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Identidade em formação
Apesar de alguns sinais de mudança nas últimas décadas, as
perguntas de Valdir Steuernagel continuam pertinentes: por que, em
nossas igrejas, há tão pouca música nativa e tanta influência
estrangeira? Por que, sob o sol tropical, usam-se terno e gravata para
ir aos cultos? São esses aspectos inerentes ao evangelho ou reflexo
de um estilo importado de evangelização? É evangelho ou é cultura?
[x]
Em parte, isso acontece porque a igreja brasileira ainda está
formando sua identidade, e o fenômeno da globalização estimula a
continuidade da importação de modelos eclesiásticos e teológicos.
Num artigo muito interessante, Ruth Valério analisa como a
globalização tem produzido um verdadeiro “Disney McWorld”,
expressão cunhada a partir da relação social do entretenimento das
empresas de Walt Disney com o gerenciamento e marketing da rede
de lanchonetes norte-americana McDonald’s.
Embora nem todas as corporações internacionais sejam norte-
americanas, na mente de muitos a globalização é sinônimo de
americanização.
Isso certamente é verdadeiro em relação à igreja. Como Peter
Harris afirma: “quando você vai à igreja numa grande cidade, em
qualquer parte do mundo, a chance é grande de estar em Los
Angeles, com toda a semelhança cultural existente na teologia ou
formas de culto, qualquer que seja a língua falada”.
As ferramentas da Internet e o poder econômico possibilitaram a
disseminação de modelos ministeriais estrangeiros, principalmente
originários dos Estados Unidos, por meio de literatura e cursos.
Dentro e fora da igreja se consomem e copiam músicas, filmes e
moda. O preço que o Brasil e a América Latina pagam, com
frequência, é a recusa em desenvolver recursos que reflitam mais
[xi]
adequadamente a identidade cultural da igreja local.
A maioria dos ministérios paraeclesiásticos, como Serviço para
Evangelização da América Latina (Sepal), Jovens com uma Missão
(Jocum) e várias outras agências, editoras e organizações, também
nasceram fora do Brasil. Muitos deles procuram assumir uma
identidade bicultural e se adaptar à cultura brasileira. Contudo, em
vários casos é mais fácil construir uma casa nova do que reformar a
antiga. Aqueles que mantêm a mentalidade estrangeira sem buscar
contextualização correm o risco de desaparecer.
Como isso tudo afeta o pastor brasileiro? O pastor-clone acaba
investindo boa parte de seu tempo na busca de uma fórmula ou
receita mágica, ignorando a cultura nacional, as tradições locais e
seu contexto. O missiologista urbano Ray Bakke chama isso
[xii]
“mentalidade de franquia do McDonald’s”.
Muitos pastores são atraídos por movimentos ministeriais que
alardeiam a promoção do crescimento da igreja. Com isso, adaptam
a visão e os planos para se adequar e copiar modelos como o da
Igreja Willlow Creek, de Bill Hybels. Outras congregações procuram
seguir à risca as orientações de Rick Warren, líder do movimento
Igreja com Propósitos, na esperança de encontrar uma receita que
funcione de tal forma que possam repetir o sucesso divulgado em
livros e cursos.
Várias igrejas também se valem de técnicas de mercado. Em
geral, esses modelos eclesiásticos procuram saber por que as
pessoas não frequentam a congregação, o que dificulta a
participação de não-cristãos, como atrair as pessoas do bairro etc.
sem, contudo, compreender claramente sua missão: ser sinal do
reino de Deus. A preocupação com o crescimento não deixa de ser
saudável, e produz ferramentas e mecanismos úteis para conhecer
melhor o mundo e o contexto no qual a igreja está inserida. O
perigo, porém, está na tentativa de importar técnicas e clonar
modelos. Cada igreja tem sua impressão digital.
Tempo de especialistas
Uma das características das sociedades modernas e pós-modernas
é a constante e crescente especialização de pessoas e instituições.
No Brasil, por exemplo, o conceito de médico de família não é tão
popular e funcional quanto em países como Canadá e Cuba. Aqui,
estudantes de medicina devem investir dois a quatro anos numa
área de especialização, mesmo a clínica geral. É interessante notar
como a maioria dos brasileiros, que poderia ser tratada pelo clínico
geral, procura especialistas de olhos, garganta, pulmão, coração e
assim por diante.
Consciente ou inconscientemente, uma das motivações para
profissionalismo é a possibilidade de ganhar dinheiro. Afinal, o
pastor é pago para pregar, visitar, aconselhar, administrar e assim
por diante. Alberto Tapia entende que, neste tipo de relação, o
ministério do líder se limita a fazer que a congregação frequente
com regularidade os cultos, contribua financeiramente e aceite
[xviii]
visitas pastorais em circunstâncias especiais.
Outra característica importante da modernidade que influencia o
pastor-profissional é o dualismo entre o público e o privado. O mundo
público é o do trabalho, da rua, da razão, das leis. O privado é o da
casa, dos sentimentos, dos valores familiares, das opiniões pessoais
e religiosas. O mundo sobrenatural é o dos espíritos, dos milagres,
dos sentimentos e dos valores pessoais. O mundo natural, sim,
controla as ciências e lida com a realidade material.
Para Rubem Amorese, essas diferenças geram um conflito que
obriga a uma retirada estratégica para um espaço preservado,
inviolável, protegido de intromissões. “Ali, a intimidade, o hobby, as
preferências íntimas, a religião, os valores de família, a
[xix]
individualidade, o verdadeiro self pode expressar-se”.
Esse dualismo criou mais e mais privatização do indivíduo e
subjetividade da fé. A pessoa escolhe o que deseja, qual igreja
frequentar, qual mandamento seguir, qual batismo receber, pelos
motivos que decidir e bem entender. Há uma crescente e
incomunicável separação entre o mundo público e o privado.
No mundo público imperam leis e regras de convívio, leis de
mercado, culturas de negócios e leis macro-sociais. Nesse
âmbito as pessoas se regem por padrões cada vez mais formais
de convivência, de comportamento, de sucesso etc. Cada vez
mais esse espaço torna-se impessoal, laico, secular, impiedoso,
[xx]
massificado.
Os leigos e a liderança
Igrejas em células e outros modelos ministeriais têm demonstrado
que, em vez da onipotência do pastor-profissional que conduz os
ministérios e supervisiona toda a congregação, existe uma liderança
múltipla no coração da igreja. Nessas comunidades, os líderes de
células assumem funções pastorais, ministrando aos membros em
suas necessidades durante reuniões similares a grupos de terapia.
Uma das questões mais complexas será estabelecer as diferenças e
limites funcionais entre os líderes de células e os pastores de tempo
integral que servem no staff profissional da igreja.
A bem da verdade, o leigo sente-se ofuscado pelo profissional da
religião. Os dons de liderança presentes nos membros não
ordenados são frequentemente desprezados por outros
participantes do ministério, prerrogativa do pastor, legítimo
despenseiro dos recursos espirituais. O consultor evangélico
americano Kennon Callahan afirma que a igreja deve enfrentar o
fato de que os dias do pastor-profissional estão contados. Chegou a
hora do pastor-missionário.
Com a pós-modernidade, o paradigma do profissionalismo está
iniciando uma trajetória de declínio em todas as frentes. Da mesma
forma, o médico, o advogado, o empresário e o político estão sendo
pressionados a pensar menos em procedimentos e programas e
mais em relacionamentos e pessoas.
O pastor, acima de todos, é chamado para ser mais humano e
amoroso com o próximo (como Jesus foi), íntegro nos valores,
defensor da ética protestante e servidor não do deus Mamon, do
dinheiro e das riquezas, mas do Deus Altíssimo. O pastorado não é
mera profissão: é um chamado para servir ao Rei. Ser pastor é ser
vocacionado para profetizar mensagens que, por vezes, serão
impopulares e desagradáveis.
O pastor é um evangelista — não porque recruta membros para
sua organização local, mas porque fala corajosamente sobre os
sinais do reino na vida, na cidade e na história, pregando com
seriedade e integridade toda a Palavra e vontade de Deus para a
humanidade decadente. Ele não sabe todas as coisas, mas sabe
para onde estamos indo, e convida homens e mulheres a seguirem
juntos em direção ao reino da luz.
O paradigma do empresariado
Richard Halverson afirmou que, quando os gregos receberam o
evangelho, converteram-no em filosofia; quando os romanos o
receberam, transformaram-no em governo; quando os europeus o
receberam, fizeram dele cultura; e quando os americanos o
[xxii]
receberam, virou negócio.
Halverson provavelmente não teria como calcular as implicações
e resultados desse empreendimento ao chegar aos países latinos.
No Brasil, especialmente nos últimos 25 anos, muitas igrejas
funcionam como verdadeiras empresas, e seus líderes se
comportam como gerentes ou executivos. As estruturas de várias
congregações passaram a ser orientadas para a produtividade.
Muitas igrejas brasileiras avaliam seu desempenho a partir de
estatísticas e se valem de estratégias de comunicação de massa.
Essa tendência é mais visível nas chamadas megaigrejas. No
clássico Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um
empreendimento neopentecostal, Leonildo Silveira Campos
descreve algumas das características dessas megaigrejas:
Materialismo e capitalismo
O materialismo é uma das características do líder empresarial. Max
Weber, em seu livro The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism
[A ética protestante e o espírito do capitalismo], demonstra que, a
partir da Renascença, houve uma mudança de mentalidade: a
[xxv]
ênfase “neste mundo” em detrimento do “outro mundo”. O
próprio protestantismo incorpora esta mudança depois da Reforma.
Hoje, mais do que nunca, a igreja demonstra o enfraquecimento da
espiritualidade cristocêntrica e transformadora defendida na época
dos grandes avivamentos e dos movimentos pietista e puritano.
Com o passar do tempo, o ascetismo foi substituído pelo
hedonismo.
O materialismo entrou de maneira furtiva, com sua ênfase num
evangelho de prosperidade (health and wealth gospel). Riqueza,
conforto e bens materiais tornaram-se evidências da bênção de
Deus sobre os cristãos verdadeiros.
Negócio e empreendimento tornaram-se referências para
determinar a identidade e o sucesso da igreja. Nos Estados Unidos,
os bispos da Igreja Metodista Unida referem a si mesmos como
CEOs (abreviatura de chief executive officer, que identifica o diretor
executivo de uma organização ou empresa). Certos regulamentos
denominacionais mais parecem manuais de funcionários do que
livros de disciplina e doutrina cristã.
Pastores-gerentes valorizam e ambicionam MBAs e cursos que
dão prestígio, como os da Fundação Getúlio Vargas. Administração,
planejamento estratégico e gestão são considerados ferramentas
indispensáveis; Peter Drucker, Ken Blanchard e George Barna são
gurus, santos contemporâneos a serem seguidos.
A modernidade exige líderes qualificados para alcançar
resultados, especialmente em duas áreas: aumento do número de
fiéis e da arrecadação. Cabe notar, contudo, que o paradigma do
pastor-gerente surgiu como consequência da desorganização legal
e do amadorismo administrativo de várias igrejas latino-americanas.
A despeito das tentativas de espiritualizar esse fato com
justificativas como “liberdade no Espírito” e “dependência de Deus”,
as igrejas simplesmente não sabem como planejar com excelência,
alocar recursos, estabelecer alvos, enfim, como fazer
gerenciamento eclesiástico.
Organização e organismo
A igreja vive sempre na tensão entre um período histórico particular
e o respectivo contexto cultural. Ela reflete sua natureza híbrida,
mistura entre organismo e organização. Por um lado, define-se
como instituição criada por Deus, comunidade com cultura e língua
próprias, família escolhida pelo Senhor, povo de propriedade
exclusiva. Por outro lado, é organização estruturada por homens e
mulheres com o propósito de viver uma vida em comum,
cooperando uns com os outros de forma administrativa. Como tal, a
igreja confessa ser humana e divina, uma organização social e uma
comunidade espiritual. A questão é: quanto da organização se
encaixa no organismo chamado igreja?
Devemos reconhecer que o alvo da gestão empresarial é o
controle dos processos de uma realidade social complexa para fins
específicos que, muitas vezes, visam o crescimento e a projeção da
própria organização, e não do reino de Deus. Ou seja, a empresa
quase sempre quer vender mais, aumentar a clientela e ganhar mais
dinheiro.
Desde Barth e Bonhoeffer, tornou-se popular afirmar o perigo de a
vida cristã degenerar-se em religião: um sistema que controla Deus
e gerencia sua vontade. Como muitos têm afirmado, cristianismo
não é mera religião. O fato de muitos frequentadores das igrejas-
empresas serem “crentes-clientes” as leva a atrair pessoas mais
interessadas na obtenção de favores de Deus do que no
conhecimento e no relacionamento com o Senhor.
A igreja deixa de ser o ajuntamento de pessoas enviadas numa
missão ao mundo para se tornar empresa ou fábrica de produtos
religiosos. Muitas congregações deixam de experimentar comunhão
profunda e vitalidade espiritual nas suas estruturas administrativas,
apesar de perfeitamente organizadas.
A pergunta que precisamos fazer é: a ideia de igreja-empresa
corresponde ao conjunto de imagens e figuras de linguagem
utilizadas na Bíblia, especialmente no Novo Testamento: igreja-
povo, igreja-família, igreja-luz, igreja-serva, igreja-embaixadora e
assim por diante? O que agrada ao Senhor é serviço obediente,
aceitação da sua cruz, testemunho vivo de sua morte e
ressurreição. Esta é a razão pela qual Deus nos enviou como luz do
mundo: para que as pessoas experimentem nossas boas obras e
glorifiquem o Pai que está nos céus (Mt 5:16).
A tarefa da igreja é reler o evangelho e vivê-lo como capacitador
para o ministério de encarnação e serviço da igreja no mundo.
Precisamos ser críticos dessa metodologia gerencial, que defende
crescimento numérico como componente principal da missão cristã.
Diante desse triunfalismo estatístico e da tirania do controle dos
dados, o sucesso do avanço evangélico na América Latina deve ser
interpretado quanto à sua capacidade de transformação da
sociedade e contribuição para a justiça, a paz e as relações sociais.
Um novo chamado para a teologia contextual da missão integral
está se desenvolvendo: devemos integrar o zelo evangelístico à
nossa paixão pela missão integral.
Uma boa leitura missiológica do Novo Testamento deixa claro que
nenhuma igreja deve existir num contexto de estrutura sólida, de
instituição humana. A igreja primitiva desenvolveu-se como um
organismo vivo e encontrou expressão numa variedade de
diferentes estruturas organizacionais.
Charles Van Engen integra esses elementos de forma sábia ao
dizer que uma personalidade espiritual, emocional e mental sadia
dos líderes gera saúde das congregações missionais. Sua destreza
administrativa provê a estrutura para o avanço missional. Seus
membros fornecem as mãos, os pés e os dons espirituais
[xxvi]
necessários para realizar as intenções missionais da igreja.
Howard Hauerwas e William Willimon escreveram um livro muito
controvertido chamado Resident Aliens [Estrangeiros residentes], no
qual afirmam que o paradigma empresarial é mais um reflexo do
fato de a congregação viver numa sociedade de compra e venda.
Toda igreja é tentada a ter a mesma cara da outra porque não quer
correr o risco de errar e perder membros. Suspeitamos que é
também a razão pela qual, apesar das diferentes teologias e
ordenações, os vários ministérios da igreja são indistinguíveis.
