horas, devendo coincidir com os
domingos. No entanto, há concessões para uma série de serviços funcionar nesses dias,
desde que obedeçam a uma escala de revezamento, a qual deve ser mensalmente
organizada e afixada em um quadro sujeito à fiscalização.
Em ambos os segmentos aqui analisados, prevalece o trabalho realizado por
meio da escala 6x1, isto é, seis dias trabalhados e um de descanso. As escalas são
estabelecidas ou por folga fixa (o descanso ocorre sempre no mesmo dia da semana), ou
por folga não fixa (quando a folga varia a cada semana). Encontramos trabalhadoras
submetidas a esses dois tipos de escala. No entanto, quando questionadas sobre as
vantagens e desvantagens de cada tipo, não houve uma resposta consensual: algumas
disseram preferir a escala com folga fixa, enquanto outras, a com folga não fixa.
Entretanto, grande parte delas manifestou o descontentamento pelo trabalho realizado
aos finais de semana, particularmente aos domingos, dias favoráveis, principalmente, à
convivência com amigos e familiares.

Segmento de super/hipermercados
No caso dos super/hipermercados, encontramos escalas com folgas fixas e
variáveis, dependendo do tipo de estabelecimento – se super ou hipermercado. Nos
estabelecimentos maiores, operava-se por meio da escala com folga fixa: a empresa
estabelecia uma escala mensal, em que o descanso de cada funcionária caía no mesmo
dia a cada semana. A empresa recorria ainda ao sistema 2x1 em relação aos domingos.

“[E sua folga é de que dia?] [...] Toda terça e, a cada dois domingos
trabalhados, eu folgo um. [Aí você folga na terça e no domingo?] No
caso, por exemplo, eu folguei na terça e, se for meu domingo, aí eu
folgo terça e domingo. Se não, é só quando chega o domingo mesmo
da sua folga, então é só na terça-feira, uma vez por semana” (Cleusa,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 23/5/2013).

178
Como sugere o autor, esse é um assunto importante, que ainda precisa ser estudado aprofundadamente.
189

No entanto, mesmo sendo fixa, a folga fica sujeita a sofrer variações. Isso
porque a empresa altera periodicamente esse dia, como evidenciaram os relatos das
entrevistadas.

“[São eles que falam quando você vai folgar ou você pode escolher,
tipo “preciso fazer alguma coisa”?] Geralmente, são eles que
escolhem. Eles colocam “sua folga vai ser tal dia”, colocam a escala
lá e a gente já está ciente da nossa folga. E essas folgas mudam todo
mês. Esse mês eu posso folgar toda quinta-feira. Próximo mês eu já
posso folgar toda segunda-feira. [...] Durante um mês é uma folga
sempre fixa. Aí conforme vai virando o mês, a folga pode mudar”
(Carla, fiscal de frente de caixa de hipermercado da empresa C,
3/3/2012).

Já nos estabelecimentos menores (com número mais reduzido de


funcionárias), a escala de revezamento operava com folgas não fixas. As operadoras de
caixa eram, assim, avisadas a cada semana sobre seus dias de trabalho e de descanso.
Desse modo, elas tinham conhecimento do dia de folga com poucos dias de
antecedência, o que dificultava a organização da vida diária179. Tal prática parece ser
recorrente no ramo, como evidencia o estudo de Bouffartigue & Pendariès (1994) sobre
o caso francês. Lá, como aqui, a fixação das escalas ocorria com pouco tempo de
antecedência, sofrendo ainda ajustamentos de última hora.

“[E a sua folga é de que dia da semana?] Não tem dia. [Ah, varia?]
Isso. Cada dia, tipo, hoje... igual, essa semana, eu folguei terça. Aí eu
só vou saber na sexta-feira que a escala é nova, que no caso foi
ontem. Só que como ontem eu entrei de manhã, eu não fiquei sabendo.
Mas a escala foi feita ontem. [...] Então, eu só vou ficar sabendo hoje,
quando eu chegar, eu vou ver a escala. Eu vou folgar na semana, mas
a gente nunca sabe o dia certo” (Cristiane, operadora de caixa de
supermercado da empresa C, 1o/6/2012).

Em muitos casos, a organização das escalas de trabalho se dá a partir de um


sistema tão complexo e sujeito a tantas e constantes mudanças que as trabalhadoras
deixam de ter compreensão e controle sobre elas, como os relatos evidenciaram. Nas
entrevistas, recorrentemente, foi necessário questionar várias vezes a trabalhadora sobre
a organização da escala e de seus dias de descanso para que pudesse ser compreendida,
revelando, em muitos casos, a própria incompreensão da trabalhadora quanto a esse
179
Recentemente, a organização das escalas de revezamento foi alterada no estabelecimento de
supermercado analisado, passando ao sistema de folga fixa na semana. Ainda assim, a escala era
organizada semanalmente, uma vez que o horário de trabalho de parte das operadoras de caixa variava
diariamente de acordo com o fluxo de clientes. Além disso, o dia de folga ficava sujeito a alterações
mensais.
190

aspecto. As operadoras de caixa acabam se conformando em apenas ser informadas a


cada semana sobre os dias de trabalho e de não trabalho, sem que seja possível prever e
se programar antecipadamente.

“A escala, ela muda periodicamente. A escala muda sábado, quarta e


domingo. Aí eles colocam quinta-feira a escala. Tem lá todos os
horários direitinho para todos os funcionários. Aí a gente vai lá, olha
o horário que a gente vai trabalhar na quarta, no sábado e no
domingo, né?, que eles já fazem a escala dos três dias. Aí a gente já
fica ciente dos horários que a gente vai entrar para esses três dias.
[...] [Aí no domingo sai outra escala para saber segunda, terça e
quarta?] Aí no caso eles põem a próxima escala na quinta-feira.
Porque segunda e terça é normal. Ah não, está certo. Tem que
colocar a escala na segunda porque aí tem o horário da quarta. Aí vai
até domingo (Carla, fiscal de frente de caixa de hipermercado da
empresa C, 3/3/2012).

A depender do modo como a escala de trabalho é organizada, as operadoras


podem permanecer trabalhando vários dias consecutivos, sem gozar o dia de descanso.
As entrevistas revelaram que isso é comum na semana anterior àquela da folga no
domingo. Assim, se a trabalhadora folga, em uma semana, na segunda-feira e sua folga
da próxima semana será no domingo, ela trabalhará doze dias seguidos sem descanso (o
chamado “paredão”, conforme apontou Cecília) 180. O resultado é o maior desgaste físico
e mental das operadoras.

“Tipo assim: toda sexta-feira sai a escala para a semana inteira, com
quando você vai folgar. [...] Se eu for folgar domingo agora, eu tenho
que trabalhar essa semana todinha sem folgar para folgar só no
domingo. Tem vezes que chega a trabalhar 13 dias sem folga para
folgar no domingo” (Carolina, operadora de caixa de supermercado da
empresa C, 18/5/2012).

A flexibilização dos dias e dos horários de trabalho é intensa no segmento.


Tanto nos estabelecimentos de supermercado como nos de hipermercado, a empresa
adota a estratégia de confeccionar duas escalas de revezamento: uma fixada
mensalmente, em que constam os dias de trabalho e de descanso, bem como o horário
“oficial” de trabalho; e outra fixada ao longo semana, com os horários em que as

180
Essa organização era diferente do verificado no hipermercado. Nele, a trabalhadora gozava a folga do
domingo no sistema 2x1; no entanto, na semana em que ela usufruía dessa folga, a empresa mantinha o
dia de descanso fixo na semana. Assim, em uma das semanas do mês, a trabalhadora folgava dois dias.
Entretanto, a empresa descontava essa folga “a mais” do banco de horas da funcionária. Segundo os
relatos, essa prática gerava tensões e conflitos entre as operadoras e a empresa. Pode-se verificar,
portanto, a utilização de diferentes práticas de flexibilização, dando maior liberdade à empresa para gerir
o tempo de trabalho das funcionárias conforme suas necessidades.
191

trabalhadoras devem entrar a cada dia, que podem variar ao longo do mês. A empresa
mantém uma parcela de operadores de caixa com horários de trabalho sujeitos a
variações ao longo do mês, como afirmou Conrado.

“[E quando você fica sabendo que (horário vai fazer), quando eles te
avisam?] Não avisa. Põe lá na escala, eles colocam lá no mural.
Pronto. [Ah, mas tipo o mês inteiro? Ou...] Não. Só amanhã que eu
vou entrar cinco e cinquenta. Aí no outro dia já não sei que horas eu
vou entrar. Se eu vou entrar oito, se eu vou entrar sete. [...] Cada dia
é um horário. [...] [Mas tipo, sua escala do mês já está lá com os
horários que você vai entrar?] É. Minha escala do mês é nove horas.
Oito horas, quer dizer, na verdade. Mas aí tem a escala diária. Na
verdade de quarta. De quarta, sexta, sábado, domingo e feriado, aí
que eles trocam o horário. Aí fica lá. Aí você tem que olhar.”
(Conrado, operador de caixa de hipermercado da empresa C,
11/11/2014).

Há ainda outros dois aspectos quanto à flexibilização da jornada de trabalho


e dos dias de descanso nos estabelecimentos de super/hipermercados. Um deles é o fato
de a empresa vetar o dia de descanso nos dias em que há maior movimento de clientes.
Assim, nos momentos de atividade mais intensa, as trabalhadoras são impedidas de se
ausentar e trabalham por mais tempo sob forte pressão.

“Só folga uma vez por semana, mas não tem dia certo para folgar,
entendeu? Tipo, pode ser no sábado, pode ser... não, no sábado não
pode. [Não pode?] Não. Nem no sábado e nem na quarta. [Quando é
mais cheio?] Isso. Pode nos outros dias na semana. Você trabalha
dois domingos para folgar um. E na quarta-feira nem pensar”
(Carolina, operadora de caixa de supermercado da empresa C,
18/5/2012).

O outro se refere à prática de, em alguns casos, as trabalhadoras serem


“convidadas”, no seu dia de folga, a trabalhar. As empresas alegam a necessidade de
maior número de funcionárias no estabelecimento e, assim, recorrem àquelas que não
estão escaladas para o trabalho naquele dia. Ocorre, portanto, uma pressão para que a
funcionária compareça ao trabalho em seu dia de descanso, de modo a não se indispor
com a chefia e a empresa. Soares (2003), ao estudar o segmento de supermercado no
Brasil, constatou a estratégia gerencial de, a fim de manter um número mínimo de
trabalhadoras em atividade na loja, apelar para a imposição de horas extras ou do
trabalho sob chamada – quando a empresa solicita a presença do funcionário conforme
o fluxo de clientes. Na empresa estudada para esta pesquisa, essa prática não foi relatada
192

pelas entrevistadas (embora tenhamos podido observá-la181), mas sim a prática de alterar
o dia de folga diante de uma necessidade, mesmo que ele estivesse previsto na escala
mensal.

“Mas acontece de você vir, ficar sem folgar um dia na semana. Tipo,
a gente tem a folga na semana e a folga no domingo. Ele pode falar
assim para você: ‘Oh, você não vai folgar a folga da semana dessa
vez, só folga no segundo domingo, tá?’. É um caso específico. Mas já
aconteceu comigo de eu ficar uma semana sem folgar, duas semanas
sem folgar. O cara: “Ah, hoje você”... que nem o funcionário meu que
tinha dentista marcado para a folga dele, porque era a folga dele, ele
achou que ele podia marcar alguma coisa. Eu falei para ele: ‘Não,
você não pode. Vai ter visita182 e você vai vir hoje à noite e vai folgar
na sexta’” (Celso, operador de hipermercado da empresa C, 5/4/2012,
grifo nosso).

Todas essas práticas quanto às escalas de revezamento existentes no


segmento de super/hipermercados revelam sua complexidade e a importância que elas
vêm tendo na organização do trabalho para as empresas. Elas permitem flexibilizar os
horários e os dias de trabalho de acordo com o fluxo produtivo.

No segmento de teleatendimento
Algumas dessas práticas também são verificadas no segmento de
teleatendimento, no qual os ajustes seguem o fluxo informacional e de clientes. Nele, o
trabalho também é realizado, semanalmente, por meio da escala 6x1.
Nos serviços receptivos, a organização das escalas de revezamento pode
envolver a fixação do dia da folga ou sua variação. Como consequência do tipo adotado,
algumas práticas, já indicadas no segmento de super/hipermercados, também são
verificadas, tais como a mudança periódica dos dias de folga e a realização de dias
consecutivos de trabalho sem o dia de descanso, entre outras (FREITAS, 2010). Já no
caso do teleatendimento ativo (devido à regulamentação que interdita o telemarketing

181
“Um funcionário, uniformizado, do hipermercado da empresa C falava ao telefone celular na porta do
estabelecimento e dizia: ‘Eu já falei para ela que se for para eu vir trabalhar amanhã que é para ela me
falar hoje, porque se ela me ligar amanhã falando para eu vir, eu não venho. Já falei para ela’” (Anotações
do diário de campo, 31/10/2012).
182
“Ter visita” é quando gerentes de alto nível na hierarquia da empresa vão à loja fazer uma inspeção,
ver o andamento de seu funcionamento, organização etc. Nesse caso, Celso era o funcionário da equipe
responsável pelo setor em que trabalhava. Note em sua fala que ele diz que o trabalhador achou que
“podia marcar alguma coisa” em seu dia de descanso, o que, nesse caso, ele não podia fazer. Questiona-
se, assim, a autonomia do trabalhador e exige-se disponibilidade deste à empresa mesmo nos momentos
em que ele não está nela.
193

aos domingos), as trabalhadoras exercem suas atividades de segunda a sábado, com


folga fixa aos domingos.
Como apontamos anteriormente, as teleatendentes manifestam a preferência
pelas folgas que coincidem com os finais de semana, independentemente do tipo de
escala adotado. O mesmo foi verificado por Oliveira (2009) em sua pesquisa no
segmento. Segundo a autora, os entrevistados mencionaram a escala de revezamento aos
sábados como um dos principais aspectos que mudariam na empresa, sugerindo alterá-la
de modo a trabalhar apenas quinzenalmente nesses dias.
Cientes dessa preferência, as empresas utilizam a folga aos sábados,
domingos e feriados como uma forma de “premiação” às trabalhadoras que atingem as
metas. Em pesquisa anteriormente realizada com trabalhadoras de teleatendimento,
encontramos esta estratégia: os dias de sábado e domingo eram usados pelas empresas
ora para “premiar” as trabalhadoras que não tinham registro de falta e atingiam as metas
(vinculando o dia de descanso a um desses dias), ora para “puni-las” devido aos altos
índices de absenteísmo, não concedendo a folga nesses dias (FREITAS, 2010).
Mesma prática é utilizada pela empresa A. Esta atrela a concessão de um dia
de folga ao alcance de metas. Assim, as trabalhadoras de teleatendimento ativo eram
contratadas para realizar suas atividades de segunda-feira a sábado. Para cada produto,
trabalhavam duas equipes – uma das 8h40min às 15h e outra das 15h às 21h20min. Nos
sábados, a empresa utilizava um sistema de rodízio entre as equipes, uma vez que o
número de PAs é limitado a apenas uma equipe e o atendimento só pode ser realizado
das 10h às 16h183. Com isso, as teleatendentes trabalhavam quinzenalmente aos
sábados. Segundo as entrevistadas, a empresa apresentava essa prática como um
“benefício” dado a elas. Entretanto, gozar desse benefício dependia do desempenho
individual, como evidenciam os relatos abaixo.

“Sábado passado eu trabalhei. Agora sábado, eu ainda estou


disputando a folga. Mas acho que vou conseguir folgar” (Aline,
teleatendente da empresa A, 1o/3/2012, grifo nosso).

“A gente trabalha um sábado sim, um sábado não, mas com metas de


vendas. [...] Se você não bater a meta, você vem” (Ângela,
teleatendente da empresa A, 18/4/2012).

183
Posteriormente, como vimos, a empresa alterou essa estratégia, reduzindo a jornada (e o salário) de
parte das teleatendentes contratadas.
194

Andressa explicou o que ocorria aos sábados quando o número de


trabalhadoras era maior do que o número de PAs:

“Uma vez, eles mandaram todo mundo vir, manhã e tarde. Mas foi
uma bagunça. [...] Vem para o atendimento, mas não tem onde pôr.
Então eles inventam alguma coisa: ‘Ah, vamos lá para o
treinamento’. Oh, ai quero morrer com isso, quando eles falam
‘Vamos para o treinamento’. Aí fica lá, duas horas de treinamento, e,
para passar as horas, eles põem um filme. Porque não tem como estar
em operação. Você não pode ir embora. Não pode ir para a operação.
Não pode ficar no refeitório, tem que ficar lá, sem nada. Aí você vai
ver filme!184” (Andressa, teleatendente da empresa A, 11/4/2012).

Assim, apesar de a empresa indicar tratar-se da concessão de um benefício,


essa estratégia, antes de um ato benévolo, está ligada a dois motivos centrais: à
limitação do espaço, que não comporta duas equipes, e à busca por maior produtividade.
Tal estratégia parece ser eficaz para o alcance do aumento do número de vendas, uma
vez que as próprias entrevistadas indicaram intensificar o ritmo de trabalho e ampliar os
esforços para “converter” maior número de vendas. Elas se referiram a isso pelos termos
“disputar” e “concorrer”, o que indica a elevação da competitividade entre as próprias
teleatendentes.

“Eles colocam sábado sim e sábado não como meta para dar uma...
[Animada?] Animada no pessoal. Para ver se vira venda. Se você
sabe... oh, semana que você sabe que é sua folga [...], vamos supor:
‘Ângela, você tem que fazer dezessete vendas até sexta-feira. Você tem
que me entregar dezessete vendas até sexta-feira para você folgar no
sábado’. Então, você se mata. Quando é na outra semana, você sabe
que você vai vir trabalhar, porque é o seu sábado, aí...” (Ângela,
teleatendente da empresa A, 18/4/2012).

A individualização do desempenho e das metas resulta não apenas no


acirramento da disputa entre as teleatendentes, mas também em maior conflito e
desigualdade entre elas.

“Acaba que, assim, quem vende bem acaba folgando todo sábado e
quem vende mal acaba vindo trabalhar sempre no sábado. Então
sempre aquele que não vende bem se ferra no final da semana”
(Arlene, teleatendente da empresa A, 6/2/2012).

Aqui se soma outra prática de flexibilidade, discutida anteriormente. A


alteração periódica das metas conforme o desempenho das equipes – semanal ou

184
Normalmente, trata-se de filmes motivacionais.
195

mensalmente – impede-as de saber exatamente quantos produtos devem vender a cada


semana para conseguir a folga.

“É porque aqui, tudo muda aqui. Tudo muda, tudo muda muito
rápido. Por exemplo, um mês, às vezes, vai ser uma folga sim, uma
folga não mesmo se você não bater a meta. Eles já estão falando que
no mês que vem já não vai mais ser assim: quem não bater, não vai
folgar mais, vai trabalhar todos os sábados [...]. A minha equipe
estava mó (sic) feliz, o pessoal estava achando ‘Ah, eu vou folgar
semana que vem, que é minha folga’. Eles falaram que não, que tem
que bater a meta” (Andréa, teleatendente da empresa A, 18/4/2012).

Como as metas variam por semana e por campanha, as teleatendentes ficam


sabendo com pouca antecedência se irão ou não trabalhar no sábado. Essa
imprevisibilidade do dia de não trabalho dificulta a organização da vida social e a
programação das demais atividades.

“[Mas aí você vai ficar sabendo quando (sobre a folga)?] Amanhã


[sexta-feira]. Na hora que a gente chega, a gente pergunta, aí a
maioria dos supervisores já avisa, né?” (Aline, teleatendente da
empresa A, 1o/3/2012).

Todas essas alterações das metas, bem como dos dias de trabalho e de não
trabalho, são utilizadas pelas empresas para adequar o ritmo de trabalho ao fluxo da
produção. Tais medidas são possibilitadas pela grande facilidade que elas encontram
para alterar uma série de elementos do processo de trabalho, inclusive se valendo da
preferência das trabalhadoras pelas folgas aos sábados e domingos para atingir maiores
níveis de produtividade.

1.3e - Alteração do horário de trabalho


Como já havíamos indicado, não apenas os dias de trabalho sofrem
alterações, mas também os horários. Estes são constantemente ajustados pelas empresas
para adequar o número de funcionários ao fluxo de clientes. Tal prática é comum nos
dois segmentos aqui analisados.
Nos super/hipermercados, os ajustes nos horários de trabalho são
frequentes, sendo um pouco mais recorrentes nos grandes estabelecimentos
(hipermercados). Assim, os horários de entrada e de saída podem sofrer alterações
semanais ou diárias.
196

“Tem dias que eu entro mais cedo porque eles trabalham com
revezamento de escala, né? Às vezes, eu entro mais cedo, às vezes um
pouquinho mais tarde. Aí tem uma escala que a gente tem que seguir.
Não é todo dia certinho às 11 horas. Sempre que necessário, eles
mudam a escala. A gente trabalha com revezamento de escala. Aí eles
mudam e a gente entra no horário da escala” (Carla, fiscal de frente
de caixa de hipermercado da empresa C, 3/3/2012).

Essa não é uma prática excepcional da empresa C, mas recorrente no ramo.


Segundo Lula (2007), as empresas de supermercado têm tido destaque na propagação
do uso de “jornadas flexíveis de trabalho”. Em sua pesquisa na cidade de Campina
Grande, Paraíba, o autor verificou o uso de um “mosaico de turnos”, em que os horários
de trabalho dos empregados não eram iguais a cada semana ou dia. Em uma das
empresas de supermercado analisadas por ele, havia o registro de mais de 2.000 turnos,
os quais não eram utilizados em sua totalidade na prática, mas permitiam à empresa
recorrer, se necessário, a turnos a cada minuto. Adotam-se, assim, turnos quase
individualizados.
Essas estratégias, como exemplificou anteriormente o caso de Conrado,
permitem às empresas fazer ajustes de modo a manter sempre um número de
funcionários em atividade de acordo com seus interesses. Segundo Bernard (2012), a
prática das empresas do ramo é organizar as escalas de horário de trabalho conforme o
fluxo dos clientes ao longo do dia, mês e ano, racionalizando e constantemente
aprimorando essa organização.
As entrevistas revelaram que são as trabalhadoras mais “disponíveis” que
ficam sujeitas a essas variações. Estas são principalmente as jovens, solteiras, sem filhos
e residentes próximas do estabelecimento185. Trata-se da utilização da disponibilidade
temporal das empregadas a serviço das necessidades e interesses da empresa.

“[E tem muita gente que fica trocando horário, ou são algumas
pessoas, tipo você? Ou é toda equipe?] Não. Tem gente que não troca
de jeito nenhum. Tipo, se o horário dela é às oito, ela vem pelas oito e
pronto e acabou. São algumas pessoas. Quando a chefe sabe que, ah,
aquele ali dá pra entrar qualquer hora, então... Também depende da
pessoa, se ela mora perto ou não” (Conrado, operador de caixa de
hipermercado da empresa C, 11/11/2014).

185
Aqui, mais do que o sexo do trabalhador, parece importar a ausência de vínculos familiares,
particularmente de crianças pequenas. As mulheres solteiras, sem filhos e que moram perto do trabalho
também são tidas como mais “disponíveis” à empresa, embora, resultado da divisão sexual do trabalho,
elas tendam a assumir mais trabalho doméstico nos lares que os homens.
197

Assim, algumas trabalhadoras ficam sujeitas a vivenciar mudanças


periódicas em seu horário de trabalho. Já para outras, eventuais mudanças ocorrem,
apenas, diante de determinadas situações, como a necessidade de adequar o horário de
trabalho aos estudos ou conforme a abertura de vagas em outro período, sendo, nesse
caso, oferecida a oportunidade de escolha àquelas com mais tempo na empresa. O
período da manhã é o mais procurado pelas operadoras.

“Você só muda de horário se você precisar, tiver fazendo algum curso


e tiver que ir para de manhã ou se alguém de manhã sair. Quando eu
entrei, eu era da tarde. Aí as pessoas que estavam de manhã,
intermediário, foram saindo. Eu fui para o intermediário, fiquei das
onze às sete [11h às 19h]. E agora estou de manhã” (Cristiane,
operadora de caixa de supermercado da empresa C, 1o/6/2012).

Aqui, destaca-se um elemento importante quanto à mudança de horário. As


operadoras encontram baixa possibilidade de ascensão na carreira. Diante disso, a
“subida”186 de horário parece cumprir esse papel. O trabalho no período da manhã
apareceu como o preferido pelas mulheres, sobretudo pelas mães, até porque a jornada
não fica sujeita ao fechamento da loja e ao fluxo de clientes, já que o término de sua
jornada coincide com o início da de outra operadora. A “subida” nos horários de
trabalho se dá à medida que aumenta o tempo de vínculo com a empresa.

“Então os mais novos são jogados sempre para o período da noite.


Depois de um ano no mesmo serviço, aí você consegue ser
remanejado para o diurno assim” (Cléber, operador de caixa de
supermercado da empresa C, 12/3/2012).

No segmento de teleatendimento, também verificamos a alteração


periódica dos horários de trabalho, principalmente no caso dos serviços receptivos. Eles
são ajustados conforme o fluxo de ligações e a demanda por maior produtividade.
Assim, não apenas os horários podem ser alterados em minutos e horas, mas também o
período de trabalho.

“Ativo são dois horários. É de manhã ou é à tarde. Não tem mudança


de horário. Agora receptivo, você vai conforme vão te colocando”
(Adélia, teleatendente da empresa A, 20/6/2012).

A teleatendente Adélia – que iniciou suas atividades no teleatendimento


receptivo e posteriormente passou para o ativo – relatou os diferentes horários em que

186
Termo usado pelas próprias entrevistadas.
198

trabalhou: primeiramente, o das 16h às 22h20min, passando para o das 17h às


23h20min e depois para o das 17h30min às 23h40min. Sua trajetória na empresa é
similar à de outras teleatendentes, revelando a prática de constante ajuste do horário de
trabalho conforme o maior ou menor fluxo de ligações. Vale lembrar a importância dos
sistemas de informação e tecnológicos que permitem à empresa prever ou gerir esse
fluxo e controlar a atividade em tempo real.
Na pesquisa anteriormente realizada no ramo, as teleatendentes vivenciaram
uma mudança quanto ao turno de trabalho, imposta pela empresa: antes trabalhando no
horário noturno, elas foram direcionadas ao período vespertino ou diurno. Como
consequência, a vida cotidiana foi afetada, sofrendo modificações abruptas, como
descontinuidade dos estudos, alteração nas dinâmicas familiares etc.187
Essas práticas são possibilitadas pelos próprios contratos assinados pelas
trabalhadoras, que raramente especificam o local e o horário de trabalho. As empresas
têm, assim, liberdade para ajustar tanto o horário como o local de atividade de seus
funcionários188.
Portanto, a flexibilização do tempo de trabalho, inclusive com a alteração
dos dias e horários, aumenta a possibilidade das empresas de ajustar e organizar o
trabalho de acordo com seus interesses. O fluxo produtivo e de clientes dita, assim, o
tempo de trabalho de grande parte dos assalariados hoje, que ficam sujeitos a suas
oscilações.

1.3f - Quando o tempo de trabalho é flexibilizado


Cabe aqui recapitularmos alguns aspectos em relação à flexibilização do
tempo de trabalho, que consideramos uma das características que mais afetam
trabalhadores e trabalhadoras hoje.
Como vimos, essa flexibilização, no caso do comércio varejista de
super/hipermercados, ocorre, principalmente, por meio do prolongamento da jornada de
trabalho e do uso do sistema de banco de horas. Em ambos os segmentos, verificamos o

187
Para uma análise mais aprofundada, ver: FREITAS, 2010.
188
Nas entrevistas, constatamos apenas um caso de teleatendente que foi transferida de local de trabalho,
sendo direcionada ao estabelecimento da empresa situado na Zona Oeste do Município de São Paulo pelo
período de um mês. Segundo seu relato, ela permaneceu trabalhando no novo local por cerca de seis
meses e, ao solicitar seu retorno à sede em Poá, ela foi informada de que deveria pedir demissão e
reiniciar o processo de reintegração à empresa no local desejado (Entrevista Alcione, 11/2/2012).
199

trabalho organizado por escalas de revezamento aos domingos e feriados, bem como a
alteração periódica dos dias de folga e horários de trabalho.
Nesse contexto, o tempo de trabalho passa a ser constantemente ajustado, de
acordo com a demanda por produtividade das empresas. Em consequência, para as
trabalhadoras, esse tempo já não se resume a um período determinado em que exercem
sua atividade profissional. Ele se torna cada vez mais inconstante e imprevisível,
propagando-se sobre os demais tempos sociais. Desse modo, a análise da jornada de
trabalho não pode se limitar à quantidade de tempo dedicada à atividade. Como aponta
Krein,

não se trata somente de ver quanto tempo o trabalhador fica à disposição do


empregador, mas também de observar quando a atividade será executada
(noite, final de semana, de forma irregular durante mês/ano) e a que ritmo e
intensidade, além de analisar quem a determina e se há critérios ou normas
para a definição das alterações no quadro de horário (KREIN, 2007, p. 216).

As análises sobre ambos os segmentos evidenciam como a imprevisibilidade


do tempo de trabalho tem ganhado espaço nas estratégias de gestão das empresas,
rompendo com a noção de uma “jornada padrão e regular” para a classe trabalhadora.
Cada vez mais, os trabalhadores e as trabalhadoras deixam de saber o momento em que
a jornada de trabalho se inicia e/ou termina, assim como se tornam incertos os dias de
trabalho e de não trabalho. Como analisa Cardoso (2009), para o trabalhador, a
flexibilização faz com que o tempo de trabalho seja “diverso, diferente, desigual ao
longo do dia, da semana, do mês, do ano ou da vida. [...] A novidade é que seu tempo
de trabalho torna-se cada vez mais imprevisível” (CARDOSO, 2009, p. 85, grifo da
autora). Essas mudanças escapam ao controle dos trabalhadores, que ficam, cada vez
mais, submetidos às oscilações da esfera produtiva.
Segundo Richard Sennett (2005), se o termo “flexibilidade” remeteria,
comumente, à noção de liberdade e de adaptação às mudanças, ele é ressignificado na
atual fase do capitalismo. Nela, a forte busca e exigência por flexibilidade leva à criação
de novas formas de poder. No mundo do trabalho, essa parece ser a realidade. Como
vimos, a difusão das mais diversas práticas de flexibilização do tempo de trabalho
adotadas pelas empresas contribui para ampliar seus controles sobre o processo de
trabalho e exigir maior disponibilidade das trabalhadoras. Assim, como afirma o autor,
“o tempo nas instituições e para os indivíduos não foi libertado da jaula de ferro do
passado, mas sujeito a novos controles do alto para baixo. O tempo da flexibilidade é o
200

tempo de um novo poder” (SENNETT, 2005, p. 69). Portanto, maiores flexibilidade e


mobilidade permitem aos empregadores o exercício de um forte controle sobre os
trabalhadores (HARVEY, 1993).
A seguir, procuraremos compreender quais os efeitos dessas estratégias de
gestão sobre a experiência vivida pelas trabalhadoras na esfera produtiva.

2. A flexibilidade e seus desdobramentos sobre a vivência no espaço produtivo


A gestão e a organização do trabalho, com base nos moldes da acumulação
flexível, têm ganhado cada vez mais importância na esfera produtiva. As empresas
gozam de maior liberdade para promover constantes ajustes no processo de trabalho
conforme o fluxo de produção. A análise acima revelou como as práticas de
flexibilização são variadas, recaindo sobre a atividade, a remuneração e a jornada.
Entre as operadoras de caixa e as teleatendentes, as mudanças no ritmo, nas
atividades, nas metas, nos dias e nos horários de trabalho fazem parte de suas
realidades. Elas devem lidar cotidianamente com os constantes ajustes efetuados pelas
empresas.
O caso da empresa de call center A é exemplar quanto a isso. As
teleatendentes apontaram que, nela, as mudanças são constantes.

“Muda muito. Constantemente. É mudança o tempo todo. Tem que


estar preparado para mudança” (Ametista, teleatendente da empresa
A, 4/5/2012).

Essa estratégia se enquadra no que Jean-Luc Metzger (2011) trata de uma


política gerencial de promover mudanças permanentes, a qual tem se propagado,
afetando fortemente as relações de trabalho hoje. Ela amplia o controle das empresas
sobre o processo de trabalho e sobre os trabalhadores, ao passo que estes veem
eliminada qualquer possibilidade de controle e de autonomia sobre sua atividade. Isso se
agrava na medida em que os ajustes realizados pelas empresas se colocam de cima para
baixo, ou seja, são determinados por elas e impostos aos trabalhadores, sendo o grau de
negociação entre ambas as partes reduzido ou inexistente. Como consequência, cabe aos
assalariados constantemente se adequar aos ditames do espaço produtivo.
O resultado é o aumento da incerteza e da imprevisibilidade. No caso das
teleatendentes, analisamos como elas são cobradas por seu desempenho individual, sem
que saibam exatamente o que delas é esperado e quais metas devem alcançar. Elas
201

deixam também de saber o valor que seu trabalho lhes renderá exatamente ao final do
mês, uma vez que parte dele é variável, atrelada ao alcance das metas. Do mesmo modo,
elas passam a não ter conhecimento antecipado sobre os dias e horários que irão
trabalhar e folgar.
A mesma realidade é encontrada entre as operadoras de caixa de
super/hipermercados, entre as quais o tempo de trabalho e o de descanso podem ser
alterados constantemente. Muitas vezes, a organização das escalas de trabalho lhes
escapa ao entendimento, sem que elas possam prever com antecedência suas atividades.
Todas essas constantes mudanças podem ser ilustradas pela metáfora de um
“barco à deriva”, cuja direção é determinada pelo fluxo da produção e dos clientes. As
trabalhadoras se encontram diante da necessidade de se adaptar, de se adequar, de estar
preparadas. Exige-se, assim, que as próprias trabalhadoras sejam cada vez mais
flexíveis.
Essa estratégia se alia à racionalização e à individualização da organização
do trabalho. A individualização é exemplar no caso do teleatendimento, em que a
própria configuração espacial visa ao isolamento das trabalhadoras: como vimos, as
baias separam as teleatendentes, contribuindo para reduzir a interferência no
desempenho de cada uma e o contato entre elas. Segundo as entrevistadas, a supervisora
altera periodicamente as PAs de cada teleatendente, a fim de reduzir as conversas e
diluir os grupos de amizade que possam vir a interferir na produtividade. Da mesma
forma, as metas atreladas ao desempenho individual acirram a competitividade dentro
da própria categoria.
Em situação muito similar se encontram as operadoras de caixa. Também
separadas umas das outras nos check-outs, a gestão individualizada e flexível dos
horários de entrada e saída, bem como dos de descanso, reduz a possibilidade de uma
organização coletiva (CATTANEO, 1997) e do estabelecimento de relações pessoais
entre elas. Nas entrevistas, foi recorrente a menção ao fato de as operadoras não terem
muitos vínculos de amizades entre si. A isso, alia-se ainda a alta rotatividade –
encontrada em ambos os segmentos.
Portanto, a gestão do trabalho, que associa individualização, racionalização
(nos moldes tayloristas, como vimos) e flexibilização, contribui para reduzir as
possibilidades de mobilização coletiva dos trabalhadores (KOVÁCS, 2006; LINHART,
2010b) e afeta os sentidos do trabalho para estes.
202

2.1 - Penosidades, precarização e o sentido do trabalho

O tipo de gestão e organização do trabalho marcado pela racionalização


(que alia forte controle e intensificação do trabalho), pela individualização e pela
flexibilização fragiliza os referenciais coletivos e afeta o modo como o trabalho é vivido
pelos trabalhadores. Propagado a partir da reestruturação produtiva, esse modelo alia
novos e antigos modos de gerir a esfera produtiva, intensificando as formas de
exploração sobre a classe trabalhadora.
No contexto da flexibilização, elementos como a remuneração, a atividade e
o tempo de trabalho ficam submetidos a ajustes constantes. A consequência é um
quadro de insegurança e incerteza entre as trabalhadoras, em relação tanto ao vínculo
empregatício, quanto ao exercício da atividade.
Assim, ainda que a flexibilidade seja apontada, no discurso empresarial,
como positiva, ela tem efeitos perversos sobre os trabalhadores. Segundo Lima (2004),
ela teria como aspectos positivos, ao menos em tese, o fato de envolver maior
compromisso do trabalhador com a produção. Desse modo, na medida em que o
trabalho se individualiza e se personaliza, o envolvimento e o conhecimento do
trabalhador para o aumento da produtividade e da qualidade do trabalho passariam a ser
valorizados, ganhando importância. Porém, na prática, essa individualização é utilizada
pelas empresas como forma de acirrar a competitividade entre os empregados e de
reduzir a possibilidade de mobilização coletiva (KOVÁCS, 2006), despontando como
uma nova forma de controle que tende a submeter ainda mais o trabalhador ao
capital189.
Assim, para a classe trabalhadora, as mudanças permanentes acarretam
fragilização das organizações coletivas, perda de direitos trabalhistas, ganhos menores
de salário e degradação das condições de saúde e de trabalho (THÉBAUD-MONY &
DRUCK, 2007; PADILHA, 2000). Elas são acompanhadas ainda pela intensificação do
trabalho, pela precarização do contrato e pela ausência de perspectiva de acesso a um
emprego como forma de inserção social e de organização da vida com “garantias de

189
Aqui, gostaríamos de ressaltar que consideramos que a flexibilidade poderia ser positiva ao
trabalhador se este exercesse alguma autonomia sobre sua atividade e tivesse a possibilidade de negociar
com as empresas seus tempos de trabalho, seu desenvolvimento etc. No caso das práticas de flexibilidade
heteronômicas, os aspectos negativos prevalecem.
203

reprodução social, do indivíduo, de sua família, de seu grupo social” (LIMA, 2004, p.
168).
No contexto de flexibilização,

1) os trabalhadores são submetidos a uma permanente tensão, em que as suas


competências e capacidade de trabalho são permanentemente colocadas em
xeque, fazendo com que as novas doenças do trabalho estejam vinculadas,
especialmente nos setores mais dinâmicos, ao estresse, à angústia e à
ansiedade; 2) há uma segmentação cada vez mais nítida entre os que
alcançam postos de trabalho melhor remunerados e os que estão disponíveis
no mercado para exercer qualquer atividade; 3) busca-se fragilizar os
sindicatos e reduzir o seu papel, assim como o das instituições do Estado, na
regulação pública e geral do mercado de trabalho; e 4) as negociações tendem
a descentralizar-se para o local de trabalho (KREIN, 2007, p. 306).

