Você está na página 1de 36

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE AGRONOMIA
DEPARTAMENTO DE PLANTAS DE LAVOURA

Plantas transgênicas:
avaliando riscos e desfazendo mitos

Profª. Carla Andréa Delatorre

Porto Alegre-RS - 2005


2

CATALOGAÇÃO INTERNACIONAL NA PUBLICAÇÃO

D331p Delatorre, Carla Andréa


Plantas transgênicas: avaliando riscos e desfazendo
mitos / Carla Andréa Delatorre — Porto Alegre :
Departamento de Plantas de Lavoura da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul : Evangraf, 2005.

37 p.

1. Plantas transgênicas. 2. Melhoramento genético


vegetal. 3. DNA: I. Título.

CDD: 631.523
CDU: 633

Catalogação na publicação:
Biblioteca Setorial da Faculdade de Agronomia da UFRGS

Departamento de Plantas de Lavoura.


Faculdade de Agronomia. UFRGS.
Av. Bento Gonçalves, 7712
CEP 91501-970. Porto Alegre/RS
Fone: (51) 3316.6013 / 3316.6576 - Fax: (51) 3316.6572
e-mail: plantas@ufrgs.br
http://www.ufrgs.br/plantas/
3

SUMÁRIO

Introdução ..................................................... 5
O poderoso DNA .............................................. 6
Como se produz uma planta transgênica? .............. 8
Vantagens do uso da transgenia no
melhoramento de plantas .................................. 9
Plantas transgênicas e a saúde de consumidores ..... 10
Alergias ................................................... 11
Transferência de DNA e resistência a
antibióticos .............................................. 12
Ingestão de DNA e transferência de doenças ..... 13
Produção de novas toxinas ........................... 14
Aumento da concentração de metais pesados ... 15
Redução nos valores nutricionais .................... 16
Plantas transgênicas: impactos ao ambiente .......... 17
Fluxo gênico para plantas silvestres ................ 18
Fluxo gênico entre cultivares ........................ 20
Esvaziamento genético ............................... 21
Liberação de proteínas GM no solo ................. 22
Aumento de fungos tóxicos no ambiente ......... 23
Desenvolvimento de super pragas e
plantas invasoras ....................................... 24
Plantas transgênicas – os primeiros produtos ......... 25
Produtos em desenvolvimento ............................ 28
Produtos para o futuro ..................................... 30
Plantas transgênicas em expansão ...................... 31
E o Brasil? ..................................................... 33
Agradecimentos ............................................. 36
4
5

INTRODUÇÃO

A grande polêmica que se desenvolve ao redor de


plantas transgênicas, englobadas dentro dos organismos
geneticamente modificados (OGM), gera discussões com
posições mais de cunho ideológico do que científico.
Desta forma, as informações que chegam à população
são em sua maioria parciais e truncadas, não permitindo
que a mesma possa ter uma idéia clara do que são as
plantas transgênicas, que benefícios e que riscos podem
trazer consigo, impossibilitando a formação de uma po-
sição consciente sobre o assunto. Este tema é apresen-
tado aqui mostrando as diferenças entre as plantas
transgênicas e as plantas melhoradas de forma tradicio-
nal, destacando as possibilidades da técnica.
Toda nova tecnologia que traz consigo benefícios deve
ser avaliada com relação a riscos. É importante que am-
bos sejam conhecidos para que na utilização da tecnologia
possa-se maximizar os benefícios e minimizar os riscos.
Devido à paixão com que se discute, há a tendência de
se desconsiderar ou exacerbar os riscos. Busca-se por
isso, discutir os principais riscos da utilização de plantas
transgênicas e desmistificar conceitos não apropriados.
Boa parte dos riscos pode ser eliminada ou reduzida com
o aprimoramento da tecnologia.
Objetiva-se com este trabalho, esclarecer os princi-
pais pontos de discussão sem a paixão ideológica, mas
com o conhecimento técnico-científico. Os mitos preci-
sam ser desfeitos para que se possa conviver com as
inovações da ciência de forma plácida e para que não
sejam comprometidas as futuras gerações.
6