Ao visitar igrejas, participar de várias liturgias e ouvir sermões,
não é possível perceber a diferença entre metodistas,
presbiterianos, batistas, pentecostais, anglicanos e católicos.
[xxvii]
Sociologicamente, todas são muito parecidas.
Hauerwas e Willimon acreditam que a igreja deveria buscar ser
um lugar claramente visível ao mundo, onde as pessoas são fiéis a
suas promessas, amam seus inimigos, falam a verdade, honram o
pobre, sofrem pela justiça e testificam do maravilhoso poder criativo
de Deus. Na verdade, a igreja não é uma ideologia ou um sistema.
É o próprio evangelho.
A tendência do pastor-gerente é permitir que a manutenção
substitua a missão da igreja como princípio prioritário da vida
comunitária. Igrejas que praticam a manutenção — estruturas
criadas apenas com capacidade de sobrevivência — são
missiologicamente questionáveis. A missão de Deus é levada a
cabo por meio do chamado do povo de Deus, povo este separado
exclusivamente para a realização de seus propósitos. Uma igreja
missional sempre incluirá estrutura e organização, mas ninguém
deveria vê-las como parte da essência da igreja.
O paradigma empresarial pode verdadeiramente auxiliar pastores
e líderes na estruturação da missão e na organização da igreja-
organismo. Na verdade, o elemento organizacional deve servir, e
não determinar a natureza da igreja. É necessário, portanto, que a
missão vital, o ser igreja, esteja alinhado com temas como a Grande
Comissão e a vinda do reino. Neste caso, a estrutura e a
organização têm como intenção e motivação existir somente para a
glória de Deus.
O paradigma da tecnologia
Um dos aspectos mais interessantes da modernidade é sua
proposta tecnológica para a organização. Quem seríamos nós sem
carro, celular, computador, micro-ondas, geladeira e televisão? A
sociedade moderna é herdeira das revoluções científicas e
tecnológicas iniciadas há séculos. O ser humano aprendeu a
controlar parte considerável do ciclo da vida.
A própria natureza, em certo sentido, é dominada pela vontade do
ser humano. Não é sem razão que Peter Berger afirma
taxativamente serem a fábrica e a burocracia as duas principais
características da ordem social moderna: na primeira, as pessoas
controlam a natureza; com a outra, elas reduzem seres humanos a
[xxviii]
máquinas. No mundo de hoje, é fácil verificar que a
tecnologia e suas máquinas exercem grande importância nas
relações humanas, sociais e até espirituais.
Nas últimas duas décadas, as igrejas latinas foram alvo de várias
propostas de liderança apresentadas como solução para melhorar a
administração e a eficiência organizacional. Modelos lançados na
América do Norte e na Europa chegaram e foram imediatamente
copiados, como o avivamento das décadas de 1960 e 1970, o
crescimento de igrejas das décadas de 1970 e 1980 e o movimento
de eficiência e excelência da década de 1990.
Van Gelder mostra como pastores e líderes abraçam facilmente
os vários movimentos seculares que surgiram nos últimos vinte
anos, que buscam efetividade e eficiência. Alguns deles são:
• Culturas denominacionais. Procura analisar as transformações
impostas pelo tempo do ponto de vista teológico da igreja.
Como, por exemplo, as mudanças litúrgicas estão ajudando ou
não a igreja?
• Estudos congregacionais. Usa teorias e ferramentas das ciências
sociais para avaliação e explicação do contexto e das
características institucionais da igreja. Comissões preparam
questionários detalhados que medem a saúde da congregação.
• Crescimento e declínio da igreja local. Mede e avalia os padrões
de crescimento e declínio dentro das igrejas e sistemas
denominacionais. O crescimento ou o declínio no número de
membros faz que se focalize a atenção na evangelização dos
não-cristãos e na interação com os membros insatisfeitos das
igrejas vizinhas.
• Reinvenção da denominação. Aplica a reengenharia secular
para o sistema denominacional, visando reestruturar a
instituição, revitalizando seus comitês e departamentos com um
bom planejamento estratégico.
• Avaliação de qualidade. A teoria de gestão de qualidade total é
aplicada ao contexto da igreja.
• Gestão de sistemas. Tenta melhorar a administração da igreja
por meio da análise de todo o sistema e da coordenação de
[xxix]
todos os seus elementos.
A típica resposta da igreja à necessidade de enfrentar suas crises
é a análise do problema e a busca de uma solução — a mentalidade
problema-resposta. Essas soluções tendem a ser metodológicas. O
pastor-técnico é influenciado pela tecnologia e preocupa-se
especialmente com o caráter funcional da igreja, ou seja, suas
funções e seus ministérios. O importante é diagnosticar as
fraquezas da igreja e depois aplicar técnicas e ferramentas
adequadas para corrigir o problema e revitalizar o ministério.
Esses movimentos tendem a se utilizar de centenas de ferramentas,
testes e avaliações técnicas que visam a excelência, a saúde e a
qualidade da igreja, como uma espécie de certificado ISO 9001
eclesiástico. A igreja é avaliada por aquilo que faz, e não por aquilo que
é.
Tais versões das ferramentas ministeriais podem contribuir para
uma compreensão mais ampla da estrutura das igrejas brasileiras e
sua organização.
Uma prática de administração que muitos líderes utilizam é a
definição da missão e foco na visão da igreja como resposta ao
contexto em transição e à cultura em mudança.
Embora com diferentes ênfases, essas tendências procuram rever
o foco da igreja e de seus programas. A simples mudança dos
ministérios da igreja é encarada como resposta às transformações
no contexto social, determinando crescimento.
A questão que se levanta é: ao concentrar a atenção sobre si
mesma, pode a igreja perder o foco de sua missão?
O pastor-técnico
Segundo Valdir Steuernagel, a função de pastor pode ser um fardo
pesado, particularmente nas igrejas históricas. Ele é alguém
diferente dos outros; sua profissão é distinta, bem como seu
comportamento. Por conta disso, o princípio do sacerdócio de todos
os cristãos é suplantado e sufocado pelo status dos especialistas do
[xxx]
verbo divino.
Antigamente, as igrejas brasileiras escolhiam seus pastores pelo
sermão que pregavam, bem como por seus dons espirituais e sua
capacidade de relacionamento. Hoje em dia, o comitê de sucessão
pastoral convida o candidato observando especialmente se o
currículo está ou não recheado de diplomas, conhecimento técnico e
experiência profissional. Mas até que ponto essa pessoa é
especialista na área de necessidade fundamental da igreja? Será
ele capaz de melhorar a estrutura interna e aumentar a eficácia da
organização?
O papel desse pastor-técnico é geralmente restrito ao
desenvolvimento administrativo e ao crescimento numérico. Sua
eficiência ministerial é analisada dentro das quatro paredes da
igreja. Atividades internas, como cultos, ministérios, grupos
pequenos, células, programas, cursos e reuniões administrativas,
consomem mais de 90% de todo o tempo hábil do pastor-técnico. O
líder é o especialista que supervisiona a qualidade dessas diversas
atividades religiosas.
Em geral, pouco interesse é demonstrado pela vida íntima do
líder: sua espiritualidade (vida de oração, meditação, santificação),
sua família (qualidade do relacionamento com a esposa e os filhos)
e sua personalidade (caráter, comportamento, estrutura psicológica
etc.). Não é à toa que muitos, apesar de altamente talentosos e
geradores de bons resultados numéricos, abandonam o ministério,
desanimados e desorientados diante dos problemas da igreja.
O pastor-técnico acredita que pode manipular o ambiente ao seu
redor e chegar aos resultados desejados, desde que saiba utilizar
técnicas e ferramentas ministeriais de forma correta. Pensa que, ao
usar os instrumentos certos junto com boa dose de esforço e
dedicação, a receita funcionará e a igreja crescerá.
É a ilusão de que o reino de Deus pode ser alcançado e
promovido através da capacidade humana.
A opinião de muitos pastores e líderes é que existem técnicas
certas para cumprir a missão da igreja local em seu contexto —
estratégias e métodos infalíveis para se chegar ao objetivo desejado
pela igreja. Essa postura pode levar à sensação de autossuficiência,
segundo a qual o crédito para o crescimento da igreja é mais
direcionado ao planejamento e ao esforço humano do que à ação de
Deus e ao poder do Espírito Santo.
Isso é resultado da suposição tradicional de que a igreja conhece
bem a cultura ao seu redor, por isso só precisa se empenhar na
utilização de certas técnicas e métodos para recrutar pessoas para
sua igreja. Evangelizar significa apenas recrutar novos membros. Se
tal mentalidade gera sensibilidade maior pela vida dos não-cristãos
e valoriza a missão da igreja fora dos limites do templo, também é
armadilha ao criar a fantasia de que técnicas e programas proverão
o milagre da multiplicação numérica. Nesta tentativa de ser
relevante, a igreja passa apenas a reproduzir a cultura ao redor,
perdendo, assim, sua visão missional.
Esta mentalidade se comprova nos numerosos seminários,
conferências e workshops que oferecem aos líderes evangélicos
métodos, técnicas e habilidades nada diferentes do que se vê em
ambientes corporativos, por exemplo. Alguns líderes, considerados
gurus do sucesso, atraem para seus eventos centenas de acólitos,
que aprendem uma variedade de técnicas ditas “infalíveis” para
fazer suas igrejas crescerem rapidamente.
Para atrair novos alunos, as próprias faculdades teológicas e os
institutos bíblicos também tendem a assimilar esse paradigma
tecnológico, ajustando seus cursos para a divulgação de técnicas e
métodos de sucesso eclesiástico. Sem estas ferramentas, supõe-se
que o resultado seja o fracasso pastoral.
Na modernidade, a tecnologia tornou-se elemento fundamental da
identidade social das pessoas e da sociedade. Estratégias e métodos
são valores culturais desta racionalidade. São árbitros da eficiência e
delimitadores do propósito. Ou seja, se funciona, então é verdadeiro.
Paul Hiebert expõe sua preocupação quanto às implicações dessa
mentalidade tecnológica dentro da igreja evangélica:
A perspectiva da redenção
A análise meramente técnica da igreja deixa sem resposta várias
questões sobre a sua natureza, seus ministérios e sua organização
do ponto de vista bíblico e missional. Por mais que procure ajudar a
congregação, o pastor-técnico falha por negligenciar suas
realidades mais profundas: o plano redentor de Jesus Cristo, as
dinâmicas de transformação na vida cristã, a mortalidade da carne,
a devoção interior, a espiritualidade, a oração, o dinamismo e a
relevância da Palavra e muitos outros temas caros ao cristianismo.
Mesmo nestas áreas, o pastor-técnico tem uma ou duas palavras-
chave e várias fórmulas prontas.
Na falta de uma teologia boa e clara, inúmeros pastores e líderes
deixam-se reger por fortes pressões para conquistar melhores
programas e ministérios, como se a igreja fosse uma organização
humana. No entanto, igreja tem a ver com pessoas transformadas
pelo poder redentor do evangelho de Cristo, com propósitos
redentores, com agenda redentora, com padrões redentores de vida
e família.
O uso das ciências sociais deve manter-se em perspectiva dentro
de uma estrutura teológica e relacionado com a presença redentora
de Deus dentro da igreja. Portanto, é crucial que consideremos a
natureza da igreja antes de prosseguir na definição de seus
ministérios e organização. Para fazer isso, devemos começar com
[xxxii]
uma perspectiva teológica.
Ricardo Escobar, diretor para a América Latina da Missão OC-
Sepal, defende o uso das ferramentas e estratégias como
categorias neutras que devem ser submetidas à atuação do Espírito
Santo. Ele utiliza a metáfora do barco: as ferramentas e técnicas
ministeriais são como velas, e o Espírito é como o vento. Suas
brisas são poderosas, espontâneas, incontroláveis e criativas.
Nunca se sabe para onde ele se moverá. Os líderes devem se valer
das velas para aproveitar o vento da melhor maneira e, assim,
seguir na direção certa.
Contudo, por melhores que sejam as velas, tudo depende do
vento do Espírito. E aí pode ser identificado um problema sério: em
vez de usar os dons do Espírito para um testemunho encarnacional
para o mundo, os pastores-técnicos planejam e elaboram
estratégias para aumentar o número de membros e as ofertas.
Recorrem às mais sofisticadas ferramentas e aos mais modernos
brinquedos da tecnologia a fim de conseguir templos cheios e
[xxxiii]
pessoas satisfeitas.
Quando a igreja vive no mundo apenas como empresa ou
organização que funciona apenas em função das velas (conjunto de
métodos, estratégias e ministérios de administração), seus pastores
e líderes se esquecem de que foram chamados para serem povo
redimido de Jesus, criado pelo Espírito para viver como comunidade
missional. O Espírito, e somente ele, pode mover o barco e revelar a
insondável obra de seu Rei.
O paradigma do consumo e do marketing
Jacques Le Goff está correto ao afirmar que, na época atual, toma
corpo a “mentalidade de mercado”, cujas características, segundo
Leonildo Campos, são: utilitarismo; valorização dos conhecimentos
práticos, e não os teóricos; percepção das diversidades que
deveriam ser atendidas, em oposição à ideia teológica de totalidade;
busca do concreto, do material e do mensurável; racionalização do
tempo, por meio da elaboração de um calendário profano, atrelado
às necessidades do orçamento, e não mais regulado pelas festas e
liturgias da igreja; contabilidade meticulosa e cercada de segredo.
Tudo isso gera “uma moral terra-a-terra, feita de pendência e senso
prático, ligada à preservação do dinheiro, da propriedade, da família
[xxxiv]
e da saúde”.
Apesar de não ser o marketing a meta principal, muitas igrejas e
líderes passaram a agir sob a influência de uma mentalidade de
controle de mercado. Igrejas estão se tornando uma simbiose entre
comércio e religião, nas palavras de Campos. Pastores são
confundidos com marqueteiros, e evangelistas descritos como
“vendedores” habilidosos. Quais são os aspectos positivos e
negativos dessa integração entre religião e marketing? Quais são as
implicações para a identidade da igreja, seus pastores e líderes?
É óbvio que a simples utilização das palavras “igreja” e
“marketing” dentro da mesma frase ainda causa estranheza e um
temor exacerbado em muitos pastores e líderes brasileiros. É
necessário, porém, ter em mente que o fenômeno da globalização é
marcado pelo domínio da lógica do mercado livre.
A questão primordial é: a igreja tem consciência dos riscos de ser
governada por tal lógica? Afinal, muitas instituições religiosas,
agências missionárias e faculdades teológicas abandonaram os
sistemas tradicionais de orçamento e entraram para o clube
daqueles que investem em marketing e identidade visual. O grande
desafio da igreja será identificar o espaço e o tempo para ser
oikonomia tou theou — povo de Deus — dentro desta sociedade de
mercado. Nenhuma outra questão é tão urgente para ser discutida
[xxxv]
pelos pastores e líderes.
Durante a conferência da Comissão de Missões da World
Evangelical Alliance, em junho de 2003, no Canadá, Ruth Valério,
uma das palestrantes, fez esta análise:
Espiritualidade global
Sabe-se que, numa cultura de mercado, necessidades são
inventadas para estimular o consumo. Não pode ser saudável uma
sociedade em que as pessoas trabalham cada vez mais com o
objetivo de comprar coisas das quais não precisam. Trata-se de
uma inversão de valores: enquanto os meios de comunicação
prometem felicidade àqueles que vivem no ritmo da moda e se
espelham no estilo de vida dos ricos, a realidade é bem diferente e
mais cruel.