Esse processo vem, assim, acompanhado pela precarização das relações de


trabalho. A precariedade no trabalho não é nova, mas, no contexto da reestruturação
produtiva, ela foi exacerbada e se generalizou, passando a afetar, inclusive, grande parte
dos trabalhadores inseridos no trabalho formal.
Aqui, a conceituação de Linhart (2010a), já mencionada, é fundamental para
compreender as múltiplas facetas que a precariedade do trabalho ganha no atual
contexto: de um lado, há a precariedade objetiva, caracterizada por alta rotatividade,
baixa remuneração, limitada possibilidade de ascensão na carreira, más condições de
trabalho, danos à saúde e intensificação do trabalho; de outro, há a precariedade
subjetiva, resultado do aumento da individualização das relações de trabalho, manifesta
no sentimento dos trabalhadores de estarem isolados, sem apoio para fazer face aos
obstáculos inerentes à realização do trabalho e sem terem uma identificação coletiva
entre eles. Nesse sentido, Alves (2000) discorre que vem ocorrendo uma precarização
da classe trabalhadora, a qual é atingida no aspecto objetivo – isto é, afetada em seu
salário e emprego –, mas também no subjetivo, ou seja, na consciência de classe.
Sem o coletivo como referência, as adversidades encontradas no exercício
do trabalho intensificam o sentimento de penosidade. Para Sabine Fortino e Danièle
Linhart, o atual contexto de crescente individualização do trabalho e de mudanças
organizacionais permanentes faz emergir “as novas formas de penosidade, que vêm se
juntar às antigas penosidades que persistem” (FORTINO & LINHART, 2011, p. 44 190).
Segundo Linhart (2010b), estas sempre fizeram parte do mundo do trabalho, mas, no
atual contexto, elas se exacerbam e se propagam.

190
Optamos por traduzir o termo francês “penibilité” por “penosidade”.
204

As penosidades aparecem como um sofrimento que advém das condições do


atual contexto de organização do sistema capitalista. Nele, os trabalhadores estão sendo
constantemente pressionados a responder às diferentes demandas das empresas, onde as
regras do jogo mudam o tempo todo. A necessidade de responder às constantes
mudanças e metas impostas pelas empresas, de estar submetido a uma forte pressão por
resultado e desempenho, a mecanização e racionalização das tarefas, bem como a
sensação de não controlar o exercício de sua atividade, resultam, para os trabalhadores,
em uma situação de insegurança e de desconforto. Segundo Linhart (2010a), a
penosidade é oriunda de um sentimento de abandono e de isolamento, bem como de
uma baixa autoestima, devido à sensação do trabalhador de ser incompetente para o
trabalho. O resultado é a sensação frequente de medo, ansiedade e insegurança,
comumente referida pelo termo “estresse”.
A relação dos trabalhadores com suas atividades passa, portanto, a ser
afetada:

Com efeito, não somente a organização do trabalho e do tempo de trabalho


evoluiu em direção à intensificação e à precarização das formas de emprego,
mas também as características desta intensificação e desta precarização
(regras, princípios, ferramentas, localização, responsáveis/gerentes, colegas)
mudam frequentemente, o que contribui para desestabilizar, perder o
interesse, cansar, desencorajar, a cada ocorrência, uma parcela dos
trabalhadores (METZGER, 2011, p. 14).

No caso das teleatendentes da empresa A, a percepção partilhada por todas,


diante das sucessivas mudanças, é a de serem “jogadas de um lado para o outro”. Ana
indicou que o que menos gostava em sua atividade era o fato de a empresa tratá-las
como número: “se você não serve para uma coisa, eles vão te mudar para outra” (Ana,
teleatendente da empresa A, 21/5/2012). A resposta de Adélia vai ao encontro da
percepção de Ana:

“[O que eu menos gosto é] ficar mudando de produto. É um jogo de


empurra. Uma hora te empurra para um lado, outra hora te empurra
pro outro. Você se sente na verdade uma bolinha de pingue-pongue.
Sabe? Uma hora te taca a raquete, você cai para um lado; depois te
taca a raquete, você vai pro outro. É assim que a gente acaba se
sentindo. Se você faz treinamento hoje para um produto, aí você
trabalhou um mês nesse produto, aprendeu esse, aí chega amanhã:
‘Oh, essa semana você vai fazer outro produto’. É horrível. Você está
com aquele produto na cabeça ainda” (Adélia, teleatendente da
empresa A, 20/6/2012, grifo nosso).
205

Em ambas as atividades, vimos que a autonomia e o controle das


trabalhadoras sobre o trabalho são muito limitados, quase nulos. A falta de autonomia
no trabalho tem desdobramentos sobre o sentido conferido a ele. Isso porque, segundo
Rosenfield (2007b), a autonomia, juntamente com o reconhecimento social, é elemento
constitutivo da identidade no trabalho.

A autonomia no trabalho integra, pois: 1) uma dimensão operacional ligada


às exigências funcionais, operacionais, que remetem à organização do
trabalho; 2) outra identitária, marcada pela busca de afirmação de si, de
liberdade, de realização, conforme a idéia de um individualismo-
emancipação, 3) e ainda uma dimensão social, uma vez que o identitário é
social, que a individualização e a inclusão social são os dois componentes
dos processos de reconhecimento social (ROSENFIELD, 2007b, p. 4).

A autonomia envolve, assim, o controle do trabalhador sobre o trabalho que


realiza e a possibilidade de esse trabalho conferir sentido tanto para ele, como para os
demais e para a sociedade, isto é, o reconhecimento social do trabalho. Como
discutimos anteriormente, a valorização e o reconhecimento social de ambas as
atividades são baixos, o que, por sua vez, leva a uma desvalorização, entre as próprias
trabalhadoras, de seu trabalho e, muitas vezes, de si.
A redução ou a ausência de autonomia impacta, portanto, a relação que as
trabalhadoras estabelecem com seu trabalho, cujo sentido parece se esvaziar. Elas
passam a ter dificuldade em lidar com as imposições das empresas, que muitas vezes
seguem lógicas contraditórias, sentindo-se incompetentes ou desmotivadas para o
trabalho.
Esse quadro gera um sentimento de descontentamento e de desânimo. Nos
diferentes relatos, os termos utilizados pelas entrevistadas para falar de seu trabalho
foram “cansada”, “desmotivada”, “chateada”, “desamparada”. O mal-estar no trabalho
aparece, portanto, como resultado do tipo de gestão e de organização do processo
produtivo na atualidade.
Entre as teleatendentes, essas sensações advêm, principalmente, dos baixos
e variáveis salários e da percepção de serem facilmente substituíveis. O estrito controle
da empresa sobre o processo de trabalho e sua simplificação possibilitam a constante
substituição delas por outras, “mais capazes de se adaptar” (Adélia, teleatendente da
empresa A, 20/6/2012). Segundo Helvio Peclat (2011), a teleatendente se percebe
apenas como um número para a empresa, à medida que ela é facilmente trocada de local
de trabalho dentro da própria empresa ou de produto.
206

Entre as operadoras de caixa de super/hipermercados, tais sentimentos


resultam, sobretudo, da jornada ampliada de trabalho e do uso do banco de horas. A
percepção entre elas é de que são tratadas apenas como números para a empresa, e não
como trabalhadoras que têm suas necessidades pessoais e familiares reconhecidas. Do
mesmo modo, aparece a noção de que todo o esforço realizado não será recompensado.
Para elas, a possibilidade de subir na carreira é quase inexistente ou difícil. São poucas
aquelas que conseguem ascender, ficando muitas vezes limitadas a ser fiscais da frente
de caixa. A afirmação de José Lago (2008, p. 274) de que “ser caixa é um estado
permanente, não um passo dentro de uma carreira profissional” nos parece totalmente
aplicável ao caso brasileiro. Essa dificuldade de ascensão na carreira desponta como um
dos elementos que consomem, aos poucos, a motivação das operadoras. Encontramos
trabalhadoras que disseram ter se desmotivado ao longo dos anos na empresa por não
terem tido suas necessidades respeitadas, nem seu trabalho valorizado.
Nota-se, portanto, que esse tipo de gestão afeta o sentido que o trabalho tem
para as trabalhadoras, bem como o modo como elas vivenciam a esfera produtiva.

Se essa organização afasta o trabalhador do poder de decisão, prejudica ou


impede que ele desenvolva estratégias para adaptar o trabalho à sua realidade,
são gerados sentimentos de insatisfação e inutilidade, interferindo com a
motivação e desejos, reduzindo o desempenho do indivíduo (VILELA &
ASSUNÇÃO, 2004, p. 1.070).

Nossa pesquisa revelou que esse sentimento de descontentamento e de


desânimo em relação à atividade vem, em muitos casos, acompanhado pelo
adoecimento, destacando-se os casos de depressão. Configura-se, assim, um quadro
mais amplo de degradação das condições de trabalho e de saúde das trabalhadoras.

“Então, eu estou assim... cansada, né?, de tudo e de todos. Tem dias


que eu estou injuriada. E eu tive problema sério, eu estava com
depressão. Estou fazendo tratamento psicológico. Só que agora eu
comecei a tirar medicação. Entendeu?” (Cleusa, operadora de caixa
de hipermercado da empresa C, 23/5/2013).

Do mesmo modo, esse descontentamento reverbera na vontade das


trabalhadoras de ser demitidas. Mais do que o desejo, aparece o pedido à empresa para
que sejam demitidas. Isso apareceu de modo muito recorrente nas entrevistas dos dois
segmentos. No início da pesquisa, fomos verificando que grande parte das entrevistadas
– tanto operadoras de caixa como teleatendentes – havia solicitado ou queria ser
demitida pela empresa, o que nos chamou a atenção para esse fenômeno.
207

Posteriormente, dada a sua recorrência, deu-se uma inversão: passaram a ser


surpreendentes os relatos em que as trabalhadoras deixaram de mencionar essa vontade
ou, sobretudo, em que declararam planos futuros que envolviam a vontade de
permanecer no emprego. Nesses casos, a vontade de permanecer foi manifestada,
sobretudo, pelas recentemente contratadas pelas empresas e pelas que disseram ter
necessidade de pagar dívidas ou encargos domésticos.
Torna-se evidente que o mecanismo da demissão – utilizado tanto pelas
trabalhadoras como pelas empresas – é decisivo para compreender a relação que as
primeiras estabelecem com suas atividades e a conformação de suas trajetórias
profissionais.

“Igual, hoje, eu tive uma conversa séria... eu quero sair. Então, como
está tendo corte... [Você pediu para sair?] Eu pedi para sair. Eu pedi
para colocar o meu nome no próximo corte que vier. Aí mandaram eu
esperar até o final do mês para me darem a resposta” (Adélia,
teleatendente da empresa A, 20/6/2012).

“Aí estou esse tempo todo, mas estou querendo sair. Estou tentando
ver se agora eles me demitem. [Você pediu para sair?] Pedi. Há dois
anos atrás” (Cleusa, operadora de caixa de hipermercado da empresa
C, 23/5/2013)191.

A referência à existência de uma “lista de demissão” e a solicitação para


inclusão do nome nessa lista apareceram nos diferentes relatos de ambos os segmentos,
evidenciando certo mal-estar generalizado das trabalhadoras em relação ao trabalho.
Recorrentemente, as entrevistadas manifestaram ter esperança quanto à
chegada de sua vez na “fila da demissão” e/ou a decepção pela demora desse momento.
Já as trabalhadoras que conseguiram ser demitidas referiram-se a isso como motivo de
satisfação, contentamento. Dois trechos do diário de campo revelam essas situações de
decepção e de satisfação:

“No dia da entrevista, Ametista me contou que, naquele dia, duas


amigas – uma que entrara antes dela na empresa e outra que entrou
na mesma época – a tinham encontrado na porta da empresa e lhe
contado que tinham sido demitidas. Ametista, surpresa, perguntou a
elas: ‘Quando?’. E elas falaram que tinha sido naquele dia mesmo,
que elas tinham chegado à empresa e sido informadas que estavam
sendo desligadas. Elas falaram para Ametista: ‘Calma, a sua hora vai

191
Vale mencionar que essas duas entrevistadas foram demitidas das respectivas empresas. Como
abordamos no capítulo dedicado a apresentar as etapas da pesquisa de campo, grande parte das
entrevistadas foi, posteriormente, demitida das empresas, na maioria após solicitação a ela.
208

chegar, porque eles vão mandar aqueles com mais tempo de empresa
embora’” (Anotações do diário de campo, 4/5/2012).

“Dia 9/5/2012: Troquei mensagem de celular com Celso. Ele me disse


que havia sido demitido pela empresa: ‘Boa noite, vou te enviar os
números dos funcionários que tenho em minha lista de contatos! E a
propósito consegui ser mandado embora, essa honraria é dada a
poucos! rs rs’ (mensagem recebida no dia 9/5/2012 às 20h44). E na
sequência: ‘Eu estava pedindo há 3 anos e, após vários diretores,
finalmente consegui! Não sei se foi coincidência ou presente de
aniversário’ (mensagem recebida dia 9/5/2012 às 21h14)”
(Anotações do diário de campo, 9/5/2012).

O período que se estende do pedido para a inclusão do nome na “lista da


demissão” até sua efetivação pode ser longo (algumas vezes, anos), como demonstraram
os relatos.
Podemos aventar uma hipótese que nos parece explicar, em parte, essa
dinâmica verificada em ambos os segmentos: as trabalhadoras, devido ao tipo de
organização e de gestão do trabalho, chegam ao limite do tempo suportável no emprego
e começam a manifestar sentimentos de cansaço e descontentamento até que solicitam à
empresa que as demitam. Esta, por sua vez, parece esperar até o limite, isto é, até que as
trabalhadoras peçam demissão por sua conta ou até sua produtividade já não ser
suficiente, tornando vantajosa a sua troca por outras funcionárias, com menor salário e
mais facilidade (ou menor resistência) para se ajustar às dinâmicas da empresa. Esse
limite, portanto, é dado pelo “prazo de validade” das trabalhadoras, o qual parece ser
menor entre as teleatendentes do que entre as operadoras de caixa.
No caso das teleatendentes, Braga (2012) explica o “ciclo de vida” – ou o
“prazo de validade” – de uma trabalhadora: os dois ou três primeiros meses é o período
em que a teleatendente entra em contato com o produto, aprende a lidar com ele e ganha
experiência para se tornar hábil em obter ganhos de produtividade. A partir daí, ela está
apta para alcançar as metas e se sente razoavelmente confortável por dominar o produto.
A empresa sabe que esse é o período em que ela obterá o maior ganho de produtividade
e incentiva isso, por meio das campanhas motivacionais, por exemplo. Depois de cerca
de 12 meses, começam a surgir os sinais de esgotamento, adoecimento e desinteresse,
derivados, segundo o autor, do endurecimento das metas, da rotinização do trabalho, do
despotismo das chefias, dos baixos salários e das más condições no ambiente de
trabalho.
Como aponta Rosenfield (2009), ainda sobre o teleatendimento:
209

com o passar do tempo, a fadiga, o esgotamento físico e psicológico, a perda


da paciência e o aumento constante das metas (o que significa a redução do
rendimento e um esgotamento da autossuperação) se traduzem em queda da
produtividade. Para a empresa, significa que o “prazo de validade” do
operador se esgotou e ele precisa ser substituído (ROSENFIELD, 2009, p.
178).

No entanto, como as entrevistas evidenciaram, as empresas procuram,


primeiramente, “esgotar” a trabalhadora para que ela peça demissão (opção mais
vantajosa, já que terão menos gastos com encargos trabalhistas). Faz parte dessa tática
mudar a teleatendente de produto como forma de tentar aumentar sua produtividade,
como vimos no caso da empresa A, ou tornar esse esgotamento tão insuportável que a
única saída para a trabalhadora é pedir demissão.
Essa estratégia não é exclusiva da empresa A. Ela apareceu nos dois
segmentos aqui analisados. O estudo de Grégoire Philonenko (1997) confirma seu uso
no ramo de super/hipermercados. Em seu estudo sobre a empresa Carrefour na França,
na qual trabalhou, o autor relata que, em vez de demitir, ela levava os funcionários a
pedir demissão. Essa estratégia era vantajosa, uma vez que a empresa não tinha de arcar
com os custos do desligamento, não corria o risco de ser contestada judicialmente e
ainda mantinha a imagem de competente na forma de gerir seu quadro de pessoal e na
oferta de um bom ambiente de trabalho. Para tanto, a empresa adotava, na prática, uma
política de enfrentamento aos trabalhadores que gostaria de demitir, aumentando a
pressão sobre eles192.
Estratégia similar apareceu no relato de uma das operadoras entrevistadas,
que aguardava havia dois anos sua demissão:

“[É, pelo visto, eles não demitem?] Não, não demite. É assim, agora
tem uma regra que os bons funcionários, você vai conversar, com o
tempo eles te liberam. Eles te demitem. Os bons funcionários! Porque
os maus, eles não... eles fazem você se encher, se encher até você
chegar e pedir demissão. Ou então te mandar por justa causa. Que é
o que mais está acontecendo lá” (Cleusa, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 23/5/2013).

Um elemento comum nos relatos de ambas as atividades, sobretudo entre as


trabalhadoras com mais tempo na empresa, foi a afirmação de que elas queriam ser

192
No caso da empresa estudada, o autor indica que, após 10 meses de abertura da loja, houve uma
renovação (turnover) de 100% dos funcionários: para um quadro de 346 pessoas trabalhando, houve 692
contratações no período. O próprio autor foi demitido por falta grave, o que o levou a acionar a justiça,
alegando desrespeito aos direitos trabalhistas, devido à longa jornada que fazia, ao não pagamento das
horas suplementares etc. (PHILONENKO, 1997)
210

demitidas, mas não pediriam demissão. Aqui cabe apontar a importância do FGTS, bem
como do seguro-desemprego, nas trajetórias de entrada e saída no mercado de trabalho.
O tempo dedicado à empresa é considerado por elas um “bem valioso”, à medida que se
converte em recurso financeiro, necessário durante o período em que não estarão
inseridas no mercado de trabalho. Assim, elas desejam sair da empresa, mas querem que
esta as demita, “porque não compensa pedir as contas” (Célia, fiscal de frente de caixa
de hipermercado da empresa C, 11/7/2012).

“Mesmo porque eu pego um dinheiro bom, aí tem o seguro, aí eu vou


guardando também. Não precisa gastar de uma vez. Pode guardar
também. [Mas se eles não te mandarem embora, você não vai sair?]
Eu não vou pedir as contas. Aí não dá. Não, porque eu estou jogando
fora três anos. [E o seguro?] Estou jogando três anos fora. Não é nem
pelo seguro, é mais pelo tempo de casa. Eu estou jogando três anos
fora, então as contas eu não peço. [Tá. Você vai esperar eles te
mandarem embora?] Porque só de rescisão... o Fundo de Garantia
mais 40% que dá, dá R$ 2.660,00. Eu não quero jogar isso fora. Para
eles convém eu fazer isso. Para eles, é lucro. Mas para mim não. Eu
tenho férias vencidas. Então para mim não compensa pedir as contas.
Eu preferiria ser mandada embora” (Adélia, teleatendente da
empresa A, 20/6/2012).

Se a empresa não demite, a trabalhadora, em muitos casos, força a demissão


por meio da rescisão contratual indireta, isto é, quando a empregada move uma ação
trabalhista contra a empresa, alegando falta grave do empregador 193. Encontramos
diversas entrevistadas que entraram com esse tipo de pedido contra a empresa. Algumas
chegam a abandonar o emprego, movendo, posteriormente, esse tipo de ação194.

“Eu entrei com rescisão, estou esperando só sair a audiência e vazar.


Aí vou receber os meus direitos em casa. Aí eu vou receber os meus
direitos, mas eu não vou poder trabalhar registrada, né? Vou receber
seguro-desemprego e tal. Mas eu já entrei, já está no advogado já...
Porque eu pedi pra ser mandada embora, eles não mandam. Então....
eu não vou pedir minhas contas. Porque eu não vou perder, também,
o tempo que eu fiquei aqui, né? Daí uma colega minha saiu e entrou
com rescisão, só que ela optou por parar de trabalhar, o advogado
mandou uma carta, aí ela parou. Só que eu não posso, né? Como eu
tenho dívida, então eu falei que ia continuar trabalhando até sair a

193
Os motivos para esse tipo de demissão estão previstos no artigo 483 da CLT (BRASIL, 1943). Nos
casos julgados positivos, o trabalhador tem direito a receber saldo de salário, salário-família, 13o salário
proporcional, férias proporcionais e, quando houver, férias vencidas, além do direito a sacar o Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) acrescido da multa de 40% paga pelo empregador sobre o valor do
FGTS e solicitar o seguro-desemprego.
194
Essa prática também aparece aqui como uma estratégia de resistência – individualizada – das
trabalhadoras, em oposição à organização e gestão do trabalho. Analisaremos as estratégias de resistência
no item a seguir.
211

audiência. E aí ela me passou o telefone dele, eu conversei com ele e


ele pediu rescisão” (Aurora, teleatendente da empresa A, 19/5/2015).

Todos esses aspectos aqui apresentados nos levam a questionar sobre o


sentido que o trabalho tem na vida dessas pessoas e sobre as trajetórias profissionais que
se conformam a partir de então. No caso do segmento de teleatendimento, o emprego é
visto como provisório, realizado normalmente durante o período de estudo, devido à
jornada de seis horas diárias, ou como trampolim para outro tipo de inserção no
mercado de trabalho (ROSENFIELD, 2007a; VENCO, 2009a). Assim, o vínculo de
trabalho não parece ser um elemento projetado em longo prazo entre as teleatendentes.
No entanto, como já havíamos identificado em pesquisa anterior, na prática, a saída do
segmento não se concretiza tão facilmente: o que ocorre é a constante troca de uma
empresa de call center por outra, configurando trajetórias profissionais restritas ao
teleatendimento (FREITAS, 2010)195.
A trajetória de Alana, que se assemelha à de várias outras teleatendentes que
conhecemos ao longo da pesquisa, confirma essa afirmação. Seu primeiro emprego foi
em uma empresa de call center. Após seis meses, estando descontente com o trabalho
em teleatendimento receptivo (particularmente devido ao horário e aos dias de trabalho),
ela solicitou à empresa para demiti-la. Ao receber uma resposta negativa, ela pediu
demissão. Segundo seu relato, ela escutou, então, a seguinte frase: “Não adianta você
sair, você vai sair de um telemarketing e você vai para outro telemarketing” (Alana,
teleatendente da empresa A, 19/5/2015), o que seria justificado pela ampla oferta de
emprego no segmento. Essa “profecia” se confirmou: seu segundo emprego foi na
empresa de teleatendimento A. Cabe dizer que a entrevistada manifestou querer sair da
empresa, mas não naquele momento, uma vez que dependia financeiramente do salário.
Recentemente, a mesma pediu demissão, segundo ela, devido a um quadro de
depressão, consequência do “muito estresse, nervoso”. Como afirmou, “telemarketing
nunca mais”196.

195
Procuramos aqui acompanhar a trajetória das trabalhadoras que se desvincularam, posteriormente, da
empresa. Ainda que não tenha sido possível recolher informações de todas elas, pudemos constatar alguns
caminhos percorridos. No caso do teleatendimento, encontramos muitas delas trabalhando em outra
empresa do mesmo segmento. Uma teleatendente tornou-se operadora de caixa de supermercado. Tanto
entre as operadoras de caixa como entre as teleatendentes, encontramos aquelas que buscaram trabalhos
autônomos e informais; outras buscaram inserção em postos de trabalho em empresas voltados à sua
formação e mais qualificados.
196
Conforme troca de mensagem via celular em 20/01/2016 (registrada no diário de campo).
212

Esta última frase foi mencionada por diversas teleatendentes entrevistadas.


Elas fizeram referência à vontade de não continuar mais no segmento, sobretudo devido
à intensificação do trabalho. No entanto, nossas pesquisas sobre o ramo parecem indicar
que sair do segmento é um desafio a ser enfrentado197.
Um dos motivos é a facilidade de entrada nesse segmento, indicada por
parte das entrevistadas. Ele desponta como uma importante porta de entrada para
mulheres, jovens etc., como vimos anteriormente. Mas não se resume a isso. Em muitos
casos, ele é visto como a única porta aberta. Desse modo, a inserção no segmento
aparece como um degrau para galgar outro posto de trabalho, mais qualificado, ou como
falta de opção.

“Mas por que telemarketing? Porque não se achava mais nenhum,


entendeu? Não estava tão fácil assim. Às vezes, eu... eu entreguei
vários currículos, então onde... eu atirei para todos os lados. Onde eu
consegui foi de telemarketing, aí foi o que eu fiquei, agarrei, porque
eu estava precisando mesmo. Aí eu continuei até hoje” (Adélia,
teleatendente da empresa A, 20/6/2012).

A “falta de opção” como motivo para a inserção no segmento também


apareceu entre as operadoras de caixa. O fato de o comércio varejista ser um ramo com
alta taxa de empregabilidade, sobretudo entre as mulheres, é decisivo na trajetória delas.

“Porque eu fiquei desempregada mais ou menos uns três meses, e


aqui foi a única opção que me apareceu” (Cibele, operadora de
hipermercado da empresa C, 13/6/2012).

No entanto, diferentemente das teleatendentes, a manutenção do emprego


parece estar mais presente no ideário das operadoras de caixa. Pelo fato de a empresa
ser de grande porte e importante no ramo, o emprego não foi apontado como algo
facilmente substituível, ainda que o desejo de ser demitida tenha sido manifestado por
grande parte das entrevistadas. Entre elas, o descontentamento cresce à medida que
aumenta o tempo de vínculo com a empresa, quando se percebem como um número
para esta e veem limitada a possibilidade de ascensão na carreira e de reconhecimento
de seu trabalho.
O que a análise dos dois segmentos indica é que as políticas gerenciais
adotadas pelas empresas, com base no controle, na individualização e na flexibilização
das relações de trabalho, reduzem, ao máximo, o controle e a autonomia das

197
Mensagem de celular trocada em 20/1/2016. Anotações do diário de campo.
213

trabalhadoras. Segundo Rosenfield (2009), reconhecimento e autonomia (na qual se


inclui o controle sobre o trabalho) estão no cerne da construção da identidade no
trabalho. Quando estes se tornam inexistentes ou limitados, a relação das trabalhadoras
com sua atividade e emprego é modificada, transtornada.
Fortino & Linhart (2011) mostram que há um conflito de valor sobre o
sentido do trabalho quando os assalariados devem lidar com exigências impossíveis de
realizar, por estarem fora de seu controle. A isso soma-se a dificuldade de estabelecer
um referencial coletivo, dada a crescente individualização das relações de trabalho.

2.2 - Pequenas e possíveis margens de resistência e de autonomia

A individualização e as práticas de flexibilização fragilizam as


possibilidades de organização coletiva. No caso das teleatendentes da empresa A, vimos
como elas tendem a internalizar sua responsabilização e a se culpar por não conseguir
atingir as metas. Entre as trabalhadoras dos dois segmentos, também foi recorrente a
menção às constantes alterações e à elevada rotatividade, fatores que contribuem para
minar a identificação a um referencial coletivo.
Essa identificação coletiva no trabalho tem papel fundamental na redução
do sofrimento – seja pelo apoio dos colegas, seja pelo sentido coletivo dado a ele. No
entanto, em ambas as atividades, ela fica ameaçada. Sem esse referencial coletivo, cabe
às trabalhadoras responder individualmente às diferentes demandas da empresa,
adaptar-se a elas, fazer face aos obstáculos e desafios, sem poder contar com a troca de
experiências entre os pares, importante para conferir sentido ao trabalho.
Do mesmo modo, as possibilidades de mobilização coletiva ficam
enfraquecidas. Em ambos os segmentos, além da organização do trabalho, a presença de
jovens e a alta rotatividade também são fatores que contribuem para isso. O predomínio
de jovens (normalmente em sua primeira inserção no mercado ou tendo passado de um
emprego ao outro, mas sempre nas mesmas condições) leva a que esse tipo de gestão e
de organização do trabalho passe a ser visto como natural, já que eles não têm uma
bagagem de experiência coletiva de resistência e desconhecem outras formas de
vivenciar o mundo do trabalho.
Em todas as entrevistas, praticamente não houve referência aos sindicatos e
raramente a menção se deu de modo espontâneo. Com exceção de duas teleatendentes
indicadas pelo sindicato, não encontramos nenhuma trabalhadora que fosse
214

sindicalizada ou tivesse alguma participação nas atividades dos sindicatos. Algumas até
desconheciam a entidade sindical que representava sua categoria.
No caso do segmento de teleatendimento, as mobilizações coletivas e
greves ainda são poucas, embora ocorram. Há registros de paralisações e greves,
realizadas para protestar contra más condições de trabalho, imposições de meta e
controle abusivo, por exemplo. No ano de 2005, uma das maiores greves no segmento
ocorreu na empresa Atento, com a paralisação das atividades por 55 dias. Do mesmo
modo, a empresa B, como já mencionamos, vivenciou uma série de paralisações de
funcionárias para denunciar o atraso no pagamento dos salários e os desacordos nos
contratos de trabalho.
No entanto, essas mobilizações e a atuação dos sindicatos esbarram em
limitações impostas pela própria configuração da categoria – jovem, “de passagem” etc.
–, pela disputa entre organizações sindicais pelo direito à representatividade do
segmento198 e pelas políticas empresariais, que tendem a dificultar o envolvimento das
teleatendentes com os sindicatos. Em nossas entrevistas, as trabalhadoras indicaram que
o sindicato, periodicamente, comparecia à empresa para entrega de materiais
informativos, mas a prática foi proibida 199. A organização coletiva nesse segmento
desponta, assim, como um desafio a ser enfrentado.
No segmento de super/hipermercados, do mesmo modo, a mobilização
coletiva e a realização de greves também são limitadas no País 200. O comércio aparece
como um subsetor com baixo número de greves. Entretanto, Patrícia Trópia (2014)
salienta que, na categoria de comerciários, os super/hipermercados são aqueles que

198
Há duas organizações sindicais no Estado de São Paulo que representam e disputam a
representatividade da categoria: o Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing (Sintratel) e o Sindicato
dos Trabalhadores em Telecomunicações (Sintetel). Alguns estudos discorrem sobre a relação e as
divergências entre eles. Ver, entre outros: BRAGA, 2012; CORROCHANO, 2007. Em pesquisa anterior,
também abordamos o tema; ver: FREITAS, 2010.
199
Em entrevista com dirigentes do Sintratel, a proibição de sua presença nas dependências da empresa A
também foi mencionada, tendo sido assinalada como um dificultador para o estabelecimento de diálogos e
aproximações com as trabalhadoras.
200
Cabe observar que, internacionalmente, o segmento tem vivenciado algumas greves. Uma importante
mobilização coletiva vem ocorrendo em torno da rede varejista Walmart, em que, desde 2012, os
funcionários realizam paralisações, especialmente durante a campanha da Black Friday. Elas ocorrem em
lojas ao redor do mundo, particularmente nos EUA, mas também no Brasil. A rede é acusada de ser uma
das principais do segmento em termos de más condições de trabalho, baixos salários e violações dos
direitos trabalhistas. Ver, entre outras reportagens: <http://exame.abril.com.br/negocios /noticias/walmart-
muda-gestao-para-lidar-com-1a-greve-de-funcionarios>. Acesso em: 8 fev. 2016.
215

registram maior número de mobilizações, apesar de sua ocorrência ainda ser reduzida
quando comparada ao tamanho do segmento201.
Em nossas entrevistas, a referência ao sindicato foi pouco mencionada pelas
operadoras de caixa, embora tenha aparecido de modo espontâneo em alguns relatos. O
mais significativo foi o caso de uma operadora que recorreu ao sindicato, com mais
quatro colegas, para denunciar a proibição ao acesso ao banheiro durante a jornada, o
que havia causado o adoecimento de uma delas. Também, aqui, houve relatos sobre a
presença periódica de dirigentes sindicais nas lojas, entregando material informativo e
conversando com as trabalhadoras para saber sobre as condições e a organização do
trabalho praticadas pela empresa.
Na segunda etapa das entrevistas, constatamos que o sindicato havia
passado a estar mais presente nas lojas da rede, com uma atuação mais incisiva.
Segundo as trabalhadoras, isso foi responsável por promover algumas mudanças na
organização do trabalho nos estabelecimentos da empresa C. Entre elas estavam, por
exemplo, as exigências de gozo dos dias de folga por feriado trabalhado e do
cumprimento da escala de trabalho 2x1 relativamente aos domingos. Menos do que
novas conquistas, trata-se de normas previstas no acordo coletivo que não estavam
sendo cumpridas pela empresa.
No entanto, é importante ressaltar que a organização do trabalho e o
cumprimento do acordo coletivo não se dão da mesma maneira em todas as lojas da
empresa C. Podemos afirmar que recorrentemente esta se utiliza de subterfúgios para
contornar ou desviar o cumprimento de certos acordos, particularmente em relação ao
banco de horas e às escalas de revezamento.
Entre suas ações para pressionar a empresa, o sindicato realizou, durante o
período de negociação pelo ajuste salarial, uma série de mobilizações, como a que
impôs, em setembro de 2013, o fechamento de uma das lojas da rede por algumas
horas202. Se essa ação repercutiu sobre a política empresarial, as trabalhadoras pouco se
envolveram ou participaram dela, seja por ter sido uma estratégia do sindicato, sem a
mobilização prévia das trabalhadoras, seja pela política da empresa de coibir o
envolvimento delas com a organização sindical, como indicaram as entrevistas.

201
Segundo a autora, no período 1982-2009, foram deflagradas 166 greves no subsetor de comércio, a
maioria ocorrida nas décadas de 1980 e 1990. Entre 1991 e 2009, cerca de 68% das greves foram
motivadas por questões salariais (TRÓPIA, 2014).
202
Informações disponíveis em: <http://www.comerciarios.org.br/index.php/>. Acesso em: 10 fev. 2016.
216

“[...] foi uma quarta-feira que fecharam... poucos clientes entraram,


cliente de carro não entrava, aí a gente ficava lá, sem fazer nada
porque o sindicato fechou a entrada. [E vocês não foram participar
da...] A gente estava no caixa, se a gente fosse o chefe ia encrencar,
né? Aí a gente ficava lá, só olhando. Mas teve pessoas de outros
setores que foi lá” (Carmem, operadora de caixa de hipermercado da
empresa C, 17/10/2014).

Verifica-se, portanto, que a mobilização coletiva em ambos os segmentos


esbarra em limitações. Dado o próprio tipo de gestão e organização do trabalho adotado
pelas empresas, as possibilidades de construção de um referencial e de uma organização
coletivos ficam reduzidas.
No entanto, não podemos supor que as trabalhadoras são sujeitos passivos e
omissos em relação a isso. Mesmo diante de um forte controle sobre o trabalho, elas
adotam estratégias e práticas de resistência. Essas ações lhes permitem lidar com
imposições, desafios e conflitos advindos do tipo de organização do trabalho, do fluxo
produtivo e da relação com os clientes.
Segundo Benquet (2013), as possibilidades de resistência, de se apropriar
das margens de liberdade e de manobras dependem do sentido que os assalariados
conferem ao trabalho. Ainda que as trabalhadoras não se refiram a essas estratégias
como formas de resistência, elas são práticas cotidianas, muitas vezes individuais, mas
que lhes possibilitam tomar para si o controle, ainda que muito limitado, de seu
trabalho. Soares (1997a) cita essas práticas como resistências individuais e silenciosas,
rebeliões cotidianas que visam preservar a qualificação e a dignidade no trabalho. De
acordo com o autor, as estratégias de resistência são reveladoras da existência de
opressão e de más condições de trabalho.

