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Recensão para a disciplina “Metodologias de Investigação”

04.01.2021
Mariana Pinto

O livro The Music Teaching Artist’s Bible – Becoming a Virtuoso Educator, escrito em
2009 por Eric Booth, foi a primeira obra publicada por uma grande editora, Oxford
University Press, sobre a profissão conhecida como music teaching artist (“o artista
docente musical”). O livro de 267 páginas apresenta qual é o papel do artista docente
musical atualmente e quais os pontos essenciais e etapas para que qualquer músico se
possa tornar num artista de ensino musical de sucesso. Booth motiva os futuros artistas
docentes musicais a adquirem novas habilidades que poderão ser usadas tanto na criação
de novas audiências de espetáculos e concertos como também para aqueles que querem
criar melhor comunicação e envolvimento com os estudantes nas aulas de música. O autor
motiva os leitores a refletirem sobre as abordagens tradicionais de comunicação com os
diversos tipos de audiência e irem além delas, mostrando abordagens criativas e
inovadoras para se conseguir chegar ao público, comovê-lo e envolvê-lo no processo
criativo das obras musicais que são apresentadas, tanto em concertos de música clássica
como nas aulas de música e/ou de instrumento.
Eric Booth é considerado como "o pai da profissão do artista docente" pela sua dedicação
extensiva a este novo ofício. Booth foi editor fundador da Teaching Artist Journal e
publicou sete livros ao longo da sua carreira. Booth foi professor do Ensino da Arte (Arts
Learning) na Julliard Music School, no Leonard Bernstein Center, Tanglewood, no
Lincoln Center Institute e no Kennedy Center. Durante a sua experiência letiva nestas
instituições, Booth desenvolveu e aprofundou o currículo do artista docente (The Music
Teaching Artist’ Curriculum), apresentado também neste livro de forma sucinta.
Esta recensão foca-se na seção The Entry Point Question: Where to Begin? pertencente
ao terceiro capítulo: Learning to Be a Teaching Artist.

Para se conseguir perceber o contexto da seção Entry Point (Ponto de Entrada) é


necessário entender primeiro, segundo o autor, o que é um Teaching Artist (Artista
Docente). É importante realçar que, para a compreensão do termo Artista Docente, é
recomendada a leitura do primeiro capítulo, intitulado What is a Teaching Artist? e do
artigo The History of Teaching Artistry: Where we come from, are, and are heading, nos
quais Booth apresenta as várias possíveis definições da profissão Artista Docente. Booth
define que “Um artista docente é um artista profissional em prática com as habilidades,
curiosidades e sensibilidades complementares de um educador, que pode efetivamente
envolver uma ampla gama de pessoas em experiências de aprendizagem e, no entanto,
sobre as artes.”1

1
“A teaching artist is a practicing professional artist with the complementary skills, curiosities and
sensibilities of an educator, who can effectively engage a wide range of people in learning experiences in,
though, and about the arts.” (Booth, 2010, http://ericbooth.net/the-history-of-teaching-artistry-revised-
2020/)

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É no artigo, The History of Teaching Artistry: Where we come from, are, and are heading,
que Booth explica a diferença entre um professor de arte e um artista docente. Ao longo
do artigo, o autor enumera diversos aspetos que diferenciam estas duas profissões. No
entanto, o aspeto que melhor as distingue é o propósito. Segundo o autor, o propósito de
um professor (de arte) é entregar informação, enquanto o propósito de um artista docente,
é “convidar” o aluno/audiência numa imersão da obra. O artista docente usa o Ponto de
Entrada como estratégia para conseguir “convidar” a audiência.

A seção do capítulo intitulada Entry Point Question: Where to begin, aborda a questão do
“ponto de entrada” (entry point), que é a ferramenta inicial para que um artista docente
consiga iniciar o diálogo com a sua audiência, podendo esta ser abrangente como por
exemplo uma plateia de salas de espetáculos ou como os próprios alunos de música numa
sala de aula. Ao longo desta seção é explicado não só a definição do “ponto de entrada”,
mas também qual o seu objetivo e como deve ser então criado e exercido. É importante
referir que será mencionado, por vezes, o artigo complementar também escrito por Booth,
intitulado de The Three and half Bestsellers, para ajudar a compreensão do Ponto de
Entrada.