Além do consumismo, a pluralidade é intrínseca à modernidade e
à pós-modernidade e apresenta vários aspectos positivos. O
evangelho, por exemplo, nasceu dentro do contexto judaico, num
mundo pluralista, em competição com várias religiões rivais.
Expandiu-se num ambiente helenístico, oficializou-se durante o
Império Romano e se estabeleceu em diversas culturas pagãs,
apesar da perseguição e dos obstáculos.
Tanto o multiculturalismo global quanto o policulturalismo
brasileiro devem ser abraçados como projetos de Deus. É a
realidade do reino, a partir da qual povos, raças, tribos e nações se
reunirão para servir e adorar o Senhor Jesus Cristo.
No entanto, numa espiritualidade globalizada, o sistema de
crenças e práticas da fé cristã é visto simplesmente como alternativa
entre novas e velhas espiritualidades, terapias, aconselhamentos e
práticas meditativas que afirmam ser capazes de conectar a pessoa
com o seu eu autêntico ou algum tipo de consciência cósmica.
[xxxviii]
Nenhum grupo pode se considerar dominante.
Há, portanto, uma espécie de competição presente no campo
religioso. Por conta disso, para se destacar da concorrência,
organizações e igrejas passaram a desenvolver estratégias de
marketing, como a criação de identidade visual e institucional, entre
outros recursos.
Com tanta oferta religiosa, uma das maiores dificuldades para
pastores e líderes talvez seja afirmar que o cristianismo é a única
opção. Na mente de muitos brasileiros, há pouca diferença entre as
diversas igrejas, denominações e religiões. As disputas internas do
universo evangélico são pouco conhecidas nos fóruns públicos.
No Brasil, a maioria dos brasileiros ainda crê que “todos os
caminhos levam a Roma”, ou seja, a Deus. A pluralidade cultural,
[xxxix]
religiosa e social é celebrada, aprovada e encorajada.
Defender as igrejas evangélicas, neste contexto, pode soar como
menosprezo à fé católica e a outras espiritualidades não
protestantes e não-cristãs, o que é considerado inaceitável. Numa
sociedade de agenda multicultural, supõe-se que a rejeição ao
[xl]
pluralismo religioso signifique intolerância.
Desta forma, a igreja evangélica é vista apenas como mais uma
instituição que provê bens e serviços num mercado cada vez mais
competitivo. No entanto, para Leonildo Campos, esse pluralismo
religioso brasileiro auxiliou muito a Igreja Universal do Reino de
Deus em sua propaganda, direcionada a católicos, protestantes,
kardecistas, umbandistas e adeptos de outros cultos.
Muitas dessas pessoas pertencem à população flutuante que
transita entre as várias expressões de espiritualidade e estão à
procura de resultados imediatos. A adesão às religiões que
professam, quando o fazem, costuma ser meramente nominal.
A estratégia da Universal é localizar essas pessoas insatisfeitas,
atraindo-as a novas experiências religiosas.
Usando metáforas gastronômicas, Campos destaca o aumento no
número de pessoas dispostas a se valer de um cardápio religioso.
Preferem, segundo Jean-Paul Willaime, uma religião “à la carte”:
elas se sentem bem onde podem escolher o prato e na quantidade
[xli]
desejada naquele momento.
Para Rubem Amorese, uma das facetas mais marcantes dessa
sociedade-supermercado é a horizontalização dos valores
simbólicos dos produtos que competem na “prateleira”, ou seja, não
existe um produto intrinsecamente melhor que outro, nem algum a
partir do qual os demais tenham sua qualidade e seu custo
comparados. Todos são competidores, com vantagens e
[xlii]
desvantagens.
Nesta vasta oferta de expressões de espiritualidade, muitos
pastores e líderes de igrejas brasileiras adotaram a mentalidade de
marketing, adequando sua mensagem às demandas e aos gostos
do público. Suas igrejas se identificam com qualquer organização da
sociedade que procura garantir uma fatia (ou share) de mercado.
Influenciados por esse paradigma, usam terminologias e métodos
empresariais e tratam seus ministérios como um empreendimento
religioso. Quando as igrejas são administradas de maneira
corporativa, seus membros tornam-se crentes-clientes. Elas passam
a desenvolver estratégias de propaganda e marketing para garantir
fidelização dos consumidores de seu produto: bens e produtos
religiosos, no atacado e no varejo. Nessas circunstâncias, é cada vez
mais difícil viver como comunidade chamada e enviada ao mundo.
George Hunsberger descreve essa mentalidade “vendedor-
consumidor” nos Estados Unidos da seguinte forma:
O paradigma do entretenimento
Shakespeare afirmou, certa vez, que o mundo é um grande teatro —
e isso 400 anos antes de Hollywood, Disneyworld e tantas formas
de entretenimento. A tecnologia moderna possibilita a reprodução
perfeita de músicas e filmes em CDs, DVDs, MP3 e muitos outros
formatos. A Internet facilita a divulgação, a distribuição e o
compartilhamento de informações em escala mundial e tempo real.
A diversão nunca foi tão acessível.
Esta onda também alcançou o cristianismo. Intimamente ligado ao
paradigma do mercado, um novo modelo de igreja ganhou espaço a
partir da multiplicação de eventos que reúnem grupos musicais
populares e pregadores carismáticos para encontros focados em
celebração e festa. Este tipo de igreja, mais moderna e orientada ao
cliente, é como uma estação de rádio ou um canal de TV que muda
a programação e a grade de horário para se tornar mais atraente. O
objetivo é ser relevante e contextualizada. O pastor-ator, com jeito
de mestre-de-cerimônias, conduz um culto-espetáculo.
Essa tendência da igreja ao entretenimento ganhou visibilidade
nacional nas décadas de 1980 e 1990, principalmente quando a
Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), controlada pelo bispo Edir
Macedo, adquiriu por 45 milhões de dólares a terceira maior rede de
televisão brasileira, a Record. Além disso, a igreja continuava
assumindo o controle de emissoras de rádio em vários Estados do
país. Pela primeira vez, um grupo religioso de linha protestante
assumia o controle de uma rede de comunicação que cobria
praticamente todo o Brasil.
O interesse dos evangélicos nos meios de comunicação inspira-se
nos televangelistas americanos e na chamada “igreja eletrônica”. De
acordo com Leonildo Silveira de Campos, o interesse dos
pentecostais nos meios de comunicação de massa iniciou-se com
Aimee Semple Mcpherson, fundadora da Igreja Quadrangular, em
1924. Em 1925, já havia 600 emissoras evangélicas de rádio nos
Estados Unidos. Isso demonstra a rapidez com que os evangélicos
norte-americanos reconheceram a importância dos meios de
[xlix]
comunicação para a evangelização.
A necessidade de captação de recursos financeiros para manter
programas de rádio e TV, bem como a construção de templos
adequados a essa finalidade, levou os evangélicos a assimilar com
facilidade as estratégias de mercado usadas pelos dirigentes das
igrejas e denominações. Uma das conclusões a que Campos chega
a respeito da trajetória da Igreja Universal do Reino de Deus, e que
engloba neopentecostais em geral, é a seguinte:
Nos programas radiofônicos e televisivos neopentecostais, as
articulações entre “templo” e “mercado” se tornam tão visíveis
que até permitem o emprego das palavras “publicidade” e
“propaganda” como sinônimos. De fato, as técnicas publicitárias e
de marketing dominam as relações da Igreja Universal, produtora
de bens simbólicos e serviços religiosos, com um público carente
de tais bens e serviços. É através de estratégias de marketing e
do esforço de propaganda que ela busca atrair a atenção, reunir
o seu público, divulgar suas doutrinas e lidar com as aflições do
povo. Seu sistema de mídia está direcionado para persuadir e
convencer os destinatários, a despertar a atenção do público-alvo
para os produtos anunciados e desencadear o desejo de adquiri-
los nos “verdadeiros” pontos de venda, onde são encontrados,
[l]
sem imitação.
Apesar de alguma oposição à utilização de recursos de
propaganda e marketing, vários grupos evangélicos brasileiros estão
fazendo uso da mídia (imprensa, rádio, televisão, revistas, Internet
etc.) para evangelizar os não-cristãos, bem como para entreter os
convertidos. Os paradigmas da cultura de mercado, da tecnologia e
do entretenimento se cruzam com frequência: o pastor-marqueteiro,
o pastor-técnico e o pastor-mestre-de-cerimônias são diversas
facetas de um mesmo tipo de liderança.
Em níveis diferentes de profissionalização ou amadorismo, de
acordo com seus orçamentos, esses pastores-apresentadores se
valem da cultura do espetáculo para fazer crescer suas igrejas, atrair
novos fiéis e defender sua doutrina no disputadíssimo universo
eclesiástico brasileiro. Os líderes tornaram-se grandes
comunicadores que aprenderam novas maneiras de transmitir o
evangelho, fazendo releituras de seu conteúdo e apresentando
formas de religiosidade mais nativas, combinadas com modernas
técnicas de marketing.
Aparentemente, o paradigma do marketing levou ao
fortalecimento das novas denominações pentecostais e igrejas
locais, com organizações mais flexíveis e arejadas. Da mesma
forma, o culto evangélico é influenciado pelo elemento do
entretenimento, da dramatização, do espetacular. O pluralismo
religioso levou ao surgimento de várias opções contemporâneas de
igrejas independentes, de todas as tribos e para todos os gostos —
muitas vezes, porém, sem posicionamentos doutrinários claros.
Muitos cultos de igrejas evangélicas assemelham-se a
apresentações teatrais, autênticos espetáculos para a plateia.
Vários elementos novos foram introduzidos na liturgia (atualmente
chamada “programação”), como apresentação de bandas de rock e
pop, coreografias, multimídia, música de fundo durante a
mensagem, peças de teatro e outros artifícios que visam tornar o
culto mais agradável e celebrativo.
Alguns usam efeitos luminosos e conjuntos musicais de alto nível,
como os televangelistas e as igrejas norte-americanos. As diversas
partes da liturgia (ou do programa) devem se integrar à mensagem,
e o astro principal do espetáculo é o pastor. Ele funciona como um
diretor do show, do qual toda a equipe depende e em função do qual
todos trabalham.
Mas o que acontece ao se analisar o nível de conhecimento
bíblico? Enquanto escrevia este capítulo, coordenei um festival de
música cristã com a participação de dezenas de grupos evangélicos
e mais de 1.200 jovens. Fui convidado a fazer a oração final.
Convidei todos a dar as mãos e orar juntos o pai-nosso. Fiquei
surpreso ao notar que quase nenhum deles me acompanhou.
Simplesmente deixaram de fazer a oração ensinada por Jesus.
Em detrimento da reflexão e da racionalidade, a igreja moderna e
pós-moderna valoriza o espetáculo audiovisual. As igrejas
neopentecostais, por exemplo, sacramentalizaram elementos banais
e destituídos de valor ritual, fazendo surgir uma multidão de objetos
que aparentam ter força de sacramento. O pastor preside um ritual.
Na Idade Média, os cristãos valorizavam e comercializavam
supostos pedaços da cruz de Cristo, a lança de São Jorge, os ossos,
as roupas e outros pertences dos santos. Nas igrejas brasileiras,
algumas negociam a “rosa abençoada”, o “óleo ungido”, a “água
abençoada”, as “pedras do Sinai”, o “pão de Israel”, o “sal da
libertação”, a “água do rio Jordão”, a “areia do Sinai” e assim por
diante.
Os elementos de antigos cultos da natureza e símbolos universais,
como água, ar, fogo, terra, madeira, plantas e animais, assumem
sacralidade. Em troca de ofertas materiais, esses elementos são
utilizados e distribuídos com garantia da bênção espiritual. Para outros,
esses objetos são pontos de contato espiritual e podem despertar a fé
como meio para a manifestação da graça de Deus. O pastor-
apresentador, com muita criatividade, faz-se mediador desse processo.
O calendário da igreja é extremamente elaborado e padronizado,
com enfoque nas campanhas (como as chamadas “correntes de fé”,
“doze semanas de oração pela família”, “sete semanas da
prosperidade” etc.). Campos acredita que, enquanto o
protestantismo dessacralizou a missa católica, eliminando símbolos,
luzes, cores e vestes, desencantando o culto, a Igreja Universal
propõe um meio-termo. Isso propicia a transformação do culto num
espetáculo do qual os fiéis participam intensamente:
O ético e o estético
O entretenimento enfatiza o estético e despreza o ético. É mais fácil
falar do que fazer; é mais simples cantar do que colocar em prática.
Enquanto muitos apreciam o teatral e o espetacular, poucos
praticam o evangelho e se revelam convertidos de fato a uma vida
de discipulado em Cristo.
Jesus não pleiteou um estilo de vida de ostentação, nem um
ministério marcado pela fama. Ele nunca usou o dinheiro como meio
de influência. Renunciou à aparência e ao glamour do espetacular,
do uso indiscriminado de milagres como forma de seduzir o povo e
divulgar seu ministério. Pelo contrário: Cristo evitou fazer muitos
milagres e insistia que se guardassem em segredo alguns deles (Mt
8:4-9,29-31; 12:15-16; 13:58; Jo 5:13). Como missionário, Jesus não
elegeu um estilo de vida especial ou sobre-humano, como se fosse
um asceta rigoroso ou eremita. Ele se propôs a viver como a gente
[lii]
simples de seu tempo.
O culto-entretenimento raramente produz um conflito de identidade
na igreja. O pastor-apresentador tende a confundir as pessoas sobre
quem são: clientes, espectadores ou membros do corpo de Cristo e
discípulos de Cristo? A congregação perde sua identidade como
comunidade da aliança. Sua transformação em clube, e do templo em
casa de shows, converte os membros em simples plateia.
Não há dúvidas de que assistir a um culto transmitido pela
televisão ou ouvir um programa de rádio sentado no sofá pode
inspirar e confortar. Mas TVs e rádios não permitem que mentes e
corações estejam envolvidos no complexo e rico estilo de vida de
uma comunidade cristã que celebra, ora e adora.
A igreja precisa retomar sua identidade como povo de Deus,
comunidade enviada ao mundo com uma missão. As pessoas se
reúnem para adorar a Deus. O culto não é entretenimento para o
público. Não somos meros espectadores do programa religioso, mas
irmãos e irmãs reunidos para, juntos, celebrar a Deus.
O paradigma da psicologização
Observe a descrição que Rubem Amorese faz a respeito do perfil de
muitos cristãos nesta era de modernidade:
Doutrinariamente é uma colcha de retalhos amealhados das
inúmeras fontes disponíveis (ele montou seu kit religioso). Ele é
insubordinado (no sentido de que não tem superior), superficial
(social e doutrinariamente), inadmoestável (ser admoestado por
quem? Quem ousaria invadir seu espaço para, arrogantemente,
criticá-lo?), extremamente vulnerável em sua fé (por falta de
lastro doutrinário consistente), carente de afeto verdadeiro e de
“colo” comunitário (ao mesmo tempo em que se mantém arredio
e independente, tentando preservar “seu espaço” contra as
indiscrições alheias). É psicologicamente caótico (depois de
vários divórcios pessoais e rachas eclesiásticos), afetivamente
deficiente (está machucado demais para confiar de novo) e tem
sérias dúvidas se vale a pena prosseguir na fé (o que significa
[liii]
isso hoje?).