2.2a - Resistências individuais


Super/hipermercados
No caso das operadoras de caixa, a gestão empresarial procura controlar ao
máximo sua atividade e limitar sua interferência no exercício do trabalho e na relação
com os clientes. Benquet (2013), ao analisar uma empresa de supermercado na França,
constatou que esta não buscava a adesão ou a mobilização das trabalhadoras; antes, era
por meio do estrito controle do trabalho, pela imobilização ou pela impossibilidade de
ação das trabalhadoras em escapar das regras que a empresa conseguia obter o trabalho
217

e o engajamento delas. Ou seja, a máxima redução da autonomia permite à empresa


alcançar uma elevada produtividade.
Entretanto, mesmo submetidas a um forte controle, as operadoras não ficam
passivas; elas adotam ações de resistência. Esse enfrentamento ou resistência das
operadoras de caixa ocorre, sobretudo, diante de acontecimentos que não consideram
justos, como nos momentos em que fazem muitas horas adicionais de trabalho ou não
são autorizadas a fechar o caixa para fazer a refeição ou ir ao banheiro. Ainda como
sugere Benquet (2013), a percepção de uma injustiça pode ser motor de revolta ou levar
à resignação. “Para que a revolta frente a uma injustiça se torne motor de ação coletiva é
necessário que a norma do que ‘deveria ser’ apareça como uma norma do que ‘poderia
ser’” (BENQUET, 2013, p. 228). Menos do que ações coletivas, as trabalhadoras
adotam práticas individuais de enfrentamento ao que consideram injusto.
As entrevistas revelaram que elas passam a questionar a chefia quando
julgam haver atitudes abusivas da empresa e criam formas de não realizar a tarefa
exigida quando não a consideram pertencente à sua função, como realizar a limpeza dos
caixas ou fazer a devolução dos produtos. Da mesma forma, elas, diante da demora em
receber autorização para ir ao banheiro, deixam o check-out mesmo sem o
consentimento da supervisora.

“[Falando em relação ao pedido de autorização para ir ao banheiro] E


demora demais, porque, às vezes, quando a gente sente alguma coisa,
a gente já pede para adiantar. Eu falei ‘Não vou mais ficar pedindo’.
É muita humilhação, é muito humilhante isso” (Cleusa, operadora de
caixa de hipermercado da empresa C, 23/5/2013).

Nesses casos, como vimos anteriormente, elas contam com a solidariedade


das colegas. Soares (1997b) indica que essa é uma das primeiras formas de resistência
estabelecidas entre as operadoras de caixa. Mesmo que o referencial à coletividade seja
limitado, elas procuram obter apoio de uma ou outra colega para lidar com esses
momentos.
Essa solidariedade é, ainda, decisiva para que elas lidem com os conflitos
advindos das relações com os clientes. Diante de situações de tensão, as operadoras
esperam a solidariedade de colegas e chefias. No entanto, nem sempre elas obtêm o
suporte e o apoio das empresas. Entre as operadoras, vivenciar uma injustiça cometida
pelas chefias na frente dos clientes aparece como uma violação de sua dignidade,
desencadeando posturas de enfrentamento explícitas. A relação com os clientes tem
218

centralidade para elas e lhes confere reconhecimento ao trabalho (ROSENFIELD, 2009)


– por isso seu forte descontentamento e sentimento de indignidade ao serem humilhadas
na frente deles.

“Ela [a chefe] puxa as meninas, ela grita. No dia que ela gritou
comigo, eu chamei ela na sala dela e falei: ‘Nunca mais grita comigo,
está achando que eu sou quem?’ Aí ela falou: ‘Ai, desculpa, não foi
minha intenção gritar’. ‘Mas você gritou na frente dos clientes, eu
não quero isso.’ Aí desse dia pra lá ela não gosta de mim e eu não
gosto dela” (Cíntia, operadora de caixa de hipermercado da empresa
C, 17/10/2014).

A relação com os clientes não se faz sem conflitos, o que exige atitudes das
operadoras para lidar com tensões e imprevistos. Podemos considerar que elas, muitas
vezes, valem-se da própria padronização e controle da empresa sobre a atividade para
lidar com algumas situações de conflito. A partir da justificativa de que realizar algo
está fora de seu controle ou que não podem fazer de outro jeito por serem as normas da
empresa, elas contornam essas situações. Por exemplo, se a operadora comete algum
erro no sistema ou se o cliente faz uma demanda que ela não pode ou não quer atender,
ela recorre à própria “burocratização” da atividade para se eximir da culpa. Ou seja, há
uma reapropriação, pelas operadoras de caixa, do forte controle que a empresa exerce
sobre a atividade – e que reduz sua autonomia – para tentar ganhar algum tipo de
controle ou autonomia sobre o trabalho 203.
Além disso, os clientes também são responsáveis por ditar, em grande
medida, o ritmo de trabalho das operadoras. A pressão que exercem e sua sucessão
contínua fazem com que as trabalhadoras tenham pouca margem de manobra para
escapar desse fluxo, isto é, para que estabeleçam um ritmo próprio, realizem o
atendimento como gostariam e descansem. No entanto, se a margem de manobra é
limitada, as operadoras desenvolvem uma série de estratégias, informais, para gerir o
tempo de sua atividade, recuperar-se e interromper o fluxo de clientes (BERNARD,
2003, 2005; BENQUET, 2013).
As entrevistas revelaram algumas dessas práticas que lhes permitem “ganhar
tempo” ou reduzir o ritmo do trabalho, tais como demorar um pouco mais no banheiro
ou tomando água, passar as mercadorias em um ritmo mais acelerado ou mais devagar,

203
Esse aspecto também é aplicado ao caso das teleatendentes. Estas podem se valer do controle exercido
e da imposição de regras pela empresa para contornar situações de conflito com os clientes ou para não
realizar uma ação que julguem ferir sua dignidade.
219

entre outras. Elas tentam se apropriar, dentro da limitada possibilidade, do controle de


seu tempo de trabalho, preservando a si e à sua saúde e dignidade.
No entanto, Bernard (2012) indica que essas estratégias dependem do
conhecimento adquirido (do “savoir faire”) pelas operadoras a partir da prática e da
experiência na atividade. Aqui se destaca a diferença na maneira de vivenciar o trabalho
entre as trabalhadoras com mais ou com menos tempo na empresa.
Em nossa pesquisa, as “novatas” foram apontadas como as que se submetem
mais facilmente às imposições da empresa ou as que intensificam o trabalho (“se matam
pela empresa”, expressão utilizada pelas entrevistadas) por não terem percebido que as
recompensas não correspondem ao esforço. Apenas com o passar do tempo é que a
operadora de caixa adquire experiência suficiente para burlar o ritmo e o controle do
trabalho.
Enquanto as veteranas enxergam as novatas como as que se submetem mais
facilmente ao controle da empresa, as novatas veem as veteranas como as que não
cumprem as regras estabelecidas. Carina, que trabalhava havia cinco anos na empresa,
relatou que conseguia negociar algumas margens de liberdade com o chefe, por ser uma
das operadoras mais antigas na loja.

“Tanto que quando eu saí de licença [maternidade], eu voltei de


licença, ele tinha colocado uma menina [com folga no mesmo dia
dela]. Eu falei: ‘Negativo, nem que folgue nós três, mas eu não vou
abrir mão da minha segunda-feira’. E foi mesmo. Eu fiquei. As
meninas falavam: ‘Você é muito folgada’. Eu falava: ‘Não. É a
mesma coisa se fosse você. Saía e colocava uma pessoa mais nova...
colocava uma pessoa no seu dia e você... Não’. Aí ficou nós três...
foram três meninas folgando na segunda-feira” (Carina, operadora de
caixa de hipermercado da empresa C, 6/3/2013).

O conflito entre trabalhadoras mais antigas e mais novas também é


mencionado em outros estudos. Samuel Julhe (2006), ao estudar o supermercado,
constata essa diferenciação entre novatas e veteranas em relação tanto à divisão de
tarefas (cabendo às novatas as tarefas consideradas mais penosas e menos interessantes),
como à maneira de resistir à intensificação do trabalho e ao controle e abuso dos chefes.
Prunier-Poulmaire (2000) afirma que as trabalhadoras mais antigas gozam de certos
privilégios relativos, como escolher o posto de trabalho ou tornar-se formadora das
novas operadoras, o que lhes permite reduzir os efeitos das imposições físicas e
220

organizacionais do trabalho. Assim, segundo a autora, são as “novatas” que se deparam


com exigências mais recrudescidas de trabalho.
No entanto, não podemos deixar de salientar que há também uma dimensão
de solidariedade entre elas. As trabalhadoras com mais tempo de experiência
desenvolvem certos subterfúgios e estratégias para contornar determinadas situações,
que são passadas e ensinadas àquelas com menos experiência. Vale lembrar o caso de
Cléber, mencionado no capítulo 3, sobre o alerta e o apoio dados a ele pelas colegas
com mais tempo de empresa sobre a interrupção do trabalho para ir ao banheiro,
evitando, assim, danos posteriores à sua saúde. Essas estratégias de resistência
individual são marcadas por conflitos, mas também envolvem a solidariedade dos pares,
que tornam as imposições da organização do trabalho mais fáceis de suportar.

Segmento de teleatendimento
Situações muito parecidas de conflito e resistência se dão no caso das
teleatendentes. Estas, mesmo submetidas a um forte controle, padronização, supervisão,
pressão e intensificação do trabalho, criam alguns espaços de liberdade e de resistência.
Entretanto, esses espaços também são limitados, ficando restritos, sobretudo, à adoção
de estratégias que permitam escapar ao controle informacional ou negociar pequenas
margens de autonomia com a chefia (BRAGA, 2009).
Uma das principais formas de resistência individual e silenciosa utilizadas
pelas teleatendentes é burlar o sistema eletrônico, que distribui automaticamente as
chamadas, de forma contínua, tendo pouco intervalo entre elas. As práticas
desenvolvidas pelas trabalhadoras visam permitir que elas tenham algum tipo de
controle sobre o fluxo de ligações, sobre o ritmo e sobre a atividade. Trata-se da
“derrubada” da ligação, isto é, quando a própria operadora desliga a chamada para
interromper o fluxo (VENCO, 2009a)204. Ela serve tanto para ajustar o tempo médio de
atendimento (TMA), caso a teleatendente tenha demorado mais tempo em uma ligação
anterior, quanto para ampliar, ainda que pouco, o tempo que se sucede entre uma
ligação e outra ou mesmo para interromper o ritmo de trabalho, reduzindo o estresse.

“Aí vem um atrás do outro, você tem que fazer venda, você não
consegue, você se esforça, aí chega uma hora que você começa a
derrubar ligação, porque já está estressada, né?” (Amanda,
teleatendente da empresa A, 4/6/2012).

204
Essa prática é proibida pelo Decreto Federal no 6.523 de 2008.
221

No entanto, a “derrubada” de ligação é passível de punição, o que se torna


uma ameaça ao vínculo do emprego. Portanto, é uma forma de resistência individual
que vulnerabiliza a trabalhadora.

“Ontem, eles mandaram uma mensagem assim, falando assim que se


pegassem operador desligando na cara de cliente seria justa causa
direto. Quando a gente aperta o botãozinho lá, o good bye, aí
desliga” (Andressa, teleatendente da empresa A, 11/4/2012).

Outra forma de burlar o sistema e interromper o fluxo de trabalho é o


mecanismo de impedir que entre ligação na PA:

“Meu colega me ensinou, falou: ‘Você não quer mais trabalhar, você
tá com dor de cabeça? É... faz sua máquina parar de cair ligação’.
[Você consegue fazer isso?] Consigo. [...] Continua ‘logado’ pra mim,
continua disponível pra mim e pra eles, mas pra mim não cai mais
ligação nenhuma, né?, sério mesmo” (Audrey, teleatendente da
empresa A, 30/7/2015).

As duas estratégias se fazem, assim, contra as regras da empresa e sem que


seja de seu conhecimento ou consentimento. Outras práticas, mesmo sendo legalizadas,
acabam sendo apropriadas pelas trabalhadoras como forma de interromper o fluxo e o
ritmo de trabalho. Um exemplo é a solicitação de pausa, seja ela para ir ao banheiro,
para ir à enfermaria (alegando não estar se sentindo bem) ou por um problema técnico
no sistema. As teleatendentes se utilizam, assim, de um aparato legal, mas que a
empresa constantemente procura limitar e coibir 205. Portanto, é uma margem de
manobra limitada para escapar do fluxo informacional, frequentemente vigiada e
controlada pela empresa.
A análise dos dois segmentos indica que as estratégias de mobilização e de
resistência das trabalhadoras são muito limitadas. Diante da flexibilização das relações
de trabalho e da individualização, as trabalhadoras se encontram em situação de ter de
responder às imposições e demandas das empresas e de lidar com tensões e conflitos,
com pouca possibilidade de se apoiar em um referencial coletivo. No entanto, as
trabalhadoras não são passivas. Elas desenvolvem ações de resistência individualizadas
e silenciosas (SOARES, 1997a), sobretudo ante a percepção de uma injustiça. Elas

205
Há ainda outra estratégia fundamental no entendimento de como o trabalho é vivenciado, sendo
comum a ambas as categorias: trata-se do absenteísmo. Abordaremos essa estratégia no capítulo seguinte,
pela importância que ela adquire para que as trabalhadoras mantenham algum tipo de controle tanto sobre
o trabalho como sobre a organização da vida cotidiana.
222

procuram se apropriar, em uma margem de manobra muito reduzida, de algum tipo de


controle sobre sua atividade.

*
* *

Neste capítulo, analisamos as diferentes práticas de flexibilização utilizadas


pelas empresas. Os resultados evidenciam que a flexibilidade não é única, mas toma
múltiplas formas. Do mesmo modo, ela não atinge apenas um elemento do trabalho,
mas incide sobre os mais variados aspectos – a atividade, o salário, a jornada etc. Os
dois segmentos apresentam muito mais aproximações do que distanciamentos quanto ao
tipo de gestão adotado, ajudando a compreender algumas tendências em voga no mundo
do trabalho e a experiência “daqueles que vivem do trabalho” hoje.
Para as empresas, promover constantes ajustes lhes permite regular o
processo de trabalho ao fluxo produtivo e de clientes, aumentar o controle sobre ele,
otimizar a produção e reduzir custos. A mudança permanente, como mostra Metzger
(2011), marca a gestão do trabalho na atualidade. Ela exige maior engajamento e
disponibilidade dos trabalhadores à empresa. São, portanto, práticas que submetem cada
vez mais o trabalhador aos ditames do capital.
Nos dois segmentos analisados, vimos que as trabalhadoras ficam sujeitas a
um forte controle, à imposição de um ritmo de trabalho cada vez mais intenso, à
exigência do alcance de metas e do cumprimento de determinações que estão em
constante mudança. As mudanças permanentes as colocam como em um barco à deriva
ou sobre uma corda bamba, em que devem, o tempo todo, adequar-se, adaptar-se. Isso
se agrava à medida que as possibilidades de criação de um referencial coletivo e de
mobilização são enfraquecidas.
Assim, a individualização, recrudescida mediante a flexibilização, contribui
para aumentar o sentimento de insegurança em relação ao trabalho, criar outras formas
de penosidade e afetar os sentidos do trabalho. Em decorrência, aparecem sentimentos
de incerteza, insegurança, mal-estar, descontentamento e desmotivação. Podemos dizer,
a partir de nossa análise sobre a realidade dos dois segmentos, que está em jogo o
sentido do trabalho. Este parece perder sentido na medida em que as trabalhadoras não
se reconhecem nele e não conseguem projetá-lo para o futuro. Isso afeta a experiência
vivida na esfera produtiva, mas se estende para além dela.
223

Ante essa situação, as operadoras de caixa e teleatendentes encontram pouca


possibilidade de resistência coletiva. As resistências se dão, principalmente, no plano
individual. Elas aparecem como reações à percepção de abuso ou de não cumprimento
do acordado pelas empresas. Os sentimentos de injustiça e de indignação são o gatilho
que gera a revolta das trabalhadoras e desencadeia ações para burlar, contornar, driblar
aquilo que não consideram justo. No entanto, não são revoltas que se tornam rebeliões
coletivas, mas pequenos enfrentamentos diários, na prática da atividade.
Ao resistirem, as trabalhadoras procuram tomar para si algum tipo de
controle sobre sua atividade, preservar sua dignidade e conferir um sentido ao trabalho
para se reconhecerem nele. No entanto, essas ações transcendem a esfera produtiva.
Assim, à medida que tentam se apropriar desse controle, as trabalhadoras buscam
também limitar os abusos e as interferências que os ditames da empresa possam ter em
sua vida cotidiana. Assim, a resistência das mulheres se faz tanto na esfera produtiva,
como na reprodutiva (SOARES, 1997a).
Isso nos remete à importância de desenvolver uma abordagem mais ampla.
Analisar os efeitos da flexibilidade das relações de trabalho envolve ultrapassar as
fronteiras do espaço produtivo – sair dos “muros da fábrica”, como afirma Souza-Lobo
(2011) –, para compreender como eles se dão sobre todas as dimensões da vida dos
trabalhadores e das trabalhadoras. Como diz Alves (2012, p. 28),

no capitalismo flexível, o caráter global das mudanças sociais do trabalho


implica adotarmos um enfoque metodológico capaz de ir além das
metamorfoses dos locais de trabalho, empresas e cadeias produtivas
reestruturadas, visando apreender não apenas o trabalhador assalariado
inserido na organização laboral (a força de trabalho como mercadoria ou,
ainda, a força de trabalho como sujeito de direitos), mas apreender os rastros
ocultos do trabalhador assalariado, como trabalho vivo ou homem-que-
trabalha, inserido na vida cotidiana, com a organização do binômio tempo de
vida-tempo de trabalho e as múltiplas dimensões da vida social e relações de
sociabilidade.

Para além do homem-que-trabalha, é importante analisarmos as relações de


gênero nessas dinâmicas, uma vez que elas são constitutivas das práticas sociais nas
esferas produtiva e reprodutiva. A flexibilização das relações de trabalho tem efeitos
sobre a vida das mulheres, não só por estarem inseridas em postos em que a
flexibilidade se faz presente, mas também por continuarem a ser as principais
responsáveis por articular o trabalho produtivo com as atividades domésticas e de
cuidados.
224

Assim, procuraremos compreender, a seguir, o modo como esse tipo de


gestão, ancorado na flexibilidade, afeta as demais dimensões da vida da mulher-que-
trabalha: como se articulam as esferas produtiva e reprodutiva no atual contexto, no qual
as relações de trabalho estão em constante mudança? São as respostas a essa questão
que buscaremos no próximo capítulo.
225

Capítulo 5 – A vida cotidiana e familiar das trabalhadoras no contexto da


flexibilização

A gestão e a organização das empresas, ancoradas na flexibilidade das


relações de trabalho, interferem no modo como a atividade na esfera produtiva é
vivenciada, mas se estende para além dessa. Seus efeitos incidem sobre as práticas
cotidianas e sobre a dinâmica familiar das trabalhadoras.
O objetivo que guia este capítulo é compreender quais são esses
desdobramentos e quais desafios são colocados às mulheres para que articulem as
esferas do trabalho profissional e da família ante as inúmeras mudanças que ocorrem na
esfera produtiva. Como a vida cotidiana e familiar é organizada diante de um quadro em
que a flexibilidade aumenta a imprevisibilidade da atividade, da remuneração e da
jornada de trabalho? Como as mulheres resolvem os desafios que se impõem quando o
tempo da atividade profissional é incompatível com a dinâmica familiar? Que
estratégias elas acionam? 206. Procuraremos, assim, elucidar algumas respostas a essas
questões.

1. Efeitos da flexibilidade na vida cotidiana e familiar

No capítulo anterior, analisamos como a flexibilidade da atividade, do


salário e da jornada de trabalho, associada ao controle estrito do processo produtivo e à
individualização, tem sido incorporada pelas empresas na gestão e organização do
trabalho. Nos dois segmentos aqui analisados, constatamos que as empresas promovem
constantes mudanças que afetam o modo como as trabalhadoras vivenciam a esfera
profissional.
Como vimos, o efeito das mudanças na atividade recai na impossibilidade
de as trabalhadoras terem controle ou domínio sobre ela, gerando sensações de fadiga e
adoecimentos, bem como insatisfação e descontentamento em relação ao trabalho. Este
deixa de ser percebido como algo que lhes confere identificação e reconhecimento. Tal
situação é mais recorrente entre as teleatendentes, para quem o emprego é visto apenas
como um momento de passagem ou como uma ocupação sem projeção para o futuro.

206
Uma discussão preliminar dos resultados parciais desta pesquisa foi publicada em artigo intitulado
“Trabalho, flexibilidade e família: uma combinação (im)perfeita”, na revista Estudos de Sociologia, em
2014, cujo dossiê foi organizado pela Profa. Maria Lygia Q. de Moraes.
226

Diferentemente, para as operadoras de caixa, o trabalho lhes confere um sentido, uma


satisfação e há uma identificação com ele. Situação que vai se transformando com o
passar do tempo, à medida que elas percebem que não há nem valorização e
reconhecimento de seu trabalho, nem possibilidades de crescimento na carreira.
Em ambas as atividades, as operadoras se sentem como um número a mais
para a empresa, a qual recorre às mudanças permanentes para adaptar a gestão da força
de trabalho ao fluxo de produção. Elas ficam submetidas a esse fluxo, devendo
constantemente adaptar-se, adequar-se às mudanças. O trabalho, assim, deixa de ser
projetado no futuro, em longo prazo, conformando trajetórias profissionais nas quais a
estabilidade não é característica.
A variação salarial também tem um peso decisivo tanto na conformação
dessas trajetórias, como na organização da vida cotidiana e familiar das trabalhadoras. É
no caso das teleatendentes, especificamente, que a instabilidade salarial ganha destaque.
Elas veem o salário não apenas variar mensalmente de acordo com seu desempenho,
como também ser reduzido, devido à gestão da empresa sobre as comissões e a jornada
de trabalho.
A imprevisibilidade do salário contribui para inserir as trabalhadoras em um
ciclo de insegurança econômica. Sem controle sobre o valor auferido a cada mês, elas
veem o orçamento doméstico oscilar, ficando também dependente de seu desempenho e
produtividade.

“É temporada... aí eles fazem, tipo assim, um mês, ‘Ai, vou deixar os


trouxas serem felizes’, aí manda um mailing bom e a gente vai lá e
‘Oh, me dei bem’. E o que a gente faz? Dívida para dois, três meses.
Aí chega no outro mês, não paga. [Risos]” (Alcione, teleatendente da
empresa A, 11/2/2012)

Essa incerteza quanto ao salário exige negociações e decisões cotidianas


para gerir o orçamento doméstico, mas também tem efeitos em longo prazo. A
constituição do salário em parte fixa e parte variável tem impacto sobre o futuro das
trabalhadoras. Isso porque parte dos direitos, como no caso da aposentadoria, é
calculada sobre o valor registrado na carteira de trabalho e, como já discutimos, a parte
variável não é considerada verba salarial. Desse modo,

essa é uma característica que faz diferença, pois, no Brasil e na maioria dos
países desenvolvidos, uma parte significativa do financiamento da seguridade
social está vinculada à folha de pagamento. Além disso, possibilita uma
redução de custos, pois, não sendo incorporada ao salário, sobre essa parte
227

dos “bônus” não incidem futuros reajustes, tornando-se variável, dado que o
seu valor pode se alterar de um ano para outro, dependendo do resultado
alcançado pela empresa (KREIN, 2007, p. 261).

No caso das teleatendentes, esse aspecto é muito significativo, uma vez que
não apenas o piso salarial da categoria é baixo, como a empresa adota a estratégia de
manter uma parte do salário variável, interessante a ela, mas prejudicial em longo prazo
para as trabalhadoras.
Da mesma forma, no caso das operadoras de caixa, a contratação de todas as
empregadas do estabelecimento como “operadora de super/hipermercados” permite à
empresa não apenas recorrer à multifuncionalidade e à polivalência das trabalhadoras,
alocando-as em setores conforme sua necessidade, como também manter no registro da
carteira de trabalho o menor piso salarial para o conjunto das contratadas 207. Assim, são
práticas que têm desdobramentos sobre a qualidade de vidas das trabalhadoras, tanto no
presente como no futuro.
Os efeitos da flexibilidade salarial são perpassados por uma questão de
gênero. Eles podem ser ainda mais intensos sobre a vida das mulheres, uma vez que elas
são responsáveis pelo cuidado das crianças pequenas e muitas estão inseridas em
arranjos monoparentais. Assim, a inserção no emprego não é garantia de autonomia
econômica das mulheres. O baixo salário, aliado à sua variabilidade, faz com que as elas
sigam com certa dependência financeira do marido ou de outros membros da família,
dada a impossibilidade de prever o salário a ser recebido no final do mês. Como aponta
Fortino (2010), a precariedade do trabalho feminino acarreta uma dependência
econômica, seja do Estado, seja do parceiro (nas relações conjugais), o que contribui
para reforçar as relações sociais de sexo, marcadas pela desigualdade. A variação
salarial contribui para um movimento que tende a prolongar a precariedade que toca às
mulheres no mercado de trabalho e se estende ao longo dos anos, comprometendo sua
perspectiva de futuro.
Se o tempo futuro é afetado pela imprevisibilidade e instabilidade no
trabalho, a organização do tempo presente e as relações entre os diferentes tempos
sociais também são impactadas, afetando todo o cotidiano e a vida familiar das
trabalhadoras. Como aponta Lallement (2003a), uma mudança no tempo de trabalho
acarreta em alterações nas práticas e nas condições de vida dos assalariados.

207
Além disso, vale lembrar os casos de assunção de outras funções relatados pelas trabalhadoras.
228

Analisaremos a seguir as dinâmicas entre o tempo produtivo e os demais tempos


sociais.

1.1 - Relação entre o tempo do trabalho profissional e os demais


tempos sociais

A flexibilidade que incide sobre o tempo de trabalho toma diversas formas


nas gestões empresariais, com o objetivo de obter maior disponibilidade dos
trabalhadores à empresa. As práticas de reduzir, ampliar e alterar o tempo de trabalho
fazem com que os dias de trabalho e de não trabalho sejam incertos e que a fronteira
entre tempo de trabalho e de não trabalho não seja bem delimitada. Nesse contexto, o
tempo de trabalho torna-se cada vez mais variável, invadindo ou pautando os demais
tempos sociais. A vida cotidiana tem constantemente de se ajustar aos ditames da esfera
produtiva.
No caso das trabalhadoras dos dois segmentos analisados, a flexibilidade do
tempo de trabalho impõe como um dos principais desafios a programação antecipada
das atividades, como as de estudo e lazer. As escalas de revezamento e a alteração
periódica dos horários e dias de trabalho levam à frequente variação do tempo de
trabalho, dificultando o planejamento das atividades diárias. No caso das operadoras de
caixa, vimos que isso se agrava ainda com o prolongamento constante da jornada e com
o uso do sistema de banco de horas.
Segundo as entrevistadas, essa flexibilidade impossibilita o planejamento
prévio das atividades a ser realizadas. Diante das inconstâncias nos dias e horários de
trabalho, a operadora de caixa Cleide afirmou que “não tinha como a gente programar”
(hipermercado da empresa C, 20/1/2012). Percepção partilhada por César:

“[E quando acontecia a mudança de horário, como que era para se


organizar?] Prejudicava. Não, era assim. É... não é questão de
organização, é questão de planejamento. Você tinha que ter um plano
B” (César, operador de hipermercado da empresa C, 3/3/2012).

Essa impossibilidade de realizar planejamentos com antecedência impede


ou dificulta o engajamento em outras atividades, como os estudos, que poderiam
contribuir para galgar novos postos de trabalho, mais qualificados, ou para conquistar
um avanço na carreira. Em pesquisa realizada pelo IPEA (2012), menos de um terço dos
entrevistados afirmou conseguir realizar atividades fora do trabalho profissional. Entre
229

os que conseguiam, as atividades mais citadas foram devoção religiosa, estudos e


treinamento esportivo.
Essa dificuldade se acentua na medida em que o tempo de trabalho é mais
imprevisível, tornando quase impossível conciliá-lo com outras atividades.

“[E essas mudanças de horário, você acha que atrapalha na sua vida?]
Não, assim a minha vida não, mas eu digo assim se eu tiver que fazer
alguma coisa, estudar um pouquinho mais lá na frente, aí eu ia ter
que sentar, conversar com eles para fixar mesmo o horário para mim,
né?, porque aí realmente ia me atrapalhar. Porque para eu cumprir
um outro compromisso, eu tenho que ter um horário certo, um horário
fixo. Mas, por enquanto não, por enquanto eu tenho disponibilidade
de horário, então não me atrapalha, não” (Carla, fiscal de frente de
caixa de hipermercado da empresa C, 3/3/2012).

Cabe lembrar que existe uma lei que protege o trabalhador estudante. O
Código do Trabalho, aprovado pela Lei no 7/2009, define que, ao trabalhador que
estuda, o horário de trabalho deve ser compatível com sua qualificação profissional e
sua frequência às aulas208. No entanto, constatamos que as trabalhadoras precisam fazer
negociações com as empresas para adequar seu horário de trabalho à atividade de
estudo.
O caso de Conrado evidencia essa necessidade de fazer arranjos na jornada
para adequar os interesses da empresa aos seus. Ele, como vimos no capítulo anterior,
ficava submetido a mudanças quase diárias em seu horário de trabalho. Seu plano para o
ano seguinte ao da entrevista era seguir os estudos universitários. Ao ser questionado
como seria feita a conciliação entre ambas as atividades, ele respondeu:

“Eu vou poder fazer até uma hora a mais [de trabalho] só. Quando
eles precisarem. Porque, se passar de uma hora, não vai dar para eu
ficar. Aí eu posso entrar 5h50. Até 5h50 eu entro, que é o único
horário que vai dar, só. Agora tipo, acima das 7h, não. Eu só faço se
eu entrar uma hora antes das 7h. Porque se não eu não entro. Porque
se não não vai dar” (Conrado, Operador de caixa de hipermercado da
empresa C, 11/11/2014).

Assim, os arranjos pensados por ele envolviam garantir que os estudos


fossem compatíveis com a necessidade de continuar realizando horas adicionais,
conforme a necessidade da empresa. No entanto, mesmo quando as trabalhadoras

208
Disponível em: <http://www.uc.pt/colegioartes/Cr/reg/trabest1>. Acesso em: 11 fev. 2016.
230

conseguem se engajar em outras atividades, outros fatores aparecem como


dificultadores quanto à articulação dessas atividades com o trabalho profissional.
Algumas entrevistadas procuram realizar atividades de formação nos dias de
folga. No entanto, o fato de esta ser limitada a uma vez na semana gera uma sobrecarga
de trabalho, dificultando o prosseguimento dessas atividades.

“Aí para estudar, também é um pouco cansativo. Eu fazia um curso


na minha folga, mas aí eu chegava muito cansada, acabei tendo que
parar o curso” (Carla, fiscal de frente de caixa de hipermercado da
empresa C, 3/3/2012).

Do mesmo modo, o trabalho aos finais de semana também foi apontado


como outro dificultador. Como salientou um trabalhador da empresa C, essa dificuldade
advém do fato de ter de ficar disponível à empresa (termo usado pelo próprio
entrevistado).

“Porque eu trabalhei quatro anos [aos finais de semana], aí eu falei:


chega, eu não quero mais. Não posso ficar lá [na empresa] disponível
no final de semana. Porque se não, eu não estudo, eu não conseguia
fazer o meu curso de inglês, né?, eu não conseguia estudar, então, eu
preciso do final de semana pra isso, aí corri atrás e consegui”
(Cleiton, analista na empresa C, 14/10/2014)209.

A exigência de disponibilidade ao trabalho profissional aparece introjetada


pelas próprias trabalhadoras, como destacamos nas entrevistas anteriormente citadas.
Se, para muitas, conciliar trabalho e estudos ou outras atividades é um
desafio, para outras, alguns aspectos aparecem como facilitadores. No caso das
teleatendentes, a jornada de seis horas diárias é indicada como favorável à realização de
atividades de estudo e formação, bem como de trabalho doméstico e de cuidado das
crianças210.
No estudo que realizamos anteriormente, encontramos a assunção pelas
teleatendentes de um duplo vínculo de emprego, sobretudo entre as que exerciam sua
atividade profissional à noite, estratégia para contornar os baixos salários (FREITAS,
2010). Essa tendência também foi verificada por outros estudos no segmento, como o de
Georges (2009). Na presente pesquisa, não encontramos nenhuma teleatendente com

209
Ele passou do cargo de operador de hipermercado, quando trabalhava de segunda-feira a domingo, ao
de analista na sede da empresa, onde trabalha de segunda a sexta-feira.
210
Sobre este último, apresentaremos uma discussão mais à frente.
231

duplo vínculo empregatício 211. No entanto, encontramos trabalhadoras que recorrem ao


teleatendimento, devido à jornada de seis horas diárias, como forma de conciliar o
trabalho com outras atividades. Um dos perfis identificados foi de trabalhadoras que
conciliam o trabalho com a devoção religiosa. Para elas, o teleatendimento é visto como
um emprego que lhes garante a renda, enquanto consideram seu “trabalho verdadeiro”
aquele dedicado à pregação religiosa e o tempo dedicado à igreja.
Situação diferente é vivida pelas operadoras de caixa de
super/hipermercados, as quais realizam longas jornadas de trabalho diárias, devido às
horas adicionais. Para elas, as 24 horas do dia parecem ser insuficientes para realizar
todas as suas responsabilidades e atividades. Não foram raras as vezes em que as
trabalhadoras, questionadas sobre como era um dia em sua vida, responderam
salientando ser ele “corrido”.

“O dia a dia de uma jovem é um pouco corrido, né? Não tenho tempo
para quase nada” (Cibele, operadora de hipermercado da empresa C,
13/6/2012).

Em seus relatos, a percepção de haver uma ausência de vida social fora do


espaço de trabalho ficou evidente. A loja torna-se o espaço quase exclusivo de
circulação delas. Gonçalves (2009), ao analisar a sociabilidade dos trabalhadores e
trabalhadoras em supermercado, aponta que muitos veem a loja como uma das únicas
possibilidades de ampliar os laços de amizade para além do contexto familiar. No
entanto, em vista da jornada prolongada de trabalho e da baixa participação feminina
nos encontros realizados entre os colegas, as mulheres (até mesmo pelas
responsabilidades familiares, como o cuidado dos filhos) têm mais dificuldade de
estabelecer redes de amizade no trabalho.
Assim, a busca das empresas pela máxima disponibilidade das
trabalhadoras, por meio da flexibilidade da jornada, acaba por provocar uma
compressão do tempo livre e uma redução das possibilidades de sociabilidade,
imputando às trabalhadoras o sentimento de falta de tempo para fazer o que gostariam
ou o que deveriam. Como apontam Bouffartigue & Pendariès (1994), a exigência de
maior disponibilidade às empresas promove uma ruptura na fronteira entre tempo de
trabalho e tempo livre.

211
No caso das operadoras de caixa, apenas uma entrevistada tinha dois empregos, conciliando o trabalho
no supermercado com um emprego no serviço público, de seis horas diárias.
232

1.2 - Dia de folga e limitação do tempo livre

A flexibilidade que recai sobre o tempo de trabalho e a exigência de maior


disponibilidade das trabalhadoras acarretam uma compressão do tempo livre. Como
aponta Cruz (2003, p. 121), “de fato, o ‘estar sempre disponível’, a par da gestão dos
imprevistos e irregularidades dos horários de trabalho, pauta também os dias de folga”.
Na prática, o tempo livre torna-se muito limitado. O dia de não trabalho acaba sendo
destinado a todas as tarefas e atividades que não podem ser realizadas ao longo da
semana, restringindo o tempo dedicado ao descanso e ao lazer.
Em nossa pesquisa, chamou a atenção o fato de as trabalhadoras, em sua
grande maioria, não terem mencionado a realização de atividades de lazer, o que
evidencia o baixo acesso ao capital cultural. A maioria delas apontou utilizar grande
parte do tempo livre para ficar em casa e se dedicar ao convívio familiar. Algumas
atividades de lazer externas ao lar relatadas foram a ida ao shopping center ou à igreja,
ambos os locais se configurando como espaços privilegiados de lazer entre elas.
Essa limitação do tempo livre é diretamente relacionada ao fato de as
trabalhadoras terem apenas um dia de descanso na semana. Esse foi, em grande parte,
apontado como o dia em que as trabalhadoras querem descansar, recuperar-se.

“Meu dia de folga? Ah, meus dias de folga são para aproveitar para
descansar. Ontem mesmo eu estava muito cansada. Minha folga é de
sexta-feira, né? Chega de quinta-feira, eu já estou assim esgotada,
porque eu trabalho em pé, todo o dia, tem quarta, sábado, domingo...
para folgar na sexta-feira. Aí eu fico bem cansada. Eu fico mais em
casa mesmo. Eu fico mais para descansar mesmo” (Carla, fiscal de
frente de caixa de hipermercado da empresa C, 3/3/2012).

No entanto, a responsabilidade das mulheres pelo trabalho doméstico e de


cuidados – destinada historicamente a elas – limita ainda mais seu tempo livre.
Sobretudo entre aquelas que têm responsabilidades familiares, menos do que descansar,
o dia de folga é, majoritariamente, dedicado ao trabalho doméstico. Tem-se que o único
dia de descanso do trabalho profissional, que deveria ser destinado ao repouso, ao ócio e
ao lazer, é utilizado para trabalhar, agora na esfera doméstica.

“Na minha folga, eu limpo minha casa todinha” (Cristiane, operadora


de caixa de supermercado da empresa C, 1o/6/2012).
233

“Ah, domingo [dia da folga] eu acordo cedo, que dia de domingo é


dia de lavar roupa. Aí eu lavo roupa” (Áurea, teleatendente de
empresa A, 19/5/2015).

