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SINOPSES JURÍDICAS

CARLOS ROBERTO GONÇALVES


Desembargador do Tribunal de Justiça de Sã o Paulo. Mestre em Direito
Civil pela PUCSP Professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus.
Volume 2
DIREITO DE FAMÍLIA
7ª edição, revista 2000
Editora Saraiva
Obra Completa Volume 2

ÍNDICE
TíTULO I
DO CASAMENTO
CAPÍTULO I
DAS FORMALIDADES PRELIMINARES
1. Introdução
................................................................ 1
2. Processo de habilitação ............................................ 2
3. Documentos necessá rios .......................................... 3
3.1. Certidã o de nascimento ou prova equivalente.. 3 3.2. Declaraçã o
do estado, do domicílio e da residência dos contraentes e de seus pais,
se forem
conhecidos ........................................................ 4
3.3. Autorizaçã o das pessoas sob cuja dependência
legal estiverem, ou ato judicial que a supra ..... 5 3.4. Declaraçã o
de duas pessoas maiores, parentes
ou estranhos, que atestem conhecer os nubentes
e afirmem nã o existir impedimento.................. 6 3.5. Certidã o de
ó bito do cô njuge falecido, da anulação do casamento anterior ou do
registro de
sentença de divó rcio ......................................... 6
CAPÍTULO II
DOS IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS
4. Introdução
................................................................ 7 5.
Impedimentos absolutamente dirimentes ................. 9 5.1.
Impedimentos resultantes do parentesco (consangü inidade, afinidade e
adoção) ................... 9
5.2. Impedimento resultante de casamento anterior 11
5.3. Impedimentos decorrentés de crime ................. 12
6. Impedimentos relativamente dirimentes .................. 12
6.1. Coaçã o e incapacidade ..................................... 12
6.2. Rapto
................................................................ 13
6.3. Falta de consentimento ..................................... 14
6.4. Idade nupcial ....................................................
15
7. Impedimentos proibitivos ou meramente impedientes 15
7.1. Confusã o de patrimô nios .................................. 16
7.2. Confusã o de sangue (turbatio sanguinis) ......... 16
7.3. Tutela e curatela ...............................................
17
7.4. Juiz e escrivão ..................................................
17
8. Oposição dos impedimentos .................................... 18
CAPÍTULO III
DA CELEBRAÇÃ O DO CASAMENTO
9. Formalidades
............................................................ 19
10. Casamento por procuração .......................................
21
11. Momento da celebração ...........................................
22
VIII
CAPÍTULO IV
DAS PROVAS DO CASAMENTO
12. Certidã o do registro
................................................. 24
13. Posse do estado de casados ......................................
25
CAPÍTULO V
ESPÉ CIES DE CASAMENTO
14. Introdução
................................................................ 26
15. Casamento putativo ..................................................
27
16. Casamento nuncupativo e em caso de moléstia grave 29
17. Casamento religioso com efeitos civis ..................... 31
18. Casamento ineficaz (lato senso) ..............................
32
18.1. Casamento inexistente .................................... 32
18.2. Casamento inválido ........................................ 34
18.2.1. Casamento nulo ................................... 36 18.2.2.
Casamento anulá vel............................. 38 18.2.2.1. Infração de
impedimento rela
tivamente dirimente .............. 38 18.2.2.2. Erro essencial sobre a
pessoa
do outro cô njuge ................... 40
19. Casamento irregular .................................................
43
CAPÍTULO VI
EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO
20. Disposiçõ es gerais
.................................................... 44 IX
21. Deveres de ambos os cô njuges (recíprocos) ............ 45
21.1. Fidelidade recíproca .......................................
46
21.2. Vida em comum no domicílio conjugal ......... 46
21.3. Mú tua assistência ............................................
47
21.4. Sustento, guarda e educaçã o dos filhos .......... 48
22. Direitos e deveres de cada cô njuge .......................... 48
23. Suprimento judicial do consentimento .................... 52
24. Efeitos da falta de consentimento ............................
53
CAPÍTULO"VII
25. Princípios bá sicos
..................................................... 53
26. Regime da separação legal (obrigató rio) ................. 55
27. Regime da comunhão universal ............................... 58
27.1. Bens excluídos ................................................
58
27.2. Outras disposiçõ es ..........................................
61
28. Regime da comunhão parcial ou limitada................ 61
29. Regime da separação convencional ......................... 63
30. Causas terminativas..................................................
64
31. Da separação judicial ...............................................
65
31.1. Espécies e efeitos da separaçã o judicial ......... 65
31.2. Da separaçã o judicial por mú tuo consentimento 67
31.2.1. Características. Requisito ................... 67
31.2.2. Procedimento. Cláusulas obrigató rias 68
X
REGIME DE BENS NO MATRIMÔ NIO
CAPÍTULO VIII
DISSOLUÇÃ O DA SOCIEDADE CONJUGAL
31.3. Da separaçã o judicial a pedido de um dos cô njuges (litigiosa)
............................................... 70 31.3.1. Conduta
desonrosa ............................... 72
31.3.2. Grave infraçã o dos deveres do casamento 73 31.3.3.
Insuportabilidade da vida em comum.... 75 31.3.4. Ruptura da vida em
comum e grave doen
ça mental ............................................. 76
31.3.5. Separaçã o de corpos ........................... 77
31.4. Da proteçã o da pessoa dos filhos .................... 78
31.5. Do uso do nome ..............................................
80
31.6. Restabelecimento da sociedade conjugal ....... 82
32. Do divó rcio
.............................................................. 83
32.1. Introduçã o .......................................................
83
32.2. Divó rcio-conversã o ........................................ 85
32.3. Divó rcio direto ...............................................
88
CAPÍTULO 1X
CONCUBINATO E UNIÃ O ESTÁ VEL
33. Concubinato. Conceito e evolução .......................... 92
34. Regulamentação da uniã o está vel ............................ 93
TíTULO II
DAS RELAÇÕ ES DE PARENTESCO
CAPÍTULO 1
DISPOSIÇÕ ES GERAIS
35. Introdução
................................................................. 97 X1
36. O vínculo de parentesco: linhas e graus .................... 97
37. Espécies de parentesco .............................................
99
CAPÍTULO II
DA FILIAÇÃ O NO CASAMENTO
38. Introdução
................................................................ 100
39. Presunção legal de paternidade ................................
101
40. Açã o negató ria de paternidade................................ 104
CAPÍTULO III,
DO RECONHECIMENTO DOS FILHOS
41. Filiação havida fora do casamento ........................... 107
42. Modos de reconhecimento dos filhos ....................... 109
42.1. Reconhecimento voluntá rio ............................ 109
42.2. Reconhecimento judicial (investigaçã o de paternidade e maternidade)
................................ 113 42.2.1. Legitimidade para a ação
.................... 114 42.2.2. Fatos que admitem a investigaçã o de
paternidade ......................................... 115
42.2.3. Ação de investigaçã o de maternidade .. 117
CAPÍTULO IV
DA ADOÇÃ O
43. A adoção no Có digo Civil ........................................
117
44. A adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente 121
CAPÍTULO V
DO PÁ TRIO PODER
45. Conceito e características .........................................
123
46. Conteú do do pá trio poder ........................................
125
46.1. Quanto à pessoa dos filhos ............................. 125
46.2. Quanto aos bens dos filhos ............................. 126
47. Extinçã o, suspensã o e perda do pá trio poder ........... 127
47.1. Extinçã o .........................................................
127
47.2. Suspensã o e perda ..........................................
128
CAPÍTULO VI
DOS ALIMENTOS
48. Conceito. Espécies
................................................... 130 49. Obrigaçã o
alimentar e direito a alimentos. Caracte
rísticas
......................................................................
133
50. Pressupostos. Pessoas obrigadas ..............................
138
51. Meios de assegurar o pagamento da pensã o ............ 143
51.1. Açã o de alimentos ..........................................
143
51.2. Meios de execução da prestaçã o nã o satisfeita 146
TíTULO III
DOS INSTITUTOS PROTETIVOS
CAPÍTULO 1
DA TUTELA
52. Conceito. Espécies
................................................... 149 XIII
53. Regulamentação da tutela ........................................
152
54. Da cessação da tutela ...............................................
154
CAPÍTULO 11
55. Conceito. Características ..........................................
155
56. Espécies de curatela
................................................. 158
57. Regulamentação da curatela . ............................. 161
DA CURATELA
58. Conceito e características .........................................
163
59. Sucessã o provisó ria..................................................
165
60. Sucessã o
definitiva................................................... 166
XIV
CAPÍTULO 111
DA AUSÊ NCIA
TíTULO I
DO CASAMENTO
CAPÍTULO I
DAS FORMALIDADES PRELIMINARES

1. INTRODUÇÃO

O direito de família divide-se em três partes: casamento, relaçõ es de parentesco e institutos protetivos da tutela,
curatela e ausência.
Casamento é a uniã o legal entre um homem e uma mulher, com o objetivo de constituírem família legítima. Uniã o
legal é aquela celebrada com observâ ncia das formalidades exigidas na lei. E entre um homem e uma mulher,
porque o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda nã o é permitido, embora existam movimentos nesse
sentido. O casamento celebrado sem as solenidades previstas na lei e entre pessoas do mesmo sexo é
inexistente, bem como o é aquele em que os nubentes nã o manifestam o consentimento. O casamento cria a
família legítima (CC, art. 229). A união está vel, reconhecida pela Constituição Federal como entidade familiar,
pode ser chamada de família natural. Quando formada por somente um dos pais e seus filhos, denomina-se
família monoparental (CF, art. 226, § 4°-).
Quanto à natureza jurídica, o casamento, na concepção clássica, também chamada de individualista, é uma
relaçã o puramente contratual, resultante de um acordo de vontades, como acontece nos contratos em geral. A
doutrina institucional, também denominada supra-individualista, sustenta que o casamento é uma grande
instituição social, a ela aderindo os que se casam. A terceira corrente, a eclética, constitui uma fusã o das
anteriores, pois considera o casamento um ato complexo: um contrato especial, do direito de família, mediante o
qual os nubentes aderem a uma instituição pré-organizada, alcançando o estado matrimonial.
2. PROCESSO DE HABILITAÇÃ O
Interessa ao Estado que as famílias se constituam regularmente. Por isso, cerca o casamento de um verdadeiro
ritual, exigindo o cumprimento de uma série de formalidades. As preliminares dizem respeito ao processo de
habilitação, que se desenvolve perante o oficial do Cartó rio do Registro Civil (CC, art. 180). Destina-se a
constatar a inexistência de impedimentos matrimoniais e dar publicidade à pretensã o dos nubentes. Devem
estes requerer a instauraçã o do referido processo no cartó rio de seu domicílio. Se domiciliados em municípios
ou distritos diversos, processar-se-á o pedido perante o Cartó rio do Registro Civil de qualquer um deles, mas o
edital será publicado em ambos. O oficial afixará os proclamas em lugar ostensivo de seu cartó rio e fará publicá-
los pela imprensa local, se houver. Em seguida, abrirá vista dos autos ao promotor, que poderá requerer a
juntada de documentos ou alguma outra providência. Se impugnar o pedido, caberá ao juiz decidir a
impugnaçã o, sem recurso (LRP, art. 67).
Decorrido o prazo de quinze dias, a contar da afixação do edital em cartó rio (e nã o da publicação na imprensa), o
oficial entregará aos nubentes certidã o de que estão habili tados a se casar dentro nos três meses seguintes, sob
pena de decadência. Vencido esse prazo, será necessá ria nova habilitação, porque pode ter surgido algum
impedimento que inexistia antes da publicação dos proclamas. Havendo urgência, tal publicação pode ser
dispensada, a critério do juiz, pois a lei não define qual seria o motivo de urgência (LRP, art. 69; CC, art. 182,
pará grafo ú nico).

2. DOCUMENTOS NECESSÁRIOS

3.1. CERTIDÃO DE NASCIMENTO OU PROVA EQUIVALENTE

O primeiro documento exigido (CC, art. 180, 1) é a certidã o de nascimento ou prova equivalente. Esta pode ser
um documento hábil (cédula de identidade, título de eleitor) ou justificação de idade, admitida no art. 68 da Lei
dos Registros Pú blicos. Tal justificaçã o, entretanto, nã o tem sido utilizada, porque admite-se, hoje, o registro
tardio, que cumpre ao interessado providenciar.
A certidã o de nascimento destina-se a comprovar, em primeiro lugar, que os nubentes atingiram a idade mínima
para o casamento (16 anos para a mulher e 18 para o homem). Os que ainda nã o alcançaram essa idade
poderã o, no entanto, casar-se para evitar a imposiçã o de pena criminal (CC, art. 214), em crime contra os
costumes, requerendo ao juiz o suprimento de idade. Em tal caso, poderá este ordenar aseparaçã o de corpos, até
que os cô njuges tenham a idade legal (art. 214, pará grafo ú nico), e também dispensar os proclamas, ouvindo
separadamente os contraentes (LRP, art. 69, § 1'). Suprida a idade de um dos nubentes, ou de ambos, o
casamento será realizado no regime da separação de bens (CC, art. 258, pará grafo ú nico, IV). Mesmo que o noivo
tenha idade inferior a dezoito anos, admite-se o suprimento de idade, dele somente ou de ambos, embora não
esteja sujeito à s penas do Có digo Penal. Interpreta-se o art. 214 de modo benévolo, porque há um interesse
social na realizaçã o desses casamentos. Assim, a expressão "pena criminal" abrange qualquer espécie de sançã o
de cará ter criminal, ainda que prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. Somente nã o se admite o
suprimento de idade do noivo menor de dezoito anos quando a noiva já atingiu ou ultrapassou essa idade, se por
esse motivo o fato for atípico.
Examinando a certidã o de nascimento, o oficial do registro civil apura, também, se a noiva tem mais de
cinqü enta anos de idade e o noivo mais de sessenta. Basta que um deles tenha ultrapassado esse limite para que
o casamento seja realizado obrigatoriamente sob o regime da separaçã o de bens (CC, art. 258, pará grafo ú nico,
1I), salvo a exceção prevista no art. 45 da Lei do Divó rcio.

3.2. DECLARAÇÃO DO ESTADO, DO DOMICÍLIO E DA RESIDÊNCIA DOS CONTRAENTES E


DE SEUS PAIS, SE FOREM CONHECIDOS

O documento, que recebe a denominaçã o de memorial, destina-se a uma perfeita identificação dos nubentes e
deve ser assinado por eles.
3.3. AUTORIZAÇÃO DAS PESSOAS SOB CUJA DEPENDÊNCIA LEGAL ESTIVEREM, OU ATO JUDICIAL QUE A
SUPRA

Pela certidã o de nascimento o escrivã o verifica, também, se os nubentes atingiram a maioridade. Se nã o, devem
apresentar a autorização dos pais ou tutores, ou prova do ato ju dicial que a supra ou da emancipação. É mister o
consentimento de ambos os pais. Se nã o forem casados, "bastará o consentimento do que houver reconhecido o
menor, ou, se este nã o for reconhecido, o consentimento materno" (CC, art. 186, pará grafo ú nico). Se o marido se
encontra desaparecido há vá rios anos, pode a mulher, justificando judicialmente o fato por testemunhas (LRP,
art. 68), ser autorizada a, sozinha, dar validamente o consentimento. A anuência dos pais, tutores e curadores
pode ser retratada até a celebração do casamento (CC, art. 187).
O art. 186 do Có digo Civil diz que, se os cô njuges divergirem entre si, prevalecerá a vontade paterna, ou, sendo o
casal separado, divorciado, ou tendo o seu casamento anu lado, a vontade do cô njuge com quem estiverem os
filhos. Entretanto, em face da atual Constituiçã o, que estabeleceu a isonomia conjugal, colocando marido e
mulher em pé de igualdade, não mais prevalece a vontade paterna. A soluçã o deve ser dada pelo juiz competente.
O pró digo pode casar, porque a sua interdição acarreta apenas incapacidade para cuidar de seu patrimô nio,
sujeitandose, porém, à autorização do curador. O surdo-mudo somente poderá casar-se se receber educaçã o
adequada, que o habilite a enunciar a sua vontade (CC, art. 451).
Se o pai, tutor ou curador nã o autorizar o casamento, o interessado poderá requerer o suprimento judicial do
consentimento (CC, art. 188). Se o pedido for deferido, será expe dido alvará, á ser juntado no processo de
habilitação, e o casamento celebrado no regime da separação de bens (art. 258, pará grafo ú nico, IV). O art. 888,
IV do Có digo de Processo Civil permite ao juiz, como medida cautelar, determinar o afastamento do menor
autorizado a contrair matrimô nio.
O procedimento para o suprimento judicial do consentimento dos representantes legais é o previsto para a
jurisdição voluntá ria (CPC, arts. 1.103 e s.). Para viabilizar o pedido, ad mite-se que o menor pú bere outorgue
procuraçã o a advogado, sem assistência de seu representante legal, em razã o da evidente colidência de
interesses e por tratar-se de procedimento de jurisdição voluntá ria. Comumente, no entanto, o pró prio
representante do Ministério Pú blico encarrega-se de requerer ao juiz a nomeação de advogado dativo para o
menor. Da decisã o proferida pelo juiz cabe recurso de*apelação para a instâ ncia superior.
Como o art. 475 do Có digo de Processo Civil nã o incluiu tal situação nas hipó teses de reexame necessá rio, tal
recurso é o voluntá rio, com efeito suspensivo.

3.4. DECLARAÇÃO DE DUAS PESSOAS MAIORES, PARENTES OU ESTRANHOS, QUE ATESTEM CONHECER
OS NUBENTES E AFIRMEM NÃO EXISTIR IMPEDIMENTO

Destina-se a completar a identificaçã o dos contraentes e reforçar a prova da inexistência de impedimentos para
a realizaçã o do casamento.

3.5. CERTIDÃO DE ÓBITO DO CÔNJUGE FALECIDO, DA ANULAÇÃO DO CASAMENTO ANTERIOR OU DO


REGISTRO DE SENTENÇA DE DIVÓRCIO

O viú vo deve provar o seu estado com a certidã o de ó bito do cô njuge falecido. Se o assento do ó bito, entretanto,
nã ofoi lavrado porque o corpo desapareceu em naufrá gio, inundaçã o, incêndio, terremoto ou qualquer outra
catá strofe, tal certidã o pode ser substituída por sentença obtida em justificação judicial requerida perante juiz
togado. Permite-o, expressamente, o art. 88 da Lei dos Registros Pú blicos. Tal procedimento nã o se confunde
com a declaração de ausência de pessoas que deixam o seu domicílio sem dar notícia de seu paradeiro, porque
neste caso não se declara a morte do ausente, e o seu cô njuge não poderá casar-se, salvo se obtiver o divó rcio.
Nos casos de nulidade ou anulação do casamento, deverá ser juntada certidã o do trâ nsito em julgado da
sentença. Se um dos cô njuges for divorciado, nã o bastará a certidã o do trâ nsito em julgado da sentença que
decretou o divó rcio: será preciso juntar a do registro dessa sentença no Cartó rio do Registro Civil onde o
casamento se realizou, porque somente com esse registro produzirá efeitos (Lei n. 6.515/ 77, art. 32).

CAPÍTULO II
DOS IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS
4. INTRODUÇÃO

Os requisitos essenciais do casamento sã o diferença de sexo, consentimento e celebração na forma da lei.


Faltando qualquer deles, o casamento é inexistente. Porém, outros requisitos devem ser observados para a
validade e regularidade do casamento. Alguns visam evitar uniõ es que possam, de algum modo, ameaçar a
ordem pú blica. A sua inobservâ ncia fulmina de nulidade o ato. Outros objetivam impedir prejuízos aos nubentes.
A sua infraçã o torna o casamento anulável. E outros, ainda, visam obstar a realização de casamentos que possam
prejudicar interesses de terceiros. Não observados, o casamento é considerado irregular, mas nã o será
invalidado; apenas será imposta uma sançã o aos noivos, qual seja o casamento será considerado realizado no
regime da separaçã o de bens.
Esses fatos ou circunstâ ncias que obstam à realização de casamentos constituem os impedimentos
matrimoniais, em nú mero de dezesseis, assim classificados: absolutamente di rimentes ou dirimentes pú blicos
(CC, art. 183, I a VIII), cuja violação acarreta a nulidade do casamento (art. 207), por lesar a ordem pú blica;
relativamente dirimentes ou dirimentes privados (art. 183, IX a XII), cuja infraçã o torna-o anulável (art. 209),
por prejudicar interesses dos nubentes; proibitivos, meramente impedientes ou precautó rios (art. 183, XIII a
XVI), cuja inobservâ ncia nã o invalida o casamento, mas torna-o irregular, implicando penalidade para o infrator,
por prejudicar interesses de terceiros. Os doze primeiros sã o dirimentes porque invalidam o casamento. Os
quatro ú ltimos somente impedem a sua realização se opostos tempestivamente. Se o casamento, entretanto, já
se realizou, haverá apenas sançã o para o infrator. Não se deve confundir impedimento com incapacidade. O
incapaz nã o pode casar-se com nenhuma pessoa, porque há um obstá culo intransponível. É o
que acontece, por exem plo, com um menor de oito anos de idade. O impedido apenas nã o está legitimado a
casar com determinada pessoa (ex.: ascendente com descendente), mas pode fazê-lo com outra. É problema de
falta de legitimação.
O art. 183 do Có digo Civil, entretanto, confunde os dois institutos.

5. IMPEDIMENTOS ABSOLUTAMENTE DIRIMENTES

Tais impedimentos visam preservar a eugenia (pureza da raça) e a moral fà miliar, obstando a realizaçã o de
casamentos entre parentes consangü íneos por afinidade e adoçã o (CC, art. 183, I a V), a monogamia (art. 183,
VI), nã o permitindo o casamento de pessoas já casadas, e evitar uniõ es que têm raízes no crime (art. 183, VII e
VIII). Distribuem-se em três categorias, conforme a enumeraçã o do art. 183, I a VIII: a) impedimentos
resultantes do parentesco (incisos 1 a V), que se subdividem em impedimentos de consangü inidade (entre
ascendentes e descendentes e entre colaterais até o 3°- grau - incisos I e IV), impedimento de afinidade (que
abrange os afins em linha reta - inciso II), e os impedimentos de adoção (incisos III e V); b) impedimento
resultante de casamento anterior (inciso VI); c) impedimentos decorrentes de crime (incisos VII e VIII).

5.1. IMPEDIMENTOS RESULTANTES DO PARENTESCO (CONSANGÜINIDADE, AFINIDADE E ADOÇÃO)

a) Consangü inidade - Nã o podem casar: "I Os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco legítimo
ou ilegítimo, natural ou civil (...) IV - Os irmã os, legítimos ou ilegítimos, germanos ou nã o, e os colaterais,
legítimos ou ilegítimos, até o terceiro grau inclusive" (CC, art. 183, 1 e IV).
O Có digo Civil nã o admite nú pcias incestuosas. O casamento entre parentes consangü íneos pró ximos pode
provocar o nascimento de filhos defeituosos. O impedimento revela, pois, preocupaçã o de natureza eugênica.
Nã o importa se se trata de descendente havido do matrimô nio ou nã o. 0 impedimento resultante do parentesco
civil, que era o existente entre adotante e adotado, é justificado pelo fato de a adoção imitar a família. Inspira-
se, portanto, em razõ es de moralidade familiar irmãos sã o parentes colaterais em segundo grau porque
descendem de um tronco comum, e nã o um do outro, e porque a contagem é feita subindo de um deles até o
tronco comum (um grau) e descendo pela outra linha, até encontrar o outro irmã o (mais um grau). O
impedimento alcança os irmã os havidos ou nã o de casamento, sejam germanos (que têm os mesmos pais) ou
unilaterais. Estes podem ser irmã os somente por parte de mãe (uterinos) ou de pai (consangü íneos). Tios e
sobrinhos sã o colaterais de terceiro grau, impedidos também de casar. O Decreto-Lei n. 3.200/41 veio,
,entretanto, permitir tal casamento, desde que se submetam ao exame pré-nupcial (cuja realização, por dois
médicos nomeados pelo juiz, deve ser requerida no processo de habilitação) e o resultado seja-lhes favorá vel.
Primos podem casar-se, porque sã o colaterais de quarto grau.
b) Afinidade - Não podem casar: "II - os afins em linha reta, seja o vínculo legítimo ou ilegítimo" (CC, art. 183, 1I).
Parentesco por afinidade é o que liga um cô njuge aos pa rentes do outro (art. 334).
Resulta, pois, do casamento. A proibiçã o refere-se apenas à linha reta. Dissolvido o casamento que deu origem ao
aludido parentesco, o viú vo nã o pode casar-se com a enteada, nem com a sogra, porque a afinidade em linha
reta nã o se extingue com a dissoluçã o do casamento que a originou (art. 335). A afinidade na linha colateral não
constitui empecilho ao casamento. Assim, o cô njuge viú vo ou divorciado pode casar-se com a cunhada. Quando o
inciso se refere a vínculo legítimo ou ilegítimo, quer significar que o viú vo, por exemplo, nã o pode casar-se com a
enteada, seja esta filha legítima ou ilegítima de sua mãe. Nada impede, porém, o casamento entre o concubino e a
filha de sua ex-concubina, porque só o casamento gera a afinidade. c) Adoção - Nã o podem casar: "III - o adotante
com o cô njuge do adotado e o adotado com o cô njuge do adotante (...) V - o adotado com o filho superveniente ao
pai ou à mãe adotiva" (CC, art. 183, III e V). A razão é de ordem moral, considerando o respeito e a confiança que
devem reinar no seio da fanú lia. A adoção imita a família. Mesmo cessada a adoçã o civil, nos
casos dos arts. 373 e 374 do Có digo Civil (a plena ou estatutá ria, do ECA, é irrevogá vel), com a dissolução do
vínculo de parentesco, não desaparece o impedimento, malgrado algumas opiniõ es em contrá rio. No caso do
inciso V os contraentes encontram-se na posição de irmãos. Tem prevalecido, na doutrina, a corrente que
sustenta nã o haver impedimento para o casamento entre o adotado e o filho consangü íneo nascido antes da
adoção, ao fundamento de que preceitos restritivos de direito devem ser interpretados restritamente, nã o
podendo ser aplicados a situaçõ es nã o previstas expressamente. Outra corrente sustenta que casos símiles
devem ter a mesma soluçã o. Assim, é de se aplicar a analogia (ubi eadem ratio, ibi idem jus), argumentando-se
ainda que essa ú ltima hipó tese só nã o foi prevista porque ao tempo da promulgação do Có digo Civil a adoção só
era permitida a casais sem filhos, e a situaçã o era, pois, impossível de se configurar.

5.2. IMPEDIMENTO RESULTANTE DE CASAMENTO ANTERIOR

Nã o podem casar: "VI - as pessoas casadas" (CC, art. 183, VI). Procura-se, assim, combater a poligamia e
prestigiar a monogamia, sistema que vigora nos países em que domina a civilização cristã . O impedimento só
desaparece apó s a dissoluçã o do anterior vínculo matrimonial pela morte, anulaçã o ou divó rcio. O casamento
religioso anterior nã o constitui impedimento.

5.3. IMPEDIMENTOS DECORRENTES DE CRIME

Nã o podem casar: "VII - o cô njuge adú ltero com o seu co-réu, por tal condenado; VIII - o cô njuge sobrevivente
com o condenado como delinqü ente no homicídio, ou tenta tiva de homicídio, contra o seu consorte" (CC, art.
183, VII e VIII). Trata-se de impedimentunï criminis. No caso do inciso VII, se houve condenação criminal e
posterior divó rcio, nã o podem os adú lteros unir-se em matrimô nio. No inciso VIII, em razã o de ter sido utilizada
a palavra delinqü ente, somente o crime doloso cria o impedimento. No culposo nã o há a intenção de eliminar um
dos cô njuges para desposar o outro. Não se reclama que este outro seja conivente ou esteja conluiado com o
autor do conjugicidio, mas exige-se que tenha impedimento.

6. IMPEDIMENTOS RELATIVAMENTE DIRIMENTES

Como interessam mais aos nubentes do que à sociedade, a sua inobservâ ncia acarreta apenas a anulabilidade do
ato. Compreendem a coaçã o ou incapacidade, o rapto, a jàlta de consentimento e a idade nupcial.

6.1. COAÇÃO E INCAPACIDADE

O art. 183, IX, do Có digo Civil impede o casamento de "pessoas por qualquer motivo coactas e as incapazes de
consentir, ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento". O casamento deve ser , celebrado com total
liberdade. Por essa razã o, ao tratar da coaçã o no casamento, o legislador não foi tã o exigente como o foi ao tratar
da coaçã o nos negó cios jurídicos, para cuja caracterizaçã o impô s vá rios requisitos (cf. CC, art. 98). No casamento,
fala apenas em pessoas "por qualquer motivo coactas". O temor reverencial, que é o receio de desgostar os pais
ou os superiores, nã o tem gravidade suficiente para constituir coaçã o. O prazo para a propositura da ação
anulató ria é de dois anos, a contar da celebração (Dec.-Lei n. 4.529/42), e nã o mais de seis meses, a contar do
momento em que cessava a coação, como quando da entrada em vigor do Có digo Civil.
Os incapazes de consentir, impedidos de casar, são os loucos de todo o gênero (nã o se admitindo os chamados
"intervalos lú cidos) e os surdos-mudos que nã o puderem expri mir sua vontade. Nã o importa se existe
interdição ou nã o. Sendo evidente a alienaçã o mental, o impedimento existe, e o casamento porventura realizado
será anulável. Se existir interdiçã o, a existência ou nã o de impedimento dependerá do que dispuser a sentença,
porque há situaçõ es intermediá rias, em que o juiz fixa os limites da curatela e pode autorizar o casamento.

6.2. RAPTO

Nã o podem casar "o raptor com a raptada, enquanto esta nã o se ache fora do seu poder e em lugar seguro" (CC,
art. 183, X). O impedimento decorre da falta de liberdade para consentir, o que se presume mesmo que o rapto
seja consensual. Resulta tanto do rapto violento quanto do consensual (RT, 346:194), pois a lei nã o faz essa
distinçã o. O prazo para a propositura da açã o anulató ria é de dois anos, já que se trata de incapacidade para
consentir e aplica-se a regra do inciso anterior. Será vá lido o casamento se se realizar quando a noiva estiver em
lugar seguro, fora do poder do raptor.

6.3. FALTA DE CONSENTIMENTO

Nã o podem casar "os sujeitos.ao pá trio poder, tutela, ou curatela, enquanto nã o obtiverem, ou lhes nã o for
suprido o consentimento do pai, tutor, ou curador" (CC, art. 183, XI). A razão encontra-se no art. 84 do Có digo
Civil, que exige a intervençã o dos representantes legais para a prá tica de qualquer ato jurídico (v. n. 3.3,
"suprimento judicial de consentimento", retro). A ação anulató ria só pode ser proposta "pelas pessoas que
tinham o direito de consentir e nã o assistiram ao ato" (CC, art. 212). Se o assistiram sem impugná -lo, presume-se
que anuíram tacitamente. A açã o deve ser ajuizada no prazo de três meses, a contar do dia em que tiverem
ciência do casamento (art. 178, § 4-°, II). Se este nã o for anulado nesse prazo, será considerado celebrado no
regime da separaçã o de bens (art. 258, pará grafo ú nico, I), ainda que tenham escolhido outro regime. O mesmo
regime será imposto por lei se houver necessidade de suprimento judicial do consentimento (art. 258, pará grafo
ú nico, IV). Assim, os nubentes só poderão escolher o regime se obtiverem o consentimento de seus
representantes legais. Quanto ao pró digo, embora a interdiçã o somente o prive de praticar atos de alienação de
seu patrimô nio, podendo casar, justifica-se a necessidade de autorizaçã o do urador porque o casamento pode
acarretar alteração no patrimô nio dos cô njuges.
14
6.4. IDADE NUPCIAL

Nã o podem casar as mulheres menores de dezesseis anos e os homens menores de dezoito (CC, art. 183, XII). A
lei exigiu somente a idade mínima, nã o estabelecendo limite má ximo. A exceção ao limite mínimo encontra-se
no art. 214 do Có digo Civil (v. n. 3.1, retro), que permite o suprimento judicial de idade, realizando-se o
casamento, porém, no regime da separação de bens (art. 258, pará grafo ú nico, IV). Se o casamento se realizar
sem tal suprimento, será anulá vel. O prazo para anular tal casamento é de seis meses, a contar do dia em que o
menor perfez a referida idade mínima, se a ação for por ele movida, e da data do matrimô nio, quando o for por
seus representantes legais (arts. 213 e 216) ou pelos parentes designados no art. 190 (art. 178, § 5°-, II1). Por
defeito de idade, entretanto, nã o se anulará o casamento de que resultou gravidez (art. 215), nã o importando se
o defeito de idade é da noiva ou do noivo. Se o casamento nã o vier a ser anulado, prevalecerá o regime da
separaçã o de bens (art. 258, pará grafo ú nico, I), mesmo que tenham optado por outro regime.

7. IMPEDIMENTOS PROIBITIVOS OU MERAMENTE IMPEDIENTES


Nã o provocam, quando violados, a nulidade ou anulabilidade do casamento, que é apenas considerado irregular,
mas impõ em sançõ es para o infrator. Visam proteger interesses de terceiros, em geral da prole do leito anterior
(evitando a confusã o de patrimô nios e de sangue), ou do nubente influenciado pelo abuso de confiança ou de
autoridade exercido pelo outro
(tutela e curatela, juiz e escrivão).
15
7.1. CONFUSÃO DE PATRIMÔNIOS

Para evitá -la, nã o podem casar "o viú vo ou a viú va que tiver filho do cô njuge falecido, enquanto nã o fizer
inventá rio dos bens do casal (art. 225) e der partilha aos herdeiros" (CC, art. 183, XIII). Com a partilha, definem-
se os bens que comporã o o quinhã o dos filhos do casamento anterior, evitando a referida confusão. A remissã o
ao art. 225 diz respeito à perda do direito ao usufruto dos bens dos filhos do primeiro casamento. É o ú nico
impedimento impediente em que há dupla sançã o ao infrator: a perda do referido usufruto e a imposição do
regime da separaçã o de bens. Esta ú ltima é a ú nica sanção imposta nos outros três, impedimentos. O ó bice nã o
desaparece com o fato de haver sido iniciado o inventá rio. A lei exige mais: que haja partilha julgada por
sentença. Se o cô njuge falecido não tiver deixado algum filho, inexistirá o impedimento, assim como, ainda que
tenha deixado algum, se o casal não tiver bens a partilhar. Por essa razã o, admitem os juízes, embora nã o
prevista no Có digo de Processo Civil, a realização do inventá rio negativo, instruído com certidã o negativa de
bens, cuja ú nica finalidade é comprovar a inexistência do impedimento em questã o.

7.2. CONFUSÃO DE SANGUE ("TURBATIO SANGUINIS")

Nã o podem casar "a viú va, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até 10 (dez)
meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal, salvo se antes de findo esse prazo
der à luz algum filho" (CC, art. 183, XIV). Trata-se de impedimento imposto somente à mulher. O objetivo é evitar
dú vida sobre a paternidade (turbatio sanguinis). Nã o persiste o impedimento se nascer um filho antes de
escoado .esse prazo ou houver aborto, se se comprovar a inexistência de gravidez ou se esta for evidente quando
da viuvez ou da anulação do casamento. Igualmente, se o casamento anterior foi anulado por impotência coeundi
ou quando resulta evidente das circunstâ ncias a impossibilidade física de coabitação entre os cô njuges.

7.3. TUTELA E CURATELA

Nã o podem casar "o tutor ou curador e os seus descendentes, ascedentes, irmã os, cunhados ou sobrinhos, com a
pessoa tutelada ou curatelada, enquanto nã o cessar a tutela ou curatela, e nã o estiverem saldadas as respectivas
contas, salvo permissã o paterna ou materna manifestada em escrito autêntico ou em testamento" (CC, art. 183,
XV).
Trata-se de impedimento destinado a afastar a coação moral que possa ser exercida por pessoa que tem
ascendência e autoridade sobre o â nimo do incapaz. Perdura o impedimen to enquanto viger a tutela ou a
curatela e enquanto não pagas e quitadas as respectivas contas. Estas devem ser prestadas em juízo. A proibição,
entretanto, nã o é absoluta. Pode ser suprida mediante permissã o paterna ou materna, manifestada em escrito
autêntico ou em testamento.

7.4. JUIZ E ESCRIVÃO

Nã o podem, por fim, casar "o juiz, ou escrivã o e seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos,
com ó rfã o ou viú va, da circunscrição territorial onde um ou outro tiver exercício, salvo licença especial da
autoridade judiciá ria superior" (CC, art. 183, XVI). A razão da proibiçã o é, como no inciso anterior,
essencialmente ética. Objetiva evitar abusos de pessoas que, em razã o do cargo e interessadas na fortuna de
viú vas ou ó rfã os sob sua jurisdiçã o, possam influenciá -los para o casamento. O impedimento cessa por meio de
uma licença especial da autoridade superior e desaparece com a remoçã o ou promoçã o para outra comarca.
Aplica-se também à juiza e à escrivã , em face da isonomia constitucional, e restringe-se, nas comarcas de
diversas varas, àquela em que as referidas pessoas exercem as suas funçõ es.
Observaçõ es finais: não existem outros impedimentos matrimoniais. Anote-se que o art. 7°-, § 1°, da Lei de
Introduçã o ao Có digo Civil dispõ e que, "realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto
aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração".
Assim, quanto aos proibitivos ou impedientes, levar-se-á em conta o estatuto pessoal. Não se aplicará, por
exemplo, a sanção do art. 226 do Có digo Civil, que impõ e o regime da separaçã o de bens, a cô njuge estrangeiro,
em cuja lei nacional inexista semelhante penalidade.

8. OPOSIÇÃO DOS IMPEDIMENTOS

Os impedimentos devem ser opostos por escrito, e a oposiçã o instruída com as provas do fato alegado. Se nã o
puder fazê-lo, precisará o opoente o lugar onde existam, ou nomeará pelo menos duas testemunhas residentes
no município que atestem o impedimento. A habilitaçã o ou a celebração serão imediatamente suspensas e só
prosseguirã o depois do julgamento favorá vel aos nubentes (LRP, art. 67, § 5°-).
O Có digo Civil tratou conjuntamente dos doze impedimentos dirimentes, dando-lhes tratamento diferente dos
meramente impedientes. Os doze primeiros, tanto os absoluta mente como os relativamente dirimentes (CC, art.
183, I a XII), podem ser alegados até o instante da celebração do matrimô nio pelo oficial do registro civil, por
quem presidir à celebração do casamento ou por qualquer pessoa maior que, sob sua assinatura, apresente
declaraçã o escrita, instruída com as provas do fato que alegar (art. 189). Os meramente impedientes (art. 183,
XIII a XVI), porém, como interessam apenas à família, a lei restringe a legitimação para oposição aos parentes
pró ximos: aos em linha reta de um dos nubentes, sejam consangü íneos ou afins, e aos colaterais, em segundo
grau, sejam consangü íneos ou afins (art. 190). Nem mesmo o promotor pode alegá -los.
Entende Pontes de Miranda que se deve admitir também a oposiçã o do que fora casado com a mulher que quer
novamente se casar antes dos trezentos dias, em caso de nulidade ou anulaçã o de casamento, porque tal
impedimento (art. 183, XIV) tem por fim evitar a turbatio sanguinis (Tratado de direito de,fà mília, 3. ed., 1947, v.
1, § 25, n. 4). Podem ser opostos somente no prazo de quinze dias da publicaçã o dos proclamas (CC, art. 181, § 1-
°).