O PODEROSO DNA

Todo organismo vivo (bactérias, fungos, algas, plan-


tas e animais) possui um genoma. O genoma abriga as
informações genéticas de cada ser, ele está presente em
todas as células de cada organismo e define todas as
suas características. Cada espécie possui um genoma di-
ferente, e de tamanho diferente. Em todos os seres
vivos o genoma é composto do mesmo tipo de molécula,
o DNA. O DNA é formado por uma fita dupla de
nucleotídeos (Figura 1). A seqüência e a disposição des-
tes nucleotídeos determina a informação genética. Em
cada genoma estão contidos milhares de genes, que são
fragmentos de DNA que codificam as proteínas que se-
rão produzidas, dando ao organismo suas característi-
cas.
A presença de DNA nos organismos vivos é universal e
em todos os organismos ele tem a mesma função e atua
de forma similar. Assim, se todas as características de
um organismo estão definidas em seu DNA, podemos
identificar aquelas que nos interessam e transferi-las para
outro organismo. Isto tem sido feito pelo homem há
milhares de anos, inicialmente de uma forma intuitiva e
nos últimos séculos cientificamente através do melhora-
mento.
Quando dois indivíduos reproduzem-se sexualmente,
ocorre troca de DNA entre eles (presente nos gametas) e
esta troca permite a combinação de características dos
indivíduos pais nos indivíduos filhos. No melhoramento
de plantas são escolhidos indivíduos que possuem carac-
terísticas que interessam, como por exemplo, resistên-
cia a uma doença e cruzados com outros indivíduos que
tenham outras características de interesse como alta pro-
7

dutividade. Neste caso, selecionam-se os filhos deste cru-


zamento que apresentarem ambas características, re-
sistência à doença e alta produtividade, neste caso.
Em geral, as trocas de DNA se dão entre indivíduos
de mesma espécie, entretanto, é sabido que eventual-
mente ocorrem trocas entre espécies diferentes. Um
exemplo é o trigo, o qual foi formado há milhares de
anos pela natureza ao combinar o genoma de três espé-
cies diferentes. Outro exemplo, mais recente e onde a
mão do homem esteve envolvida, é o triticale, formado
pela combinação do genoma do trigo com o genoma do
centeio.

Figura 1: Molécula de DNA. Fita dupla de nucleotídeos


pareada através das bases nitrogenada

Estes exemplos, de trocas de pequenos fragmentos


de DNA ou de combinação de genomas inteiros, mos-
tram que a universalidade do DNA permite a expressão
da característica de um organismo em outro, se o DNA
que expressa aquela característica for transferido.
8

Essa capacidade aliada ao maior conhecimento do DNA


permitiu o desenvolvimento da técnica de transgenia.

***

COMO SE PRODUZ UMA PLANTA


TRANSGÊNICA?

O estudo do DNA tem permitido identificar quais ca-


racterísticas são conferidas por cada segmento de DNA.
Para isso, é necessária a identificação dos genes e dos
chamados promotores, fatores necessários para que cada
característica seja promovida no momento e no local
certo. Estas informações, aliadas ao aprimoramento das
técnicas de manipulação do DNA, permitiram que a téc-
nica de transgenia pudesse ser desenvolvida e os
transgênicos produzidos.
No processo de transgenia identifica-se e isola-se o
segmento de DNA que confere a característica que se
tem interesse. A seguir, acrescenta-se o promotor ade-
quado, para que a característica se manifeste no mo-
mento e no local que se deseja. Por fim, insere-se este
segmento de DNA ao genoma do organismo que se quer
modificar.
A transferência do gene para o organismo que se
quer modificar também requer técnicas específicas. Exis-
tem técnicas diretas, onde o segmento de DNA de inte-
resse é inserido nú em células do organismo, e estas são
cultivadas para que produzam plantas completas. Outras
técnicas são indiretas, o gene de interesse é transferido
primeiro para Agrobacterium (bactéria que naturalmen-
9

te infecta certas plantas e transfere DNA para o organis-


mo infectado), e esta utilizando seus mecanismos natu-
rais, transfere o gene de interesse para o genoma da
planta receptora. Independente da técnica, o importan-
te é que o fragmento de DNA inserido se junte ao DNA
da planta a ser modificada, produzindo uma planta
transgênica.
Plantas transgênicas, por definição, são plantas que
contêm um ou mais genes (fragmentos de DNA) artificial-
mente inseridos em seu genoma, passando então, a ex-
pressar uma nova característica. Estes genes inseridos
(transgenes) podem ser originários da mesma espécie ou
de outro tipo de organismo. Por exemplo, a soja RR (Roundup
Ready) contém um gene de uma bactéria de solo.
O limitante no uso da transgenia é o conhecimento
da função de cada gene e para utilizá-la é exigência
básica a identificação e o isolamento do segmento de
DNA que confere a característica de interesse.