Tais aspectos não são particulares à população estudada nesta pesquisa, mas
configuram a vida de grande parte das mulheres no País. Segundo pesquisa realizada
por SOS Corpo e Data Popular (2012), 73% das mulheres entrevistadas afirmaram que
utilizam o final de semana para realizar o trabalho doméstico. Em relação ao lazer, a
principal atividade mencionada por elas foi assistir à novela (44%) e 22% disseram não
realizar nenhuma atividade de lazer.
Em geral, as mulheres tendem a reduzir o tempo livre ou o tempo dedicado
a si para dar conta de suas múltiplas atividades e responsabilidades. Segundo Cláudio
Salvadori Dedecca (2004), citando uma pesquisa realizada nos países desenvolvidos, as
mulheres vivenciam um menor tempo livre que os homens, principalmente aquelas com
filhos menores de 15 anos. Na pesquisa realizada por SOS Corpo e Data Popular
(2012), as principais respostas dadas pelas mulheres quanto ao que gostariam de dedicar
mais de tempo em seu dia a dia foram: cuidar de si (58%), ficar com família e filhos
(46%), divertir-se (42%), dormir e descansar (32%), limpar e cuidar da casa (16%),
estudar e fazer curso (11%), entre outras.
Nota-se que algumas trabalhadoras procuram adiantar o trabalho doméstico,
realizando-o ao longo da semana, de modo a liberar um pouco do tempo livre para se
dedicar ao lazer ou à convivência familiar. No entanto, mesmo nesses casos, o dia da
folga seguiu sendo descrito como aquele em que as atividades domésticas são
realizadas.

“Porque é assim, [no sábado após o trabalho] eu já não faço mais


nada, porque eu lavo tudo durante a semana, lavo roupa, limpo a
casa. Tudo durante a semana, pra sábado é só chegar, tomar um
banho e ficar em casa, descansar. Aí, domingo, se tiver uma coisa pra
limpar eu vou limpar no domingo para na segunda-feira não ficar
tanta coisa pra mim. Domingo à tarde, geralmente, né?, depois do
almoço” (Astrid, teleatendente da empresa A, 27/6/2015).

Devemos destacar que, nesta pesquisa, os homens entrevistados também


disseram realizar trabalho doméstico e, principalmente, no dia de folga, aspecto
verificado tanto entre os solteiros, como entre os que viviam com os cônjuges.

“Quando não, quando tem uma folguinha, aí ficar em casa, é cuidar


de casa. Limpar chão, varrer, passar roupa, lavar, fazer tudo. [Você
234

faz essas coisas?] Faço tudo. [Na sua folga?] Na minha folga, de
preferência. Porque no meio da semana não dá” (Caio, operador de
hipermercado da empresa C, 19/4/2013).

“[E quando você não trabalha, o que você faz na sua folga?] Aí eu
faço todos os afazeres de um dono de casa. [...] Deixo lá na máquina
de lavar, joga as roupas, aí vai lavar a louça, enquanto isso vai ver
alguma coisa na internet, estar baixando, assistindo, escutando
música [...]. Faço uma faxina de manhã e já me programo ou para
sair ou assistir alguma coisa, ir à casa de um amigo, ou ver no
catracalivre.com o que tem de interessante, cultural em São Paulo,
uma peça, um teatro” (Celso, operador de hipermercado da empresa
C, 5/4/2012)212.

De todo o modo, evidencia-se que há uma limitação do tempo de lazer e de


descanso tanto entre os trabalhadores como entre as trabalhadoras dessas atividades,
agravada pela flexibilização do tempo de trabalho. Esta faz o tempo de vida se limitar
cada vez mais ao tempo de trabalho, ocorrendo o que Alves (2012) denomina de captura
da subjetividade do trabalhador pelo capital, gerando consequências sobre sua saúde e
sobre sua vida psíquica e social. Fortino & Linhart (2011, p. 41) consideram que as
consequências “dos horários alterados e irregulares é que eles afetam o sono, a nutrição,
a recuperação até à organização da vida social e familiar... Eles se constituem em si
como uma fonte constante de incômodo e de penosidade”. Isso se agrava no caso das
mulheres, dada a responsabilidade que assumem quanto ao trabalho doméstico e de
cuidados, reduzindo ainda mais seu tempo livre e aumentando sua carga de trabalho.
Cabe salientar que a adoção de jornadas diferenciadas de trabalho, como é o
caso das escalas de revezamento e do período noturno, não corresponde a uma
novidade. Alguns serviços considerados essenciais, como os de saúde ou de alguns
segmentos industriais – caso das empresas automobilísticas, por exemplo, estudadas por
Cardoso (2009) –, utilizam esse tipo de jornada. Entre esses, uma série de estudos indica
os problemas de saúde enfrentados pelos trabalhadores, como o prejuízo do sono, a
fadiga e o estabelecimento de algumas enfermidades (ROTENBERG et al., 2001; DE
MARTINO, 2009).
Do mesmo modo, os estudos também apontam para efeitos que recaem na
vida social e familiar dos trabalhadores. Segundo Raquel Lourenço, Susana Ramos e
Armênio Cruz (2008), os trabalhos por turno e noturno provocam uma desorganização
social, uma vez que o horário de trabalho está em constante mudança e não coincide

212
Celso, que é solteiro e mora sozinho, foi o único a citar a prática de atividades culturais.
235

com os horários de amigos e familiares. Seu estudo revela que a família é a primeira a
sentir os efeitos desse tipo de jornada sobre as atividades cotidianas, tendo de se adaptar
ao horário de trabalho de um de seus membros. À medida que a flexibilização se
intensifica no contexto atual, afetando o tempo de trabalho, podemos considerar que
esses efeitos passam a atingir um número cada vez maior de assalariados.
Cattaneo (1997), ao tratar do caso das operadoras de caixa de supermercado
na França, conclui que a irregularidade do horário de trabalho acarreta um impacto
negativo sobre a experiência profissional, mas também sobre a vida social e familiar das
trabalhadoras. Entre as operadoras, a exigência de disponibilidade permanente ao
trabalho funciona tanto como um regulador da relação que elas estabelecem com o
trabalho profissional – afetando a experiência vivida no trabalho –, quanto como um
desregulador da vida privada e de seu entorno. O estabelecimento de um abismo entre
seu tempo de trabalho e o tempo de trabalho dos demais, inclusive familiares
(CARDOSO, 2009), torna-se uma fonte de sofrimento para trabalhadores e
trabalhadoras.

1.3 - Convivência familiar

O fato de o dia de folga não coincidir com o dia de descanso de


companheiros, filhos, familiares e amigos é um elemento de insatisfação em relação ao
trabalho e à vida cotidiana. A queixa quanto ao trabalho realizado aos finais de semana
foi recorrentemente manifestada pelas entrevistadas, ainda que parte delas tenha
indicado já estar acostumadas. Algumas apontaram, inclusive, que essa sempre foi a
norma em suas trajetórias profissionais, mas afirmaram que gostariam de não trabalhar
aos sábados e, principalmente, aos domingos.

“Eu não gosto de trabalhar no domingo. [...] Na [empresa], a gente


trabalhava, era seis por um. Então... domingo é triste, porque você vê
todo mundo em casa e eu ter que sair. E, pelo horário que eu estava
trabalhando, das 17h, 17h30, o horário que eu estava saindo estava
todo mundo descansando, com aquela cara de domingo, sabe?, final
de domingo. Todo mundo naquele final de domingo e eu tendo que ir
trabalhar, era horrível. Mas de sábado, eu encaro... geralmente, na
maioria dos lugares hoje em dia você tem que trabalhar no sábado.
Então, para mim, dia de sábado é normal. Agora, dia de domingo é
que pesa mais” (Adélia, teleatendente da empresa A, 20/6/2012).
236

Quando o dia de folga não coincide com o dia de descanso dos familiares, a
percepção é de que o tempo livre se torna ainda mais condensado e pouco aproveitado.
Ao falar da preferência pela folga no domingo, Áurea afirmou:

“É, porque o domingo, né?, é essencial. Acho que o domingo... né?


[...] Todo mundo está em casa. Porque no dia de semana não tem
graça [folgar], não tem ninguém em casa... (risos). Não tem nenhum
lugar pra sair ou passear porque todo mundo trabalha, né? É melhor
domingo, porque todo mundo está em casa” (Áurea, teleatendente da
empresa A, 19/5/2015).

A convivência com amigos e familiares fica limitada e submetida ao tipo de


jornada de trabalho. As entrevistadas lamentaram o fato de não poderem estar presentes
em eventos sociais e familiares, principalmente em festas de aniversário, de casamento e
de Natal. A percepção é a de que deixam de participar de momentos importantes.

“[Você acha que é um problema trabalhar de final de semana?] É. É e


a maioria das pessoas... para os novatos é ainda pior. Porque eles
não estão acostumados a ficar domingo sem ir para casa, não ver a
mãe no Natal, na Semana Santa, não existe isso. Todos os dias, são
365 dias no ano, em 364 o mercado abre. Só não abre no Natal, dia
25, na manhã do Natal e na manhã do dia primeiro. Então os outros
dias acabam sendo trabalhados” (Celso, operador de hipermercado
da empresa C, 5/4/2012, grifo nosso).

Esta última fala evidencia outro aspecto recorrente no relato das


trabalhadoras de super/hipermercados: a amplitude do funcionamento do
estabelecimento faz com que todos os dias e horários se tornem um possível dia e
período de trabalho, não havendo distinção em relação aos dias de semana – domingos
ou feriados, por exemplo. Tal distinção passa a ser sentida nos momentos em que a
convivência familiar e social é prejudicada, isto é, quando as trabalhadoras percebem o
abismo entre seu tempo e o dos demais membros da família.
Philonenko (1997), no estudo de uma empresa de hipermercado na França
na qual trabalhou, expõe que ela procurava interiorizar nos empregados a ideia de que a
relação deles com a empresa era a de um segundo casamento. Em sua experiência, a
exigência de máxima disponibilidade ao trabalho levou-o a se privar da vida familiar.
Como descreve em seu relato: “Então que quando eu vou trabalhar meu filho ainda
dorme, e quando eu volto à noite, ele já está deitado. Eu o vejo algumas horas no
domingo. E não muito, porque no domingo sou eu que durmo” (PHILONENKO, 1997,
p. 71).
237

Para as mulheres, a dificuldade aparece não apenas em relação à


convivência com a família, mas também no que diz respeito à garantia do cuidado dos
filhos, responsabilidade historicamente atrelada a elas. Se o trabalho de cuidados não é
feito por elas, precisam se assegurar de que alguém o faça.
Entre as entrevistadas mães, a dificuldade no convívio familiar e a
percepção de ausência do lar apareceram como dois elementos que causam sofrimento.
Elas lamentam não poder cuidar dos filhos pelo tempo que gostariam. Há também um
sentimento de culpa por não estarem presentes por mais tempo, acompanhando o
desenvolvimento dos filhos. Para Lago (2008), o problema quanto à articulação entre
trabalho e família varia, entre outros fatores, de acordo com o sentido que o trabalho
tem para a trabalhadora: se o trabalho é visto como fonte de renda que complementa a
renda familiar, seu papel de mãe e responsável pela esfera familiar é reforçado e o
problema da articulação ganha a forma de culpa; se o trabalho é visto como uma
possibilidade de autonomia pessoal, o problema da articulação aparece menos como
culpa e mais como conflito – o conflito de gênero.
Os dados analisados por Araújo & Scalon (2005) também revelam esses
conflitos e tensões. Segundo as autoras, a ausência feminina no espaço doméstico para o
cuidado dos filhos e a possibilidade de articulação das duas esferas são os elementos
considerados mais problemáticos por homens e mulheres na relação entre realização
pessoal da mulher, trabalho profissional e maternidade. Para as mulheres, os dados
indicam que a tensão na articulação aparece em relação tanto aos valores, no que se
refere à sua autonomia e individualidade, quanto às práticas concretas de tempo. A
organização dos tempos sociais – particularmente, a articulação entre o tempo do
trabalho profissional e o dos cuidados – aparece como um grande desafio colocado às
mulheres.
Em nossa pesquisa, uma operadora de caixa disse que, após 22 meses
vinculada à empresa, havia sido a primeira vez que seu dia de folga coincidira com o
sábado, tendo podido acompanhar as atividades que as filhas realizam.

“No sábado eu folguei, sábado passado. Mas, porque... desde que eu


comecei a trabalhar lá [há um ano e dez meses], foi o primeiro
sábado que eu folguei. [...] Final de semana, as meninas fazem balé.
No sábado. Então, isso que eu estava te falando, eu nunca tinha
folgado no sábado. Aí essa semana, eu consegui ver o balé das
meninas. [Você nunca tinha ido ver?] Nunca tinha ido. Nunca. Só a
tia delas que leva” (Carolina, operadora de caixa de supermercado da
empresa C, 18/5/2012).
238

No caso de Carolina, o marido também trabalha aos sábados. Dessa forma,


ela conta com a ajuda da cunhada para cuidar das filhas aos finais de semana. O
trabalho aos finais de semana gera nela um sentimento de insatisfação, pois ele reduz os
momentos de convivência com as filhas e de realização de atividades de lazer, que ela
gostaria de compartilhar, mas é impedida ou limitada pela jornada de trabalho.

“Eu acho ruim [trabalhar aos finais de semana] porque no dia de sair
com as meninas eu estou trabalhando. [...] [A tia] fica com elas.
Sábado e domingo, ela fica. Ela é solteira. Ela só vai embora na
segunda. E também quando eu preciso de alguma coisa, eu ligo para
ela, aí ela vem. [...] [Elas passeiam bastante com a tia?] Passeiam
mais com ela do que comigo. [De domingo, seu marido também fica
com as crianças?] Fica, ele leva elas [para passear]. [Quem menos vai
é você?] Quem menos vai sou eu, por causa do trabalho” (Carolina,
operadora de caixa de supermercado da empresa C, 18/5/2012).

Ao estudar o tempo de trabalho das operadoras de caixa de supermercado e


sua flexibilização, Cattaneo (1997) constata que as trabalhadoras vivenciam a gestão
dos imprevistos na esfera privada como um pesadelo, sendo perturbada a relação com os
filhos. Além disso, elas não conseguem estabelecer relações sociais duráveis, nem se
engajar de modo regular em outras atividades. Segundo a autora, diante dessas
dificuldades, parte das operadoras de caixa acaba por aumentar sua carga de trabalho
doméstico. “A casa aparece para elas como o único espaço de liberdade que lhes resta,
aquele onde elas creem poder dispor de seu tempo como bem entenderem e com
autonomia” (CATTANEO, 1997, p. 79). A autora afirma ainda que o sentimento do lar
como espaço de liberdade é a manifestação máxima do aprisionamento dessas
trabalhadoras à disponibilidade ao trabalho profissional.
Em nossa pesquisa, não encontramos operadoras de caixa que indicassem a
casa como espaço de autonomia e liberdade 213; entretanto, encontramos referência ao
caixa como um local de aprisionamento, que não permite ter uma vida social regular
fora dele. Cleide, ao falar sobre a rotatividade no segmento, assinalou que a maioria das
operadoras de caixa que entram no setor pede demissão logo e justificou:

“Porque não aguenta. É muita coisa. Aí fica preso. Menina novinha,


ninguém quer ficar lá. Porque... vai deixar a vida fora?” (Cleide,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 20/1/2012).

213
Também não encontramos essa percepção entre as teleatendentes.
239

A ideia é de que as esferas do trabalho e da vida social são incompatíveis,


havendo necessidade de “optar” por uma em detrimento da outra.
Dois elementos importantes marcam a realidade das trabalhadoras de ambos
os segmentos. O primeiro diz respeito a pautar a convivência social e familiar pelo
tempo no espaço produtivo. Na medida em que o tempo de trabalho se torna inconstante
e imprevisível, a vida diária também passa a sofrer alterações e a ter de constantemente
se ajustar e se adaptar. Aqui vale lembrar o caso de uma teleatendente entrevistada por
nós na pesquisa de mestrado que, após ter seu turno de trabalho alterado pela empresa
(do período noturno para o vespertino), precisou não apenas alterar o horário do curso
que fazia, como também passar a dormir na casa de outra pessoa da família, pois não
havia transporte para sua casa à noite. O mesmo foi vivenciado por Alana em outra
empresa de teleatendimento, que, devido ao horário de trabalho (que avançava pelo
período noturno), não tinha transporte para voltar para casa. A saída encontrada por ela
foi pedir demissão. Ou seja, a irregularidade no tempo de trabalho das mulheres afeta
tanto suas trajetórias profissionais, como suas vidas cotidianas e familiares e seus
projetos futuros.
O segundo elemento se refere à necessidade, principalmente entre as
trabalhadoras com filhos, de acionar mecanismos que lhes permitam articular o trabalho
doméstico e de cuidados com o trabalho remunerado. As estratégias encontradas por
elas para garantir essa articulação serão o foco da análise a seguir, em que procuraremos
compreender as mudanças e permanências nessas estratégias, de modo a lhes permitir
contornar os desafios diante da flexibilidade das relações de trabalho.

2. Articulação entre trabalho e família

A maior participação feminina no mercado de trabalho, sobretudo a partir


dos anos 1980, não foi acompanhada por melhora na partilha do trabalho doméstico e de
cuidados entre homens, mulheres e Estado. Ao contrário, essa participação tendeu a
aumentar a sobrecarga de trabalho feminino.
Historicamente, o modelo familiar “tradicional” teve como base o “homem-
provedor econômico” e a “mulher-provedora de cuidados”. Moraes (2010) discorre que
as transformações culturais e a pressão de certos grupos, como o das feministas, por
alterarem a posição da mulher na sociedade e no mercado de trabalho, acarretaram
transformações nas dinâmicas conjugais e familiares. À medida que as mulheres
240

passaram a se inserir de forma mais massiva no mercado de trabalho, houve uma


modificação nesse modelo dual familiar, o qual segue em transformação.
Amaia Orozco (2012) defende que, no bojo das transformações sociais,
econômicas e demográficas, ocorreu uma mudança no modelo de “presença masculina
no mercado/presença feminina no privado” para um modelo de “onipresença masculina
no mercado/dupla presença feminina” 214. Ou seja, os papéis das mulheres mudaram
(assumindo cada vez mais responsabilidades nas duas esferas), enquanto os papéis dos
homens pouco se alteraram. As mulheres passaram a assumir o trabalho nas duas esferas
– produtiva e reprodutiva –, e o trabalho de cuidados não se redistribuiu.
Assim, fruto da divisão sexual do trabalho, as práticas sociais de homens e
mulheres se mantêm desiguais. Nas famílias, as mulheres seguem sendo as principais
responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados. Como aponta Maria Valéria Pena
(1981, p. 218), “embora historicamente tenham se organizado sob formas distintas e
distintamente se relacionado com a estrutura social, maternidade e trabalho doméstico
têm sido elementos orgânicos da condição feminina”. Elementos que regulam as
práticas das mulheres dentro da família, mas também no mercado de trabalho. Como
evidenciam Bila Sorj, Adriana Fontes e Danielle Machado (2007, p. 592),

em termos gerais, as mulheres cônjuges ou chefes de famílias monoparentais


com filhos integram-se no mercado de trabalho pela participação em
ocupação de menor qualidade, quando comparadas às condições de trabalho
dos homens, em qualquer posição na família e, também, às de mulheres que
não têm filhos.

Dessa forma, as responsabilidades e os arranjos familiares impõem


condições e limites às práticas sociais femininas dentro e fora da esfera produtiva. Cabe
às mulheres encontrar mecanismos que lhes permitam articular o trabalho em ambas as
esferas.
Hirata (2010), ao analisar o caso francês, indica estar em curso uma
alteração nos modelos de articulação dessas esferas. A autora cita quatro modelos: o
tradicional, no qual a mulher não trabalha profissionalmente e realiza o trabalho
doméstico, enquanto o homem é o provedor; o da conciliação, no qual a mulher tem um
trabalho remunerado e o concilia com o trabalho doméstico, enquanto o homem não faz
essa conciliação; o da parceria, no qual homens e mulheres repartem o trabalho

214
Para Carrasco (2003a), trata-se da “dupla presença/ausência”, indicando o estar e o não estar
totalmente em nenhum dos dois lugares. O termo “dupla presença” vem sendo utilizado por algumas
autoras do tema. Fernanda Sucupira (2015) apresenta um resgate sobre o uso do conceito.
241

doméstico, pressupondo igualdade; e o da delegação, no qual a mulher trabalha


remuneradamente e contrata outra mulher para realizar seu trabalho doméstico. Para a
autora, este último estaria proliferando.
Seja qual for o modelo ou estratégia adotada, essa articulação é vivenciada
não de forma harmoniosa, mas, segundo Hirata & Kergoat (2008), como fonte de
conflito215. Essa tensão advém da partilha desigual das tarefas domésticas e de cuidado
entre homens e mulheres e da insuficiente participação do Estado na oferta de políticas
que permitam retirar das famílias – particularmente, das mulheres – parte dos encargos
de assumir essa tarefa (ou de fazer a mediação entre as esferas do trabalho e da família,
como tratam Clara Araújo, Felícia Picanço e Celi Scalon, 2007).
Apesar das inúmeras transformações na sociedade, homens e mulheres
seguem sem ocupar os mesmos espaços e sem assumir os mesmos papéis no mercado
de trabalho e na família, o que faz com que suas experiências diárias sejam diferentes (e
desiguais). Da mesma forma, no Brasil, o Estado se mantém praticamente ausente na
oferta de políticas de cuidado, o qual continua a recair sobre as mulheres.

2.1 - A ausência de políticas públicas de cuidado

A maior participação feminina no mercado de trabalho acirrou o conflito


quanto à articulação entre as esferas do trabalho e da família, trazendo à luz a
necessidade da oferta de políticas públicas que permitissem resolver a questão dos
cuidados. Os países passaram a abordar esse problema a partir de diferentes
perspectivas.

Em muitos países industrializados, particularmente no norte da Europa,


observa-se o desenvolvimento de políticas públicas que apoiam a conciliação
de trabalho e família, atenuando os efeitos negativos das transformações
sobre a igualdade de gênero. Em outros, como nos Estados Unidos, o
governo desempenha um papel mínimo no suporte às famílias, perpetuando a
crença de que os cuidados com a família é um assunto privado e sobretudo
afeito às mulheres (SORJ, FONTES & MACHADO, 2007, p. 574).

215
As autoras criticam o termo “conciliação” para abordar essa relação entre as esferas do trabalho e da
família, o qual foi utilizado nas políticas sociais em alguns países, como no caso da França. Esse termo
tende a mascarar uma relação de conflito e de desigualdade entre homens e mulheres. Arlene Ricoldi
(2010) indica que parte dos estudiosos do tema alega que o termo “conciliação” denotaria uma dimensão
mais individual no equilíbrio das duas esferas, enquanto “articulação” abarca uma dimensão mais ampla.
Optamos, nesta pesquisa, por falar em articulação entre trabalho profissional e vida familiar em vez de
empregar o termo “conciliação”.
242

No Brasil, a elaboração de políticas públicas que garantam que essa


articulação entre trabalho e família seja feita sem conflitos ainda é muito insuficiente.
Segundo Ricoldi (2010), no País, o debate sobre políticas públicas de “conciliação”
passou, sobretudo, pela questão da educação infantil216.
O acesso à creche esteve presente nas reivindicações dos movimentos de
mulheres e feministas, como forma de garantir a atividade profissional feminina. Estes
denunciavam, já nos anos 1970, a sobrecarga de trabalho das mulheres (chamada de
“dupla jornada de trabalho”) como fruto da divisão sexual do trabalho e das relações
desiguais entre homens e mulheres (MORAES, 1996). Como explica Ricoldi (2010, p.
41), “a expansão da rede de creches públicas se deu especialmente na década de 1980,
por reivindicação dos movimentos de mulheres, sob a argumentação de que as mulheres
mais pobres precisavam trabalhar e não tinham com quem deixar os filhos”. No entanto,
ela veio acompanhada também de demandas que visavam garantir o bem-estar da
criança e não apenas o seu acolhimento (ROSEMBERG, 1984).
A reivindicação dos movimentos sociais, particularmente das mulheres,
impulsionou a Constituição Federal de 1988 a incorporar a creche no sistema
educacional brasileiro, considerada como um direito da criança e da família
(NASCIMENTO, 2006)217. A partir desse período, com uma mudança na perspectiva
quanto à educação, ao cuidado e à socialização das crianças, estas últimas passaram a
ser reconhecidas como portadoras de direitos fundamentais e sociais. As creches e pré-
escolas tornaram-se, assim, dever do Estado, direito da criança e opção da família.
(Constituição Federal, art. 208, IV)218.
Renata Moreno (2015) salienta que algumas medidas adotadas no País
levaram ao aumento da participação do Estado na oferta de creches. Segundo a autora,

216
A educação infantil, conforme anunciada na Constituição brasileira e afirmada na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB – Lei no 9.394/96), inclui a creche, voltada para crianças de 0 a 3
anos, e a pré-escola, para crianças de 4 a 5 anos. Ela constitui a primeira etapa da educação básica.
217
Segundo Léa Marques e Renata Moreno (2012), no período da ditadura militar no Brasil, os grupos
que reivindicavam as creches, sobretudo os grupos de mulheres e os feministas, unificaram-se,
organizando no Município de São Paulo o Movimento de Luta por Creches. Na década de 1980, o
movimento se ampliou, tendo sido decisivo para a inclusão do direito à creche na Constituição Federal.
Fúlvia Rosemberg (1984) analisa esses movimentos e a política de creche em São Paulo.
218
Ocorre, portanto, uma mudança na concepção da creche como um direito da mulher trabalhadora e
como um espaço exclusivo de "guardar" e acolher as crianças, enquanto as mães trabalham, sobretudo
entre as famílias mais pobres. O viés assistencialista marcou o início da história das creches no País. Se
ela foi inicialmente concebida a partir desse viés, seu caráter e objetivo foram alterados na medida em que
a criança passou a ser reconhecida como um sujeito de direito e em que a educação infantil tornou-se um
espaço de desenvolvimento integral da criança. Assim, ao inserirmos as creches como uma política de
cuidado, não podemos perder de vista a dimensão educativa nela implícita, que visa garantir o
desenvolvimento pleno e integral da criança.
243

desde meados dos anos 2000, o processo de relocalização da política de creches, a qual
passou do campo da assistência social para o da educação, e a criação de mecanismos
institucionais que assegurassem seu financiamento foram importantes para reorganizar a
agenda política voltada à educação infantil, ampliando o número de vagas e o acesso a
ela.
No entanto, ainda que a oferta de creches públicas esteja se expandindo nas
últimas décadas, seu alcance é baixo, sobretudo entre as crianças pequenas e as famílias
mais pobres. No Brasil, os dados apontam que, em 2013, a taxa de escolarização das
crianças de 0 a 3 anos e de 4 a 5 anos correspondia, respectivamente, a 23,2% e 81,4%.
A frequência à creche era 32,8% maior entre a população no estrato de renda mais alto
(IBGE, 2014b).
A legislação trabalhista brasileira prevê algumas medidas de promoção de
uma melhor articulação entre trabalho e família para as mulheres, como a licença-
maternidade, o direito à amamentação e o acesso à creche ou auxílio-creche. A
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que as empresas com mais de 30
empregadas com mais de 16 anos devem ter um “local apropriado onde seja permitido
às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da
amamentação”, que pode ser substituído por vagas em creches mantidas por outras
entidades públicas ou privadas, entre outras (BRASIL, 1943). Portanto, é uma
legislação que garante esse direito apenas no período de amamentação, restrito aos seis
primeiros meses de vida.
As empresas podem substituir a vaga em creche por um auxílio ou
reembolso às trabalhadoras – verba destinada ao pagamento de creche privada, de modo
a não precisar manter uma no local da empresa –, definido em acordo coletivo. Cabe
ainda destacar que os direitos previstos na legislação são voltados à mulher
trabalhadora. Alguns deles podem ser estendidos ao pai trabalhador, como o auxílio-
creche, mas isso depende da negociação coletiva de cada segmento.
Nesse sentido, Sorj, Fontes & Machado (2007) salientam que as garantias
previstas em lei são limitadas e cobrem apenas a parcela das trabalhadoras inseridas no
mercado formal de trabalho. Além disso, há um claro viés de gênero, uma vez que os
benefícios concedidos focam a mulher trabalhadora e o início de sua vida reprodutiva.
Assim, continua a haver uma associação entre creche e trabalhadoras na legislação, que
244

reforça o cuidado infantil como uma responsabilidade das mulheres (RICOLDI, 2010),
contribuindo para a manutenção das desigualdades de gênero no trabalho e na família.
Ainda que a CLT preveja alguns direitos, parte das empresas parece não
cumpri-los ou dificultar o acesso a eles. No segmento de teleatendimento, a empresa A
oferece creche no local de trabalho para as empregadas, tendo sido apontada como a
única do segmento a ter esse tipo de serviço 219. A creche fica localizada dentro da
empresa, e as vagas são destinadas às funcionárias.
Nesta pesquisa, foram entrevistadas seis trabalhadoras mães que tinham
filhos frequentando essa creche. Outras entrevistadas eram mães, mas seus filhos não a
frequentavam, seja por não terem a idade adequada, seja por não terem conseguido
vaga. Comparar a trajetória e as dinâmicas cotidianas desses dois grupos de mulheres
evidencia a importância da oferta de creches para sua qualidade de vida. O acesso à
creche é apontado pelas trabalhadoras como facilitador tanto para a organização da vida
familiar, como por lhes aportar segurança, visto que reconhecem o papel que essa
instituição cumpre na garantia do bem-estar da criança.
Assim, a oferta desse serviço pela empresa A é muito importante e,
infelizmente, configura-se como uma exceção. Porém, é preciso salientar que sua
abrangência é muito restrita e não cobre grande parte das necessidades das trabalhadoras
mães. A empresa, que conta com centenas de funcionárias em cada turno, oferece
atendimento a, aproximadamente, 25 crianças, somente no período diurno e durante os
primeiros 12 meses de vida.
As trabalhadoras mencionaram existir uma “fila” de requerimento à creche,
dado o número reduzido de vagas disponibilizadas. Segundo as entrevistas, a vaga fica
condicionada ao absenteísmo da mãe. Se esta falta ao trabalho, perde o direito à vaga.
Para nós, esse seria um mecanismo da empresa para garantir a assiduidade dessas
trabalhadoras; para elas, no entanto, o discurso que aparece legitimado é de que “se a
trabalhadora falta muito é porque ela não precisa da creche”. Em suas percepções, há
uma introjeção da noção que vincula o direito de usufruir a vaga na creche com o
comprometimento da trabalhadora com a empresa e o trabalho.
Há, assim, dois problemas. Um é que a cobertura da creche abrange um
número muito restrito de trabalhadoras. O outro é que, apesar de a empresa garantir o

219
Segundo entrevista com o sindicato da categoria na Capital e Região Metropolitana de São Paulo.
245

direito de amamentar à mãe trabalhadora (dois intervalos de 30 minutos, segundo a


CLT), as teleatendentes encontram dificuldades na hora de usufruí-lo 220.

“Eram trinta minutos de amamentação, mas trinta minutos a partir do


momento que eu estava dentro do berçário amamentando. E como o
galpão era longe do berçário, eu levava cinco minutos pra chegar,
você põe mais cinco minutos aí, dava quarenta minutos, e eles não
queriam, eles queriam a meia hora” (Adélia, teleatendente da empresa
A, 6/10/2014).

Já para as funcionárias mães que não tinham acesso a essa creche, era pago
um auxílio-creche. A convenção coletiva garante esse auxílio à trabalhadora e ao
trabalhador, desde que este não tenha cônjuge, por filho, até este completar 24 meses. O
valor do auxílio correspondia, em 2014, a R$ 140,00, considerado insuficiente pelas
entrevistadas para arcar com as despesas de uma creche pública ou de uma cuidadora.

“Dão um auxílio-creche de R$ 150,00. [...] Assim, se você for ver


hoje. Eu estava até vendo [creche particular], que as meninas lá
também estão vendo, estava em torno de R$ 450,00” (Áurea,
operadora de teleatendimento da empresa A, 19/5/2015)221.

Já a empresa C de comércio varejista de super/hipermercados não oferece


creche, nem auxílio-creche às trabalhadoras. Ela oferta um vale-compras, chamado
“cartão-mamãe”, direcionado exclusivamente à mulher trabalhadora, no valor de R$
120,00 (em 2015), a ser gasto, nos estabelecimentos da empresa, com produtos para o
filho, até este completar seis anos222. Não há menção na convenção coletiva a esse
direito.
Portanto, vemos que tanto a legislação trabalhista como as práticas das
empresas seguem vinculando o cuidado das crianças à mulher trabalhadora (e não ao
pai), além de preverem garantias apenas nos primeiros meses de vida da criança, sem

220
Há outras barreiras para que as mulheres usufruam esse direito, revelando certa resistência das
empresas, como a falta de equipamentos adequados. A fim de tentar vencer essas barreiras, uma cartilha
foi produzida pelo Ministério da Saúde, em 2010, procurando informar a mulher trabalhadora sobre seus
direitos à amamentação, e instruir as empresas sobre a possibilidade de usufruto desse direito. Ver:
Cartilha para a mãe trabalhadora que amamenta. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_mae_trabalhadora_amamenta.pdf>. Acesso em: 13
fev. 2016.
221
Cabe aqui apontar que o filho mais novo de Áurea, com 6 meses, frequentava a creche da empresa. Ele
ia perder esse direito quando completasse 1 ano. Ela pretendia pleitear uma vaga na creche pública. No
entanto, ela já aguardava vaga para a filha mais velha, de 2 anos e 6 meses, que ficava aos cuidados d o
marido, enquanto estava desempregado, ou da sogra.
222
Novamente aqui temos a estratégia de retorno de parte dos custos com a força de trabalho em lucros
para a empresa, uma vez que o valor dado tem de ser gasto em seus estabelecimentos.
246

considerar a atenção que esta exige, particularmente, durante seus primeiros anos. Essa
limitação dos direitos acaba tendo desdobramentos sobre a inserção e a situação da
mulher no mercado de trabalho.
Diversos estudos evidenciam que o acesso dos filhos à creche afeta
positivamente a trajetória profissional feminina, com a mulher tendo mais chance de se
inserir no mercado formal de trabalho, em postos de melhor qualidade e com maior
remuneração (MONTALI, 2014; SORJ & FONTES, 2010; GAMA, 2014). Ao
contrário, a ausência desse acesso faz com que parte das mulheres se mantenha inserida
em postos mais precários, com baixo salário e menor qualificação, dificultando a
ruptura com uma situação de vulnerabilidade e de dependência.
Segundo Sorj & Fontes (2010), a relação positiva entre a frequência dos
filhos pequenos à creche e à pré-escola e a posição das mulheres no mercado de
trabalho se dá entre o conjunto da força de trabalho feminina, mas é ainda mais forte
entre as mulheres mais pobres. No mesmo sentido, Andréa Gama (2014) salienta que,
particularmente entre as mães em famílias monoparentais, as maiores proporções de
acesso a esse serviço significam maiores benefícios em termos do cuidado das crianças,
aparecendo como um importante recurso para que elas sigam inseridas no mercado de
trabalho.
Os resultados de nossa pesquisa apontaram para essa mesma direção,
evidenciando que a ausência de acesso à creche afeta diretamente a trajetória das
mulheres no mercado de trabalho. A carreira feminina é prejudicada pela falta de apoio,
sobretudo institucional, para garantir o cuidado dos filhos.
Podemos citar como exemplo o caso da teleatendente Adriana, cujo filho
frequentava a creche da empresa e, ao completar 12 meses, perdeu esse direito. Ela,
então, por meio de um processo, acionou a prefeitura de seu município para exigir a
abertura de uma vaga para o filho na creche pública. Nesse período, ela se absteve do
trabalho durante seis dias consecutivos, por não ter onde ou com quem deixá-lo para ser
cuidado.
Aline, na mesma situação, deixou o emprego quando a filha completou 12
meses, perdendo o direito à vaga na creche da empresa, e acionou um processo de
rescisão indireta do contrato de trabalho, por considerar que o auxílio dado pela empresa
não era suficiente para pagar uma creche.
247

Cabe destacar que, para as entrevistadas que tinham acesso à creche da


empresa, a aproximação do momento em que o filho completaria 12 meses – quando se
perde o direito à vaga na creche – apareceu como uma fonte de tensão, por se verem
diante da necessidade de fazer negociações e arranjos para garantir o cuidado do filho.
Junto com as histórias de Adriana e Aline, encontramos diversas trabalhadoras que,
diante da impossibilidade de terem acesso a uma vaga na creche, abriram mão da
carreira profissional ou as viram ser prejudicadas. Essa questão histórica afeta grande
parte das mulheres, sobretudo aquelas em condições econômicas mais desfavorecidas.
Aqui aparece um elemento decisivo na conformação das trajetórias
profissionais das mulheres: o baixo salário as leva a avaliar e, até mesmo, a deixar seus
empregos quando consideram que estes são insuficientes (ou “não valem a pena”, como
mencionado pelas próprias trabalhadoras) para pagar uma creche privada ou uma
cuidadora.
Segnini (2003), ao estudar mulheres mães e desempregadas, constatou que
muitas se encontravam em situação de desemprego por terem deixado o posto de
trabalho para cuidar dos filhos pequenos. As razões variavam conforme as situações
conjugais, econômicas, sociais e de nível de escolaridade e de renda. Entre as mulheres
mais pobres, retirar-se do mercado de trabalho apareceu como uma saída para a
insuficiência do salário para cobrir os custos que tinham de arcar com o cuidado dos
filhos.
Como afirmam Araújo, Picanço & Scalon (2007), a ausência de políticas
públicas de suporte – que auxiliem na mediação entre trabalho e família – faz com que a
carga doméstica nos arranjos familiares recaia sobre as mulheres, o que afeta a situação
que elas encontram no mercado de trabalho. Portanto, podemos afirmar que as
desigualdades de gênero e a ausência de políticas que se voltem para a redução da
sobrecarga de trabalho das mulheres no âmbito doméstico 223 reforçam o quadro de
precariedade do emprego feminino, além de minar o projeto de autonomia que elas
poderiam ter ao se inserir no mercado de trabalho.
Ao contrário, quando há a participação do Estado nessa mediação, as
práticas sociais de homens e mulheres tendem a ser mais igualitárias (ARAÚJO,

223
Aqui, pensamos também na oferta de equipamentos coletivos que permitissem socializar o trabalho
doméstico, como restaurantes, lavanderias etc. Sobre esse debate, ver Maria Lúcia Silveira e Neuza Tito
(2008). Além disso, as mulheres são responsáveis pelos cuidados não apenas dos filhos, mas também de
idosos, pessoas dependentes etc. Repensar a distribuição do cuidado na sociedade, no Estado e na família
coloca-se ainda como um desafio a ser enfrentado.
248

PICANÇO & SCALON, 2007). Embora as políticas sejam decisivas, devemos


considerar outro elemento: o acesso à creche não é garantia de uma articulação entre
trabalho e família satisfatória. A flexibilidade das relações de trabalho, sobretudo
quanto à jornada, tem um peso importante.
Ricoldi (2010, p. 41) aponta que, para as trabalhadoras, “o principal
problema das creches é, por um lado, a sua quantidade insuficiente e, por outro, seus
horários incompatíveis com a jornada de trabalho integral da maioria dos
trabalhadores”. No caso das trabalhadoras de ambos os segmentos aqui analisados, elas
não realizam sua atividade profissional em consonância com os demais membros da
família e com o funcionamento das instituições de ensino e de cuidado. Assim, ainda
que seus filhos frequentem creches e pré-escolas, há um período (quando trabalham no
período noturno, aos finais de semana e em feriados) em que as crianças ficam
descobertas de proteção, gerando a necessidade de contar com outras pessoas que
disponham de tempo para cuidar delas.
Essa dificuldade é acentuada à medida que as instituições e os serviços
públicos não acompanham as diferentes modalidades de jornada e horários de trabalho,
fazendo surgir novas demandas, como o funcionamento dos serviços de creche em
tempo integral224, que possibilitassem melhor organização da vida das trabalhadoras.
Lallement (2003a) afirma que a flexibilização do tempo de trabalho tem tornado cada
vez mais difícil para os assalariados articular os horários de trabalho com os horários de
atividade dos serviços públicos e das escolas dos filhos. Essa dificuldade aparece como
um conflito que se instaura e afeta grande parte das assalariadas hoje.
Diante desse conflito, algumas experiências emergem, procurando
reorganizar os tempos sociais. Na Itália, algumas cidades, desde os anos 1980, passaram
a discutir e elaborar projetos de lei que procurassem regular os tempos sociais, de modo
a propiciar uma melhor organização da vida cotidiana das pessoas (BELLONI,
BOULIN & JUNTER-LOISEAU, 2003). Os autores assinalam que mudanças
significativas na sociedade – tais como o processo de individualização, o aumento da

224
A discussão sobre as creches em tempo integral tem sido pautada no debate político brasileiro, sendo
apontada como uma política que levaria a uma melhor condição e qualidade de vida para a mulher
trabalhadora. Na última eleição para a prefeitura no Município de São Paulo, em 2012, ganhou relevância
a discussão em torno da demanda por creches durante as 24 horas do dia. Apesar de existirem algumas
experiências no País, o assunto é polêmico, gerando divergências sobretudo em relação às condições de
trabalho das profissionais de creche e ao papel desta instituição e da família como educadoras, além do
debate em torno do direito das crianças a conviver com os familiares e a ter seu desenvolvimento integral
respeitado.
249

participação feminina no mercado de trabalho, a evolução das modalidades de produção


e de serviço, o desemprego, o surgimento de novas visões sobre a ideia de cidade, mais
pensada em termos de comunidade local e territorial, entre outras – levaram à
necessidade de repensar e reorganizar os tempos das cidades. Esse debate,
posteriormente, passou a influenciar algumas iniciativas na Alemanha e na França. As
experiências surgidas, embora nem sempre tão efetivas, contribuíram para evidenciar a
importância da compreensão do tempo como um direito de cidadania e da negociação
que deve haver quanto a ele entre os diferentes atores sociais 225. A ideia trazida por
esses debates e experiências é a de repensar os tempos sociais, tirando a centralidade
daqueles da esfera produtiva e promovendo uma mudança cultural no modo de
vivenciá-los nas cidades.
Sem dúvida, uma reorganização dos tempos sociais desse tipo, alterando as
dinâmicas das intuições, dos serviços e do trabalho, contribuiria para uma melhor
qualidade de vida entre as mulheres. No entanto, se esse debate é importante, ele ainda é
muito localizado. Majoritariamente, as mulheres têm de lidar, em âmbito privado, com
os conflitos entre os tempos sociais e com a tensão que envolve a articulação entre
trabalho profissional e vida familiar.