CAPÍTULO III
DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO
9. FORMALIDADES

O casamento é cercado de um verdadeiro ritual, com significativa incidência de normas de ordem pú blica. Os
nubentes, munidos da certidã o de habilitaçã o passada pelo escrivã o, devem entrar em contato com a autoridade
que presidirá a cerimô nia, requerendo a designaçã o do dia, hora e local de sua celebração. O local em geral é o
pró prio cartó rio onde se processou a habilitação, mas pode ser escolhido outro, como clubes, salõ es de festas,
templos religiosos, casa de um dos nubentes etc. É importante que as portas permaneçam abertas, a fim de
possibilitar a oposição de eventuais impedimentos por qualquer pessoa. No tocante à hora, pode ser realizado
durante o dia ou à noite, e em qualquer dia, inclusive aos domingos. A lei exige a presença de duas testemunhas,
pelo menos, que podem ser parentes ou nã o dos noivos. Se algum deles nã o souber escrever, colher-se-ã o as
impressõ es digitais, e o nú mero de testemunhas será aumentado para quatro (CC, art. 193), qualquer que seja o
local em que se realize o ato. Também será aumentado para quatro se o casamento se realizar à noite (art. 198).
Preleciona, com efeito, Cló vis Beviláqua: "Sendo porém a celebração à noite, as testemunhas serão sempre
quatro" (Có digo Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, 8. ed., obs. ao art. 198). A presença dos nubentes
deve ser simultâ nea.
A autoridade competente para celebrar casamentos, no Estado de Sã o Paulo, enquanto nã o criados os juizados
de paz mencionados na Constituição Federal e de cará ter eletivo (art. 98, 11, e 30 do ADCT), é o juiz de
casamentos do lugar em que se processou a habilitação. A lei de organizaçã o judiciá ria de cada Estado é que
designa a referida autoridade. Em alguns Estados chama-se juiz de paz; em outros, o pró prio juiz de direito é
incumbido desse mister. No Estado de São Paulo, a nomeaçã o do juiz de casamentos é feita pelo secretá rio da
Justiça, que é auxiliar do governador. Cada município e circunscriçã o territorial tem o seu juiz de casamentos e
dois suplentes. Trata-se de função nã o remunerada. Nas faltas ou nos impedimentos, tal autoridade será
substituída somente por um dos suplentes nomeados (CC, art. 198, § V). O oficial do registro civil, nesses casos,
será substituído por um escrivão ad hoc, nomeado pelo presidente do ato, o qual, nos casos de urgência e
ausência do livro de registros, lavrará termo avulso, que será levado ao registro no mais breve prazo possível (§
2°-).

10. CASAMENTO POR PROCURAÇÃO

O casamento pode ser celebrado mediante procuraçã o que outorgue poderes especiais ao mandatá rio para
receber, em nome do outorgante, o outro contraente (CC, art. 201), que deve ser nomeado e qualificado. Embora
seja conveniente a adoçã o do instrumento pú blico, a lei nã o faz tal exigência, podendo, pois, ser outorgada por
instrumento particular, com reconhecimento da firma do outorgante (art. 1.289 e seu § 3-°). Pode ser outorgada
tanto a homem como a mulher para representar qualquer um dos nubentes. Se ambos não puderem comparecer,
deverão nomear procuradores diversos. Como a procuraçã o é outorgada para o mandatá rio receber, em nome
do outorgante, o outro contraente, deduz-se que ambos nã o podem nomear o mesmo procurador, até porque há
a obrigaçã o legal de cada mandatá rio atuar em prol dos interesses de seu constituinte, e pode surgir algum
conflito de interesses.Revogada a procuração ou operada a caducidade pela morte superveniente do
representado, tem-se por inexistente, por falta de consentimento, o casamento celebrado na igno râ ncia de tais
circunstâ ncias por parte do mandatá rio ou do terceiro contraente. Não se aplica ao casamento o regime geral da
extinçã o do mandato quanto ao mandatá rio (CC, arts. 1.316, 1, 1 a parte, e 1.318) e a respeito do contraente de
boafé (art. 1.321), regime esse que mantém os efeitos da procuraçã o apó s a causa de extinçã o, quando desta nã o
tenha conhecimento o mandatá rio ou o terceiro contraente. O cará ter personalíssimo do casamento nã o admite
tal solução. O consentimento, nesse caso, deve ser o atual, e nã o o manifestado no momento da outorga da
procuraçã o, dada a necessidade de preservar-se íntegra a liberdade de
casar ou não até o momento da celebração.

11. MOMENTO DA CELEBRAÇÃO

A celebração do casamento obedece a formalidades essenciais (ad solemnitatem), que; se ausentes, tornarã o o
ato inexistente. A principal ocorre no momento em que o juiz pergunta aos nubentes, a um e apó s ao outro, se
persistem no propó sito de casar. A resposta, segundo o art. 194, deve ser pessoal e verbal, manifestada separada
e sucessivamente, mas pode ser dada por escrito (como no caso do mudo) ou por gestos. O importante é que o
consentimento seja inequívoco, por palavras, gestos ou escrito, podendo resumirse ao "sim". O silêncio, nesse
caso, nã o pode ser interpretado como manifestação de vontade. Nã o se admite também que o consentimento
seja subordinado a condição ou termo. O estrangeiro pode valer-se de intérprete, caso nã o entenda bem o
verná culo. A celebraçã o será imediatamente suspensa se algum dos contraentes recusar a solene
afirmaçã o da sua vontade, declarar que esta não é livre e espontâ nea ou manifestar-se arrependido (CC, art. 197,
1 a 111). O nubente que, por algum desses fatos, der causa à suspensã o do ato nã o será admitido a retratar-se no
mesmo dia (pará grafo ú nico), ainda que declare tratar-se de simples gracejo. A intençã o da lei é resguardar a
vontade do nubente contra qualquer interferência. Será nulo (nulidade virtual) o casamento se a retratação for
admitida no mesmo dia, por contrariar proibição expressa, constante de norma cogente (RF, 66:308).
Tendo os nubentes manifestado o consentimento de forma inequívoca, o juiz os declarará casados, proferindo as
seguintes palavras: "De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por
marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados" (CC, art. 194). Para uns, somente apó s essa declaração
pode-se afirmar que o casamento está realizado, pois nã o basta o consentimento manifestado pelos noivos.
Assim, para essa corrente, se um deles falecer apó s o duplo consentimento, mas antes do pronunciamento do
juiz, o outro permanecerá solteiro. Ambos permanecerão solteiros se falecer o pró prio juiz. Outros, no entanto,
sustentam que o casamento se aperfeiçoa com a manifestação de vontade dos nubentes, sendo o
pronunciamento do juiz meramente declarató rio. A presença deste seria fundamental, mas não sua declaração.
Lembram que, no casamento nuncupativo, o consentimento é manifestado perante seis testemunhas, por nã o
haver tempo para procurar o juiz ou algum de seus suplentes.
Na verdade, a declaração do celebrante é essencial, como expressã o do interesse do Estado na constituição da
família, bem como do ponto de vista formal, destinada a assegurar a legitimidade da formaçã o do vínculo
matrimonial e conferirlhe certeza. Sem ela, o casamento perante o nosso direito é inexistente. Pode-se afirmar,
pois, que ele só se tem por concluído com a solene declaraçã o do celebrante. Basta lembrar que a retrataçã o
superveniente de um dos nubentes, quando "manifestar-se arrependido" (CC, art. 197, 111) apó s o
consentimento e antes da referida declaração, acarreta a suspensã o da solenidade. Tal fato demonstra que o
casamento ainda nã o estava aperfeiçoado e que a manifestação de vontade dos nubentes só seria irretratá vel a
partir da declaração do celebrante.Logo depois de celebrado o casamento, lavrar-se-á assento no livro de
registro, com os elementos referidos nos arts. 195 do Có digo Civil e 173 da Lei dos Registros Pú blicos. Tal
assento destina-se a dar publicidade ao ato e, precipuamente, servir de prova de sua realizaçã o e do regime de
bens. A lavratura do assento constitui formalidade ad probationem, e nã o ad solemnitatem, pois ocorre depois
que o casamento já está concluído e aperfeiçoado. A sua falta apenas dificultará a prova do ato, mas nã o o
tornará ineficaz. Assim, a mulher deve assiná -lo com o nome de casada, se optou por adotar os apelidos do
marido.

CAPÍTULO IV
DAS PROVAS DO CASAMENTO
12. CERTIDÃO DO REGISTRO

Prescreve o art. 202 do Có digo Civil que o casamento celebrado no Brasil prova-se pela certidã o do registro
(certidã o de casamento), expedida com base nos dados constan tes do assento lavrado na data de sua celebraçã o
(art. 195). É o sistema da prova pré-constituída. Admite o aludido dispositivo, no entanto, no pará grafo ú nico,
que a prova pode ser produzida por outros meios, "justificada a falta ou perda do registro civil", como em caso
de incêndio do cartó rio, inundação, fraude, negligência do cartorá rio etc. Essa prova supletó ria faz-se, assim, em
duas fases: na primeira, provase o fato que ocasionou a perda ou a falta do registro; na segunda, se satisfató ria a
primeira, admitidas serão as outras, como testemunhas, registros em passaportes, certidã o de nascimento de
filhos etc. É a açã o declarató ria meio hábil para declarar a existência do casamento se perdido ou extraviado o
registro do matrimô nio, nã o se exigindo a restauração. Aduz o art. 205 que, "quando a prova da celebração legal
do casamento resultar de processo judicial, a inscriçã o da sentença no livro do registro civil produzirá , assim no
que toca aos cô njuges, como no que respeita aos filhos, todos efeitos civis desde a data do casamento".
Prova-se o casamento realizado fora do Brasil de acordo com a lei do país onde se celebrou (CC, art. 204). Trata-
se de aplicaçã o do princípio locus regit actum. O documento estran geiro deverá ser autenticado, segundo as leis
consulares, para produzir efeitos no Brasil. Exige-se-lhe a legalizaçã o pelo cô nsul brasileiro do lugar. Se, porém,
foi contraído perante agente consular, provar-se-á o casamento por certidã o do assento no registro do
consulado (art. 204, pará grafo ú nico). Se os cô njuges vierem para o Brasil, deverão providenciar o traslado do
assento do casamento nos cartó rios do 1° Ofício do domicílio do registrado, ou no 1°- Ofício do Distrito Federal,
em falta de domicílio conhecido (LRP, art. 32, § 1-°).

13. POSSE DO ESTADO DE CASADOS

É a situaçã o de duas pessoas que viveram como casadas (more uxorio) e assim eram consideradas por todos. Tal
situaçã o, em regra, nã o constitui meio de prova do casamento,a nã o ser excepcionalmente, em benefício da prole
comum (CC, art. 203) e nas hipó teses em que o casamento é impugnado, e a prova mostra-se dú bia, funcionando
neste ú ltimo caso como elemento favorá vel à sua existência (art. 206).
O art. 203 do Có digo Civil preceitua que o "casamento de pessoas que faleceram na posse do estado de casadas
nã o se pode contestar em prejuízo da prole comum, salvo me diante certidã o do registro civil, que prove que já
era casada alguma delas, quando contraiu o matrimô nio impugnado (art. 183, VI)". Tal situação somente poderá
ser alegada pelos filhos e se mortos ambos os cô njuges. É que, se um deles está vivo, deve indicar o local onde se
realizou o casamento, para que os filhos obtenham a certidã o. Tem-se admitido, entretanto, por analogia, a
invocaçã o da posse do estado de casados pelos filhos de pais ainda vivos, se perderam as faculdades mentais ou
foram declarados ausentes por sentença judicial. Os elementos que caracterizam a posse do estado de casados
são: a) nomen, indicativo de que a mulher usava o nome do marido; b) tractatus, de que se tratavam
publicamente como marido e mulher; c) fà ma, de que gozavam da reputaçã o de pessoas casadas.
A posse do estado de casados só poderá ser alegada em vida dos cô njuges quando o casamento for impugnado.
Neste caso, se houver dú vidas entre as provas pró e contra a ce lebração do casamento, dever-se-á admitir sua
existência (in dubio pro matrimonio) "se os cô njuges, cujo matrimô nio se impugna, viverem ou tiverem vivido
na posse do estado de casados" (CC, art. 206). Tal prova não se presta a convalescer vício que possa invalidar o
casamento, pois não diz respeito à validade, mas à existência do ato.

CAPÍTULO V
14. INTRODUÇÃO ESPÉCIES DE CASAMENTO

Podemos dizer que o casamento ou é vá lido ou ineficaz, utilizando-se esta palavra em sentido amplo, para
designar o ato que nã o produz seus efeitos. Ineficácia seria, entã o, gênero, de que são espécies a inexistê ncia, a
nulidade e a anulabilidade. Os casamentos putativo, nuncupativo e o religioso com efeitos civis, desde que
presentes os elementos essenciais e observados todos os requisitos legais, constituem formas vá lidas de uniõ es
conjugais regulamentadas na lei. O putativo, embora nulo ou anulá vel, produz efeitos de matrimô nio vá lido para
o cô njuge de boa-fé, e, por isso, nã o será incluído, neste trabalho, nos casos de casamento ineficaz.

15. CASAMENTO PUTATIVO

É o casamento que, embora nulo ou anulável, foi contraído de boa-fé por um ou ambos os cô njuges (CC, art. 221).
Boa-fé, no caso, significa ignorâ ncia da existência de impe dimentos dirimentes à união conjugal. O momento em
que se apura a existência da boa-fé é o da celebração do casamento, sendo irrelevante eventual conhecimento de
causa de invalidade posterior a ela. Como a boa-fé em geral se presume, cabe o ô nus da prova
da má-fé à parte que a alega. A ignorâ ncia da existência de impedimentos decorre de erro, que tanto pode ser de
fato (irmãos que ignoram a existência do parentesco) como de direito (tios e sobrinhos que ignoram a
necessidade do exame pré-nupcial). Embora o erro de direito seja inescusá vel, em geral, por força do art. 3°- da
Lei de Introduçã o ao Có digo Civil, pode ser invocado para justificar a boa-fé, sem que com isso se pretenda o
descumprimento da lei, pois o casamento será , de qualquer forma, declarado nulo.
Na sentença em que proclama a invalidade do casamento, o juiz declara a putatividade de ofício ou a
requerimento das partes. Se a sentença é omissa, a declaração pode ser obtida em embargos de declaração ou
em ação declarató ria autô noma. Nos casos de coação, nã o se poderia, a rigor, reconhecer a putatividade do
casamento, porque o coacto nã o ignora a existência da coação. No entanto, o senso ético-jurídico recomenda que
seja equiparado, no plano dos efeitos, ao cô njuge de boa-fé.
Os efèitos dessa espécie de casamento sã o todos os de um válido, para o cô njuge de boa-fé, produzidos até a data
da sentença que lhe ponha termo.
A eficácia da decisã o ma nifesta-se ex nunc, sem retroatividade, e nã o ex tunc, nã o afetando os direitos até entã o
adquiridos. Essa situaçã o faz com que o casamento putativo assemelhe-se à dissoluçã o do matrimô nio pelo
divó rcio. Os efeitos do casamento cessam para o futuro, sendo considerados produzidos todos os que se tenham
verificado até a data da sentença que lhe ponha fim.
Quanto aos cô njuges, os efeitos pessoais sã o os de qualquer casamento válido. Findam, entretanto, na data do
trâ nsito em julgado. Cessam, assim, os deveres matrimoniais im postos no art. 231 do Có digo Civil, mas nã o,
porém, aqueles efeitos que geram situaçõ es ou estados que tenham por pressuposto a inalterabilidade, como a
maioridade, que fica antecipada pela emancipaçã o do cô njuge inocente de modo irreversível. Produzem-se todos
os efeitos do regime de bens, operando-se a dissolução da eventual comunhão pelas mesmas regras previstas
para a separação judicial. Se somente um dos cô njuges estava de boa-fé, adquirirá meação nos bens levados ao
casamento pelo outro, se convencionada a comunhão, mantendo-se para o futuro tal efeito já produzido por
ocasião da celebraçã o. Dispõ e o art. 232 do Có digo Civil que, "quando o casamento for anulado por culpa de um
dos cô njuges, este incorrerá : 1 - na perda de todas as vantagens havidas do cô njuge inocente; 11 - na obrigaçã o
de cumprir as promessas, que lhe fez, no contrato antenupcial". Ao casamento inexistente nã o se aplicam as
regras sobre o casamento putativo, restritas ao nulo e ao anulá vel.
No tocante aos alimentos, há divergências a respeito da existência ou não de efeitos para o futuro. Os pagos
antes do trâ nsito em julgado da sentença sã o irrepetíveis. Para uma corrente, não são mais devidos os alimentos
para o ,futuro, porque as partes não sã o mais cô njuges.
Entretanto, tem prevalecido o entendimento de que o cô njuge culpado nã o pode furtar-se ao seu pagamento, se
o inocente deles necessitar. A putatividade "consiste em assegurar ao cô njuge de boa-fé os efeitos do casamento
vá lido, e entre estes se encontra o direito a alimentos, sem limitação do tempo" (STF, por maioria, RTJ, 89:495).
Se um dos cô njuges fà lecer antes da anulação, o sobrevivente inocente figurará no rol dos herdeiros (CC, art.
1.603, 111), se inexistirem descendentes ou ascendentes, além de receber a sua meação, se o regime de bens
adotado o permitir.
Em relaçã o aos filhos, o art. 14, pará grafo ú nico, da Lei do Divó rcio veio corrigir a falha existente no pará grafo
ú nico do art. 221 do Có digo Civil. Prescreve, com efeito, o dispositi vo da Lei n. 6.515/77 que, mesmo nenhum
dos cô njuges estando de boa-fé ao contrair o matrimô nio, seus efeitos civis aproveitarã o aos filhos comuns
(serã o considerados legítimos). Como a Constituição Federal não permite mais qualquer distinçã o, quanto aos
direitos e até mesmo quanto à designaçã o, entre os filhos, havidos ou não do casamento, a questão em epígrafe
perdeu a importâ ncia que tinha anteriormente.

16. CASAMENTO NUNCUPATIVO E EM CASO DE MOLÉSTIA GRAVE

O Có digo Civil abre duas exceçõ es quanto à s formalidades para a validade do casamento. A primeira, em caso de
moléstia grave de um dos nubentes (art. 198); a segunda, na hipó tese de estar um deles em iminente risco de
vida (arts. 199 e 200). Na primeira situação, pressupõ e-se que tenha sido expedida a certidã o de habilitaçã o ao
casamento, mas a gravidade do estado de saú de de um dos nubentes impede-o de locomover-se e de adiar a
cerimô nia. Neste caso, o juiz irá celebrá-lo em sua casa ou onde estiver (no hospital, p. ex.), em companhia do
oficial, mesmo à noite. Durante o dia, bastam duas testemunhas; à noite, o nú mero exigido aumenta para quatro.
Só em havendo urgência e que o casamento será realizado à noite.
A segunda hipó tese é a de casamento em iminente risco de vida, quando se permite a dispensa do processo de
habilitação e até a presença do celebrante. Trata-se do casamento in extremis vitae momentis, nuncupativo (de
viva voz) ou in articulo mortis. Em razã o da extrema urgência, quando nã o seja possível obter a presença do juiz
ou de seus suplentes, e ainda do oficial, os contraentes poderã o celebrar o casamento na presença de seis
testemunhas. Embora o art. 199, pará grafo ú nico, do Có digo Civil afirme que as testemunhas nã o podem ter
parentesco em linha reta, ou na colateral em segundo grau, com os nubentes, o art. 76 da Lei dos Registros
Pú blicos, que lhe é posterior e regulou inteiramente o casamento celebrado em iminente risco de vida, nã o
contém essa restriçã o.
Bastará que os contraentes manifestem o propó sito de casar e, de viva voz, recebam um ao outro por marido e
mulher, na presença das seis testemunhas. Estas devem comparecer, dentro de cinco dias, perante a autoridade
judiciá ria mais pró xima a fim de que sejam reduzidas a termo as suas declaraçõ es, pelo processo das
justificaçõ es avulsas. Se nã o comparecerem espontaneamente, poderá qualquer interessado requerer a sua
notificaçã o. Deverã o declarar: " 1-que foram convocadas mas em seu juízo; 111 - que em sua presença
declararam os contraentes livre e espontaneamente receber-se por marido e mulher" (CC, art. 200). O juiz, se
nã o for o competente, encaminhará as declaraçõ es, depois de autuadas, à autoridade judiciá ria que o for. Esta
determinará providências para verificar a inexistência de impedimentos, antes de proferir a sentença, da qual
caberá apelação em ambos os efeitos.
Transitada em julgado, o juiz mandará registrá -la no Livro de Casamentos, retroagindo os efeitos, quanto ao
estado dos cô njuges, à data da celebração, e, quanto aos filhos comuns, à data do nascimento (LRP, art. 76, e CC,
art. 200).Serã o dispensadas tais formalidades se o enfermo convalescer e puder ratificar o casamento em
presença da autoridade competente e do oficial do registro. Nã o se trata de novo casamento, mas de confirmaçã o
do já realizado. Essa ratificaçã o faz-se por termo no Livro de Casamentos, devendo vir assinada também pelo
outro cô njuge e por duas testemunhas. Antes da lavratura do termo, exigem-se os documentos do art. 180 do
Có digo Civil e a certidã o do art. 181, § 1 °, comprobató ria da inexistência de impedimentos. Se, porém, o
restabelecimento ocorrer apó s já efetuado o registro, não se faz necessá ria a ratificação.

17. CASAMENTO RELIGIOSO COM EFEITOS CIVIS

Pode ser de duas espécies: a) com prévia habilitação; b) com habilitação posterior (arts. 71 a 75 da LRP). Em
ambas, portanto, exige-se o processo de habilitação. Somentea celebração é feita pela autoridade religiosa, da
religiã o professada pelos nubentes. A Constituição Federal assegura a todos o direito de credo. Na primeira
hipó tese, processada a habilitação, será ele apresentado ao ministro religioso, que o arquivará .
Celebrado o casamento, qualquer interessado deverá providenciar a inscriçã o no registro civil, no prazo de
trinta dias. Tal prazo, contado da celebração, é decadencial, e, se esgotado, ficarão sem efeito os atos já
praticados. Os nubentes terã o de se habilitar novamente e cumprir todas as formalidades legais, se desejarem
realmente casar. O falecimento de um dos nubentes, desde que o pedido seja encaminhado dentro do referido
prazo, nã o constituirá obstáculo ao registro, posto que realizado validamente.
No segundo caso, celebrado o casamento religioso, os nubentes requererã o o registro, instruindo o pedido com
certidã o do ato religioso e com os documentos exigidos pelo art. 180 do Có digo Civil. Processada a habilitaçã o e
certificada a inexistência de impedimento, o oficial fará o registro do casamento religioso, lavrando o assento. O
registro produzirá efeitos jurídicos a contar da celebraçã o do casamento (LRP, art. 75).

18. CASAMENTO INEFICAZ ("LATO SENSU")

Casamento ineficaz, como já foi dito, é o que nã o produz os seus efeitos.


Em sentido amplo, a expressã o "ineficácia", como gênero, abrange as seguintes espécies: casamento inexistente,
nulo e anulável.

18.1. CASAMENTO INEXISTENTE

Para que o casamento exista, é necessá ria a presença dos elementos chamados de essenciais: diferença de sexo,
consentimento e celebração na forma da lei. Para que seja válido, outros requisitos são exigidos. O casamento
pode existir, mas não ser vá lido.
A teoria do ato inexistente é, hoje, admitida em nosso direito, malgrado o Có digo Civil a ele nã o se refira, por
tratar-se de mero fato, insuscetível de produzir efeitos jurídicos. Há apenas a aparência de um casamento, sendo
implícita a necessidade da presença dos referidos elementos essenciais. A teoria foi concebida no século XIX
para contornar, em matéria de casamento, o princípio de que não há nulidade sem texto legal (pas de nullité
sans texte), pois as hipó teses de identidade de sexo, falta de consentimento e ausência de celebração nã o
costumam constar dos diplomas legais. Em razã o de o ato inexistente constituir um nada no mundo jurídico, nã o
reclama ação pró pria para combatê-lo. No entanto, se, apesar da identidade de sexos, ignorada do celebrante,
houver celebraçã o e lavratura do assento, farse-á necessá ria a propositura de açã o para cancelamento do
registro. Será imprescindível também a propositura de açã o se for exigida produção de provas do fato alegado,
como na hipó tese de ausência de consentimento. Admite-se o reconhecimento da inexistência a qualquer tempo,
nã o estando sujeito a prescrição ou decadência.
Se o casamento, como fato, inexiste, não pode ser declarado putativo. Não se deve confundir a falta de
consentimento (procuraçã o sem poderes especiais, ausência de resposta à indagação do juiz, p. ex.) com o
consentimento viciado, como acontece quando há coação. Neste caso, o casamento existe, mas não é válido
(anulável). Também nã o há que se confundir falta de celebraçã o com celebraçã o feita por autoridade
incompetente ratione loci, que o torna também existente, mas inválido (nulo, nos termos do art. 208 do CC). Será
inexistente quando o celebrante nã o for juiz de casamentos, ou seja, quando a incompetência for absoluta, em
razão da matéria.

18.2. CASAMENTO INVÁLIDO

Pode ser nulo ou anulá vel, dependendo do grau de imperfeição (inobservâ ncia dos requisitos de validade
exigidos na lei). A teoria das nulidades apresenta algumas exceçõ es em matéria de casamento. Assim; embora a
nulidade em geral nã o possa ser sanada, nem se sujeite a prescriçã o ou a qualquer prazo decadencial, o art. 208
do Có digo Civil proclama que a decorrente da incompetência ratione loci do celebrante será sanada, se nã o for
alegada dentro do prazo decadencial de dois anos, a contar da celebração. Malgrado os atos nulos em geral nã o
produzam efeitos, há uma espécie de casamento, o putativo, que produz todos os efeitos de um casamento válido
para o cô njuge de boa-fé. E, também, embora o juiz deva pronunciar de ofício a nulidade dos atos jurídicos em
geral (art. 146, pará grafo ú nico), a nulidade do casamento somente poderá ser proclamada em ação ordiná ria, na
qual será nomeado curador que o defenda (art. 222), nã o podendo, pois, ser proclamada de ofício. Desse modo,
enquanto nã o declarado nulo por decisão judicial transitada em julgado, o casamento existe e produz efeitos,
incidindo todas as regras sobre efeitos do casamento (deveres dos cô njuges, regimes de bens).
Quando o casamento é nulo, a ação adequada é a declarató ria de nulidade.
Os efeitos da sentença são ex tunc, retroagindo à data da celebraçã o. A anulabilidade reclama a propositura de
ação anulató ria, em que a sentença produz efeitos somente a partir de sua prolaçã o, nã o retroagindo (ex nunc).
A irretroatividade dos efeitos da sentença anulató ria é sustentada por Orlando Gomes, Maria Helena Diniz,
Carlos Alberto Bittar, dentre outros. Pontes de Miranda, entretanto, afirma que a anulaçã o do casamento
"produz efeitos iguais à decretação da nulidade, salvo onde a lei civil abriu explícita exceçã o" (Tratado de direito
privado, v. 8, § 823, n. 1, p. 7). Assim, ficam como nã o ocorridos os efeitos que de um casamento vá lido
decorreriam. Tal como o nulo, nã o há o efeito de antecipaçã o da maioridade pela emancipaçã o, salvo caso de
putatividade. Nesse mesmo sentido, manifestam-se Cló vis Bevilá qua, Antunes Varela, José Lamartine Corrêa de
Oliveira, dentre outros.
Ambas são açõ es de estado e versam sobre direitos indisponíveis. Em conseqü ência: a) é obrigató ria a
intervenção do Ministério Pú blico, como fiscal da lei (CPC, arts. 82 a 84); b) nã o se operam os efeitos da revelia
(CPC, art. 320, 11), não se presumindo verdadeiros os fatos nã o contestados; c) é obrigató ria a participaçã o do
curador do vínculo (CC, art. 222), que é um advogado nomeado pelo juiz, com a função de defender o vínculo
matrimonial (embora entendam alguns, hodiernamente, que o referido curador não deva violar a sua
consciência, para opinar contra a anulaçã o do matrimô nio, quando a sua convicçã o for em sentido oposto, tem
predominado na jurisprudência a exegese tradicional e literal, segundo a qual a falta do curador, ou a de defesa
do vínculo, acarreta a nulidade do processo, salvo na hipó tese de comprovada bigamia, pois nesse caso estaria
propugnando contra a ordem moral e o interesse social: RT, 642:112); d) nã o existe o ô nus da impugnação
especificada (CPC, art. 302), nã o se presumindo verdadeiros os fatos não impugnados especificamente; e) a
sentença, seja a declarató ria de nulidade ou a anulató ria, está sujeita ao duplo grau de jurisdiçã o (reexame
necessá rio ou recurso ex officio), conforme exige o art. 475, 1, do Có digo de Processo Civil.
O prazo para a propositura dessas açõ es é decadencial. A pré-dissoluçã o do casamento por morte de um dos
cô njuges ou pelo divó rcio não exclui a possibilidade de existir le gítimo interesse que justifique a propositura da
ação declarató ria de nulidade. Tem-se interpretado a restrição inserida na parte final do pará grafo ú nico, II, do
art. 208 do Có digo Civil como imposta somente ao Ministério Pú blico, que nã o pode propor a açã o, se um dos
cô njuges já faleceu, por inexistir interesse da sociedade na dissolução do vínculo. O cô njuge sobrevivente,
entretanto, pode ter legítimo interesse na propositura da ação de nulidade, por desejar excluir, por exemplo, os
efeitos do regime de bens, o direito ao nome, o dever de pagamento de pensã o etc.

18.2.1. CASAMENTO NULO

Em dois dispositivos o Có digo Civil considera nulo o casamento: no art. 207, que se refere à infringência de
impedimento absolutamente dirimente (art. 183, 1 a VIII), e no art. 208, por incompetência do celebrante.
Neste ú ltimo caso, a lei nã o distingue se se trata de incompetência em razão do lugar ou da matéria. Predomina
na doutrina, entretanto, a opiniã o de Pontes de Miranda de que somente acarreta a nulidade a incompetência
ratione loci ou ratione personarum (quando o celebrante preside a cerimô nia nupcial fora do territó rio de sua
circunscrição ou o casamento é celebrado perante juiz que nã o seja o do local da residência dos noivos). Se,
porém, o presidente nã o é autoridade competente ratione materiae (nã o é juiz de casamentos, mas juiz de
direito, promotor de justiça, delegado de polícia), o casamento nã o é nulo, mas inexistente. O prazo de dois anos,
para ser sanada a nulidade, previsto no art. 208, só se aplica aos casos de nulidade, uma vez que nã o é possível
sanar a inexistência.
A declaração de nulidade proclama, retroativamente, jamais ter existido casamento válido. Por isso diz-se que,
em princípio, a nulidade produz efeitos ex tunc. Desde a ceie bração o casamento nã o produzirá efeitos.
Assim, os bens que se haviam comunicado pelo casamento retornam ao antigo dono e nã o se cumpre o pacto
antenupcial. O casamento nulo, entretanto, aproveita aos filhos (Lei n. 6.515/73, art. 14, pará grafo ú nico), e a
paternidade é certa. Se reconhecida a boafé de um ou de ambos os cô njuges, ele será putativo e produzirá efeitos
de casamento vá lido ao cô njuge de boa-fé até a data da sentença. A mulher, no entanto, ficará impedida de se
casar novamente, até dez meses apó s a sentença, salvo se der à luz algum filho. Deve-se lembrar que, enquanto
nã o declarado nulo por decisã o judicial transitada em julgado, o casamento existe e produz todos os efeitos,
especialmente quanto aos deveres conjugais e ao regime de bens.
No tocante à legitimidade para a propositura da ação, o pará grafo ú nico do art. 208 do Có digo Civil, que trata da
nulidade por incompetência do celebrante, restringe-a a "qual quer interessado" (inciso I) e ao "Ministé rio
Pú blico, salvo se já houver falecido algum dos cô njuges" (inciso II). Qualquer pessoa maior pode opor os
impedimentos cuja violação acarrete a nulidade do casamento, mas a ação declarató ria de nulidade é permitida
somente a quem tenha legítimo interesse, econô mico ou moral, e ao Ministério Pú blico. Podem alegar interesse
moral os pró prios cô njuges, ascendentes, descendentes, irmãos, cunhados e o primeiro cô njuge do bígamo. Têm
interesse econô mico os filhos do leito anterior, os colaterais sucessíveis, os credores dos cô njuges e os
adquirentes de seus bens, bem como a concubina ou companheira. Entendem os doutrinadores em geral que o
disposto no pará grafo ú nico do art. 208 aplica-se também aos casos de nulidade por infringência de
impedimento absolutamente dirimente (art. 207).

18.2.2. CASAMENTO ANULÁVEL

Também em dois dispositivos o Có digo Civil expressamente declara anulável o casamento: no art. 209, quando
celebrado com infringência de impedimento relativamente di rimente (art. 183, IX a XII), e no art. 218, quando
viciado por erro essencial sobre a pessoa do outro cô njuge.O casamento anulável produz todos os efeitos
enquanto não anulado por decisão judicial transitada em julgado. Até entã o tem validade resolú vel, que se
tornará definitiva se de correr o prazo decadencial sem que tenha sido ajuizada ação anulató ria. Porém, a
sentença que anula o casamento tem efeitos retroativos, considerando-se os cô njuges como se jamais o tivessem
contraído. Produz efeitos iguais à decretaçã o da nulidade, desfazendo o matrimô nio como se nunca houvesse
existido, salvo caso de putatividade. Há , entretanto, uma corrente que sustenta ser ex nunc os efeitos da
sentença anulató ria, como vimos no n. 18.2, retro. A legitimidade ativa para a propositura da açã o anulató ria é
reservada exclusivamente à s partes diretamente interessadas no ato. Os prazos, todos decadenciais, em geral
são breves.
18.2.2.1. Infração de impedimento relativamente dirimente

Na hipó tese de casamento contraído por pessoa coacta, ou raptada (sendo esta equiparada à quela, malgrado a
omissã o da lei), a ação só pode ser promovida pelo pró prio coacto, pela raptada ou por seus representantes
legais (CC, art. 210), no prazo de dois anos, a contar da celebração (Dec.-Lei n. 4.529/42, que revogou o inciso 1
do § 5-° do art. 178). No caso do incapaz de consentir, como o louco e o surdo-mudo sem a devida educação, a
ação só pode ser promovida pelo pró prio incapaz, por seu representante legal ou por seus herdeiros, no prazo
de seis meses (CC, art. 178, § 5°-,11). O prazo ,para o incapaz, é contado da data em que cessar a incapacidade,
mas, para o seu representante legal, a partir do dia do casamento. Se este nã o ajuizar a açã o anulató ria, o incapaz
poderá ratificá-lo expressamente quando adquirir a necessá ria capacidade, sendo que esta ratificação
retrotrairá os seus efeitos à data da celebração (art. 211), podendo tal ratificaçã o resultar implícita da fluência
do prazo decadencial sem a propositura da açã o. A ratificaçã o pressupõ e que nã o tenha havido anulação
promovida pelo representante legal, pois nã o se pode ratificar o que já foi anulado.
No caso de falta de autorização dos pais ou representantes legais, a ação só pode ser proposta pelas pessoas que
tinham o direito de consentir, ou seja, pai, tutor, curador, desde que nã o tenham assistido ao ato (CC, art. 212),
no prazo de três meses, contado do dia em que tiverem ciência do casamento. Havendo defeito de idade, no
casamento da menor de dezesseis e do menor de dezoito anos, a ação pode ser proposta pelo pró prio cô njuge
menor, mesmo sem assistência ou representação, pelos seus representantes legais, e pelos parentes em linha
reta, consangü íneos ou afins, irmã os e cunhados (art. 213), no prazo de seis meses, contado da data da
celebração, para os representantes legais dos menores, e, para estes, da data em que atingirem a referida idade
mínima (art. 178, § 5-°, 111). Se o representante legal do menor consentiu no casamento, mesmo assim pode
propor a ação de anulaçã o por defeito de idade, porque podia ter ignorado a verdadeira idade do menor
representado e também porque a falta de idade nada tem que ver com a apreciação da conveniência do
casamento. Podem, entretanto, casar-se os menores para evitar a imposição ou o cumprimento de pena criminal,
quando a mulher é vítima de crime contra os costumes, mediante suprimento judicial de idade (art. 214).
Neste caso, o juiz poderá ordenar a separação de corpos até que os cô njuges alcancem a idade legal (pará grafo
ú nico). Prescreve o art. 215 que nã o se anulará casamento por defeito de idade se sobrevier gravidez, nã o
importando se este é da mulher ou do homem. A maternidade superveniente exclui, assim, a anulaçã o (nã o por
outros defeitos, como a falta de consentimento paterno), ainda que se manifeste depois de ajuizada a açã o. Se
esta foi ajuizada pelos parentes pró ximos ou pelo representante legal do menor (art. 213, 11 e 111), poderá este
ratificar o casamento ao perfazer a idade mínima, com efeito retroativo, desde que ainda nã o tenha transitado
em julgado a sentença anulató ria. Neste caso, a açã o será extinta, e a ú nica conseqü ência será a subsistência do
regime da separaçã o de bens (art. 216). Nessa hipó tese, em que o fundamento da ação é somente o defeito de
idade, os nubentes ficam dispensados do consentimento de seus representantes, pressupondo-se que já o
tenham dado quando da celebraçã o, expressa ou tacitamente. Se, entretanto, o casamento foi anulado por defeito
de idade, nada impede venham a casar-se novamente os menores, ao atingirem a idade exigida pela lei.
18.2.2.2. Erro essencial sobre a pessoa do outro cô njugeO art. 218 do Có digo Civil permite a anulação do
casamento por erro essencial quanto à pessoa (error in persona) do outro cô njuge. O legislador, porém, nã o
deixou ao juiz a decisã o sobre quais os fatos que podem ser considerados erro essencial capaz de ensejar a
anulação. As hipó teses vêm especificadas no art. 219, cujo rol é taxativo, como segue.
a) Erro sobre a identidade do outro cô njuge, sua honra e boa fà ma (inciso 1) - A identidade pode ser de duas
espécies: física e civil. No erro sobre a identidade física ocor re o casamento com pessoa diversa, por
substituição ignora da pelo outro cô njuge. É hipó tese rara. Mais comum é o erro sobre a identidade civil do outro
cô njuge, sua honra e boa fama. Identidade civil é o conjunto de atributos ou qualidades com que a pessoa se
apresenta no meio social. Algumas pessoas são tidas como trabalhadoras, honestas, probas; outras, porém, como
inidô neas, desqualificadas etc. Ao mencionar também a honra e a boa fama, cogitou o Có digo, especialmente, das
qualidades morais do indivíduo. Honrada é a pessoa digna, que pauta a sua vida pelos ditames da moral. Boa
fama é o conceito e a estima social de que a pessoa goza, por proceder corretamente. Como exemplos de erro
sobre a honra e a boa fama do outro cô njuge podem ser citados o do homem que, sem o saber, desposa uma
prostituta, bem como o da mulher que descobre, somente apó s o casamento, que o marido se entrega a prá ticas
homossexuais.
Dois sã o os requisitos para que a invocaçã o do erro essencial possa ser admitida: a) que o defeito, ignorado por
um dos cô njuges, preexista ao casamento; b) que a descoberta da circunstâ ncia, apó s o matrimô nio, torne
insuportá vel a vida em comum para o cô njuge enganado. Malgrado tais requisitos constem somente do inciso 1
do art. 219, aplicam-se também aos fatos mencionados nos demais, pois, se o erro nã o acarreta maiores
conseqü ências na pessoa do outro cô njuge (nã o torna insuportá vel a vida em comum), deixa de constituir causa
de anulaçã o. A apreciaçã o far-se-á em cada caso, tendo em vista as condiçõ es subjetivas do cô njuge enganado e
outras circunstâ ncias que evidenciem a insuportabilidade da vida em comum apó s a descoberta do defeito.
b) Ignorâ ncia de crime inafiançá vel - Caracteriza-se o erro, neste caso, quando o crime seja inafiançá vel, tenha
ocorrido antes do casamento, a sentença condenató ria tenha transitado em julgado, e o outro cô njuge ignore a
existência do crime (CC, art. 219, II). A inafiançabilidade deve existir ao tempo da celebraçã o, pouco importando
que, posteriormente, o crime deixe de ser inafiançá vel. O crime deve ter sido praticado antes do casamento, mas
a sentença pode darse depois. Em nosso direito só o crime precisa ser anterior ao casamento, nã o necessitando
sê-lo, porém, o trâ nsito em julgado da condenaçã o, nem a pró pria condenaçã o, mas esta transitada em julgado
atua como verdadeira condiçã o da açã o anulató ria e deve existir, portanto, por ocasiã o de seu ajuizamento. Só
assim nã o paira nenhuma dú vida sobre a existência e autoria do crime atribuído ao cô njuge. Embora o fato típico
previsto no inciso II seja a prá tica de crime inafiançá vel, nada impede que, em determinados casos, a prá tica de
delito afiançável (como, p. ex., ato obsceno), anterior ao casamento e ignorada do outro cô njuge, configure erro
quanto a honra e boa fama, enquadrado no inciso 1.
c) Defeito físico irremediá vel e moléstia grave - Defeito físico irremediá vel (inciso III) é o que impede a
realizaçã o dos fins matrimoniais. Em geral, apresenta-se como uma de formação dos ó rgã os genitais que obsta à
prá tica do ato sexual. A impotência também o caracteriza, mas somente a coeundi ou instrumental. A
esterilidade ou a impotência generandi (do homem, para gerar filhos) e concipiendi (da mulher, para conceber)
nã o constituem causas para a anulaçã o. Moléstia grave, para caracterizar o defeito, deve ser transmissível por
contá gio ou herança, capaz de pô r em risco a saú de do outro cô njuge ou de sua descendência, e anterior ao
casamento. O melhor exemplo é a AIDS, mas são incluídas também as doenças mentais, como esquizofrenia,
oligofrenia, paranó ia, epilepsia etc. Nã o se exige que a moléstia, física ou mental, seja incurá vel. Importa que seja
grave e capaz de contagiar ou de transmitir-se aos descendentes.
d) Defloramento da mulher ignorado pelo marido ("error virginitatis") - A hipó tese, denominada por alguns
adultério precoce, exigia a propositura da ação anulató ria no exíguo prazo decadencial de dez dias pelo cô njuge
enganado. Nã o se exigia a prova do mau comportamento da mulher, bastando a do desvirginamento anterior,
mesmo que a mulher houvesse sido vítima de estupro, supondo-se que o marido nã o a desposaria, se a soubesse
deflorada. O Có digo Civil brasileiro tem sido criticado por incluir, no rol das causas de anulaçã o do casamento
por erro essencial, semelhante motivo, considerado retró grado e injusto, nã o mantido no projeto de
reforma (Projeto de Lei n. 634/75), em tramitação no Congresso Nacional.
Pode-se afirmar agora, em face da isonomia jurídica entre o homem e a mulher, proclamada na atual
Constituiçã o Federal, incluindo a igualdade de tratamento quanto aos direitos e deveres, que nã o mais subsiste
tal tratamento diferenciado à mulher, estando revogado tacitamente o inciso IV do art. 219 do Có digo Civil (cf.
RF, 327:204).