***

VANTAGENS DO USO DA TRANSGENIA NO


MELHORAMENTO DE PLANTAS

A transgenia possui duas grandes vantagens em rela-


ção ao melhoramento genético convencional. A primeira
é a inexistência de barreira para a troca de DNA. O
melhoramento de plantas, em geral, necessita encon-
trar a característica de interesse em indivíduos da mes-
ma espécie ou espécies com alto parentesco, para per-
mitir que se obtenham sementes viáveis após o cruza-
10

mento. No caso da transgenia, como o DNA é universal,


a característica pode vir de qualquer organismo. A se-
gunda vantagem é a possibilidade de se acrescentar uma
única característica. Na transgenia apenas o segmento
de DNA identificado como causador da característica de
interesse é transferido. Já no melhoramento tradicio-
nal, outros segmentos são trocados via reprodução sexu-
al e podem gerar características indesejáveis.
Com a transgenia há um controle muito maior das
modificações genéticas e das características produzidas
no organismo. No entanto, esta técnica é cara e com-
plexa, devendo ser utilizada para características deter-
minadas por poucos genes.
Cabe ressaltar que as culturas em uso pelo homem
foram modificadas geneticamente via domesticação, se-
leção e cruzamentos controlados por centenas de anos,
e que o melhoramento tradicional continua a ter papel
fundamental no desenvolvimento de novos cultivares. A
transgenia entra como ferramenta a disposição do
melhorista para transferir características de difícil aces-
so pelos métodos tradicionais, ampliando drasticamente
as possibilidades de produtos.

***

PLANTAS TRANSGÊNICAS E A SAÚDE DE


CONSUMIDORES

Todos os produtos da biotecnologia destinados à ali-


mentação humana e animal passam por avaliações sobre
a sua segurança alimentar. Até hoje não foram consta-
11

tados problemas de saúde relacionados com a ingestão


de alimentos derivados de plantas geneticamente altera-
das seja nos estudos que antecederam a liberação co-
mercial, seja no consumo destes produtos.

ALERGIAS

O desenvolvimento de alergia a algum alimento tra-


dicional como trigo, manga, ovos, ou leite, é devido à
presença de substâncias que o organismo não consegue
processar (tipos de proteínas, açucares). Por isso, é pos-
sível que algumas pessoas possam desenvolver alergia a
algumas plantas transgênicas se essas contiverem subs-
tâncias alergênicas. Até o momento não há qualquer evi-
dência de que as plantas transgênicas possuam maior
risco que qualquer alimento convencional.
Testes de dezenas de alimentos transgênicos procu-
rando alergenicidade mostraram que em uma planta de
soja na qual havia sido inserido um gene da castanha-
do-pará, havia aumento da qualidade protéica, mas apre-
sentava risco alérgico similar ao da castanheira. Por esta
razão este alimento nunca entrou no mercado. Neste
caso, a alergia ocorreu porque o gene transferido para a
soja foi exatamente o responsável pela alergia à casta-
nha-do-pará, o que enfatiza a necessidade de conheci-
mento sobre o gene que se está transferindo. É impor-
tante salientar que através do melhoramento genético
tradicional, durante os cruzamentos, a recombinação
natural do DNA pode gerar novas proteínas, as quais tam-
bém podem ter um maior conteúdo alergênico, porém
isso não impede a produção e consumo de novos cultiva-
res. O ideal seria que toda nova cultivar, transgênica ou
não fosse testada para alergenicidade, mas infelizmente
os custos destes tipos de teste são limitantes.
12