2.2 - Divisão sexual do trabalho no espaço reprodutivo

A responsabilidade quase exclusiva das mulheres pelo trabalho doméstico e


de cuidados segue presente, apesar das inúmeras mudanças sociais, econômicas,
demográficas e culturais ocorridas ao longo do tempo. Segundo o IPEA (2012), essa
responsabilização é vivenciada por todas as mulheres, não importando se elas têm alta
renda, se são consideradas responsáveis pelo domicílio e se estão ocupadas. Elas sempre
gastam mais tempo com os afazeres domésticos do que os homens nas mesmas
posições.
A esfera reprodutiva é, portanto, reveladora das práticas sociais desiguais
entre homens e mulheres na sociedade. No ano de 2014, no País, as mulheres ocupadas
gastavam em média 21,2 horas semanais com os afazeres domésticos, enquanto os

225
Segundo os autores, as discussões sobre o tempo das cidades se cristalizaram na Europa a partir da
discussão do tempo de trabalho. Essa não é feita sem conflito. A flexibilização dos horários de trabalho é
indicada como uma das formas de promover uma melhor organização da vida cotidiana. No entanto, ela
pode ser problemática conforme o modo que as empresas se apropriam dela. Estas não apenas fazem uso
de uma gama de jornadas de trabalho impostas aos trabalhadores, como tendem a direcionar a
flexibilidade às mulheres, mantendo a articulação entre trabalho e família como uma questão feminina.
250

homens gastavam 10 horas semanais. Quando somadas à jornada média de trabalho na


esfera produtiva (a qual era de 41,6 horas semanais para os homens e 35,5 horas para as
mulheres), os homens trabalhavam em média 51,3 horas semanais e as mulheres, 56,3
horas, isto é, 5 horas a mais do que eles (IBGE, 2015b). Ou seja, as mulheres vivenciam
uma sobrecarga de trabalho total maior que a dos homens.
Dedecca (2004) mostra que, no caso das mulheres brasileiras (similar ao de
países desenvolvidos), a tendência é de que elas tenham jornadas de trabalho pago
menores que a dos homens, mas uma jornada maior de trabalho não pago (dedicada aos
afazeres domésticos). Portanto, a participação das mulheres no mercado de trabalho não
reduz sua carga de trabalho na esfera doméstica (BRUSCHINI, 1990; DEDECCA,
2004).
Os dados indicam haver, no País, uma lenta mudança em relação à divisão
do trabalho doméstico entre os sexos. Segundo Araújo & Scalon (2005), homens e
mulheres vêm apresentando percepções mais igualitárias quanto às relações de gênero e
à família. No entanto, essas percepções convivem com práticas ainda muito
conservadoras e tradicionais, que se apoiam na vinculação do trabalho doméstico e de
cuidados às mulheres. As mudanças parecem ocorrer de modo muito lento e pontual.
Quando se comparam os usos do tempo entre homens e mulheres, a lentidão
dessas mudanças e a persistência de práticas desiguais se revelam nitidamente. No
período entre 2004 e 2014, os homens mantiveram sua participação nos afazeres
domésticos praticamente inalterada, em cerca de 10 horas semanais, enquanto as
mulheres vivenciaram uma ligeira queda em sua carga de trabalho com essas atividades,
passando de 22,3 horas, em 2004, para 21,2, em 2014. Os dados sugerem que há um
movimento de lenta liberação das mulheres desse tipo de atividade (e não uma melhor
partilha entre os sexos), que, por sua vez, está relacionado tanto a um processo de
mudanças culturais e tecnológicas, como à externalização e mercantilização do trabalho
doméstico e de cuidados (SUCUPIRA & FREITAS, 2014).
Segundo Hochschild (2008), vem ocorrendo o surgimento de uma “indústria
do cuidado”, com uma proliferação de ofertas de serviço, em substituição à tradicional
“mulher-esposa-mãe”. No entanto, Carrasco (2003a) salienta que há uma parcela do
trabalho de cuidados que não encontra substituição no mercado, recaindo ainda
majoritariamente sobre as mulheres.
251

Ainda que, em âmbito geral, elas lentamente se liberem de parte do trabalho


doméstico, a presença de crianças pequenas é um fator que provoca o aumento da carga
de trabalho feminina. Porém, o mesmo não ocorre entre os homens. Os dados indicam
que, para as mulheres, quanto maior o número de filhos, maior é o tempo dedicado aos
afazeres domésticos. No ano de 2009, enquanto as mulheres sem filhos gastavam 25,9
horas semanais com os afazeres domésticos, aquelas que tinham até 2 filhos gastavam
29,4 horas com os afazeres domésticos, as com 3 a 4 filhos gastavam 32,6 horas e
aquelas com 5 ou mais gastavam 33,8 horas semanais. Para os homens, essa relação era
diferente. O maior número de filhos não aumenta o tempo dedicado por eles ao trabalho
doméstico e de cuidados. Os homens solteiros eram aqueles que mais gastavam tempo
com os afazeres domésticos (11,7 horas semanais); já aqueles que tinham até 2 filhos
gastavam em média 10,4 horas, os com 3 a 4 filhos gastavam 10,1 horas e aqueles com
5 ou mais dedicavam 10,3 horas (IPEA, 2012).
Segundo Lallement (2003a), a presença de crianças pequenas tende a
reduzir a carga de trabalho profissional e a aumentar aquela no âmbito doméstico para
as mulheres, ao passo que, para os homens, tende a aumentar a carga destinada ao
trabalho remunerado. A necessidade de aumentar a renda e a divisão sexual do trabalho
– que, por sua vez, atribui menores salários às mulheres e as responsabiliza pelo
trabalho de cuidados – aparecem como fatores que explicam essas práticas diferentes (e
opostas) entre os sexos.
Além de não aumentarem a carga de trabalho de cuidados pela presença dos
filhos, os homens contribuem ainda para tornar mais intenso o trabalho feminino.
Segundo a pesquisa de SOS Corpo e Data Popular (2012), 90% das mulheres
entrevistadas concordaram com a frase de que “os homens dão mais trabalho do que
ajudam em casa”. A pesquisa de Cécile Brousse (1999), na França, mostrou que os
homens solteiros dedicavam mais tempo aos afazeres domésticos do que os casados sem
filhos. Já entre as mulheres, o casamento ampliava o tempo dedicado a esses afazeres.
Ou seja, os homens não partilham o trabalho doméstico com as mulheres e ainda
contribuem para onerá-las de trabalho.
Os resultados das entrevistas indicam essas tendências. A sobrecarga de
trabalho feminina é vivenciada pelas entrevistadas, para as quais a vida cotidiana foi
apontada como corrida diante da necessidade de conciliar a esfera profissional com a
vida familiar e as demais atividades sociais. No entanto, essa percepção é agravada à
252

medida que envolve a responsabilização pelo trabalho doméstico e de cuidado de filhos,


maridos e, muitas vezes, de outros parentes.

“É cansativo, viu, essa vida, eu confesso para você que não é fácil
não. É bem complicado. Tem hora que dá vontade, que nem, tem hora
que você fala, né?, ‘cansei’. Mas só que assim, que nem eu falo, acho
que não tem nenhuma mãe que não acabe dando peso a essa correria.
Porque você tem que cuidar de casa, tem que cuidar de filho, tem que
cuidar do trabalho. Aí tem que cuidar do marido. Daí se surge algum
imprevisto, você corre naquele imprevisto. Aí você está aqui, que nem
eu estou aqui com a cabeça lá” (Adriana, teleatendente da empresa A,
4/6/2012).

Ao compararem o cotidiano de suas vidas antes e após o nascimento dos


filhos, as trabalhadoras afirmaram que o dia a dia se tornou “mais corrido, eu acho que
está bem mais corrido” (Carina, operadora de caixa de hipermercado da empresa C,
6/3/2013). Celeste foi entrevistada três vezes durante esta pesquisa: quando não
planejava ter filho, quando estava grávida e após sua filha ter completado um ano.
Quando questionada sobre o que havia mudado em sua vida entre as duas últimas
entrevistas, sua resposta foi que toda a rotina havia sido alterada, o dia estando bem
mais corrido. O trabalho de cuidados aparece como um dos elementos que mais
sobrecarregam as mulheres.
No entanto, é preciso dizer que as entrevistas indicaram haver uma
participação masculina nesse tipo de atividade. Tanto os homens solteiros como os
casados afirmaram realizar trabalho doméstico. Da mesma forma, as mulheres
entrevistadas também apontaram a participação do cônjuge nessas atividades.

“[Ah, tá. Aí comida na sua casa quem faz, você?] É, eu. [E limpar a
casa?] É, às vezes. Ele limpa mais que eu. [Risos] [...] Ele faz mais
coisa dentro de casa do que eu. [...] ele lava roupa. Ele limpa a casa.
Lava louça” (Celeste, operadora de caixa de hipermercado da empresa
C, 12/4/2013).

Segundo Araújo & Scalon (2005), os jovens tendem a adotar uma


perspectiva mais igualitária quanto às práticas de homens e mulheres no trabalho e na
família. A pesquisa realizada por SOS Corpo e Data Popular (2012) confirma esse
achado, indicando que a maior participação masculina nos afazeres domésticos ocorre
entre os mais jovens, o que aponta para uma tendência de mudança que começa com as
novas gerações.
253

Do mesmo modo, são as mulheres que tendem a ter percepções mais


igualitárias quanto às práticas sociais de homens e mulheres (ARAÚJO, PICANÇO &
SCALON, 2007). Nas entrevistas realizadas, as trabalhadoras reiteraram a importância
dessa partilha entre o casal como forma de reduzir sua sobrecarga de trabalho.

“Quando meu marido, que nem eu falei, quando meu marido estava
em casa, ele ficava com ele [o filho], até mesmo para eu não me
cansar também, né? Porque um tem que ajudar o outro” (Adriana,
teleatendente da empresa A, 4/6/2012).

Entretanto, na maior parte dos relatos, essa participação masculina no


trabalho doméstico e de cuidados apareceu como uma “ajuda”, algo que os homens
fazem em prol das mulheres (e não de si, dos filhos e da família). Nos diversos
discursos, as mulheres utilizaram expressões como “ele me ajuda”, “ele faz para mim”.

“Eu que levo [o filho à creche]. Às vezes, assim, agora, esses dias,
graças a Deus, eu levo e meu marido busca. Daí às vezes eu chego,
ele já chegou. Ou se ele já está em casa, mesmo assim eu levo ele de
manhã, daí ele busca à tarde para mim, para não ficar tão cansativo
também” (Adriana, teleatendente da empresa A, 4/6/2012, grifo
nosso).

“Porque ele me ajuda bastante também. Também se fosse para fazer


todas as coisas sozinha não dá, ele me ajuda com as meninas, ajuda
dar banho, essas coisas” (Carolina, operadora de caixa de
supermercado da empresa C, 18/5/2012, grifo nosso).

No caso de Celeste, citado anteriormente, o marido foi mencionado como


aquele que assume grande parte do trabalho doméstico, mesmo após o nascimento da
filha. No entanto, ela também se referiu a uma ajuda que ele dá a ela.

“[O que você faz agora de trabalho de casa?] Faço as mesmas coisas
de sempre. Faço comida, lavo a louça, lavo a roupa... [Seu marido
continua fazendo mais coisas?] Continua me ajudando [risos]. [Você
falava que ele fazia mais que você...]. Continua me ajudando [...] Ele
cuida da casa e da roupa. [E da comida é você?] É, sou eu” (Celeste,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 12/11/2015).

A assunção dos homens de parte das tarefas domésticas segue reduzida e


pontual. Segundo Méda (2008), a participação masculina, ainda que baixa, tende a ser
mais facilmente obtida nas tarefas de cuidado do que nas domésticas, pois estas últimas
são consideradas mais penosas por homens e mulheres. Assim, a resistência masculina é
maior nas atividades com baixa visibilidade e reconhecimento social. Como bem
254

salientam Araújo, Picanço & Scalon (2007), dividir não implica necessariamente
igualdade.
Nesse sentido, as entrevistas mostraram que, ainda que participe ou ajude, o
homem opta pelas atividades que prefere e quer fazer.

“O meu marido, como ele não está trabalhando, ele arruma muito a
casa, então eu chego a casa está organizada, tudo certinho. A única
coisa que ele não faz é lavar roupa. Então no dia da minha folga é o
dia que eu vou lavar roupa” (Cecília, operadora de caixa de
supermercado da empresa C, 12/4/2012).

“Ele fala que a pior coisa é ele ficar em casa. Ele fica sábado e
domingo em casa, ele fica reclamando, que não tem o que fazer, que
não tem nada para fazer. ‘Meu filho, tem a casa para você limpar’.
Mas ele diz: ‘Isso não’” (Cristiane, operadora de caixa de
supermercado da empresa C, 1o/6/2012, grifo nosso).

Daune-Richard (1983), em seu estudo na década de 1980 na França,


identifica a partilha do trabalho doméstico com o marido sob a forma de uma ajuda, que
se dá de maneira mais ou menos pontual e circunscrita. Para a autora, o modo como as
mulheres organizam seu horário de trabalho e seu tempo no dia a dia contribui para
reforçar a divisão sexual do trabalho no seio do casal. Para ela, a ausência da
participação do marido no trabalho doméstico se justifica, em parte, porque as mulheres
o fazem antes, adiantam a realização dessa atividade. Lallement (2003a) concorda e
acrescenta que, quando as mulheres adiantam o trabalho doméstico, realizando-o
durante a semana para liberar o dia de folga para conviver com a família, reforçam a
invisibilidade desse trabalho aos olhos de maridos, filhos e familiares.
Bruschini (1990) também indica que a participação dos companheiros no
trabalho doméstico se dá de modo circunstancial (como uma ajuda ou cooperação), de
maneira seletiva (eles escolhem o que vão realizar, normalmente executando as
atividades mais valorizadas) e de forma dependente da disponibilidade de tempo deles,
dada a jornada de trabalho que têm na esfera produtiva.
Quando analisamos os relatos hoje, a situação encontrada parece ser muito
semelhante à descrita em décadas anteriores. A participação masculina no trabalho
doméstico e de cuidados, ainda que tenha aumentado – embora os dados sobre os usos
do tempo não venham revelando essa transformação, o que nos faz acreditar que ela é
ainda pontual e não generalizada –, ocorre de forma muito lenta, aparecendo como um
dos elementos que mais resistem às mudanças.
255

Essa situação é reforçada pela ideia, muito presente no imaginário social, de


um “saber feminino”, naturalizado e introjetado pelas mulheres. Em seus discursos, as
trabalhadoras apontaram ter ensinado o marido a cuidar do filho. Ou, ainda, justificaram
a reduzida participação masculina devido à falta de conhecimento dos homens para
realizar o trabalho de cuidados. Ou seja, descola de suas falas a percepção de que as
mulheres já nascem sabendo ser mãe, enquanto os homens têm dificuldades para
aprender a ser pai, o que justificaria a desigual partilha dessa atividade entre o casal.

“Quando eu tive a Maia, então eu já ensinei ele a dar banho na Maia,


desde pequeninha, né?, a dar comida, ele já fazia. Quando ele não
dava, era a minha tia quem dava” (Carina, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 6/3/2013).

“Aí ele que pega o Pedro para mim. [E a Sofia ficou...] Ficou com a
minha mãe. Isso. Como ele não sabe lidar com a Sofia, eu pego a
Sofia só quando eu chego [do trabalho]. Então, ele não sabe... tem
medo de trocar a fralda. Ele não sabe trocar a fralda de menina, ele
não consegue. Então, ele prefere que eu pegue. Aí ele fica com o
Pedro até a hora de eu chegar. Eu chego em casa por volta das 17h,
17h30, até 18 horas é o horário que eu chego” (Adélia, teleatendente
da empresa A, 20/6/2012).

Esse saber feminino é algo aprendido desde a infância pelas mulheres, em


sua socialização, normalmente passada de geração em geração – da avó para a mãe, da
mãe para a filha. Os dados da PNAD indicam que, em 2014, no grupo de pessoas com
10 a 14 anos, 41,4% dos meninos e 69,6% das meninas afirmaram ter realizado afazeres
domésticos na semana de referência da pesquisa. As meninas dedicavam em média 11,2
horas semanais a esses afazeres, enquanto os meninos dedicavam 7,3 horas (IBGE,
2015b). Ou seja, a responsabilização feminina pelo trabalho doméstico e de cuidados se
dá desde a infância e se propaga pela vida.
Danielle Chabaud-Rychter, Dominique Fougeyrollas-Schwebel e Françoise
Sonthonnax (1985) dizem que há uma circulação do trabalho doméstico entre a
linhagem feminina da família, principalmente entre mães e filhas. Segundo as autoras,
as mulheres estão inseridas em um circuito de troca de trabalho doméstico e de cuidado
com outras mulheres, sobretudo familiar, que passa por toda a vida. Os papéis que
assumem nessa troca (se recebedora ou fornecedora desse trabalho) e a carga de
trabalho variam de acordo com a idade, a estrutura familiar, a inserção no mercado de
trabalho etc.
256

Podemos apontar ainda que os homens também estão postos nessa troca e a
influenciam, porém seria uma presença marcada, na prática, pela ausência. É o que
revela o caso de Clarice. Ela não contava com a participação do marido no trabalho
doméstico. Nos momentos em que ele era responsável pelos cuidados do filho pequeno,
sua participação era transferida à sogra226. Novamente aqui, o “não saber masculino” se
opõe ao “saber feminino” do cuidar.

“[E (seu marido) cuida do bebê?] Não muito, né? Ele pega e vai para
a casa da minha sogra. Tipo, eu tenho que fazer janta, ele pega meu
filho e vai lá para a casa da minha sogra e fica lá. Até eu terminar.
Na hora que eu termino, eu subo lá e pego o meu filho de novo [...] [A
sua sogra ajuda a cuidar?] Ajuda, porque ele não troca a fralda, ele
não dá mamadeira. Aliás, ele não faz. Dar, ele dá. Ele não sabe
fazer” (Clarice, operadora de caixa de supermercado da empresa C,
3/10/2014).

O trabalho doméstico e de cuidados, portanto, segue como uma


responsabilidade feminina, historicamente estabelecida e ainda muito naturalizada. A
maior atividade profissional feminina pouco influenciou na participação masculina no
trabalho doméstico. Este segue restrito às mulheres enquanto grupo social
(FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, 1996), com a rede familiar feminina cumprindo um
papel decisivo nessas dinâmicas.

2.3 - Articulação entre trabalho profissional e vida familiar: desafio às


mulheres

A atribuição do trabalho doméstico e de cuidados às mulheres exige que


elas encontrem soluções para dar conta dessa responsabilidade, o que fazem em âmbito
privado de modo ou individual ou coletivo, mas normalmente sendo resolvido entre
mulheres.
Com a maior participação feminina no mercado de trabalho e com as
alterações nos arranjos familiares, as mulheres precisam adotar estratégias para
articular, de maneira menos tensa possível, as esferas produtiva e reprodutiva. Para isso,
elas desenvolvem, segundo Carrasco (2003a), formas de resistência individual,
adaptações e escolhas diversas, as quais envolvem a redução do trabalho familiar, a
226
Clarice trabalha aos domingos. Seu marido exerce atividade remunerada de segunda-feira a sábado. A
cunhada de Clarice cuida do filho nos dias em que ambos trabalham. Aos domingos em que ela trabalha,
o marido é responsável pelo cuidado da criança. Cabe mencionar que a residência deles fica localizada no
mesmo terreno que a da sogra e cunhada.
257

organização do trabalho de cuidados e/ou a integração no mercado de trabalho de modo


específico (como o trabalho noturno ou com jornada reduzida). Para a autora, as
mulheres são confrontadas com desafios, tomadas de decisão e adaptações para realizar
essa articulação que não são colocados aos homens.
Uma das primeiras questões a ser analisada é o papel da maternidade nas
trajetórias profissionais femininas. As mulheres manifestam a vontade e a necessidade,
de um lado, de se inserir e de permanecer no mercado de trabalho e, de outro, de cuidar
das crianças e familiares. Ao analisar as representações das mulheres acerca das
atividades profissionais e domésticas, Daune-Richard (1983) conclui que elas valorizam
o emprego e manifestam a vontade de assegurar sua inserção profissional. Entretanto, os
julgamentos e os valores que elas atribuem a esse trabalho passam pela possibilidade de
realizar as atividades domésticas e responder por suas responsabilidades no âmbito
familiar.
Araújo & Scalon (2005) revelam uma posição semelhante, ao analisarem
um survey sobre as atitudes e percepções de homens e mulheres. Ainda que estas
últimas tenham passado cada vez mais a valorizar o trabalho profissional como um
projeto de vida, a construção da identidade feminina ainda segue fortemente
condicionada, em grande parte, pela maternidade, ou, como apontam as autoras, pelo
“lugar de mãe”. Essa condição pauta as escolhas e arranjos de grande parte das
mulheres em suas trajetórias profissionais.
Na tentativa de melhor compatibilizar trabalho profissional e vida familiar,
essas escolhas e adaptações despontam, muitas vezes, como uma fonte de conflito no
dia a dia das mulheres, dada a tensão existente entre ambas as esferas. Isso porque estas
são regidas por lógicas, inclusive temporais, distintas: o tempo dos cuidados não é
linear, mas é constante e segue o ciclo da vida, não acompanhando o ritmo da esfera
profissional, da produção e da organização capitalista (CARRASCO, 2003b) 227. Esse
tempo obedece a demandas e a um ritmo próprio, o das necessidades humanas.
Assim, conciliar trabalho profissional e família não significa simplesmente
juntar um trabalho após o outro. O trabalho doméstico e de cuidados é difuso ao longo
do dia, com tarefas que se sobrepõem umas às outras.

227
Carrasco (2003a, p. 28) aponta que essa tensão é reflexo de uma contradição muito mais profunda em
nossa sociedade, a qual se dá “entre a produção capitalista e o bem-estar humano, entre o objetivo do
lucro e o objetivo do cuidado da vida. Entre a sustentabilidade da vida humana e o benefício econômico,
nossas sociedades patriarcais têm optado pelo segundo”.
258

As mulheres encarregadas das crianças não passam de um tempo e um lugar


a outro tempo e outro lugar, elas não juntam uma produção ou um tipo de
ocupação a uma outra; elas se encarregam também do conjunto de tarefas de
antecipação, de organização concreta e da coordenação entre os diferentes
tempos e os diferentes lugares (MÉDA, 2008, p. 59).

Essa situação se agrava na medida em que o tempo produtivo torna-se mais


imprevisível e incompatível com a vida familiar e não há um suporte das instituições e
de políticas públicas. Para Casaca (2013), há um paradoxo que toca o emprego feminino
diante da flexibilização das relações de trabalho: mesmo tendo um emprego estável, as
trabalhadoras ficam sujeitas a um modelo de gestão do tempo de trabalho que afeta sua
qualidade de vida. Para as trabalhadoras, uma opção é “o adiamento da maternidade
para uma fase mais consolidada da carreira profissional ou mesmo a renúncia a um
projeto reprodutivo” (CASACA, 2013, p. 46).
Em nossa pesquisa, foram identificadas diferentes estratégias entre o grupo
de mulheres entrevistadas. Algumas trabalhadoras, principalmente as mais jovens,
manifestaram a opção por não ter filhos ou o adiamento da maternidade, inclusive
justificando essa escolha pela incompatibilidade, no presente ciclo de vida, de
articulação das duas esferas.

“[Você pensa em ter filhos?] Penso. [...] [Se você tiver filho, você
quer continuar trabalhando?] É. Mas não aqui. [Não aqui?] Tem que
ter um tempo para filho, né? Tem que pelo menos ficar em casa no
feriado e final de semana” (Celeste, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 12/4/2013)228.

A ausência de filhos, como mencionado nas entrevistas, proporciona maior


liberdade e possibilidade para se dedicar a outras atividades, como o estudo. Da mesma
forma, a menor obrigação familiar permite maior dedicação ao trabalho profissional,
bem como a adaptação aos ditames da organização produtiva, valores em voga na
gestão empresarial hoje.

“Teve um rapaz que ele é solteiro, ele não tem família, não tem nada,
então ele ficou, praticamente, o dia inteiro no mercado. Ele entra

228
Celeste tornou-se mãe 18 meses após a primeira entrevista. Na segunda entrevista, ela relatou haver
pedido à empresa para ser demitida e que teria de aguardar a resposta durante meses. Quando soube que
seria demitida, ela descobriu estar grávida – situação que, pela CLT, impede sua demissão (BRASIL,
1943). Na terceira entrevista, um ano após o nascimento da filha, ela afirmou haver novamente solicitado
à empresa que a demitisse. E afirmou: “Continuo com o mesmo pensamento. Eu falo assim: ‘Quero sair
porque eu tenho que ter pelo menos o final de semana pra ficar com a filha’” (Celeste, operadora de caixa
de hipermercado da empresa C, 12/11/2015).
259

cedinho e saiu daqui às 21h” (Cecília, operadora de caixa de


supermercado da empresa C, 12/4/2012).

Como discutido anteriormente, as empresas procuram limitar a interferência


familiar na esfera profissional a fim de obter a máxima disponibilidade temporal das
trabalhadoras. A limitação da maternidade faz parte da estratégia gerencial desde o
recrutamento229 e não parece ser restrita a um ou outro segmento profissional.
Recentemente, ganhou destaque nos noticiários do País o caso de uma
empresa de teleatendimento condenada pelo Tribunal Superior do Trabalho por fazer
controle gestacional das empregadas. Uma gerente da empresa elaborou uma fila, na
qual o nome das trabalhadoras estava elencado segundo a ordem de preferência para
engravidar. Ficavam excluídas aquelas que não fossem casadas oficialmente e tinham
prioridade aquelas sem filhos. As trabalhadoras deveriam, ainda, avisar com seis meses
de antecedência a intenção de engravidar230.
Esse controle do sistema reprodutivo das empregadas de acordo com o fluxo
produtivo não parece exceção. Empresas como Apple e Facebook recentemente
afirmaram, em reportagem, oferecer, como um benefício às empregadas, o
congelamento de se seus óvulos, a fim de que elas retardem o projeto de maternidade 231.
Outra empresa chinesa foi acusada de determinar um calendário e normas para a
gravidez das funcionárias, ameaçando punir aquelas que não cumprirem o planejamento
da empresa232. Esses exemplos, em diferentes contextos, evidenciam uma ofensiva do
controle gerencial que ultrapassa a esfera produtiva, invadindo a vida privada 233 e
reprodutiva das trabalhadoras.
O controle sobre a vida privada dos trabalhadores não é inédito no
capitalismo. Desde o início de seu desenvolvimento, o capitalista teve a necessidade de
disciplinar o trabalhador para se adaptar ao trabalho fabril, estabelecendo padrões e
comportamentos que recaíam sobre as diferentes esferas da vida. Thompson (1998)
relata como, no processo de industrialização, havia a necessidade de impor um padrão
229
Cabe lembrar que a CLT (BRASIL, 1943) interdita a exigência de atestado ou exame de gravidez no
momento do recrutamento, bem como a recusa de emprego, promoção ou desligamento das trabalhadoras
em estado de gravidez.
230
Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/102 08645>. Acesso
em: 13 fev. 2016.
231
Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/536447-facebook-e-apple-ofere cem-
congelamento-de-ovulos-para-funcionarias>. Acesso em: 13 fev. 2016.
232
Disponível em: <http://economia.uol.com.br/noticias/afp/2015/07/03/empresa-chinesa-e-acusada-de-
punir-funcionarias-que-engravidarem-sem-permissao.htm>. Acesso em: 13 fev. 2016.
233
A necessidade de informar ou demandar autorização para ir ao banheiro entre as trabalhadoras dos dois
segmentos analisados também se insere nessa lógica.
260

no tempo e regular o uso que as pessoas faziam dele, o que foi possibilitado pelo relógio
e pela determinação dos dias de trabalho, pela proibição de certas práticas sociais (como
as festas) e pela defesa, a partir de um discurso moral, de um “modelo familiar ideal”
que deveria ser seguido por todo trabalhador.
Antonio Gramsci (2001), nesse sentido, aponta uma profunda ligação entre
a racionalização do trabalho e o proibicionismo. Segundo o autor, industriais como Ford
passaram a se preocupar e a impor padrões em relação à questão sexual, familiar e
comportamental dos trabalhadores. O alto salário foi uma estratégia para manter a
estabilidade dos trabalhadores e torná-los consumidores.
Castel (2003) faz uma rica descrição do impacto do salário de cinco dólares
por dia (“five dollars day”) implementado por Henry Ford em suas fábricas. Como
indica o autor, isso tornou possível associar a produção em massa com o consumo em
massa. No entanto, como salienta Gramsci (2001), era preciso “regular” o uso do
salário, fazendo com que os trabalhadores o gastassem racionalmente, de modo a
maximizar, e não danificar, sua capacidade produtiva. Daí a necessidade de regulação
sobre os comportamentos dos trabalhadores, como a privação ao álcool e o apelo à
manutenção de um modelo familiar idealizado.
Assim, o controle sobre a vida privada dos trabalhadores não é novo, mas é
intrínseco ao capitalismo. O que vemos hoje é uma reelaboração e intensificação dessas
formas de controle sobre os corpos, o planejamento reprodutivo e a vida privada,
afetando fortemente as mulheres. Esses são controlados e apropriados como ferramenta
de acumulação do capital. Assim, em vez da adoção de políticas que visem promover
melhor equilíbrio entre as vidas produtiva e reprodutiva das trabalhadoras, as empresas
buscam a eliminação das barreiras que dificultem a exploração sobre essa força de
trabalho. Afastar as mulheres com vínculos familiares aparece como uma dessas
estratégias.
Cíntia, em seu relato, discorreu que, após algumas tentativas, apenas
conseguiu ser contratada quando informou, no momento do recrutamento, que tinha
dois filhos e não três.

“Quando eu fui fazer a minha primeira entrevista, eu fui à loja e falei


que tinha três filhos, eles se assustaram, né. Nunca batia, nunca dava
certo. Aí quando eu fui fazer aqui, eu falei que tinha dois filhos, aí...
[Ah, você acha que foi isso?] Eu acho que foram os filhos [...] No dia
que fui nessa [loja] aqui, [...] conversar com o gerente, eu falei para
ele: ‘O que está acontecendo, que eu fui fazer [a entrevista], tal, não
261

deu certo’. Aí ele falou assim: ‘Hoje, ultimamente, a empresa está


pegando pessoas de mais idade, e não menina jovem e que tem filhos.
Por quê? Porque tem muita falta’. As jovens chegam no final de
semana: ‘Ah, não vou trabalhar hoje, eu vou pra balada’. Aí [se a
empregada] tem filho: ‘Ah, meu filho está doente, eu não vou
trabalhar’. Aí fica dois, três dias de atestado. Por isso” (Cíntia,
operadora de caixa de hipermercado da empresa C, 17/10/2014).

A ideia de que a contratação de mulheres onera o empregador por causa dos


encargos trabalhistas e do maior número de ausências ao trabalho em virtude de
responsabilidades familiares foi elemento decisivo no modo como se incorporou,
historicamente, a força de trabalho feminina na esfera produtiva. Ele acabou sendo
utilizado como justificativa, por exemplo, para o pagamento de menores salários às
trabalhadoras, como discutimos anteriormente. Segundo Abramo (2007), a mulher foi
vista como uma força de trabalho secundária, que privilegiaria o âmbito doméstico e a
família, percepção ainda presente no imaginário empresarial e que interfere no modo
como ela é inserida no mercado de trabalho234.
Podemos afirmar que a atividade profissional feminina é afetada e
condicionada pelas obrigações familiares e domésticas, ao mesmo tempo em que afeta o
modo como se estabelecem as dinâmicas e a organização cotidianas e familiares, com
ambas as esferas se influenciando.
Em seu estudo, Daune-Richard (1983) afirma que o tempo e o espaço do
trabalho profissional das mulheres são determinados pela atribuição primeira delas ao
trabalho doméstico e à família. Assim, elas optam ou privilegiam a inserção em
empregos próximos a suas residências ou cujos horários de trabalho contribuam para
reduzir sua ausência do lar. Bruschini (1994a) fala em certa “sabedoria da conciliação”
entre as mulheres, as quais, tendo consciência de que serão forçosamente responsáveis
pelo trabalho doméstico e de cuidados, procuram ocupações que acreditam ser mais
compatíveis com isso.
Entre as entrevistadas nesta pesquisa, o emprego também apareceu como
uma “válvula de ajuste”, que lhes permite realizar essa articulação. Algumas
trabalhadoras optaram por deixar o emprego, ainda que temporariamente, para cuidar
das crianças, sobretudo quando estas eram pequenas. Segundo Moema Guedes (2013),
isso tende a afetar, principalmente, as mulheres de camadas mais pobres, como mostram

234
Araújo & Scalon (2006) indicam que essa percepção do trabalho feminino como secundário e
complementar também é fortemente presente entre homens e mulheres, mesmo que a prática não seja essa
em grande parte dos arranjos familiares.
262

os diferenciais entre os níveis de participação laboral entre homens e mulheres por nível
de escolaridade. Enquanto entre os universitários a diferença de participação por sexo é
de 7%, entre os menos escolarizados é de 23%, o que revela que as mulheres mais
pobres não dispõem de recursos para arcar com creches ou serviços de cuidado,
deixando com mais frequência o mercado de trabalho quando têm filho pequeno.