19. CASAMENTO IRREGULAR

O casamento contraído com infração dos impedimentos proibitivos ou meramente impedientes (CC, art. 183,
XIII a XVI) nã o é nulo nem anulá vel, mas irregular, acarretando sançõ es ao infrator, especificadas nos arts. 225 e
226. O viú vo ou a viú va, com filhos do cô njuge falecido, que se casar antes de fazer inventá rio e dar partilha aos
herdeiros (inciso XIII) perderá o usufruto dos bens dos filhos, passando a segunda nú pcia pelo regime da
separaçã o de bens, e nã o podendo o cô njuge infrator fazer doaçõ es ao outro. Nos demais casos, nã o ocorre
apenas a perda do usufruto para o infrator, aplicando-se também as demais sançõ es. Os arts. 227 e 228
estabelecem multas para o oficial do registro e o juiz de casamentos, por infraçõ es a deveres de ofício, cabendo
aos interessados e ao Ministério Pú blico promover a sua aplicação.

CAPÍTULO VI
EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO
20. DISPOSIÇÕES GERAIS

O primeiro e principal efeito'do casamento é a constituição da família legítima, que é o modelo adotado pelo
Có digo Civil (art. 229). Ela é a base da sociedade, conforme estatui o art. 226 da Constituição Federal, que
reconhece também a uniã o está vel como entidade familiar. Só o casamento, porém, cria a família legítima. O
segundo efeito, mencionado também no art. 229, é a legitimaçã o dos filhos comuns, nascidos ou concebidos
antes do casamento. O instituto da legitimaçã o, entretanto, nã o mais existe em nosso direito, por ter a
Constituiçã o proibido qualquer menção à origem da filiação, no art. 227, § 6-°. Essa vedação foi reproduzida nos
arts. 3-° e 5-° da Lei n. 8.560/92, que respectivamente proibiram legitimar o filho na ata do casamento e fazer
qualquer referência à natureza da filiaçã o no registro de nascimento.
O terceiro efeito jurídico do casamento é a imediata vigência, na data da celebração, do regime de bens, que é
irrevogá vel (CC, art. 230). Antes da celebração, podem os nubentes modificar o pacto antenupcial, para alterar
o regime de bens. Celebrado, porém, o casamento, ele torna-se imutá vel.
Inclusive nos casos de reconciliaçã o de casais separados judicialmente, o restabelecimento da sociedade
conjugal dá se no mesmo regime de bens em que havia sido estabelecida. Se o casal se divorciar, poderá casar-se
novamente, adotando regime diverso do anterior. A Lei de Introduçã o ao Có digo Civil, no entanto, estabeleceu
uma exceção a favor do estrangeiro casado, a quem ficou facultado, com a anuência do outro cô njuge, no ato de
se naturalizar brasileiro, optar pelo regime da comunhão parcial, que é o regime legal entre nó s, respeitados os
direitos de terceiros (LICC, art. 7°-, § 5°-). Se já for casado nesse regime, nã o poderá optar por outro. Já decidiu o
Supremo Tribunal Federal que o princípio da imutabilidade nã o é ofendido por convenção antenupcial que
estabeleça que, em caso de superveniência de filhos, o casamento com separaçã o converta-se em com comunhã o.
A jurisprudência tem admitido, também, mesmo no regime da separação de bens, a comunicação dos adquiridos
na constâ ncia do casamento pelo esforço comum dos cô njuges, atuando como verdadeiros integrantes de uma
sociedade de fato.
O quarto efeito jurídico do casamento é a imposição de deveres aos cô njuges, que passam a viger a partir da
celebração.

21. DEVERES DE AMBOS OS CÔNJUGES (RECÍPROCOS)

O art. 231 do Có digo Civil impõ e deveres recíprocos aos cô njuges, a saber: a) fidelidade recíproca; b) vida em
comum no domicílio conjugal (coabitaçã o); c) mú tua assistência; d) sustento, guarda e educação dos filhos.
Embora o casamento estabeleça vá rios deveres recíprocos aos cô njuges, a lei ateve-se aos principais,
considerados necessá rios para a estabilidade conjugal. A infração a cada um desses deveres constitui causa para
a separação judicial (Lei n. 6.515/77, art. 5°-), como o adultério, o abandono do lar conjugal, o abandono material
etc.

21.1. FIDELIDADE RECÍPROCA

É uma decorrência do cará ter monogâ mico do matrimô nio. A infraçã o a esse dever, imposto a ambos os
cô njuges, configura o adultério, causa para a separaçã o judicial litigio sa. Basta a prova de uma só transgressã o
ao dever de fidelidade, nã o se exigindo que o culpado mantenha concubina. É dever de conteú do negativo, pois
exige uma abstenção de conduta, enquanto os demais reclamam comportamentos positivos. Os atos meramente
preparató rios da relaçã o sexual, o namoro e os encontros em locais comprometedores nã o constituem adultério,
mas podem caracterizar a injú ria grave (quase adultério), que também é causa de separação. Esse dever perdura
enquanto subsistir a sociedade conjugal e mesmo quando os cô njuges estiverem apenas separados de fato.
Extinguese, porém, quando aquela se dissolver pela morte, nulidade ou anulação do casamento, separação
judicial ou divó rcio.

21.2. VIDA EM COMUM NO DOMICÍLIO CONJUGAL

É o dever de coabitação, que obriga os cô njuges a viver sob o mesmo teto e a ter uma comunhã o de vidas. Essa
obrigação não deve ser encarada como absoluta, pois uma impossibilidade física ou mesmo moral pode justificar
o seu nã o-cumprimento. Assim, um dos cô njuges pode ter necessidade de ausentar-se do lar por longos períodos
em razão de sua profissã o, ou mesmo de doença, sem que isso signifique quebra do dever de vida em comum. O
que caracteriza gressar à residência comum. Essa intençã o pode ficar caracterizada desde logo, nã o se exigindo
mais que a ausência se prolongue além de dois anos, como dispunha o revogado art. 317, IV do Có digo Civil.
O cumprimento desse dever pode variar, conforme as circunstâ ncias. Assim, admite-se até a residência em locais
separados, como é comum hodiernamente. Nele se inclui a obrigaçã o de manter relaçõ es sexuais, sendo exigível
o pagamento do debitam conjugale. Já se reconheceu que a recusa reiterada da mulher em manter relaçõ es
sexuais com o marido caracteriza injú ria grave, sendo causa de separação litigiosa. A vida em comum
desenvolve-se no local do domicílio conjugal. A fixação deste competia ao marido. Hoje, no entanto, diante da
isonomia de direitos estabelecida na Constituição, a opçã o do local deve ser feita pelo casal.
Caberá ao juiz solucionar eventual desacordo no tocante a essa escolha.
Ao nível moral, pode um dos cô njuges recusar-se a coabitar sob o mesmo teto, se por culpa do outro a vida em
comum tornar-se intolerá vel, sem com isso infringir o dever de vida em comum.

21.3. MÚTUA ASSISTÊNCIA

Tal dever obriga os cô njuges a se auxiliarem reciprocamente, em todos os níveis. Assim, inclui a recíproca
prestaçã o de socorro material, como também a assistência moral e espiritual. Envolve o desvelo, pró prio do
companheirismo, e o auxílio mú tuo em qualquer circunstâ ncia, especialmente nas situaçõ es difíceis. Não só o
abandono material como também a falta de apoio moral configuram causa de separação litigiosa. No primeiro
caso, constitui fundamento legal para a ação de alimentos. O dever de mú tua assistência subsiste até mesmo
depois da separação judicial (Lei n. 6.515/77, art. 3°-), extinguindo-se, porém, quando a dissoluçã o da sociedade
conjugal dá -se pelo divó rcio.
21.4. SUSTENTO, GUARDA E EDUCAÇÃO DOS FILHOS

O sustento e a educaçã o dos filhos constituem deveres de ambos os cô njuges. A guarda é, ao mesmo tempo,
dever e direito dos pais. A infraçã o ao dever em epígrafe sujeita o infrator à perda do pá trio poder e 'constitui
fundamento para a ação de alimentos. Em tese, configura também causa para a separaçã o judicial (Lei n.
6.515/77-, art. 5°-).
Subsiste a obrigaçã o de sustentar os filhos menores e de dar-lhes orientação moral e educacional mesmo apó s a
dissolução da sociedade conjugal, mas extingue-se com a maioridade. A jurisprudência, no entanto, tem
estendido essa obrigaçã o até a obtençã o do diploma universitá rio, no caso de filhos estudantes que nã o dispõ em
de meios para pagar as mensalidades.

22. DIREITOS E DEVERES DE CADA CÔNJUGE

O Có digo Civil tratava dos direitos e deveres do marido e da mulher em capítulos distintos, porque havia
algumas diferenças. Agora, em virtude da isonomia estabelecida pelo art. 226, § 5-°, da Constituição devem ser
estudados conjuntamente, pois são idênticos. O art. 233 estabelecia que o marido era o chefe da sociedade
conjugal, competindo-lhe a administraçã o dos bens comuns e particulares da mulher, o direito de fixar o
domicílio da família e o dever de prover à manutençã o da família. Todos esses direitos sã o agora exercidos pelo
casal (sistema da co-gestã o), devendo as divergências ser solucionadas pelo juiz. O dever de prover à
manutenção da família deixou de ser apenas um encargo do marido, incumbindo também à mulher, de acordo
com as possibilidades de cada um (inciso IV). O art. 234, que dispensava o marido de sustentar a mulher quando
ela abandonasse, sem justo motivo, a habitaçã o conjugal e se recusasse a voltar (quando, p. ex., passasse a morar
com outro homem), aplica-se agora a ambos os cô njuges.
O art. 235 do Có digo Civil especifica os atos que o marido nã o pode praticar, sem a outorga uxó ria, da mesma
forma que, mais adiante, o art. 242 elenca os que a mulher nã o pode realizar sem a autorização marital.
Praticamente a ú nica diferença estava no inciso IV do art. 242, que impedia a mulher de, sem a anuência do
marido, contrair obrigaçõ es que pudessem importar em alheação de bens do casal (empréstimos bancá rios, p.
ex.), inexistindo tal restrição ao marido, no art. 235. Se este pode realizar tais atos sem a outorga uxó ria, a
mulher agora também poderá praticá-los sem a autorização marital. O aludido artigo passou, portanto, a aplicar-
se indistintamente ao marido e à mulher. A anuência deve ser expressa e constar de instrumento pú blico,
sempre que se referir a bens imó veis de valor superior ao legal (art. 132).
Dispõ e o art. 235 do Có digo Civil, em seus quatro incisos, quais os atos que o marido nã o pode praticar sem o
consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens. Passaremos a analisá-los.
a) Alienar, hipotecar ou gravar de ô nus real os bens imó veis ou os direitos reais sobre imó veis alheios - Trata-se,
na verdade, de mera falta de legitimaçã o e não de incapaci dade, pois, colhida a anuência do outro, o cô njuge fica
legitimado, e os atos por ele praticados revestem-se de legalidade. A restrição impõ e-se, qualquer que seja o
regime de bens, ou seja, mesmo que o adotado seja o da separação. Justificase a exigência pelo fato de os imó veis
serem considerados bens de raiz, que dã o segurança à família e garantem o futuro dos filhos.
Justo que o outro cô njuge seja ouvido a respeito da conveniência ou nã o da alienaçã o. O verbo "alienar" tem
sentido amplo, abrangendo toda forma de transferência de bens de um patrimô nio para outro, como a venda, a
doação, a permuta, a dação em pagamento etc. A vênia conjugal é necessá ria também no compromisso de
compra e venda irretratá vel e irrevogá vel, pois é há bil para transferir o domínio por meio da adjudicação
compulsó ria. Inclui-se na exigência de anuência do outro cô njuge a constituição de hipoteca ou de outros ô nus
reais sobre imó veis.
b) Pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens e direitos - É uma conseqü ência da exigência expressa no
inciso anterior. A sentença final poderá acarretar a perda da pro priedade imó vel, correspondendo a uma forma
de alienação. Natural que o outro cô njuge participe da ação e venha ajuízo para fazer valer e defender os seus
direitos. Daí a razã o de o art. 10 do Có digo de Processo Civil exigir a participaçã o do outro cô njuge nas açõ es que
"versem sobre direitos reais imobiliá rios" (nã o nas açõ es pessoais relativas a imó veis, como a ação de despejo).
c) Prestar fiança - Procura-se evitar, com essa limitação, o comprometimento dos bens do casal, em razão de
graciosa garantia concedida a débito de terceiro. Se a fiança nã o for anulada pelo cô njuge prejudicado (o que a
deu nã o tem legitimidade para pedir a anulação), poderá este opor embargos de terceiro, para excluir a sua
meação de eventual penhora que venha a recair sobre os bens do casal, com base no art. 263, X, do Có digo Civil,
que exclui da comunhão a fiança prestada por um dos cô njuges sem a autorização do outro.
Para a prestação de aval, instituto do direito cambiário (nã o há aval fora do título de crédito), nã o se exige a
autorização do outro cô njuge.
A Lei n. 4.121/62 (Estatuto da Mu lher Casada) dispõ e, em seu art. 3-, que, pelos títulos de dívida de qualquer
natureza, firmados por um só dos cô njuges, ainda que casados no regime da comunhão universal, responderã o
os bens particulares do signatá rio e os comuns até o limite de sua meação. Entende a jurisprudência, no entanto,
que o cô njuge que nã o assinou o título terá de provar, para livrar da penhora a sua meação por meio de
embargos de terceiro, que a dívida não resultou em benefício da família, pois o contrá rio se presume. Como o
aval nã o resulta em benefício da família do avalista, sendo prestado de favor, geralmente o outro cô njuge obtém
sucesso nos embargos de terceiro, salvo se o aval foi prestado à sociedade da qual o avalista faz parte e da qual
retira o sustento da família.
d) Fazer doação, nã o sendo remunerató ria ou de pequeno valor, com bens ou rendimentos comuns - Tal
proibição aplica-se aos bens mó veis, porque dos imó veis já trata o incisoI. Duas exceçõ es sã o previstas
expressamente: a) nã o sã o proibidas as doaçõ es remunerató rias, qualquer que seja o seu valor, porque
representam o pagamento de serviço prestado pelo donatá rio (médico, dentista, advogado etc), e cuja cobrança
nã o mais podia ser feita (em razão da prescrição da açã o, p. ex.). A obrigação de pagar, embora nesse caso seja
apenas moral, existe, e o pagamento pode ser feito sem a anuência do outro cô njuge; b) não sã o também
proibidas as doaçõ es de pequeno valor. O valor da liberalidade é aferido em cada caso, levando-se em
consideraçã o o patrimô nio do doador. Em geral, considera-se de pequeno valor a doação que nã o ultrapassa
10% dele.
O art. 236 do Có digo Civil complementa o inciso IV supra, permitindo os dotes ou doaçõ es nupciais de bens
mó veis, qualquer que seja o seu valor, às filhas por ocasiã o de se casarem, e aos filhos, também na hipó tese de se
casarem ou de se estabelecerem com economia pró pria. Embora o dispositivo só permita a doação, por
passarem a ter o seu pró prio negó cio, aos filhos (as doaçõ es à s filhas só podem ser feitas por ocasião de se
casarem), essa distinçã o nã o mais pode ser feita, em face da isonomia consagrada na atual Constituição. Imputa-
se a doaçã o feita ao filho ou à filha, sem o assentimento do outro cô njuge, na meação do doador.
Nã o mais prevalecem as normas inseridas no capítulo do Có digo Civil que tratava dos direitos e deveres da
mulher, colocando-a em situaçã o de inferioridade perante o marido. Hoje, a igualdade jurídica dos cô njuges
constitui princípio constitucional. Assim, os direitos e deveres da mulher são idênticos aos do homem. Por outro
lado, nã o persistem os privilégios que só a ela eram atribuídos, como os bens reservados, adquiridos no
exercício de profissã o distinta do marido e que a este nã o se comunicavam, ainda que o regime do casamento
fosse o da comunhão de bens. O art. 246 do Có digo Civil, que consagrava esse privilégio, encontra-se tacitamente
revogado pela Constituiçã o Federal (TJSP, l0á Câm., Ap. 46.348-4-Jundiaí, j. 19-8-1997). As mulheres que haviam
formado esse patrimô nio reservado antes da Carta Magna naturalmente o conservam, como direito adquirido.
Quanto ao nome, dizia o pará grafo ú nico do art. 240 que a mulher podia acrescer aos seus os apelidos de família
do marido. Este também pode, agora, se o desejar, usar os apelidos familiares da mulher. O verbo "acrescer" nã o
impede que o cô njuge simplesmente substitua o seu apelido familiar pelo do outro cô njuge (RT, 577:119 e
593:122).

23. SUPRIMENTO JUDICIAL DO CONSENTIMENTO

Cabe ao juiz suprir tanto a outorga da mulher como a autorizaçã o marital, quando as deneguem sem justo
motivo ou lhes seja impossível dá-]as (CC, art. 237). Fica, portanto, ao prudente arbítrio do juiz examinar as
situaçõ es que caracterizam ou não o justo motivo para a denegaçã o. Os casos de impossibilidade para dar o
consentimento geralmente decorrem de incapacidade ou desaparecimento do outro cô njuge. O suprimento
judicial autoriza o ato, mas nã o obriga os bens pró prios daquele (art. 238).

24. EFEITOS DA FALTA DE CONSENTIMENTO


O ato praticado com autorizaçã o do outro cô njuge é válido e obriga todos os bens do casal, se o regime for o da
comunhão universal de bens. Sem a autorização, no entanto, o ato reveste se de nulidade relativa, podendo ser
anulado somente pelo outro cô njuge (ou seus herdeiros, se já falecido este). O ato é apenas anulá vel, e nã o nulo
(CC, arts. 239 e 252), pois pode ser ratificado (pará grafo ú nico do art. 252), e a invalidade nã o pode ser
decretada de ofício (STJ, REsp 10.045-0-RS, 4á T., DJ, 25 maio 1998). Os prazos prescricionais sã o reduzidos,
contados sempre da data em que se dissolver a sociedade conjugal: dois anos, para o marido ou seus herdeiros
(arts. 178, § 72, VII, e 252), e quatro, para a mulher ou seus herdeiros (art. 178, § 92,1). Nã o se justifica, hoje, essa
diversidade de prazos, devendo ser de quatro anos tanto para o homem como para a mulher.

CAPÍTULO VII
REGIME DE BENS NO MATRIMONIO
25. PRINCÍPIOS BÁSICOS

O presente capítulo disciplina as relaçõ es econô micas entre os cô njuges durante o matrimô nio, que se
submetem a três princípios bá sicos: a) irrevogabilidade; b) variedade de regimes; c) livre estipulaçã o.
a) Irrevogabilidade - V. n. 20, retro, terceiro efeito jurídico do casamento, em que tal princípio foi comentado.
Acrescenta-se que se justifica a imutabilidade por duas ra zõ es: o interesse dos cô njuges e o de terceiros. Evita,
com efeito, que um dos cô njuges abuse de sua ascendência para obter alteraçõ es em seu benefício. O interesse de
terceiros também fica resguardado contra mudanças no regime de bens, que lhes poderiam ser prejudiciais.
b) Variedade de regimes - A lei coloca à disposição dos nubentes nã o apenas um modelo de regime de bens, mas
quatro. Como o regime dotal nã o vingou, entendendo alguns que se tornou ineficaz em face da isonomia
conjugal, ficaram reduzidos a três: comunhã o universal, comunhã o parcial e separaçã o convencional ou legal.
c) Livre estipulaçã o - Estatui o art. 256 do Có digo Civil que é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento,
"estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver". Podem, assim, adotar um dos regimes-modelos
mencionados, como combina-los entre si, criando um regime misto, bem como eleger um novo e distinto. Esse
princípio, entretanto, admite uma exceçã o: a lei fixa, imperativamente, o regime de bens a pessoas que se
encontrem nas situaçõ es previstas no art. 258, pará grafo ú nico. A livre estipulação deferida aos cô njuges
também nã o é absoluta. Ter-se-á por nã o escrita a cláusula que "prejudique os direitos conjugais, ou os
paternos", bem como a que "contravenha disposiçã o absoluta da lei" (art. 257). Nã o valem, destarte, as cláusulas
que dispensem os cô njuges dos deveres conjugais ou que prive um deles do pá trio poder, pr exemplo.
Tais disposiçõ es nã o anulam o pacto: sã o apenas consideradas nã o escritas.
A escolha é feita no pacto antenupcial. Se este nã o foi feito, ou for nulo, vigorará , quanto aos bens entre os
cô njuges, o regime da comunhão parcial (CC, art. 258, caput), por isso chamado também de regime legal ou
supletivo (porque a lei supre o silêncio das partes). Pacto antenupcial é um contrato solene e condicional, por
meio do qual os nubentes dispõ em sobre o regime de bens que vigorará entre ambos, apó s o casamento.
Solene, porque será nulo se nã o for feito por escritura pú blica. E condicional, porque só terá eficácia se o
casamento se realizar (arts. 256, pará grafo ú nico, e 134, 1). A capacidade é a mesma exigida para o casamento.
Os menores necessitam do consentimento dos pais para casar e da assistência deles para a celebração da
convençã o antenupcial. O consentimento para o casamento nã o dispensa a intervenção do representante legal
para a celebraçã o do pacto antenupcial. Este, para valer contra terceiros, deve ser registrado em livro especial,
no registro de imó veis do domicílio dos cô njuges (art. 261). Sem o registro, o regime escolhido só vale entre os
nubentes (regime interno). Perante terceiros, é como se não existisse o pacto, vigorando então o regime da
comunhão parcial (regime externo).

26. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL (OBRIGATÓRIO)

As hipó teses em que é obrigató rio o regime da separação de bens no casamento estão especificadas no pará grafo
ú nico do art. 258 do Có digo Civil. Por tratar-se de regime imposto por lei, não há necessidade de pacto
antenupcial. Em alguns casos, tal imposiçã o é feita por ter havido contravençã o a dispositivo legal que regula os
impedimentos matrimoniais.
Em outros, mostra-se evidente o intuito de proteger certas pessoas que, pela posição em que se encontram,
poderiam ser vítimas de aventureiros interessados em seu patrimô nio, como as menores de dezesseis, as
maiores de cinqü enta e os homens com mais de sessenta anos.
As hipó teses sã o as a seguir elencadas.
a) Infração do estatuído no art. 183, XI a XVI, do Có digo Civil - O inciso XI trata do casamento do incapaz,
celebrado sem autorizaçã o do representante legal. O casamen to é anulá vel, mas, se nã o for ajuizada a açã o
anulató ria no prazo legal, vigorará o regime da separação de bens, ainda que tenham feito pacto, escolhendo
outro. Em se tratando de menor sob o pá trio poder, a livre escolha do regime somente será possível se houver
concordâ ncia dos pais. O inciso XII refere-se aos menores que nã o alcançaram a idade nú bil (16 para as
mulheres e 18 para os homens). Se o casamento nã o for anulado, vigorará também o regime da separação. Essa
espécie de casamento só será vá lida se for suprida judicialmente a idade dos menores. Neste caso, será celebrada
também no regime da separação, por força do inciso IV do pará grafo ú nico do art. 258. Os incisos XIII a XVI
tratam do casamento irregular, em que o regime da separação é imposto como pena.
b) Homem com mais de sessenta e mulher com mais de cinqü enta anos - A restrição é eminentemente de cará ter
protetivo. Objetiva obstar à realização de casamento exclu sivamente por interesse econô mico. A Lei do
Divó rcio prevê uma exceçã o, no art. 45. Decidiu-se recentemente, porém (TJSP, 22 Câm_ Ap. 7.512-4-SJRPreto, j.
18-8-1998, v. u.), que já nã o vige tal restrição, por ser incompatível com as cláusulas constitucionais de tutela da
dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica e da intimidade, bem como com a garantia do justo processo
da lei, tomado na acepção substantiva (CF, arts. 1°-, 111, e 5°-, 1, X e LIV).
c) Ó rfã o e menor cujos pais decaíram do pá trio poder - Mesmo que se casem com o consentimento do tutor,
vigorará o regime da separação, como forma de impedir que este, para se livrar da tutela, autorize um casamento
inconveniente para seu tutelado.d) Os que dependem de autorizaçã o judicial para casar - O dispositivo tem
evidente intuito protetivo e aplica-se aos menores que obtiveram o suprimento judicial de idade ou do
consentimento dos pais.
O art. 259 do Có digo Civil nã o se aplica ao regime da separação legal, porque neste nã o se celebra nenhum pacto.
Dispõ e o aludido dispositivo que, se o regime escolhido nã o for o da comunhã o, mesmo assim comunicar-
se-ão os bens adquiridos na constâ ncia do casamento se o pacto nã o dispuser, expressamente, que o regime da
separaçã o vigorará inclusive quanto a estes.
A jurisprudência, tendo constatado que o regime da separação legal, ao contrá rio do que imaginou o legislador,
nã o amparava devidamente as pessoas que deviam ser protegi das, passou a proclamar que, nesse regime,
comunicam-se os bens adquiridos a título oneroso na constâ ncia do casamento (aqü estos). O Supremo Tribunal
Federal editou, entã o, a Sú mula 377: "No regime de separaçã o legal de bens comunicam-se os adquiridos na
constâ ncia do casamento". No princípio essa sú mula foi aplicada com amplitude. Hoje, no entanto, é restrita aos
bens adquiridos pelo esforço comum dos cô njuges, reconhecendo-se a existência de uma verdadeira sociedade
de fato. Assim vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça (RSTJ, 39:413; RT, 691:194; RF, 320:84). Justifica-se
a ediçã o da referida sú mula porque a pró pria concubina tem direito à meação dos bens adquiridos pelo esforço
comum (Sú mula 380 do STF). Tem-se reconhecido também à mulher casada no regime da separação
convencional o direito à meação dos bens adquiridos pelo esforço comum na constâ ncia do casamento.

27. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL

É o regime em que se comunicam todos os bens, atuais e futuros, dos cô njuges, ainda que adquiridos em nome
de um só deles, bem como as dívidas posteriores ao casamento, . salvo os expressamente excluídos pela lei ou
pela vontade dos nubentes, expressa em convençã o antenupcial (CC, art. 262). Por tratar-se de regime
convencional, deve ser estipulado em pacto antenupcial. Nesse regime, predominam os bens comuns (de
propriedade e posse de ambos os cô njuges), podendo no entanto existir bens pró prios do marido e bens
pró prios ou reservados da mulher (estes, somente se adquiridos antes da atual CF).

27.1. BENS EXCLUÍDOS

Os bens incomunicá veis estã o relacionados no art. 263 do Có digo Civil. Enumeramos a seguir os principais.
a) Pensõ es, meios-soldos, tenças e outras rendas semelhantes - Pensõ es e tenças são quantias pagas
mensalmente a alguém para a sua subsistência. Meio-soldo é a metade do soldo que o Estado paga aos militares
reformados. Montepio é a pensã o devida pelo instituto previdenciá rio aos herdeiros do devedor falecido. O que
nã o se comunica é somente o direito ao percebimento desses benefícios. As quantias mensalmente recebidas na
constâ ncia do casamento, a esse título, porém, entram para o patrimô nio do casal e comunicamse logo que
percebidas. Se o casal se separar judicialmente, o cô njuge com direito ao benefício continuará levantando-o
mensalmente, sem perder a metade para o outro, porque o direito, sendo incomunicá vel, nã o é partilhado.
b) Os bens doados ou legados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar - Não só são
excluídos os bens doados em vida, os deixados em testamento, com cláusula de incomunicabilidade, como
também os sub-rogados em seu lugar, ou seja, os que substituem os bens incomunicáveis. Assim, se o dono de
um terreno recebido em doaçã o com cláusula de incomunicabilidade resolver vendê-lo para, com o produto da
venda, adquirir um veículo, este se subrogará no lugar do terreno e será também incomunicá vel. A
incomunicabilidade nã o acarreta a inalienabilidade do bem, mas esta produz, de pleno direito, a
incomunicabilidade e a impenhorabilidade. Isto porque quem se casa - e do casamento resulta a comunicaçã o da
metade do bem de certa forma está alienando. E a penhora é realizada para a venda do bem em hasta pú blica.
Dispõ e a Sú mula 49 do Supremo Tribunal Federal: "A cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade
dos bens". Embora omissa a lei, nã o se comunicam também os bens doados com a cláusula de reversã o (CC, art.
1.174), ou seja, com a condiçã o de, morto o donatá rio antes do doador, o bem doado voltar ao patrimô nio deste,
nã o se comunicando ao cô njuge do falecido.
c) Os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissá rio, antes de realizada a condição
suspensiva - Fideicomisso é espécie de substituição testamentá ria. Os bens permanecem durante certo tempo,
ou sob certa condição, fixados pelo testador, em poder do fiduciá rio, passando depois ao substituto
(fideicomissá rio). Para que possa cumprir a obrigaçã o imposta pelo testador, os bens não se comunicam ao
cô njuge do fiduciá rio. O fideicomissá rio, por sua vez, tem um direito eventual. A aquisição do domínio depende
da morte do fiduciá rio, do decurso do tempo fixado pelo testador ou do implemento da condiçã o resolutiva por
ele imposta. Se falecer antes do fiduciá rio, caduca o fideicomisso, consolidando-se a propriedade em mãos do
fiduciá rio.
d) As obrigaçõ es provenientes de atos ilícitos. Se o marido causa uma colisã o de veículos e é condenado a
ressarcir os danos dela decorrentes, na fase da execuçã o da sen tença condenató ria poderá a mulher opor
embargos de terceiro para livrar da penhora a sua meaçã o, pois a obrigaçã o proveniente de atos ilícitos é
incomunicá vel e nã o pode comprometer a meação do outro cô njuge.
e) As dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos ou reverterem em
proveito comum - Somente o devedor responde pelas dívidas anteri ores ao casamento, com seus bens_
particulares ou com os que trouxe para a comunhão (art. 264). A lei, entretanto, abre duas exceçõ es: 1)
comunicam-se as dívidas contraídas com os aprestos (preparativos do casamento), como enxoval, aquisiçã o de
mó veis etc.; 2) e também as que reverterem em proveito comum, como as decorrentes da aquisição de imó vel
que servirá de residência do casal.
f) As doaçõ es antenupciais feitas por um dos cô njuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade.
g) As roupas de uso pessoal, as jó ias esponsalícias dadas antes do casamento pelo esposo, os livros e
instrumentos de profissã o e os retratos da família - Trata-se de bens que têm um cará ter pessoal e, por isso, são
incomunicá veis. Os livros e os instrumentos da profissã o, entretanto, só não entram para a comunhã o se
indispensá veis ao exercício da atividade pró pria do cô njuge e nã o integrem um fundo de comércio, ou o
patrimô nio de uma sociedade da qual participe o consorte.
h) Afiança prestada pelo cô njuge sem o consentimento de seu consorte - Neste caso, ela é anulá vel. Não anulada,
responde por ela apenas o cô njuge que se obrigou, comprometendo-se somente a sua meação.
i) Os bens de herança necessá ria a que se impuser a cláusula de incomunicabilidade (art. 1.723).
j) Os bens reservados - Só se pode falar hoje em bens reservados quanto aos adquiridos antes da atual
Constituiçã o, pois o art. 246 do Có digo Civil foi tacitamente revogado pelo art. 226, § 5°-, da Carta Magna.
1) Os frutos civis do trabalho ou indú stria de cada cô njuge ou de ambos - O alcance deste dispositivo tem
causado uma certa perplexidade entre os autores, especialmente por terem sido previstos os bens reservados
para a mulher. Para dar-lhe um aproveitamento ú til, deve-se entender que nã o se comunica somente o direito
aos proventos do trabalho de cada cô njuge ou de ambos. Recebido o salário, o dinheiro ingressa no patrimô nio
comum. Em caso de separação judicial, o direito de cada qual continuar a receber o seu salário nã o é partilhado.
Tem sido decidido que, em caso de prolongada separação de fato do casal, que caracteriza o rompimento fá tico
do vínculo, não se comunicam ao outro cô njuge os bens adqui ridos nesse período, ou durante a convivência com
terceira pessoa, nã o constituindo tal fato ofensa ao princípio da imutabilidade do regime de bens (RJTJSP,
114:102).

27.2. OUTRAS DISPOSIÇÕES

Os frutos dos bens incomunicáveis, quando se percebam ou vençam durante o matrimô nio, comunicam-se (CC,
art. 265). Assim, embora certos bens sejam incomunicáveis (art. 263), os seus rendimentos se comunicam. A
administração dos bens comuns é do casal (sistema da co-gestã o), nã o tendo mais eficá cia o pará grafo ú nico do
art. 266, que restringia os direitos da mulher.

28. REGIMIE DA COMUNHÃO PARCIAL OU LIMITADA

É o que prevalece se os consortes não fizerem pacto antenupcial ou este for nulo (CC, art. 258, capuz). Por essa
razão, caracteriza-se por estabelecer a separaçã o quanto ao passado (bens que cada cô njuge possuía antes do
casamento) e comunhão quanto ao futuro (adquiridos na constâ ncia do casamento).
Os bens incomunicá veis, pró prios ou particulares de cada cô njuge, não sã o, porém, somente os que cada um
possuía por ocasiã o do casamento, mas também os havidos poste riormente, a título gratuito (por doação ou
sucessã o); os adquiridos com o produto da venda de bens particulares de cada cô njuge (sub-rogação); os
rendimentos (usufruto) de bens de filhos anteriores ao casamento; e todos aqueles que, mesmo no regime da
comunhão universal, são excluídos da comunhão pelo art. 263 do Có digo Civil (art. 269). Portanto, no regime da
comunhão parcial é maior o nú mero de bens excluídos da comunhão. Não se comunicam, ainda, as dívidas
anteriores ao casamento, mesmo contraídas com seus preparativos, nem as provenientes de atos ilícitos (art.
270), salvo se tiver advindo lucro para ambos, quando respondem na proporçã o do ganho de cada um (art. 274).
Nã o se comunicam, igualmente, as aquisiçõ es ligadas a título aquisitivo anterior ao casamento (art. 272). Assim,
nã o integra a comunhã o o bem reivindicado pelo marido quando solteiro, sendo a ação julgada procedente
quando já casado, nem o dinheiro recebido apó s o casamento pela venda anterior de um bem.
Os bens comuns sã o os havidos na constâ ncia do casamento por título oneroso, fato eventual (loteria, aluvião,
avulsã o), doação, herança ou legado em favor de ambos os cô njuges, as benfeitorias em bens particulares de cada
um deles (porque presumem-se feitas com o esforço comum) e os frutos dos bens comuns ou particulares
percebidos na constâ ncia do casamento (CC, art. 271). O inciso VI do art. 271 (segundo o qual entram na
comunhão "os frutos civis do trabalho, ou indú stria de cada cô njuge, ou de ambos") está tacitamente revogado
pelo art. 269, IV com a redação dada pela Lei n. 4.121/62, que exclui da comunhã o "os demais bens que se
consideram também excluídos da comunhã o universal", dentre eles "os frutos civis do trabalho, ou indú stria de
cada cô njuge, ou de ambos". Prevalece, portanto, esta regra, mais recente, sobre a do art. 271, VI. O marido não é
mais o administrador exclusivo dos bens comuns e particulares, como prescrevia o art. 274. A administraçã o é
hoje exercida por ambos os consortes. Os bens mó veis presumem-se adquiridos na constâ ncia do casamento
quando nã o se provar com documento autêntico que o foram em data anterior (art. 273).

29. REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL

Neste regime cada cô njuge conserva a plena propriedade, a integral administração e a fruição de seus pró prios
bens. Somente para alienar e gravar de ô nus reais bens imó veis é que necessitará da anuência do consorte (CC,
arts. 235, I, e 242, I). Envolve todos os bens presentes e futuros, frutos e rendimentos, e confere autonomia a
cada um na gestã o do pró prio patrimô nio. Essa independência sofre a limitaçã o já mencionada, imposta pelos
arts. 235 e 242: qualquer que seja o regime de bens, é necessá ria a anuência do outro cô njuge para a alienaçã o e
oneraçã o de bens imó veis.
Para que esses efeitos se produzam e a separaçã o seja pura ou absoluta, é mister que conste expressamente do
pacto antenupcial que ela vigorará inclusive quanto aos bens ad quiridos na constâ ncia do casamento (CC, art.
259). Podem os nubentes convencionar a separação limitada, envolvendo somente os bens presentes e
comunicando-se os futuros, os frutos e os rendimentos. Não haverá, nesse caso, diferença com o regime da
comunhão parcial. Em princípio, cada cô njuge é obrigado a contribuir para as despesas do casal com o
rendimento de seus bens, na proporção de seu valor (art. 277). Podem, no entanto, os consortes estabelecer, no
pacto antenupcial, a quota de participação de cada um ou sua dispensa do encargo, bem como fixar normas
sobre a administração dos bens. A obrigaçã o de contribuir para as despesas do casal estende-se hoje a todos os
regimes, não só em razão do art. 2°- da Lei n. 4.121/62 como também da isonomia constitucional. Tem a
jurisprudência admitido a comunicação dos bens adquiridos na constâ ncia do. casamento pelo esforço comum
do casal, comprovada a existência da sociedade de fato.

CAPíTULO VIII
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL
30. CAUSAS TERMINATIVAS

O capítulo do Có digo Civil que tratava da dissoluçã o da sociedade conjugal (arts. 315 a 328) foi revogado pela Lei
do Divó rcio (Lei n. 6.515/77), que passou a regulamentar in teiramente o assunto. As causas terminativas da
sociedade conjugal estã o especificadas no art. 2°- da citada lei: morte de um dos cô njuges, nulidade ou anulação
do casamento, separação judicial e divó rcio. Sociedade conjugal é o complexo de direitos e obrigaçõ es que
formam a vida em comum dos cô njuges. A morte que a extingue é somente a real, pois a presumida dos ausentes
produz apenas efeitos patrimoniais, permitindo a abertura da sucessã o provisó ria, mas nã o põ e fim à sociedade
conjugal. A mulher do ausente nã o é declarada viú va. A nulidade ou a anulaçã o do casamento rompem o vínculo
matrimonial, extinguindo a sociedade conjugal e permitindo que os cô njuges se casem novamente. Nada impede
a cumulação da açã o anulató ria com a de separação judicial, em ordem sucessiva (CPC, art. 289). Também a
existência de anterior sentença de separação judicial ou de divó rcio nã o constitui ó bice para a propositura da
ação anulató ria. Nã o é necessá rio antes anular ou rescindir a sentença de separaçã o judicial ou de divó rcio, pois
tal sentença nã o decide sobre a validade do casamento. O casamento vá lido somente é dissolvido (o vínculo)
pela morte de um dos cô njuges ou pelo divó rcio (pará grafo ú nico do art. 2`-'), pois a separaçã o judicial mantém o
vínculo matrimonial, embora dissolva a sociedade conjugal.

31. DA SEPARAÇÃO JUDICIAL


31.1. ESPÉCIES E EFEITOS DA SEPARAÇÃO JUDICIAL

O art. 3°- da Lei do Divó rcio prescreve: "A separaçã o judicial põ e termo aos deveres de coabitação, fidelidade
recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casa mento fosse dissolvido". Permanecem somente os
outros dois deveres impostos pelo art. 231 do Có digo Civil: mú tua assistência e sustento, guarda e educaçã o dos
filhos. O cará ter personalíssimo da separaçã o judicial vem estampado no § lodo citado art. 3°-: "O procedimento
judicial da separação caberá somente aos cô njuges...". Somente eles têm a iniciativa da açã o, que é privativa e
intransmissível. Assim, se um deles morrer, a ação será extinta. A morte, por si, já é causa de dissoluçã o da
sociedade conjugal. Também a ação de divó rcio extingue-se com a morte de um dos cô njuges. Na segunda parte,
contudo, o aludido dispositivo legal abre uma exceção, permitindo que, no caso de incapacidade do cô njuge, seja
este representado por curador, ascendente ou irmã o. Critica-se o legislador por falar em representação, e nã o
em substituição processual, como seria correto. A ordem enunciada é preferencial: havendo curador, somente a
ele caberá a "representaçã o" do cô njuge que se tornou incapaz apó s o casamento; somente se não houver
curador a representaçã o passará sucessivamente ao ascendente e ao irmão, este à falta daquele. Entretanto, se o
cô njuge incapaz figurar no pó lo passivo da ação de separaçã o ou de divó rcio, será representado exclusivamente
por seu curador. Essa representação (ou substituição processual) pode ocorrer tanto nos casos de separaçã o
litigiosa como também nos de separaçã o amigá vel, malgrado a opiniã o de Silvio Rodrigues de que nã o caberia
nesta ú ltima modalidade, que exige a presença, perante o juiz, de ambos os cô njuges. Tal entendimento já se
encontra superado pela doutrina e nã o se coaduna com o texto da lei, que nã o faz distinçã o.
Preceitua o § 2°- do art. 3°- da Lei do Divó rcio que o juiz deverá promover todos os meios para que as partes se
reconciliem ou transijam, ouvindo pessoal e separadamente cada uma delas e, a seguir, reunindo-as em sua
presença, se assim considerar necessá rio. Como tal dispositivo nã o conflita com a Lei n. 968, de 10 de dezembro
de 1949, que estabeleceu uma fase preliminar de tentativa de reconciliaçã o nas separaçõ es litigiosas, o juiz, em
cumprimento à s suas normas, determina a citaçã o do réu e a intimaçã o do autor para comparecerem a uma
audiência prévia, com vistas à tentativa de reconciliaçã o do casal. Se esta não for obtida, o magistrado procurará
convencer as partes a transformar a separação litigiosa em amigá vel (se o casamento foi realizado há mais de
dois anos). Se os cô njuges pedirem, os advogados deverão ser chamados a assistir aos entendimentos e deles
participar (§ 3°-). O nã o-comparecimento de qualquer das partes deve ser havida como recusa a qualquer
acordo. Nã o obtida a reconciliaçã o do casal, nem a convolação em separaçã o amigá vel, começa a fluir da data da
audiência prévia o prazo para a contestaçã o, ainda que o réu a ela nã o tenha comparecido.

31.2. DA SEPARAÇÃO JUDICIAL POR MÚTUO CONSENTIMENTO


31.2.1. CARACTERÍSTICAS. REQUISITO

A separaçã o requerida por ambos os cô njuges é chamada também de amigá vel ou consensual. É procedimento
típico de jurisdição voluntá ria, em que o juiz administra interesses privados. Nã o há litígio, pois ambos os
cô njuges buscam a mesma soluçã o: a homologação judicial do acordo por eles celebrado. O art. 4°- da Lei do
Divó rcio prescreve: "Dar-se-á a separação judicial por mú tuo consentimento dos cô njuges, se forem casados há
mais de dois anos, manifestado perante o juiz e devidamente homologado". A vantagem dessa modalidade é que
os separandos nã o precisam declinar a causa, o motivo da separaçã o. O ú nico requisito exigido, havendo
consenso mú tuo, é estarem os nubentes casados há mais de dois anos. Imprescindível, pois, a anexaçã o à inicial
da certidã o de casamento. A reduçã o do prazo para o divó rcio-conversã o e para o divó rcio direto (art. 226, § 6°-,
da CF e Lei n. 7.841/ 89) nã o interferiu no prazo de dois anos para a separaçã o consensual, que continua sendo
exigido. A Constituição nada estabeleceu quanto ao tempo necessá rio para a separaçã o consensual, nã o estando,
pois, revogada nesse ponto a Lei do Divó rcio (cf. TJSP, Ap. 118.088-1,1. 23-11-1989). Decidiu o Tribunal de
Justiça de Sã o Paulo, numa hipó tese rara, por maioria, que cô njuges divorciados, que restabeleceram a união
conjugal mediante novo casamento, estavam dispensados do requisito de estarem casados há mais de dois anos
(RT, 594:52). O voto vencido, no entanto, sustentou a manutenção da exigência, argumentando que, se os
divorciados tivessem casado com terceiros, o biênio legal haveria de ser observado.

31.2.2. PROCEDIMENTO. CLÁUSULAS OBRIGATÓRIAS

O art. 34 da Lei n. 6.515/77 dispõ e que a separação judicial consensual far-se-á pelo procedimento previsto nos
arts. 1.120 a 1.124 do Có digo de Processo Civil, mas acrescen tando as seguintes regras: "§ 1-° A petiçã o será
também assinada pelos advogados das partes ou pelo advogado escolhido de comum acordo. § 2`--' O juiz pode
recusar a homologaçã o e nã o decretar a separaçã o judicial, se comprovar que a convençã o nã o preserva
suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cô njuges. § 3`--' Se os cô njuges não puderem ou nã o
souberem assinar, é lícito que outrem o faça a rogo deles. § 4" As assinaturas, quando nã o lançadas na presença
do juiz, serã o, obrigatoriamente, reconhecidas por tabelião". A recusa de homologação pelo juiz deve ser
fundamentada, com indicaçã o das modificaçõ es que comportariam as cláusulas prejudiciais, porque a parte
inconformada pode interpor recurso de apelaçã o ao Tribunal de Justiça. É também permitido ao juiz cindir o
acordo, homologando parcialmente a separação, deixando de lado, por exemplo, as cláusulas referentes à
partilha, por reputá-la prejudicial a um dos separandos.
Prescreve o art. 1.121 do Có digo de Processo Civil que a petiçã o inicial deverá ser instruída com a certidã o de
casamento (para comprovar a realizaçã o do casamento há mais de 2 anos) e o pacto antenupcial, se houver (para
comprovaçã o do regime de bens adotado), e conter: "I - a descrição dos bens do casal e a respectiva partilha; II -
o acordo relativo à guarda dos filhos menores; 111 - o valor da contribuição para criar e educar os filhos; IV - a
pensã o alimentícia do marido à mulher, se esta nã o possuir bens suficientes para se manter". Prevê o pará grafo
ú nico que, "se os cô njuges nã o acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta, depois de homologado o
desquite, na forma estabelecida neste Livro, Título I, Capítulo lX", ou seja, sujeitar-se-á ao procedimento previsto
para os inventá rios. A partilha pode ser realizada de modo desigual, pois os cô njuges, sendo maiores e capazes,
podem transigir, sujeitando-se eventualmente ao recolhimento do imposto decorrente da doação
implicitamente feita ao outro. Se os consortes acordarem que a guarda dos filhos menores fique com um
terceiro, como o avô , este deverá assinar também a petição, concordando. Recomenda-se a regulamentaçã o das
visitas, para evitar futuros litígios, prejudiciais aos menores. Deve ser, obrigatoriamente, fixada a pensã o a ser
paga aos filhos pelo genitor que nã o ficou com a guarda.
Se um dos cô njuges necessitar de auxílio, deverá ser fixado o valor da pensã o que o outro lhe pagará. Tem-se
admitido que a mulher abra mão dos alimentos, podendo po rém pleiteá -los futuramente, se vier a necessitar e
nã o tiver sido contemplada, na partilha, com bens suficientes para a sua subsistência (Sú mula 379 do STF). A
omissã o de qualquer referência à pensã o que o marido pagará à mulher nã o impedirá a homologação da
separaçã o, devendo-se presumir que decorre do fato de a mulher dela nã o necessitar, por ter meios pró prios de
subsistência. A petição deverá esclarecer, ainda, se a mulher (hoje também pode acontecer com o marido)
voltará a usar o nome de solteira. No silêncio, deve-se entender que optou por conservá-lo. Como a mulher tem o
direito de optar por conservar ou nã o o nome do marido, pode ela, posterior e unilateralmente, requerer seu
cancelamento, voltando a usar o nome de solteira (mas, se havia optado por não conservá -lo, nã o poderá
futuramente voltar a usá -lo). É a ú nica cláusula que pode ser modificada unilateralmente. Se um dos cô njuges
quiser alterar, por exemplo, a cláusula referente à guarda dos filhos, não poderá fazê-lo sozinho. Terá de propor
uma ação ordiná ria de modificação de cláusula sobre guarda de filhos e provar a existência de motivos graves,
prejudiciais aos menores, que justifiquem a sua pretensã o.
A petiçã o será apresentada ao juiz, que ouvirá os cô njuges, verificando se estã o deliberando livremente e se
desejam a separação, sem hesitação. Convencendo-se disso, mandará reduzir a termo as declaraçõ es e, depois de
ouvir o Ministério Pú blico no prazo de cinco dias, a homologará ; caso contrá rio, marcar-lhes-á dia e hora, com
quinze a trinta dias de intervalo, para que voltem, a fim de ratificarem o pedido. Se qualquer dos cô njuges não
retornar ou nã o ratificar o pedido, o juiz mandará arquivar o processo (CPC, art. 1.122). A audiência de
ratificação nã o é mais obrigató ria, ficando a sua designação a critério do juiz. Nã o é caso de reexame necessá rio
da sentença homologató ria. O pedido de separação, de cará ter personalíssimo, ficará prejudicado se um dos
cô njuges falecer antes de sua homologaçã o pelo juiz. Enquanto nã o lavrado o termo pelo escrivão e assinado
pelas partes, o pedido não se tornou pú blico e poderá haver arrependimento unilateral. Assinado o termo, o
pedido torna-se irretratá vel pela manifestação unilateral de um só dos cô njuges.

31.3. DA SEPARAÇÃO JUDICIAL A PEDIDO DE UM DOS CÔNJUGES (LITIGIOSA)

Preceitua o art. 5-°, caput, da Lei do Divó rcio que a separação judicial "pode ser pedida por um só dos cô njuges
quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do
casamento e tornem insuportá vel a vida em comum" (separação-.sanção). Aduz o § 1°- que a separaçã o judicial
"pode também ser pedida se um dos cô njuges provar a ruptura da vida em comum há mais de um ano
consecutivo" (redação dada pela Lei n. 8.408, de 13-2-1992) "e a impossibilidade de sua reconstituição"
(separaçã o fàlência). Por fim, dispõ e o § 29 que o cô njuge "pode ainda pedir a separação judicial quando o outro
estiver acometido de grave doença mental, manifestada apó s o casamento, que torne impossível a continuaçã o
da vida em comum, desde que, apó s uma duração de cinco anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura
imprová vel" (separaçã o-remédio). A enumeração é taxativa, não podendo ser ampliada a outras situaçõ es.
A hipó tese prevista no art. 5-°, caput, é chamada de separaçã o-sançã o porque um dos cô njuges atribui culpa ao
outro (na modalidade de conduta desonrosa ou de grave infraçã o dos deveres conjugais), aplicando-se sançõ es
ao culpado. Estas sã o: perda do direito a alimentos, perda da guarda dos filhos menores e perda do direito de
conservar o nome do outro. Como é a ú nica hipó tese em que se discute culpa, é também a ú nica que admite
reconvenção. Neste caso, pode a separaçã o ser decretada por culpa de um só dos cô njuges ou de ambos. Se
ambos forem culpados, nenhum deles fará jus à verba alimentícia, e os filhos menores ficarã o em poder da mãe,
salvo se o juiz verificar que de tal solução pode advir prejuízo de ordem moral para eles (art. 10, § 12).
A doutrina costuma classificar as causas de separaçã o judicial em peremptó rias e facultativas. As primeiras sã o
aquelas que, uma vez ocorridas, tornam obrigató ria a decretação da separação, por si só , independentemente de
uma apreciaçã o valorativa do juiz. As facultativas sã o as que, por si, nã o acarretam a decretação da separação,
mas somente se o juiz constatar que tornaram insuportá veis a vida em comum. A Lei n. 6.515/77, ao exigir, no
art. 5°-, caput, que a conduta desonrosa ou a infração dos deveres conjugais torne insuportá vel a vida em
comum, optou pelo sistema das causas facultativas. Na prá tica, entretanto, a jurisprudência tem proclamado que
o simples fato de o autor ter ingressado em juízo imputando culpa ao réu já faz presumir que a descoberta da
falta cometida tornou, para ele, insuportá vel a vida em comum. Há , assim, uma inversã o do ô nus da prova: ao réu
cabe demonstrar, se tiver interesse, que a infraçã o por ele cometida nã o tornou, para o outro, insuportá vel a vida
em comum, por terem, por exemplo, voltado a dormir na mesma cama. A Lei do Divó rcio optou por indicar
genericamente as causas de separaçã o litigiosa (conduta desonrosa e grave infraçã o dos deveres do casamento),
ao contrá rio do revogado art. 317 do Có digo Civil, que especificava as seguintes: adultério, tentativa de morte,
sevícia, injú ria grave e abandono voluntá rio do lar conjugal durante dois anos contínuos.

31.3.1. CONDUTA DESONROSA

É uma expressã o bastante ampla, que se caracteriza pelo comportamento imoral, ilícito ou anti-social de um ou
de ambos os cô njuges. Está mais vinculada aos efeitos colaterais do casamento, qualificados como deveres
implícitos dos cô njuges. Incluem-se nessa expressã o os casos de alcoolismo, toxicomania, namoro do cô njuge
com terceiro, prá tica de crime, contaminaçã o com doença venérea, sevicia ou maus-tratos etc.
Enfim, muitas daquelas hipó teses que eram enquadradas pela jurisprudência brasileira na categoria de injú ria
grave. Segundo Cló vis Beviláqua, esta abrange toda ofensa à honra, à respeitabilidade, à dignidade do cô njuge,
quer consista em atos, quer em palavras. Se atinge o outro cô njuge diretamente, é infraçã o de dever conjugal
(dever de lealdade e respeito recíprocos, implícitos no dever de mú tua assistência); se só o atinge
indiretamente, é conduta desonrosa.

31.3.2. GRAVE INFRAÇÃO DOS DEVERES DO CASAMENTO

O primeiro desses deveres é o de ,fidelidade recíproca (CC, art. 231, 1). A sua infraçã o caracteriza o adultério,
que é difícil de provar, porque resulta da conjunçã o carnal entre duas pessoas de sexo diferente, praticado em
geral à s escondidas. Tal dever aplica-se a ambos os cô njuges e não sofre modificaçã o durante a separação de
fato. Esta nã o desobriga os cô njuges do dever de fidelidade, ou seja, nã o os libera para o sexo com terceiros. Se
um dos cô njuges infringe os deveres matrimoniais, nem por isso o outro passa a ter o direito de, impunemente,
praticar o adultério. Se o fizer, estará também dando causa à separaçã o culposa. O adultério tentado ou nã o
consumado, caracterizado pelos atos pré-sexuais, não é propriamente adultério, porque a sua existência
depende de congresso sexual completo. Os atos pré-sexuais ou preparató rios nã o deixam de ofender o dever de
fidelidade, mas caracterizam-se como injú ria grave ou quase-adultério. Em geral, os advogados nunca
fundamentam o pedido somente no adultério, porque de difícil prova, mas também na injú ria grave, porque a
prova dos atos preparató rios já é suficiente para a decretação da separação culposa.
A inseminaçã o artificial, também chamada de adultério casto ou científico, malgrado a opiniã o em contrá rio de
alguns doutrinadores, nã o configura adultério, porque este só ocorrerá se houver có pula completa com estranho
de outro sexo. A fecundaçã o nã o pertence à sexualidade, e sim à genitalidade, sendo um fato exclusivamente
bioló gico, desvinculado da libido. Na realidade, a mulher poderá dar causa à separação judicial ao sujeitar-se à
inseminaçã o artificial, recebendo o sêmen de outro homem sem o consentimento do marido, mas a sua conduta
subsumir-se-á no comportamento desonroso, por constituir injú ria grave. Também constitui conduta injuriosa o
fornecimento de sêmen pelo homem casado para a inseminação de mulher estranha sem o consentimento da
esposa.
Em geral, a anulação do casamento dá -se por fatos anteriores a ele, e a separaçã o judicial por posteriores. Assim,
o defloramento da mulher ignorado pelo marido (art. 219, IV revogado tacitamente pela CF) nã o constituía causa
de separaçã o judicial, mas de anulação do casamento por erro essencial quanto à pessoa do outro cô njuge.
Alguns autores denominam esse fato de adultério precoce. Alípio Silveira usa essa expressã o para designar a
fuga aviltante de um dos cô njuges com outra pessoa, logo apó s a celebração do casamento e antes de sua
consumaçã o pela coabitação, afirmando que tal conduta revela uma pessoa destituída de honra, uma
personalidade psicopá tica, até entã o insuspeitada, sendo caso de anulaçã o do casamento por erro essencial (Da
separaçã o litigiosa à anulação do casamento, LEUD, 1983, p. 115). Tratase, portanto, de exceção à regra de que
somente se anulam casamentos por fatos ocorridos antes de sua celebração. Outra exceçã o configura-se quando
um dos cô njuges (geralmente a mulher) se recusa, terminantemente, a consumar o casamento mediante o
congresso carnal, permanecendo virgo intacta, apurado o fato em regular perícia.
O segundo dever, de vida em comum no domicílio conjugal (de coabitação), quando desrespeitado, caracteriza o
abandono do lar conjugal. Exige-se, no entanto, para que se configure tal infraçã o, o requisito da voluntariedade,
o â nimo, a intençã o de nã o mais regressar ao lar comum. Se um dos cô njuges, depois de um certo tempo, passa a
negar-se à prá tica do ato sexual (ao pagamento do debitum conjugale), dá causa, também, à separaçã o judicial
por infraçã o ao dever de coabitação.
A infraçã o ao terceiro dever, o de mú tua assistência, pode caracterizar a sevícia (agressã o física, pancada).
Constitui infraçã o ao dever de respeito à integridade física do outro cô n juge, com negação do dever de mú tua
assistência. O quarto dever, de sustento, guarda e educaçã o dos filhos, quando descumprido, além de configurar,
em tese, os crimes de abandono material e intelectual e poder acarretar a perda do pá trio poder, constitui
também causa para a separação judicial, pois o casamento fica comprometido quando a prole é abandonada
material e espiritualmente. Embora nã o se trate de agressã o direta ao outro cô njuge, é ele atingido pelo
sofrimento dos filhos.
A confissã o real do réu basta para o acolhimento da inicial, nã o porém a ficta ou presumida, decorrente da
revelia. Inadmite-se, em conseqü ência, o julgamento antecipado da lide. Expressiva corrente vem proclamando,
porém, com razão, a disponibilidade do direito, por admitida a dissolução consensual do casamento, operando-
se, assim, os efeitos da revelia em caso de ausência de contestaçã o (RT, 612:58).

31.3.3. INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM

O revogado art. 319 do Có digo Civil previa o perdã o para o adultério, que se presumia se o cô njuge inocente,
conhecendo-o, coabitasse com o culpado. Nesse caso, deixaria de ser causa para a separaçã o judicial.
Embora tal dispositivo legal nã o mais exista, o princípio que o inspirou foi, de certa forma, mantido e ampliado
no art. 5°-, caput, da Lei do Divó rcio, ao exigir o requisito da "insuportabilidade da vida em comum".
Se o cô njuge inocente, cientificado da falta cometida pelo outro (adultério, injú ria grave ou qualquer outra),
prossegue coabitando com o infrator, sem que a falta provoque a repulsa ao casamento, deve-se entender que,
para ele, tal infraçã o nã o tornou insuportá vel a vida em comum, tendo-a perdoado. Assim, inexiste causa para a
decretação da separação judicial. Ao demandado é que cabe a alegaçã o e prova da exceção da suportabilidade
da vida em. comum.

31.3.4. RUPTURA DA VIDA EM COMUM E GRAVE DOENÇA MENTAL

Somente no caput do art. 5°- da Lei do Divó rcio temos separação-sanção.