TRANSFERÊNCIA DE DNA E RESISTÊNCIA A


ANTIBIÓTICOS

Um dos principais argumentos contra a utilização de


plantas transgênicas é o receio de que haja transferên-
cia de DNA da planta transgênica para microorganismos.
O DNA de uma planta transgênica consumida por um
animal seria, por exemplo, transferido do alimento para
microorganismos que habitam o estômago e intestino ou
para bactérias ingeridas com o alimento.
A preocupação ocorre porque em muitos casos na
técnica de transgenia, insere-se junto ao gene de inte-
resse um outro gene (marcador) capaz de conferir à
planta a capacidade de tolerar antibióticos. Isto é assim
feito para que se possa diferenciar as plantas que rece-
beram o transgene das não transgênicas, durante a fase
de inserção do gene de interesse. Assim, as plântulas
oriundas da técnica são cultivadas na presença do antibi-
ótico, aquelas que sobrevivem possuem os genes inseri-
dos em seus genomas. Receia-se que, estes genes de
resistência a antibióticos possam ser transferidos aos
microorganismos durante o processo digestivo, e que,
portanto os mesmos adquiram a característica de sobre-
viver a doses orais de antibióticos. Isso ocorrendo pode-
ria afetar a habilidade futura de tratar doenças com
estes antibióticos.
Sabe-se que transferência de DNA ocorre em condi-
ções naturais, porém é extremamente difícil sua ocor-
rência em um ambiente ácido como o do estômago hu-
mano. De qualquer forma, o uso do gene da resistência
a antibióticos como marcador tem sido evitado, sendo
substituído por resistência a herbicidas, ou pelo uso de
outras técnicas de expressão temporária para selecionar
as plantas transgênicas. Desta forma, as novas plantas
13

transgênicas não mais possuirão este risco. É importan-


te que a sociedade conheça a técnica para poder expres-
sar seus receios de forma clara, requisitando que a ciên-
cia dê resposta aos seus anseios. Neste caso, apesar dos
cientistas acharem o risco mínimo, os receios da socie-
dade fizeram com que a ciência encontrasse solução e
removesse o risco.

INGESTÃO DE DNA E TRANSFERÊNCIA DE DOENÇAS

Um dos mitos mais comum, utilizado contra o con-


sumo de plantas transgênicas pelo homem é que frag-
mentos de DNA oriundos de microorganismos possam fa-
zer algum mal ao organismo humano ou transmitir do-
enças quando ingeridos.
É importante esclarecer que o fragmento de DNA
transferido via transgenia pode ser oriundo de qualquer
organismo. O homem ingere DNA de microorganismos,
plantas e animais o tempo todo, enquanto se alimenta,
e nunca se preocupou se o DNA do fungo presente no
iogurte, no queijo, no vinho, ou na cerveja poderia afe-
tar seu organismo. A maioria do DNA ingerido é quebra-
da durante a digestão. Os produtos da quebra do DNA
são moléculas base (nucleotídeos, fosfato, bases
nitrogenadas e açúcares), iguais aquelas produzidas pelo
homem. O DNA que não for quebrado será absorvido
pela corrente sanguínea ou excretada via fezes. Prova-
velmente o sistema de defesa destrói esse DNA que é
absorvido pela corrente sanguínea. Não existem evidên-
cias e nem razões para que o DNA de uma planta
transgênica seja mais perigoso que o DNA de plantas
convencionais.
Devido aos receios da sociedade em relação a este
aspecto, os pesquisadores têm buscado utilizar, quando
14

possível, fragmentos de DNA oriundos de plantas e, even-


tualmente, da própria espécie receptora. No entanto,
para que se possa usar todos os benefícios e as possibili-
dades desta técnica, há necessidade de buscar certas
características de interesse que só estão presentes em
microorganismos.
Apenas o gene de interesse é isolado do
microorganismo para ser transferido e, portanto, ne-
nhuma doença pode ser transmitida pela ingestão de
alimento proveniente de planta transgênica. Os riscos
são os mesmos do consumo de alimento proveniente de
plantas convencionais.