“Mas eu não tenho intenção de continuar no telemarketing. Mesmo


porque o salário é pouco e é muito cansativo. [...] Eu quero sair um
pouco, para poder me cuidar, para poder curtir um pouco mais minha
filha. Porque curtir ela eu não curti tanto. É ruim porque assim você
acaba não tendo... você tem a ligação, ela é muito grudada comigo,
mas você acaba não curtindo muitas coisas. Entendeu? [...] Igual o
meu filho, dele, os primeiros passinhos quem viu foi a minha mãe.
Porque eu já estava trabalhando. [Mas você pensa em sair e ficar um
pouco sem trabalhar?] Isso. Pelo menos um tempo, até ela fazer um
aninho, um aninho e meio. Aí voltar a trabalhar” (Adélia,
teleatendente da empresa A, 20/6/2012)235.

Essa prática encontra respaldo na sociedade. Em pesquisa analisada por


Araújo & Scalon (2005), 33,5% das entrevistadas afirmaram que a mulher não deve
trabalhar fora quando o filho é pequeno. Essa porcentagem foi ainda maior entre os
homens, dos quais 47,5% disseram que nessa situação a mulher não deve trabalhar fora.
Quando não há escolha ou vontade de deixar o mercado de trabalho,
algumas trabalhadoras “optam” 236 por um emprego com carga de trabalho reduzida,
situação do segmento de teleatendimento (e oposta à realidade das operadoras de caixa
de super/hipermercados). Alcione, por exemplo, depois de uma trajetória profissional
como motorista, buscou inserção em teleatendimento devido ao trabalho de seis horas
diárias.

“Foi a qualidade de vida das minhas filhas. Porque assim, ser


motorista não é ruim, eu adoro dirigir. Eu adoro dirigir. Só que
assim, eu trabalhava muito, eu não via a Laura crescer. E quando eu
fiquei grávida da Isabelle, eu falei assim ‘Não, agora eu vou ter que
procurar alguma outra coisa mesmo, porque eu preciso ver minha
filha crescer’. [...] Aí, então, o que eu fui procurar foi isso: um salário
um pouco menor, onde desse para se manter, e eu tivesse mais tempo
para ela. Então foi isso toda a reviravolta” (Alcione, teleatendente da
empresa A, 11/2/2012).

235
Um mês após a entrevista, Adélia foi demitida da empresa.
236
Estamos usando o termo “optar”, mas sem esquecer as obrigações e imposições sociais nessas
escolhas.
263

Como já discutimos, o trabalho com carga horária reduzida é visto pelas


mulheres como o que permite a melhor articulação entre trabalho e família. Segundo
Araújo & Scalon (2005), 48,5% das entrevistadas afirmaram que a mulher deve
trabalhar em tempo parcial quando o filho é pequeno e 46,7%, quando o filho menor
frequenta a escola.
Entretanto, há uma perversidade nesse tipo de inserção, uma vez que as
menores jornadas tendem a representar uma precarização do trabalho feminino. O caso
dos países desenvolvidos exemplifica essa afirmação. Neles, o trabalho em tempo
parcial se propagou, a partir dos anos 1980, nas “políticas de conciliação trabalho e
família”, sendo dirigido às mulheres 237. Porém, ele foi amplamente utilizado pelas
empresas como forma de reduzir os custos com a força de trabalho.
Para Castel (1998) e Hirata (2009), esse tipo de jornada aparece como um
indicador da precariedade do trabalho, sobretudo quando ele vem acompanhado de
baixos salários. Além disso, menos do que promover uma melhor partilha do trabalho
doméstico, ele é responsável por onerar ainda mais as mulheres. Assim, “o trabalho em
tempo parcial leva a um reforço da divisão social e sexual do trabalho” (CATTANEO,
1997, p. 75), uma vez que ele vem acompanhado por uma intensificação do trabalho
doméstico.
Nogueira (2006) também chega a essa constatação, ao verificar que a
jornada de trabalho reduzida no teleatendimento contribui para que as teleatendentes se
encarreguem de realizar o trabalho doméstico e de cuidados em seus lares, passando, em
muitos casos, a assumir esse trabalho também nos lares dos familiares.
De todo o modo, a redução da carga de trabalho profissional aparece como
uma estratégia adotada por parte das mulheres, muitas vezes sem outra saída – seja por
não poderem contar com apoio familiar, seja por não terem recursos financeiros para
recorrer a serviços ou instituições de cuidado, como exemplifica o caso de Cleide. Ela
saiu do emprego no hipermercado devido à jornada de 44 horas semanais e ao trabalho
de segunda a domingo, uma vez que, inserida em um arranjo monoparental, era a única
responsável pelo cuidado do filho pequeno (em determinados momentos, ela contava
com a ajuda da vizinha).

237
Segundo Hirata (2009), a contratação por tempo parcial na França era de 18% em 1982
e passou a mais de 31% do total de mulheres ocupadas no ano 2009. A composição do grupo de
assalariados em tempo parcial é majoritariamente feminina (cerca de 83% de mulheres) e, do total desse
tipo de emprego, aproximadamente 40% lhes são impostos e não escolhidos por elas.
264

“Assim, eu não tinha tempo. Final de semana, eu não tinha tempo


para ficar com meu filho. Aí eu senti que ele estava se afastando
também, estava sentindo, que ele ficava só. Ele já não conta muito
com a presença do pai. O pai dele sou eu. Eu sou pai e sou mãe dele.
[E aí, feriado e final de semana também ficava fora?] E ele gosta de
querer levar para sair e eu não tinha tempo” (Cleide, operadora de
caixa de hipermercado da empresa C, 20/1/2012).

Assim, Cleide optou por um trabalho de segunda a sexta-feira como forma


de poder dedicar mais tempo ao cuidado do filho.

“[E agora, qual trabalho é melhor?] Este. Este porque tem mais tempo
[...] Este tem mais tempo porque não trabalha de final de semana, não
trabalho no domingo nem feriado. E aí quando eu chego lá, eu tenho
tempo para ficar com ele” (Cleide, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 20/1/2012).

Adriana também optou, na mudança promovida pela empresa, pelo trabalho


de segunda a sexta-feira, mesmo que isso tenha representado uma perda salarial.

“Como teve essa opção, eu preferi escolher de segunda a sexta-feira


por causa da creche do Igor. Porque aqui ele ficava de segunda a
sábado. Mas só que como agora ele saiu daqui, a creche é de segunda
a sexta-feira e como eu não tenho com quem deixar ele ao final de
semana, teve essa opção... lógico meu contrato é de segunda a
sábado, eu teria que dar um jeito. Mas como deram essa opção de
escolher de segunda a sexta, até mesmo porque é seguro ele ficar
comigo, né?” (Adriana, teleatendente da empresa A, 4/6/2012).

As adaptações que envolvem o emprego também são verificadas por outros


estudos. Sucupira (2015), em sua pesquisa com mulheres de baixa renda no Município
de São Paulo, cita o caso de duas mulheres que deixaram o emprego de operadoras de
supermercado para trabalhar no serviço doméstico como diaristas. Ainda que
reconhecessem a maior desvalorização social desse trabalho, elas indicaram ter feito
essa escolha devido à redução da jornada e à possibilidade de ter horários mais regulares
e maior autonomia sobre eles, que, por sua vez, permitiam realizar uma melhor
articulação com o cuidado da casa e da família.
Esses exemplos evidenciam que as mulheres acabam fazendo escolhas por
um trabalho mais adequado ao cuidado dos filhos, mesmo que isso envolva abrir mão de
algo que também considerem importante, como o salário, a carreira e o reconhecimento
social do emprego, ou resulte em assumir maior carga de trabalho no âmbito doméstico.
265

Essas escolhas tornam-se menos indispensáveis quando é possível organizar


e adaptar o tempo do trabalho às necessidades cotidianas e familiares. A possibilidade
de negociar com a empresa os dias de folga e o horário de trabalho ou de utilizar o
banco de horas para compensar suas ausências foi avaliada de forma positiva e
considerada importante pelas trabalhadoras de ambos os segmentos aqui analisados. No
entanto, na prática, como vimos, essa negociação é muito reduzida e elas têm pouca
possibilidade de utilizar a flexibilidade do tempo de trabalho a seu favor.
Entretanto, os estudos de Bárbara Castro (2013a, b) evidenciam uma
ressalva a essa percepção. Mesmo quando há maior autonomia sobre o tempo de
trabalho, as consequências não redundam, necessariamente, em melhor articulação entre
trabalho e família. Ao analisar o segmento de tecnologia da informação (TI), muitas
vezes associado ao home office, a autora assinala que esse é comumente apontado como
aquele que garantiria maior gestão temporal e espacial do trabalho pelos trabalhadores.
No entanto, na prática, estes vivenciam certa ruptura nas fronteiras entre vida
profissional e vida familiar, que ficam menos certas e definidas, com uma esfera se
sobrepondo à outra. Para as mulheres, a consequência se agrava, uma vez que passam a
lidar com tensões e desafios em suas carreiras, decorrentes, muitas vezes, da articulação
com o trabalho doméstico e de cuidados. Tensões que não se colocam da mesma
maneira para os homens. Ou seja, de todo o modo, a carreira profissional feminina é
afetada diante das escolhas e ajustes que as mulheres fazem em função de suas
atribuições na esfera familiar.
O estudo de Marina Cordeiro (2014), com cientistas sociais inseridas em
cursos de pós-graduação no Brasil, também evidencia essas dinâmicas. Essas
profissionais, que gozam de elevado nível de escolaridade, enfrentam uma série de
desafios em suas carreiras diante da desigual partilha do trabalho doméstico e de
cuidado com seus cônjuges. Muitas optam por negar ou atrasar a maternidade, enquanto
outras veem sua trajetória profissional ser prejudicada, pelo menor tempo que têm para
se dedicar a ela.
No caso das profissionais de TI ou das cientistas sociais, trata-se de
mulheres com maior nível de escolaridade, inseridas em postos de trabalho mais
qualificados e com melhores salários. O que não é o caso das trabalhadoras dos dois
segmentos por nós estudados. Estas se encontram em piores condições de inserção no
266

mercado de trabalho, tendo ainda menos recursos para fazer negociações e gerir seu
tempo de trabalho.
A impossibilidade de negociar e de ter autonomia sobre o tempo de trabalho
impõe novos desafios e tensões quanto à organização da vida cotidiana das mulheres.
Assim, quando se trata de práticas de flexibilização do tempo de trabalho
heteronômicas, isto é, impostas às trabalhadoras, os possíveis benefícios que
permitiriam a melhor articulação do tempo de trabalho com a vida cotidiana e familiar
são anulados. É o que identificamos no caso das entrevistadas nos dois segmentos.
A flexibilização, tal como adotada pelas empresas, em lugar de permitir
maior apropriação das trabalhadoras pelo tempo de trabalho, aprisiona-as, mantendo
pouca possibilidade de elas regularem esse tempo a suas necessidades pessoais e
familiares. Ao tratar das operadoras de caixa de supermercado, Casaca (2013) fala na
(in)flexibilidade do tempo de trabalho, que é flexível e rígido ao mesmo tempo. As
empresas fazem uso dessa flexibilidade de acordo com seus interesses, possibilidade
que não se coloca às trabalhadoras.
Voltamos aqui ao caso de Celeste, que exemplifica essa (in)flexibilização.
Como operadora de caixa, ela realizava horas adicionais e tinha seu tempo fortemente
controlado pela empresa. Seu marido também trabalhava na empresa, mas em outro
setor da loja. Após o nascimento da filha, ele teve de fazer constantes alterações em
seus horários de trabalho para adaptá-los ao horário da creche da filha e do trabalho da
esposa. Quando questionado sobre isso, ele apontou que Celeste, como operadora de
caixa, tinha de obedecer às escalas determinadas pela empresa, enquanto ele tinha mais
autonomia para gerir seu tempo. Segundo ele informou, essas adaptações eram feitas
por necessidade e até o momento em que sua chefia não se opusesse; no entanto, ele
previa prejuízos à sua carreira decorrentes disso. Celeste, como já mencionamos,
esperava ser demitida da empresa para poder se inserir em um trabalho com jornada
mais compatível com o cuidado da filha.
Quando não há possibilidade de fazer negociações e adaptações, as
trabalhadoras encontram outras estratégias para articular trabalho profissional e vida
familiar. Uma delas se refere ao absenteísmo. Assim, é comum a falta ao trabalho diante
de uma necessidade familiar ou como forma de romper com o fluxo de trabalho, quando
consideram estar cansadas ou estressadas. Aparece aqui uma importante estratégia de
resistência das trabalhadoras, como tratamos no capítulo anterior, que lhes permite
267

contornar a pressão e a intensificação do trabalho, conformando-se como uma rota de


fuga diante do descontentamento em relação à atividade.

“Porque quando a gente está desanimada assim, vira e mexe é uma


faltinha. [...] Se eu falto é porque eu estou cansada, eu não aguento
mais, não estou a fim” (Ângela, teleatendente da empresa A,
18/4/2012).

Do mesmo modo, por meio do absenteísmo, as trabalhadoras procuram não


só se apropriar de algum controle sobre seu tempo na esfera produtiva, como também
impedir que este se sobreponha ao da esfera reprodutiva. Ao falar sobre suas faltas no
trabalho, Cássia as justificou pela necessidade de ter mais tempo para ficar com os
filhos, sobretudo aos finais de semana, ou para se dedicar aos estudos. Na semana da
entrevista, ela realizava as provas da faculdade, tendo recorrido a um atestado médico
para justificar sua ausência à empresa e dedicar esse tempo para estudar.
A necessidade de encontrar mais tempo para ficar com os filhos foi
apontada pelas entrevistadas como um dos principais motivos para as faltas ao trabalho.
Como indica Lago (2008), a realidade laboral não permite que as mulheres exerçam
facilmente a maternidade, sobretudo quando impõe obstáculos ou não facilita a
articulação entre trabalho e família. O absenteísmo aparece, então, como uma saída
encontrada pelas trabalhadoras quando a empresa não colabora com essa articulação.
O recurso ao atestado médico se configura como um importante mecanismo
para justificar a ausência no trabalho 238, podendo derivar de uma necessidade real, ante
um adoecimento, ou se caracterizar como uma estratégia a que as trabalhadoras
recorrem. Ele permite justificar a falta e, assim, evitar os descontos no salário.

“Tem um sábado que às vezes não dá para eu ir, eu fico em casa. [Aí
você falta?] Falto. [Aí toma falta e é descontado?] É descontado. Mas
você vai, pega um atestado. Essa modalidade que todo mundo faz. [...]
Porque às vezes tem um compromisso que não dá para você deixar de

238
No caso do segmento de comércio varejista, a convenção coletiva determina que a comerciária que se
ausentar do trabalho para atender a enfermidade do filho menor de 14 anos, desde que comprovado em
atestado médico, terá suas faltas abonadas, no limite máximo de 15 dias. Esse direito pode ser estendido
ao pai, desde que comprove ser o único responsável pelo filho (Convenção Coletiva de Trabalho –
Comerciários da Capital/Sincovaga 2015/2016). No segmento de teleatendimento, por sua vez, apenas a
partir da convenção coletiva da categoria em 2014 foi incluído o direito à ausência remunerada de um dia
por semestre ao empregado (sem distinção de sexo) que precisar acompanhar o filho ou dependente
previdenciário de até seis anos ao médico, mediante comprovação (Convenção Coletiva do Trabalho 2015
– Sintratel/Sintelmark). As entrevistas realizadas antes de 2014 indicaram que a empresa de
teleatendimento A não aceitava o atestado médico de acompanhamento do filho para justificar a ausência
da mãe no trabalho. Após esse ano, ela passou a aceitar um atestado por semestre, conforme previsto na
convenção.
268

ir, aí você acaba tendo que ir, né?” (Adélia, teleatendente da empresa
A, 20/6/2012).

A estratégia é, assim, comum e de certa forma naturalizada entre as


trabalhadoras. Uma das entrevistadas chegou a descrever alguns recursos que provocam
um aparente adoecimento, como inserir determinada substância nos olhos, causando
irritação semelhante à de uma conjuntivite. Como salienta Julhe (2006), o recurso ao
atestado médico, mesmo sendo conhecido, deve permanecer implícito ou disfarçado, de
modo a evitar represálias da empresa. É uma estratégia conhecida e partilhada entre as
trabalhadoras, mas que fica no campo do informal.
Ainda que apareça como uma importante estratégia para as trabalhadoras, o
absenteísmo afeta suas carreiras profissionais. Ele pode não apenas implicar perda de
recursos econômicos, como também prejudicar a possibilidade de ascensão na carreira.
Na empresa de teleatendimento A, as mulheres recorrentemente se abstêm, sobretudo
para cuidar dos filhos. Vale relembrar o caso de Adriana, que se absteve por seis dias
seguidos enquanto tentava conseguir vaga na creche para o filho. No entanto, a ascensão
no plano de carreira da empresa é diretamente vinculada ao absenteísmo. As
trabalhadoras com abstenção perdem o direito de participar do processo seletivo de
promoção, dificultando ainda mais a ruptura da condição em que se encontram no
mercado de trabalho239.
O emprego feminino é, portanto, afetado pela possibilidade ou não de
realizar a articulação entre as duas esferas; ele se torna, em muitos casos, a válvula de
ajuste. Como menciona Fortino (2010, p. 10), a impossibilidade de articular trabalho
profissional e vida familiar “se constitui para as mulheres como um elemento central de
insatisfação no trabalho, de estresse e de fadiga, o que as faz duvidar de sua capacidade
de seguir no trabalho até a idade da aposentadoria”. Situação agravada pelos baixos
salários, pela falta de reconhecimento e pela baixa valorização do trabalho e da
trabalhadora, afetando a vida futura das mulheres.

2.4 - O trabalho doméstico e de cuidados circunscrito ao feminino

Grande parte das mulheres manifesta o desejo e a necessidade de se manter


inserida no mercado de trabalho, mesmo diante das mais variadas condições de trabalho

239
Na empresa de super/hipermercados, o absenteísmo, além do desconto do dia não
trabalhado, implica a perda do direito à cesta básica, o que está previsto em convenção coletiva.
269

e emprego. Para elas, a solução passa, sobretudo, por um apoio externo. Enquanto
algumas encontram nas instituições públicas ou privadas essa possibilidade, outras
acabam por recorrer à ajuda ou participação de outras mulheres para realizar seu
trabalho doméstico e de cuidados.
Hirata e Kergoat (2008) indicam que há uma tendência entre as mulheres
em postos de trabalho mais valorizados – que requerem dedicação integral à carreira –
de delegar suas atividades no lar a outras mulheres, principalmente por meio da
contratação de empregadas domésticas. Hochschild (2008) também analisa essa
tendência e mostra como parte das mulheres passa a se inserir em postos de trabalho que
exigem um tipo de dedicação à carreira profissional fortemente moldado por parâmetros
masculinos, ou seja, com a exigência de realizar tarefas, competir com os colegas e
obter reconhecimento no trabalho, dedicando o maior tempo disponível à carreira e
minimizando aquele dedicado ao trabalho doméstico – o que os homens, historicamente,
fazem apoiando-se no trabalho feminino nos lares. Como consequência, as mulheres
procuram contratar outras mulheres para realizar suas atividades domésticas e, assim,
liberar tempo para se dedicar à carreira profissional 240.
Essa dinâmica também é verificada no Brasil. Aqui, fruto da herança
escravocrata, a empregada doméstica faz parte da realidade de muitos lares, sobretudo
daqueles com maior poder aquisitivo. Como já dito, em 2015 eram 92,2 milhões de
pessoas ocupadas nesse tipo de serviço, sendo majoritariamente mulheres e negras.
No entanto, a contratação de trabalhadoras domésticas ou o acesso a
instituições privadas de cuidado não faz parte da realidade da grande maioria das
mulheres inseridas em postos de trabalho mais precários, menos qualificados e com
menores salários241. Para estas, a solução passa, muitas vezes, por contar com o apoio
de outras mulheres da família ou da vizinhança, a fim de se manterem inseridas no
mercado de trabalho.
Sorj (2004) aborda que, no País, as responsabilidades domésticas são
atribuídas a uma pessoa do sexo feminino, seja qual for a configuração familiar ou

240
Hochschild (2008), ao tratar dessa situação nos países desenvolvidos, argumenta que a externalização
dos trabalhos domésticos e de cuidado, por meio da contratação de outra mulher, segue a direção do Norte
para o Sul, ou seja, as mulheres de países mais ricos do Norte contratam mulheres de países mais pobres
do Sul para realizar esse tipo de serviço. A rede feminina de cuidados, inclusive com a prática das
famílias de habitar espaços diferentes, cumpre um papel decisivo na imigração feminina, em âmbito
nacional e internacional. As cadeias de cuidado internacionais são abordadas ainda, entre outros, por
Hirata (2010) e Orozco (2012).
241
Araújo & Scalon (2005), na análise dos resultados de um survey nacional, indicam que apenas 7,5%
dos entrevistados afirmaram ter empregada doméstica.
270

laboral das mulheres. Segundo dados analisados pela autora 242, 96% dos domicílios
pesquisados tinham uma mulher como responsável pelo trabalho doméstico. Em 35%
dos lares, essa mulher não contava com ajuda para a realização desse trabalho. Quando
havia outra pessoa participando, esta era, principalmente, uma mulher.
Portanto, o trabalho doméstico e de cuidados segue, majoritariamente,
circunscrito ao feminino. Menos do que resolvidas ou partilhadas entre o casal, ou entre
homens e mulheres e Estado, as atividades de cuidado se restringem a uma rede
familiar, formada sobretudo por mulheres (CARRASCO, 2003a; DAUNE-RICHARD,
1983; FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, 2009).
A importância das avós, tias e vizinhas na dinâmica familiar e na
organização do dia a dia das mulheres já foi indicada em uma série de estudos sobre o
tema (BRUSCHINI, 1990; CARRASCO, 2003a; SORJ, 2004). Clarice Peixoto (2005)
revela que as avós são o principal apoio das mulheres na articulação entre trabalho e
família. Assim, quando não há a contratação de uma empregada doméstica no lar, são as
avós que cuidam das crianças.
Em nossa pesquisa, encontramos duas tendências no perfil das mulheres de
ambos os segmentos analisados: elas são ainda jovens e sem filhos ou são trabalhadoras
que contam com uma rede formada por outras mulheres que lhes permite seguir
inseridas no mercado de trabalho. Entre as últimas, a presença de avós, tias, irmãs e/ou
vizinhas realizando o trabalho doméstico e de cuidado aparece como um dado comum
em suas dinâmicas cotidianas e organização familiar.
A dependência da ajuda de outras mulheres parece ser ainda mais decisiva
para que as trabalhadoras deem conta de articular as esferas do trabalho e da família
diante da exigência de maior disponibilidade temporal à empresa e da flexibilidade das
relações de trabalho.
Karen Messing e Johane Prévost (1996243) realizaram uma pesquisa com
telefonistas na França, submetidas a horários irregulares de trabalho e a escalas de
revezamento que mudavam constantemente – com semelhanças em relação aos dois
grupos analisados por nós. Segundo as autoras, a imprevisibilidade do tempo de
trabalho exigia uma grande disponibilidade delas à empresa. Para darem conta de suas

242
Objeto da pesquisa A mulher brasileira nos espaços público e privado, realizada pela Fundação Perseu
Abramo, em 2001 (VENTURI et al., 2004). Tratava-se, nessa questão, de respostas espontâneas e de
múltipla escolha.
243
Ver também Prévost & Messing (1997).
271

responsabilidades no âmbito doméstico, sobretudo quando envolvia o cuidado dos


filhos, as telefonistas se viam diante da necessidade diária de lidar, organizar e fazer
arranjos para garantir esse cuidado. A maior parte delas se apoiava em outras mulheres,
sobretudo em babás, mães ou sogras. A disponibilidade temporal era exigida não apenas
das trabalhadoras, mas também dessas outras mulheres. Revela-se, portanto, que os
desdobramentos da flexibilidade se estendem das trabalhadoras ao seu entorno.
No caso das teleatendentes e operadoras de caixa que tinham filhos
pequenos, a presença de outra mulher também apareceu como decisiva na realização,
principalmente, do trabalho de cuidados. Em muitos casos, essa dinâmica envolvia mais
de uma mulher. Adélia, por exemplo, contava com a ajuda da mãe, durante a semana,
para cuidar do filho mais velho, enquanto a filha mais nova frequentava a creche da
empresa. Aos sábados, quando ela trabalhava, a sogra cuidava do filho, enquanto a mãe
cuidava da filha. Novamente aparece aqui a circulação do trabalho doméstico e de
cuidados entre as linhagens femininas – como se estabelecesse uma ciranda de cuidados
(FREITAS, 2014) –, sobretudo entre mães e filhas.
Constatamos que, em alguns casos, a trabalhadora contava com a ajuda do
pai da criança ou, ainda que com menor recorrência, do próprio pai ou sogro para
realizar a atividade de cuidados. Muitas vezes, essa participação se dá em parceria com
outra mulher. Ou seja, ainda que o homem participe, a rede familiar feminina segue
sendo necessária, ou por ser baixa essa participação, ou por não se configurar como uma
partilha desse tipo de trabalho. Vale lembrar o exemplo de Clarice, cujo marido,
enquanto ela trabalhava, contava com a ajuda da mãe para cuidar do filho pequeno.
Como aponta Daune-Richard (1983), o apoio dado pelas mães às filhas
trabalhadoras é decisivo para garantir a inserção destas últimas na esfera profissional e
assegurar a realização do trabalho doméstico e de cuidados (o qual elas não querem nem
podem deixar de cumprir). Entretanto, esse apoio contribui para reforçar a divisão
sexual do trabalho na família. “Qual seja o volume desta ajuda, a sua flexibilidade é
determinante na regulação entre trabalho profissional e trabalho doméstico no seio da
família conjugal” (DAUNE-RICHARD, 1983, p. 53).
Essa ajuda, assim, influencia no papel que marido e esposa assumem na
divisão do trabalho doméstico: de um lado, ela reduz a necessidade de participação do
marido nas tarefas domésticas, liberando-o para se dedicar mais, e por mais tempo, ao
trabalho profissional; de outro, ela permite que as mulheres não se considerem como
272

“não cumpridoras de seus deveres”, uma vez que elas se sentem menos culpadas pela
ausência do lar quando a mãe ou avó assume sua função. Ainda segundo Daune-Richard
(1983), a circulação do trabalho doméstico entre mães e filhas é percebida como um
prolongamento natural da relação estabelecida entre elas, o que contribui para reduzir o
conflito das mulheres quanto à dedicação ao trabalho profissional. Essa percepção é
compartilhada pelas entrevistadas.

“Minha mãe... eu sem minha mãe não sou nada porque minha mãe me
ajuda muito. Minha mãe cuida muito bem dos meninos. Eu trabalho
sossegada” (Adélia, teleatendente da empresa A, 20/6/2012).

No entanto, não são apenas as mães, avós ou sogras que participam dessa
ajuda. Há outras mulheres envolvidas nessa rede feminina, como analisaremos a seguir.

2.4a - Quem são essas mulheres cuidadoras e as redes de cuidado


Se as redes de cuidado 244 são decisivas para a inserção das mulheres no
mercado de trabalho e para a articulação entre trabalho profissional e vida familiar,
inclusive diante das constantes mudanças promovidas pelas empresas, cabe
compreendermos quem são essas mulheres que cuidam e quais dinâmicas se
estabelecem entre elas.
No caso das trabalhadoras entrevistadas, constatamos que essas “outras
mulheres” são, principalmente, as mães, avós, sogras, cunhadas, tias, irmãs e vizinhas.
Estas, na maioria das vezes, estão fora do mercado de trabalho, sejam mais jovens ou
mais velhas, ou são trabalhadoras autônomas e informais, que conseguem organizar seu
tempo para cuidar das crianças.
Aqui, novamente, chama nossa atenção um elemento decisivo nessas
dinâmicas: a disponibilidade das mulheres. Pudemos notar que as que participam dessas
redes, sendo mais velhas ou mais jovens, foram mencionadas como aquelas mais
“disponíveis”, que tinham mais tempo para se dedicar ao cuidado. Carina contava com a
ajuda da mãe e da tia para cuidar da filha pequena, mas era sobretudo a tia que realizava
esse cuidado. Essa tia já havia cuidado dos sobrinhos, incluindo Carina e o irmão, e
244
Optamos aqui pela expressão “redes de cuidado” para nos referirmos às dinâmicas de apoio e ajuda,
sobretudo entre mulheres, para realizar o cuidado, principalmente, das crianças pequenas. Não falaremos
em “redes de solidariedade”, como se utiliza em alguns estudos (ver, por exemplo, Peixoto, 2005), por
compreendermos que a expressão mascara as tensões e conflitos existentes nessa relação, como
abordaremos ao longo deste capítulo. Na literatura sobre imigração internacional, têm-se usado “cadeias
de cuidado”. Se parece uma boa expressão para dar conta desses deslocamentos, com uma mulher
transferindo o cuidado a outra, em cadeia, ela não parece se aplicar no caso das redes analisadas por nós.
273

agora cuidava dos sobrinhos-netos, cristalizando-se, assim, no papel da “mulher


cuidadora” das crianças da família.

“Aí, minha filha fica com a minha mãe até certo horário, depois ela
fica com essa minha tia. [...] Com minha tia aqui, que é minha tia
solteira, tomou conta de todos os sobrinhos, né? E tem paciência.
Então, eu deixo com ela” (Carina, operadora de caixa de
hipermercado da empresa C, 6/3/2013).

Nota-se, em sua fala, a referência a essa tia como a mulher solteira da


família. Essa condição – “ser solteira” e não ter filhos – apareceu recorrentemente nos
diferentes relatos, sendo associada a maior disponibilidade temporal. O filho de Clarice,
por exemplo, era cuidado pela irmã do marido enquanto os pais trabalhavam. Segundo
ela, a cunhada era solteira e não exercia uma atividade profissional fora de casa.

“Ele [o filho] fica com a minha cunhada. [...] Ela é solteira. [...] Tem
32 anos. Nunca quis casar. Ela é bem tranquila assim. Nunca
trabalhou registrado” (Clarice, operadora de caixa de supermercado
da empresa C, 3/10/2014).

As trabalhadoras, assim, diante das exigências de disponibilidade ao


trabalho, procuram obter a disponibilidade de outras mulheres, como substitutas de sua
presença.
Cabe destacar ainda a extensão dessa disponibilidade para os cuidados,
tendo sido comuns os casos de essa mulher indicada pelas entrevistadas cuidar de outras
crianças ou pessoas dependentes da família, além dos filhos das trabalhadoras aqui
analisadas. É o caso de Ametista, cuja sogra cuidava de sua filha, assim como do filho
de sua cunhada, que, por sua vez, também trabalhava na mesma empresa de
teleatendimento.

“[E a sua sogra só cuida dela ou cuida de outras crianças?] Não, ela
está cuidando também do meu sobrinho, que é um mês mais velho do
que ela. É o filho da filha dela que também começou a trabalhar
aqui” (Ametista, teleatendente da empresa A, 4/5/2012).

Esses casos são reveladores de uma rede mais ampla de cuidados com a
participação feminina, que envolve não apenas uma mulher ajudando outra, mas uma
mulher que centraliza o papel de cuidadora para ajudar várias mulheres.
274

No entanto, a relação que se estabelece entre essas mulheres não é isenta de


conflitos e tensões. Estes parecem advir, sobretudo, quando há uma ruptura dessa
disponibilidade. Alguns casos são reveladores dessas tensões.
Celeste e o marido procuravam resolver o cuidado da filha pequena
recorrendo à creche e à partilha das responsabilidades entre o casal. No entanto, como
nem sempre isso era possível, diante de algumas imposições do trabalho profissional,
eles se apoiavam na ajuda de uma prima. Entretanto, esta, após o nascimento do próprio
filho, ficou menos disponível.

“Só que agora [minha prima] ganhou neném também e eu não posso
deixar mais. Ela está com um bebezinho pequeno. [...] Já está
ocupada. Precisa é de ajuda agora” (Celeste, operadora da caixa de
hipermercado da empresa C, 12/11/2015).

O caso de Ágata também evidencia esse conflito. Ela, inserida em um


arranjo monoparental, havia acabado de se matricular em um curso de formação, com
vistas a deixar o trabalho em teleatendimento. Enquanto estudaria, sua filha ficaria sob
os cuidados da tia, irmã de Ágata – solteira, jovem e sem filhos. No entanto, seus planos
foram interrompidos quando a irmã lhe disse não estar mais disposta a ficar todos os
dias cuidando da criança, levando-a a interromper os planos de estudo.
Esses conflitos revelam que as relações envolvidas não passam apenas pela
solidariedade e disposição dessas mulheres em ajudar. Assim, há entre elas, em certa
medida, um sentimento de obrigação moral, decorrente de sua inserção nas dinâmicas
de circulação do trabalho doméstico e de cuidados entre as linhagens femininas.
Peixoto (2005) afirma que a solidariedade familiar envolve um conjunto de
direitos e deveres, arranjos e rearranjos, expressos por meio de sentimentos e apoios
diversos. Segundo Lallement (2003a), as trocas entre familiares variam conforme o
grupo social: entre os grupos mais pobres, há a mobilização de vínculos fortes, com
apoio mútuo incondicional; entre os grupos de classes médias, há a solicitação de ajuda
à rede de amigos, com mais forte exigência de autonomia; já entre os grupos mais ricos,
as redes de troca e de apoio entre familiares são mais bem estruturadas, uma vez que as
regras são mais exigentes que nos demais grupos. Para o autor, as relações entre
familiares, principalmente entre pais e filhos, envolvem dependência e autonomia,
sendo que os próprios atores se baseiam em uma relação ambígua de gratuidade e
obrigação.
275

Pode-se chegar assim a uma situação de dívida mútua positiva, em que cada
um ignora deliberadamente a situação exata de sua conta, devedor ou credor,
porque ser próximo ou parente talvez seja também nunca sentir vontade de
estar completamente quite (LALLEMENT, 2003a, p. 189).

Nesse mesmo sentido, Chabaud-Rychter, Fougeyrollas-Schwebel &


Sonthonnax (1985) analisam como a relação entre membros da família, particularmente
aquela estabelecida entre mães e filhas, é baseada em um sistema de troca mútua, que
envolve a solidariedade, mas também a obrigação: a realização dessa troca é esperada e
vista como natural. As autoras salientam ainda que a relação de troca entre a vizinhança,
diferentemente, apresenta um caráter utilitário, que envolve a troca de serviços, nos
quais se inclui o trabalho doméstico e de cuidados.
No caso de praticamente todas as entrevistadas, a participação de outras
mulheres nessas redes de cuidado foi mencionada como uma ajuda e um apoio. Ainda
que esse apoio seja feito majoritariamente em nome da solidariedade familiar, parte das
relações envolve uma transação monetária, o que desponta como um elemento
importante que se coloca no estabelecimento dessas trocas.
É importante, portanto, analisarmos o papel que o dinheiro desempenha
nessa relação. Parte das trabalhadoras apoiadas nessas redes de cuidado revelou pagar
um “salário” às responsáveis por cuidar dos filhos, mesmo quando elas eram membros
da família e quando o valor pago era baixo. A atividade que essas outras mulheres
realizavam seguia sendo indicada como uma ajuda, mas envolvia, de maneira
recorrente, uma transação monetária (informal).

“[Aí você paga a (sua cunhada)?] É, a gente paga para ela. [Quanto
você paga por mês?] R$ 300,00” (Clarice, operadora de caixa de
supermercado da empresa C, 3/10/2014).

O pagamento para uma mulher cuidar dos filhos não constitui novidade.
Nos anos 1980, Rosemberg (1986) discutia o papel das creches domiciliares ou das
“mães crecheiras”, isto é, quando uma mãe cuida, na própria casa, dos filhos de outras
famílias, recebendo um valor por esse trabalho. No entanto, há uma diferença em
relação às dinâmicas aqui observadas. No caso das trabalhadoras entrevistadas, a maior
parte dos casos se configura como uma relação monetária envolvendo mulheres da
mesma família, o que pode indicar um elemento de mudança nas relações estabelecidas
nos últimos tempos.
276

Assim, é uma mulher da família que permanece no lar para que outras se
mantenham inseridas no mercado de trabalho, sendo remunerada para isso. Para essa
mulher que faz o trabalho de cuidados (e ela o faz, geralmente, para outras mulheres), a
atividade se torna uma fonte de renda que lhe permite “contornar” sua ausência do
mercado de trabalho ou os baixos rendimentos auferidos quando realiza trabalhos
autônomos ou informais.
Há ainda outra dimensão a ser destacada nessa transação monetária, que se
refere ao salário das próprias trabalhadoras. Frequentemente alocadas em empregos com
baixa remuneração, o valor pago à encarregada dos cuidados dos filhos representa uma
porcentagem significativa de sua remuneração mensal. Assim, mesmo se a “delegação”
do trabalho de cuidado não envolve a contratação de uma empregada doméstica ou
babá, ela tem um custo e um impacto sobre a experiência das mulheres no mercado de
trabalho.

“Eu estou com um processo contra a Secretaria da Educação, porque


eu não consegui vaga na creche pública. Enquanto isso eu estou tendo
que tirar R$ 120,00 do meu pagamento para pagar – vou pagar agora
o primeiro mês – para pagar a avó dela para ficar com ela. Então já
faz uma falta. Eu poderia estar comprando alguma coisa para ela,
tenho que pagar para ficar com ela” (Ametista, teleatendente da
empresa A, 4/5/2012).