As duas hipó teses dos §§ 1°- e 2°- sã o de separação-remédio, porque não.
se discute culpa. As duas modalidades de divó rcio (divó rcio-conversã o e
divó rcio direto) também sã o casos de dissoluçã o-remédio, bem como a
separaçã o amigá vel. Na hipó tese do § 1-°, temos a separaçã o por ruptura
da vida em comum, também chamada de separaçã o-falência (espécie de
separaçã o-remédio). O tempo de separação de fato exigido, que era de
cinco anos, foi reduzido para um pela Lei n. 8.408, de 13 de fevereiro de
1992, impondo-se também prova da impossibilidade da reconstituiçã o do
casamento. No § 2°- do aludido art. 5-° também está prevista uma outra
espécie de separaçã o, baseada na idéia de que o casamento, nas condiçõ es
de fato em que se encontra, não mais preenche as suas finalidades, sendo
conveniente a sua dissoluçã o. Prescreve o aludido dispositivo: "O cô njuge
pode ainda pedir a separaçã o judicial quando o outro estiver acometido de
grave doença mental, manifestada apó s o casamento, que torne impossível a
continuaçã o da vida em comum, desde que, apó s uma duração de 5 (cinco)
anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura imprová vel" (grifos
nossos).
A Lei do Divó rcio trata do mesmo modo a separação judicial por ruptura da
vida em comum e por motivo de doença mental. Em ambas, poderá ser negada
se constituir causa de agravamento das condiçõ es pessoais do cô njuge
separado,
76
ou da doença do cô njuge enfermo, ou determinar, em qualquer caso,
conseqü ências morais de excepcional gravidade para os filhos menores (LD,
art. 6°-). É a cláusula de dureza, trazida do direito francês, que vem
sendo aplicada pela jurisprudência somente em circunstâ ncias de
excepcional gravidade e prova indiscutível. Por seu turno, o § 3-° do
art. 52 contém regra pela qual o cô njuge que tomar a iniciativa da
separaçã o-falência ou da separaçã o por doença mental do outro cô njuge
sofrerá uma sançã o: o seu consorte tornar-se-á proprietá rio exclusivo dos
bens que trouxe para o casamento e da meação dos adquiridos
posteriormente. Embora a redaçã o do aludido pará grafo apresente-se ampla,
na realidade acaba aplicando-se somente ao regime da comunhão universal
de bens. O art. 226, § 6°, da Constituiçã o, que permitiu o divó rcio
direto apó s dois anos de separaçã o de fato, tornou inó cuos e obsoletos
(Theotonio Negrã o fala em revogação virtual) os pará grafos do art. 5°- e
o art. 6-° referidos, porque, se o casal já se encontra separado de fato
há mais de dois anos, jamais irá, hoje, pleitear a separaçã o por ruptura
da vida em comum ou por doença mental, pois poderá postular desde logo o
divó rcio direto, sem se sujeitar a qualquer espécie de sanção.
31.3.5. SEPARAÇÃ O DE CORPOS
A separação judicial acarreta a separaçã o de corpos e a partilha dos bens
(LD, art. 7`-'). Esta pode ser feita mediante proposta dos cô njuges e
homologação do juiz ou por este de cidida (art. 7°-, § 2-°). Se não
houver acordo para que a partilha se faça como no inventá rio, impor-se-á
a liquidação por artigos, decidindo o juiz, a final. O art. 7°- diz que a
separaçã o de corpos poderá ser determinada como medida cautelar, e faz
remissã o ao art. 796 do Có digo de Processo Civil. O requerimento de
separaçã o de corpos nã o é obrigató rio, mas
77
hoje tornou-se importante, porque o prazo de um ano para a convolação em
divó rcio da separaçã o judicial pode ser contado da data da decisão que
concedeu a medida cautelar (da data da decisão proferida na cautelar ou
na açã o principal, e nã o do seu trâ nsito em julgado, cf. art. 8°- c/c o
art. 25). Por isso, tem-se admitido a cautelar de separação de corpos
mesmo quando o casal já se encontra separado de fato, como forma de dar-
se juridicidade à separação do casal. A medida pode ser preparató ria ou
incidental, e não se examinam as causas da futura separação judicial.
Basta a prova do casamento e que o pedido se revista dos requisitos do
art. 801 do Có digo de Processo Civil. O estatuto processual disciplina
ainda o afastamento temporá rio dos cô njuges da morada do casal (CPC, art.
888, 1V), exigindo a propositura da ação principal no prazo de trinta
dias.
31.4. DA PROTEÇÃ O DA PESSOA DOS FILHOS
Na separaçã o consensual, observar-se-á o que os conjuges acordarem sobre
a guarda dos filhos, mas o juiz poderá recusar a homologaçã o e nã o
decretar a separaçã o se não estiverem preservados os interesses dos
filhos menores e dos maiores inválidos (LD, art. 9°-). Se a separação for
litigiosa, proposta com base na conduta desonrosa do outro cô njuge ou em
grave infraçã o dos deveres conjugais, os filhos menores ficarã o com o
cô njuge que a ela não houver dado causa, salvo se houver motivos graves
que recomendem outra soluçã o, a bem dos filhos menores (arts. 10 e 13).
Assim, mesmo que a mãe seja considerada culpada pela separaçã o,
eventualmente pode o juiz deferir-lhe a guarda dos filhos menores se
estiver comprovado que o pai, por exemplo, é alcoó latra e nã o tem
condiçõ es de cuidar bem deles. Se ambos
78
forem culpados, os menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz
verificar que, de tal soluçã o, poderá advir prejuízo de ordem moral para
eles. Verificado que nã o devem os filhos permanecer em poder da mãe ou do
pai, deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idô nea da família
de qualquer dos cô njuges. Se a causa da separaçã o for a ruptura da vida
em comum, os filhos permanecerã o em poder do cô njuge em cuja companhia já
se encontravam; se for a doença mental, ficarão com o que estiver em
condiçõ es de assumir, normalmente, a responsabilidade de sua guarda e
educaçã o.
Deve-se sempre dar prevalência aos interesses dos menores. Por isso, o
art. 13 confere poderes ao juiz para, a bem deles, decidir de forma
diferente dos critérios estabelecidos nos artigos anteriores, desde que
comprovada a existência de motivos graves. A questão da guarda admite
revisã o, sempre a bem do menor, nã o havendo coisa julgada. A Lei do
Divó rcio nã o regulamenta a questã o da guarda dos filhos nas separaçõ es de
fato, mas a jurisprudência utiliza o referido art. 13 para solucioná -la
em açõ es de busca e apreensã o entre pais separados apenas de fato. Como
nenhum tem mais direito do que o outro, pois o pá trio poder pertence a
ambos, a tendência é manter o statu quo, deixando-se os filhos com quem
se encontram até que, no procedimento da separaçã o judicial, valendo-se
dos critérios dos arts. 10 a 12 da Lei do Divó rcio, o juiz resolva
definitivamente a situação, decidindo a quem cabe o direito de guarda. O
juiz só estará autorizado a alterar o statu quo, na cautelar de busca e
apreensã o, a bem dos filhos e se o autor comprovar a existência dos
referidos motivos graves. Os critérios dos arts. 10 a 13 sã o aplicáveis
também aos casos de anulaçã o do casamento (art. 14).
O cô njuge que nã o ficar com a guarda dos filhos menores terá o direito de
visitá -los. Dispõ e o art. 15 da Lei do Divó rcio: "Os pais, em cuja guarda
nã o estejam os filhos,
79
poderã o visitá -los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem
como fiscalizar sua manutençã o e educação". Se nã o houver acordo dos
pais, caberá ao juiz a regulamentação das visitas. Mesmo o culpado, na
separaçã o litigiosa, tem o direito de visitar os filhos menores. Tal
direito, no entanto, pode ser restringido e até suprimido
temporariamente, em situaçõ es excepcionais, quando as visitas estiverem
sendo comprovadamente nocivas aos filhos. Embora nã o conste da Lei n.
6.515/77, a jurisprudência vem assegurando também aos avó s o direito de
visitas aos netos. Preceitua o art. 16 da referida lei que "as
disposiçõ es relativas à guarda e à prestaçã o de alimentos aos filhos
menores estendem-se aos filhos maiores inválidos" (grifos nossos).
31.5. DO USO DO NOME
Na separaçã o consensual, os cô njuges decidem livremente a respeito do uso
do nome pela mulher. A omissã o no acordo sobre essa questã o nã o deve ser
interpretada como renú ncia, pois tem ela o direito de continuar a usar o
nome do ex-marido. Na separaçã o litigiosa, a soluçã o encontra-se nos
arts. 17 e 18 da Lei do Divó rcio. A mulher perde o direito ao uso do nome
do marido: a) se ficar vencida (culpada) na separaçã o fundada em conduta
desonrosa ou infração dos deveres conjugais; b) se,for dela a iniciativa
da separaçã o ajuizada com base na ruptura da vida em comum ou em grave
doença mental do outro cô njuge. Se for vencedora na separação em que se
discute culpa ou se nã o tiver tomado a iniciativa da separação-falência
ou da separação-remédio, poderá optar por conservar o nome do marido.
Neste caso, terá a possibilidade de renunciar ao seu uso a qualquer
tempo. Assim, se na separação amigá vel optou por conservar o nome do ex
80
marido, pode a qualquer tempo voltar a usar o de solteira, requerendo ao
juiz (que nã o precisa ser o que homologou a separaçã o, podendo ser o de
seu domicilio) que determine a averbação da alteraçã o no registro civil.
É a ú nica cláusula da separaçã o amigá vel que pode ser alterada
unilateralmente. Todas essas regras aplicam-se também ao homem, que,
agora, em face da isonomia constitucional, pode adotar, no casamento, o
nome da mulher. O uso do nome do outro cô njuge, nos casos especificados,
nã o é, entretanto, absoluto. Se a mulher, apó s a separação, mesmo
vitoriosa na ação, passa a ter conduta imoral ou desonrosa, agindo de
modo a enxovalhar o nome do ex-marido, este poderá ajuizar açã o ordiná ria
para cassar esse direito, pela superveniente alteraçã o das
circunstâ ncias. No entanto, somente motivos muito graves e devidamente
comprovados poderão acarretar a perda do direito ao uso do nome do
marido, se a mulher nã o renunciou a eles na separação. Se o fez, nã o
poderá voltar a usá lo posteriormente. Admite-se a retificaçã o do nome da
viú va, para exclusã o do patronímico do esposo falecido (TJSP, 2á Câ m.,
Ap. 15.071-4-Campinas, j. 10-2-1998).
O uso do nome do ex-cô njuge apó s o divó rcio, porém, nã o é mais permitido,
salvo em três hipó teses. A Lei n. 8.408, de 13 de fevereiro de 1992,
acrescentou ao art. 25 da Lei do Divó rcio o seguinte pará grafo ú nico: "A
sentença de conversã o determinará que a mulher volte a usar o nome que
tinha antes de contrair matrimô nio, só conservando o nome de família do
ex-marido se a alteraçã o prevista neste artigo acarretar: 1- evidente
prejuízo para a sua identificação; 11- manifesta distinçã o entre o seu
nome de família e o dos filhos havidos da uniã o dissolvida; lII - dano
grave reconhecido em decisã o judicial". O inciso 1 aplica-se à s mulheres
que se tornaram famosas nos meios artístico, cultural, literá rio etc.
usando o nome do marido, enfim, quando esse nome estiver ligado às suas
atividades comerciais ou industriais. O inciso 11, aos casos em que os
filhos foram registrados só com o
81
apelido familiar do pai, sem o da mãe. Se a mulher perder o nome do
marido, haverá manifesta distinçã o entre o que passará a usar e o dos
filhos. O inciso 111 destina-se, genericamente, aos casos em que a mulher
conseguir provar, por sentença, que sofrerá dano grave com a perda do
nome do marido. A proibição imposta aos divorciados, de continuarem a
usar o nome do ex-cô njuge, impõ e-se também aos casos de divó rcio direto,
pois nã o foi intençã o do legislador dar tratamento diferente à s duas
espécies de divó rcio.
31.6. RESTABELECIMENTO DA SOCIEDADE CONJUGAL
Dispõ e o art. 46 da Lei do Divó rcio: "Seja qual for a causa da separaçã o
judicial, e o modo como esta se faça, é permitido aos cô njuges
restabelecer a todo o tempo a socie dade conjugal, nos termos em que fora
constituída, contanto que o façam mediante requerimento nos autos da ação
de separaçã o. Pará grafo ú nico. A reconciliação em nada prejudicará os
direitos de terceiros, adquiridos antes e durante a separação, seja qual
for o regime de bens". O requerimento deve ser formulado por ambos os
cô njuges, perante o juízo competente, que é o da separaçã o judicial,
sendo reduzido a termo assinado pelos cô njuges e homologado por sentença,
depois da manifestaçã o do Ministério Pú blico. Com a reconciliação, a
mulher voltará a utilizar o nome que usava antes da dissoluçã o da
sociedade conjugal. O regime de bens também será igual, porque o
restabelecimento far-se-á nos mesmos termos em que a sociedade fora
constituída. Somente se o casal se divorciou é que poderá unir-se
novamente com outro regime de bens, mas nã o pelo restabelecimento da
sociedade conjugal, e sim mediante novo casamento (art. 33).
82
32. DO DIVÓ RCIO
32.1. INTRODUÇÃ O
O divó rcio foi introduzido no Brasil pela Emenda Constitucional n. 9, de
28 de junho de 1977, que deu nova redaçã o ao § 1° do art. 175 da
Constituiçã o de 1969, não só su primindo o princípio da indissolubilidade
do vínculo matrimonial como também estabelecendo os parâmetros da
dissolução, que seria regulamentada por lei ordiná ria. O Decreto n. 181,
de 1890, que instituiu o casamento civil no Brasil, previa o divó rcio a
thoro et mensa, que acarretava somente a separação de corpos, mas nã o
rompia o vínculo matrimonial. O divó rcio vincular ou "a vínculo", que
dissolve o vínculo e permite novo casamento, somente passou a ser
aplicado no Brasil com a regulamentação da emenda constitucional pela Lei
n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977. A sua modalidade bá sica era o
divó rcio-conversã o: primeiramente o casal se separava judicialmente, e
depois de três anos requeria a conversã o da separaçã o em divó rcio. O
divó rcio direto era uma forma excepcional, prevista nas disposiçõ es
transitó rias (art. 40), ao alcance somente dos casais que já estavam
separados de fato há mais de cinco anos em 28 de junho de 1977. A
Constituiçã o de 1988 modificou, no entanto, esse panorama, reduzindo o
prazo da separaçã o judicial para um ano, no divó rcio-conversã o, e criando
uma modalidade permanente e ordiná ria de divó rcio direto, desde que
comprovada a separação de fato por mais de dois anos. A Lei n. 7.841, de
17 de outubro de 1989, limitou-se a adaptar a Lei do Divó rcio à nova
Constituiçã o. Deu, porém, nova redaçã o ao art. 40 da referida lei,
excluindo qualquer possibilidade de discussã o a respeito da causa
eventualmente culposa da separação. O ú nico requisito exigido para o
divó rcio di
83
reto passou a ser, assim, a comprovação da separação de por mais de dois
anos. Não há nenhuma sanção para o juge que tiver a iniciativa da ação.
Podemos dizer, desse m( que as duas modalidades atuais e ordiná rias
(permanen de divó rcio existentes no país, divó rcio-conversã o e dii cio-
direto, têm características de divó rcio-remédio. Nãc deveria assim
admitir qualquer discussã o sobre culpa no vó rcio direto. Quem pretendesse
a condenação do outro ci juge, com aplicaçã o de sançõ es, como a perda do
direít+ alimentos e da guarda dos filhos menores, deveria propo separaçã o
judicial com base no art. 5°-, caput, e depois de c ano requerer sua
conversã o em divó rcio. Entretanto, os juízo por economia processual, têm
admitido a discussã o sobre culpa nessas açõ es, mas para os efeitos
mencionados, e m* para a decretação do divó rcio. Este será decretado,
desde qt comprovada a separaçã o de fato por mais de dois anos, prc vada
ou nã o a culpa imputada ao réu.
O cará ter personalíssimo da ação de divó rcio vem rei saltado no pará grafo
ú nico do art. 24 da Lei do Divó rcio, qu estatui que o pedido "somente
competirá aos cô njuges". N+ entanto, em caso de incapacidade, poderá
haver substituiçã o pelo curador, ascendente ou irmão, uns em falta de
outros O prazo de um ano de separação para a conversã o é contado ou da
sentença que julgou a ação de separaçã o ou da decisão que julgou a
cautelar ou qualquer medida ou açã o anterior em que tenha ficado
demonstrada a separaçã o do casal (arts. 25 e 44). Embora o art. 8°-
mencione a data do trâ nsito em julgado dessas decisõ es como o dies a quo
da contagem do prazo de um ano, prevalece o disposto nos arts. 25 e 44,
que não exigem que a sentença tenha passado em julgado. O divó rcio, bem
como o novo casamento dos pais, não modifica os direitos e deveres destes
em relaçã o aos filhos. Findo o casamento, com o divó rcio, extinguem-se
também os deveres e direitos alimentá rios, decorrentes do dever de mú tua
84
assistência, salvo se ficarem estabelecidos antes da dissolução do
vínculo matrimonial. O novo casamento (ou a união está vel) do cô njuge
credor da pensã o extinguirá a obrigaçã o do devedor, mas, se este vier a
casar-se, ou a viver em uniã o está vel com outra pessoa, o novo casamento
(ou uniã o) nã o alterará a sua obrigação.
32.2. DIVÓ RCIO-CONVERSÃ O
Há duas modalidades: formulado por ambos (consensual) ou por um só dos
cô njuges (litigioso). Malgrado a lei nã o mencione o consensual, a sua
admissibilidade tornou-se tran qü ila na prá tica. Pode ser formulado
perante o juízo do domicílio de qualquer dos ex-cô njuges, ainda que
diverso do juízo por onde tramitou a ação de separaçã o judicial (cf. LD,
arts. 35, 47 e 48). Embora haja uma tendência natural de os ex-cô njuges
manterem as cláusulas convencionadas ou determinadas na separação, nada
obsta que as modifiquem, especialmente as referentes a alimentos, guarda
dos filhos menores, regulamentação de visitas etc. No tocante à partilha,
dispõ e o art. 31: "Nã o se decretará o divó rcio se ainda nã o houver
sentença definitiva de separaçã o judicial, ou se esta nã o tiver decidido
sobre a partilha dos bens". Sem prévia partilha, nã o se decretará a
conversã o da separaçã o em divó rcio. Entretanto, o art. 43 autoriza a
efetivação da partilha no pró prio pedido de conversã o: "Se, na sentença
do desquite, nã o tiver sido homologada ou decidida a partilha dos bens,
ou quando esta não tenha sido feita posteriormente, a decisã o de
conversã o disporá sobre ela".
Têm os tribunais procurado conciliar a contradição existente entre os
dois dispositivos, decidindo que, no pedido de conversã o formulado em
conjunto, poderá a partilha de bens
85
ser decretada na pró pria conversã o, se antes nã o tiver sido feita, desde
que, em face do consenso, nenhum prejuízo possa advir à s partes. Para
isso, é preciso que a petição inicial contenha o acordo quanto à
partilha, restando ao juiz somente a homologaçã o, pois nã o cabe discutir
nesse processo questão que já deveria estar solucionada. Descabe a
exigência de partilha prévia se o casal nã o tiver bens. Se ela só tiver
sido convencionada no acordo de conversã o, a Fazenda Pú blica deverá ser
ouvida, em razão de seu eventual interesse no imposto de reposiçã o
(decorrente da diferença de quinhõ es, equivalendo a uma doação).
Dispensa-se a fase conciliató ria no processo de conversã o, não prevista
na lei, mas a petição inicial deve ser assinada pelas pró prias partes. O
Ministério Pú blico será necessariamente ouvido,'pois a conversã o
constitui açã o de estado, referente a casamento (CPC, art. 82, II). O
procedimento é de jurisdiçã o voluntá ria.
Na conversã o litigiosa, o juiz conhecerá diretamente do pedido, quando
nã o houver contestação ou necessidade de produzir prova em audiência, e
proferirá a sentença em dez dias (LD, art. 37), diferentemente do que
acontece na ação de separação judicial. É que a ação de conversã o funda-
se precipuamente em prova pré-constituída. Por tratar-se de divó rcio-
remédio, em que nã o se discute culpa, nã o se admite reconvençao (art.
36). A matéria de mérito, que pode ser alegada em contestaçã o, é limitada
a: "I - falta de decurso do prazo de um ano de separaçã o judicial; II -
descumprimento das obrigaçõ es assumidas pelo requerente na separação"
(art. 36, pará grafo ú nico). Tanto trata-se de matérias de mérito que o
art. 37, § 2°-, proclama que "a improcedência do pedido de conversã o nã o
impede que o mesmo cô njuge o renove, desde que satisfeita a condição
anteriormente descumprida". Tal dispositivo impede que a sentença de
improcedência do pedido de conversã o transite materialmente em julgado. É
ó bvio, entretanto, que a falta de partilha prévia podia ser também
alegada (art. 31) com força
86
para obstar à decretaçã o da conversã o. Podem ser argü idas, ainda, as
objeçõ es a que se refere o art. 301 do Có digo de Processo Civil (inépcia
da inicial, defeito de representaçã o etc.).
A sentença limitar-se-á à conversã o da separaçã o em divó rcio, que nã o
poderá ser negada, salvo se provada a falta de decurso do prazo de um ano
de separaçã o judicial ou o descumprimento das obrigaçõ es assumidas pelo
requerente na separação (art. 37, § 1-). Expressiva corrente
jurisprudencial, entretanto, vem entendendo que o art. 36, pará grafo
ú nico, 11, da Lei n. 6.515/77 nã o foi recepcionado pela Constituiçã o de
1988, pois o seu art. 226, § 3-, nã o exige outra coisa para o divó rcio
que a separação judicial por mais de um ano, concedida esta nos casos
expressos em lei, ou a comprovada separação de fato por mais de dois
anos, nã o se admitindo mais o reconhecimento de qualquer outro obstá culo
que possa ser oposto à pretendida conversã o da separação judicial (RT,
697:69; RJTJSP, 148:44), nem mesmo a falta de prévia partilha (TJSP, lá
Câ m., Ap. 30.600-4/8-SP, 1. 10-12-1996, v. u.). Essa corrente, à qual se
filia Yussef Cahali (Repertó rio de jurisprudência e doutrina sobre
direito de família, Revista dos Tribunais, 1966, p. 11), entende nã o se
justificar tenha pretendido o novel constituinte impor ao cô njuge
separado judicialmente um tratamento discriminado mais rigoroso em sua
pretensã o ao divó rcio, tã o-só porque nã o estava simplesmente separado de
fato, mas também judicialmente. Em sentido contrá rio, contudo, decidiu o
STJ (REsp 58.991-0-SP, 4-T., Rel. Sá lvio de Figueiredo, DJ, 1-jun. 1999).
Admitida a derrogaçã o do mencionado inciso 11, não estarão extintas as
obrigaçõ es assumidas ou impostas ao cô njuge que pretende a conversã o.
Permanecem elas incó lumes, podendo ser exigido o seu cumprimento pelas
vias pró prias. O prazo legal de um ano não se interrompe nem se suspende,
nem mesmo por uma eventual reconciliaçã o de fato, e pode ser completado
no curso do processo, por aplicação do jus superveniens, expressamente
adotado no art. 462 do Có digo de Processo Civil. Malgrado o referido
prazo seja contado ou da sentença que
87
julgou a açã o de separação judicial ou da que decidiu qualquer açã o
anterior, mesmo de natureza cautelar, em que tenha ficado demonstrada a
separaçã o dos cô njuges, é condiçã o necessá ria o trâ nsito em julgado da
sentença de separação dos arts. 4-°e 5°da Lei n. 6.515/77, pois o que se
converte em divó rcio é a separaçã o judicial. Fica, assim, afastada a
possibilidade de converter-se diretamente em divó rcio a simples separaçã o
de corpos. A sentença que a decreta apenas pode servir de base para a
contagem do prazo â nuo. Assim, transitada em julgado a sentença de
separaçã o judicial, pode ser convertida desde logo em divó rcio, em certos
casos, contando-se o referido prazo da sentença que decretou a separação
de corpos.
Quanto ao ô nus da prova, compete ao requerente demonstrar o exaurimento
do prazo â nuo, bem como a existência de sentença de separação judicial
transitada em julgado, ainda que nã o haja contestaçã o, por tratar-se de
condiçõ es da conversã o. A prova do descumprimento de obrigaçõ es assumidas
pelo requerente por ocasiã o da separação judicial compete ao réu, ou
seja, o autor nã o está obrigado a comprovar o seu cumprimento. A alegação
do contestante de que a pensã o paga pelo requerente é irrisó ria nã o obsta
à decretaçã o da conversã o, pois vem sendo cumprida a obrigação assumida
na separaçã o judicial. Compete ao contestante, se pretender aumentar o
valor da contribuição, ajuizar a competente ação revisional de alimentos.
O art. 38 da Lei do Divó rcio, que restringia a formulaçã o do pedido de
divó rcio a uma ú nica vez, foi expressamente revogado pela Lei n.
7.841/89.
32.3. DIVÓ RCIO DIRETO
O art. 226, § 6-, da Constituiçã o permite o divó rcio direto, comprovada a
separaçã o de fato por mais de dois anos. Nã o se exige mais a demonstraçã o
da causa da separaçã o. A
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Lei n. 7.841/89, visando à adaptação do divó rcio à nova disciplina
constitucional, deu nova redação ao art. 40 da Lei n. 6.515/77, revogando
ainda o seu § 19. Deixou de ter cará ter excepcional para transformar-se
em uma forma ordiná ria e permanente de divó rcio. A nova redaçã o dada ao
art. 40 exige que os dois anos de separação de fato sejam consecutivos.
Portanto, se ela foi interrompida, mas restabeleceu-se, contar-se-á o
tempo a partir da ú ltima separação. Encontros esporá dicos do marido e da
mulher, porém, sem o â nimo de reconciliação, nã o têm o condã o de
interromper o prazo da separaçã o de fato ensejadora do divó rcio direto.
O divó rcio direto pode ser consensual ou litigioso, sendo suficiente, em
qualquer caso, a comprovaçã o da separação de fato por dois anos
consecutivos, sem qualquer inda gaçã o da sua causa. No divó rcio direto
consensual (LD, art. 40, § 2°-), o procedimento adotado será o previsto
nos arts. 1.120 a 1.124 do Có digo de Processo Civil (que trata da
separaçã o consensual), observadas ainda as seguintes normas: "I - a
petição conterá a indicaçã o dos meios probató rios da separação de fato, e
será instruída com a prova documental já existente; II - a petiçã o fixará
o valor da pensã o do cô njuge que dela necessitar para sua manutençã o, e
indicará as garantias para o cumprimento da obrigaçã o assumida; III - se
houver prova testemunhal, ela será produzida na audiência de ratificação
do pedido de divó rcio, a qual será obrigatoriamente realizada; IV - a
partilha dos bens deverá ser homologada pela sentença do divó rcio" (art.
40, § 2°-, I a IV). A lei nã o especifica em que pode consistir a prova
documental previamente constituída, mas podem ser lembradas, dentre
outras, ação de alimentos ou cautelar de separação de corpos
anteriormente ajuizadas, inscrição previdenciá ria de concubina,
justificaçõ es preparató rias etc. A partilha dos bens deverá ser
homologada pela sentença do divó rcio, não po
89
dendo ser remetida para um juízo posterior de execução, diferentemente do
que se permite no acordo de separaçã o judicial. Nada impede que seja de
partes ideais, estabelecendo-se, apó s o término do regime de bens entre
cô njuges, um condomínio sujeito ao direito das coisas. É necessá ria a
tentativa de conciliação, sendo os cô njuges ouvidos pessoalmente pelo
juiz. Yussef Cahali e Silvio Rodrigues entendem obrigató ria a audiência
de ratificação, haja ou não prova testemunhal a ser produzida. Assim
também já se decidiu: RT, 597:100 e 598:59. A redaçã o dó art. 40, § 2°-,
111, da Lei n. 6.515/77 é, entretanto, dú bia, podendo também ser
interpretado que a audiência de ratificaçã o será obrigatoriamente
realizada somente "se houver prova testemunhal", e não quando existir
prova documental da separaçã o de fato por dois anos consecutivos. A
sentença que homologa o divó rcio consensual ou recusa a homologação do
acordo é definitiva, dela cabendo apelaçã o voluntá ria. O Ministério
Pú blico, contudo, só está legitimado a recorrer quando a sentença
homologa o pedido de divó rcio consensual, faltando-lhe interesse para
recorrer da sentença de recusa.
O divó rcio direto requerido por um só dos cô njuges (litigioso) seguirá o
procedimento ordiná rio, segundo dispõ e o art. 40, § 3-, da Lei do
Divó rcio. Nã o há necessidade da ten tativa de reconciliaçã o, nem se
aplica a regra do art. 447 do Có digo de Processo Civil. A revelia do réu
nã o dispensa o autor da prova do ú nico requisito exigido pela lei: o
decurso do prazo de dois anos consecutivos da separação de fato.
Produzida essa prova com a inicial, admite-se o julgamento antecipado da
lide. Como o processo de conhecimento exaurese com a sentença
desconstitutiva do vínculo, nã o deverá esta antecipar-se quanto à
partilha dos bens do casal, que ficará reservada ao juízo sucessivo da
execução. No divó rcio-con
90
versã o, em suas duas modalidades, e no divó rcio direto consensual, exige-
se prévia partilha dos bens (LD, arts. 31 e 40, § 2°, IV). Quanto ao
divó rcio direto litigioso, entretanto, nenhuma norma assim o determina.
Por isso, entende o Superior Tribunal de Justiça ser "dispensá vel a
prévia partilha dos bens do casal, em se tratando de divó rcio direto. A
indispensabilidade, por lei (Lei n. 6.515/77, arts. 31 e 43), f
restringe-se ao divó rcio indireto (por conversã o)" (4á T., REsp 9.924-MG,
DJU, 1°- jul. 1991, p. 9202, Seçã o I, em.). Tal orientaçã o converteu-se
na Sú mula 197, in verbis: "O divó rcio direto pode ser concedido sem que
haja prévia partilha dos bens". No mesmo julgado, decidiu a referida
Corte que o separado judicialmente pode optar pelo divó rcio direto ao
invés do divó rcio-conversã o: "Nã o impede a lei que o separado
judicialmente opte por ajuizar o divó rcio direto, ocorrendo os
pressupostos deste, até porque nã o é razoá vel 4u, - o separado de fato
lhe tenha direito maior". Não constitui ó bice à decretaçã o do divó rcio
direto o descumprimento de obrigaçõ es alimentares, uma vez que a
disciplina do art. 36 não se aplica ao divó rcio direto, devendo tal
questão ser resolvida em sede de execuçã o de alimentos.
Prescreve o art. 32 da Lei do Divó rcio que "a sentença definitiva do
divó rcio produzirá efeitos depois de registrada no Registro Pú blico
competente". Na realidade, o vínculo matrimonial desconstitui-se pela
sentença transitada em julgado, reclamando-se o seu registro apenas para
efeitos colaterais. O oficial do registro civil exigirá prova do registro
da sentença, no processo de habilitação, para fins administrativos, ou
seja, para evitar que, ao ser feito o registro do novo casamento, ainda
nã o conste dos livros de registro a notícia da desconstituição do
anterior, dando a impressã o de que teria havido bigamia. Esta, porém,
somente ocorrerá se o segundo casamento se realizar antes da sentença
definitiva do divó rcio, que rompe o primeiro casamento.
91
CAPÍTULO IX
CONCUBINATO E UNIÃ O ESTÁ VEL
33. CONCUBINATO. CONCEITO E EVOLUÇÃ O
Entende-se por concubinato a uniã o entre o homem e a mulher sem
casamento. O Có digo Civil brasileiro contém alguns dispositivos que fazem
restriçõ es ao concubinato, proi bindo, por exemplo, doaçõ es ou benefícios
testamentá rios do homem casado à concubina, ou a inclusã o desta como
beneficiá ria de contrato de seguro- de vida. Aos poucos, no entanto, a
começar pela legislaçã o previdenciá ria, alguns direitos da concubina
foram sendo reconhecidos, tendo a jurisprudência admitido outros, como o
direito à meação dos bens adquiridos pelo esforço comum (STF, Sú mula
380). As restriçõ es existentes no Có digo Civil passaram a ser aplicadas
somente aos casos de concubinato adulterino, em que o homem vivia com a
esposa e, concomitantemente, mantinha concubina. Quando, porém,
encontrava-se separado de fato da esposa e estabelecia com a concubina um
relacionamento more uxorio, isto é, de marido e mulher, tais restriçõ es
deixavam de ser aplicadas, e a mulher passava a ser chamada de
companheira. Também começou a ser utilizada a expressã o "concubinato
impuro", para fazer referência ao adulterino, envolvendo pessoa casada em
ligação amorosa com terceiro, ou para apontar os que mantêm mais de uma
uniã o de fato. "Concubinato puro" ou companheirismo seria a convivência
duradoura, como marido e mulher, sem impedimentos decorrentes de outra
uniã o (caso dos solteiros, viú vos, separados judicialmente, divorciados
ou que tiveram o casamento anulado). A expressã o "concubinato" é hoje
utilizada
92
para designar o relacionamento amoroso envolvendo pessoas casadas, que
infringem o dever de fidelidade (adulterino). O grande passo, no entanto,
foi dado pela atual Constituição, ao proclamar, no art. 226, § 3°-: "Para
efeito da proteção do Estado, é reconhecida a uniã o está vel entre o homem
e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversã o
em casamento".
34. REGULAMENTAÇÃ O DA UNIÃ O ESTÁ VEL
A primeira regulamentação da norma constitucional que trata da uniã o
está vel adveio com a Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que definiu
como "companheiros" o ho mem e a mulher que mantenham união comprovada,
na qualidade de solteiros, separados judicialmente, divorciados ou
viú vos, por mais de cinco anos, ou com prole (concubinato puro). A Lei n.
9.278, de 10 de maio de 1996, alterou esse conceito, omitindo os
requisitos de natureza pessoal, tempo mínimo de convivência e existência
de prole. Preceitua o seu art. 1°- que se considera entidade familiar a
convivência duradoura, pú blica e contínua, de um homem e de uma mulher,
estabelecida com o objetivo de constituição de família. Usouse a
expressã o "conviventes" em substituiçã o a "companheiros". Embora esse
artigo não aluda expressamente à uniã o está vel pura, ou seja, não
incestuosa e nã o adulterina, inegavelmente aplica-se a ela. Conforme
acentua Á lvaro Villaça Azevedo, em comentá rio publicado na Revista
Literá ria de Direito (n. 11, p. 19), "é certo que o § 3° do art. 226 da
Constituiçã o Federal também nã o especifica nesse sentido; contudo, ambos
os dispositivos legais apontam o objetivo de constituição familiar, o que
impede que exista concubinato impuro (contra o casamento pré-existente de
um dos concubinos
93
ou em situação incestuosa) ou concubinato desleal (em concorrência com
outro concubinato puro)". Já se decidiu, no entanto, ser cabível a união
está vel entre pessoas casadas, mas separadas de fato há vá rios anos
(TJMG, lá Câ m., Ap. 133.065/3, j. 15-12-1998). Referidas leis destinam-se
aos casos de companheiros ou conviventes com vida em comum na data de sua
vigência, nã o se aplicando a situaçõ es de convivência já cessada em
definitivo antes dessa data. Impõ em-se, ainda, aos casos de uniã o
iniciada anteriormente, mas prorrogada até o início de vigência das
referidas leis ou mantida depois.
A Lei n. 9.278/96 enumerou, no art. 2°-, os direitos e deveres iguais dos
conviventes: respeito e consideração mú tuos; assistência moral, material
e recíproca; guarda, sustento e edu cação dos filhos comuns. O dever de
fidelidade recíproca está implícito no de respeito e consideraçã o mú tuos.
Justifica-se a nã o-inclusão do dever de coabitação, em virtude do
entendimento hoje tranqü ilo de que "a vida em comum sob o mesmo teto,
more uxorio, nã o é indispensá vel à caracterização do concubinato" (STF,
Sú mula 382). O art. 5°- cuida da meação sobre os bens adquiridos durante
o tempo de convivência, a título oneroso, considerando-se como fruto do
trabalho e da colaboraçã o comum, salvo se houver estipulaçã o contrá ria em
contrato escrito, ou se a aquisição dos bens der-se com o produto de
outros anteriores ao início da união (sub-rogação). Estabeleceu-se,
assim, a presunção de colaboração dos conviventes na formaçã o do
patrimô nio durante a vida em comum, invertendo-se o ô nus probató rio, que
competirá ao que negar a participação do outro. Manteve-se a
possibilidade de os conviventes celebrarem contrato escrito, que,
entretanto, nã o poderá ser registrado, em razão dos vetos do Presidente
da Repú blica. A administração do patrimô nio comum compete a ambos os
companheiros, salvo estipulaçã o diversa em contrato escrito (art. 5-, §
2°-). O direito a alimentos está previsto no art. 7°-, medi
94
ante assistência material ao convivente que dela necessitar, apó s
dissolvida a união está vel. Embora o dispositivo nã o fale em "culpa",
evidentemente a sua ocorrência afasta o direito a alimentos, pela
similitude que deve ser mantida com a hipó tese de separação judicial dos
casados, e também porque a expressã o "rescisão" utilizada no aludido
dispositivo já dá a idéia de culpa. O pará grafo ú nico do art. 7- prevê o
direito real de habitaçã o sobre o imó vel destinado à residência do casal,
em caso de dissoluçã o da uniã o está vel por morte de um dos conviventes. A
exemplo do que dispõ e o art. 1.611, § 2°-, do Có digo Civil em favor do
viú vo, tal direito cabe ao sobrevivente, em cará ter vitalício, enquanto
nã o constituir nova união ou casamento. É de lembrar-se que a Lei n.
8.971/94, nã o revogada nessa parte, concede os direitos de herança e
usufruto ao companheiro, aos quais vem a se juntar agora o direito real
de habitaçã o. As pessoas casadas nã o têm todos esses direitos. Dependendo
do regime de bens no casamento, têm o usufruto vidual ou o direito real
de habitaçã o, mas nunca cumulativamente. O art. 8destina-se a operacionar
o mandamento constitucional sobre a facilitação da conversã o da uniã o
está vel em casamento, facultando aos conviventes formular requerimento
nesse sentido ao oficial do registro civil. No entanto, por não
esclarecer o procedimento a ser adotado, mostra-se inó cuo. É evidente que
o oficial deverá exigir todas as providências que o Có digo Civil prevê
para a habilitaçã o ao casamento, especialmente para fins de verificação
da existência de impedimentos matrimoniais, sob pena de restar frustrada
a figura do casamento civil, pois bastará viver o casal em concubinato
durante algum tempo, sem qualquer formalidade, e convertê-lo, também sem
qualquer formalidade, em casamento civil. Por fim, o art. 9°- estabelece
a competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de
justiça, para conhecer de toda a matéria relativa à uniã o está vel.
95
Em virtude das falhas e omissõ es da referida lei, o Poder Executivo
pretende contribuir para o seu aprimoramento, provavelmente sob a forma
de novo projeto de lei. A Lei n. 8.971/94 foi apenas derrogada pela Lei
n. 9.278/96, ou seja, somente revogada naquilo que se tornou incompatível
com os termos desta ú ltima (na conceituaçã o de uniã o está vel e nas regras
referentes a alimentos e meação). Não se exige mais o prazo de cinco anos
para o reconhecimento da uniã o está vel. A prestaçã o de alimentos decorre
do dever de mú tua assistência entre os conviventes (art. 2°-, 11), os
quais podem ser reclamados tanto na vigência da união está vel, quando um
dos conviventes falte ao dever assistencial, como apó s sua dissoluçã o
culposa, provada a necessidade. E o direito de meação, reconhecido em
vida ou post mortem, resulta da presunção de colaboração dos companheiros
na aquisição dos bens durante o tempo de convivência, salvo disposição
contratual em contrá rio.
Permanecem em vigor, contudo, as disposiçõ es da lei anterior sobre
herança (direito à sucessã o na mesma situaçã o que teria o cô njuge viú vo,
segundo a ordem de vocação he reditá ria do art. 1.603 do CC) e usufruto,
pois a lei nova, no plano sucessó rio, limitou-se ao reconhecimento de
mais um direito aos conviventes, o de habitaçã o sobre o imó vel destinado
à residência da família. O reconhecimento da união está vel, para fins
sucessó rios, pode efetuar-se nos pró prios autos do inventá rio. Enquanto
discutida nas vias pró prias a qualidade de herdeiro ou o direito à meação
do companheiro, admissível o direito à reserva de bens no inventá rio.
Também se admite a homologaçã o da separação consensual de companheiros,
para reconhecimento da sociedade de fato, partilha de bens, guarda de
filhos etc. (RJTJSP, 141:59), bem como a cautelar de separaçã o de corpos
e de arrolamento de bens.
96
TÍTULO II
DAS RELAÇÕ ES DE PARENTESCO
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕ ES GERAIS
35. INTRODUÇÃ O
As pessoas unem-se em uma família em razão de vínculo conjugal, de
parentesco por consangü inidade ou adoçã o e da afinidade. Em sentido
estrito, a palavra "parentesco" abrange somente o consangü íneo, definido
como a relaçã o que vincula entre si pessoas que descendem umas das
outras, ou de um mesmo tronco. Em sentido amplo, no entanto, inclui o
parentesco por afinidade e o decorrente da adoção. Denominou-se, em
outros tempos, agnação o parentesco que se estabelece pelo lado
masculino, e cognação, o que se firma pelo lado feminino. Afinidade é o
vínculo que se estabelece entre um dos cô njuges e os parentes do outro.
Parentesco civil é o resultante da adoçã o. Recebe esse nome por tratar-se
de uma criação da lei.
36. O VÍNCULO DE PARENTESCO: LINHAS E GRAUS
O vínculo de parentesco estabelece-se por linhas: reta e colateral, e a
contagem faz-se por graus. Parentes em linha reta sã o as pessoas que
descendem umas das outras: bisavô , avô , pai, filho, neto e bisneto. A
linha reta é ascendente quando
97
se sobe de determinada pessoa para os seus antepassados (do pai para o
avô etc.). É descendente quando se desce dessa pessoa para os seus
descendentes.
Sã o parentes em linha colateral ou transversal as pessoas que provêm de
um tronco comum, sem descenderem uma da outra (CC, art. 331). É o caso de
irmã os, tios, sobrinhos
e primos. Na linha reta nã o há limite de parentesco; na colateral, este
estende-se somente até o sexto grau.
Grau é a distâ ncia em geraçõ es, que vai de um a outro parente. Na linha
reta, contam-se os graus pelo nú mero de geraçõ es. Assim, pai e filho sã o-
parentes em linha reta em primeiro grau. Já avô e neto sã o parentes em
segundo grau, porque entre eles há duas geraçõ es.,Na linha colateral a
contagem faz-se também pelo nú mero de geraçõ es. Parte-se de um parente
situado em uma das linhas, subindo-se, contando as geraçõ es, até o tronco
comum, e descendo pela outra linha, continuando a contagem das geraçõ es,
até encontrar o outro parente (CC, art. 333). Assim, irmã os sã o
colaterais em segundo grau. Partindo-se de um deles, até chegar ao tronco
comum conta-se uma geraçã o. Descendo pela outra linha, logo depois de uma
geraçã o já se encontra o outro irmã o. Tios e sobrinhos sã o colaterais em
terceiro grau; primos, em quarto etc. O parentesco mais pró ximo na linha
colateral é o de segundo grau, existente entre irmãos. Não há parentesco
em primeiro grau na linha colateral, porque quando contamos uma geração
ainda estamos na linha reta.
A linha colateral pode ser igual (como no caso de irmã os, porque a