Um deus diferente
Os modelos terapêuticos de liderança também encontram guarida
nas faculdades teológicas e institutos bíblicos, que treinam muito
mais líderes-capelães que pastores e pregadores do evangelho.
Orlando Costas lembra que a própria carência de produção literária
pastoral latino-americana resultou na simplificação da teologia
[lvi]
pastoral, reduzindo-a ao enfoque meramente psicológico.
Os currículos sugerem que o estudo teológico e exegético não é
tão relevante. Os cursos em aconselhamento e administração são
mais frequentados. Os debates seculares e as semanas teológicas
demonstram insegurança em relação à verdade bíblica. Neste
ambiente, teóricos como Freud, Jung e Skinner gozam de mais
créditos do que os apóstolos.
Infelizmente, o cristianismo psicologizado projeta a figura de um
deus bem diferente do Deus bíblico: apenas reflexo de desejos e
vontades humanos. A fé é mero canal para acessar esse deus ex-
machine, caixa automático, o velhinho que está no céu para
satisfazer as necessidades individuais.
Essa situação gera graves distorções na identidade da igreja. A
tendência moderna de vê-la em termos de pessoas em busca de
saúde mental, extremamente vulneráveis às mais diversas crises,
está “distante da visão da igreja como comunidade de fiéis às
[lvii]
promessas de Deus”.
Salvação se tornou algo da ordem do privado. A tendência é crer,
ter fé e aceitar o evangelho como atitudes interiorizadas e
individualizadas. A pessoa aceita Jesus, frequenta a igreja no
domingo, mas, essencialmente, vive um evangelho alheio à cultura
e à história, sem implicações comunitárias, relacionais e sociais.
Esse tipo de individualismo está presente nas propostas
evangelísticas que convidam e insistem para que as pessoas
“aceitem Jesus”, que não é expressão bíblica. Igrejas e líderes fazem
sucesso quando propõem solução às necessidades, carências e
desejos de prosperidade e bênçãos do grupo-alvo. Esta
individualização da fé cristã pode conduzir a uma espécie de
espiritualidade amorfa, intimista e subjetiva, que nada mais é do que
uma relação entre dois seres isolados: um indivíduo e “um deus”,
ambos vivendo distantes do comunitário, do contextual, do temporal,
do pessoal e do social.
David Lowes Watson destaca que a experiência religiosa
individualista é um verdadeiro narcisismo mascarado de salvação
individual. Na igreja evangélica brasileira, a salvação foi privatizada,
o discipulado foi espiritualizado e os principados e potestades deste
[lviii]
mundo continuam longe de ser desafiados.
Uma vez psicologizado, o líder deixa de se preocupar com a
transformação do mundo ao redor — se é que alguma vez esteve
preocupado com isso. O foco não é a transformação social, apenas
a adaptação individual: adaptar-se o melhor possível, o mais
confortavelmente possível ao ambiente, estando em paz com as
emoções, ajustando-se às circunstâncias.
A liderança psicologizada, diante das mudanças e dos problemas
sociais, apenas procura enquadrar-se a novos estilos e mecanismos
sociais, alinhando-se com os poderes do mundo. Assim, evita-se ao
máximo o confronto e a tensão entre a igreja e o mundo social,
político e econômico.
Portanto, a fé psicologizada tende a ser resistente ao discipulado
da nação e à missão integral. Como pode a fé tornar-se algo tão
personalizado a ponto de questionar a propagação ousada do
evangelho e o convite a não-cristãos para integrar este povo? A
igreja não apenas deixa de ser relevante à cultura, como também
deixa de ser cultura. Ser e agir como nação que tem uma cultura
própria vai contra essa fé extremamente individualizada e
privatizada dos cristãos modernos e pós-modernos.
Além disso, os paradigmas acabam deslocando o centro da
identidade da igreja do Reino para as tendências da cultura
circunvizinha. Com ênfase nos modelos de crescimento, no
marketing, na empresa, no entretenimento, na psicologia, na
sociologia, a igreja acaba refletindo sua consciência de
marginalidade. Os líderes sentem-se impotentes e inúteis diante das
mudanças e buscam então alcançar novamente a posição de
destaque social necessária à autoimagem pastoral. Apesar de
atraentes e prometerem sucesso, estes paradigmas tendem a
aprofundar a crise de impotência e inutilidade pastoral.
2_Fundamentos bíblicos teológicos para um
modelo missional de liderança
Em busca de um modelo
Da mesma forma que uma casa recebe energia elétrica por meio de
cabos e fios ligados à rede, os princípios bíblicos estão conectados
à mente de Deus. Pastores e líderes devem ser capazes de
conectar sua vida e experiência à Bíblia, de onde flui a energia para
acender a luz que permite enxergar a realidade. Para que o
ministério seja eficaz e frutífero, o líder precisa compreender a arte
da liderança a partir das Escrituras.
Teria a Palavra de Deus apenas um modelo ideal de liderança? A
resposta é “não”. É possível identificar estilos de liderança
diferentes, dependendo dos textos selecionados, dos contextos
escolhidos para elaboração dos modelos, das estruturas e ideias e
da própria eclesiologia, ou seja, o estilo de ser da denominação ou
da igreja. Quando utilizamos as expressões “sal da terra” e “luz do
mundo”, não estamos apenas mostrando o que a igreja faz, mas
também como sua liderança deve ser.
O Novo Testamento se vale de dezenas de metáforas para
descrever a identidade da igreja e sua liderança nos dias de hoje. É
o que acontece com as histórias e parábolas de Jesus que
descrevem o reino de Deus. Jesus descreve o reino como uma
pequena semente que, silenciosa, cresce e produz uma grande
colheita (Mc 4:26-29). Ele aparece no mundo como algo pequeno e
insignificante, tal como o grão de mostarda que, ao crescer, gera
uma árvore frondosa na qual os pássaros fazem seus ninhos (Mc
4:30-32). É como o homem rico que confia suas propriedades aos
servos e sai numa longa viagem sem data prevista para retorno (Mc
13:34-36). Ou seja, o reino de Deus é parcialmente visível hoje na
igreja como antecipação (ou degustação) de algo que virá.
A questão é: ao isolar e enfatizar uma metáfora, não há risco real de
seu significado se esvaziar? A igrejasal do século XXI também age
como igreja-perfume ou igreja-aroma (2Co 2:15)? No Antigo
Testamento, a palavra “aroma” descrevia os sacrifícios de animais (Gn
8:21; Êx 29:18; Lv 1:9; Nm 15:3). Paulo também se utiliza desta
palavra em Romanos 12:1: “... sacrifício vivo, santo e agradável a
Deus...”. A arma mais poderosa da igreja para influenciar os valores
do mundo é a doce fragrância de Cristo no caráter dos seus servos.
A igreja também é descrita como prédio ou organismo que cresce
com a força vital de Cristo, expandindo-se para todos os lados e ao
longo da história. Não apenas os judeus, mas também os gentios são
chamados povo de Deus, escolhido, remanescente (1Pe 2:9-10; Ef
2:12). A igreja, “nova criação” (2Co 5:17), declara a promessa de
renovação de todo o universo que se encontra na Bíblia.
A igreja representa a alegria antecipada dessa nova humanidade,
[lix]
testemunha da recriação de Deus em Cristo. Como comunhão
da fé (At 4:23-31), ela se manifesta na família de cristãos,
testemunhas de uma comunidade de cuidado, sustento,
encorajamento e pertencimento; como corpo de Cristo (Ef 4:1; 1Co
12; Rm 12), revela diversidade de ministérios, dons e funções.
Contudo, a igreja não é meramente prédio, instituição, grupo de
clientes, rede de ministérios, confraria ou entidade organizadora de
atividades, mas uma comunidade social constituída de homens e
[lx]
mulheres reconciliados com Deus e uns com os outros.
Em Images of the Church in the New Testament [Imagens da
igreja no Novo Testamento], Paul Sevier Minear afirma que nossa
visão pode se estreitar quando a concentramos em apenas duas ou
três metáforas, pois a Bíblia tem quase uma centena delas. O
melhor seria tratá-las como complementares e inter-relacionadas.
Tal diversidade reflete a identidade complexa da igreja quanto à sua
natureza, sua essência, seus ministérios e sua organização. O bom
líder mostra maturidade quando aplica as diversas metáforas
bíblicas de forma integrada na vida da igreja e no seu estilo de
liderança.
Cristo é o modelo
Como desenvolver um modelo de liderança saudável que encampe
todos os paradigmas bíblicos? Como chegar a uma eclesiologia que
descreva a natureza da igreja de forma coerente com o contexto
brasileiro? Qual seria a estrutura teológica e o referencial teórico
que poderia refletir essa complexidade das Escrituras Sagradas?
Este capítulo propõe um modelo de liderança baseado nos eventos
da vida de Jesus Cristo: encarnação, morte, ressurreição, ascensão
e segunda vinda.
Essa não é uma ideia inovadora. David Bosch, em Missão
[lxi]
transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão,
[lxii]
e John Stott, em The Contemporary Christian, destacaram a
importância da celebração dos principais eventos na vida de Jesus e
notaram suas implicações missiológicas.
Precisamos focalizar a pessoa total de Cristo (totus Christus).
Uma correta compreensão de sua encarnação, morte, ressurreição,
ascensão e volta influenciará decisivamente no desenvolvimento de
uma eclesiologia robusta e, consequentemente, na formação de um
conceito correto de liderança ministerial.
A filosofia grega inclinou-se para a encarnação de Cristo. A teo-
logia latina destacou a morte e o significado da cruz. Para Kähler,
por exemplo, o evangelho é a história da paixão com uma extensa
[lxiii]
introdução. Várias teologias latino-americanas destacavam a
humanidade de Cristo: ele não apenas morreu e ressuscitou, mas
também viveu na Palestina em determinado período histórico.
Stanley Hauerwas comparou um seminarista ao estudante de
Medicina: “O que a anatomia é para a cirurgia médica, a cristologia
[lxiv]
é para o cristianismo”. Com frequência, estudantes de Medicina
preferem os cursos de cirurgia plástica, medicina oriental ou
psiquiatria, em vez de anatomia. Contudo, o currículo de qualquer
faculdade exige vários créditos dentro do departamento de
anatomia. Ninguém conseguirá ser um bom médico se for reprovado
nesta disciplina.
Da mesma forma, o fundamento absoluto do cristianismo não é
sua moralidade, sua lógica perfeita, sua filosofia de vida ou suas
doutrinas. O centro do cristianismo é a pessoa de Cristo, o Filho de
Deus, e todos os eventos centrais de sua vida: encarnação, morte,
ressurreição, ascensão e segunda vinda.
A essência do cristianismo não é a Bíblia, os credos da igreja ou
as estruturas institucionais, mas o próprio Jesus Cristo, Deus-
homem. Esta é a estrutura que rege a identidade da igreja e nosso
modelo de liderança ministerial. A liderança cristã é a única que
encontra seu caminho, sua verdade, seu modelo e sua essência na
pessoa de Cristo.
O Novo Testamento narra a vida, a morte e a ressurreição de
Jesus como ações que revelam a paixão de Deus pela humanidade,
cujo propósito é sua própria glorificação (Cl 1:27; Ef 1). A
mensagem do evangelho é o próprio Cristo (1Co 1:23; 5:7; 15:3).
Em Romanos 8:33-34, Paulo levanta duas questões de caráter
forense: “Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de
Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? Foi Cristo
Jesus que morreu; e mais, que ressuscitou e está à direita de Deus,
e também intercede por nós”. Paulo, em Filipenses 1:21, fala de
uma das implicações dessa realidade: “Porque para mim o viver é
Cristo e o morrer é lucro”.
Nos eventos da vida de Jesus, Deus revela seu propósito para a
redenção de toda a criação. São pistas de Deus para a
compreensão do sentido da vida e de nosso propósito neste mundo.
Lesslie Newbigin afirmava que Jesus é esta chave para entender a
história, da qual ele é a essência da vida, a fonte, o centro e o
[lxv]
objetivo. A revelação de Deus em Cristo é o ponto de partida
para que pastores e líderes possam compreender o encontro do
evangelho com a cultura, bem como sua identidade, o propósito de
sua vida e seu estilo de liderança.
Crendo nessa dimensão missional da cristologia foi que John Stott
disse: “Cristo é a fonte e caminho, o coração e alma, o alicerce e
[lxvi]
alvo de toda missão”. Cristianismo só faz sentido a partir de
tudo o que aconteceu na vida, na morte e na ressurreição de Jesus
[lxvii]
de Nazaré.
Em 1Coríntios 15:14, Paulo afirma o seguinte: “E, se Cristo não
ressuscitou, é vazia a nossa pregação, como também é vazia a fé
que vocês têm”. Sem Jesus não há cristianismo, igreja ou missão;
não existe modelo de liderança eficaz, por mais convincentes que
sejam suas técnicas e estratégias. Todo e qualquer estilo de
liderança deve ser gerado e moldado a partir da revelação integral
de Cristo.
Consequentemente, a mensagem do evangelho não se enquadra
numa tabela de crenças geradas pela observação de filosofias
humanas e experiências religiosas. O evangelho é “boas-novas”, o
anúncio de um nome: Jesus. A pessoa de Jesus é “boa-nova” de
significado público, e que precisa ser declarada a todos.
Nosso compromisso não é com uma causa ou ideologia, mas com
uma pessoa. O caráter cristão que defende os valores do reino e
age em prol de justiça, paz social, libertação dos oprimidos e cura
origina-se em nosso compromisso com Cristo. Este compromisso é
continuamente renovado através da repetida aceitação de sua morte
[lxviii]
e ressurreição.
O mundo não foi mais o mesmo depois de Jesus. Pelo contrário, o
evangelho promoveu mudanças na história, movendo-se como ondas
de influência em expansão, afetando todas as dimensões e esferas
da vida. É claro que a intenção de Jesus não era criar um sistema
religioso. Seu ensino não foi meramente intelectual. Sua mensagem
veio em forma humana, encarnada em vida e ação, com lágrimas,
sangue e suor. Por essa razão, a mensagem do evangelho não
poderia ser reduzida a abstrações, teorias, estratégias e sistemas. A
mensagem de Deus é o próprio Jesus Cristo.
Como C. S. Lewis disse certa vez, Jesus falou e agiu de tal forma
que nossas alternativas seriam segui-lo ou considerá-lo louco. Não
há outra opção. Ou vivemos como ele viveu, integrando-nos ao seu
projeto, ou viramos as costas. Portanto, somente um estilo de
liderança modelado na pessoa de Jesus encontrará amor no
ministério, reconciliação nas intrincadas relações humanas, perdão
das ofensas, serviço num mundo individualista e restauração do
projeto de Deus para a humanidade. Todos aqueles que agem
pastoral e missionalmente em qualquer parte do mundo devem
seguir Jesus, imitando, tanto quanto possível, a personalidade e o
estilo de vida do Mestre.
Liderança influenciada pela encarnação
O que significa “encarnação”? Em João 1:14, lemos que Jesus
tornou-se carne e habitou (fez seu tabernáculo) entre nós. “Tornar-
se carne” mostra sua identificação com a humanidade. Ele se tornou
igual a todos nós. Jesus Cristo, o eterno Logos, o próprio Deus, veio
à terra como humano. Neste versículo, “carne” (carnalis, em latim)
não significa fraqueza e pecado, mas natureza humana.