“Eu pago a minha tia. Eu pago R$ 300,00, né? É pouco, mas eu pago
R$ 300,00. É, eu dou trezentos para ela. Mas aí essa parte já era da
minha parte [nas despesas familiares]. Era minha parte eu pagar a
minha tia” (Carina, operadora de caixa de hipermercado da empresa
C, 6/3/2013).

Quando interrogadas sobre isso, algumas trabalhadoras assinalaram que os


baixos salários – e sua variabilidade no caso das teleatendentes, cujo salário é
frequentemente reduzido em razão de seu atrelamento às comissões – eram objeto de
questionamento quanto à sua permanência no emprego, ponderando o valor gasto com
os cuidados dos filhos (seja a uma creche, seja a uma pessoa) em relação à remuneração
mensal auferida.
Aline, por exemplo, apontou que seu salário era motivo de insatisfação em
relação ao trabalho, por considerar o valor muito baixo para uma mãe com filho
pequeno. E em seguida, quando questionada sobre a redução do valor da comissão,
comentou:
277

“É que nem eu falo, se tivesse possibilidade, oportunidade de eles me


mandarem embora, eu queria. Eu queria porque ia ser melhor para
mim, ia ter tempo de procurar um outro emprego melhor. Porque
como eu tenho uma filha, eu penso na minha filha. Eu com um salário
que eu ganho, de quatrocentos, quatrocentos e cinquenta, não dá para
eu sustentar ela. É muita coisa. Criança gasta muito. [...] Meu marido
trabalha em metalúrgica. Assim, ele trabalhar em metalúrgica já
ajuda e muito porque se não fosse ele, ia ser mais difícil ainda. Se
não, meu Deus do céu, o que eu ia fazer” (Aline, teleatendente da
empresa A, 1o/3/2012)245.

Já Adriana, também mencionada anteriormente, optou por trabalhar de


segunda a sexta-feira, mesmo que isso tenha significado perda salarial. Para ela, essa
estratégia – menos uma opção e mais uma necessidade – foi compensatória, visto que
teria de arcar com as despesas de cuidado do filho, uma vez que a creche pública não
funciona aos sábados.

“Não tinha muita opção porque não ia ter com quem deixar ele,
porque você trabalhar de segunda a sábado, tá, ia ganhar um pouco
mais, só que esse um pouco mais eu ia ter que pagar alguém para
ficar com ele, então acabaria saindo perdendo de qualquer maneira.
Então eu preferi ficar com ele, perder um pouco, mas poder ficar com
ele, tanto com ele como com o meu mais velho” (Adriana,
teleatendente da empresa A, 4/6/2012).

Essas práticas vão em direção ao apontado por Sorj (2004, p. 111), a qual
afirma que “quando as condições de vida das famílias não são significativamente
melhoradas pela renda que as mulheres aportam, elas são e se sentem encorajadas a
abrir mão do trabalho remunerado para se dedicar aos cuidados dos filhos”. Aqui, dois
elementos têm um papel decisivo. O primeiro se refere à desigualdade salarial entre os
sexos no mercado de trabalho. A divisão sexual do trabalho, com as mulheres ocupando
os postos com menores rendimentos, faz com que as avaliações quanto ao custo do
cuidado ante os salários auferidos sejam feitas por elas e não pelos homens. Assim, o
fato de os salários masculinos serem maiores leva homens e mulheres a assumirem
práticas diferentes – e desiguais – dentro e fora do mercado de trabalho.
O segundo ponto diz respeito à insuficiência das políticas públicas e à
omissão das empresas em oferecer e garantir serviços de cuidado para os filhos
pequenos das trabalhadoras (e também dos trabalhadores), e adequados a seus horários

245
Como já mencionamos, Aline, após perder o direito à vaga na creche da empresa quando a filha
completou 12 meses, acionou a justiça com um processo de rescisão indireta do contrato de trabalho.
278

de trabalho. A postura familista adotada pelo Estado mantém o cuidado sob


responsabilidade das famílias e, particularmente, das mulheres.
A responsabilidade feminina pelos cuidados se reflete ainda no modo como
os rendimentos familiares são utilizados. Constatamos que, em grande medida, o salário
das mulheres continua a ser consagrado aos filhos e a suas necessidades básicas
(compra de alimentos, roupas etc.), mesmo quando há outras fontes de renda na família.
Na maioria dos casos, as entrevistadas mencionaram que a renda doméstica é dividida
entre os membros da família. No entanto, quando questionadas sobre os usos dessa
renda, elas indicaram em geral que os homens cônjuges – normalmente recebendo
salários mais elevados do que os delas – são responsáveis pelos maiores gastos da casa
(como aluguel, luz, água, gás), cabendo a elas os gastos com os filhos (como com a
creche ou com a cuidadora), alimentos e outras despesas.

“Cento e vinte reais da minha renda vai para pagar ela [a avó].
Porque ele ganha mais do que eu. Só que ele arca com as despesas
maiores também. Ele que faz compra. Ele que paga material de
construção, que ainda está pagando. [...] E eu pago a conta de
telefone, conta de água, e pago também as coisas que eu compro para
mim e para minha filha, as coisas que vão faltando” (Ametista,
teleatendente da empresa A, 4/5/2012).

“[E o que você faz com seu salário? É para você, para sua casa, como
que é?] É assim, eu pago a creche do meu filho que é R$ 290,00. [...]
E eu pago mais R$ 70,00 pra minha prima. Meu sogro viajou. E
agora minha prima vai buscar na escola pra mim e eu dou 70 reais
pra ela. [...] Aí, às vezes, eu ajudo na conta de água em casa. Às
vezes, eu compro coisa pra mim e ajudo também nas despesas de
casa” (Astrid, teleatendente da empresa A, 27/6/2015).

Essa divisão sexual do salário está ligada à designação dos filhos como
sendo, ainda, de responsabilidade da mãe, mesmo havendo participação do pai nas
atividades de cuidado, como revelaram as entrevistadas. Pode-se dizer que os filhos
continuam sendo das mães, ou melhor, das mulheres.
Um fator agravante é vivenciado por parte das entrevistadas: trata-se de sua
inserção em arranjos monoparentais com filhos. As mulheres que não contavam com a
presença do cônjuge informaram que este não contribuía financeiramente para o
cuidado dos filhos, caso, por exemplo, de Cíntia, que tem três filhos, ou de Adélia, que
no momento da segunda entrevista estava separada. Como essas, outras mulheres
entrevistadas se encontravam na mesma situação ou eram filhas de mães nessas
279

condições, revelando como a monoparentalidade feminina é uma questão decisiva em


suas trajetórias. Associada aos baixos salários auferidos no mercado de trabalho, ela
reforça um quadro de precarização que marca a vida de parte das mulheres.
No entanto, cabe apontar que a ajuda da rede familiar não se restringe ao
cuidado dos filhos, envolvendo também a oferta de recursos financeiros e materiais –
por exemplo, comprando alimentos e outros bens para o lar.

“A gente sempre vê o que é mais necessário, que nem contas,


alimentação, daí a minha sogra, graças a Deus, ela me ajuda
bastante. Como o Igor é o único neto, então assim, eles me ajudam
muito” (Adriana, teleatendente da empresa A, 4/6/2012).

“Minha sogra também me ajuda muito. Minha sogra tanto me ajuda


com o Pedro, de levar o Pedro, como na parte material. Se está
faltando leite, suco, ela vai, compra, leva para mim. Ela me ajuda
muito. Minha sogra também acaba sendo uma mãe para mim”
(Adélia, teleatendente da empresa A, 20/6/2012).

Mais importante ainda é o aporte econômico que as famílias dão dividindo o


espaço de moradia. Foram recorrentes as afirmações sobre as trabalhadoras morarem em
residência pertencente a um membro da família (seja ou não em coabitação). Esses são
os casos, por exemplo, de Carina, que mora na casa da mãe com a filha e o marido, no
mesmo terreno em que habitam outros membros da família, incluindo a tia que cuida de
sua filha; de Cássia, que mora na casa dos avós com os filhos; de Ângela, que mora na
casa dos pais com o filho; e de Astrid, que mora sozinha com a filha, no mesmo terreno
em que fica a casa da mãe. Como elas, outras tantas trabalhadoras partilham ou habitam
residências próximas às de seus familiares.
Tal estratégia aparece como uma forma de reduzir as despesas, muitas vezes
por permitir dividi-las ou deixar de pagar aluguel.

“[E com o seu salário você faz o quê? Ajuda em casa ou você usa
mais para...] Ajudo pouco. [...] Ajudo, assim, conta de telefone, o
básico assim para o meu filho. Compra mesmo eu não faço, é o meu
pai. Mas tipo besteiras, né?, besteiras dele assim eu compro e tal. E
lazer também, né? [...] Eles [seus pais] ajudam assim... eu falo já
ajudam muito só de eu não ter que ajudar com comida, essas coisas.
Nossa, eu fico pensando que se eu tivesse que fazer tudo isso, não ia
dar” (Ângela, teleatendente da empresa A, 18/4/2012).

Conforme indica Selma Suely Machado (2010), a coabitação (e podemos


estendê-la às demais formas de proximidade espacial) é uma estratégia de compartilhar
280

suportes econômicos, materiais e emocionais, pautados em uma lógica de solidariedade


familiar. Podemos afirmar que ela é uma estratégia que permite também compartilhar os
cuidados, envolvendo, sobretudo, as mulheres da família.
Assim, a rede espacial familiar aparece como decisiva para a articulação, de
modo menos tenso, entre vida profissional e vida familiar das mulheres. A proximidade
das casas torna mais fácil a participação de uma pessoa da família na realização dos
cuidados das crianças pequenas. Segundo Peixoto (2005), residir próximo da família,
sobretudo da mãe (e podemos incluir aqui a sogra), aparece como uma forma de obter
ajudas e apoios, sistemáticos ou esporádicos.

“Eu fui morar perto da minha sogra, aí não deu certo. Minha sogra já
não podia me ajudar tanto como minha mãe [...]. Então eu precisava
de alguém que cuidasse do meu filho, levasse para a escola, tudo. Aí
minha mãe falou: [...] ‘Arruma uma casa aqui mais perto, que daí eu
te ajudo’. E aí foi o que eu fiz” (Adélia, teleatendente da empresa A,
20/6/2012).

Do mesmo modo, Adriana contava com uma rede familiar espacial ampla,
com vários parentes residindo próximo a ela. Essa presença familiar a auxiliava a cuidar
dos filhos, incluindo o mais velho (13 anos), o qual, mesmo estando sozinho na casa,
era cuidado pela família. Assim, há maior garantia do cuidado aportada pelos membros
da família.
Essas práticas parecem se inserir no que Maria Angélica Motta-Maués
(2004) chama de fluxos curtos e intermitentes na circulação de crianças. A noção de
circulação de crianças, como aponta Fonseca (2006), refere-se às práticas de adoção, em
que há a transferência de uma criança entre famílias, na forma tanto de guarda
temporária quanto de adoção propriamente dita246. Já Motta-Maués (2004), partindo
dessa noção, propõe considerar outros fluxos, nos quais se inserem as práticas de
“reparar” as crianças, termo usado pela autora para falar das práticas de cuidar, olhar,
tomar conta das crianças realizadas por parentes, vizinhas e amigas 247, que não se
restringem a determinada classe social, mas são difusas na sociedade.

246
Fonseca (2006), em seus estudos, analisa como a circulação de crianças é fundamental na conformação
das famílias de classes sociais desfavorecidas socioeconomicamente, sendo uma prática historicamente
consolidada no País.
247
Segundo Motta-Maués (2004), também se inserem nesse fluxo a criação compartilhada por pais
separados e por famílias reconstituídas e a socialização da criança em diversas instituições (realizando
diferentes atividades).
281

Devo dizer que a inclusão desta última prática, como a circulação, também
cruza grupos populares e camadas médias e inclui, como movimento
sucessivamente repetido, o cuidar de uma criança por algumas horas (uma
manhã, uma tarde, uma noite), o que pode se dar, uma vez ou outra, ou
permanentemente, todos os dias, como “tomar conta” durante a semana toda
(com a mãe “pegando” no fim de semana) (MOTTA-MAUÉS, 2004, p. 26).

Essa ideia difere da prática de “adoção” ou “transferência” das crianças


entre famílias, pois, neste caso, trata-se de circuitos curtos que envolvem o cuidar e
tomar conta das crianças, tendo ou não uma transação monetária. Nossa intenção aqui
não é entrar no debate sobre a noção de circulação de crianças, mas apenas salientar que
estas estão envolvidas em um circuito em que estão sempre sendo cuidadas pelo grupo
familiar e, principalmente, pelas mulheres desse grupo.
Desse modo, circula e é partilhado entre as mulheres da família não apenas
o trabalho doméstico, como também o de cuidados e as próprias crianças. Essa rede de
cuidados, que envolve sobretudo as mulheres e o grupo familiar e de proximidade,
segue decisiva quanto à participação das mulheres no mercado de trabalho. Ela permite,
especialmente, que as mulheres contornem as dificuldades no dia a dia para articular
vida profissional e vida familiar, inclusive quando submetidas a trabalhos
desvalorizados e sem reconhecimento, com tempos cada vez mais incompatíveis com os
dos demais membros da família (e dos serviços públicos).

2.5 - Disponibilidade permanente das mulheres à família

A prática de apoio entre mulheres não é nova, fazendo parte da vida das
mulheres ao longo da História. Na década de 1980, Souza-Lobo (2011), em seu estudo,
apontou que a repartição do trabalho doméstico ocorria entre as mulheres da família,
formando-se arranjos familiares que dessem conta dessa repartição. Segundo a autora,
“o trabalho doméstico, naturalizado e invisível, se distribui no interior da rede familiar,
restrito à rede feminina em que as gerações se sucedem nas mesmas funções” (SOUZA-
LOBO, 2011, p. 88).
Da mesma maneira, Daune-Richard (1983) também constatou, nos anos
1980, que a partilha dos afazeres domésticos – e o grau de limitações que estes exercem
na atividade profissional feminina – atravessava o conjunto da rede familiar,
concernindo, sobretudo, às mulheres da família.
282

Quando analisamos os dados atuais no País sobre as práticas sociais de


homens e mulheres248, bem como os resultados desta pesquisa, vemos que há um forte
elemento de continuidade no que concerne à divisão sexual do trabalho doméstico e de
cuidados. Apesar do aumento da participação feminina no mercado de trabalho e das
inúmeras transformações sociais, econômicas, culturais e demográficas, essa divisão
resiste no tempo e pouco se altera. Ela segue se baseando na disponibilidade das
mulheres à família e na atribuição quase exclusiva do trabalho doméstico e de cuidados
a elas.
Chabaud-Rychter, Fougeyrollas-Schwebel & Sonthonnax (1985),
analisando as práticas de tempo e espaço de homens e mulheres, afirmam que há uma
disponibilidade permanente das mulheres para o trabalho doméstico, a qual está a
serviço da família. As autoras se inspiraram no pensamento da feminista materialista
francesa Colette Guillaumin, da década de 1970. Guillaumin (2005) aponta que há dois
sistemas de poder que estruturam a sociedade: a exploração e a apropriação. As relações
de poder de classe estariam no campo da exploração. Já a opressão das mulheres pelos
homens está baseada nas relações de apropriação, sendo aquela sobre o tempo feminino
uma de suas formas.
Chabaud-Rychter, Fougeyrollas-Schwebel & Sonthonnax (1985),
diferentemente de Guillaumin, dizem que a realização do trabalho doméstico e a do
trabalho assalariado não são fenômenos distintos, mas dois momentos de um mesmo
processo. Segundo as autoras (p. 136), “o trabalho doméstico, na verdade, longe de ser
um obstáculo à utilização das mulheres como mão de obra, é uma das condições”.
A disponibilidade das mulheres à família é incorporada e utilizada pelo
capital, que, por sua vez, passa a exigir, cada vez mais, a reprodução dessa máxima
disponibilidade à esfera produtiva. As exigências dessas duas formas de disponibilidade
se chocam, gerando uma situação de conflito que faz parte do dia a dia das
trabalhadoras.
Para Cattaneo (1997), analisando o caso das operadoras de caixa de
supermercado, a disponibilidade permanente à esfera profissional impede que as
operadoras estejam, em alguma medida, disponíveis à esfera privada e organizem seus
tempos cotidianos. Esse impedimento é mais forte quanto maior é a invasão da esfera
profissional sobre a esfera privada: caso, por exemplo, do trabalho sob chamada, da
248
São exemplos os dados já citados sobre os usos do tempo com os afazeres domésticos por homens e
mulheres.
283

ligação da empresa para a trabalhadora quando esta está em casa, informando sobre uma
alteração no dia ou horário de trabalho ou comunicando algo sobre o trabalho. Para a
autora, “bem mais que uma dissolução das fronteiras entre esfera profissional e esfera
privada, trata-se de uma intrusão na vida privada das caixas” (CATTANEO, 1997, p.
78).
Haveria, assim, uma disponibilidade permanente das mulheres à família e
uma busca das empresas por maior disponibilidade das mulheres ao trabalho
assalariado.
Cabe questionar como isso é possível se, a princípio, elas são regidas por
lógicas conflitantes. A resposta está no uso da força de trabalho feminina pelo capital e
na persistência da divisão sexual do trabalho. O capital explora e se apropria do trabalho
feminino dentro e fora da esfera produtiva, respectivamente. Como aponta Cattaneo
(1997), a busca das empresas por máxima disponibilidade é direcionada às mulheres,
dada a divisão social e sexual do trabalho, que estrutura as relações dentro e fora da
esfera do trabalho. Desse modo, a política empresarial procuraria aplicar a mesma
lógica da disponibilidade permanente das mulheres à família, construída historicamente,
à esfera produtiva.
Na presente pesquisa, partimos da hipótese de que haveria um conflito mais
intenso na articulação entre trabalho e família, devido ao fato de as relações de trabalho
exigirem hoje uma grande mobilidade e disponibilidade das trabalhadoras, de a
organização do trabalho envolver mudanças constantes e de o tempo do trabalho
profissional se impor e ditar, cada vez mais, os demais tempos sociais, inclusive
familiar. No entanto, essa hipótese não se sustenta. Obviamente, essas dinâmicas
implicam novas tensões e desafios, que muitas vezes se intensificam diante da
flexibilização. Entretanto, não é possível falarmos em um conflito mais acirrado no dia
a dia das mulheres.
As mudanças nas configurações do trabalho – e sua flexibilização – têm um
desdobramento importante sobre a vida cotidiana das trabalhadoras. A articulação entre
trabalho e família continua sendo um desafio que concerne, quase exclusivamente, às
mulheres. Elas precisam cumprir suas responsabilidades nas duas esferas. No entanto,
as estratégias utilizadas por elas parecem não ter mudado muito no curso do tempo. Elas
seguem apoiadas na rede familiar, envolvendo principalmente as mulheres e
284

implicando, frequentemente, uma proximidade espacial (ainda que parte das pessoas
não habite mais a mesma residência doméstica 249).
Um dos casos que nos fizeram chegar a essa conclusão foi a história de
Adélia, que, no momento da primeira entrevista, era operadora de teleatendimento na
empresa A, trabalhava de segunda-feira a sábado, era casada e morava com o cônjuge e
os dois filhos em uma casa alugada. A filha frequentava a creche da empresa e o filho, a
escola pública. Ela contava com a ajuda da mãe e da sogra para cuidar dos filhos nos
momentos em que se ausentava do lar para trabalhar.
No momento da segunda entrevista, dois anos após a primeira, muitas coisas
haviam mudado em sua vida: durante esse período, ela havia sido demitida da empresa
A (a pedido dela), ficado um período desempregada (recorrendo ao seguro-desemprego
e ao dinheiro recebido com a rescisão contratual e, posteriormente, com o Programa
Bolsa Família) e feito um curso de formação profissional. Posteriormente, ela encontrou
um novo emprego: como operadora de caixa na empresa C. Naquele momento, Adélia
trabalhava de segunda-feira a domingo, com folga não fixa (a qual variava
mensalmente). Sua jornada de trabalho havia passado de 36 horas para 44 horas
semanais. Agora ela trabalhava aos domingos e feriados e seu salário havia aumentado.
Ela estava separada do marido e morava na casa dos pais com os dois filhos. Estes
frequentavam instituições públicas de ensino e Adélia continuava a contar com a ajuda
da mãe e da sogra para cuidar deles nos momentos em que estava trabalhando.
Ao final dessa entrevista, Adélia comentou que havia tido muitas mudanças
significativas em sua vida no período que transcorreu entre nosso primeiro e segundo
encontros: seu emprego, suas práticas cotidianas, sua união conjugal etc. O único
elemento que não sofreu alteração foi a manutenção do apoio da rede familiar para
cuidar dos filhos. A mãe e a sogra continuavam tendo uma participação decisiva para
que ela pudesse organizar a vida e articular ambas as esferas.
Sua trajetória nos oferece pistas para compreender uma dinâmica de
mudanças, mas também de permanências, sendo que estas últimas parecem dar suporte
às primeiras. Essa constatação permite refletir sobre o fato de que as empresas têm
liberdade para mudar suas estratégias e exigir maior disponibilidade dos trabalhadores e
das trabalhadoras, pois, no que se refere à esfera doméstica, a rede familiar continua a
garantir o trabalho de reprodução social; ela permite resolver a questão da articulação
249
Os dados da PNAD indicam uma redução no número de famílias dividindo a mesma unidade
doméstica (IBGE, 2013).
285

entre trabalho e família pelas mulheres (e pelos homens, que podem seguir mantendo
uma baixa participação no trabalho doméstico e de cuidados).
Entre as trabalhadoras que não contam com essa rede, as estratégias
parecem ser a opção por não ter filhos ou por adiar a maternidade, a procura de
empregos compatíveis com o cuidado dos filhos (isto é, menos horas de trabalho) ou o
abandono temporário do mercado de trabalho (ao menos no período de vigência do
seguro-desemprego e ainda que retornem mais tarde para o mesmo tipo de emprego),
como sugeriram as entrevistas realizadas. Para as demais, a rede familiar e de
proximidade entre mulheres lhes permite seguir inseridas no mercado de trabalho.
De todo o modo, não se quer afirmar aqui que a articulação entre as duas
esferas não seja um problema ou um desafio às mulheres. Ao contrário, a presença de
crianças pequenas e a ausência de políticas públicas continuam tendo um efeito negativo
sobre a participação feminina no mercado de trabalho (SORJ & FONTES, 2010). O
trabalho doméstico e de cuidados é ainda condicionante das trajetórias femininas. Como
afirma Souza-Lobo (2011, p. 137), “há uma ideologia sobre o lugar da mulher na
família que não só força a mulher a aceitar certos empregos que a permitem carregar seu
duplo fardo, mas também perpetua a situação”.
No entanto, parece-nos que as soluções encontradas pelas mulheres para
contornar esse desafio pouco mudaram ao longo do tempo: a rede de mulheres segue
sendo decisiva. Eis aí um paradoxo que toca à vida das mulheres: para que umas se
mantenham inseridas no mercado, e possam reduzir os efeitos da flexibilização das
relações de trabalho e da maior exigência de disponibilidade à empresa, é necessário
que outras mulheres se mantenham inseridas na esfera doméstica, garantindo o cuidado.
Prévost & Messing (1997) afirmam que as mulheres devem fazer uma série
de arranjos em seu dia a dia para organizar o cuidado e o trabalho doméstico de modo a
garantir a disponibilidade que a organização do trabalho exige. Assim, o “estar
disponível” para o trabalho requer delas esforço e negociações cotidianas. Como vimos,
isso passa, muitas vezes, por obter a disponibilidade de outras pessoas para realizar o
trabalho de cuidado enquanto elas cumprem as exigências da esfera profissional.
Portanto, essa disponibilidade não é algo natural, harmônico e tranquilo às mulheres.
Ela implica fazer organizações e reorganizações constantes. Para María Inés Miranda et
al. (2003), as mulheres são malabaristas da vida, uma vez que precisam dar conta, o
286

tempo todo, de múltiplas tarefas e trabalhos e de múltiplos espaços e tempos.


Consideramos que o apoio que umas encontram nas outras é decisivo para isso.
Podemos questionar em que medida essa rede de apoio entre mulheres
contribui para reduzir os efeitos da variabilidade e da imprevisibilidade na esfera do
trabalho. Ela permite às mulheres contornar diariamente a questão da articulação entre
trabalho e família. Como aponta Lago (2008), a flexibilidade e a variabilidade do tempo
de trabalho das operadoras de caixa de supermercado na Espanha tornam a articulação
entre trabalho e família mais difícil, porém não impossível. Para o autor, a condição de
mãe das trabalhadoras nesses casos é difícil e marcada pela instabilidade, a qual é
compensada e facilitada pela figura, principalmente, dos avós. Anedoticamente, ele
afirma que “são os avós que sustentam a possibilidade dos regimes de trabalho
flexibilizados” (LAGO, 2008, p. 294).
As empresas, portanto, fazem uso dessa disponibilidade permanente das
mulheres ao trabalho doméstico e à família para promover mudanças constantes na
organização produtiva e no tempo de trabalho, ajustando-os conforme seus interesses.
Elas podem, assim, aumentar suas exigências de disponibilidade das trabalhadoras e
fazer ajustes constantes nos elementos centrais do trabalho, uma vez que o trabalho
doméstico e de cuidados é, em grande parte, assegurado pelas mulheres, por meio de
uma rede de cuidados feminina que perdura ao longo do tempo e da História.

*
* *

Ao longo deste capítulo, procuramos compreender de que modo a atual


gestão e organização do trabalho, fortemente ancorada na flexibilização, afeta a vida
cotidiana e familiar das trabalhadoras.
Como vimos, a flexibilidade salarial tende a aumentar o sentimento de
insegurança entre as trabalhadoras e dificultar a garantia de sua autonomia econômica.
Os baixos salários, atrelados a variações conforme o desempenho no trabalho,
comprometem a qualidade de vida das trabalhadoras, no presente e no futuro.
Do mesmo modo, a flexibilização que recai sobre o tempo de trabalho tem
desdobramentos diretos sobre a vida cotidiana e sobre as dinâmicas familiares das
trabalhadoras. Ela permite à empresa melhor gerir o processo produtivo de acordo com
287

seus interesses, mas não permite às trabalhadoras organizar seu tempo de trabalho de
acordo com suas necessidades pessoais e familiares.
Assim, submetidas a um tempo de trabalho incerto, imprevisível e variável,
elas o veem invadir e pautar suas atividades e os demais tempos sociais. O tempo livre
passa a ser comprimido e há maior dificuldade, entre elas, de se engajar em outras
atividades, o que, do mesmo modo, afeta sua qualidade de vida, assim como dificulta a
ruptura com situações de precariedade que vivenciam no mercado de trabalho.
Para as mulheres, esses efeitos se agravam na medida em que são as
principais responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados nas famílias. Cabe a elas
articular o trabalho profissional e a vida familiar, sobretudo quando esta envolve o
cuidado de crianças pequenas. Essa articulação, longe de ser harmônica, é permeada por
forte tensão, aparecendo como fonte de conflitos no dia a dia. Tal tensão advém do fato
não apenas de ambas as esferas serem regidas por lógicas temporais distintas – o que
dificulta responder às exigências que elas impõem na organização cotidiana –, mas
também de essas responsabilidades não serem partilhadas por mulheres, homens, e
Estado – partilha que pressupõe igualdade.
No Brasil, as garantias previstas na legislação trabalhista são insuficientes,
além de terem um viés de gênero. O cuidado dos filhos é associado às mulheres e os
direitos da trabalhadora se restringem apenas ao período de gestação e aos primeiros
meses da criança. As empresas parecem se manter omissas e pouco atuam de modo a
permitir que suas empregadas (e, menos ainda, seus empregados, que permanecem
sendo considerados isentos de responsabilidades familiares e domésticas – a não ser no
âmbito financeiro) possam vivenciar a articulação entre trabalho e família de forma
mais harmoniosa e menos conflitante.
O Estado brasileiro mantém uma política familista, relegando o cuidado dos
filhos, sobretudo, ao âmbito privado e às famílias. As políticas de cuidado ou aquelas
que promovam uma mediação na articulação entre trabalho e família ainda são muito
incipientes no País.
Segundo Araújo, Picanço & Scalon (2007), a ausência de mediações
estruturadas, por parte do Estado ou do mercado, faz com que a satisfação com essa
articulação seja muito baixa no País. As mulheres se sentem fortemente penalizadas por
isso.
288

Isso porque a questão da articulação entre trabalho e família segue


circunscrita ao feminino. A partilha do trabalho doméstico e de cuidados na família é
ainda muito desigual. As mulheres assumem a maior parte dessas responsabilidades,
enquanto os homens pouco alteram suas práticas. Ainda que pesquisas, como a de
Araújo & Scalon (2005), evidenciem que a percepção de homens e mulheres tem
mudado ao longo do tempo em direção a uma maior igualdade, as práticas revelam
profundas desigualdades de gênero, evidenciando como a esfera da família é uma das
que mais resistem a transformações e ao rompimento com a divisão sexual do trabalho.
A necessidade de articular trabalho e família acaba por acarretar desafios e
tensões às mulheres, em relação tanto à sua trajetória profissional como ao papel que
assumem nas famílias. Conflitos que, por sua vez, não estão postos aos homens,
reforçando as desigualdades de gênero.
Diante da ausência de políticas públicas e de participação masculina no
trabalho doméstico e de cuidados, as mulheres desenvolvem estratégias para dar conta
de suas múltiplas responsabilidades. Entre elas, destaca-se a busca ao apoio de outras
mulheres. Como vimos, formam-se redes de cuidado, sobretudo familiar e envolvendo
uma proximidade espacial, que permitem que parte das mulheres se mantenha inserida
no mercado de trabalho.
Esse apoio parece ainda mais decisivo diante da flexibilização das relações
de trabalho, em que o tempo de trabalho se encontra em constante mudança, exigindo
maior disponibilidade das trabalhadoras à esfera produtiva. Estas acabam, então,
recorrendo à disponibilidade de outras mulheres para poder contornar no dia a dia os
desafios e as imposições que ambas as esferas impõem em suas vidas.
A análise que percorremos evidencia que, a despeito das mudanças nas
famílias e nas práticas sociais das mulheres, a atribuição do trabalho doméstico e de
cuidados às mulheres e a permanência da disponibilidade destas à família (CHABAUD-
RYCHTER, FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL & SONTHONNAX, 1985) são, ainda,
elementos condicionantes das trajetórias femininas dentro e fora do mercado de
trabalho. As empresas se apoiam, em grande medida, nessa disponibilidade, que lhes
permite realizar constantes ajustes na organização do trabalho e exigir maior
disponibilidade de suas empregadas. Essa questão, portanto, parece-nos decisiva para a
compreensão do avanço da flexibilização das relações de trabalho hoje e de seus
desdobramentos sobre a vida das trabalhadoras.
289

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve por objetivo identificar como as práticas de flexibilização


das relações de trabalho afetam a experiência vivenciada pelas trabalhadoras na esfera
produtiva e seus desdobramentos sobre a vida cotidiana e familiar, particularmente no
que diz respeito à articulação entre trabalho profissional e família.
Ao longo do desenvolvimento deste estudo, a questão da disponibilidade, e
particularmente a disponibilidade das mulheres, ganhou cada vez mais importância,
mostrando-se fundamental para a compreensão das relações entre gênero, trabalho e
família, inclusive no atual contexto de flexibilização.
Como evidenciamos, tal contexto é marcado pelo surgimento de novas
formas de organizar e gerir o trabalho, apoiadas na individualização e nas mudanças
constantes nos elementos centrais do trabalho. Estas se unem a práticas antigas,
ampliando as formas de controle das empresas sobre o processo de trabalho e sua
regulação de acordo com o fluxo produtivo.
O foco deste estudo se voltou à compreensão dessas dinâmicas no atual
contexto, a partir do caso dos segmentos de teleatendimento e de comércio varejista de
super/hipermercados, ambos compondo o heterogêneo e abrangente setor de serviços.
Empreender a análise comparativa mostrou-se, apesar do desafio, uma estratégia
importante para contribuir com uma lacuna existente no campo da sociologia. Assim,
traçar e analisar as aproximações e os distanciamentos entre um e outro segmento
proporcionou-nos elementos para compreender, de um modo mais geral, como se
estabelecem as relações e a gestão nos serviços, as tendências das práticas de
flexibilização adotadas pelas empresas atualmente e como as dinâmicas do mundo do
trabalho têm sido vivenciadas por trabalhadores e trabalhadoras dentro e fora da esfera
produtiva.
Nesse sentido, identificamos uma série de características que aproximam os
segmentos de teleatendimento e de super/hipermercados, como o trabalho marcado pela
prescrição e padronização e submetido a forte controle, pressão e supervisão.
Evidenciamos como o controle atinge os mais variados aspectos do processo de
trabalho, como a dimensão espacial, a comunicação e a relação entre trabalhadoras e
clientes, o ritmo da atividade e as pausas, os resultados e a produtividade etc.
290

Uma dimensão importante que aproxima ambos os segmentos – e por isso


se constituíram objetos de análise desta pesquisa – é a composição da força de trabalho,
na maior parte, por mulheres. Os estereótipos socialmente atribuídos a elas (tais como
paciência, amabilidade, doçura etc.) são requisitados e valorizados pelas empresas na
realização do atendimento aos clientes, seja ele a distância ou presencial. Os trabalhos
são vistos socialmente como femininos – “trabalhos de mulheres e para mulheres” – e
as empresas se apropriam dos atributos ditos como naturais às mulheres para obter
maiores ganhos de produtividade. Analisamos, a partir dos dados secundários e da
percepção das próprias trabalhadoras, como os estereótipos associados às mulheres são
naturalizados e reforçam a divisão sexual do trabalho verificada em ambas as
atividades.
Para além disso, vimos como as relações de classe, gênero e raça estão
imbricadas, aparecendo como decisivas para compreender as características
predominantes da força de trabalho em ambos os segmentos. No de teleatendimento, a
força de trabalho se constitui com aqueles frequentemente rejeitados no mercado de
trabalho ou que vivenciam certos tipos de inserção nele, tais como mulheres, jovens,
negros, obesos e homossexuais. Escondidos atrás do telefone, certos atributos físicos,
normalmente alvos de discriminação, permanecem omitidos. Já no de
super/hipermercados, é a “boa aparência” ou “boa imagem” que passa a ser valorizada
pelas empresas, rejeitando, em certa medida, as mulheres negras. Há, assim, uma gestão
de certos atributos da força de trabalho realizada pelas empresas, em prol da máxima
lucratividade. Aqui, cabe fazer um parêntese, destacando a importância da
sexualidade250 em ambas as atividades, a qual vem sendo utilizada a serviço do capital.
Este tema aparece como um campo de investigação a ser explorado, uma vez que é
ainda pouco aprofundado na sociologia, sobretudo na sociologia do trabalho.
As relações de classe, gênero e raça também aparecem como fundamentais
para compreender a relação que se estabelece entre trabalhadoras e clientes em ambas as
atividades. Os clientes têm papel fundamental no modo como as atividades são
realizadas e vivenciadas pelas trabalhadoras. Essa relação é ambígua: de um lado, ela é
valorizada pelas trabalhadoras; de outro, ela é fonte de tensões, visto que os clientes
agem também com desrespeito, desprezo e violência. Apontamos um paradoxo nessa
relação, uma vez que o elemento mais valorizado pelas trabalhadoras em suas
250
Podemos pensar no sentido tanto da orientação sexual, como de um trabalho sexual, no qual há um
apelo à sexualidade, tal como definido por Soares (1998).
291

atividades, ao qual elas atribuem conferir sentido e reconhecimento ao trabalho que


realizam, é o mesmo que lhes outorga baixo reconhecimento e valorização no trabalho.
Essa relação desponta na análise como uma das dimensões importantes para
compreender o modo como as trabalhadoras vivenciam a esfera produtiva.
Consideramos que estudos voltados a analisar a percepção dos clientes e os diferentes
aspectos do papel que estes desenvolvem nos serviços, no campo da sociologia do
trabalho, são importantes para aprofundar a compreensão das dinâmicas estabelecidas e
da vivência dos trabalhadores e trabalhadoras no mundo do trabalho.
No entanto, mais do que a gestão pelo controle ou o papel do cliente, um
dos elementos que tiveram ênfase nesta pesquisa foi o modo como as empresas vêm
fazendo uso da flexibilidade no trabalho. A partir de nossa análise, constatamos que as
práticas de flexibilização não são de tipo único. Ao contrário, elas são diversas,
assumindo múltiplas facetas e recaindo sobre a atividade, o salário e o tempo de
trabalho.
Em ambos os segmentos, evidenciamos como as empresas recorrem à
multifuncionalidade e à polivalência das trabalhadoras, realizando constantes mudanças
nas atividades e funções, o que lhes permite reduzir os custos com a força de trabalho e
otimizar a produção.
Do mesmo modo, o trabalho por metas é um importante instrumento
utilizado por elas para intensificar o trabalho e aumentar a produtividade. Essa realidade
é marcante entre as teleatendentes. Estas ficam submetidas não apenas aos baixos
salários, mas também à sua variabilidade, uma vez que ele passa a depender de seu
desempenho individual.
A flexibilidade que recai sobre o tempo é prática decisiva em ambos os
segmentos. O ritmo da atividade da operadora de caixa de super/hipermercados e da
teleatendente é imposto e controlado pela empresa, ficando submetido a constantes
ajustes, de acordo com o fluxo de clientes. Da mesma forma, o horário e os dias de
trabalho são periodicamente alterados pelas empresas, de modo a garantir a melhor
fluidez e produtividade. No caso das operadoras de caixa, vimos ainda como o
prolongamento da jornada de trabalho e o uso do banco de horas são um dos principais
mecanismos adotados pela empresa para fazer tais ajustes.
Como resultado, para os trabalhadores e trabalhadoras, suas atividades,
salários e jornadas de trabalho se tornam variáveis, incertos e imprevisíveis.
292