distâ ncia que os separa do tronco comum, em nú mero de geraçõ es, é a
mesma) ou desigual (como no caso de tio e sobrinho, porque este se
encontra separado do tronco comum por duas geraçõ es e aquele por apenas
uma). Pode ser também duplicada, como no caso de dois irmãos que se casam
com duas irmã s. Neste caso, os filhos que nascerem dos dois casais serã o
parentes colaterais em linha duplicada.
98
37. ESPÉ CIES DE PARENTESCO
Dispunha o art. 332 do Có digo Civil que o parentesco era legítimo ou
ilegítimo, segundo procedia ou nã o de casamento, e natural ou civil,
conforme resultasse de consan gü inidade ou adoção. Se, por exemplo, os
pais eram casados, os irmãos eram legítimos; se nã o, eram ilegítimos. Tal
dispositivo foi expressamente revogado pela Lei n. 8.560, de 29 de
dezembro de 1992. A intençã o do legislador foi adaptar o Có digo Civil ao
art. 227, § 6°-, da Constituiçã o, que proclama terem os filhos, havidos
ou nã o da relação do casamento, ou por adoçã o (sem distinguir se se trata
de adoção restrita ou plena), os mesmos direitos e qualificaçõ es,
proibidas quaisquer designaçõ es discriminató rias relativas à filiaçã o.
Nã o mais podem, portanto, os filhos ser chamados, discriminatoriamente,
de legítimos, ilegítimos ou adotivos, a nã o ser em doutrina, nem se pode
mais dizer, como o fez o art. 336 do Có digo Civil, que a "adoção
estabelece parentesco meramente civil entre o adotante e o adotado". O
advérbio "meramente" dá a idéia de um parentesco de natureza inferior ao
consangü íneo. Hoje, como visto, os direitos e qualificaçõ es sã o iguais. E
como está proibida qualquer designaçã o discriminató ria relativa à
filiação, os parentes por consangü inidade e os por adoçã o devem ser
chamados apenas de parentes. A citada Lei n. 8.560/92, ao se referir aos
filhos ilegítimos, chama-os de "filhos havidos fora do casamento".
O casamento dá origem ao parentesco por afinidade. Cada cô njuge torna-se
parente por afinidade dos parentes do outro cô njuge. Se um dos cô njuges
tem parentes em linha reta (pais, filhos), estes se tornam parentes por
afinidade em linha reta do outro cô njuge. Essa afinidade em linha reta
pode ser ascendente (sogro, sogra, padrasto e madrasta, que são afins em
l-° grau) e descendente (genro, nora, enteado e
99
enteada, no mesmo grau de filho ou filha, portanto, afins em 1°- grau).
Cunhados (irmã os de um e de outro cô njuge) sã o afins na linha colateral
em segundo grau. A afinidade é um vínculo de ordem jurídica e decorre
somente da lei. Como a afinidade é relação de natureza estritamente
pessoal, cujos limites são traçados na lei, ela nã o se estabelece entre
os parentes dos cô njuges, sendo que os afins de cada um nã o o sã o entre
si (concunhados nã o sã o afins entre si). E, no caso de um segundo
casamento, os afins do primeiro não se tornam afins do cô njuge das
segundas nú pcias. "A afinidade, na linha reta, nã o se extingue com a
dissolução do casamento, que a originou" (CC, art. 335). Assim, falecendo
a esposa, o marido continua ligado à sogra pelo vínculo da afinidade. Se
se casar novamente, terá duas sogras. Na linha colateral, contudo, a
morte de um dos cô njuges faz desaparecer a afinidade. Nada impede, assim,
o casamento do viú vo com a cunhada. Se a dissoluçã o da sociedade conjugal
derse pela separação judicial, que não rompe o vínculo, subsiste a
afinidade entre o cô njuge separado e os parentes do consorte. Com o
divó rcio e conseqü ente rompimento do vínculo, nã o mais persiste a
afinidade. Nos casos de nulidade ou de anulabilidade, somente persistirá
a afinidade se reconhecida a putatividade do casamento.
CAPÍTULO II
DA FILIAÇÃ O NO CASAMENTO
38. INTRODUÇÃ O
Filiaçã o é a relaçã o de parentesco consangü íneo, em primeiro grau e em
linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a
100
geraram. Todas as regras sobre parentesco consangü íneo estruturam-se a
partir da noçã o de filiaçã o. A Constituiçã o de 1988 (art. 227, § 6°-)
estabeleceu absoluta igualdade entre todos os filhos, nã o admitindo mais
a retró grada distinçã o entre filiaçã o legítima ou ilegítima, segundo os
pais fossem casados ou não, e adotiva, que existia no Có digo Civil. Hoje,
todos são apenas filhos, uns havidos fora do casamento, outros em sua
constâ ncia, mas com iguais direitos e qualificaçõ es.
39. PRESUNÇÃ O LEGAL DE PATERNIDADE
Prescrevia o art. 337 do Có digo Civil que eram "legítimos os filhos
concebidos na constâ ncia do casamento, ainda que anulado, ou mesmo nulo,
se se contraiu de boa-fé" (grifos nossos). Tal dispositivo, entretanto,
também foi expressamente revogado pela Lei n. 8.560/92. O artigo seguinte
(338), que continua em vigor, explica quando se presume terem os filhos
sido concebidos na constâ ncia do casamento. Embora tal noçã o nã o tenha
mais interesse para a configuraçã o da filiaçã o legítima, continua sendo
importante para a incidência da presunção legal de paternidade. Essa
presunção, que vigora quando o filho é concebido na constâ ncia do
casamento, é conhecida pelo adá gio romano pater is est quem justae
nuptiae demonstrant, segundo o qual é presumida a paternidade do marido
no caso de filho gerado por mulher casada. Comumente, no entanto, é
referida de modo abreviado: presunção pater is est. Destina-se a
preservar a paz familiar.
Dispõ e o art. 338 do Có digo Civil que se presumem concebidos na
constâ ncia do casamento: "1 - os filhos nascidos 180 (cento e oitenta)
dias, pelo menos, depois de estabe lecida a convivência conjugal (art.
339); 11 - os nascidos dentro nos 300 (trezentos) dias subseqü entes à
dissolução da
sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulaçã o". Baseia-se tal
dispositivo nos períodos mínimo e máximo de gestação viá vel. O prazo de
cento e oitenta dias começa a fluir nã o da data da celebração do
casamento, mas do momento em que se estabelece a convivência conjugal
(caso de pessoas que se casam por procuraçã o). No inciso 11, como as
separaçõ es judiciais, divó rcios e anulaçõ es não se resolvem em um dia, é
evidente que o prazo deve iniciar-se da separação de ,fato, devidamente
comprovada. Se o filho nascer depois dos trezentos dias, a contar da
morte do marido, nã o o socorrerá a presunção de legitimidade, e, neste
caso, aos herdeiros caberá o direito de propor ação impugnativa da
filiação. A presunçã o estabelecida no aludido dispositivo nã o é absoluta,
pois pode ser elidida pelo marido, mediante açã o negató ria de paternidade
(art. 344).
A referida presunçã o de paternidade nã o incidirá se o filho nascer antes
de a convivência conjugal completar cento e oitenta dias, mas, neste
caso, a legitimidade do filho nã o poderá ser contestada em duas
hipó teses: "I se o marido, antes de casar, tinha ciência da gravidez
da mulher; 11 se assistiu, pessoalmente, ou por procurador, a lavrar-
se o termo de nascimento do filho, sem contestar a paternidade" (CC, art.
339). Nesses dois casos a presunçã o de paternidade passa a ser absoluta.
O homem que se casa com mulher grá vida implicitamente admite que o filho
é seu. Depois do casamento nã o poderá contestar a paternidade, ainda que
venha a descobrir que se enganou. Consoante a lição de Pontes de Miranda,
"isso nã o exclui a atitude de quem, sabendo da gravidez, se casa com
mulher prenhe, dizendo, no termo de casamento de acordo com a comunicação
da mulher, que o filho não é seu. Aí excluído o reconhecimento tá cito,
excluída está presunção legal" (Tratado de direito de família, 1947, v.
3, § 208, n. 7). De nada valerá, neste caso, a ressalva fei
102
ta somente no assento de nascimento do recém-nascido de que promoverá
ação negató ria de paternidade. Tal ressalva deverá ser levada a efeito no
termo de casamento. O inciso 11 trata de hipó tese diversa, não cogitando
do casamento com mulher grá vida. Aquele que declara o nascimento do filho
também nã o poderá mais tarde contestar a paternidade, se nã o fez nenhuma
ressalva ao se lavrar o termo.
Em regra, a presunção de paternidade do art. 338 do Có digo Civil é juris
tantum. A prova em contrá rio admitida é, no entanto, limitada provando-
se: "1 que o marido se achava fisicamente impossibilitado de
coabitar com a mulher nos primeiros 121 (cento e vinte e um) dias, ou
mais, dos 300 (trezentos) que houverem precedido ao nascimento do filho;
11- que a esse tempo estavam os cô njuges legalmente separados" (art.
340). O marido está , assim, obrigado a provar que, no período em que a
mulher engravidou (de 6 a 10 meses antes do nascimento, equivalente a 121
dias, computando-se o primeiro e o ú ltimo dia do período), encontrava-se
fisicamente impossibilitado de coabitar com ela ou já estavam legalmente
separados. Dentre as hipó teses de impossibilidade física de coabitação
inclui-se a impotência, que a lei exige seja absoluta. Tendo em vista que
o art. 342 nã o esclarece se a impotência admitida é a coeundi
(instrumental) ou a generandi (esterilidade), uma corrente sustenta que
ambas podem ser alegadas pelo marido, desde que absolutas, isto é, que
persistem a todo tempo, em relaçã o a qualquer mulher. A doutrina em geral
e os tribunais vêm entendendo, no entanto, que só a impotência generandi
pode ser argü ida pelo marido, provando a ausência total de
espermatozó ides em seu líquido seminal (azoospermia). A mutilação, que
poderia ser uma espécie de impotência instrumental, inviabiliza a
fecundaçã o pela impossibilidade de ejaculação. O segundo fato cuja
alegaçã o é permitida é a separaçã o legal dos cô njuges à época
103
da concepção. A mera separação de fato, no entanto, é também admitida
pela jurisprudência, mas enquadrada no inciso 1 como hipó tese de
impossibilidade física de coabitação. Somente incide a presunçã o pater is
est, portanto, se houver convivência do casal. A impugnaçã o do marido, no
caso do inciso 11, nã o prevalecerá se os cô njuges houverem convivido
algum dia sob o teto conjugal (art. 341). A expressã o "teto conjugal" vem
sendo entendida como qualquer local em que se tenham encontrado, podendo
ser a residência de um deles ou um motel.
No sistema do Có digo Civil, a presunção pater is est mostra-se rigorosa,
pois, se o casal vivia sob o mesmo teto e o marido nã o se achava
fisicamente impossibilitado de manter relação sexual com a mulher, nã o
terá como ilidi-la, mesmo provando o adultério praticado pela mulher
(art. 343), embora tal rigor venha sendo amenizado pela jurisprudência,
como adiante se verá. Nem a confissã o materna basta para excluir a
paternidade (art. 346).
40. AÇÃ O NEGATÓ RIA DE PATERNIDADE
Conhecida também como açã o de contestaçã o de paternidade, destina-se a
excluir a presunção legal de paternidade. A legitimidade ativa é
privativa do marido (CC, art. 344). Só ele tem a titularidade, a
iniciativa da ação, mas, uma vez iniciada, passa a seus herdeiros (art.
345), se vier a falecer durante o seu curso. Assim, nem mesmo o curador
do marido interdito poderia ajuizar tal açã o. Corrente mais consentâ nea
com a realidade, à qual se filia Pontes de Miranda, sustenta que a
iniciativa do curador deve ser acolhida quando as circunstâ ncias
evidenciam de forma ostensiva que o marido nã o é o pai.
104
Os prazos para a contestação da paternidade são exíguos e decadenciais:
dois meses, contados do nascimento, se o marido estava presente; três
meses, se estava ausente, ou lhe ocultaram o nascimento, contado o prazo
do dia de sua volta ao lar conjugal, no primeiro caso, e da data do
nascimento, no segundo (CC, art. 178, §§ 3- e 4-, 1). A exigü idade do
prazo explica-se pela necessidade de consolidar-se a situaçã o do filho.
Legitimado passivamente para esta açã o é o filho, mas, por ter sido
efetuado o registro pela mãe
e porque objetiva-se desconstituir um ato jurídico, retirando do registro
civil o nome que figura como pai -, deve ela também integrar a lide, na
posição de ré. Se o filho é falecido, a ação deve ser movida contra seus
herdeiros (normalmente a mãe é a herdeira).
A rigidez desse sistema vem sendo abrandada pela jurisprudência,
especialmente em face do progresso científico, que permite definir, com
absoluta certeza, por meio do exame de DNA, a paternidade bioló gica. Já
de há muito os tribunais vêm decidindo que a presunção legal de
paternidade só se aplica aos casos em que há convivência. Se o casal
estava separado de fato quando da concepção do filho, tal presunção deixa
de existir. Assim, o marido não estará atrelado aos referidos prazos
decadenciais. Sendo o filho adulterino a matre, poderá ser reconhecido
pelo verdadeiro pai. Mesmo que o marido nã o tenha ajuizado a negató ria de
paternidade, tem sido reconhecido ao filho o direito de impugnar a
paternidade, com base no art. 348 do Có digo Civil, provando o erro ou a
falsidade do registro. Mais se evidenciou essa possibilidade com o
advento da Lei n. 8.560/92, elaborada com o intuito de conferir maior
proteçã o aos filhos, por permitir que a investigaçã o da paternidade,
mesmo adulterina, seja proposta contra o homem casado, ou pelo filho da
mulher casada contra o seu verdadeiro pai, e por permitir, tam
105
bém, no art. 8-, a retificação, por decisão judicial, ouvido o Ministério
Pú blico, dos "registros de nascimento anteriores à data da presente lei".
Aduza-se que expressiva corrente jurisprudencial afirma que a açã o
negató ria de paternidade, por tratar-se de ação de estado, como a ação de
investigaçã o de paternidade, é imprescritível (cf. TJSP, 5A Câ m., Ap.
64.598-4-Barucri, j. 14-5-1998). O Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei n. 8.069/90) também contribuiu para que a rigidez da presunçã o legal
de paternidade fosse afastada, ao dispor, no art. 27: "O reconhecimento
do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros,
sem qualquer restriçã o". Como reflexo dessa evoluçã o, a Quarta Câmara do
Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 4.987,
deferiu a produçã o de prova pericial (exame de DNA) em açã o negató ria de
paternidade movida por marido que vivia com a mulher e nã o estava
impossibilitado de manter relaçõ es sexuais com ela. Havia somente a prova
do adultério da mulher, que a lei considera insuficiente. Frisou o
acó rdã o: "Na fase atual da evolução do Direito de Família, é
injustificá vel o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da
verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de
menor. Deve-se ensejar a produçã o de provas sempre que ela se apresentar
imprescindível à boa realização da justiça". O mesmo Superior Tribunal de
Justiça já decidira: "Nada obsta que se prove a falsidade do registro no
âmbito da açã o investigató ria de paternidade, a teor da parte final do
artigo 348 do CC. O cancelamento do registro, em tais circunstâ ncias,
será consectá rio ló gico e jurídico da eventual procedência do pedido de
investigaçã o, nã o se fazendo mister, pois, cumulação expressa" (STJ, 3á
T., REsp 40.690-0-SP, Rel. Min. Costa Leite, j. 21-2-1995, v. u.). Por
106
sua vez, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: "Investigaçã o de
paternidade. Filho adulterino a matre. Propositura de açã o contra o
verdadeiro pai, sem contestaçã o do pai presumido. Admissibilidade.
Presunçã o de legitimidade revogada pela Lei 8.560/92. Mãe adú ltera que
mantém a vida marital. Hipó tese que nã o configura impedimento. Alteração
dos registros de nascimento permitida pelo artigo 8- da citada lei.
Recurso nã o provido" (TJSP, 1á Câ m., Ap. 238.397-1-Campinas, Rel. Des.
Guimarã es e Souza, j. 9-5-1995, v. u.).
CAPÍTULO III
DO RECONHECIMENTO DOS FILHOS
41. FILIAÇÃ O HAVIDA FORA DO CASAMENTO
Os filhos de pais casados nã o precisam ser reconhecidos, pois a
paternidade, pelo sistema do Có digo Civil, decorre do casamento dos pais.
O filho havido fora do casa mento, porém, não é beneficiado pela
presunção legal de paternidade que favorece aqueles. Embora entre ele e
seu pai exista o vínculo bioló gico, falta o vínculo jurídico de
parentesco, que só surge com o reconhecimento. Antes da atual
Constituiçã o, os filhos de pais nã o casados entre si eram chamados de
ilegítimos e podiam ser naturais ou espú rios. Naturais, quando entre os
pais nã o havia impedimento para o casamento. Espú rios, quando nã o era
permitida a uniã o conjugal dos pais. Estes podiam ser adulterinos, se o
impedimento resultasse do fato de um deles ou de ambos serem casados, e
incestuosos, se decorresse do parentesco pró ximo, como entre pai e filha
ou entre irmão e irmã. Os adulterinos podiam ser a patre, se resultassem
de adultério praticado pelo
107
pai, ou a matre, se de adultério praticado pela mãe. Podiam ser, ao mesmo
tempo, adulterinos a patre e a matre, em geral quando pai e mãe, embora
vivessem juntos, eram casados com outros, mas estavam apenas separados de
fato.
Essa classificação só pode ser lembrada, agora, na doutrina, pois o art.
227, § 6°-, da Constituição proíbe qualquer distinçã o entre os filhos,
havidos ou não do casamento, in clusive no tocante à s designaçõ es. A
expressã o "filho ilegítimo" foi substituída por "filho havido fora do
casamento" (art. 1-° da Lei n. 8.560/92). Este pode ser reconhecido pelos
pais, conjunta ou separadamente (CC, art. 355). Se a mãe, nã o sendo
casada, comparece ao registro civil para registrar o filho, nã o pode
exigir o lançamento do nome do pai, salvo se este estiver presente e
consentir, ou se aquela exibir procuraçã o, com poderes específicos para
tal declaraçã o (art. 59 da LRP). Nã o há igual restriçã o para o lançamento
do nome da mãe, visto que se considera a maternidade sempre certa (mater
semper certa est).
O reconhecimento exige capacidade, pois trata-se de um ato jurídico em
sentido estrito. Os loucos nã o estã o autorizados a reconhecer, estejam ou
nã o interditados, bem como os menores de dezesseis anos. Aos
relativamente incapazes permite-se o reconhecimento. Há alguma dú vida
sobre a necessidade ou nã o de estarem assistidos. Se o reconhecimento for
feito pela via testamentá ria, não se exigirá a assistência, porque o
testamento pode ser feito por menor pú bere, independentemente de
assistência de seu representante legal (CC, art. 1.627), mas produzirá
efeitos somente apó s a sua morte. Podem, também, declarar a paternidade
perante o oficial do registro civil, para lavratura do termo, sem
assistência, porque se trata de declaração de um fato. Para a lavratura
de escritura pú blica, como ato autêntico, será exigida a assistência de
seu representante.
108
42. MODOS DE RECONHECIMENTO DOS FILHOS
O reconhecimento pode ser voluntá rio (perfilhação) ou coativo (também
chamado de "forçado" ou "judicial", por meio de açã o de investigação de
paternidade). O reconhecimento voluntá rio pode fazer-se, segundo o art.
357 do Có digo Civil, no pró prio termo de nascimento, mediante escritura
pú blica ou por testamento (em qualquer de suas formas). A Lei n. 8.560/92
criou mais dois modos, no art. 1°: por "escrito particular, a ser
arquivado em cartó rio", e por manifestaçã o expressa e direta perante o
juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto ú nico e principal
do ato que o contém". São cinco, pois, atualmente, os modos de
reconhecimento dos filhos. Qualquer que seja a forma, será sempre
irrevogá vel. Embora o testamento seja essencialmente revogá vel, não
poderá sê-lo na parte em que o testador reconheceu o filho havido de
relaçã o extramatrimonial. Não se deve confundir irrevogabilidade do
reconhecimento com invalidade. Se o reconhecimento decorrer de vício do
consentimento (coação, p. ex.), poderá ser objeto de açã o anulató ria.
42.1. RECONHECIMENTO VOLUNTÁ RIO
O reconhecimento voluntá rio, ou perfilhação, pode ser feito no pró prio
termo, mediante declaração no registro civil por um ou ambos os pais. Se
o filho já estiver registrado em nome de um deles, o outro também poderá
fazer o reconhecimento no pró prio termo, mediante averbaçã o judicial,
como prescreve o art. 357 do Có digo Civil. Assim preleciona Má rio de
Aguiar Moura (Tratado prá tico da filiaçã o, 2. ed., Aide, v. 1, p. 232).
Poderá , se o preferir, efetuar nesse caso o reconhecimento por escritura
pú blica, que também será averbada. A escritura pode ser lavrada
especificamente para o reconheci
109
mento, ou este pode fazer-se incidentemente em escritura que tenha outros
objetivos imediatos. Embora seja recomendá vel a anuência da mãe, para
evitar futura impugnação, a lei nã o exige a sua oitiva, nem consta tal
exigência do Provimento n. 494/93, do Conselho Superior da Magistratura
do Tribunal de Justiça de Sã o Paulo, que traçou diretrizes para o
registro de filhos havidos fora do matrimô nio apó s a vigência da Lei n.
8.560/92. Sendo beneficiada a criança, nenhum obstáculo deve ser colocado
à averbaçã o do reconhecimento em seu registro de nascimento, prevalecendo
o ato até que, por meio de açã o pró pria, seja declarada sua ineficácia.
A principal novidade trazida pela referida lei foi a possibilidade de ser
feito o reconhecimento por escrito particular. Antes, este só valia como
começo de prova para a açã o de investigação de paternidade (CC, art. 363,
111); agora, vale por si só , como reconhecimento. Este deve ser expresso,
reconhecendo-se a firma do signatá rio. Depois da averbação por
determinaçã o judicial, o documento permanecerá arquivado em cartó rio.
Pode-se agora, entã o, reconhecer um filho por codicilo, já que este é um
escrito particular, datado e assinado pelo de cujus (art. 1.651). É
proibido reconhecer o filho na ata do casamento (Lei n. 8.560/92, art. 3-
°), para evitar referência a sua origem extramatrimonial. Com essa
finalidade, também nã o se fará, nos registros de nascimento, qualquer
referência à natureza da filiaçã o, à sua ordem em relação a outros irmã os
do mesmo prenome, exceto gêmeos, ao lugar e cartó rio do casamento dos
pais e ao estado civil destes (art. 5°-). Igualmente, das certidõ es de
nascimento não constarã o indícios de a concepçã o haver sido decorrente de
relaçã o extraconjugal, nã o devendo constar, em qualquer caso, o estado
civil dos pais e a natureza da filiaçã o, bem como o lugar e o cartó rio do
casamento, proibida referência à apon
tada Lei n. 8.560/92, salvo autorizaçõ es ou requisiçõ es judiciais de
certidõ es de inteiro teor (art. 6°-).
O reconhecimento pode preceder ao nascimento do filho já concebido (CC,
art. 357, pará grafo ú nico), mas o filho que haja,fàlecido só poderá ser
reconhecido se tiver dei xado descendentes (para evitar reconhecimentos
por interesse, pois, se não deixou descendente algum, os seus bens irã o
para o ascendente que o reconheceu). Os filhos adulterinos e incestuosos,
segundo o art. 358, nã o podiam ser reconhecidos. Todavia, tal
dispositivo, que nã o se compatibilizava com os novos rumos traçados pela
Constituiçã o, foi expressamente revogado pela Lei n. 7.841/89. Por tal
razão, o art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente preceitua que o
reconhecimento do estado de filiação pode ser exercitado, hoje, sem
qualquer restriçã o, observado apenas o segredo de justiça. Filhos
adulterinos e incestuosos podem, assim, ser reconhecidos, ainda que os
seus pais estejam casados. Mesmo o adulterino a matre pode ajuizar a
qualquer tempo açã o de investigação de paternidade contra o verdadeiro
pai, afastando assim os efeitos da presunçã o pater is est.
O filho reconhecido por um só dos cô njuges não poderá residir no lar
conjugal sem o consentimento do outro, mas o art. 15 do Decreto-Lei n.
3.200/41 determina que, nesse caso, caberá ao pai ou à mãe prestar ao
filho reconhecido, fora do lar, idêntico tratamento ao que dispensa ao
havido no casamento, se o tiver, correspondente à condição social em que
viva. O filho, enquanto menor, ficará sob a guarda do progenitor que o
reconheceu. Se ambos o reconheceram, ficará sob o poder da mãe, "salvo se
de tal solução advier prejuízo ao menor" (CC, art. 360, parcialmente
modificado pelo art. 16 do Dec.-Lei n. 3.200/41, alterado pela Lei n.
5.582/ 70). O reconhecimento é incondicional: nã o se pode subordiná lo a
condiçã o, ou a termo (art. 361). O filho maior nã o pode
ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o
reconhecimento, dentro nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou
emancipaçã o (art. 362). Não vale, assim, o reconhecimento do filho maior
sem a sua anuência, mas esta pode ser dada posteriormente, sanando-se a
omissã o. Independe de forma especial. Se menor de idade, poderá impugnar
o reconhecimento no quatriênio que se seguir à aquisiçã o da capacidade
civil, por meio da ação de contestação ou impugnação de reconhecimento.
Nada impede que ingresse antes com a ação, enquanto menor, se devidamente
representado ou assistido. Na referida açã o, poderá alegar a incapacidade
do reconhecente ou inveracidade ou falsidade da afirmação da paternidade
ou maternidade. Decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, em face do
art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, tem-se por revogados os
arts. 178, § 9-Q, VI, e 362 do Có digo Civil, que fixavam em quatro anos o
prazo da ação de impugnação ao reconhecimento, contados da maioridade ou
emancipaçã o, salvo se já ocorrida a decadência antes da nova legislação
(REsp 79.640-RS, DJU, 9 dez. 1997).
O reconhecimento produz todos os efeitos a partir do momento de sua
realizaçã o e é retroativo (ex tunc), ou seja, retroage à data do
nascimento, sendo de natureza declarató ria. Será admitida a ação
anulató ria de reconhecimento sempre que se verificar a sua
desconformidade com a verdadeira filiação bioló gica. Preceitua o art. 113
da Lei dos Registros Pú blicos: "As questõ es de filiação legítima ou
ilegítima serão decididas em processo contencioso para anulaçã o ou
reforma do assento". Têm legitimidade para anular o assento e
desconstituir reconhecimento voluntá rio de paternidade nã o presumida todo
aquele que tenha justo interesse em contestar a ação investigató ria, ou
seja, todas as pessoas afetadas, direta ou indiretamente, como o filho
reconhecido, a mãe, os filhos e pretensos irmã os, bem como aquele que se
diz verdadeiro pai e mesmo outros herdeiros. O Ministério Pú blico
figura entre os que têm legitimidade, por tratar-se de questã o que diz
respeito ao estado da pessoa. Por essa razão, a açã o é imprescritível.
Assim, provando-se a falsidade ideoló gica do registro de reconhecimento
de paternidade nã o presumida, poderá ser-lhe alterado e retificado o
conteú do, como se extrai do disposto no art. 348 do Có digo Civil.
42.2. RECONHECIMENTO JUDICIAL (INVESTIGAÇÃ O DE PATERNIDADE E MATERNIDADE)
O filho nã o reconhecido voluntariamente pode obter o reconhecimento
forçado ou coativo, por meio da açã o de investigação de paternidade, de
natureza declarató ria e imprescritível (ação de estado). Trata-se de
direito personalíssimo e indisponível (ECA, art. 27). Os efeitos da
sentença que declara a paternidade, como se viu, são os mesmos do
reconhecimento voluntá rio e também ex tunc: retroagem à data do
nascimento (CC, art. 366). Embora a ação seja imprescritível, os efeitos
patrimoniais do estado da pessoa prescrevem. Por essa razão, preceitua a
Sú mula 149 do Supremo Tribunal Federal: "É imprescritível a açã o de
investigaçã o de paternidade, mas nã o o é a de petiçã o de herança". Esta
prescreve em vinte anos, a contar nã o da morte do suposto pai, mas do
momento em que foi reconhecida a paternidade. É que o prazo de prescrição
somente se inicia quando surge o direito à açã o, e este só nasce com o
reconhecimento. A ação de investigaçã o de paternidade é, assim, um
inafastá vel pressuposto para o ajuizamento da açã o de petiçã o de herança.
Nã o corre contra o filho nã o reconhecido a prescrição da açã o de petiçã o
de herança. Geralmente, essa açã o é cumulada com a de investigaçã o de
paternidade, estando implícita a anulação da partilha, se já
inventariados os bens. O pedido, no entanto, deverá ser expresso nesse
sentido. Trata-se de ação que interessa ao espó lio, devendo ser citados
os herdeiros. Se o filho foi reconhecido e já completou dezesseis
anos, o prazo prescricional começa a fluir da data da abertura da
sucessã o, pois nã o se pode litigar a respeito de herança de pessoa viva.
Se ainda nã o alcançou essa idade, começa a correr somente na data em que
a atingir (art. 169, 1).
42.2.1. LEGITIMIDADE PARA A AÇÃ O
A legitimidade ativa é do filho. O reconhecimento do estado de filiação é
direito personalíssimo, por isso, a açã o é privativa dele. Se menor, será
representado pela mãe ou tutor. Não é correto a mãe ajuizar a ação. Esta
deve ser proposta pelo menor, representado pela mãe. Se o filho morrer
antes de iniciá -la, seus herdeiros e sucessores ficarã o inibidos para o
ajuizamento. Se já tiver sido ajuizada, terã o eles legitimação para
continuá -la.
Hoje, a açã o pode ser ajuizada sem qualquer restrição (ECA, art. 27),
isto é, por filhos adulterinos e incestuosos, mesmo durante o casamento
dos pais. Já reconheceu o Superior Tribu nal de Justiça, no entanto,
vá lida a pretensã o dos filhos, substituindo o pai, em investigar a
filiação deste, junto ao avô (relação avoenga), dirigindo a lide contra
os referidos herdeiros, especialmente em face da nova Constituição e da
inexistência de qualquer limitaçã o no art. 363 do Có digo Civil (STJ, REsp
269-RS, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU, 7 jun. 1990). Também a Lei n.
8.560/92 permite, agora, que a referida ação seja ajuizada pelo
Ministério Pú blico, na qualidade de parte, havendo elementos suficientes,
quando o oficial do registro civil encaminhar ao juiz os dados sobre o
suposto pai, fornecidos pela mãe ao registrar o filho (art. 2°-, § 44),
ainda que o registro de nascimento tenha sido lavrado anteriormente à sua
promulgação (STJ, REsp 169.728-MG, DJ, 21 set. 1998).
A legitimidade passiva recai no suposto pai. Se já for falecido, a ação
deverá ser dirigida contra os seus herdeiros. Havendo descendentes ou
ascendentes, a mulher do falecido não participará da ação, salvo como
representante de filho
menor. Nã o é correto mover a ação contra o espó lio do falecido pai. O
espó lio nã o tem personalidade jurídica, nã o passando de um acervo de
bens. Os arts. 363 do Có digo Civil e 27 do Estatuto da Criança e do
Adolescente mencionam expressamente "os herdeiros" do suposto pai, mas
referida ação pode ser contestada por qualquer pessoa que tenha justo
interesse, econô mico ou moral (CC, art. 365). A defesa pode, assim, ser
apresentada pela mulher do réu, pelos filhos havidos no casamento ou
filhos reconhecidos anteriormente, bem como outros parentes sucessíveis.
Se nã o houver herdeiros sucessíveis conhecidos, a ação deverá ser movida
contra eventuais herdeiros, incertos e desconhecidos, citados por
editais. O município, que recolhe os bens nã o existindo herdeiros
sucessíveis, só será citado se a ação for cumulada com a de petição de
herança, em razão de seus efeitos patrimoniais.
42.2.2. FATOS QUE ADMITEM A INVESTIGAÇÃ O DE PATERNIDADE
O art. 363 do Có digo Civil nã o permitia a propositura de ação de
investigaçã o de paternidade pelos filhos adulterinos e incestuosos,
estando nessa parte revogado pela Constituição e pelo art. 27 do Estatuto
da Criança e do Adolescente. Pode tal ação ser ajuizada, hoje, sem
restriçã o, por qualquer filho havido fora do casamento, devendo provar um
dos seguintes fatos: a) que ao tempo da concepçã o sua mãe estava
concubinada com o pretendido pai; b) que a concepçã o coincidiu com o
rapto de sua mãe pelo suposto pai, ou de suas relaçõ es sexuais com ela;
c) que existe escrito daquele a quem se atribui a paternidade,
reconhecendo-a expressamente (CC, art. 363). Basta a prova, pelo menor,
de um desses fatos. A defesa apresentada pelo réu, em geral, é a negativa
do fato. Se este, no entanto, estiver provado, costuma-se opor a exceptio
plurium concubentium (exceção do concubinato plú rimo), que consiste na
alegaçã o de que a mulher, à época da concepção, mante
ve relaçõ es sexuais com outro homem. Se tal alegação fosse comprovada,
estava lançada a dú vida sobre a paternidade, e esta era suficiente para a
improcedência da ação. O exame de sangue, quando o resultado era
positivo, significava apenas a possibilidade de o réu ser o pai, mas não
afirmava a paternidade com certeza absoluta. Somente quando o resultado
era negativo é que a paternidade era excluída, de forma incontestá vel.
Hoje, no entanto, com o exame de DNA, é possível afirmar-se a paternidade
com um grau praticamente absoluto de certeza. A incerteza trazida aos
autos pela exceçã o oposta pelo réu já não conduz, necessariamente, à
improcedência da ação. É necessá rio frisar que ninguém pode ser
constrangido a fornecer amostras do seu sangue para o exame. No entanto,
a negativa do réu pode levar o juiz, ,a quem a prova é endereçada, a
interpretá -la de forma desfavorá vel a este, má xime havendo outros
elementos indiciá rios.
O concubinato pode ser demonstrado por diversas circunstâ ncias, sendo
relevantes a existência de relaçõ es sexuais mais ou menos prolongadas, a
aparente fidelidade recíproca e a no toriedade do relacionamento. A
dependência econô mica da mulher ao homem bem como a vida em comum sob o
mesmo teto (coabitação) nã o constituem requisitos obrigató rios. Dispõ e,
com efeito, a Sú mula 382 do Supremo Tribunal Federal: "A vida em comum
sob o mesmo teto, more uxorio, nã o é indispensá vel à caracterizaçã o do
concubinato". O rapto tem, em regra, fim libidinoso. Se coincidiu com a
época da concepçã o, faz presumir a paternidade, tenha sido violento ou
consensual (a lei nã o distingue). As relaçõ es sexuais sã o de difícil
prova. Em geral, a prova produzida é a indireta, constituída de indícios
veementes, especialmente pelo namoro prolongado e com exclusividade,
sendo muito importante a palavra da mãe, se honesta. Relevantes se
mostram, também neste caso, a defesa baseada no plurium concubentium e o
exame de DNA. O escrito do suposto pai pode ser carta ou bilhete
dirigidos à mãe do investigante, ou qualquer declaração particular,
reconhecendo
expressamente a paternidade. Hoje, se o escrito particular com
reconhecimento expresso da paternidade estiver autenticado, ou com a
firma reconhecida, constituirá por si só modo voluntá rio de
reconhecimento do filho, podendo ser averbado no registro civil, com base
no art. 14, II, da Lei n. 8.560/92, independentemente de açã o de
investigaçã o de paternidade. Se a mulher se submeter à inseminaçã o
artificial e engravidar, malgrado a inexistência de legislaçã o específica
no País, nã o se poderá negar ao filho o direito de investigar a
paternidade (ECA, art. 27). Se a mulher for casada e a inseminaçã o feita
sem a permissã o do marido, poderá este negar a paternidade.
42.2.3. AÇÃ O DE INVESTIGAÇÃ O DE MATERNIDADE
Referida ação, embora rara, é reconhecida ao filho, que pode endereçá-la
contra a mãe ou seus herdeiros. O art. 364 do Có digo Civil, no entanto,
impedia o seu ajuizamento quando tivesse por fim atribuir prole ilegítima
à mulher casada ou incestuosa à solteira. Tais restriçõ es nã o mais
subsistem, em face da atual Constituição e do citado art. 27 do Estatuto
da Criança e do Adolescente. Assim, pode hoje o filho, mesmo incestuoso,
mover açã o de investigação de maternidade sem qualquer restrição, seja
sua mãe solteira ou casada.
CAPÍTULO IV
DA ADOÇÃ O
43. A ADOÇÃ O NO CÓ DIGO CIVIL
Podemos falar, atualmente, em três espécies de adoção: simulada, civil e
estatutá ria. A simulada ou à brasileira é uma criaçã o da jurisprudência.
A expressã o "adoção simulada" foi
empregada pelo Supremo Tribunal Federal ao se referir a casais que
registram filho alheio, recém-nascido, como pró prio, com a intençã o de
dar-lhe um lar, de comum acordo com a mãe e não com a intençã o de tomar-
lhe o filho. Embora tal fato constitua, em tese, uma das modalidades do
crime de falsidade ideoló gica, na esfera criminal tais casais eram
absolvidos pela inexistência do dolo específico. Atualmente, dispõ e o
Có digo Penal que, nesse caso, o juiz deixará de aplicar a pena. No cível,
o Supremo manteve o mesmo entendimento, não determinando o cancelamento
do registro de nascimento, afirmando tratar-se de uma adoção simulada
(RTJ, 61:745). A adoção civil é a tradicional, regulada no Có digo Civil.
É chamada de restrita, porque nã o integra o menor totalmente na família
do adotante, permanecendo o adotado ligado aos seus parentes
consangü íneos, exceto no tocante ao pá trio poder, que passa para o
adotante (CC, art. 378). Hoje, só é permitida aos maiores de dezoito
anos. Adoçã o estatutá ria é a prevista no Estatuto da Criança e do
Adolescente para os menores de dezoito anos. É chamada, também, de adoção
plena, porque promove a absoluta integraçã o do adotado na família do
adotante, desligando-o completamente da sua de sangue, exceto no tocante
aos impedimentos matrimoniais. Como o referido Estatuto é omisso no
tocante à adoção do nascituro, Antonio Chaves a considera suprimida de
nosso direito (Adoçã o, Del Rey,1995, p. 165).
Os principais requisitos constantes do Có digo Civil, com a redaçã o dada
pela Lei n. 3.133/57, são: a) idade mínima de trinta anos para os
adotantes; b) diferença de dezesseis anos entre adotante e adotado; c)
consentimento do adotando; d) escritura pú blica. Como o Estatuto da
Criança e do Adolescente restringiu a adoçã o civil aos maiores de dezoito
anos, tacitamente a idade mínima dos adotantes foi elevada para trinta e
quatro anos, porque devem ser dezesseis anos mais velhos que o adotando.
Este, se maior, manifestará o consentimento, no ato da lavratura da
escritura. Se tiver entre dezoito e vinte e um anos, deverá consentir
assisti
do pelo curador. Se o pró prio curador tor o adotante, o juiz dar-lhe-á
curador especial. Enquanto nã o der contas de sua administração, e saldar
o seu alcance, nã o pode o tutor, ou curador, adotar o pupilo, ou o
curatelado (CC, art. 371). A falta de consentimento do representante
legal só pode ser argü ida pelos pró prios interessados, constituindo
nulidade relativa, porque de interesse meramente privado. A escritura
pú blica nã o precisa ser homologada pelo juiz, mas a averbação será feita
mediante despacho judicial, apó s manifestaçã o do Ministério Pú blico
(Prov. n. 494/93, do CSM do TJSP, art. 7s, § 29), tendo em vista que a
adoção será sempre assistida pelo Poder Pú blico (CF, art. 227, § 5-°).
Trata-se, portanto, quanto à natureza jurídica, de negó cio bilateral e
solene.
A adoçã o não pode ser subordinada a condição ou termo (CC, art. 375).
Solteiros, viú vos, separados judicialmente, divorciados e casais que já
tenham filhos consangü íneos podem adotar, até mais de uma vez. As pessoas
casadas só podem adotar decorridos cinco anos apó s o casamento. A lei nã o
exige o consentimento do outro cô njuge, se só um deles quiser adotar.
Dispõ e o art. 370 que ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se
forem marido e mulher. Irmã os, portanto, nã o podem adotar conjuntamente.
Tal dispositivo prejudicava os concubinos ou companheiros. Como o
Estatuto da Criança e do Adolescente permite hoje que concubinos adotem,
na forma plena, não há razã o para que nã o possam adotar pela forma
restrita do Có digo Civil. A morte do adotante nã o restaura o pá trio poder
do pai natural, devendo o adotado ser colocado sob tutela.
Os principais efeitos da adoçã o civil podem ser divididos em de ordem
pessoal e patrimonial. Os de ordem pessoal dizem respeito ao parentesco,
ao pá trio poder e ao nome; os de ordem patrimonial concernem aos
alimentos e ao direito sucessó rio. A adoçã o gera um parentesco entre
adotante
e adotado, que era chamado de meramente civil. Hoje, tal parentesco está ,
em tudo, equiparado ao consangü íneo (CF, art. 227, § 6-°), nã o mais
prevalecendo o art. 376 do Có digo Civil, que afirmava limitar-se o
parentesco resultante da adoção ao adotante e ao adotado, nã o alcançando
outros parentes, como pais e irmãos do primeiro. O filho adotivo passa a
ser considerado como verdadeiro filho do adotante, sem que desapareçam,
no entanto, os laços que o vinculam à família de sangue. Somente o pá trio
poder transfere-se do pai natural para o adotante (CC, art. 378). No
tocante ao nome do adotando, na escritura pú blica poderá constar, segundo
a Lei n. 3.133/57: a) que nã o se fará nenhuma alteraçã o; b) que somente
se acrescentarão os apelidos familiares do adotante; c) que haverá a
substituição dos apelidos dos pais de sangue pelos do adotante. Nã o se
pode alterar, todavia, o prenome, qualquer que seja a forma adotada.
Quanto aos efeitos de ordem patrimonial, sã o devidos alimentos,
reciprocamente, entre adotante e adotado, pois tornam-se parentes. O
adotante passa a ter o usufruto legal dos bens do filho, que é inerente
ao pá trio poder (CC, art. 389). Com relaçã o ao direito sucessó rio, o
filho adotivo concorre, hoje, em igualdade de condiçõ es com os filhos de
sangue, em face da paridade estabelecida pelo art. 227, § 6s, da
Constituiçã o, que fala simplesmente em "adoção", sem distinguir entre a
restrita e a plena. Encontram-se tacitamente revogados, assim, os arts.
377, 1.605, § 2s, 1.609 e 1.618 do Có digo Civil, porque davam tratamento
diferente aos filhos adotivos e de sangue do adotante. A revogação do
art. 1.618, entretanto, não é pacífica, entendendo Theotonio Negrã o que
foi revogado pelo art. 41, § 29, do Estatuto da Criança e do Adolescente,
que, porém, só se aplica à adoçã o de criança e adolescente. Continuaria
em vigor, na adoçã o restrita. De qualquer forma, todos os referidos
dispositivos legais aplicam-se à s sucessõ es abertas anteriormente à
Constituiçã o de 1988, nos termos do art. 1.577 do Có digo Civil (RSTJ,
59:329).
120
A adoçã o civil extingue-se: a) pelo repú dio (ou ruptura unilateral),
prevista no art. 373 do Có digo Civil, que permite ao menor, ou interdito,
desligar-se da adoçã o, unilateral mente, no ano imediato ao em que cessar
a interdiçã o, ou a menoridade, decaindo desse direito se nã o o exercer em
um ano; b) por acordo de vontades entre adotante e adotado (ou ruptura