PRODUÇÃO DE NOVAS TOXINAS

Muitos microorganismos devido ao seu metabolismo


produzem substâncias que são consideradas toxinas para
os animais. Em algumas situações tem-se afirmado que
a transgenia poderia causar a reativação de rotas inati-
vas em plantas. Neste caso, se o produto final destas
rotas fosse uma toxina, a ingestão deste alimento
transgênico poderia causar danos à saúde. No entanto,
a probabilidade da ocorrência da produção de novas to-
xinas via este mecanismo é baixa.
Como foi dito anteriormente, as plantas transgênicas
possuem na maioria dos casos apenas uma característica
que as diferem das convencionais, devido à inserção de
um gene. O estabelecimento na planta transgênica, de
uma rota metabólica presente no organismo doador, a
partir da incorporação de um único gene é improvável.
Os genes que são utilizados na transgenia são conhe-
cidos e as rotas em que participam são estudadas. O
conhecimento permite inferir, com boa segurança, que
interações podem ocorrer entre o gene inserido e o me-
15

tabolismo da planta. Além disso, antes de serem libera-


das para o mercado consumidor, as plantas transgênicas
sofrem uma série de testes que auxilia na identificação
de alterações não esperadas.
A ativação de uma rota metabólica inativa, pela in-
serção do transgene em plantas transgênicas, tem a
mesma probabilidade de ocorrer, que a ativação por
mutação natural e espontânea do gene causador da
inativação da rota, em plantas convencionais. O risco à
saúde no caso da ativação, é maior nas plantas conven-
cionais, uma vez que estas não são submetidas aos mes-
mos testes que as transgênicas.

AUMENTO DA CONCENTRAÇÃO DE METAIS PESADOS

As plantas possuem a capacidade de absorver íons


dos solos e utilizá-los em seu metabolismo. Esta habili-
dade se deve a presença de proteínas nas membranas
das células das raízes que transportam os nutrientes para
dentro da planta. Entretanto, o controle que as plantas
têm sobre os íons que são transportados não é perfeito.
As plantas apresentam em sua composição basicamente
todos os íons encontrados no solo, onde foram cultiva-
das. Baseado nisso, pode-se afirmar que plantas cultiva-
das em solos ricos em metais pesados terão em sua cons-
tituição maior concentração destes, que plantas cultiva-
das em solos livres de metais pesados.
A maioria das plantas também é sensível ao excesso
de metais pesados, tais como mercúrio, cádmio, chum-
bo, zinco, cromo, níquel, urânio e cobre. Solos muito
contaminados não permitem o crescimento das plantas.
A sensibilidade aos metais pesados é variável dentro do
reino vegetal. Uma espécie hiperacumuladora de zinco e
cádmio é Thlaspi caerulescens, membro da família
16

Brassicaceae. Esta espécie chega a acumular 40 mg de


zinco por grama de peso seco na parte aérea.
Com a transgenia é possível transferir a capacidade
de absorver grandes quantidades de metais pesados e se-
qüestra-los em compartimentos onde não prejudiquem o
metabolismo da planta para outras espécies. A utilização
destas plantas, em solos contaminados, permite a remo-
ção destas substâncias tóxicas do solo, o que é conhecido
como fitoremediação. Considerando esta possibilidade,
surgiu o receio que plantas transgênicas hiperacumuladoras
de metais pesados pudessem ser consumidas. Obviamen-
te, este tipo de característica não deve ser transferida
para plantas utilizadas como alimentos.
Outras espécies não comestíveis poderiam ser utili-
zadas para remoção de metais pesados de solos conta-
minados. Estes solos podem então voltar a ser utilizados
na produção de alimentos, pois se encontram
descontaminados.

REDUÇÃO NOS VALORES NUTRICIONAIS

O mito que apregoa sempre haver menor valor


nutricional do alimento oriundo de planta transgênica
quando comparado ao mesmo alimento proveniente de
planta convencional gera na população o receio de con-
sumir alimentos transgênicos. A Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) desenvolveu
o critério de equivalência substancial, para orientar a
análise da segurança alimentar dos alimentos provenien-
tes da biotecnologia. Este se baseia em análises quími-
cas e nutricionais para identificação de diferenças entre
culturas geneticamente modificadas e convencionais. As
culturas geneticamente modificadas liberadas para utili-
zação, até o momento, têm composição igual às varie-
17