Dal Rosso (2008) aponta que o aumento do ritmo e da velocidade de


trabalho, a gestão por resultado e a polivalência são as principais técnicas hoje de
intensificar o trabalho dos assalariados. A isso se soma a ampliação da jornada de
trabalho e todas as outras formas de alterar o tempo de trabalho. Segundo o autor, essa
intensificação do trabalho leva a adoecimentos, o que é verificado nos serviços, em que
o corpo e a mente dos trabalhadores são afetados.
Há, assim, uma falsa ideia propagada pelo termo “flexibilidade”. Ele é
frequentemente utilizado em oposição a “rigidez” e como sinônimo de “capacidade de
adaptação”, “maleabilidade” e “modernidade”. No entanto, como salienta Meulders
(2003), na prática, o que se vê é uma degradação do mercado e do emprego. Assim, se a
flexibilização é apontada pelos defensores do capital como solução para superar a crise
e aumentar os níveis de ocupação, o resultado se mostra diferente. Ela é “uma
imposição à força de trabalho para que sejam aceitos salários reais mais baixos e em
piores condições” (VASAPOLLO, 2005, p. 28). Sob uma ilusória conotação positiva, as
práticas de gestão e de organização do trabalho flexíveis em geral se associam à
precariedade (CATTANEO & HIRATA, 2009). Esta tem aparecido como uma marca
do mundo do trabalho na atualidade, afetando tanto os inseridos no mercado formal de
trabalho quanto aqueles à margem dele, e a flexibilização contribui com esse
movimento.
Para a força de trabalho feminina, esse quadro se intensifica, na medida em
que, além de se encontrar nos postos de trabalho que envolvem baixa remuneração,
exigência de menor qualificação, pouca possibilidade de avanço na carreira, ela é,
particularmente, afetada pela flexibilidade. Esta segue uma orientação de gênero.
Enquanto a flexibilidade interna à organização do trabalho, como a polivalência, a
rotação de trabalho, a capacidade de adaptação e o trabalho em equipe, tende a ser mais
masculinizada, a flexibilidade externa, que diz respeito à variação do volume de
empregos ou à duração do tempo de trabalho, como os horários flexíveis, o emprego
precário e o tempo parcial, é feminina (CATTANEO & HIRATA, 2009; HIRATA,
2007). Segundo as autoras, essa divisão sexual do trabalho é possibilitada à medida que
tais tipos de emprego e trabalho são propostos às mulheres com a justificativa de lhes
propiciar melhor articulação entre trabalho e família, ideia que tem legitimação social.
Diante da intensificação da flexibilização, novas tensões e dinâmicas
surgem, afetando o modo como as trabalhadoras vivenciam a esfera produtiva e o
293

sentido que conferem ao trabalho. Como apontamos, estas ficam submetidas a situações
como se estivessem em um barco à deriva, subordinadas aos fluxos da produção e dos
clientes e aos constantes ajustes impostos pelas empresas de acordo com seus interesses.
Elas devem responder a metas que muitas vezes não conseguem alcançar e a tarefas que
escapam a seu alcance, sem ao menos um referencial coletivo com o qual partilhar a
experiência e os sofrimentos. Ao falar da precariedade objetiva e da precariedade
subjetiva do trabalho – marcada, de um lado, pela intensificação do trabalho, pelas más
condições de trabalho, pela baixa remuneração etc., e, de outro, pelo sentimento de
isolamento e de incapacidade para fazer face aos obstáculos na realização do trabalho –,
Linhart (2010a) clareia a compreensão das dinâmicas postas no mundo do trabalho na
atualidade.
Serrano, Martín & Crespo (2012) registram que a posição ambivalente em
que se encontram os trabalhadores é uma marca da precariedade do trabalho: eles ficam
sujeitos a demandas contraditórias – trabalhar com rapidez e eficiência, garantindo, ao
mesmo tempo, um tratamento satisfatório e personalizado ao cliente –, mas que não são
interpretadas como tais por estarem naturalizadas, sendo vistas como parte do modo da
organização do trabalho. Este é o caso das trabalhadoras de ambos os segmentos
analisados por nós, em que o dilema “quantidade versus qualidade” é posto. Elas devem
obedecer às imposições e padronizações das empresas, ao mesmo tempo em que devem
assegurar a satisfação dos clientes. Em muitos casos, as imposições se chocam com a
percepção das trabalhadoras quanto ao que é um trabalho bem feito ou à forma como
gostariam de executá-lo. Essas contradições se transformam em tensões e conflitos para
elas. A incapacidade de resolver os problemas e de responder às demandas das empresas
gera sofrimento e adoecimento entre as trabalhadoras. São as penosidades que afetam o
mundo do trabalho hoje, como definiram Fortino & Linhart (2011). Penosidades que se
agravam diante dos baixos salários, da pouca possibilidade de avanço na carreira, da
limitada autonomia, da intensificação do trabalho, do baixo reconhecimento social do
trabalho, como vimos tanto em um como em outro segmento.
Neles, as trabalhadoras, diante das mudanças permanentes promovidas na
organização e gestão do trabalho, acabam por se sentir como um número às empresas,
revelando o baixo reconhecimento social de seu trabalho. Como afirma Tiffon (2013), o
reconhecimento (do cliente, dos colegas e da empresa) confere sentido ao trabalho. A
isso se somam as instituições e o que elas representam, a hierarquia e as modalidades de
294

remuneração, as perspectivas de carreira, as responsabilidades e a autonomia outorgada


aos trabalhadores, bem como aquelas advindas do coletivo do trabalho, a partilha de
experiências e afinidades. Do quadro por nós apresentado, podemos assinalar que o
sentido do trabalho está constantemente sendo posto em xeque. Isso se agrava na
medida em que, decorrente da individualização no trabalho, a identificação a um
referencial coletivo é limitada.
A análise de ambos os segmentos revelou que as trabalhadoras parecem
pouco resistir aos ditames das empresas. As estratégias de resistência são poucas, sendo
motivadas por um sentimento de injustiça que leva a ações pontuais e individualizadas e
não a rebeliões ou revoltas coletivas. Resultado da atual configuração do capitalismo, as
possibilidades de organização coletiva encontram-se dilaceradas. No entanto, como
vimos, as trabalhadoras não são entes passivos. Elas procuram se apropriar de algum
controle sobre suas atividades e reduzir a interferência que o mundo do trabalho possa
ter em suas vidas.
Os resultados da pesquisa permitiram evidenciar, assim, os modos como a
gestão e a organização do trabalho, ancoradas na flexibilidade, afetam a experiência que
as trabalhadoras vivenciam na esfera produtiva. No entanto, eles a ultrapassam, recaindo
também sobre suas vidas cotidianas e familiares. O salário incerto prejudica a
organização do orçamento doméstico e impacta a qualidade de vida futura das
trabalhadoras. O tempo de trabalho se torna cada vez mais variável e incompatível com
o tempo dos demais membros da família e das instituições e serviços públicos. As
mudanças constantes nas atividades, nos salários e no tempo de trabalho dificultam as
possibilidades de prever as atividades e de organizar suas vidas. Desse modo, “as
condições de flexibilidade, de indeterminação e de maleabilidade que marcam um
número importante de empregos no setor de serviços fazem do trabalhador um gestor
frágil de seu percurso de vida e de trabalho” (SERRANO, MARTÍN & CRESPO, 2012,
p. 186).
A flexibilidade no trabalho é comumente considerada como um elemento
que permitiria uma melhor organização da vida e das atividades cotidianas. Há a
propagação na sociedade de um discurso que defende que “ser flexível no trabalho” é
sinônimo de autonomia e melhor qualidade de vida 251. No entanto, vimos que, ao

251
Ver, entre outras matérias: “Flexibilidade de horário no trabalho ajuda a dormir melhor e produzir
mais” (Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Vida/noticia/2015/01/ flexibilidade-
de-horario-no-trabalho-ajuda-dormir-melhor-e-produzir-mais.html>); “Flexibilidade de horários em alta”
295

contrário de promover maior autonomia, a flexibilidade imposta aos trabalhadores e


trabalhadoras, contribui para aumentar a exigência de sua disponibilidade à esfera
produtiva e, por sua vez, sua submissão a ela 252, o que tem desdobramentos sobre a vida
cotidiana e familiar.
Para as mulheres, seus efeitos são ainda mais intensos, já que elas seguem
sendo as principais responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados nas famílias.
Entre elas, como mencionamos, a articulação entre as esferas produtiva e reprodutiva
não é vivida de forma harmoniosa. Ao contrário, ela é marcada por fortes tensões e por
conflitos. A maior participação feminina no mercado de trabalho não é acompanhada de
melhor repartição do trabalho doméstico e de cuidados no interior das famílias, e o
Estado se mantém, em grande medida, omisso, recaindo sobre as mulheres a
necessidade de compatibilizar ambas as atividades. Diante da flexibilização, novos
desafios se colocam a elas. As tensões na articulação entre ambas as esferas se
intensificam no atual contexto, em que é cada vez mais difícil ter controle sobre os
próprios tempos (OLIVEIRA & MARCONDES, 2015) e em que o tempo produtivo
invade as demais atividades cotidianas.
A partir de nossa análise, vimos que, a despeito das mudanças nas práticas
sociais das mulheres, as saídas encontradas por elas para realizar essa articulação pouco
mudaram ao longo do tempo.
Obviamente, parte das mulheres alterou seus comportamentos e práticas,
buscando, em alguma medida, reduzir sua disponibilidade à família. A redução nas
taxas de fecundidade é um elemento revelador disso. A renúncia a um projeto de
maternidade ou seu adiamento podem ser indicados como práticas que evidenciam
como as mulheres têm atribuído mais importância a suas carreiras profissionais ou, até
mesmo, como formas de resistência à manutenção das desigualdades de gênero nas
famílias, procurando, de alguma forma, diminuir sua carga de trabalho no âmbito
doméstico.
No entanto, verificamos que para grande parte das mulheres, diante de suas
responsabilidades, sobretudo com o cuidado dos filhos, a saída envolve o apoio de uma
rede de cuidados feminina, sobretudo familiar e de proximidade. Como vimos,

(Disponível em: <http://dtcom.com.br/flexibilidade-de-horarios-em-alta/); “Flexibilidade de horário é o


sonho de muitos profissionais” (Disponível em: <http://www. projetorh.com.br/index.php/noticias/29-
flexibilidade-de-horario-e-o-sonho-de-muitos-profissionais>). Acesso em: 13 fev. 2016.
252
Os estudos de Castro (2013a, b) já citados também evidenciam esse aspecto, mostrando como tal
flexibilidade tem desdobramentos sobre a carreira feminina.
296

operadoras de caixa e teleatendentes recorrem à ajuda de avós, mães, tias, primas, irmãs,
sogras, cunhadas e vizinhas para realizar sua atividade profissional, principalmente por
esta envolver trabalho aos finais de semana e feriados, alteração dos dias e horários de
trabalho e, no caso das operadoras de caixa, prolongamento periódico de sua jornada de
trabalho – tempos cada vez mais incompatíveis com aqueles dos demais membros da
família.
Concluímos o capítulo anterior afirmando que, apesar de a articulação entre
trabalho e família ser perpassada por fortes tensões, nossa pesquisa indica não haver um
conflito mais acirrado na vida das trabalhadoras, uma vez que o apoio entre a linhagem
feminina da família resta ainda muito forte e presente nas práticas cotidianas. Assim,
apesar das inúmeras transformações nos arranjos familiares, a família, e a divisão sexual
do trabalho em seu interior, aparece como uma das esferas que mais resistem a
mudanças.
Tal constatação nos levou a afirmar que a flexibilização pode se intensificar
no atual contexto, com as empresas realizando ajustes constantes nos elementos centrais
do trabalho e exigindo cada vez mais disponibilidade das trabalhadoras à esfera
produtiva, à medida que há um respaldo para isso na esfera doméstica. A participação
feminina segue decisiva, garantindo, por meio de seu trabalho (historicamente
invisibilizado), a reprodução e a sustentabilidade da vida humana sob o capitalismo. No
curso da História, a disponibilidade das mulheres à família e sua responsabilização pelo
trabalho doméstico e de cuidados foram colocadas a serviço do capital, o que se mantém
até hoje.
Não queremos com isso transmitir uma ideia de culpabilização ou
vitimização feminina253. Longe disso. Como já mencionamos, a luta das mulheres é
vetor que promove transformações nas práticas sociais e que, embora muito lentamente,
leva a mudanças nas dinâmicas entre homens e mulheres e na divisão sexual do
trabalho. No entanto, podemos afirmar que a disponibilidade feminina à família, visto

253
Aqui consideramos interessante retomar o debate feito por Nancy Fraser (2009), a qual diz que a
segunda onda do movimento feminista, ao lutar pelo reconhecimento da diferença – com proposições
mais no âmbito cultural –, tornou-se terreno fértil para que o capitalismo se apropriasse das críticas e se
fortalecesse, contribuindo para impulsionar o neoliberalismo. A autora se debruça sobre a tese de Luc
Boltanski e Ève Chiapello (2009), que aponta para “o novo espírito do capitalismo”. Segundo os autores,
o capitalismo tem a propriedade de se refazer a cada momento de crise ou de ruptura, incorporando a seu
favor as críticas que até então tinham sido direcionadas contra ele e ressignificando-as, de modo a se
recriar e se fortalecer.
297

que interessa ao funcionamento da sociedade, é alimentada pelo capital, pelo Estado e


pela própria família.
Quando questionamos “a quem serve a disponibilidade das mulheres?”, a
resposta que encontramos é que ela: serve aos homens, que pouco modificam sua
participação no trabalho doméstico, podendo resistir a alterar suas práticas sociais,
particularmente no que diz respeito aos lares, além de terem outro tipo de vivência na
esfera do trabalho profissional, podendo se dedicar mais integralmente a ele do que as
mulheres ou, ao menos, sem a necessidade de lidar com as mesmas tensões que elas;
serve ao Estado, que pode continuar mantendo uma política familista, não assumindo os
custos que a partilha do trabalho doméstico e de cuidados pode implicar; serve às
empresas, que se apoiam no trabalho feminino no âmbito doméstico para realizar
constantes ajustes no processo de trabalho, reduzindo custos, aumentando a
produtividade e intensificando as formas de exploração sobre a força de trabalho; e
serve duplamente ao capitalismo, no qual a força de trabalho feminina é explorada na
esfera produtiva (onde está submetida a baixos salários), enquanto no âmbito doméstico
(onde se garante a reprodução da força de trabalho) o trabalho realizado pelas mulheres
é apropriado, muitas vezes, de forma gratuita.
Como saída, diante da divisão sexual do trabalho que se mantém forte nos
lares, as mulheres e as famílias acabam se sustentando também nessa disponibilidade
feminina, seja como forma de garantir a reprodução e a qualidade de vida familiar, seja
para que parte das mulheres se mantenha inserida no mercado de trabalho.
A frase “tudo muda, mas nada muda” (ou, podemos pensar, “tudo muda
para nada mudar”) é apontada por uma série de estudos que analisam a divisão sexual
do trabalho tanto na esfera produtiva como na reprodutiva 254. Ainda que mudanças
ocorram, essa divisão segue resistente. No entanto, Kergoat (2010) assinala que essa
não é uma contradição do capitalismo, mas é reveladora das imbricações das diferentes
relações sociais, que atuam dentro e fora da esfera produtiva.
A questão que emerge então é até quando a atribuição do trabalho
doméstico e de cuidados seguirá entre mulheres, dando base para a exploração da força

254
Ver o debate realizado por Kergoat (2010) sobre essa aparente contradição. As mudanças na família e
as práticas das mulheres nela e no mercado de trabalho como um suposto “déjà vu” foram identificadas
por Maria Coleta Oliveira e Gláucia Marcondes (2015). Márcia Leite e Pilar Guimarães (2015), ao
analisarem o trabalho em fábricas do setor eletroeletrônico, concluem que a introdução de novas
tecnologias tem reforçado a divisão sexual do trabalho nelas, mantendo a mesma realidade identificada
décadas atrás.
298

de trabalho pelo capital255. Por que algo permanece quando tudo muda? A inspiração
para essa questão veio da leitura do artigo de Segnini (2011), intitulado “O que
permanece quando tudo muda?”, no qual ela analisa os aportes teóricos tradicionais e
fundadores da sociologia que ajudam a compreender o mundo do trabalho hoje, diante
das inúmeras transformações sofridas. Essa pergunta nos vem à mente quando vemos
que na esfera produtiva a mudança parece ser a palavra de ordem: os trabalhadores são
convocados a ser mais flexíveis, adaptáveis a um fluxo de produção em constante
mudança. Porém, do outro lado, a esfera reprodutiva, ainda que apresente alguns
elementos de mudança (como a diversificação dos arranjos familiares), parece resistir
fortemente a ela, apoiando-se na divisão sexual do trabalho, naturalizada em nossa
sociedade. E consideramos que a segunda parecer possibilitar a primeira.
Nesse sentido, a questão parece ser compreender o porquê, apesar das
inúmeras transformações nas práticas sociais femininas e no mundo do trabalho, de o
trabalho doméstico e de cuidados permanecer como atribuição quase exclusiva das
mulheres, realizado por e entre elas, e até quando essa disponibilidade temporal
feminina à família seguirá na base da organização da sociedade.
Carrasco (2003b) indica que a manutenção dessa prática se dá porque as
mulheres reconhecem a importância desse tipo de trabalho, o que a sociedade não faz.

A crescente incorporação das mulheres ao trabalho de mercado não tem


como resultado o abandono do trabalho familiar: as mulheres continuam
realizando esta atividade, fundamentalmente porque lhe outorgam o valor que
a sociedade patriarcal capitalista nunca quis reconhecer (CARRASCO,
2003b, p. 24).

No capitalismo, a centralidade foi dada àquilo que era econômico, relegando


o trabalho doméstico e de cuidados à invisibilidade, mesmo tendo se apropriado e se
alimentado continuamente desse trabalho. Porém, tais atividades são decisivas para a
manutenção da vida e da sociedade. Como apontam Pascale Molinier, Sandra Laugier e
Patrícia Paperman (2005), os cuidados aparecem como uma necessidade que diz
respeito a todos e em todos os momentos da vida, não sendo uma exceção que acomete
apenas alguns em determinados períodos. Eles são um traço comum a todas as pessoas,
apenas variando seu grau e dimensão conforme os ciclos da vida, uma vez que todos
precisam de afeto, atenção, cuidados, assim como se alimentar, vestir etc. Portanto, eles
não podem ser uma responsabilidade exclusivamente de mulheres.

255
Agradecemos à Danièle Kergoat por levantar algum desses questionamentos.
299

Tal reivindicação sempre esteve pautada no movimento feminista.

Para começar, lembremos alguns fatos: não foi tratando a questão do aborto,
como usualmente se diz, que o movimento feminista começou. Foi a partir da
tomada de consciência de uma opressão específica: tornou-se coletivamente
“evidente” que uma enorme massa de trabalho era realizada gratuitamente
pelas mulheres; que esse trabalho era invisível; que era feito não para si, mas
para os outros e sempre em nome da natureza, do amor e do dever maternal
(KERGOAT, 2003, p. 56).

A ruptura com as desigualdades de gênero passa pela necessidade de


repensar e reorganizar a divisão do trabalho doméstico e de cuidados. Ao ser assumido e
partilhado por homens e mulheres, e o Estado, uma nova reorganização dessas
atividades dar-se-ia no interior das famílias e na sociedade, caminhando para a adoção
de práticas mais igualitárias. Ao contrário, como salienta Hirata (2003b), enquanto a
articulação entre vida profissional e familiar, trabalho assalariado e trabalho doméstico
se mantém exclusivamente sobre as mulheres, as bases que sustentam a divisão sexual
do trabalho parecem não ser ameaçadas. Nesse sentido, continuar aprofundando o
conhecimento sobre as percepções e práticas de homens e mulheres, sobre as
permanências e mudanças nas estratégias de articulação entre trabalho e família auxilia
a evidenciar os obstáculos a ser enfrentados, a pensar nos caminhos a ser percorridos e a
fomentar as políticas públicas necessárias em direção à igualdade.
O caminho para que mudanças efetivas ocorram parece ser o de alterar as
lógicas que regem nossa sociedade. Uma série de autores e movimentos tem surgido,
muitos impulsionados pelas mulheres, procurando trazer os cuidados e as necessidades
humanas para o centro da questão. Estes defendem que a sociedade deve se pautar pela
garantia do bem viver ou da sustentabilidade da vida humana, e não pela esfera
produtiva e econômica, sinalizando que esse é um assunto que diz respeito a toda a
sociedade e não apenas às mulheres256.
A obra de Mitchell (1967) parece guardar toda a importância a esse respeito.
Como afirma a autora, a libertação das mulheres apenas será conseguida quando as

256
Ver o debate proposto por Carrasco (2003a). Um desses movimentos vem aparecendo, sobretudo em
países da América Latina, ligados ao “buen vivir”, isto é, a uma nova proposta para o desenvolvimento e
organização da sociedade com base no bem-estar, na harmonia com o meio ambiente e no viver em
comunidade. Do mesmo modo, podemos incluir as experiências de algumas cidades, como foi o caso
italiano descrito anteriormente, propondo repensar a organização das cidades de modo a garantir uma
melhor qualidade de vida às pessoas. Nancy Fraser (2007) vê ainda as políticas feministas que atuam em
espaços transnacionais como uma possibilidade de promover rupturas nas desigualdades de gênero.
300

quatro estruturas – produção, reprodução, sexo e cuidado das crianças – forem


totalmente transformadas. A transformação de apenas uma delas pode levar ao
recrudescimento da outra. Isso parece ser o que vem ocorrendo: na esfera produtiva,
tudo está em constante mudança – tecnologias sendo aprimoradas, novas formas de
gerir e organizar o processo de trabalho etc. –, mas esse dinamismo se baseia e reforça a
divisão sexual do trabalho. Portanto, apenas uma mudança em todas essas estruturas
pode ser o caminho para romper com essa divisão e com as desigualdades de gênero,
que perduram ao longo da História.
301

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ANEXOS

1. Anexo I – Roteiro de entrevista


Nome: Estado civil:
Idade : Escolaridade:
Filhos: ( ) Não ( ) Sim - idade:
Bairro em que reside: Pessoas com quem reside (e quem trabalha):
Profissão: Horário de trabalho:
Empresa em que trabalha e horário de funcionamento:

1) Conte-me sobre sua trajetória profissional


a. Quais atividades em que trabalhou?
b. O que levou a chegar a ocupação atual?
c. Há quanto tempo trabalha na empresa?
d. Como chegou a ela? E como foi o processo de recrutamento?

2) Conte-me como é um dia de seu trabalho.


Desde que você chega à empresa, o que ocorre?
a. Quais atividades realiza?
b. Há metas a serem cumpridas?
c. Que horas inicia e finaliza a jornada de trabalho?
d. Como são as pausas?
e. Já trabalhou em outros horários?
f. Há mais homens ou mulheres na empresa?
g. Há exigências quanto à aparência, por exemplo?

3) Conte-me como é um dia em sua vida (sua rotina diária)


a. Quais atividades realiza?
b. Quanto tempo gasta no deslocamento casa/ trabalho?
c. O que faz aos finais de semana e feriados? Como é a rotina nestes dias?

4) Conte-me como é um dia em sua vida quando você está de folga no trabalho.
a. Quais são os dias de folga?
b. Como a folga é definida? Por quem? É fixa?
c. Com quanta antecedência fica ciente da folga?
d. O que costuma fazer nos dias de folga?

5) O que mais gosta e o que menos gosta em seu trabalho?

6) Em relação ao trabalho doméstico e o espaço familiar:


a. Quem faz o trabalho doméstico em sua casa? Como as atividades são repartidas?
b. Quanto tempo gasta com os afazeres domésticos?
c. Como é realizado o cuidado dos filhos? Eles frequentam creche ou escola? A empresa
oferece ou auxilia com creche?
d. Quais pessoas participam da realização do trabalho doméstico e/ou do cuidado com
os filhos? Se há outra/s pessoa/s, como se dá essa relação?
e. O que você faz com a renda de seu trabalho?

7) Gostaria de fazer alguma consideração a mais?


Obrigada pela sua colaboração!
324

2. Anexo II – Relação das entrevistas realizadas


Relação de entrevistas, de acordo com a data de realização
Nome Atividade Empresa Vinculada à empresa Data da entrevista
Adélia Teleatendente A Sim 20/06/2012
Adélia Operadora de caixa de supermercado 1 C Sim 06/10/2014
Adriana Teleatendente A Sim 04/06/2012
Ágatha Teleatendente A Sim 25/05/2015
Alana Teleatendente A Sim 19/05/2015 2
Alberto Teleatendente A Sim 17/04/2012
Alcione Teleatendente A Não 11/02/2012
Aline Teleatendente A Sim 01/03/2012
Amanda Teleatendente A Sim 04/06/2012
Ametista Teleatendente A Sim 04/05/2012
Ana Teleatendente A Sim 21/05/2012
Anderson Coordenador A Sim 28/02/2015
Andréa Teleatendente A Sim 18/04/2012
Andressa Teleatendente A Sim 11/04/2012
Ângela Teleatendente A Sim 18/04/2012
Antonia Teleatendente A Não 27/10/2011
Arlene Teleatendente A Sim 06/02/2012
Artur Teleatendente A Sim 24/07/2015
Astrid Teleatendente A Sim 27/06/2015
Audrey Teleatendente A Sim 30/07/2015
Áurea Teleatendente A Sim 19/05/2015
Aurora Teleatendente A Sim 19/05/2015 2
Barbara Supervisora de vendas B Sim 11/05/2012
Bruno Teleatendente B Sim 08/02/2012
Caio Operador de hipermercado C Sim 19/04/2013
Caio Operador de hipermercado C Sim 19/09/2014
Caio Operador de hipermercado C Sim 22/11/2015
Carina Operadora de caixa de hipermercado C Não 06/03/2013
Carla Fiscal de frente de caixa C Sim 03/03/2012
Carmem Operadora de caixa de hipermercado C Sim 17/10/2014
Carolina Operadora de caixa de supermercado C Sim 18/05/2012
Carolina Operadora de supermercado C Sim 19/09/2014
Cássia Operadora de caixa de hipermercado C Sim 14/10/2014 2
Catarina Operadora de caixa de supermercado C Sim 03/10/2014 2
Cecília Operadora de caixa de supermercado C Sim 12/04/2012
Celeste Operadora de caixa de hipermercado C Sim 12/04/2013
Celeste Operadora de caixa de hipermercado C Sim 16/09/2014
Celeste Operadora de caixa de hipermercado C Sim 12/11/2015
Célia Fiscal de frente de caixa C Sim 11/07/2012
Celso Operador de hipermercado C Sim 05/04/2012
César Operador de hipermercado C Não 03/03/2012
Cibele Operadora de hipermercado C Sim 13/06/2012
Cinara Operador de caixa de hipermercado C Sim 26/02/2015 2
Cintia Operadora de caixa de hipermercado C Sim 17/10/2014
Clarice Operadora de caixa de supermercado C Sim 03/10/2014 2
Cláudia Operador de caixa de hipermercado C Sim 26/02/2015 2
Cleber Operador de caixa de supermercado C Não 12/03/2012
Cleide Operadora de caixa de supermercado C Não 20/01/2012
Cleiton Analista C Sim 14/10/2014
Cleusa Operador a de caixa de hipermercado C Sim 23/05/2013
Conceição Operadora de hipermercado C Sim 14/10/2014 2
Conrado Operador de caixa de hipermercado C Sim 11/11/2014
Cristiane Operadora de caixa de supermercado C Sim 01/06/2012
Danilo Operador de caixa de supermercado D Não 07/11/2012
1 No momento dessa entrevista era operadora de supermercado da empresa C
2 Entrevista realizada em dupla
325

3. Anexo III – Termo de consentimento livre e esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

O (a) Sr (a) está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa de doutorado,
desenvolvida no Programa de Pós-graduação de Sociologia da Universidade Estadual de
Campinas, que tem como objetivo conhecer e compreender a organização da vida profissional e
familiar dos e das profissionais inseridos no setor de teleatendimento e do setor de comércio
varejista, em particular super e hipermercados, do município de São Paulo-SP e região
metropolitana.
A sua participação se dará por meio de uma ou mais entrevistas e por meio da
observação de suas atividades diárias. A confidencialidade das informações e o seu anonimato
serão plenamente garantidos. Ou seja, em nenhuma circunstância o seu nome e o de qualquer
pessoa por você mencionada durante sua participação serão divulgados. As informações
fornecidas serão registradas e poderão, posteriormente, ser publicadas, sem, contudo, divulgar
os nomes das pessoas mencionadas.
É importante ressaltar que a sua participação é voluntária, desse modo, o (a) sr (a) tem
o direito de recusar ou desistir de participar do estudo a qualquer momento, sem que isso lhe
cause qualquer prejuízo. Em caso de dúvida o (a) sr (a) tem o direito de solicitar os devidos
esclarecimentos ao longo da pesquisa.
Salienta-se que não será adotado qualquer procedimento que possa lhe causar prejuízo
ou trazer risco à sua vida.
Esta pesquisa possibilitará a ampliação do conhecimento a cerca destes setores
profissionais, bem como dos profissionais que nele atuam, contribuindo assim com os avanços
das Ciências Sociais.
O (a) sr (a) poderá sempre que achar necessário entrar em contato com a pesquisadora
responsável pela pesquisa Taís Viudes de Freitas, no telefone (11)97XXX-XXXX, ou com a
coordenadora da pesquisa Maria Lygia Quartim de Moraes, na sede do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, situada na Universidade Estadual de Campinas, Caixa Postal nº6110, CEP
13081-970, Campinas - SP.

Consentimento livre e esclarecido

Eu ____________________________________________________________ declaro
que, após ter lido e entendido os propósitos deste estudo e ter tido todas as minhas dúvidas
adequadamente esclarecidas, concordo livremente em participar dessa pesquisa.

_____________________, _______ de _________________ de _________.

________________________________________________
Assinatura do (a) entrevistado (a)

________________________________________________
Assinatura do (a) pesquisador (a)
326

4. Anexo IV - Perfil das entrevistadas


Tabela A. Perfil das entrevistadas do segmento de teleatendimento
Nome Atividade Empresa Sexo Idade Estado civil1 Filhos (idade) Pessoas com quem reside Escolaridade Cor/Raça
Adélia Teleatendente A Feminino 30 Casada 2 (4 anos / 9 meses) Cônjuge e filhos Ensino médio completo Branca
Adriana Teleatendente A Feminino 29 Casada 2 (12 anos / 1 ano) Cônjuge e filhos Ensino médio completo Preta
Ágatha Teleatendente A Feminino 21 Solteira 1 (6 meses) Filha Ensino médio completo Branca
Alana Teleatendente A Feminino 20 Solteira Não Pai, mãe, irmão Ensino médio completo Parda
Alberto Teleatendente A Masculino 21 Solteiro Não Pai, mãe e irmãos Ensino médio completo Branca
Alcione Teleatendente A Feminino 33 Divorciada 2 (10/ 30 anos) Filhas Superior incompleto Branca
Aline Teleatendente A Feminino 22 Casada 1 (8 meses) Cônjuge e filha Ensino médio completo Branca
Amanda Teleatendente A Feminino 19 Solteira Não Mãe e irmão Ensino médio completo Preta
Ametista Teleatendente A Feminino 23 Casada 1 (1 ano) Cônjuge e filha Ensino médio completo Parda
Ana Teleatendente A Feminino 20 Solteira Não Mãe e irmãos Ensino médio completo Branca
Anderson Coordenador A Masculino 39 Solteiro 1 (7 anos) Mãe, pai, irmãos e filha Superior incompleto Amarela
Andréa Teleatendente A Feminino 21 Solteira Não Irmão Ensino médio completo Branca
Andressa Teleatendente A Feminino 23 Solteira Não Pai, mãe, avó, tia e irmãos Ensino médio completo Branca
Ângela Teleatendente A Feminino 26 Divorciada 1 (6 anos anos) Pai, mãe, filho e irmão Ensino médio completo Parda
Antonia Teleatendente A Feminino 58 Divorciada 5 (16 a 23 anos) Filhos e netas Ensino médio completo Preta
Arlene Teleatendente A Feminino 22 Solteira Não Mãe, padrasto e irmã Ensino médio completo Parda
2
Artur Teleatendente A Masculino 17 Solteiro Não Mãe, pai e irmão Ensino médio completo Branca
Astrid Teleatendente A Feminino 26 Casada 2 (7 anos/ 2 anos) Cônjuge e dois filhos Ensino médio completo Parda
Audrey Teleatendente2 A Feminino 18 Solteira Não Pai, mãe e irmã Ensino médio completo Parda
Sogros, cunhada, marido e
Áurea Teleatendente A Feminino 22 Casada 2 (2 anos / 6 meses) Ensino médio completo Parda
filhos
Aurora Teleatendente A Feminino 19 Solteira Não Mãe, pai e irmãos Ensino médio completo Parda
Barbara Supervisora de vendas B Feminino 29 Solteira Não Mãe e sobrinho Superior incompleto Branca
Bruno Teleatendente B Masculino 35 Casado 1 (2 anos ) Cônjuge e filho Superior incompleto Preta
1. Classificou-se como casado/a quem afirmou viver com companheiro/a mesmo sem ser casado/a judicialmente. Foi classificado como divorciado/a quem referiu ser separado, legalmente
2. Contratado como jovem aprendiz.
327

Tabela B. Perfil das entrevistadas do comércio varejista de super/hipermercados


Nome Atividade Empresa Sexo Idade Estado civil1 Filhos (idade) Pessoas com quem reside Escolaridade Cor/Raça
Caio Operador de hipermercado C Masculino 24 Casado Não Cônjuge Ensino médio completo Preta
Carina Operadora de caixa de hipermercado C Feminino 26 Casada 1 (2 anos) Cônjuge, filha e mãe Ensino médio completo Preta
Carla Fiscal de frente de caixa C Feminino 27 Solteira Não Irmã e irmão Superior incompleto Branca
Carmem Operadora de caixa de hipermercado C Feminino 28 Solteira Não Mãe, irmã e primo Ensino médio completo Parda
Carolina Operadora de caixa de supermercado C Feminino 29 Casada 2 (5 anos/ 5 anos)
Cônjuge e filhas Ensino médio completo Branca
Cássia Operadora de caixa de hipermercado C Feminino 27 Solteira 2 (6 anos/ 4 anos)
Avô, avó e filhos Superior incompleto Branca
Catarina Operadora de caixa de supermercado C Feminino 23 Solteira Não Pai, mãe e irmão Superior incompleto Parda
Cecília Operadora de caixa de supermercado C Feminino 24 Casada Não Cônjuge Ensino médio completo Branca
Celeste Operadora de caixa de hipermercado C Feminino 25 Casada Não Cônjuge Ensino médio completo Branca
Célia Fiscal de frente de caixa C Feminino 30 Solteira Não Amiga Superior completo Parda
Celso Operador de hipermercado C Masculino 32 Solteiro Não Sozinho Pós-graduação completa Branca
César Operador de hipermercado C Masculino 29 Solteiro Não Mãe e irmãos Superior completo Branca
Cibele Operadora de hipermercado C Feminino 19 Solteira Não Mãe Ensino fundamental compl. Branca
Cinara Operador de caixa de hipermercado C Feminino 23 Solteira Não Mãe, irmãos e primo Ensino médio completo Parda
Cintia Operadora de caixa de hipermercado C Feminino 24 Solteira 3 (8 / 6/ 2 anos)
Mãe, irmão e filhos Ensino médio completo Branca
Clarice Operadora de caixa de supermercado C Feminino 25 Casada 1 (11 meses) Cônjuge, filho e irmão Ensino médio completo Branca
Tia, cônjuge da tia,
Cláudia Operador de caixa de hipermercado C Feminino 29 Solteira 1 (9 anos) Ensino médio completo Preta
primo e filha do primo
Cleber Operador de caixa de supermercado C Masculino 26 Casado Não Cônjuge Pós-graduação incompleta Branca
Cleide Operadora de caixa de supermercado C Feminino 28 Divorciada 1 (6 anos) Filho Ensino médio incompleto Parda
Cleiton Analista C Masculino 26 Solteiro Não Mãe, irmã e sobrinhos Superior completo Branca
Cleusa Operador a de caixa de hipermercado C Feminino 45 Casada 1 (17 anos) Cônjuge, filha e cunhada Ensino médio completo Branca
Conceição Operadora de hipermercado C Feminino 47 Solteira 3 (27/ 26/ 25 anos) Filhos e netos Ensino médio completo Branca
Conrado Operador de caixa de hipermercado C Masculino 20 Solteiro Não Tia e primas Ensino fundamental incompl. Branca
Cristiane Operadora de caixa de supermercado C Feminino 25 Casada Não Cônjuge Ensino médio completo Parda
Danilo Operador de caixa de supermercado D Masculino 20 Solteiro Não Mãe, pai e irmão Ensino médio completo Parda
1. Classificou-se como casado/a quem afirmou viver com companheiro/a mesmo sem ser casado/a judicialmente. Foi classificado como divorciado/a quem referiu ser separado, legalmente ou não.

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