Segundo o autor, o ponto de entrada é uma forma de comunicar uma obra musical com a
audiência, na qual poderá haver indivíduos que não têm conhecimento algum de música
clássica, considerados como “ouvintes menos experientes”. No artigo The Three and half
Bestsellers, Booth explora em profundidade a necessidade de compreensão da audiência
que frequenta, por exemplo, concertos de música clássica. Booth, explica dividindo a
audiência que frequenta concertos de música clássica em dois grupos: o Grupo A que é o
“Art Club”, nos quais os membros são conhecedores e entusiastas, frequentam concertos
com regularidade e poderão até ser praticantes de música clássica, mas que são apenas
uma minoria da população americana; e o Grupo B que é designado como “todos os
restantes”, os quais representam a maioria da população americana. Este grupo é
caracterizado por indivíduos que, apesar de percecionarem a arte de uma maneira
positiva, esta não faz parte da sua vida quotidiana, não havendo uma identificação com a
mesma.

Para que tanto os ouvintes do Grupo A como do grupo B queiram regressar às


apresentações e espetáculos, é necessário haver uma abordagem que inclua ambos, mas
esta deverá ser especialmente focada no Grupo B uma vez que é este o grupo que tende a
distanciar-se das salas de espetáculo. Uma das estratégias normalmente utilizadas para
conseguir aproximar a música clássica da população em geral é fornecer panfletos de
programa onde se encontra a descrição das obras tocadas, o respetivo compositor e o
contexto histórico. Outra abordagem é fornecer os chamados “concertos comentados” nos
quais há um apresentador que faz uma breve descrição da obra antes dos músicos
começarem a tocar e explica as partes da mesma, chamados ”andamentos”, o compositor
da obra e qual o contexto histórico. Geralmente, nos concertos comentados, o
apresentador pede à orquestra para tocar pequenos excertos que são os temas principais
da obra e que muitas vezes se repetem. O objetivo é que, quando a orquestra tocar a obra
inteira, a audiência irá supostamente reconhecer os temas por tê-los ouvido previamente.

Booth, refere no artigo que, apesar de estas estratégias serem válidas, são, no entanto,
extremamente direcionadas para o Grupo A, o qual já tem algum conhecimento prévio de
música clássica. O autor refere que, enquanto os membros do “Art Club”, irão ler, por
exemplo, os panfletos de concerto, a informação fornecida irá acrescentar valor ao seu

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conhecimento prévio, seja da obra ou do compositor. Ao mesmo tempo, estes irão
conseguir encontrar significado durante o concerto. Para o Grupo B, estas abordagens já
não terão muito sucesso uma vez que apenas a informação escrita ou explicada por um
apresentador até poderá fazê-los entender a importância e beleza da obra, mas não irá
criar nenhuma ligação emocional deste grupo de ouvintes com a obra musical e, o mais
provável, é estes sentirem-se ainda mais distanciados e alheios face ao ambiente que os
rodeia.

Para Booth, as abordagens mencionadas previamente são muito diferentes do conceito de


ponto de entrada. O autor realça que o objetivo do ponto de entrada, ao contrário de
concertos comentados, não é “entregar informação” sobre a obra, mas fazer com que o
indivíduo experiencie a obra de arte, de modo a que este encontre significado na sua
experiência. Assim, a conclusão do autor é que para criar uma maior ligação com a
audiência, é necessário ir além da “entrega de informação”. Após a explicação do que é
o ponto de entrada e como este conceito difere dos métodos tradicionais usados para
angariar novas audiências, o autor reflete no livro que criar um ponto de entrada promissor
é em si uma obra de arte e explica a seguir os passos para se conseguir criar um ponto de
entrada com sucesso.

Booth refere que o primeiro passo para criar um ponto de entrada é aplicar o conceito de
engagement before information (“interação antes da informação”), devendo o interlocutor
selecionar um ponto estético da obra musical que será a maneira de conseguir “convidar”
o ouvinte menos experiente, na imersão da obra. No artigo The Three and half Bestsellers,
Booth, usa o exemplo de ponto de entrada que o violetista David Wallace usou para
apresentar a obra Elegy for Viola Solo de Igor Stravinsky. A pergunta que Wallace usou
como ponto de entrada foi: “O que acontece às pessoas no processo de luto?”. A audiência
relatou que o processo de luto, segundo eles, envolvia passar por diferentes estágios de
emoções além da tristeza como exaustão, raiva, sentimento de perda, mas também
emoções como amor, sentimentos momentâneos de clareza, apreciação por estar-se vivo
entre outros. Wallace escolheu algumas destas emoções descritas pela plateia e começou
a experimentar na sua viola, sons que podiam ser semelhantes às emoções descritas pela
audiência, enquanto ia pedindo para o ajudarem dando feedback para ele perceber se os
sons produzidos estavam em concordância com aquilo que o público “ouvia”
internamente quando pensava nas várias emoções. Quando a audiência conseguia
transmitir com clareza, sentimentos de forma descritiva, Wallace começava a tocar
excertos curtos da Elegy de forma a que pensassem que tinha sido uma criação espontânea
da própria plateia. Após tocar estes excertos, Wallace focou-se na transição das emoções
do processo de luto, tocando excertos da obra de Stravinsky que se assemelhavam ao
feedback que a plateia ia fornecendo. Após a interação com estes excertos, Wallace tocou
a obra do início ao fim. O impacto causado, segundo Booth, foi poderoso. A interação
que Wallace providenciou foi plena de oportunidades de ligações a experiências nas quais
todos os membros da plateia se puderam rever. O fato de a obra ser fúnebre e a morte
uma condição da existência humana, aproximou qualquer membro da plateia à obra de
Stravinsky, mas aproximou sobretudo membros do Grupo B que conseguiram ouvir
atentamente e relacionar-se com a obra. O motivo do sucesso não foi por este grupo ter
conseguido reconhecer os excertos tocados previamente quando Wallace tocou a obra
inteira, mas foi pelo fato de a interação ter-se focado em situações fúnebres e de luto,
emoções que lhes eram familiares, o que os fez sentirem-se envolvidos e participantes
durante a interação aparentemente improvisada da obra.