Em Cristo, Deus revelou-se imanente, o sempre presente Deus
que cuida e intervém na vida humana. Em vez de agir de forma
transcendente, virtual, ele decidiu viver entre homens — não como
Deus, mas restringindo-se a todas as limitações do corpo humano.
Jesus “esvaziou-se” de seus interesses, sua glória e majestade e
tomou a forma de um servo humilde. Paulo fala dessa humanidade
em Filipenses 2:5-8:
Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora
sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a
que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser
servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo
encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi
obediente até a morte, e morte de cruz!
Peregrinação
Somos o povo de Deus que se move com Jesus Cristo para a terra
prometida. Devemos nos lembrar da história dos judeus peregrinos
no deserto (Gn 17:8; 37:1; 47:9) e revivê-la em nossos dias.
Naquela árdua caminhada de quarenta anos após a libertação da
escravidão do Egito, o povo se revoltou e protestou: “Não há
comida, nem água! É melhor servir aos egípcios do que morrer no
deserto” (Êx 15:24; 16:15; 17:2-3). Deus, por meio de Moisés,
proveu comida para o faminto e água para o sedento. Foram
levantadas várias questões relacionadas à propriedade de terra, ao
governo nacional, à independência política, à liberdade, aos direitos
humanos e à cidadania (Lv 6–14).
Peregrinação é tempo marcado pela tensão entre obediência e
desobediência aos valores do novo reino, entre confiança e
incredulidade, entre adoração e murmúrio, entre esforço pela
sobrevivência e consciência radical do apoio e da soberania de
Deus. Somos povo de Deus, chamados para herdar a terra. Mas
entre o Egito e a realização da promessa encontra-se o deserto.
Sem a peregrinação no deserto, não existirá terra prometida.
Muitos saem do deserto, mas nunca chegam ao destino. Para
alcançar a terra que mana leite e mel (Êx 3:8), precisamos
abandonar nossos desejos pelos prazeres do Egito e enfrentar os
temores e as fraquezas do deserto. Num ato de fé em Cristo e
obediência à sua Palavra, quebramos as cadeias que nos
escravizavam e marchamos para o deserto, confiantes. Contudo,
nunca chegaremos lá sem antes passar pela peregrinação.
Considere o texto encontrado em Deuteronômio 8:1-10:
Tenham o cuidado de obedecer a toda a lei que eu hoje lhes
ordeno, para que vocês vivam, multipliquem-se e tomem posse
da terra que o SENHOR prometeu, com juramento, aos seus
antepassados. Lembrem-se de como o SENHOR, o seu Deus,
os conduziu por todo o caminho no deserto, durante estes
quarenta anos, para humilhá-los e pô-los à prova, a fim de
conhecer suas intenções, se iriam obedecer aos seus
mandamentos ou não. Assim, ele os humilhou e os deixou
passar fome. Mas depois os sustentou com maná, que nem
vocês nem os seus antepassados conheciam, para mostrar-lhes
que nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que
procede da boca do SENHOR. As roupas de vocês não se
gastaram e os seus pés não incharam durante esses quarenta
anos.
Saibam, pois, em seu coração que, assim como um homem
disciplina o seu filho, da mesma forma o SENHOR, o seu Deus,
os disciplina. Obedeçam aos mandamentos do SENHOR, o seu
Deus, andando em seus caminhos e dele tendo temor.
Pois o SENHOR, o seu Deus, os está levando a uma boa
terra, cheia de riachos e tanques de água, de fontes que jorram
nos vales e nas colinas; terra de trigo e cevada, videiras e
figueiras, de romãzeiras, azeite de oliva e mel; terra onde não
faltará pão e onde não terão falta de nada; terra onde as rochas
têm ferro e onde vocês poderão extrair cobre das colinas.
Depois que tiverem comido até ficarem satisfeitos, louvem o
SENHOR, o seu Deus, pela boa terra que lhes deu.
A metáfora do tabernáculo
Como Israel, a igreja é peregrina. A própria imagem do tabernáculo
contrasta com o templo (ou santuário) do Novo Testamento.
Santuários lembram prédios e construções que servem para
organizações rígidas. Com o passar dos séculos, a igreja encontrou
sua identidade no templo, no prédio. “Vamos para a igreja”, dizemos
com frequência.
Igreja encarna o imutável, o rígido, o estável, a estrutura
permanente. Quando os fiéis se veem como consumidores de
produtos religiosos, a noção de templo como estrutura fixa é um
problema. No entanto, se compreendem seu ministério
encarnacional e sua condição de comunidade peregrina, capacitada
para servir, a dimensão do templo não é um obstáculo para a
[lxxiv]
missão.
No Antigo Testamento, a metáfora do tabernáculo (Êx 26) indica
mobilidade, desapego e provisão divina. Aonde Deus levasse seu
povo, ali eles armavam suas barracas. O movimento de igrejas nos
lares aproxima-se desta concepção. É difícil, mas não impossível,
transformar uma megaigreja em igreja peregrina.
A questão tem menos a ver com o tamanho do prédio e o número
de pessoas e mais com sua identidade como igreja-em-missão.
Pastores e líderes são fundamentais no estabelecimento dessa
identidade missional, a igreja-em-movimento que nunca se sente
totalmente confortável no seu contexto e cultura por saber que seu
destino ultrapassa tempo e história.
Ser igreja-peregrina não significa ser removida do mundo,
evitando sua realidade histórica e social. Peregrinos não são desta
terra, como Jesus não era deste mundo. Contudo, eles permanecem
na terra, libertos de seu domínio, mas atuantes na obediência e
ativos em fé e amor.
No Novo Testamento, a peregrinação é abordada várias vezes.
Jesus prova ser um autêntico peregrino, deixando lar e família,
viajando vários anos e pregando em mais de duzentas cidades. Ele
mesmo diz: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus
ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt
8:20).
Jesus vivia em outra dimensão: a dimensão do Reino. Para
aqueles que querem se integrar ao seu projeto e seguir a Cristo
como peregrinos, suas decisões, objetivos e estratégias irão além
da segurança das instituições eclesiásticas e da zona de conforto
oferecida pela sociedade.
A metáfora do povo peregrino que se move em direção ao reino
está presente também em outras passagens do Novo Testamento
(Mt 8:20; Jo 17:14; Ef 2:19; Fp 3:20; Hb 11:9-13), e embute a ideia
de estrangeiro, exilado, imigrante e viajante, gente que não tem
residência neste mundo. Ao descrever a condição da igreja neste
mundo em sua primeira carta, Pedro refere-se à diáspora de
[lxxv]
estrangeiros e peregrinos (1Pe 2:11).
Portanto, a igreja é comunidade peregrina e vive para
testemunhar do reino dentro de seu contexto. Pastores e líderes
precisam inspirar esse senso de dupla cidadania no povo brasileiro,
comunidade a caminho da terra prometida, povo peregrino que
professa e vive um estilo alternativo de vida.
Exílio
Alguns dos melhores textos proféticos foram produzidos durante
períodos de exílio. A história de José mostra como o líder pode
cooperar com o governo e a sociedade local sem perder sua
identidade. O livro de Ester mostra a coragem de uma bela mulher
disposta a morrer e confrontar o mal estrutural dominante em defesa
do bem-estar e da felicidade de seu povo.
O livro de Jó ajuda-nos a refletir a respeito da realidade mais
ampla e reconstruí-la quando vivemos num mundo
inexplicavelmente perigoso e trágico, onde a presença de Deus e
seu plano universal têm prioridade sobre nossos projetos pessoais e
familiares. O livro de Daniel revela um jovem de caráter,
espiritualmente íntegro, pressionado pelas forças políticas malignas
de um grande império e mantendo firmes seus valores. Com muita
negociação, numa atitude de contracultura cristã e claro senso de
identidade, ele é capaz de exercer liderança com sucesso e
influenciar milhões de pessoas.
Trabalhei na plantação de uma igreja multiétnica de fala inglesa
em Toronto, no Canadá. Durante aquele período, sentindo saudades
do Brasil, senti a força do texto do salmo 137:
Junto aos rios da Babilônia nós nos sentamos e choramos com
saudade de Sião. Ali, nos salgueiros penduramos as nossas
harpas; ali os nossos captores pediam-nos canções, os nossos
opressores exigiam canções alegres, dizendo: “Cantem para
nós uma das canções de Sião!” Como poderíamos cantar as
canções do SENHOR numa terra estrangeira?
Que a minha mão direita definhe, ó Jerusalém, se eu me
esquecer de ti! Que a língua se me grude ao céu da boca, se eu
não me lembrar de ti, e não considerar Jerusalém a minha
maior alegria! Lembra-te, SENHOR, dos edomitas e do que
fizeram quando Jerusalém foi destruída, pois gritavam:
“Arrasem-na! Arrasem-na até aos alicerces!”
Ó cidade de Babilônia, destinada à destruição, feliz aquele
que lhe retribuir o mal que você nos fez! Feliz aquele que pegar
os seus filhos e os despedaçar contra a rocha!
Jeremias choca seu povo com a visão dos dois cestos de figos.
Os figos maus representam aqueles deixados para trás, enquanto
os figos bons representam os exilados (Jr 24:1-9). Como eles
poderiam viver numa terra que não era deles, sob governantes
ímpios, entre pessoas que não os amavam e cuja cultura e
linguagem eles não compartilhavam e compreendiam? Esta é a
mesma pergunta que a igreja está fazendo nos dias de hoje. A partir
desse pano de fundo, surge uma série integrada de princípios
práticos:
• Construam casas e habitem nelas.
• Plantem jardins e comam de seus frutos.
• Casem-se e tenham filhos e filhas.
• Busquem o bem-estar da cidade.
• Orem pela paz da cidade.
O bem-estar da cidade
Pastores e líderes sentem-se privilegiados por acreditar que a atuação
de Deus se restringe à igreja. Ela é, de fato, o local onde Deus está
presente, mas o exílio nos lembra que técnicas para aumentar o rol de
membros e estratégias para restauração interna não costumam
funcionar do lado de fora. O local da missão de Deus é o mundo como
um todo. Como dizia João Wesley, “o mundo é minha paróquia”.
Precisamos buscar o bem-estar da cidade e orar pela restauração
da paz. Isso não surge apenas a partir das expectativas de sucesso
econômico e restauração social. Na verdade, nasce do
reconhecimento de que nosso ministério de serviço aponta e
anuncia realidades muito maiores.
A igreja ora pela volta do Príncipe da paz, o justo juiz? Exige o fim
da injustiça e busca a paz social? Em Atos, os novos convertidos
faziam isso com excelência, compartilhando vidas e propriedades,
cuidando uns dos outros, satisfazendo as necessidades básicas de
todas as pessoas, inclusive as viúvas estrangeiras (gregas).
O zelo com o bem-estar da sociedade não deve ser traduzido como
poder político. Exilados não buscam posições de poder e fama. A
igreja deve apontar para o Senhor dos senhores e Rei dos reis, Jesus,
declarando a todos que somente ele é Deus, rege as nações e reina
em todo o mundo. O domínio do Altíssimo transcende todos os limites
territoriais, as linhas imaginárias que separam as nações.
Por isso, a igreja busca o bem-estar da cidade ao modelar um
caminho de vida alternativo, uma contracultura social. A própria
igreja desempenha o papel de cidade (a pólis) alternativa. O
principal papel político da igreja é a formação de um povo que vive
plenamente todas as implicações e paga o preço do discipulado.
Hauerwas e Willimon nos convidam a enxergar a igreja com os
olhos do imigrante residente (resident alien): uma colônia que se
[lxxvii]
aventura numa sociedade incrédula.
Pastores e líderes vivem esse estilo de vida alternativo, que
ensina a falar e agir, lutar e amar, discutir e perdoar, enfim, enxergar
o mundo da mesma forma que Jesus o fez? A encarnação, bem
como o estilo alternativo de vida proposto durante os períodos de
peregrinação e exílio, nos desafia a buscar um modelo que
manifeste os valores da liderança de Jesus em nossa nação.
Liderança que reflete o sacrifício de Jesus Cristo
Sem a cruz, o cristianismo é apenas mais uma forma de experiência
religiosa ou espiritualidade do tipo nova era. Em João 12:24, Jesus
aponta para a importância de sua morte: “Digo-lhes
verdadeiramente que, se o grão de trigo não cair na terra e não
morrer, continuará ele só. Mas se morrer, dará muito fruto”. Paulo
afirma que o amor de Deus por nós é comprovado e confirmado na
morte de Cristo pelos pecadores (Rm 5:8 e 2Co 5:14).
Jesus morreu em lugar de homens e mulheres “uma vez por
todas, o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus. Ele foi morto
no corpo, mas vivificado pelo Espírito” (1Pe 3:18). Para o teólogo J.
M. E. Ross, o versículo 18 é um sumário tão objetivo quanto rico
[lxxviii]
sobre o significado da cruz. Pedro condensa elementos como
redenção reconciliadora, justificação substitutiva e suficiência plena
de Cristo numa pequena frase.
O bispo Lesslie Newbigin, da Índia, conta uma história que talvez
seja a mais crucial em sua caminhada como cristão. Enquanto
estudante universitário, cheio de ideais, ele investiu três meses de
férias trabalhando numa área pobre no sul de Gales, num clube de
recreação para jovens:
Missionário-vítima
Tudo isso significa que nosso modelo de liderança deve demonstrar
humildade. Newbigin sugere a figura da testemunha depondo diante
do tribunal do mundo, que julga a veracidade do cristianismo. Até a
declaração do veredicto, a função da testemunha não é tirar
conclusões, mas reportar o que viu e ouviu. Ninguém poderá
[lxxxvii]
contra-argumentar a realidade daquilo que testemunhou.
Abertura, diálogo, humildade, aceitação e vulnerabilidade serão
sempre marcas do evangelho. Paulo, em 2Coríntios 12:9-10,
enfatiza a fragilidade e a fraqueza do missionário:
Igreja na ofensiva
A igreja é chamada para a mesma guerra espiritual contra o mal
moral (indivíduo) e estrutural (sociedade). Ser parte do reino é
reconhecer quem está no controle e quem deveria estar. Tudo
pertence a Deus, e adoração é prerrogativa divina. João expressa
isso no livro de Apocalipse, capítulo 11, versículo 15: “O reino do
mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará
para todo o sempre”.
No tempo de Deus, essa promessa se concretizará plenamente.
Abraham Kyper, primeiro-ministro holandês, afirmou o senhorio de
Cristo da seguinte forma: “Não existe uma polegada sequer de toda
a criação que Jesus não esteja proclamando: ‘Isto é meu. Isto
[xcvi]
pertence a mim’”.
Moisés, Davi, Paulo e, principalmente, Jesus previram uma igreja
sobrepujando principados e potestades, conquistando novas
fronteiras com sua missão integral. Este chamado missional
transmite a mensagem reconciliadora para toda a humanidade e
redentora para todo o ser humano.
Barth insiste que, neste mundo reconciliado em Cristo, não há
[xcvii]
área secular que tenha sido totalmente abandonada por Deus.
A nossa tarefa, assim sendo, é inserir integralmente a igreja
missional na sociedade, recuperando seu direito de viver no mundo
sob o domínio de Deus. A igreja assume uma posição ofensiva
contra o reino das trevas, reivindicando todos os territórios perdidos
na sociedade, na história, em todos os campos do conhecimento e
em todas as áreas de relacionamentos. Contudo, a vitória final virá
com custo elevado, suor e sangue. Em Mateus 12:26-28, Jesus
identifica o regente deste reino rival, Belzebu.