dades convencionais. Não existem diferenças entre os


alimentos geneticamente modificados colocados no mer-
cado e seus pares convencionais, exceto na expressão da
característica de interesse.
Espera-se que muitas das plantas transgênicas a se-
rem lançadas apresentem maior valor nutricional que as
convencionais. Das atuais plantas transgênicas, a soja
RR vem sendo avaliada, para verificar se há diferenças
nos teores de isoflavonóides. Os isoflavonóides estão as-
sociados à prevenção de doenças cardíacas, câncer de
mama e osteoporose. Até o momento as diferenças en-
contradas foram pequenas em relação ao teor de
isoflavonóides da soja convencional.
Outras plantas transgênicas apresentam maior valor
nutricional que seus pares convencionais, como é o caso
do “golden rice”, arroz com maior teor de vitamina A.
Obviamente dependendo da característica inserida,
haverá alteração na composição nutricional, independen-
temente da forma como esta característica foi
conseguida, se via transgenia ou via melhoramento ge-
nético tradicional. Por exemplo, se o teor de óleo dos
grãos de milho for aumentado, necessariamente vai ha-
ver redução do teor de amido destes grãos.

***

PLANTAS TRANSGÊNICAS:
IMPACTOS AO AMBIENTE

Muita coisa tem sido dita sobre a contaminação


irreparável do solo e do ambiente em decorrência do uso
18

de plantas transgênicas. Novamente o conhecimento ci-


entífico é importante para que se possa discernir entre
os riscos reais e os imaginários, e determinar a gravida-
de daqueles reais. Abaixo estão citados alguns dos riscos
mais discutidos.
Toda nova tecnologia necessita ser entendida pela
população com relação aos benefícios que pode trazer
ao homem. Quando isso não ocorre, costuma ser
combatida,como foram, há algumas décadas, as técni-
cas de cultivo e de genética que levaram à revolução
verde, que incluía a utilização de plantas de porte mais
baixo, que permitissem o uso maior de fertilizantes. Havia
riscos, e o uso excessivo de fertilizantes, em alguns lo-
cais, contaminou a água subterrânea. O uso mais racio-
nal desta tecnologia buscou um meio termo, mas sem a
revolução verde, hoje não teríamos alimento suficiente
para a humanidade. Da mesma forma ao optar pelo plan-
tio direto assumiu-se riscos. O uso deste sistema foi ne-
cessário à redução da erosão, no entanto aumentam os
riscos de doenças de plantas como a fusariose, que se
mantém na palha sobre o solo.
No caso das plantas transgênicas, alguns riscos tam-
bém devem ser assumidos. Como em cada planta
transgênica pode-se inserir diferentes tipos de caracterís-
tica, para cada característica o risco vai variar. Se for
acrescentado um gene que causa maior teor de vitamina
A, os riscos são muito menores do que se for acrescenta-
do um gene que permite produzir bioplásticos. Portanto o
risco deve ser acessado de forma individual, caso a caso.

FLUXO GÊNICO PARA PLANTAS SILVESTRES

O fluxo gênico é a transferência de característica de


uma planta para outra via recombinação do DNA das mes-
19

mas pelo cruzamento espontâneo. O fluxo gênico pode


ocorrer, eventualmente, entre espécies aparentadas. As-
sim, um dos riscos reais do uso de plantas transgênicas é
a transferência do gene inserido (transgene) para plantas
silvestres do mesmo gênero e sexualmente compatíveis.
Várias plantas cultivadas são sexualmente compatíveis com
parentes silvestres, ou seja, podem reproduzir-se sexual-
mente dando origem a sementes viáveis. Para que haja
fluxo gênico é necessário que a planta transgênica libere
pólen (o qual possui o transgene no seu DNA) que este
encontre uma planta parente silvestre e a fecunde, e que
sejam formados embriões viáveis. Além disso, para que a
modificação se mantenha é necessário que estes embri-
ões se desenvolvam em plantas férteis, capazes de deixar
descendência.
A probabilidade de uma planta transgênica transferir
um transgene para plantas silvestres sexualmente com-
patíveis depende basicamente de dois pontos: primeiro,
se a planta transgênica é de fecundação cruzada ou de
autofecundação. Plantas de autofecundação como a soja,
o trigo e a cevada têm risco muito menor de passagem
de um transgene para plantas aparentadas, pois nestes
casos as flores normalmente abrem quando a fecunda-
ção já ocorreu, dificultando o cruzamento com pólen de
outra planta. O segundo ponto é a existência de paren-
tes silvestres próximos à área onde estão sendo cultiva-
das as plantas transgênicas. Por exemplo, não há paren-
tes silvestres da soja na América, portanto este é um
risco inexistente na soja transgênica plantada no Brasil.
No entanto se plantada na China, onde existem parentes
silvestres, o risco existe. Além disso, é necessário que
este gene se mantenha na população silvestre, ou seja,
que estas plantas continuem a produzir descendentes
férteis.
20