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Neste exemplo de Wallace e a sua interpretação da Elegy, o ponto de entrada foi a
pergunta inicial de um tema conhecido por todos os membros da plateia que levou a uma
interação improvisada na qual, todos se sentiram parte do processo criativo.

Booth realça então, a importância de os artistas docentes fazerem duas perguntas a si


mesmos, essenciais na criação do ponto de entrada: “Como selecionar um ponto de
entrada?” e “Como convidar a audiência para experienciar a obra?”.

Para escolher um ponto de entrada de uma obra, Booth recomenda primeiro que o artista
docente reveja e ouça a obra que planeia apresentar e que selecione os pontos da mesma
que mais o atraem ou inspiram quando a ouve. O autor refere que é importante os artistas
docentes “experienciarem” (to experience) primeiro a obra para conseguirem eles
mesmos perceber que pontos cativam a sua atenção. Após selecionarem os pontos iniciais,
o autor convida os artistas docentes a fazerem um brainstorm dos aspetos e tópicos da
obra musical que poderão ser interessantes para a audiência que irá estar presente, sendo
num concerto ou numa sala de aula. Booth realça a importância de se conhecer
previamente a audiência porque este trabalho prévio de pesquisa trará clareza respeitante
aos pontos de interesse deste grupo. O autor realça ainda mais esta importância se for um
Grupo do tipo B. Booth refere que quando o artista de ensino não conhece a audiência
deve procurar fazer entrevistas ou tentar conviver com pessoas pertencentes ao grupo.

O segundo passo, segundo Booth, é selecionar um dos pontos iniciais que o artista docente
considerou como cativantes para si mesmo, e juntá-lo com um tópico/tema que poderá
ser interessante para a audiência em questão, e com o qual esta se poderá identificar.
O terceiro passo consiste em confirmar que o ponto criado pela junção do ponto de
interesse do artista docente mais o ponto de interesse para a audiência, representa
genuinamente um “aspeto significativo da obra musical em questão”2 e que seja
apropriado para o evento e para a audiência em questão. Este terceiro passo é uma
confirmação de que há um alinhamento do primeiro e do segundo passo.

O autor também realça a importância de escolher e usar apenas um ponto de entrada para
que haja um envolvimento efetivo da audiência na imersão da obra. Booth afirma que
com o uso de diversos pontos de entrada, estar-se-á a usar a técnica didática em vez de
convidar o público a experienciar a obra.

Booth recomenda por último que o ponto de entrada tem ainda mais força se for
apresentado como uma excelente pergunta. Começar a interação com uma excelente
pergunta irá aguçar a curiosidade e a atenção e também irá proporcionar uma variedade
de boas respostas da parte da audiência. Segundo Booth, “uma grande pergunta quase
irresistivelmente convida as pessoas a descobrirem a sua relevância pessoal no processo
de resposta”3.

Booth conclui que o ponto de entrada escolhido deve cumprir um objetivo dual: ser
específico o suficiente para que a obra seja apreendida experiencialmente, de uma forma

2
“represents a genuinely significant aspect of the artwork”. (Booth, https://ericbooth.net/three-and-a-half-
bestsellers/)

3
“a great question almost--‐irresistibly invites people to discover personal relevance in answering.”
(Booth, https://ericbooth.net/three-and-a-half-bestsellers/)

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eficiente, mas que ao mesmo tempo, se deve conectar a um “conceito subjacente rico e
gratificante”4 - algo que seja profundamente relevante na obra. “Esse aparente paradoxo
é o que permite que especialistas e iniciantes tenham sucesso na mesma sala ao mesmo
tempo.”5