Se Satanás expulsa Satanás, está dividido contra si mesmo.
Como, então, subsistirá seu reino? E se eu expulso demônios
por Belzebu, por quem os expulsam os filhos de vocês? Por
isso, eles mesmos serão juízes sobre vocês. Mas se é pelo
Espírito de Deus que eu expulso demônios, então chegou a
vocês o Reino de Deus.
Embora tenha derrotado e aprisionado Satanás, Jesus alertou que
o seu reino continuaria em direto confronto com poderes humanos e
diabólicos. A serpente, embora mortalmente ferida, ainda resiste à
expansão do domínio de Cristo na terra. Espera-se que sua igreja
sofra retaliações por operar com diferentes valores, viver a partir de
uma diferente fonte de poder e ser guiada por padrões e
expectativas alternativos.
Somos chamados a viver, aqui e agora, uma vida capacitada pela
ressurreição de Cristo como sinal de oposição aos poderes da
morte, ao pecado e aos inimigos de Deus. A boa notícia é que a
vitória final sobre todos eles é garantida, e a transformação deste
mundo é assegurada na ressurreição. A presença dinâmica do Deus
soberano, criador e sustentador de tudo, apaga o pecado e traz
perdão; seu poder redentor confronta o mal e restaura a vida.
Uma das razões pelas quais tantos de nós desistem no meio do
caminho e sofrem quedas das quais não conseguem se levantar é a
negligência no cumprimento do papel de soldado em alerta e a falta
de senso de urgência diante do inimigo. Estamos vivendo
confortavelmente neste mundo. Embora o reino não seja igual à
igreja, nela ele assume formas mais visíveis e concentradas. A
igreja não é apenas uma agência do reino, mas sua matriz.
Howard Snyder nos lembra que somos chamados para ser povo
do reino, e não povo da igreja. O povo do reino busca o reino e a
justiça em primeiro lugar. O povo da igreja geralmente coloca as
atividades e ministérios da igreja acima das preocupações com
justiça, misericórdia e verdade, e pensa em maneiras de trazer mais
pessoas do mundo para seu rol de membros. O povo do reino pensa
em como levar a igreja para fora, no mundo. O povo da igreja está
preocupado em como o mundo pode mudar a igreja. O povo do reino
[xcviii]
trabalha para que a igreja mude o mundo.
Além disso, de acordo com Mateus 16:19, a igreja detém as
chaves do reino dos céus. Isto não significa que a igreja é um fim
em si. Muitos modelos eclesiais que enfatizam crescimento
numérico e resultados mensuráveis podem cair no engano de tomar
a missão de Jesus em suas próprias mãos.
A teologia do Reino tem sido trocada por diversas formas de
eclesiocentrismos: o projeto da igreja, não a missão do Reino, torna-
se o alvo final. Pela falta de uma boa teologia do reino, muitas
denominações e megaigrejas se isolaram, auto-suficientes na
construção de seus próprios impérios pessoais e guetos religiosos.
Penso que a confusão na relação entre os conceitos de reino e
igreja seja a base de muitos dos problemas enfrentados pelo
cristianismo nos dias de hoje. Um dos perigos a serem evitados é a
separação radical entre uma coisa e outra. É óbvio que não
podemos confundi-las, mas também não devem ser separadas.
Em todo o Brasil e ao redor do mundo, os cristãos oram: “Venha o
teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus”.
Quando dizemos “venha o teu reino”, oramos também para que as
questões materiais (política, economia, temas sociais, dignidade,
urbanização, cidades, história, ecologia etc.) se encaixem nas
“questões espirituais”.
Jesus não nos chamou apenas para que tivéssemos
pensamentos ou sentimentos profundos por ele. Ele nos convocou
para que nos tornássemos seus discípulos. O Filho de Deus não
busca espíritos desencarnados, mas convida todos para que entrem
no seu reino, curem pessoas, expulsem demônios e proclamem o
evangelho integral. O reino apresenta uma nova estrutura que se
caracteriza pela justiça pública, igualdade, paz social e amor. O
[xcix]
reino de Deus está entre nós.
Participamos na grande obra de trazer o máximo possível do reino
de Jesus Cristo à terra. Roger Mitchell chama a isso “elemento
reino”. “A obra do reino não é tanto tirar as pessoas da terra e levá-
las para o céu, mas trazer o quanto pudermos do céu a esta terra e
às pessoas. O reino avança quando a igreja se compromete com
justiça, paz, retidão e amor. Ações positivas neste mundo não são
secundárias, mas centrais à missão. Embora a igreja seja
imperfeita, tem o potencial de refletir, em seus ministérios e
programas, muitos dos valores do reino.
C. S. Lewis nos lembra que, em última análise, há apenas dois tipos
de pessoas: aquelas que dizem para Deus: “Tua vontade seja feita”; e
[c]
aquelas às quais Deus dirá: “Sua vontade seja feita”. “Venha o teu
reino” demonstra quão importante para Jesus é a ênfase no reino de
Deus. Acima de tudo, o evangelho anuncia que o reino é presente, mas
ainda se encontra no futuro, esperando sua realização em Cristo.
A ressurreição de Jesus é relevante porque não foi qualquer
homem que morreu, mas aquele que levou sobre si a história de
Israel. Para os israelitas, a ressurreição deveria funcionar como
símbolo da reconstituição da nação, o retorno dos peregrinos e
exilados e, acima de tudo, sua própria redenção. Por isso, a
expressão “povo peregrino” é extremamente apropriada: cristãos
veem a si mesmos como continuação de Israel. A igreja é um povo
peregrino que vive um estilo de vida alternativo — em última análise,
trata-se de uma alternativa para o mundo.
Provavelmente o maior perigo em utilizar o conceito de
“comunidade alternativa” seja que a igreja se torne uma
comunidade paralela, isolada, dissociada de qualquer
responsabilidade social e transformação cultural. “Comunidade
alternativa” não deve identificar apenas a igreja reunida no templo,
mas também o povo de Deus disperso pelo mundo. Este tipo de
eclesiologia deve orientar pastores, líderes e estruturas
eclesiásticas na capacitação de seus membros em relação ao seu
chamado na sociedade.
Portanto, a igreja é sinal da formação desta nova sociedade de
Deus. A força vital do reino já flui nas veias da igreja. Embora ela
não seja o único veículo da missão, possui a peculiaridade de
representar essa comunidade de cristãos que demonstra os
valores do reino a todas as nações.
Newbigin está correto quando afirma que a igreja local é a única
[ci]
que pode ser intérprete (hermenêutica) do evangelho. Neste
mundo fragmentado, cínico e mentiroso, as pessoas precisam de
uma voz confiável. Elas devem interpretar o evangelho através da
vida dos verdadeiros cristãos. Talvez a maior contribuição da igreja
para uma nova ordem social é ser ela mesma essa nova ordem,
essa comunidade que vive o futuro na terra.
Na esperança de indicar o que o mundo pode “ser ou não ser”, a
igreja age como comunidade que propõe novos paradigmas. Ela
não apenas tem ética social — a igreja é a própria ética social
quando funciona como instituição cristológica, como organização
[cii]
que encarna a pessoa e a obra de Cristo.
Não seria maravilhoso encontrar uma igreja que vive essa
realidade social alternativa? Não causaria admiração uma igreja
cuja missão fosse realmente ensinar seus membros a falar, agir,
lutar, amar e enxergar o mundo de forma cristocêntrica? Precisamos
trabalhar com persistência para trazer a presença de Cristo, com
todo o seu amor, sua beleza e sua doçura, a todas as esferas da
vida. A igreja representa o reino como sua comunidade, serva e
mensageira. Ela é a comunidade da nova aliança em Cristo, e foi
gerada pelo reino para mostrar seu caráter tangível em forma
humana e social.
Liderança que aponta para a ascensão de Jesus Cristo
O calvinismo sempre enfatizou a exaltação de Cristo (Lc 24:51).
Para o braço reformado do cristianismo, a igreja encontra-se entre
ascensão e escatologia, entre a partida de Jesus e seu retorno. Em
Atos 1:11, a mensagem dos anjos foi: “Galileus, por que vocês estão
olhando para o céu? Este mesmo Jesus, que dentre vocês foi
elevado aos céus, voltará da mesma forma como o viram subir”. Ele
foi visto subindo e será visto descendo. O espaço entre a ascensão
e o retorno, entre a primeira e a segunda vinda de Cristo, deve ser
preenchido pelo testemunho da igreja.
Para que isso ocorresse, o Espírito desceu na festa de
Pentecostes. A partir daí, a igreja entra no mundo como comunidade
do Espírito: “Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer
sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a
Judéia e Samaria, e até os confins da terra” (At 1:8).
O versículo 8 é uma espécie de contraponto ao que o precede.
Em vez de se preocupar com tempos e datas, a igreja deve
testemunhar até os confins da terra. E para que possa testemunhar,
ela precisa ser capacitada pelo Espírito Santo. Seu testemunho é
acompanhado por milagres e maravilhas. Os eventos depois de
Pentecostes provam que o Espírito Santo capacitou os apóstolos
para que pudessem testemunhar de Jesus Cristo com poder.
Muitos movimentos carismáticos acreditam que o Pentecostes é o
evento mais importante do plano redentor. Seus líderes afirmam que
vivemos na “era do Espírito”. Portanto, o tempo em que vivemos,
período entre a ascensão e a volta de Cristo, é de viver a missão
pneumatológica: o Espírito Santo é Espírito missional. Sem ele, a
missão será impossível. Como disse Orlando Costas:
A igreja é também a comunidade do Espírito. Como tal, é
gerada pela sua graça e separada para o serviço pelo seu fogo
purificador, que a faz ser um companheirismo (comunhão) de
pecadores regenerados e santificados. O Espírito Santo é o
sistema nervoso que torna eficaz o senhorio de Cristo sobre seu
corpo, que o preserva e mantém pelo seu poder. Assim, faz com
que seja sua morada, o lugar onde se manifesta de forma mais
visível a sua presença no mundo e onde se possibilita o
encontro entre Deus e a humanidade. Sem o Espírito, a igreja
morre em si mesma. Sem a igreja, é impossível a continuidade
[ciii]
da missão de Jesus Cristo.
Dependência total
O Espírito Santo exerce um impacto global muito maior do que
nossas experiências religiosas. Ele é o poder vital, doador e
dinâmico da igreja; o Senhor, mestre, guia e inspirador da
[cv]
comunidade cristã. Precisamos enfatizar que a missão começou
com a vinda do Espírito de Deus em poder e glória, e não com uma
ação humana planejada por um grupo de judeus na Palestina após a
morte de Jesus. Paulo fala sobre essa função do Espírito em
Romanos 8:9,26:
Entretanto, vocês não estão sob o domínio da carne, mas do
Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vocês. E, se
alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo. […]
Da mesma forma o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois
não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por
nós com gemidos inexprimíveis.
• Quem somos
Quem somos
O primeiro passo para que a liderança de caráter missional se
consolide será sempre o conhecimento de sua identidade. Tanto a
liderança pastoral quanto a igreja-em-missão devem ser observadas
e avaliadas a partir de um olhar missiológico, ou seja, devem refletir
a missão em toda a sua teoria de liderança e em toda a sua
eclesiologia. No capítulo anterior, vimos que Jesus, em diversos
eventos salvíficos, lança os fundamentos para a formação da
identidade do líder missional. Para nós, as implicações são
importantes.
Pastores e líderes vivem tempos de extrema ansiedade, confusão
e estresse. Diante da influência dos paradigmas culturais
mencionados no primeiro capítulo, há certa insegurança quanto à
definição de uma identidade pastoral. Em meio à diversidade da
igreja brasileira, é possível encontrar aqueles que se desapontaram
com a vida congregacional, perderam o primeiro amor pelo
ministério e desistiram de investir a vida no reino.
Além disso, apesar do grande crescimento quantitativo dos
evangélicos brasileiros, muitas igrejas ainda estão longe da saúde e
da transformação exigidas pelo discipulado em Cristo, e vivem uma
forma de subcristianismo marcado pela superficialidade. Estamos
longe daquilo que Mariano Artega afirma ser função do cristianismo:
“Promover uma cosmovisão bíblica a partir da qual se possa ler a
[cxvii]
realidade tirana, interpretá-la, denunciá-la e transformá-la”.
Somos motivados pelos sonhos. Se não nos fortificamos com
propósitos de vida irresistíveis e fascinantes, nos arriscamos a
desanimar, como acontece a tantos pastores e líderes.
Toda liderança cristã deve ser fortalecida dentro de uma
perspectiva missional para alcançar a noção de sua identidade
como igreja-em-missão no contexto onde se encontra. Os conceitos
de missão e liderança caminham lado a lado na Bíblia. Temos um
Deus missional e, portanto, assim deve ser o seu povo.
O pastor brasileiro tem sangue missional correndo nas veias, em
seu caráter, em sua essência, e deve pensar, viver e aplicar os
princípios missiológicos nas cidades como um missionário
transcultural faria nas selvas africanas ou nos centros urbanos do
Leste Europeu. Tal cultura deve contagiar a igreja em todas as
dimensões, atividades e ministérios.
A liderança missional é diretamente influenciada pela doutrina
cristã sobre a encarnação, a morte, a ressurreição, a ascensão e a
segunda vinda de Cristo (já vimos isso no segundo capítulo). Esses
são e (sempre serão) temas centrais para a igreja-em-missão:
No centro da liderança missionária, como chave-mestra do
ministério pastoral, encontra-se a encarnação do Verbo, sua vida,
sua morte, sua ressurreição, sua ascensão e seu retorno. O
conteúdo do evangelho é Jesus Cristo na plenitude de seu
ministério como Deus encarnado. A liderança missionária é reflexo
da revelação de Jesus Cristo. Como consequência, o líder guia a
comunidade do povo peregrino de Deus como sinal e testemunha
daquilo que aconteceu ao mundo por causa da encarnação de
[cxviii]
Jesus Cristo.
O evangelho é isso e nada mais. O ponto inicial da liderança
missional deve ser o evangelho em si. Cristo é a referência, o
modelo, a lente através da qual olhamos o ministério. Nele, bem
como nos diversos eventos de sua vida, encontramos todos os
elementos científicos e embasamentos teológicos necessários para
a identidade do líder brasileiro.
Somente esta centralidade na pessoa de Jesus pode decifrar a
situação da liderança pastoral. Este cristocentrismo não apenas
abre caminho para a análise da realidade histórica, social e cultural,
como também descortina a preocupação indistinta de Deus de
promover a reconciliação com todos os seres humanos e com o
todo dos seres humanos.
A vida de Jesus é a atividade pastoral modelar; é pauta e critério
para todas as circunstâncias. Nada que se diga pode ser
interpretado sem o reconhecimento da dimensão cristocêntrica do
ministério pastoral. O modelo pastoral de Jesus é aplicável ao
pastor e a toda a congregação. Jesus Cristo projeta-se no futuro
desde o presente. Isso nos leva a crer que o modelo, a plataforma, a
figura e o estilo pastoral de Jesus podem ser vividos em
[cxix]
circunstâncias completamente distintas.