A magnitude deste risco vai depender, portanto da


espécie e do local onde for cultivada. Além disso, em
alguns casos, o fluxo gênico mesmo ocorrendo não acar-
reta riscos severos. Por exemplo, se a planta transgênica
possui a característica de maior valor nutricional, a trans-
ferência desta característica para plantas silvestres não
é problemática. No entanto, se a característica é a re-
sistência a determinado herbicida, a transferência pode
significar o desenvolvimento de plantas daninhas resis-
tentes e, portanto menor eficácia do herbicida.

FLUXO GÊNICO ENTRE CULTIVARES

O fluxo gênico entre cultivares de uma mesma espé-


cie é um risco real e, para minimizá-lo devem ser toma-
das medidas de segurança. No caso de plantas
transgênicas, as medidas são similares as que seriam
tomadas para manter a pureza de cultivares convencio-
nais. O cruzamento de plantas transgênicas com plantas
convencionais, de mesma espécie e localizadas próxi-
mas, pode ocorrer principalmente em plantas de fecun-
dação cruzada, sendo necessário estabelecer distâncias
seguras para evitar o fluxo gênico. Este é um fator im-
portante para manter a integridade no mercado, permi-
tindo a segregação de produtos GM e não GM. Nas espé-
cies de autofecundação o risco é menor, já que nestes
casos, as flores normalmente abrem após ter ocorrido a
fecundação dos óvulos com o pólen da própria planta.
É preciso esclarecer que o fluxo gênico entre cultiva-
res (mesma espécie) é um processo natural, usado pela
natureza para permitir a criação de variabilidade e a
evolução. Um exemplo do fluxo gênico é o caso do arroz
vermelho, o qual pertence à mesma espécie do arroz
cultivado. Ao longo do tempo, tem ocorrido fluxo gênico
21

do arroz cultivado para o arroz vermelho. Com isso o


formato dos grãos se tornou similar e houve redução da
estatura do arroz vermelho, tornou-se mais difícil a iden-
tificação e remoção do mesmo das lavouras.
É necessário, portanto determinar o risco em cada
situação e tomar os cuidados exigidos para minimizar a
ocorrência de contaminação.

ESVAZIAMENTO GENÉTICO

A possibilidade de desenvolvimento de materiais ve-


getais com características diferentes requer a existên-
cia de variabilidade. Existem, hoje no mundo, um nú-
mero considerável de espécies não utilizadas pelo ho-
mem e, portanto com características não determina-
das. Plantas silvestres aparentadas ou não com as espé-
cies cultivadas podem ser fonte genética para transfe-
rência de novas características. Se estes materiais fo-
rem perdidos, ocorrerá uma redução nas fontes para o
melhoramento genético de plantas. Neste caso, o mate-
rial genético acessível será apenas aquele dos materiais
em cultivo. Esta redução das fontes de variação pode ser
chamada de esvaziamento genético.
O receio que o uso de plantas transgênicas conduz ao
esvaziamento genético está parcialmente associado à
ocorrência do fluxo gênico e embasado no fato de que o
plantio descontrolado e massivo de plantas transgênicas
poderia causar a perda de variabilidade genética.
Se esse fosse o caso, a redução da variabilidade ge-
nética se daria por duas formas: na primeira o fluxo
gênico faria com que todos os materiais vegetais de uma
espécie possuíssem as características transgênicas. Como
discutido anteriormente, este medo é infundado, pois o
transgene tem a mesma chance de ser transferido para
22

outra cultivar que qualquer outro gene da planta. Por-


tanto, o importante é que sejam tomados os cuidados
necessários para manter a pureza varietal quando se es-
tiver produzindo lavoura para semente. No caso da pro-
dução de grãos, o risco é ínfimo uma vez que os grãos
não darão origem a novas plantas. A segunda forma se-
ria pelo cultivo de grandes áreas com um único cultivar
transgênico, gerando uma homogeneidade genética. Cabe
ressaltar que, nesse caso, o problema não se restringe
às plantas transgênicas, o uso em massa de qualquer
cultivar convencional ou não, expõe a agricultura aos
mesmos riscos e deve ser evitado.
O uso massivo de um único cultivar facilita a ocor-
rência de pragas, a quebra de resistência a doenças, e o
desenvolvimento de invasoras resistentes.