bilateral), por escritura pú blica, sendo capazes (art. 374, 1); c) por
revogação judicial, requerida por um deles (é, por isso, também ruptura
unilateral), nos casos em que se admite a deserdaçã o, como injú ria grave,
agressã o física etc. (arts. 1.595, 1.744 e 1.745). É a ú nica hipó tese que
depende de sentença judicial.
44. A ADOÇÃ O NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A adoçã o civil perdeu a sua importâ ncia, por aplicar-se somente aos
maiores de dezoito anos. Raras são as adoçõ es de pessoas maiores. A
adoção regulamentada no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.
8.069, de 13-7-1990) aplica-se à s crianças e adolescentes,
independentemente de sua situação jurídica (irregular ou nã o), os quais
nã o podem mais ser adotados pelo sistema do Có digo Civil, por escritura
pú blica. Excepcionalmente, os maiores de dezoito anos (mas menores de 21)
podem ser adotados pela forma plena, se já estiverem sob a guarda ou
tutela dos adotantes (ECA, art. 40). A principal característica desta
modalidade de adoçã o é que ela promove a integração completa do adotado
na família do adotante, na qual será recebido na condição de filho, com
os mesmos direitos e deveres dos consangü íneos, inclusive sucessó rios,
desligando-o, definitiva e irrevogavelmente, da família de sangue, salvo
para fins de impedimentos matrimo
piais (ECA, art. 41). Nã o se faz por escritura pú blica, mas mediante
procedimento especial perante a Vara da Infâ ncia e da Juventude. A
sentença determinará o cancelamento do registro original do adotado e
ordenará que se faça um novo, como se os adotantes acabassem de ter um
filho natural, podendo estabelecer, a pedido do adotante, a modificaçã o
do prenome (art. 47).
No tocante aos requisitos pessoais do adotante, a adoção pode ser
requerida por maiores de vinte e um anos, independentemente do estado
civil (mesmo solteiros). Pode tam bém ser solicitada por ambos os
cô njuges ou concubinos, desde que um deles tenha completado vinte e um
anos e seja comprovada a estabilidade da família (ECA, art. 42, § 2`-').
Em relação aos concubinos, a permissã o alcança o concubinato puro,
chamado também de companheirismo, em que há uma convivência more uxorio.
Permite-se aos divorciados e separados adotar conjuntamente, desde que
acordem sobre a guarda e o regime de visitas. Nesses casos, o está gio de
convivência deverá ter-se iniciado na constâ ncia da sociedade conjugal. A
novidade foi a permissã o inserida no art. 42, § 5°-, para a adoção por
pessoa que tenha falecido no curso do procedimento já instaurado e que
tenha manifestado, de forma inequívoca, sua vontade de aceitar a medida.
Os efeitos da adoçã o, neste caso, retroagem à data do ó bito. Admitese,
também, a adoçã o por estrangeiro, como medida excepcional, cumpridas as
rígidas exigências de está gio de convivência no territó rio nacional de no
mínimo quinze dias, para crianças de até dois anos de idade, e de no
mínimo trinta dias, para as de idade superior (arts. 31 e 46, § 2°-). Se
um dos cô njuges ou concubinos adotar o filho do outro, nã o se extinguirã o
os vínculos de filiação anteriores nem os com os parentes do cô njuge ou
concubino do adotante (art. 41, § 12).
Quanto aos requisitos pessoais do adotando, só será per-
122
menos de 21, porque o ECA nã o se aplica a maiores) se já se encontrar sob
a guarda ou tutela do adotante. O menor com mais de doze anos deve dar o
seu consentimento (ECA, art. 45, § 2°). Necessá rio o está gio de
convivência (ou período de prova), cujo prazo é fixado pelo juiz. Só
poderá ser dispensado se o adotando não tiver mais de um ano de idade ou,
qualquer que seja a sua idade, se já estiver na companhia do adotante por
período de tempo suficiente para avaliar-se a conveniência da
constituição do vínculo (art. 46). O consentimento dos pais só é
dispensá vel se sã o desconhecidos ou foram destituídos do pá trio poder. A
adoção é irrevogá vel. A morte dos adotantes nã o restabelece o pá trio
poder dos pais naturais (arts. 48 e 49). É vedada a adoção por procuraçã o
(art. 39, pará grafo ú nico).
CAPÍTULO V
DO PÁ TRIO PODER
45. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
Pá trio poder é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no
tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores. Não tem mais o cará ter
absoluto de que se revestia no direito romano. Hoje, já se cogitou chama-
lo de "pá trio dever", por atribuir aos pais mais deveres do que direitos.
Constitui um mú nus pú blico. Ao Estado, que fixa normas para o seu
exercício, interessa o seu bom desempenho. É irrenunciá vel, indelegá vel e
imprescritível. Os pais nã o podem renunciar a ele, nem transferi-lo a
outrem. A ú nica exceção é
123
a prevista no art. 166 do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas feita
em juízo, sob a forma de adesão ao pedido de colocação do menor em
família substituta (geralmente em pedidos de adoçã o, que transfere aos
adotantes o pá trio poder), cuja conveniência será examinada pelo juiz. Os
pais dele nã o decaem pelo fato de nã o exercitá -lo.
Estã o sujeitos ao pá trio poder os filhos menores nã o emancipados, havidos
ou nã o no casamento, desde que reconhecidos, bem como os adotivos (CC,
art. 379, com as al teraçõ es provocadas pela CF/88). Compete e deve ser
exercido por ambos os pais. O art. 38-0 do Có digo Civil, que atribuía o
exercício do pá trio poder ao marido, colocando a mulher na posiçã o de
colaboradora, bem como o seu pará grafo ú nico, que dizia prevalecer a
decisã o do pai, em caso de divergência, perderam eficá cia em razã o da
isonomia constitucional e em face do art. 21 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Prescreve este que o pá trio poder é exercido, em igualdade
de condiçõ es, pelo pai e pela mãe, podendo qualquer deles, em caso de
divergência, recorrer ao juiz para solucioná la. A separação judicial e o
divó rcio não alteram o pá trio poder (CC, art. 381), com exceção da
guarda, que representa uma pequena parcela desse poder e fica com um
deles, assegurando-se ao outro o direito de visita e de fiscalizaçã o da
manutenção e educaçã o por parte do primeiro. O exercício por ambos fica
prejudicado, havendo na prá tica uma espécie de repartição entre eles, com
um enfraquecimento dos poderes por parte do progenitor privado da guarda,
porque o outro os exercerá em geral individualmente. O filho havido fora
do casamento ficará sob o poder do progenitor que o reconheceu. Se ambos
o reconheceram, ambos serã o os titulares, mas a guarda ficará com a mãe,
salvo se de tal solução advier prejuízo para o menor (CC, arts. 383 e
360, parcialmente modificado pelo art. 16 do Dec.-Lei n. 3.200/41).
124
46. CONTEÚ DO DO PÁ TRIO PODER
46.1. QUANTO À PESSOA DOS FILHOS
O art. 384 do Có digo Civil enumera os direitos e deveres que incumbem aos
pais, referentes à pessoa dos filhos: "I - dirigir-lhes a criação e
educaçã o; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes, ou
negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor, por
testamento ou documento autêntico (...); V - representá -los (...) e
assisti-los (...) nos atos em que forem partes (...); VI - reclamá-los de
quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência,
respeito e os serviços pró prios de sua idade e condição". A infração ao
dever de criação configura, em tese, o crime de abandono material (CP,
art. 244) e constitui causa de perda do pá trio poder (CC, art. 395, II).
A perda deste nã o desobriga os pais de sustentar os filhos, sendo-lhes
devidos alimentos ainda que estejam em poder da mãe, em condiçõ es de
mantê-los. Não fosse assim, o progenitor faltoso seria beneficiado com a
exoneração do encargo, que recairia integralmente sobre o outro cô njuge.
Ora, a suspensã o e a perda do pá trio poder constituem punição e nã o
prêmio ao comportamento faltoso. A infraçã o ao dever de proporcionar ao
menos educaçã o primá ria aos filhos caracteriza o crime de abandono
intelectual (CP, art. 246). Como conseqü ência do direito e dever de ter
os filhos em sua companhia e guarda (CC, art. 384, D), podem os pais
reclamálos de quem ilegalmente os detenha (inciso VI), por meio de açã o
de busca e apreensã o. A entrega de filho a pessoa inidô nea pode
configurar o crime previsto no art. 245 do Có digo Penal. Para conseguir
que os filhos lhes prestem obediência, respeito e os serviços pró prios da
idade (CC, art. 384, VII), os pais podem até castigá -los fisicamente,
desde que o fa
125
çam moderadamente. A aplicação de castigos imoderados caracteriza o crime
de maus-tratos, causa de perda do pá trio poder (CC, art. 395, I).
46.2. QUANTO AOS BENS DOS FILHOS
Os atributos na ordem patrimonial dizem respeito à administração e ao
direito de usufruto. Os pais, em igualdade de condiçõ es, sã o os
administradores legais dos bens dos fi lhos, salvo o disposto no art. 225
do Có digo Civil. É dessa maneira que, atualmente, deve ser interpretado o
art. 385, em razão da isonomia constitucional. Nã o podem, porém, praticar
atos que ultrapassem os limites da simples administração. Para alienar ou
gravar de ô nus reais os bens imó veis dos filhos precisam obter
autorização judicial, mediante a demonstração da necessidade, ou evidente
utilidade da prole (art. 386). Expedido o alvará, a venda poderá ser
feita a quem melhor pagar, nã o devendo o preço ser inferior ao da
avaliação. Não se exige a venda em hasta pú blica, indispensá vel somente
no caso de menores sob tutela. Se a venda se efetivar sem a autorizaçã o
judicial, padecerá de nulidade, porém relativa, porque só poderá ser
oposta pelo pró prio filho, seus herdeiros ou representante legal, se
durante a menoridade cessar o pá trio poder, dentro dos prazos
prescricionais dos incisos III e IV do § 6°- do art. 178. Sempre que no
exercício do pá trio poder colidirem os interesses dos pais com os do
filho, o juiz dar-lhe-á curador especial (art. 387). Nã o se exige, para
tanto, prova de que o pai pretende lesar o filho. Basta que se coloquem
em situaçõ es cujos interesses são aparentemente antagô nicos, como
acontece na venda de ascendente a descendente, que depende do
consentimento dos demais descendentes. Se um destes for menor, ser-lhe-á
nomeado curador especial, para representá -lo na anuência.
126
Aos pais pertence o usufruto, as rendas dos bens dos filhos menores (CC,
art. 389), como uma compensaçã o dos encargos decorrentes de sua criação e
educaçã o. Trata-se de usufruto legal, que dispensa prestação de contas e
da cauçã o a que se refere o art. 729 do Có digo Civil. O art. 389 ressalva
o disposto no art. 225, pelo qual "o viú vo, ou a viú va, com filhos do
cô njuge falecido, que se casar antes de fazer inventá rio dos bens do
casal e dar partilha aos herdeiros, perderá o direito ao usufruto dos
bens dos mesmos filhos". Nesse caso, como o pai só perde o usufruto, mas
conserva a administração, deve devolver as rendas produzidas pelos bens
do filho, ao prestar contas. Os pais nã o terã o também o usufruto (embora
conservem a administraçã o) dos bens deixados ou doados ao filho com a
exclusão do usufruto paterno e os deixados ao filho para fim certo e
determinado (art. 390, I e I1), como a quantia para assegurar ao menor
educaçã o completa, inclusive de nível superior. O art. 391 menciona os
bens excluídos do usufruto e da administração dos pais: a) os bens
adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento;
b) os adquiridos pelo filho em serviço militar, de magistério, ou em
qualquer outra funçã o pú blica; c) os deixados ou doados aos filhos, sob a
condiçã o de nã o serem administrados pelos pais; d) os que ao filho
couberem na herança (art. 1.599), quando os pais forem excluídos da
sucessã o por indignidade (art. 1.602).
47. EXTINÇÃ O, SUSPENSÃ O E PERDA DO PÁ TRIO PODER
47.1. EXTINÇÃ O
A extinção do pá trio poder dá -se por fatos naturais, de 127
O art. 392 do Có digo Civil menciona as seguintes causas de extinção:
morte dos pais ou do filho, emancipação, maioridade e adoçã o. Com a morte
dos pais, desaparecem os titulares do direito. A morte do filho, a
emancipaçã o e a maioridade fazem cessar a razã o de ser do instituto, que
é a proteção do menor. Presume a lei que os maiores de vinte e um anos e
os emancipados nã o mais precisam da proteçã o conferida aos incapazes. A
adoção extingue o pá trio poder na pessoa do pai natural, transferindo-o
ao adotante.
47.2. SUSPENSÃ O E PERDA
Sã o sançõ es aplicadas aos pais pelo juiz, não tanto com intuito punitivo,
mas para proteger o menor. A suspensã o é imposta nas infraçõ es menos
graves, mencionadas no art. 394 do Có digo Civil, e que representam, no
geral, infração genérica aos deveres paternos. É temporá ria até quando se
mostre necessá ria. Desaparecendo a causa, pode o pai, ou a mãe, recuperar
o pá trio poder. É facultativa e pode referir-se unicamente a determinado
filho. A perda (ou destituiçã o) do pá trio poder decorre de faltas graves,
que configuram inclusive ilícitos penais, e sã o especificadas no art. 395
do Có digo: aplicaçã o de castigos imoderados aos filhos (crime de maus-
tratos), abandono (crimes de abandono material e intelectual) e prá tica
de atos contrá rios à moral e aos bons costumes (crimes de natureza sexual
contra os filhos ou conduta inconveniente, como uso de entorpecentes ou
entrega da mãe à prostituiçã o).
Frise-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 23) dispõ e que
a falta ou carência de recursos materiais nã o constitui, por si só ,
motivo suficiente para a suspensã o ou a
128
perda do pá trio poder, devendo o menor, se nã o concorrer outro motivo que
autorize a decretaçã o da medida, ser incluído em programas oficiais de
auxílio.
O Có digo Penal também prevê a perda do pá trio poder como efeito da
condenação, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusã o, cometidos
contra filho (art. 92, 11). A Consolida ção das Leis do Trabalho
preceitua, no art. 437, pará grafo ú nico, a destituição do pá trio poder
como sançã o aplicável aos pais que permitirem o trabalho dos filhos em
locais nocivos à sua saú de ou o exercício de atividades atentató rias à
sua moral. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a perda do pá trio
poder pela infraçã o ao dever de sustento, guarda e educação dos filhos
menores (arts. 22 e 24), hipó tese esta já abrangida pelo art. 395, 11, do
Có digo Civil.
A perda do pá trio poder é permanente, mas nã o se pode dizer que seja
definitiva, pois os pais podem recuperá-lo em procedimento judicial, de
cará ter contencioso, desde que com provem a cessação das causas que a
determinaram. É imperativa, e nã o facultativa. Abrange toda a prole, por
representar um reconhecimento judicial de que o titular do pá trio poder
nã o está capacitado para o seu exercício. Entretanto, como se deve dar
prevalência aos interesses do menor, já se decidiu, em caso de perda do
pá trio poder por abuso sexual de pai contra filha, que a destituiçã o não
atingiria o filho, que trabalhava com o pai e estava aprendendo o ofício,
sem nenhum problema de relacionamento. Entendeu-se que, nesse caso
especial, separá-lo do pai trar-lhe-ia prejuízo ao invés de benefício.
Antigamente, dentre as diferenças entre suspensã o e perda do pá trio
poder, apontava-se a seguinte: a suspensã o podia ser decretada por
simples despacho, sem forma nem figura de juízo, mas a perda dependia de
procedimento contencioso. Hoje, no entanto, tal diferença nã o mais
existe, pois o art. 24 do Estatuto da Criança e do Adolescen
129
te preceitua que a "perda e a suspensã o do pá trio poder serã o decretadas
judicialmente, em procedimento contraditó rio". O art. 155 do aludido
diploma disciplina o procedimento a ser seguido, que pode ter início por
provocaçã o do Ministério Pú blico ou de quem tenha legítimo interesse.
Havendo motivo grave, poderá o juiz, ouvido o Ministério Pú blico,
decretar a suspensã o do pá trio poder, liminarmente, até o julgamento
definitivo da causa, ficando a criança ou o adolescente confiado a pessoa
idô nea, mediante termo de responsabilidade.
CAPÍTULO VI
DOS ALIMENTOS
48. CONCEITO. ESPÉ CIES
Alimentos são prestaçõ es para satisfaçã o das necessidades vitais de quem
nã o pode provê-Ias por si. Têm por finalidade fornecer a um parente, ou
cô njuge, o necessá rio à sua subsistência. Quanto ao conteú do, abrangem o
indispensá vel ao sustento, vestuá rio, habitaçã o, assistência médica e
instruçã o (CC, art. 1.687). São de vá rias espécies. Quanto à natureza,
podem ser naturais ou civis. Os naturais (ou necessá rios) restringem-se
ao indispensá vel à satisfação das necessidades primá rias da vida; os
civis (ou cô ngruos: expressã o usada pelo autor venezuelano Lopes Herrera
e mencionada no Có digo Chileno, art. 323) destinam-se a manter a condiçã o
social, o status da família. Quanto à causa jurídica, dividem-se em
legais (ou legítimos), devidos em virtude de
130
uma obrigação legal, que pode decorrer do parentesco (art. 396), do
casamento (art. 233, 111; LD, art. 19) ou do companheirismo ou
convivência (Leis n. 8.971/94 e 9.278/ 96); voluntá rios, que emanam de
uma declaraçã o de vontade inter vivos (obrigação assumida contratualmente
por quem nã o tinha a obrigação legal de pagar alimentos - pertencem ao
direito das obrigaçõ es e são chamados também de obrigacionais) ou causa
mortis (manifestada em testamento, em geral sob a forma de legado de
alimentos, e prevista no art. 1.687 - pertencem ao direito das sucessõ es
e sã o também chamados de testamentá rios); e indenizató rios (ou
ressarcitó rios), resultantes da prá tica de um ato ilícito (constituem
forma de indenização do dano ex delicto e também pertencem ao direito das
obrigaçõ es, arts. 1.537, 11, e 1.539). Somente os alimentos legais ou
legítimos pertencem ao direito de família. Assim, a prisã o civil pelo
nã o-pagamento de dívida de alimentos, permitida na Constituiçã o (art. 5-,
LXVII), somente pode ser decretada no caso dos alimentos previstos nos
arts. 231, 111, e 396 e s. do Có digo Civil, que constituem relação de
direito de família, sendo inadmissível em caso de nã o-pagamento dos
alimentos indenizató rios (responsabilidade ex delicto) e dos voluntá rios
(obrigacionais ou testamentá rios).
Quanto à finalidade, classificam-se os alimentos em definitivos (ou
regulares), provisó rios e provisionais. Definitivos sã o os de cará ter
permanente, estabelecidos pelo juiz na sentença ou em acordo das partes
devidamente homologado, malgrado possam ser revistos (CC, art. 401).
Provisó rios são os fixados liminarmente no despacho inicial proferido na
ação de alimentos, de rito especial estabelecido pela Lei de Alimentos
(Lei n. 5.478/68). Provisionais (ou ad litem) sã o os determinados em
medida cautelar, preparató ria ou incidental, de açã o de separação
judicial, de divó rcio, de nulidade ou anulação de casamento ou de
alimentos. Destinam-se a manter
o suplicante (geralmente a mulher) e a prole, durante a tramitaçã o da
lide principal, e ao pagamento das despesas judiciais, inclusive
honorá rios advocatícios (CPC, art. 852). Daí a razã o do nome ad litem. Os
provisó rios exigem prova pré-constituída do parentesco, casamento,
companheirismo ou convivência (Leis n. 5.478/68 e 8.971/84). Apresentada
essa prova, o juiz "fixará " os alimentos provisó rios, se requeridos. Os
termos imperativos empregados pelo art. 4- da Lei de Alimentos demonstram
que a fixação nã o depende da discrição do juiz, sendo obrigató ria, se
requerida e se provados os aludidos vínculos. Já a determinaçã o dos
provisionais depende da comprovação dos requisitos inerentes a toda
medida cautelar: o fumus boni juris e o periculum in mora. Estã o
sujeitos, pois, à discriçã o do juiz. Podem ser fixados, por exemplo, em
ação de alimentos cumulada com investigaçã o de paternidade, liminar e
excepcionalmente, se houver indícios veementes desta. Nã o assim os
provisó rios, por falta de prova pré-constituída da filiaçã o. De acordo
com o disposto no art. Ss da Lei n. 883/49, na ação de investigaçã o de
paternidade fixarse-ão os provisionais somente na sentença, a partir de
quando serã o devidos, mesmo que tenha havido recurso (STJ, REsp 141.793-
SP, Rel. Asfor Rocha, 1. 29-4-1998). Entretanto, a isonomia imposta pela
Constituiçã o Federal torna-os devidos a partir da citaçã o, consoante já
se decidiu: "Com o advento da Constituição da Repú blica de 1988, atribui-
se aos filhos nascidos fora da relação de casamento os mesmos direitos
concedidos aos nascidos das justas nú pcias, incidindo, de tal modo,
também em relação àqueles a regra do artigo 13, § 22, da Lei Federal n.
5.478, de 1968. Verba devida desde a citação" (TJSP, Ap. n. 249.740-1-SP,
Rel. Des. Flá vio Pinheiro, j. 29-8-1995). Nã o se exclui, porém, como
afirmado, a possibilidade de fixação de alimentos provisionais, liminar e
excepcionalmente, com fundamento no art. 852, 111, do Có digo de Processo
Civil, se houver indícios veementes da paternidade.
132
Os provisionais conservam a sua eficácia até o julgamento da ação
principal, mas podem, a qualquer tempo, ser revogados ou modificados
(CPC, art. 807). Dispõ e o art. 7° da Lei n. 8.560/92, que regula a
investigaçã o de paternidade dos filhos havidos fora do casamento: "Sempre
que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se
fixarão os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles
necessite". A expressã o "alimentos provisionais", na prá tica, é
empregada, entretanto, indistintamente, para indicar também os fixados
liminarmente na ação de alimentos de rito especial.
Quanto ao momento em que sã o reclamados, os alimentos classificam-se em
pretéritos, atuais e futuros. Sã o pretéritos quando o pedido retroage a
período anterior ao ajuiza mento da ação; atuais, os postulados a partir
do ajuizamento; e futuros, os devidos somente a partir da sentença. O
direito brasileiro só admite os alimentos atuais e os futuros. Os
pretéritos, referentes a período anterior à propositura da ação, nã o são
devidos. Se o alimentando, bem ou mal, conseguiu sobreviver sem o auxílio
do alimentante, nã o pode pretender o pagamento de alimentos relativos ao
passado (in praeteritum non vivitur).
49. OBRIGAÇÃ O ALIMENTAR E DIREITO A ALIMENTOS. CARACTERÍSTICAS
Entre pais e filhos e entre cô njuges nã o existe propriamente obrigaçã o
alimentar, mas dever familiar, respectivamente de sustento e de mú tua
assistência (CC, art. 233, 111 e IV). A obrigaçã o alimentar também
decorre da lei, mas é fundada no parentesco (art. 396), ficando
circunscrita aos ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo
grau, com
133
reciprocidade. É intransmissível e divisível. A intransmissibilidade é
decorrência ló gica do cará ter personalíssimo, ativa e passivamente.
Dispõ e o art. 402 do Có digo Civil: "A obrigação de prestar alimentos nã o
se transmite aos herdeiros do devedor". Extingue-se, pois, com a morte do
alimentante. Porém, se houver atrasados, responderã o por eles os
sucessores, porque não constituem mais pensã o, entrando na classe . das
dívidas que oneram a herança. O art. 23 da Lei do Divó rcio trouxe uma
inovação que, a princípio, causou uma certa perplexidade, pois prescreve
que "a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do
devedor, na forma do art. 1.796 do Có digo Civil". Acabou prevalecendo o
entendimento de que tal dispositivo apenas derrogou o art. 402 do Có digo
Civil, que continua em vigor no tocante aos alimentos devidos em razã o do
parentesco. O art. 23 da Lei do Divó rcio tem sua aplicação restrita aos
alimentos fixados ou avençados na separação judicial, porque está
inserido no capítulo que trata da dissoluçã o da sociedade conjugal, sendo
limitados à s forças da herança. Neste caso, transmitem-se aos herdeiros
do cô njuge devedor.
A obrigaçã o alimentar é também divisível, e nã o solidá ria, porque a
solidariedade não se presume; resulta da lei ou vontade das partes (CC,
art. 896). Nã o havendo texto le gal impondo a solidariedade, é ela
divisível, isto é, conjunta. Cada devedor responde por sua quota-parte.
Havendo quatro filhos em condiçõ es de pensionar o ascendente, nã o poderá
este exigir de um só deles o cumprimento da obrigaçã o por inteiro. Se o
fizer, sujeitar-se-á à s conseqü ências de sua omissã o, por inexistir na
hipó tese litisconsó rcio passivo necessá rio, mas sim facultativo
impró prio, isto é, obterá apenas 1/4 do valor da pensã o (STJ, 4á T., REsp
50.153-9-RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU, 14 nov. 1994, p. 30961,
Seçã o 1). Cumpre ao ascendente, nesse caso, chamar ajuízo simul
134
um deles. Se o fizer, sujeitar-se-á, como visto acima, à s conseqü ências
de sua omissã o. Propondo a ação contra todos, o juiz rateará entre eles a
pensã o arbitrada, de acordo com as possibilidades econô micas de cada um,
exonerando do encargo o que se achar incapacitado financeiramente. A
exclusão, portanto, só se legitima ao nível do exame de mérito, se
provada a sua incapacidade econô mica.
Eis as principais características do direito a alimentos: a) é
personalíssimo. Esta é a característica bá sica, da qual decorrem as
demais. Como os alimentos se destinam à sub sistência do alimentando,
constituem um direito pessoal, intransferível; b) é incessível. Como
conseqü ência do seu cará ter personalíssimo, nã o pode ser objeto de cessã o
de crédito, pois a isto opõ e-se a sua natureza (CC, art. 1.065). No
entanto, somente nã o pode ser cedido o direito a alimentos futuros. O
crédito constituído por pensõ es alimentares vencidas é considerado um
crédito comum, já integrado ao patrimô nio do alimentante, que logrou
sobreviver mesmo sem tê-lo recebido. Pode, assim, ser cedido; c) é
impenhorá vel. Inconcebível a penhora de um direito destinado à mantença
de uma pessoa. Logo, por sua natureza, é impenhorá vel. O Có digo de
Processo Civil prevê a impenhorabilidade no art. 649, VII; d) é
incompensá vel. A compensaçã o é meio de extinçã o de obrigaçõ es. O direito
a alimentos nã o pode ser objeto de compensaçã o porque seria extinto,
total ou parcialmente, com prejuízo irrepará vel para o alimentando, já
que os alimentos constituem o mínimo necessá rio à sua subsistência (CC,
art. 1.015, II). Assim, por exemplo, o marido nã o pode deixar de pagar a
pensã o a pretexto de compensá -la com recebimentos indevidos, pela esposa,
de aluguéis só a ele pertencentes. A jurisprudê ncia, no entanto, vem
permitindo a compensação, nas prestaçõ es vincendas, de valores pagos a
mais, entendendo
135
tratar-se de adiantamentos (RT, 616:147); e) é imprescritível. O que nã o
prescreve é o direito de postular em juízo o pagamento de pensõ es
alimentícias, ainda que o alimentando venha passando necessidade há
muitos anos. Entretanto, prescreve em cinco anos o direito de cobrar as
pensõ es já fixadas em sentença ou estabelecidas em acordo e nã o pagas
(CC, art. 178, § 10, 1). A prescrição dessas parcelas ocorre mensalmente;
f) é intransacioná vel. Sendo indisponível e personalíssimo, nã o pode ser
objeto de transação (CC, art. 1.035). Em conseqü ência, nã o pode ser
objeto de juízo arbitral ou compromisso. A regra aplica=se somente ao
direito de pedir alimentos, pois a jurisprudência considera
transacioná vel o quantum das prestaçõ es, tanto vencidas como vincendas. É
até comum o término da ação em acordo visando prestaçõ es alimentícias
futuras ou atrasadas; g) é atual, no sentido de exigível no presente e
nã o no futuro. A necessidade que justifica a prestação alimentícia é,
ordinariamente, inadiá vel, conferindo a lei, por esse motivo, meios
coativos ao credor para a sua cobrança; h) é irrepetível ou
irrestituível. Os alimentos, uma vez pagos, sã o irrestituíveis, sejam
provisó rios, definitivos ou ad litem. É que o dever alimentar constitui
matéria de ordem pú blica, e só nos casos legais pode ser afastado,
devendo subsistir até decisã o final em contrá rio. Mesmo que a ação venha
a ser julgada improcedente, nã o cabe a restituição dos alimentos
provisó rios ou provisionais. Quem pagou pagou uma dívida, nã o se tratando
de simples antecipação ou empréstimo. É esse um dos favores reconhecidos
à natureza da causa de prestar, pois os alimentos destinam-se a ser
consumidos pela pessoa que deles necessita. Já se deferiu, no entanto,
pedido de repetição, em caso de cessaçã o automá tica da obrigaçã o devido
ao segundo casamento da credora, nã o tendo cessado o desconto em folha de
pagamento por demora na comunicaçã o ao empregador, sem culpa do
136
devedor. Também já se admitiu a compensaçã o nas prestaçõ es vincendas; i)
é irrenunciá vel.
Quanto a esta ú ltima característica, preceitua o art. 404 do Có digo
Civil: "Pode-se deixar de exercer, mas nã o se pode renunciar o direito a
alimentos". O direito a alimentos cons titui uma modalidade do direito à
vida. Por isso, o Estado protege-o com normas de ordem pú blica,
decorrendo daí a sua irrenunciabilidade, que atinge, porém, somente o
direito, não o seu exercício. Não se pode assim renunciar aos alimentos
futuros. A nã o-postulaçã o em juízo é interpretada apenas como falta de
exercício, nã o significando renú ncia. Os alimentos devidos e não
prestados podem, no entanto, ser renunciados, pois é permitido o nã o-
exercício do direito a alimentos. A renú ncia posterior é, portanto,
vá lida. O referido art. 404 está inserido no capítulo que trata dos
alimentos devidos em razão do parentesco. Como mulher e marido nã o são
parentes, uma corrente doutriná ria sustenta que o princípio da
irrenunciabilidade dos alimentos não se aplica aos cô njuges. Assim, a
renú ncia feita na separaçã o amigá vel seria válida, nã o podendo o cô njuge
renunciante pleitear alimentos posteriormente. Acabou prevalecendo, no
entanto, o entendimento contrá rio, consubstanciado na Sú mula 379 do
Supremo Tribunal Federal, do seguinte teor: "No acordo de desquite nã o se
admite renú ncia aos alimentos, que poderã o ser pleiteados ulteriormente,
verificados os pressupostos legais". Frise-se, desde logo, que tal sú mula
nã o se aplica aos casais divorciados, mas somente aos separados
judicialmente. Por ela, a renú ncia na separaçã o consensual deve ser
interpretada como simples dispensa provisó ria e momentâ nea da pensã o
alimentar, podendo a mulher vir a pleiteá-la ulteriormente, provando a
necessidade atual e a possibilidade econô mica do ex-marido. A resistência
à referida sú mula levou o Supremo a restringir sua aplicação, mantendo
sua vigên
137
cia, mas com explicitaçã o: se por ocasiã o da separação a mulher foi
aquinhoada com bens e rendas suficientes para a sua manutençã o, nã o
sabendo conservá -los, nã o poderá posteriormente vir a reclamar alimentos
do ex-marido. Tal pretensã o também somente se mostrará viá vel se
atendidos os pressu-. postos legais, dentre eles o de ser inocente e
necessitada (o revogado art. 320 do CC falava em "inocente e pobre"). A
ação terá de ser movida pelo rito ordiná rio, que proporciona oportunidade
de ampla produçã o de provas (e nã o pelo rito especial da Lei n.
5.478/68), para possibilitar ao ex-marido o direito de demonstrar que a
autora nã o tem pautado a sua vida conforme os bons costumes, ou vive em
uniã o está vel, bem como que teria dado motivos para uma separação
litigiosa, somente celebrada de forma consensual por ter concordado em
renunciar aos alimentos. Já têm ocorrido alguns pronunciamentos nos
tribunais, entretanto, entendendo revogada a referida Sú mula 379, ao
fundamento de que o enunciado protecionista que nela se contém nã o mais
se compatibiliza com o princípio igualitá rio entre os cô njuges,
proclamado pelo art. 226, § 5°-, da Constituição.
50. PRESSUPOSTOS. PESSOAS OBRIGADAS
Sã o pressupostos da obrigaçã o alimentar: a) existência de um vínculo de
parentesco; b) necessidade do reclamante; c) possibilidade da pessoa
obrigada; d) proporcionalidade. Preceitua o art. 399 do Có digo Civil:
"Sã o devidos os alimentos quando o parente, que os pretende, nã o tem
bens, nem pode prover, pelo seu trabalho, à pró pria mantença, e o de quem
se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessá rio ao seu
sustento". Só pode reclamar alimentos, assim, o parente que nã o tem
recursos pró prios e está impossi
138
bilitado de obtê-los, por doença, idade avançada ou outro motivo
relevante. Nã o importa a causa pela qual o reclamante foi reduzido à
condiçã o de necessitado, tendo direito a alimentos ainda que culpado por
essa situação. O fornecimento de alimentos depende, também, das
possibilidades do alimentante. Não se pode condenar ao pagamento de
pensã o alimentícia quem possui somente o estritamente necessá rio à
pró pria subsistência. O art. 400 do Có digo Civil dispõ e que "os alimentos
devem ser fixados na proporçã o das necessidades do reclamente e dos
recursos da pessoa obrigada". É o requisito da proporcionalidade,
impedindo que se leve em conta somente um desses fatores. O quantum
fixado nã o é imutá vel, pois, se houver modificação na situação econô mica
das partes, poderá qualquer delas ajuizar ação revisional de alimentos,
com fundamento no art. 401 do Có digo Civil, para pleitear a exoneração,
reduçã o ou agravaçã o do encargo.
Os alimentos decorrem também de dever, fà miliar, como ocorre na relação
entre os pais e os filhos menores, entre cô njuges e companheiros ou
conviventes. O dever de sustentar os filhos menores é expresso no art.
233, IV do Có digo Civil e enfatizado nos arts. 384, I, e 229, este da
Constituiçã o. Decorre do pá trio poder e deve ser cumprido
incondicionalmente, nã o concorrendo os pressupostos da obrigaçã o
alimentar. Subsiste independentemente do estado de necessidade do filho,
ou seja, mesmo que este disponha de bens, recebidos por herança ou
doação. Cessa quando o filho se emancipa ou atinge a maioridade. Nestas
hipó teses, deixa de existir o dever alimentar decorrente do pá trio poder,
mas pode surgir a obrigaçã o alimentar, de natureza genérica, decorrente
do parentesco (CC, art. 396). Assim, os filhos maiores que, por
incapacidade ou enfermidade, nã o estiverem em condiçõ es de prover à sua
subsistência, poderão pleitear também alimentos, mas com este outro
fundamento, sujeitando-se à comprovaçã o dos
139
requisitos da necessidade e da possibilidade. Tal obrigaçã o pode durar
até a morte. Reiterada jurisprudência tem, contudo, afirmado a nã o-
cessaçã o da obrigaçã o alimentar paterna diante da simples maioridade do
filho, determinando a manutençã o do encargo até o limite de vinte e
quatro anos deste (limite este extraído da legislação sobre o imposto de
renda), enquanto estiver cursando escola superior, salvo se dispuser de
meios pró prios para sua manutençã o. Fora desses casos, a maioridade faz
cessar automaticamente o dever de pagar alimentos, dispensando o
ajuizamento de ação exonerató ria, podendo simplesmente ser deferido
pedido de expediçã o de ofício à empregadora do devedor, inexistindo,
ademais, o direito de acrescer (TJSP, AgI 260.325-1-SP, Rel. Des. Renan
Lotufo, j. 10-9-1995). Cessa também de imediato a obrigação alimentar em
relaçã o ao filho emancipado em razã o do casamento (TJSP, Agl 248.527-1/8-
SP, Rel. Des. Sousa Lima, j. 19-4-1995). O dever de sustento pesa somente
sobre os pais (CC, art. 231, IV), nã o se estendendo aos outros
ascendentes, e nã o é recíproco, ao contrá rio da obrigação alimentar do
art. 397, que o é entre todos os ascendentes e descendentes. Há, nos
termos do art. 403 do Có digo Civil, duas modalidades de prestação
alimentar: fornecendo, em casa, hospedagem ou sustento ao alimentando
(pró pria) ou pagando-lhe uma pensã o perió dica (impró pria). O direito de
escolha cabe ao devedor, mas nã o é absoluto. Compete ao juiz, se as
circunstâ ncias exigirem, fixar a maneira da prestaçã o devida (art. 403,
pará grafo ú nico). Se o credor nã o concordar com a escolha ou a
determinaçã o judicial, exonerar-se-á o devedor.
Como a personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida (CC,
art. 4°-), o nascituro nã o pode ser titular atual da pretensã o
alimentícia. A jurisprudência tem perfilhado esse entendimento, embora
admitindo a aplicação do jus superveniens, representado pelo nascimento
do ali
140
tã o mostra-se controvertida. Yussef Said Cahali (Dos alimentos, 2. ed.,
Revista dos Tribunais, p. 414), concordando com a referida orientação
jurisprudencial, sustenta que somente se reconhece ao nascituro "direito
a alimentos, no sentido das coisas necessá rias à sua manutençã o e
sobrevivência, de modo indireto, compondo os valores respectivos a pensã o
deferida à esposa". Sob esse prisma, o nascituro produto de relaçõ es
extramatrimoniais nã o poderia ser beneficiado quando a mãe nã o tivesse
direito a alimentos (hoje, tal direito é reconhecido aos companheiros e
conviventes). O mencionado civilista menciona, no entanto, vá rios autores
que admitem a propositura da açã o de alimentos pelo nascituro, como
Pontes de Miranda, Oliveira e Cruz, Moura Bittencourt e Silmara Chinelato
e Almeida. Sustenta a ú ltima, em trabalho específico (RDCiv, 54:57), que
"ao nascituro sã o devidos alimentos em sentido lato - alimentos civis -
para que possa nutrir-se e desenvolver-se com normalidade, objetivando o
nascimendo com vida".
Quanto à s pessoas obrigadas a prestar alimentos em razão do parentesco
(CC, art. 396), prescreve o art. 397 que "o direito à prestação de
alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os
ascendentes, recaindo a obrigação nos mais pró ximos em grau, uns em falta
de outros". E, no art. 398: "Na falta dos ascendentes cabe a obrigaçã o
aos descendentes, guardada a ordem da sucessã o e, faltando estes, aos
irmã os, assim germanos, como unilaterais". O rol é taxativo (numerus
clausus) e nã o inclui os parentes por afinidade (sogros, cunhados,
padrastos, enteados). Já se decidiu que, em razão do cará ter pessoal da
obrigação, se as irmã s "são casadas, têm filhos e são inteiramente
dependentes, econô mica e financeiramente, dos maridos, sem qualquer renda
ou atividade independente, nã o poderiam, assim, ser responsabilizadas
pela pensã o aos irmã os menores, sob pena
de, por via indireta, condenarem-se os cunhados, que nã o estã o
evidentemente na linha de responsabilidade fixada pela lei civil" (RT,
665:74). Por outro lado, se o alimentando é casado, é ao seu cô njuge que
ele deve dirigir-se, antes de visar algum dos parentes.
Somente quatro classes de parentes sã o, pois, obrigadas à prestaçã o de
alimentos, em ordem preferencial, formando uma verdadeira hierarquia no
parentesco: a) pais e filhos, re ciprocamente; b) na falta destes, os
ascendentes, na ordem de sua proximidade; c) os descendentes, na ordem da
sucessã o; d) os irmã os, unilaterais ou bilaterais, sem distinçã o ou
preferência. Segundo preleciona Maria Helena Diniz, "quem necessitar de
alimentos deverá pedi-los, primeiramente, ao pai ou à mãe (RT, 490:108);
na falta destes, aos avó s paternos ou maternos; na ausência destes, aos
bisavó s paternos ou maternos e assim sucessivamente" (Có digo Civil
anotado, Saraiva, 1995, p. 323). Todos os filhos, inclusive os havidos
fora do matrimô nio e os adotivos, têm direito ao benefício. O filho
somente pode pedir alimentos ao avô se faltar o pai ou, se existindo, nã o
tiver condiçõ es econô micas de efetuar o pagamento. A açã o deve ser
dirigida primeiramente contra o pai, para, na impossibilidade dele, serem
chamados os avó s. Não se exclui a possibilidade de a açã o ser proposta
contra o pai e o avô , se evidenciado que aquele nã o tem condiçõ es de
arcar sozinho com a obrigaçã o alimentar. Os avó s sã o, assim, chamados a
complementar a pensã o, que o pai, sozinho, nã o pode oferecer aos filhos.
Se faltam ascendentes, a obrigação alcança os descendentes, segundo a
ordem de sucessã o (CC, art. 398). Sã o convocados os filhos, em seguida os
netos, depois os bisnetos etc. O pai somente pode pedir alimentos ao neto
se faltar o filho ou, se existindo, nã o estiver em condiçõ es de responder
pelo encargo, havendo também neste caso a possibilidade de o neto ser
chamado a com
142
plementar a pensã o, que o filho nã o pode pagar por inteiro. Embora menor
de vinte e um anos e sob o pá trio poder, está obrigado a prestar
alimentos ao filho o pai que o reconheceu por ocasiã o do registro de
nascimento. Inexistindo descendentes, o encargo recai sobre os irmãos,
germanos ou unilaterais, sem distinçã o de qualquer espécie.
51. MEIOS DE ASSEGURAR O PAGAMENTO DA PENSÃ O
Para garantir o direito à pensã o alimentícia e o adimplemento da
obrigação, dispõ e o credor dos seguintes meios: a) ação de alimentos,
para reclamá-los (Lei n. 5.478/68); b) exe cução por quantia certa (CPC,
art. 732); c) penhora em vencimento de magistrados, professores e
funcioná rios pú blicos, soldo de militares e salários em geral, inclusive
subsídios de parlamentares (CPC, art. 649, IV); d) desconto em folha de
pagamento da pessoa obrigada (CPC, art. 734); e) reserva de aluguéis de
prédios do alimentante (Lei n. 5.478/68, art. 17); f) entrega ao cô njuge,
mensalmente, para assegurar o pagamento de alimentos provisó rios (Lei n.
5.478/68, art. 4`-', pará grafo ú nico), de parte da renda líquida dos bens
comuns, administrados pelo devedor, se o regime de casamento for o da
comunhão universal de bens; g) constituição de garantia real ou
fidejussó ria e de usufruto (Lei n. 6.515/77, art. 21); h) prisã o do
devedor (Lei n. 5.478/68, art. 21; CPC, art. 733).
51.1. AÇÃ O DE ALIMENTOS
Só pode valer-se do rito especial (concentrado e mais célere) da Lei de
Alimentos (Lei n. 5.478/68) quem puder
143
apresentar prova pré-constituída do parentesco (certidã o de nascimento)
ou da obrigação alimentar (certidã o de casamento ou comprovante do
companheirismo). Quem não puder fazêlo, terá de ajuizar ação ordiná ria.
Ao depachar a inicial da ação de rito especial (art. 4°-), o juiz fixará
desde logo alimentos provisó rios (em geral, na base de 1/3 dos
rendimentos do devedor, sendo de salientar-se que a lei nã o estabelece