A escolha deste capítulo e livro foi devido a um forte interesse por uma temática ainda
tão recente e pouco explorada no âmbito do ensino da música. Penso que a temática do
ponto de entrada apresentado nesta recensão é muito importante para professores de arte
em geral e também para professores de música. Ao mesmo tempo, também é
extremamente benéfico para artistas como músicos, pintores, escritores entre outros, na
criação de audiências para os seus espetáculos e apresentações.
Como professora de violino em projetos que visam a integração social de crianças e
jovens em risco, penso que a temática do ponto de entrada é fulcral para conseguir a
atenção e o interesse destes alunos nas aulas de violino. Como o autor referiu ao longo
dos passos para criar o ponto de entrada, um dos aspetos mais importantes é conhecer a
audiência. Penso que é importante realçar que para conhecer a audiência é preciso
trabalho de preparação, mas que este nada tem a ver com a preparação didática das aulas
uma vez que esta última se concentra apenas na transmissão do conhecimento, processo
também designado por Booth como “entrega de informação”. Conhecer a audiência é uma
tarefa que poucos professores de ensino artístico especializado sentem a necessidade de
fazer uma vez que os alunos que se inscrevem nos conservatórios de música e as
respetivas famílias, são claramente pertencentes ao Grupo A. No entanto, para professores
de música com a mesma formação que os professores nos conservatórios, mas integrantes
de projetos sociais, o desafio é muito maior uma vez que os alunos e respetivas famílias
pertencem ao Grupo B. Neste caso, é extremamente importante fazer trabalho de pesquisa
sobre a audiência em causa. Para os professores que trabalham em projetos sociais, usar
o ponto de entrada poderá ser trabalhoso uma vez que é uma técnica fora do método
tradicional de ensino, mas que poderá melhorar a comunicação com os alunos e fazê-los
interessarem-se por grandes obras musicais.
Penso que o exemplo de David Wallace e a Elegy for Viola Solo de Igor Stravinsky,
mencionado e explicado por Booth, é o que melhor retrata a nível prático de como se
constrói e executa o ponto de entrada. Os passos que Booth apresenta no capítulo The
Entry Point Question: Where to Begin? e no artigo The Three and half Bestsellers já são
muito esclarecedores e concisos. No entanto, penso que estes pontos são realmente
compreendidos, em termos práticos, quando associados ao exemplo do concerto de David
Wallace e a Elegy.
A importância do uso do ponto de entrada não é apenas benéfica, segundo a minha
perspetiva e experiência nas aulas de música de projetos sociais. O uso do ponto de
entrada em concertos e apresentações dos alunos à família e à comunidade do bairro onde
vivem (claramente pertencentes ao Grupo B), poderá aproximar a audiência em questão
não apenas à música clássica, mas também ao esforço e à perseverança dos alunos nos
seus estudos musicais. Normalmente os projetos sociais estão sediados nas periferias das

4
“rich and rewarding underlying concept.” (Booth, 2009, p.95)
5
“This seeming paradox is what allows experts and beginners to be successful in the same room at the
same time.” (Booth, 2009, p.95)

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cidades e, muitas vezes, as comunidades não têm qualquer contato com música clássica,
o que poderá dificultar a sua compreensão e envolvência nos concertos ou apresentações.
Estes eventos são uma excelente oportunidade para que as crianças e jovens destes
projetos possam mostrar o seu trabalho e dedicação na aprendizagem do instrumento às
famílias. É uma oportunidade também para as famílias sentirem orgulho e vontade de
voltar a futuros concertos e assim conseguirem acompanhar o progresso dos filhos. No
entanto, poderá ser difícil conseguir este objetivo se estes concertos não tiverem uma
dinâmica apelativa e criativa para que esta audiência sinta um elo de ligação com a música
que está a ser tocada. A solução passa exatamente pelo uso do Ponto de Entrada, como
Booth explica na seção Entry Point: Where to Begin?, juntamente com os artigos
mencionados previamente ao longo desta recensão. Através do uso do ponto de entrada
será possível aproximar as audiências destes projetos (alunos, famílias e membros da
comunidade envolvente) à arte expressa no palco.
Concluindo, a obra de Booth, especialmente a temática do Ponto de Entrada é
extremamente valiosa para o campo das artes e do ensino artístico. Booth apresenta um
novo paradigma que vale a pena ser investigado e explorado por artistas, professores de
música e por todos aqueles que manifestarem interesse nas áreas da arte e do ensino.

Bibliografia:
Booth, E., 2009, The Music Teaching Artist’s Bible – Becoming a Virtuoso Educator –
Oxford University Press

Booth, E., 2010, The History of Teaching Artistry: Where we come from, are, and are
heading, disponível em http://ericbooth.net/the-history-of-teaching-artistry-revised-
2020/

Booth, E., “Three and a Half Best Sellers”, disponível em https://ericbooth.net/three-and-


a-half-bestsellers/

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