A liderança missionária sempre começa pelo evangelho das boas-
novas, procurando comunicar sua essência e seu conteúdo.
Evangelho, no grego koiné, não sugere transmissão de verdades,
princípios ou valores; em vez disso, focaliza o relato de um evento
ou acontecimento de significado especial: vitória na batalha,
[cxx]
ascensão ao trono, realização política.
Jesus tem uma missão clara: buscar primeiramente o reino de
Deus e sua justiça. Ele também foi enviado por Deus para pastorear
seu rebanho de maneira eminentemente missionária. Conhece suas
ovelhas pelo nome (as que estão dentro e fora do aprisco). Ele se
preocupa com a totalidade da situação em que elas vivem.
Cristo se apropria do programa do servo sofredor de Isaías (Lc
4:18-19) e se interessa pela transformação e pela restauração do
preso, do sedento, do desnudo e do esfomeado. Cuida dos órfãos,
das viúvas, dos pobres, da sanidade dos quebrantados de coração,
do perdão aos pecadores e publicanos, da restauração dos caídos e
da ressurreição dos mortos. Portanto, Jesus nos permite ver o ser
humano (inclusive o brasileiro) em sua situação heterogênea,
[cxxi]
pluricultural, social e existencial.
Contudo, o evangelismo pessoal de hoje (de conteúdo
antropocêntrico, que focaliza o suprimento de necessidades e do
“aceitar Jesus”) não expressa exatamente a essência do chamado
de Jesus na sinagoga, como expressado em Lucas 4:18-19:
O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para
pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar
liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para
libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor.
Crescimento numérico
É a multiplicação que o povo de Deus experimenta ao proclamar o
evangelho, convidando homens e mulheres ao arrependimento de
seus pecados e à fé em Jesus Cristo, incorporando-os numa
comunidade local. A dimensão numérica tem a ver com a vida e os
conflitos pessoais de multidões de homens e mulheres que vivem
alienados de Deus, de si mesmos e de seu próximo, e que precisam
de reconciliação e incorporação ao povo que Deus está formando
em toda parte da terra. São milhões cuja condição espiritual desafia
constantemente a igreja e de quem ela se considera em dívida por
[clxxiv]
causa do evangelho.
É a dimensão mais explorada e mais desejada pelos cristãos. É a
primeira pergunta feita nas conferências: “Quantos membros sua
igreja tem?”. Note os exemplos a seguir. Ao analisar a dimensão
numérica, busca-se determinar quantas pessoas estão sendo
acrescentadas à igreja por conversão, batismo e transferência,
dentro de um quadro de crescimento numérico.
Aproximadamente quantas
congregações foram iniciadas em:
Aproximadamente quantos
pastores, tempo parcial ou integral,
havia em:
Aproximadamente quantas
pessoas se tornaram membros em:
Aproximadamente quantas
pessoas deixaram de ser membros
em:
Aproximadamente quantas pessoas
vieram de outras igrejas e
transferências, em:
Crescimento orgânico
Encampa o desenvolvimento interno do organismo-igreja, o tipo de
liderança, a distribuição por sexo, idade, ocupação; a participação
nos cultos, os recursos financeiros, os grupos de interesse e
afinidade, os grupos familiares e células etc. A dimensão orgânica
tem a ver com questões de cultura e contextualização, formação e
mordomia, comunhão e celebração.
Como organismo vital, a igreja não pode se contentar com a
simples multiplicação de suas células. Ela deve se preocupar com o
bom funcionamento de todas as partes, em conformidade com seu
sistema de vida. Estas precisam ser fortalecidas, cuidadas,
estimuladas e bem coordenadas para que o corpo possa funcionar
[clxxv]
adequadamente e o trabalho não seja em vão.
A dimensão orgânica identifica as variações ao longo de um
período com relação às contribuições financeiras, ao número e à
distribuição de líderes, aos tipos de programas e às experiências
litúrgicas e de convivência. Organização eficiente tem alto nível de
envolvimento, por parte dos membros, nos ministérios.
O crescimento orgânico compreende as diversas formas de
governo. Ele tem a ver com o sistema de relações entre os
membros: sua forma de governo e sua estrutura ministerial.
Sabemos que parte do sucesso de uma igreja depende do bom
funcionamento de seu governo e de suas estruturas. Além disso, à
medida que a igreja cresce organicamente, crescem também sua
compreensão e sua participação nas finanças.
Onde há crescimento orgânico, há crescimento de liderança e
constante treinamento de mais pessoas. Todas as áreas da igreja
precisarão de novos líderes. Será também necessário identificar o
tipo de atividade na qual investir melhor o tempo e os recursos, o
nível de intensidade da vida comunitária, a vida devocional dos
membros, a participação pessoal e ativa nas atividades da igreja
etc.
01. Oração.
02. Leitura devocional da Bíblia.
03. Preparação de líderes.
04. Visitas.
05. Ensino.
06. Aconselhamento.
07. Planejamento estratégico.
08. Eventos especiais.
09. Estudo (formal ou não).
10. Outras (quais?).
Não ( ) Sim ( )
Crescimento conceitual
Refere-se à expansão da inteligência da fé — o grau de consciência
que a comunidade eclesial tem sobre sua existência e razão de ser.
Crescimento diaconal
Compreende todas as esferas de ação da igreja no serviço ao
próximo, resultando em serviço ao mundo. O serviço cristão é
fundamentado e impulsionado pelo amor de Cristo. A igreja
demonstra o amor redentor de Jesus Cristo por meio de sua
diaconia. Assim, todas as atividades evangelísticas e os diversos
ministérios da igreja conduzem ao serviço de amor ao próximo. É
isso que legitima a missão integral. Somente quando a igreja vive e
pratica esse evangelho é respeitada pela sociedade.
A dimensão diaconal está relacionada com o aspecto ético da
igreja e de sua missão. Isso implica avaliação da eficácia do
ministério libertador e reconciliador à luz dos resultados concretos
no serviço prestado ao mundo. Tem a ver com o papel da igreja
como comunidade a serviço dos outros e o envolvimento de seus
membros nas lutas e nos problemas da sociedade.
Hora de agir
Tudo isso parece uma tarefa grande demais e, de fato, é. Porém, a
liderança missional não se pode permitir deixar de investir em sua
missão e pagar o preço. E, ao conhecer as necessidades do mundo,
ela deve modificar sua agenda missionária para servir à comunidade
ao redor. A igreja precisa adaptar sua mensagem e seu ministério
para responder a necessidades e situações concretas. E isso é
especialmente verdadeiro quando se fala em América Latina.
Assim, os cristãos poderão perguntar como estão as condições de
vida e justiça social, identificar as causas dos problemas e agir. Será
difícil falar em avivamento e transformação no Brasil enquanto
tantas igrejas continuam a adotar um estilo de vida de ostentação e
prosperidade. Vale lembrar que parte considerável do povo
brasileiro ainda vive em situação de miséria. René Padilla nos
lembra que a pobreza do Terceiro Mundo coloca um ponto de
interrogação sobre o estilo de vida das pessoas (e especialmente
[clxxx]
dos cristãos) no mundo ocidental.
Uma das melhores expressões para descrever a liderança
pastoral no contexto brasileiro seria a do missionário-diácono. De
acordo com Carlos Gattinoni, diakonia indica trabalho sério e
vigoroso. Dia significa “através”, e konos refere-se à tarefa do
condutor de camelos que passa no meio de uma multidão a pé,
enquanto o dono está sentado no lombo do animal. Pastores e
líderes não podem perder a simples e humilde dimensão desse ato,
que capta a natureza íntima da liderança missional.
A primeira crise experimentada pela igreja primitiva estava
relacionada às necessidades das viúvas convertidas. Embora
reconhecessem a prioridade da oração e do serviço (diakonia) da
palavra, os apóstolos buscaram líderes que pudessem servir
(diakonein) às mesas. É interessante destacar que, logo em
seguida, os mesmos garçons serviram em funções missionárias:
Estêvão, como pregador e evangelista; Filipe, como evangelista e
avivalista; e assim por diante.
É evidente a relação dinâmica e direta entre serviço e missão.
Diaconia descreve a obra de servir a Cristo continuamente por meio
do ministério com a mesma intenção de ser servo como ele foi.
Serviço é fruto visível da atividade missionária de uma igreja
missional; é a realização do mandamento “amar ao próximo como a
si mesmo”. A igreja-em-serviço mostra amor com palavras e
também com obras de justiça e misericórdia. Servimos, num lugar
concreto, a pessoas reais, tal qual Jesus preocupou-se com o ser
humano integral: o corpo físico e as enfermidades de alma.
A convicção de que Deus está preocupado com a totalidade do
ser humano parte da seguinte perspectiva: o reino está entre nós.
Devemos sinalizar a vitória de Deus sobre a exploração, a injustiça,
a exclusão social, o racismo, a miséria, o sofrimento e a violência. A
igreja precisa deixar a periferia das decisões sociais mais
importantes para se tornar líder e pioneira no trabalho de
transformação do mundo. Lutamos por mais justiça onde a justiça
absoluta não pode existir. Vivemos pela graça, como devedores da
[clxxxi]
caridade de Deus.
Esse é o coração do problema. A atitude de Jesus ao desafiar os
poderes que governam este mundo não foi secundária em seu
ministério. A luta contra principados e potestades era central. Sem a
vitória sobre o príncipe das trevas e o mal estrutural, não poderia
haver evangelho integral. Portanto, o desafio diácono-social da
igreja também abrange os cristãos mais prósperos, com seus
valores e seus ideais, suas ambições, seus sonhos e seu estilo de
vida. Como afirmou Leonildo Campos:
Visão e Valores
Objetivos e Estratégias
Implementação e Avaliação
Visão e valores
Sempre há o perigo de, após a coleta e a análise das informações, o
processo ser abortado. Ninguém sabe exatamente o que fazer com
essa pesquisa. Esse é o momento da interpretação: como relacionar
as descobertas com o futuro, com a visão de Deus para a igreja?
Nessa altura do processo, o líder missional deve se perguntar:
01. Quais são os valores centrais da igreja?
02. Qual é nossa finalidade nesta cidade?
03. Como a igreja pode cumprir a vontade do Senhor na região
em que está localizada?
04. Qual é a visão de evangelização integral que o Espírito Santo
deu a nossa igreja?
05. O que o Senhor deseja que eu faça?
06. Para onde a igreja está indo?
É fundamental uma leitura constante do momento específico da
missão de Deus na história concreta do ser humano. Assim, a ação
da igreja segue as orientações de Deus e cumpre sua missão na
terra. Para onde Deus está se movendo? O que Deus está fazendo
na história? Todo e qualquer plano de ação deve ser iniciado com
leitura da história a partir da perspectiva da vontade de Deus para
sua criação.
Portanto, centrada na Palavra, coberta por intercessão
estratégica, com uma missiologia contextualizada, sem desprezo
pelas informações coletadas, é necessário que a igreja e seus
líderes relembrem seus valores fundamentais, busquem
discernimento no Espírito Santo e conheçam a vontade do Senhor
para a cidade. É hora de envolver todos quanto possível num
processo de reflexão, decisão e ação. Um exemplo de plano de
ação seria reservar espaços na agenda da igreja para:
• Orar juntos.
• Compartilhar vitórias e lutas.
• Estudar o contexto e a cultura.
• Ouvir Deus falando por intermédio das Escrituras.
• Buscar discernimento e obediência.
[clxxxiii]
• Engajar-se em ministérios de cooperação.
Estrutura / Competência
Institucional
Congruência Crescimento
Saudável
Membros em potencial
Culturas
Cosmovisão
Estruturas Comunitárias
Contexto
Plano de ação
(Objetivos + estratégias)
Dentro
01. Compreender o contexto em que vivem os membros da igreja
de tal maneira que possa discernir como as circunstâncias os
condicionam e determinam.
02. Entender as motivações e atitudes dos fiéis.
03. Explicar a ação libertadora de Deus na história e como cada
[clxxxvi]
membro deve se engajar num nível de ação possível.
Fora
01. Solidarizar-se com a comunidade e abrir portas para o diálogo
e a possibilidade do serviço pastoral.
02. Interpretar em que direção se deve orientar a sociedade.
03. Ser agente de reconciliação.
04. Estar presente pastoralmente entre os grupos de avanço da
sociedade.
[clxxxvii]
05. Interceder permanentemente pela comunidade.
Costas afirma isso de outra forma. Para ele, a igreja possui dois
movimentos muito claros: centrípeto e centrífugo. O centrípeto (de
fora para dentro) refere-se às atividades internas da igreja. O
centrífugo refere-se ao movimento de dentro para fora, implícito na
[clxxxviii]
Grande Comissão.
No ministério do pastor missional, as funções de “dentro” e de
“fora”, “centrípeto” e “centrífugo” possuem caráter complementar.
Uma completa a outra. A ação pastoral de “dentro” (descobrimento
de dons, serviço, educação cristã, aconselhamento e administração)
comissiona e envia a igreja para exercer as funções de “fora”
(oração pela cidade, visão da realidade, ações concretas e
mensuráveis que ajudem a medir a presença do reino de Deus na
terra).
Implementação e avaliação
Estabelecido o plano de ação, com objetivos e estratégias, os líderes
missionais precisam implementar e executar o plano. Sem isso, se
perde o rumo da visão e o ritmo de crescimento. Todo o esforço do
plano de ação redundará em fracasso e ineficácia. E, mesmo
quando colocado em prática, precisa ser avaliado com regularidade.
A falta de revisão de objetivos e estratégias pode acarretar
frustração e atraso no avanço da missão da igreja na cidade.
Enfatizando primordialmente a implantação de igrejas em grupos
étnicos e regiões menos alcançadas da cidade, os líderes
missionais podem refletir especificamente sobre seus alvos para os
anos seguintes. Tanto em âmbito local quanto denominacional,
devem responder às seguintes questões:
01. Quantas igrejas serão implantadas em cinco anos?
02. Quantas igrejas serão implantadas em três anos?
03. Quantas igrejas serão implantadas até o ano que vem?
04. Quais são os modelos bíblicos de implantação e
evangelização que a igreja ou denominação se sente mais
confortável para utilizar?
05. O que se pode fazer para incentivar a igreja a plantar outras
congregações?
06. Quais serão os bairros prioritários para implantação de
igrejas?
07. Quais serão os projetos e ministérios desenvolvidos nestes
bairros?
08. Quais serão e onde serão desenvolvidos os projetos sociais
prioritários?
09. Com quais igrejas ou denominações é possível dialogar e
estabelecer parceria?
10. Que passos a liderança da igreja ou da denominação deve dar
para aumentar a prioridade na implantação de igrejas
saudáveis?
11. O que o grupo pode fazer para alcançar maior consenso
diante desses objetivos?
12. Como potencializar o compromisso e a paixão dos membros
da igreja para alcançar os não-cristãos?
13. Como desenvolver estratégias de oração que capacitem
movimentos de implantação de igrejas?
14. Quanto começar a investir nesta visão? Que percentagem do
orçamento isso representa?
Programa
Data:
desenvolvido:
Valor central:
Objetivos mensuráveis:
Observações e reflexão
1. Vitórias significativas:
2. Resultados mensuráveis:
3. Lições aprendidas:
4. Análise orçamentária:
5. Recomendações:
[ii]
Donald POSTERSKI, Future Faith Churches, p. 119.
[iii]
A Bíblia e a missão integral da igreja, p. 46.