nenhum critério). Malgrado a ambigü idade do texto, o juiz não deve fixar
de ofício os alimentos provisó rios, mas somente se o interessado o
requerer (CPC, art. 2°-). Cabe pedido de revisã o de alimentos provisó rios
fixados na inicial, que será sempre processado em apartado. Processar-se-
á em apartado também a execuçã o dos alimentos provisó rios.
Na sentença, o juiz fixa alimentos segundo seu convencimento, não estando
adstrito, necessariamente, ao guantum pleiteado na inicial. Não
constitui, assim, julgamento ultra petita a fixaçã o da pensã o acima do
postulado na inicial, pois o critério é a necessidade do alimentando e a
possibilidade do alimentante. As regras que proíbem julgamento dessa
natureza "merecem exegese menos rigorosa, nos casos de demandas de
cará ter nitidamente alimentar" (STJ, 4' T., REsp 8.698-SP, Rel. Min.
Athos Carneiro, DJU, 2 set. 1991, p. 11815, 2' col.). A pensã o deve ser
estipulada em percentual sobre os rendimentos auferidos pelo devedor,
considerandose somente as verbas de cará ter permanente, como o salá rio
recebido no desempenho de suas atividades empregatícias, o 13-° salário e
outras, excluindo-se as recebidas eventualmente, como as indenizaçõ es por
conversã o de licença-prêmio ou férias em pecú nia, o levantamento do FGTS
(que se destina a fins específicos), as eventuais horas extras, o
reembolso de despesas de viagens etc.
Em regra, a pensã o é estipulada com base nos rendimentos do alimentante,
sendo atualizada automaticamente, na mes
144
ma proporção dos reajustes salariais. Quando adotado valor fixo, pode ser
determinada a atualização com base no salá rio mínimo, não obstante a
vedação enunciada no art. 7°-, in fine, da Constituição Federal, em
função da identidade de fins da pensã o alimentar e do salá rio mínimo,
como sendo aquilo que representa o mínimo necessá rio para a subsistência
da pessoa (JSTF, 159:227).
A ação revisional dos alimentos definitivos segue o mesmo rito da Lei n.
5.478/68 (art. 13, caput). Inexiste prevençã o para a ação revisional ou
exonerató ria, sujeitando-se à regra especial de competência ou foro do
domicílio ou residência do alimentando (CPC, art. 100, 11), se houve
mudança de domicílio. Não tendo havido, sendo o pedido formulado no mesmo
foro, a competência será do juízo por onde tramitou o processo de
separaçã o ou de alimentos em que a pensã o havia sido fixada (RJTJSP,
112:93). Admite-se a fixaçã o de alimentos provisó rios em ação revisional
de alimentos, porém sempre em razã o de circunstâ ncias excepcionais,
quando, por exemplo, os alimentos anteriormente fixados mostram-se
excessivamente irrisó rios (RTJ, 100:101; RT, 597:179). Os alimentos
provisó rios são devidos desde a sua fixaçã o, no despacho inicial, até a
sentença final (quando serão substituídos pelos definitivos, que
retroagem à data da citação, conforme o art. 13, § 2-°, da Lei de
Alimentos). Somente no caso de a ação ser, a final, julgada improcedente
(e cortados os alimentos provisó rios) é que serã o devidos até o
julgamento do recurso especial ou extraordiná rio, a teor do estatuído no
art. 13, § 2`-', da aludida lei. A parte responsá vel pelo sustento da
família que deixar a residência comum por motivo que nã o necessitará
declarar poderá tomar a iniciativa de comunicar ao juízo os rendimentos
de que dispõ e e de pedir a citação do credor para comparecer à audiência
de conciliaçã o e julgamento destinada à fixação dos alimentos a que está
obrigada (art. 24).
145
51.2. MEIOS DE EXECUÇÃ O DA PRESTAÇÃ O NÃ O SATISFEITA
Para assegurar o cumprimento da obrigação pelo deve' dor, pode o credor
optar desde logo pela execução por quantia certa, embora isto raramente
ocorra, por ser de demorada soluçã o. Em regra, só se promove a execuçã o
por quantia certa quando o devedor nã o efetua o pagamento das prestaçõ es
nem mesmo depois de cumprir a pena de prisã o. É que o cumprimento da pena
nã o o exime do pagamento das prestaçõ es vencidas (CPC, art. 733; Lei
5.478/68, art. 19). Se o credor, entretanto, optar pela execuçã o por
quantia certa, iniciada esta e efetuada a penhora de bens, inadmissível a
postulaçã o, simultaneamente, da prisã o do devedor inadimplente. Se,
entretanto, nã o optar por essa forma de cobrança, deverá respeitar uma
ordem de prioridades, em respeito à liberdade individual do alimentante.
Assim, se o devedor for funcioná rio pú blico, militar ou empregado sujeito
a legislaçã o do trabalho, a primeira opçã o será pelo desconto em fò lha de
pagamento do valor da prestaçã o alimentícia. Quando isto nã o for
possível, poderã o as prestaçõ es ser cobradas de aluguéis de prédios ou de
quaisquer outros rendimentos do devedor, que serão recebidos diretamente
pelo alimentante ou por depositá rio nomeado pelo juiz (Lei n. 5.478/68,
art. 17). Se esses expedientes de exigência do chamado "pagamento direto"
mostrarem-se inviá veis, daí sim poderá o credor requerer ao juiz a
citaçã o do devedor para, em três dias, efetuar o pagamento, provar que o
fez ou justificar a impossibilidade de efetuá -lo, sob pena de prisã o. O
credor nã o é obrigado a recorrer antes à execuçã o de bens do patrimô nio
do devedor para, somente depois de frustrada essa modalidade de cobrança,
requerer a sua prisã o.
A prisã o civil por alimentos nã o tem cará ter punitivo.
146
Nã o constitui propriamente pena, mas meio de coerçã o, expediente
destinado a forçar o devedor a cumprir a obrigação alimentar. Por essa
razão, será imediatamente revogada se o débito for pago. Só se decreta a
prisã o se o devedor, embora solvente, procura frustrar a prestação, e nã o
quando se acha impossibilitado de pagá-la. A jurisprudência dominante é a
que entende não poder o juiz decretar, de oficio, a prisã o do devedor.
Tal decretação depende de requerimento do credor, embora se reconheça ser
desnecessá rio pedido expresso. Pode ser deduzido do requerimento de
instauração do processo de execuçã o na modalidade do art. 733 do Có digo
de Processo Civil (que prevê a pena de prisã o), bastando também
expressõ es como citaçã o do devedor para pagamento "sob as penas da lei"
ou "sob as cominaçõ es legais". A legitimaçã o para o pedido de prisã o é
exclusivamente do alimentando ou de seu representante legal, se incapaz.
O Ministério Pú blico, como geralmente atua nestas açõ es apenas como
fiscal do processo, em defesa dos interesses do menor (CPC, art. 82, 1 e
11), não pode pedir a prisã o do obrigado. Poderá fazê-lo, entretanto,
quando se tratar de promotor da infâ ncia e da juventude, colocando-se
como substituto processual, com legitimaçã o extraordiná ria para a
iniciativa da ação alimentar em favor do menor, nas hipó teses regidas
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 98, 11, e 201, 111).
Da composição dos textos do Có digo de Processo Civil e da Lei de
Alimentos resulta o entendimento de que a prisã o civil do devedor pode
ser requerida tanto no caso de não pagamento dos alimentos definitivos,
como também dos provisó rios e provisionais (RTJ, 104:137; RT, 585:261).
Quanto ao prazo da prisã o civil, há jurisprudência que faz a seguinte
distinçã o: se se trata de alimentos definitivos ou provisó rios, o prazo
má ximo de duração é de sessenta dias, previsto no art. 19 da Lei de
Alimentos de rito especial; em
147
caso de falta de pagamento de alimentos provisionais, o prazo máximo é de
três meses, estipulado no art. 733, § 1 °-, do Có digo de Processo Civil.
No entanto, tem prevalecido o critério unitá rio de duraçã o má xima de
sessenta dias, aplicandose a todos os casos o art. 19 da Lei de
Alimentos, por tratarse de lei especial, além de conter regra mais
favorá vel ao paciente da medida excepcional (odiosa restringenda). É
ineficaz o decreto de prisã o omisso quanto ao respectivo prazo. Nã o é
correto o entendimento de que, neste caso, devese considerar como
correspondente a um mês, que é o mínimo previsto em lei (CPC, art. 733, §
1-). Sendo omisso, é inexeqü ível, ressalvando-se porém a possibilidade da
decretação por outra decisã o que atenda aos ditames legais (RT, 490:373).
Só o descumprimento da prestação alimentícia sujeita o devedor a prisã o,
nã o assim o nã o-pagamento de outras verbas, como custas, despesas
periciais e honorá rios de advoga do, que nã o podem ser incluídas no
mandado de citação a que se refere o art. 733 do Có digo de Processo
Civil. Caracterizando-se o deferimento da prisã o civil, bem como o
indeferimento, como decisã o interlocutó ria, o recurso cabível é o agravo
de instrumento. Como tal recurso nã o tinha efeito suspensivo, impetrava-
se mandado de segurança para a obtenção desse efeito. Hoje, no entanto,
com a nova regulamentação dada ao agravo de instrumento pela Lei n.
9.139/95, nã o se justifica mais a impetração do mandamus, porque o
agravante pode requerer diretamente ao relator que determine a suspensã o
do cumprimento da decisã o agravada até o julgamento do recurso pela
turma. O Tribunal de Justiça de São Paulo, considerando estar em jogo,
nesses casos, o direito de locomoção, tem admitido a impetração de habeas
corpus. Cumprida a pena de prisã o, o devedor nã o poderá ser novamente
preso pelo nã o-pagamento das mesmas prestaçõ es vencidas,
148
mas poderá sê-lo outras vezes mais, quantas forem necessá rias, se nã o
pagar novas prestaçõ es que se vencerem. Têm os tribunais proclamado que a
prisã o civil somente poderá ser imposta para compelir o alimentante a
suprir as necessidades atuais do alimentá rio, representadas pelas três
ú ltimas prestaçõ es, devendo as pretéritas ser cobradas em procedimento
pró prio.
TfTULO III
DOS INSTITUTOS PROTETIVOS
CAPÍTULO I
DA TUTELA
52. CONCEITO. ESPÉ CIES
Tutela é o encargo conferido por lei a uma pessoa capaz, para cuidar da
pessoa do menor e administrar seus bens. Destina-se a suprir a falta do
pá trio poder e tem nítido cará ter assistencial. Dispõ e o art. 406 do
Có digo Civil que os filhos menores são postos em tutela: a) falecendo os
pais, ou sendo julgados ausentes; b) decaindo os pais do pá trio poder.
Constitui um sucedâ neo do pá trio poder e é incompatível com este. Se os
pais recuperarem o pá trio poder, ou se este surgir com a adoçã o ou o
reconhecimento do filho havido fora do casamento, cessará a tutela. Se o
menor ainda se encontrar sob o pá trio poder, só se admitirá a nomeação de
tutor depois que os pais forem destituídos de tal encargo. O tutor exerce
um mú nus pú blico, uma delegaçã o do Estado. É considerada um encargo
pú blico e obrigató rio, salvo as hipó teses dos arts. 414 e 415 do Có digo
Civil.
149
As,fó rmas ordiná rias de tutela civil sã o: testamentá ria, legítima e
dativa (CC, arts. 407 a 410). O art. 412 do Có digo Civil refere-se à
tutela do menor abandonado, que terá tutor nomeado pelo juiz ou será
recolhido a estabelecimento destinado a esse fim, ficando sob a
responsabilidade do Estado. Tal espécie de tutela encontra-se hoje
regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A tutela de fá to
(ou irregular) dá -se quando uma pessoa passa a zelar pelo menor e por
seus bens, sem ter sido nomeada. Os seus atos não têm validade, nã o
passando o suposto tutor de mero gestor de negó cios. A tutela ad hoc,
também chamada de provisó ria ou especial, ocorre quando uma pessoa é
nomeada tutora para a prá tica de determinado ato, sem destituição dos
pais do pá trio poder. Muitas vezes, para atender aos interesses do menor,
o juiz nomeia-lhe um tutor somente para consentir no seu casamento, por
exemplo, porque os pais encontramse em local ignorado, ou para permitir
que o tutor nomeado inscreva o menor como seu beneficiá rio no instituto
previdenciá rio. Também se denomina tutor ad hoc o curador especial
nomeado pelo juiz quando os interesses do incapaz colidirem com os do
tutor. Há, ainda, a tutela dos .silvícolas, prevista no art. 6-',
pará grafo ú nico, do Có digo Civil e regulamentada pela Lei n. 6.001/73
(Estatuto do índio), que é exercido pela Uniã o Federal, por meio da
Fundação Nacional do Índio (Funai). O índio pertencente à s comunidades
nã o integradas é incapaz desde o seu nascimento, sendo necessá ria a
assistência da Funai para a prá tica de qualquer ato da vida civil. Poderá
ser liberado da tutela da Uniã o se estiver adaptado à civilizaçã o,
preenchendo os requisitos do art. 9- da aludida lei, mediante solicitação
feita à Justiça Federal, com a participaçã o da Funai. A tutela dos
silvícolas e a do menor em situação irregular são espécies de tutela
estatal.
A tutela testamentá ria é tratada nos arts. 407 e 408 do Có digo Civil, que
atribuem o direito de nomear tutor ao pai, à
150
mãe, ao avô paterno e ao materno, em ordem preferencial. No entanto, nã o
há a prevalência de um cô njuge sobre outro. Se estã o vivos, a nomeação
deve ser feita por ambos, em face da isonomia constitucional. Só se
admite a nomeação por apenas um deles se o outro for falecido. Se este
outro estiver vivo e no exercício do pá trio poder, nã o poderá dele ser
afastado pela manifestação unilateral de ú ltima vontade do cô njuge
testador. A nomeaçã o é feita por testamento, codicilo ou outro documento
autêntico. Documento autêntico é qualquer documento, pú blico ou
particular, em que as assinaturas dos pais estejam reconhecidas por
tabelião. Quando o ato requer escritura pú blica, como ú nica forma
admitida, a lei o diz expressamente. Mesmo feita por instrumento
particular, a nomeação nã o deixa de ser testamentá ria por somente
produzir efeitos apó s a morte do nomeante. Só podem nomear tutor para os
filhos os pais que, por ocasião de sua morte (e não quando da elaboraçã o
do testamento), detinham o pá trio poder. O art. 408 considera nula a
nomeação feita por quem nã o preenchia esse requisito. É criticada a
inclusã o dos avó s no rol daqueles que podem nomear tutor, sendo
considerada um resquício do romanismo, quando aos avó s podia ser
atribuído também o pá trio poder. Em nosso direito, é ele privativo dos
pais. Somente se pode admitir a nomeação pelos avó s, hoje, quando
porventura tenham sido nomeados tutores dos netos, visto que a tutela é
um sucedâ neo do pá trio poder. Dispõ e o art. 411 do Có digo Civil que, no
caso de irmãos ó rfã os, darse-á somente um tutor. Pretende-se, com isso,
facilitar a administração dos patrimô nios e manter juntos os irmã os, em
razão dos laços de afetividade que os une. Entretanto, tal regra nã o deve
ser interpretada como de cará ter absoluto. Pode o juiz dividir a tutela,
conforme as circunstâ ncias, para melhor atender aos interesses dos
menores irmãos.
Nã o havendo nomeação de tutor, por testamento ou outro documento
autêntico, incumbe a tutela aos parentes con
sangü íneos do menor, sendo chamada de legítima. O art. 409 do Có digo
Civil indica os parentes que devem ser nomeados pelo juiz, em ordem
preferencial: avó s, irmã os e tios. Em razã o da isonomia constitucional,
nã o subsiste a primazia que o referido dispositivo atribuía aos avó s
paternos, bem como aos irmãos e tios do sexo masculino. Permanecem
vá lidas, no entanto, as preferências estabelecidas em favor dos irmãos
bilaterais sobre os unilaterais e em favor dos irmã os e tios mais velhos
sobre os mais moços. Essa ordem preferencial, entretanto, nã o é absoluta,
devendo ser observada se os indicados forem idô neos e capazes. A bem do
menor, pode o juiz alterá -la e até nã o nomear nenhum dos parentes
consangü íneos, se comprovadamente inidô neos ou incapacitados, escolhendo
pessoa idô nea estranha à família, pois deve-se sempre dar prevalência aos
interesses do incapaz. A tutela é dativa quando nã o há tutor
testamentá rio, nem a possibilidade de nomear-se parente consangü íneo do
menor, ou porque nã o existe nenhum, ou porque os que existem são
inidô neos ou se escusaram (art. 410). Tem, portanto, cará ter subsidiá rio.
Neste caso, o juiz nomeará pessoa estranha à família, idô nea e residente
no domicílio do menor.
53. REGULAMENTAÇÃ O DA TUTELA
O art. 413 do Có digo Civil considera incapazes de exercer a tutela as
pessoas que nã o tenham a livre administração de seus bens, ou cujos
interesses colidam com os do menor, ou ainda que tenham sido condenadas
por crime de natureza patrimonial e nã o sejam probas e honestas. Embora a
tutela seja um mú nus pú blico, portanto obrigató rio, admitem-se algumas
escusas. O art. 414 proclama que podem escusar-se da tutela: "I - as
mulheres; II - os maiores de 60 (sessen
152
ta) anos; III - os que tiverem em seu poder mais de cinco filhos; IV - os
impossibilitados por enfermidade; V os que habitarem longe do lugar onde
se haja de exercer a tute la; VI - os que já exercerem tutela, ou
curatela; VII os militares, em serviço". Não se justifica mais, em
face da isonomia constitucional, o privilégio que o aludido dispositivo
conferia à s mulheres. Por sua vez, preceitua o art. 415 que "quem nã o for
parente do menor não poderá ser obrigado a aceitar a tutela, se houver no
lugar parente idô neo, consangü íneo ou afim, em condiçõ es de exercê-la".
Embora nã o haja limitaçã o ao parentesco consangü íneo, na linha colateral
deve limitar-se ao quarto grau, porque tais parentes são sucessíveis.
Critica a doutrina a inclusão dos afins, pois nã o têm direito a reclamar
alimentos, nem à sucessã o hereditá ria. Visando resguardar os interesses
do tutelado, a lei obriga o tutor, antes de assumir a tutela, a
especializar em hipoteca legal imó veis necessá rios para acautelar os bens
do menor sob sua administração (art. 418). O processo de especializaçã o
vem disciplinado nos arts. 1.205 a 1.210 do Có digo de Processo Civil,
podendo ser instaurado pelo tutor ou pelo representante do Ministério
Pú blico. A hipoteca pode, no entanto, ser dispensada se o menor nã o tiver
patrimô nio, se o tutor for de reconhecida idoneidade (CPC, art. 1.190;
CC, art. 419) ou ainda por qualquer outro motivo relevante (ECA, art.
37). O juiz responde subsidiariamente pelos prejuízos que sofra o menor
em razão de insolvência do tutor, de nã o ter exigido a garantia legal ou
de nã o o remover quando se tornou suspeito (CC, art. 420), e pessoal e
diretamente quando nã o tiver nomeado tutor ou quando a nomeaçã o nã o
houver sido oportuna (art. 421).
O exercício da tutela assemelha-se ao do pá trio poder, mas nã o se lhe
equipara, pois sofre algumas limitaçõ es, sendo ainda sujeito à inspeçã o
judicial. O tutor é obrigado a apre
153
sentar balanços anuais e a prestar contas em juízo, sob forma contá bil,
de dois em dois anos, de sua administração (CC, art. 436). As contas são
verificadas pelo promotor e julgadas pelo juiz. A quitação dada pelo
menor, finda a tutela pela emancipação ou maioridade, nã o produzirá
efeitos antes de aprovadas as contas (art. 437). O tutor nã o pode, para
corrigir o menor, aplicar-lhe castigos físicos, ainda que moderadamente,
devendo reclamar do juiz que providencie, como houver por bem (art. 424,
11). Também nã o pode emancipar voluntariamente o tutelado. A emancipaçã o
do tutelado dá se por sentença judicial (CC, art.-9', § 1°-).
A venda de imó veis pertencentes ao menor só pode ser feita mediante
autorização judicial e quando houver manifesta vantagem, sempre em hasta
pú blica (art. 429). Certos atos o tutor não pode praticar nem mesmo com
autorização judicial, sob pena de nulidade (art. 428). Responde o tutor
pelos prejuízos que, por negligência, culpa ou dolo, causar ao pupilo,
mas tem direito a ser pago do que legalmente despender no exercício da
tutela e, salvo no caso do art. 412, a perceber uma gratificação por seu
trabalho. Não tendo os pais do menor fixado esta, arbitrar-lhe-á o juiz,
até 10%, no má ximo, da renda líquida anual dos bens administrados pelo
tutor (art. 431 e pará grafo ú nico). A remuneração só nã o é admitida,
portanto, no caso de menor pobre e sem recursos.
54. DA CESSAÇÃ O DA TUTELA
Cessa a tutela, em relação ao menor, com a maioridade ou emancipação
(porque nestes casos nã o mais precisa de proteçã o), bem como caindo sob o
pá trio poder, no caso de legitimaçã o, reconhecimento ou adoção (CC, art.
442). Sendo a tutela um sucedâ neo do pá trio poder, nã o mais se justifica
a
154
sua existência com o surgimento do pá trio poder em virtude do
reconhecimento, pelo pai, do filho havido fora do matrimô nio, ou da
adoção, que transfere ao adotante o pá trio poder.
Cessam as.fnçõ es do tutor, sem que cesse a tutela: a) expirando o termo
em que era obrigado a servir (CC, art. 444); b) sobrevindo escusa
legítima (arts. 414 a 416); c) sendo re movido (arts. 413 e 445). Os
tutores sã o obrigados a servir somente pelo prazo de dois anos (art.
444). Podem, porém, continuar além desse prazo no exercício da tutela se
o quiserem e o juiz tiver por conveniente ao menor. Prescreve o art. 445
do Có digo Civil que o tutor será destituído quando negligente,
prevaricador ou incurso em incapacidade. Também será destituído da tutela
se infringir os dispositivos inerentes à proteçã o do trabalho do menor
(CLT, art. 436, pará grafo ú nico). De acordo com o art. 1.194 do Có digo de
Processo Civil, incumbe ao ó rgã o do Ministério Pú blico, ou a quem tenha
legítimo interesse, requerer, nos casos previstos na lei civil, a remoçã o
do tutor, seguindo-se o procedimento dos arts. 1.195 e s.
CAPÍTULO II
DA CURATELA
55. CONCEITO. CARACTERÍSTICAS
Curatela é o encargo deferido por lei a alguém capaz para reger a pessoa
e administrar os bens de quem nã o pode fazê-lo por si mesmo. Assemelha-se
à tutela por seu cará ter assistencial, destinando-se, igualmente, à
proteçã o de incapazes. Por essa razão, a ela são aplicá veis as
disposiçõ es legais relativas à tu
155
tela, com apenas algumas modificaçõ es (CC, art. 453). Vigoram para o
curador as escusas voluntá rias (art. 414) e proibitó rias (art. 413); tem
de especializar bens em hipoteca e prestar contas; cabem-lhe os direitos
e deveres especificados no capítulo que trata da tutela; somente pode
alienar bens imó veis mediante alvará judicial e sempre em hasta pú blica
etc. Frise-se que a jurisprudência tem dispensado esta quando o curador
vem a ser o pró prio cô njuge ou o pai do interdito.
Apesar dessa semelhança, os dois institutos não se confundem. Podem ser
apontadas as seguintes diferenças: a) a tutela é destinada a menores de
vinte e um anos de idade, enquanto a curatela é deferida, em regra, a
maiores; b) a tutela pode ser testamentá ria, com nomeação do tutor pelo
pai, mãe ou avó s; a curatela é sempre deferida pelo juiz; c) a tutela
abrange a pessoa e os bens do menor, enquanto a curatela pode compreender
somente a administração dos bens do incapaz, como no caso dos pró digos;
d) os poderes do curador sã o mais restritos que os do tutor. Nã o é
absoluta a regra de que a curatela destina-se somente aos incapazes
maiores. O Có digo Civil prevê a curatela do nascituro, sendo também
necessá ria a nomeaçã o de curador ao relativamente incapaz, maior de
dezesseis e menor de vinte e um anos, que sofra das faculdades mentais,
porque nã o pode praticar nenhum ato da vida civil. O tutor só poderia
assistir o menor, que também teria de participar do ato. Nã o podendo
haver essa participaçã o, em razão da loucura, ser-lhe-á nomeado curador,
que continuará a representá -lo mesmo depois de atingida a maioridade.
A curatela apresenta quatro características relevantes: a) tem cará ter
eminentemente publicista; b) tem, também, cará ter supletivo da
capacidade; c) é temporá ria, perduran do somente enquanto a causa da
incapacidade se mantiver (cessada a causa, levanta-se a interdiçã o); d) a
sua decre
156
tação requer certeza absoluta da incapacidade. O cará ter publicista advém
do fato de ser dever do Estado zelar pelos interesses dos incapazes. Tal
dever, no entanto, é delegado a pessoas capazes idô neas, que passam a
exercer um mú nus pú blico, ao serem nomeadas curadoras. A certeza da
incapacidade é obtida por meio de um processo de interdiçã o, disciplinado
nos arts. 1.177 e s. do Có digo de Processo Civil, no capítulo que trata
dos procedimentos especiais de jurisdição voluntá ria. Se o pedido for
formulado pelo Ministério Pú blico, será nomeado curador à lide ao
interditando. Se formulado por outra pessoa, o Ministério Pú blico o
representará nos autos do procedimento, defendendo os seus interesses
(CPC, art. 1.182), mas o interditando poderá constituir advogado para
defender-se. Será ele citado para ser interrogado minuciosamente pelo
juiz. Trata-se do exame pessoal do interditando, para que o juiz possa
melhor aferir o seu estado e as suas condiçõ es. Apó s o interrogató rio, e
no prazo de cinco dias, o interditando poderá impugnar o pedido.
Decorrido esse prazo, o juiz nomeará perito médico, para proceder ao
exame do interditando e apresentar o respectivo laudo. Só designará
audiência de instruçã o e julgamento se houver necessidade de produção de
provas. Decretada a interdiçã o, o juiz nomeará curador ao interdito.
A sentença de interdiçã o produz efeito desde logo, embora sujeita a
recurso de apelação. Desse modo, o curador presta compromisso e passa a
exercer a curatela, sendo a sen tença publicada pela imprensa local e
pelo ó rgã o oficial, por três vezes, bem como registrada em livro especial
no Cartó rio do 1-° Ofício do Registro Civil da comarca em que for
proferida. O registro e a publicação da sentença tornam-na pú blica, nã o
podendo, a partir daí, terceiros que celebrem contratos com o incapaz
alegar ignorâ ncia de seu estado. Embora haja controvérsia a respeito da
natureza jurídica
157
da sentença que decreta a interdição, tem prevalecido o entendimento de
que não é constitutiva, por nã o criar o estado de incapacidade, mas
apenas declarató ria da existência de uma situação. Tem, portanto,
eficá cia ex tunc. Como a incapacidade preexiste, entende-se possível
intentar ação anulató ria dos atos praticados anteriormente à sentença,
devendo-se, no entanto, provar a incapacidade à quela época. A diferença
ú nica, segundo Pontes de Miranda, é que "os atos anteriores à curadoria
só podem ser julgados nulos provando-se que já existia, ao tempo em que
foram exercitados, a causa da incapacidade". Já os atos praticados na
constâ ncia da interdiçã o "levam consigo, sem necessidade de prova, a eiva
da nulidade pressuposta na interdição" (Tratado de direito privado, 4.
ed., v . 9, p. 347). Em princípio, sã o nulos os atos praticados pelo
amental, antes da interdiçã o, porque o que o torna incapaz é a loucura e
nã o a sentença de interdiçã o. Todavia, a jurisprudência tem ressalvado os
direitos do terceiro de boa-fé que negociou com o incapaz ignorando a sua
deficiência mental. Somente se anulam tais negó cios se a alienaçã o mental
era notó ria, conhecida de todos, nã o se podendo falar, neste caso, em
boa-fé do terceiro. Levantar-se-á a interdiçã o, cessando a causa que a
determinou (CPC, art. 1.186).
56. ESPÉ CIES DE CURATELA
O art. 446 do Có digo Civil declara sujeitos à curatela: os loucos de todo
o gênero, os surdos-mudos sem educaçã o que os habilite a enunciar
precisamente a sua vontade e os pró digos. Mais adiante, entretanto, trata
também da curatela dos nascituros (art. 462) e dos ausentes (art. 463). O
Decreto-Lei n. 891/38 regulamentou, ainda, a curatela dos toxicô manos.
Essas espécies de curatela nã o se confundem com a
158
curadoria instituída para a prá tica de determinados atos, como os
mencionados nos arts. 387, 441, pará grafo ú nico, e 1.59 1. Quando a
nomeação é feita para a prá tica de atos processuais, temos as curadorias
ad litem, como no caso do curador do vínculo matrimonial (CC, art. 222),
nos processos de interdição ajuizados pelo Ministério Pú blico (art. 449),
na curadoria à lide para os réus presos e citados por edital ou com hora
certa (CPC, art. 9`-', 11) etc.
A interdiçã o dos loucos, considerados absolutamente incapazes pelo art.
5°- do Có digo Civil, foi regulamentada pelo Decreto n. 24.559/34,
denominado "decreto de assistência aos psicopatas", que admite a curatela
provisó ria enquanto se processa a interdiçã o, bem como permite ao juiz
fixar limites à curatela. Os loucos, sempre que parecer inconveniente
conservá -los em casa ou exigir o seu tratamento, serã o também recolhidos
em estabelecimentos adequados (CC, art. 457). A autoridade do curador
estende-se à pessoa e aos bens dos filhos do curatelado, nascidos ou
nascituros (art. 458). O curador nomeado para o interdito é, assim, de
direito tutor dos filhos menores do incapaz. Trata-se, na realidade, de
uma curadoria prorrogada. O nosso ordenamento não admite os chamados
"intervalos lú cidos". Os atos praticados pelo louco interditado serão
sempre nulos, ainda que no momento aparentasse alguma lucidez.
Somente estã o sujeitos à curatela os surdos-mudos que nã o hajam recebido
educaçã o adequada que os habilite a enunciar precisamente a sua vontade
(CC, art. 446, 11). Estes aca bam ressentindo-se de deficiência mental,
merecendo a proteçã o da lei. Ao decretar a interdiçã o, porém, o juiz
fixará os limites da curatela, atendendo ao desenvolvimento mental do
interdito, podendo colocá-lo na situação de relativamente incapaz (v. n.
6.1, retro).
Os pró digos também podem ser interditados, mas neste
159
caso a interdição nã o tem, como nos outros casos, a finalidade de
proteger o incapaz, mas sim a de preservar os interesses da família do
pró digo. Tanto assim que o art. 460 do Có digo Civil só admite a
interdição do pró digo "havendo cô njuge, ou tendo ascendentes ou
descendentes legítimos, que a promovam". E será levantada a interdição
nã o somente quando cessar a incapacidade como também se nã o existirem
mais o cô njuge e os referidos parentes (art. 461). Nã o se pode,
entretanto, deixar de admitir também a legitimidade do Ministério Pú blico
para a açã o de interdiçã o, em nome dos filhos menores, se inexistirem os
outros legitimados. Caso contrá rio, poderá haver prejuízo à pró pria
subsistência dos aludidos descendentes.
Pró digo é o indivíduo que, por ser portador de um defeito de
personalidade, gasta imoderadamente, dissipando o seu patrimô nio com o
risco de reduzir-se à miséria. A inter dição só interfere em atos de
disposiçã o do seu patrimó nio. Pode inclusive administrá -lo, mas ficará
privado de praticar atos que possam desfalcá-lo, como "emprestar,
transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado"
(CC, art. 459). Tais atos dependem da assistência do curador. Sem essa
assistência, serã o anulá veis (art. 461, pará grafo ú nico). Não há
limitaçõ es referentes à pessoa do pró digo, que pode viver como lhe
aprouver, podendo votar, ser jurado, testemunha, exercer profissã o que
nã o seja a de comerciante e até casar, exigindo-se somente neste ú ltimo
caso a autorização do curador, porque o casamento pode causar alteração
no patrimô nio dos cô njuges.
A lei prevê a possibilidade excepcional de dar-se curador ao nascituro,
ante duas circunstâ ncias: a) se o pai falecer, estando a mulher grá vida;
b) nã o tendo a mãe o exercício do pá trio poder. Esta ú ltima hipó tese só
pode ocorrer se ela tiver sido destituída do pá trio poder em relaçã o a
filhos havidos anteriormente, pois tal sançã o abrange toda a prole, in
160
clusive o nascituro. Poderá ocorrer também se estiver interditada, caso
em que seu curador será o do nascituro (CC, art. 462, pará grafo ú nico).
Só há interesse na nomeação de curador ao nascituro se tiver de receber
herança, legado ou doação. A regulamentação da posse em nome do nascituro
encontrase no Có digo de Processo Civil, arts. 877 e 878.
A curatela dos toxicô manos é regulada pelo Decreto n. 891, de 21 de
novembro de 1938, podendo também o juiz fixar limites, segundo o estado
mental do interditando. Em geral, são declarados relativamente incapazes.
Abrange os incapazes em virtude do vício ou dependência de substâ ncias
tó xicas em geral, seja cocaína, morfina, ó pio, maconha ou outra, bem como
o álcool. Os alcoó latras estão incluídos no rol dos toxicô manos. O
referido Decreto n. 891/68 determina que os dependentes sejam
inicialmente internados em estabelecimento apropriado, ficando inibidos
de praticar atos jurídicos de administração ou alienação de bens nos
noventa dias seguintes, salvo por intermédio do cô njuge, pai, mãe ou
descendente maior, uns na falta dos outros. Passado esse prazo, e
persistindo a dependência, poderá ser nomeado um administrador provisó rio
de seus bens ou, dependendo da gravidade do mal, decretada a sua
interdição. Se for nomeado administrador provisó rio, suas funçõ es serã o
exercidas pelo período de dois anos.
57. REGULAMENTAÇÃ O DA CURATELA
Dispõ e o art. 447 do Có digo Civil que a interdiçã o pode ser promovida: "I
- pelo pai, mãe, ou tutor; II pelo cô n juge, ou algum parente pró ximo;
III pelo Ministério Pú blico". A enumeraçã o é taxativa, mas nã o
preferencial. Qualquer das pessoas indicadas pode promover a açã o.
Entretanto, aduz o art. 448 que o Ministério Pú blico só a promoverá
se não existir ou nã o promover a interdiçã o alguma das pessoas designadas
no art. 447, I e 11, ou se, existindo, forem menores ou incapazes. A lei
exige, portanto, que o promovente, além de parente pró ximo, seja também
maior e capaz. O aludido dispositivo afirma, ainda, que o Ministério
Pú blico só promoverá a interdição "no caso de loucura furiosa" (art. 448,
1). No entanto, o art. 1.178 do Có digo de Processo Civil, que lhe é
posterior, ampliou a atividade do Ministério Pú blico, substituindo a
expressã o "loucura furiosa" por "anomalia psíquica". Portanto, em
qualquer caso de doença mental, mesmo nã o sendo considerada loucura
furiosa, o representante do Ministério Pú blico está legitimado a promover
a interdiçã o, se os parentes pró ximos ou o cô njuge não o tiverem feito. O
simples fato de existir pessoa sujeita à curatela, porém não ainda
interditada, já autoriza o Ministério Pú blico a agir, não sendo
necessá rio que notifique antes os parentes e cô njuge, estipulando-lhe um
prazo para suprir a omissã o. Embora a companheira ou convivente não
figure no rol das pessoas legitimadas a promover a interdiçã o do
companheiro, tal iniciativa nã o lhe pode ser negada, em face dos direitos
que lhe foram conferidos pela Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994,
complementados pela Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, em que lhe sã o
assegurados direitos sucessó rios na qualidade de herdeira, à falta de
descendentes, ascendentes ou cô njuge, ou na condição de meeira dos bens
adquiridos na constâ ncia de convivência.
Ao decretar a interdiçã o, o juiz nomeará um curador. Sob esse aspecto, a
curatela pode ser legítima ou dativa. É que a lei indica as pessoas que
devem ser nomeadas. Diz o art. 454 do Có digo Civil que "o cô njuge, nã o
separado judicialmente, é, de direito, curador do outro, quando
interdito". Na falta de cô njuge, pode ser nomeado qualquer dos pais; na
falta destes, o descendente maior. Entre os descendentes, os mais
pró ximos precedem os mais remotos. Nã o mais se justificam,
162
em face da isonomia constitucional, as discriminaçõ es que o aludido
dispositivo e seus pará grafos faziam em favor de parentes do sexo
masculino. A ordem é preferencial, mas a preferência não é absoluta.
Havendo motivos graves, a bem do interdito, o juiz pode alterá-la,
inclusive afastando da curatela o cô njuge separado de fato e
incompatibilizado com o incapaz. Por força do disposto no art. 226, § 3°-
, da Constituiçã o e das recentes leis supramencionadas, a companheira foi
equiparada à esposa legítima, passando a figurar em primeiro lugar na
ordem preferencial, em substituição a esta. Na falta das pessoas
mencionadas, o juiz nomeará, para exercer a curatela, pessoa idô nea,
estranha à família do interdito (CC, art. 454, § 3°-), configurando- se,
entã o, a curatela dativa. Em duas hipó teses o art. 455 do Có digo Civil
dispensa o cô njuge curador de efetuar inventá rio e apresentar os balanços
anuais: quando o regime de bens for o da comunhão, porque os bens são
comuns; e quando os bens do incapaz se acharem descritos em instrumento
pú blico, qualquer que seja o regime de bens do casamento.
Quanto ao exercício da curatela, basicamente aplicamse as mesmas regras
sobre a tutela, no que nã o contrariem as peculiaridades do primeiro
instituto, inclusive as referentes a escusas, remoção do curador e
cessaçã o da curatela.
CAPÍTULO III
DA AUSÊ NCIA
58. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
Ausente é a pessoa que desaparece de seu domicílio sem dar notícia de seu
paradeiro e sem deixar um representante
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ou procurador para administrar-lhe os bens (CC, art. 463). Neste caso, o
juiz, a requerimento de qualquer interessado, ou do Ministério Pú blico,
nomear-lhe-á curador. Também será este nomeado quando o ausente deixar
mandatá rio que nã o queira ou não possa exercer ou continuar o mandato
(art. 464).
A situação do ausente passa por três fases. Na primeira, subseqü ente ao
desaparecimento, o ordenamento jurídico procura preservar os bens por ele
deixados, para a hipó tese de seu eventual retorno. É a fase da curadoria
do ausente, em que o curador cuida de seu patrimô nio. Na segunda fase,
prolongando-se a ausência, o legislador passa a preocupar-se com os
interesses de seus sucessores, permitindo a abertura da sucessã o
provisó ria. Finalmente, depois de um longo período de ausência, é
autorizada a abertura da sucessã o definitiva. A curadoria do ausente fica
restrita aos bens, nã o produzindo efeitos de ordem pessoal. Equipara-se à
morte (é chamada de "morte presumida") somente para o fim de permitir a
abertura da sucessão, mas a esposa do ausente nã o é considerada viú va.
Para se casar, terá de promover o divó rcio, citando o ausente por edital,
salvo se se tratar de pessoa voltada a atividades políticas e tiver sido
promovida a justificação prevista na Lei n. 6.683, de 28 de agosto de
1979, que concedeu anistia aos políticos envolvidos na Revoluçã o de 1964.
Se este deixar filhos menores, e o outro cô njuge houver falecido ou nã o
tiver direito ao exercício do pá trio poder, proceder-se-á com eles como
se fossem ó rfã os de pai e mãe (CC, art. 484).
Comunicada a ausência ao juiz, este determinará a arrecadação dos bens do
ausente e os entregará à administração do curador nomeado, que deve ser,
de preferência, o cô nju ge. A curadoria dos bens do ausente prolonga-se
pelo período de um ano, durante o qual serão publicados editais, de dois
em dois meses, convocando o ausente a reaparecer (CPC,
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art. 1.161). Decorrido o prazo, sem que o ausente reapareça, ou se tenha
notícia de sua morte, podem os interessados requerer a abertura da
sucessã o provisó ria.
Cessa a curadoria: a) pelo comparecimento do ausente, do seu procurador
ou de quem o represente; b) pela certeza da morte do ausente; c) pela
sucessã o provisó ria. A abertura desta, com a partilha dos bens aos
herdeiros, faz cessar, portanto, a curadoria do ausente. Daí por diante,
segue-se o procedimento especial dos arts. 1.164 e s. do Có digo de
Processo Civil.
59. SUCESSÃ O PROVISÓ RIA
O procedimento para a abertura da sucessã o provisó ria está, hoje,
regulamentado no art. 1.163 do Có digo de Processo Civil. Estã o
legitimados para requerê-la: a) o cô njuge nã o separado judicialmente; b)
os herdeiros presumidos legítimos e os testamentá rios; c) os que tiverem
sobre os bens do ausente direito subordinado à condiçã o de morte; d) os
credores de obrigaçõ es vencidas e nã o pagas. A sentença que determinar a
abertura da sucessão provisó ria só produzirá efeitos seis meses depois de
publicada pela imprensa, mas, logo que passe em julgado, proceder-se-á à
abertura do testamento, se existir, e ao inventá rio e partilha dos bens,
como se o ausente houvesse falecido (CPC, art. 1.165).
Os bens serã o entregues aos herdeiros, porém em cará ter provisó rio e
condicional, ou seja, desde que prestem garantia pignoratícia ou
hipotecá ria de sua restituiçã o. Se nã o o fizerem, nã o serão imitidos na
posse, ficando os respectivos quinhõ es sob a administraçã o do curador, ou
de outro herdeiro designado pelo juiz e que preste dita garantia. É
vedada, nessa fase, a alienaçã o de bens imó veis do ausente,
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exceto em caso de desapropriação, ou por ordem judicial, para evitar-lhes
a ruína ou, quando convenha, para convertê-los em títulos da dívida
pú blica.
Cessará a sucessão provisó ria pelo comparecimento do ausente e converter-
se-á em definitiva: a) quando houver certeza da morte do ausente; b) dez
anos depois de passada em julgado a sentença de abertura da sucessã o
provisó ria; c) quando o ausente contar oitenta anos de idade e houver
decorrido cinco anos das ú ltimas notícias suas (CPC, art. 1.167).
60. SUCESSÃ O DEFINITIVA
Poderã o os interessados, dez anos depois de passada em julgado a sentença
que concedeu a abertura da sucessã o provisó ria, requerer a definitiva e o
levantamento das cauçõ es prestadas. Também pode ser requerida a sucessão
definitiva provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade e
decorreram cinco anos das ú ltimas notícias suas.
Os sucessores deixam de ser provisó rios, adquirindo o domínio dos bens,
mas resolú vel, porque se o ausente regressar nos dez anos seguintes à
abertura da sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou
ascendentes, aquele ou estes haverã o os bens existentes no estado em que
se acharem, ou os sub-rogados em seu lugar ou o preço que os herdeiros e
demais interessados houverem recebido pelos alienados depois daquele
tempo (CPC, art. 1.168). Se o ausente retornar somente depois de
decorridos dez anos da abertura da sucessã o definitiva, nã o mais poderá
recuperar seus bens, até porque já estarã o na posse dos herdeiros há mais
de vinte anos, prazo este suficiente para a aquisição do domínio pelo
usucapiã o.
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Impressã o e acabamento
Editora SARAIVA Unidade Grá fica Av. Amã ncio Gaiolli, 1146 Guarulhos-SP

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