[iv]
Missão transformadora, p. 95.
[v]
Esta também é uma preocupação de vários teólogos latino-americanos, como Orlando
Costas, René Padilla, Leonildo Silveira Campos, Júlio de Santana, José Rubens
Jardelino, Alberto Tapia e Samuel Escobar, entre outros.
[vi]
Igreja: comunidade missionária, p. 183.
[vii]
Hacia una Pastoral Latinoamericana, p. 29.
[viii]
El Protestantismo en América Latina Hoy, p. 80.
[ix]
Pastoral: perspectiva histórica e desafios atuais, p. 30.
[x]
Igreja: comunidade missionária, p. 200.
[xi]
A World Gone Bananas, p. 27.
[xii]
The Urban Christian, p. 23.
[xiii]
La Actualidad de la Pastoral Paulina, p. 91.
[xiv]
Veja www.tribalgeneration.com, associado ao ministério Brasil 2010, para uma
discussão sobre as gerações emergentes do Brasil.
[xv]
Missão integral, p. 143.
[xvi]
El Protestantismo en América Latina Hoy, p. 81.
[xvii]
Igreja: comunidade missionária, p. 182.
[xviii]
Hacia una Pastoral Paulina, p. 92.
[xix]
Igreja & sociedade: o desafio de ser cristão no Brasil do século XXI, p. 120.
[xx]
Idem, p. 121.
[xxi]
O que faz o Brasil, Brasil?, p. 120.
[xxii]
Citado por Paul HIEBERT, The Gospel in Our Culture, p. 149.
[xxiii]
P. 227.
[xxiv]
Missional Church, p. 72-75.
[xxv]
P. 35.
[xxvi]
God’s Missionary People, p. 165.
[xxvii]
Why Resident Aliens Struck a Chord, p. 426.
[xxviii]
Paul HIEBERT, The Gospel in Our Culture, p. 145.
[xxix]
Van GELDER, The Essence of the Church: A Community Created by the Spirit, p.
22-23.
[xxx]
Igreja: comunidade missionária, p. 183.
[xxxi]
The Gospel in Our Culture: Methods of Social and Cultural Analysis, p. 147.
[xxxii]
Van GELDER. The Essence of the Church: A Community Created by the Spirit, p.
24.
[xxxiii]
Darrel GUDER, Missional Church, p. 201.
[xxxiv]
Leonildo CAMPOS, Teatro, templo e mercado, p. 172.
[xxxv]
M. Douglas MEEKS, Global Economy and the Globalization of Theological Education,
p. 256.
[xxxvi]
A World Gone Bananas. Globalization and Economics, p. 13.
[xxxvii]
K. P. ALEAZ, Globalization of Poverty and the Exploitation of the Gospel, p. 167.
[xxxviii]
J. Andrew KIRK, Mission in the West, p. 123.
[xxxix]
Lesslie NEWBIGIN, The Gospel in a Pluralistic Society, p. 1.
[xl]
Alister E. MCGRATH, Pluralism and the Decade of Evangelism, p. 107.
[xli]
Teatro, templo e mercado, p. 203.
[xlii]
Igreja & sociedade, p. 118.
[xliii]
George R. HUNSBERGER, The Church in the Postmodern Transition, p. 98.
[xliv]
Eugene H. PETERSON, Um pastor segundo o coração de Deus, p. 2.
[xlv]
Donald POSTERSKI, Future Faith Churches, p. 171.
[xlvi]
Howard HAUERWAS, Discipleship as a Craft, Church as a Disciplined Community, p.
81.
[xlvii]
Citado por Donald POSTERSKI e Gary Vincent NELSON em Future Faith Churches,
p. 15.
[xlviii]
George R. HUNSBERGER, Features of the Missional Church, p. 9.
[xlix]
Teatro, templo e mercado, p. 266.
[l]
O marketing e as estratégias de comunicação da Igreja Universal do Reino de Deus, p. 35.
[li]
Teatro, templo e mercado, p.73.
[lii]
Luciano Jaramillo CÁRDENAS, Missão e inserção missionária, p. 18.
[liii]
Igreja & sociedade, p. 126.
[liv]
Missional Church, p. 200.
[lv]
A Peculiar People, p. 36.
[lvi]
El Protestantismo en América Latina Hoy, p. 77.
[lvii]
Lamin SANNEH, Encountering the West, p. 221.
[lviii]
Citado em Darrel L. GUDER, Missional Church, p. 180.
[lix]
Gerhard KITTEL e Gerhard FRIEDRICH, The Theological Dictionary of the New
Testament.
[lx]
Craig Van GELDER, The Essence of the Church, p. 107-113.
[lxi]
P. 610-616.
[lxii]
P. 356-374.
[lxiii]
Citado por David BOSCH em Missão transformadora, p. 611.
[lxiv]
Future Faith Churches, p. 197.
[lxv]
The Gospel in a Pluralist Society, p. 158.
[lxvi]
The Contemporary Christian, p. 356.
[lxvii]
Stanley HAUERWAS & William H. WILLIMON em Christianity Today, p. 16.
[lxviii]
Lesslie NEWBIGIN, Your Kingdom Come, p. 41.
[lxix]
Douglas WEBSTER, Yes to Mission, p. 64.
[lxx]
Citado por John STOTT em The Contemporary Christian, p. 357.
[lxxi]
Luciano Jamarillo CÁRDENAS, Boletim Teológico/FTL-Brasil, p. 11.
[lxxii]
Darrell L. GUDER, Ser Testigos de Jesucristo, p. 46.
[lxxiii]
David BOSCH, Missão transformadora, p. 456.
[lxxiv]
Ser Testigos de Jesucristo, p. 197.
[lxxv]
Walter BAUER, Wilbur GINGRICH & Frederick Wilbur DANKER, A Greek-English
Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, p. 321.
[lxxvi]
Citado por Stanley HAUERWAS & William H. WILLIMON em Missiology: An
International Review, p. 421.
[lxxvii]
Missiology: An International Review, p. 421.
[lxxviii]
Em A Devotional Commentary, p. 151-152.
[lxxix]
Unfinished Agenda, p. 11-12.
[lxxx]
Lesslie NEWBIGIN, The Open Secret, p. 118.
[lxxxi]
Lesslie NEWBIGIN, Foolishness to the Greeks, p. 123.
[lxxxii]
Lesslie NEWBIGIN, The Gospel in a Pluralist Society, p. 107.
[lxxxiii]
P. 99.
[lxxxiv]
Douglas WEBSTER, Yes to Mission, p. 101-102.
[lxxxv]
The Contemporary Christian, p. 363.
[lxxxvi]
Let the Nations Be Glad: The Supremacy of God in Missions, p. 96.
[lxxxvii]
Foolishness to the Greeks, p. 64. Newbigin desenvolve esse argumento também
em The Light Has Come, p. 14.
[lxxxviii]
New Directions in Mission and Evangelism, p. 85.
[lxxxix]
Donald C. POSTERSKI, True to You, p. 182.
[xc]
Lesslie NEWBIGIN, Foolishness to the Greeks, p. 148-149.
[xci]
David Lowes WATSON, The Church Between Gospel and Culture, p. 197.
[xcii]
Unfinished Agenda, p. 254-255.
[xciii]
David BOSCH, Missão Transformadora, p. 613.
[xciv]
Lesslie NEWBIGIN, The Gospel in a Pluralist Society, p. 116-117.
[xcv]
The Missionary Nature of the Church, p. 84.
[xcvi]
Citado por Jun Vencer num encontro em Colorado Springs, junho/2002.
[xcvii]
Rodney CLAPP, A Peculiar People: The Church as Culture in a Post-Christian Society,
p. 154.
[xcviii]
Citado por David BOSCH em Missão transformadora: mudanças de paradigma na
teologia da missão, p. 453-454.
[xcix]
Stanley HAUERWAS & William H. WILLIMOn, Sojourners, p. 30.
[c]
The Great Divorce, p. 66.
[ci]
Sign of the Kingdom, p. 19.
[cii]
Stanley HAUERWAS, Truthfulness and Tragedy, p. 142-43.
[ciii]
Misión, p. 13.
[civ]
The Decisive Hour of Christian Mission, p. 193.
[cv]
Darrel GUDER, Missional Church, p. 142.
[cvi]
Idem, p. 173.
[cvii]
Idem, p. 453.
[cviii]
The Gospel in a Pluralist Society, p. 147.
[cix]
Karl MÜLLER, Teologia da missão, p. 100-101.
[cx]
A Peculiar People: The Church as Culture in a Post-Christian Society, p. 147.
[cxi]
Lesslie NEWBIGIN, Foolishness to the Greeks, p. 134.
[cxii]
Lesslie NEWBIGIN, The Gospel in a Pluralist Society, p. 125.
[cxiii]
David BOSCH, Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da
missão, p. 219.
[cxiv]
Idem, p. 616.
[cxv]
Lesslie NEWBIGIN, The Gospel in a Pluralist Society, p. 128.
[cxvi]
Luciano Jaramillo CÁRDENAS, A Bíblia e a missão integral da igreja, p. 41.
[cxvii]
Bases Bíblicas de la Misión, p. 138.
[cxviii]
Darrel L. GUDER, Missional Church, p. 185.
[cxix]
Emílio CASTRO, Hacia una Pastoral Latinoamericana, p. 15.
[cxx]
James V. BROWNSON, The Church Between Gospel and Culture, p. 251.
[cxxi]
Ver mais em Emílio CASTRO, Hacia una Pastoral Latinoamericana, p. 94.
[cxxii]
David Lowes WATSON, The Church Between Gospel and Culture, p. 189.
[cxxiii]
The Form and Structure of the Visible Unity of the Church, p. 444-451.
[cxxiv]
Darrel L. GUDER, Missional Church, p. 187.
[cxxv]
Missão transformadora, p. 617-619.
[cxxvi]
Missão integral, p. 139.
[cxxvii]
George R. HUNSBERGER, Between Gospel and Culture Church, p. 291.
[cxxviii]
Estudos teológicos, p. 192.
[cxxix]
God ’s Reign and the Rulers of this World, p. 90-92.
[cxxx]
A responsabilidade missionária da igreja, p. 23.
[cxxxi]
Citado por Samuel ESCOBAR, Desafios da igreja na América Latina, p. 62.
[cxxxii]
Igreja, comunidade missionária, p. 184.
[cxxxiii]
Valdir STEUERNAGEL, Igreja: comunidade missionária, p. 187.
[cxxxiv]
David Lowes WATSON, The Church Between Gospel and Culture, p. 192.
[cxxxv]
Lesslie NEWBIGIN, The Gospel in a Pluralist Society, p. 137-140.
[cxxxvi]
Tom SINE, Which Scenarios Are Most Likely, p. 34.
[cxxxvii]
Lesslie NEWBIGIN, The Open Secret, p. 94.
[cxxxviii]
Bases bíblicas, p. 433.
[cxxxix]
Citado por Emílio CASTRO, Hacia una Pastoral Latinoamericana, p. 86.
[cxl]
Missão transformadora, p. 487.
[cxli]
Idem, p. 500.
[cxlii]
Idem, p. 589.
[cxliii]
The Finality of Christ, p. 96.
[cxliv]
E. Stanley JONES, Faith Future, p. 20.
[cxlv]
El Protestantismo en América Latina Hoy: Ensayos de Camino, p. 106.
[cxlvi]
David BOSCH, Missão transformadora, p. 50.
[cxlvii]
Samuel ESCOBAR, Desafios da igreja na América Latina, p. 60.
[cxlviii]
Valdir STEUERNAGEL, Igreja: comunidade missionária, p. 201.
[cxlix]
Eduardo HOOMART, História geral da igreja na América Latina, p.157.
[cl]
Valdir STEUERNAGEL, Igreja: Comunidade missionária, p. 208.
[cli]
Emilio CASTRO, Hacia una Pastoral Latinoamericana, p. 108-115.
[clii]
Stanley HAUERWAS & William H. WILLIMON, Resident Aliens: Life in the Christian
Colony, p. 44-49.
[cliii]
A Peculiar People: The Church As Culture In A Post-Christian Society, p. 86.
[cliv]
Orlando COSTAS, El Pastor como Agente Movilizador, p. 7.
[clv]
James ENGEL, How Can I Get Them to Listen?, p. 13.
[clvi]
Emilio CASTRO, Hacia una Pastoral Latinoamericana, p. 19.
[clvii]
The Church Between Gospel and Culture, p. 231-237.
[clviii]
O que faz o brasil, Brasil?, p. 118.
[clix]
Religiosidade, p. 46.
[clx]
Ver mais em Raízes do Brasil, p. 29-193.
[clxi]
Leonildo S. CAMPOS, Religiosidade, p. 48.
[clxii]46
Roberto DAMATTA, O que faz o Brasil, Brasil?, p. 120.
[clxiii]
Religiosidade, p. 50.
[clxiv]
O que faz o Brasil, Brasil?, p. 117.
[clxv]
A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) estima que apenas 20% dos
mais de 80 milhões de católicos brasileiros vão regularmente às missas dominicais.
[clxvi]
Teatro, templo e mercado, p. 20, 36.
[clxvii]
Igreja: comunidade missionária, p. 226.
[clxviii]
Missão integral, p. 139.
[clxix]
Roldão ARRUDA, “Religião sob medida”. O Estado de São Paulo, 27/1/2002.
[clxx]
Missão integral, p. 140.
[clxxi]
Craig van GELDER, The Church Between Gospel and Culture, p. 305.
[clxxii]
El Pastor como Agente Movilizador, p. 3.
[clxxiii]
Dimensiones del Crecimiento Integral de la Iglesia, p. 8-14.
[clxxiv]
Dimensiones del Crecimiento Integral de la Iglesia, p. 11.
[clxxv]
Dimensiones del Crecimiento Integral de la Iglesia, p. 12.
[clxxvi]
Evangelización contextual, p.100.
[clxxvii]
Adaptado do software CompuCoach, criado por Robert E. Logan.
[clxxviii]
Uma análise mais detalhada com o mapa da cidade encontra-se no livro II da
série Revolução silenciosa (Editora Palavra).
[clxxix]
A partir do endereço completo, nossa equipe, em Londrina, do Brasil 2010 pôde
elaborar uma pesquisa detalhada do bairro onde se localiza qualquer igreja.
[clxxx]
Missão integral, p. 143-150.
[clxxxi]
Lesslie NEWBIGIN, Whose Justice, p. 310.
[clxxxii]
Teatro, templo e mercado, p. 135.
[clxxxiii]
E. Dixon JUNKIN, , p. 312-313.
[clxxxiv]
Adaptado do software CompuCoach, criado por Robert E. Logan.
[clxxxv]
P. 143.
[clxxxvi]15
Cuidado pastoral del hombre, p. 102.
[clxxxvii]
Emilio CASTRO, Cuidado Pastoral de la Comunidad Secular. Citado em Orlando
COSTAS, El Protestantismo en América Latina Hoy, p. 102.
[clxxxviii]
El Protestantismo en América Latina Hoy, p. 91.
[clxxxix]
Adaptado do software CompuCoach, criado por Robert E. Logan.
[cxc]
Idem.
[cxci]
Features of the Missional Church: Some Directions and Pathways, p. 9.
[cxcii]
Bases Bíblicas de la Misión, p. 138.
[cxciii]
Missão integral, p. 142.
[cxciv]
El Protestantismo en América Latina Hoy, p. 91.