LIBERAÇÃO DE PROTEÍNAS GM NO SOLO

As plantas durante seu desenvolvimento, interagem


com o solo. Removem água e nutrientes; secretam áci-
dos orgânicos, alcalóides, compostos fenólicos, etc;
interagem com microorganismos afetando seu cresci-
mento; deixam outros resíduos através da decomposi-
ção de seus tecidos. A preocupação de que plantas
transgênicas possam liberar compostos diferentes das
plantas convencionais tem sido levantada em algumas
situações.
Infelizmente nosso conhecimento dos efeitos das se-
creções das plantas convencionais sobre os
microorganismos do solo é escasso, o que dificulta avali-
ar como as diferentes espécies e cultivares afetam o
solo. No entanto, o conhecimento da característica dife-
renciada da planta transgênica cultivada deve indicar a
probabilidade de alteração ou não na secreção das raízes.
23

Num caso extremo, se o gene inserido confere maior


produção de alcalóides, a probabilidade de que haja al-
teração é grande e é importante que se avalie e compa-
re a secreção de alcalóides no solo pela planta transgênica
e pela convencional e se determine o impacto da dife-
rença. Já se o transgene afeta apenas o tipo de amido a
ser acumulado no grão, provavelmente não afetará o
solo.

AUMENTO DE FUNGOS TÓXICOS NO AMBIENTE

O mito de que a utilização de plantas transgênicas


causa o aumento de fungos tóxicos no ambiente é fun-
damentado em teorias frágeis. O exemplo mais utilizado
para justificar este mito é a produção de café transgênico
descafeinado.
O receio se baseia no fato que para produzir o café
descafeinado, se inativa um gene envolvido na síntese
da cafeína. A cafeína, como outras substâncias de sua
classe, tem efeito supressor sobre o desenvolvimento de
fungos. Com a remoção da cafeína aumenta a probabili-
dade de maior desenvolvimento de fungos nos cafezais.
Muitos fungos produzem toxinas, e estas podem acumu-
lar-se no animal que as ingere, com o tempo podendo
causar malefícios ao organismo.
O raciocínio, acima exposto, está correto. No en-
tanto, é esquecido que muitos fungos se desenvolvem
em diversas plantas convencionais, produzindo
micotoxinas. O desenvolvimento de fungos em plantas
não é um problema que aparece com a transgenia. Esta
interação patógeno-hospedeiro se desenvolveu ao longo
da co-evolução destes organismos. Nas plantas convenci-
onais o problema é remediado via aplicação de fungicidas,
o mesmo pode ser realizado nas plantas transgênicas.
24

Citando apenas uma doença, causada por fungos, a


fusariose, é possível perceber que os riscos de fungos
tóxicos estão presentes nas plantas convencionais. Esta
doença se desenvolve em milho, trigo, aveia, cevada
entre outras culturas, quando o tratamento fitossanitário
não é eficaz. O fungo produz micotoxinas que se man-
têm nos grãos. Os animais ao se alimentarem dos grãos
contaminados recebem as toxinas que se acumulam nos
seus órgãos internos e na gordura. O homem ao se ali-
mentar destes animais, de grãos ou sub-produtos tam-
bém é contaminado.
O risco maior é a falta de vigilância sobre estes pro-
dutos. É importante desenvolver testes capazes de
quantificar micotoxinas nos alimentos e, que a legisla-
ção obrigue a utilização dos mesmos, independentemen-
te dos produtos serem oriundos de plantas convencionais
ou transgênicas.

DESENVOLVIMENTO DE SUPER PRAGAS E


PLANTAS INVASORAS

A utilização de defensivo agrícola, com um mesmo


princípio ativo de forma constante e em grandes áreas,
aumenta a probabilidade de surgirem resistências a este
princípio. Isto é verdade para qualquer tipo de organis-
mo. Em áreas extensas onde um único tipo de herbicida
é utilizado continuamente por um longo período ocorre o
desenvolvimento de população de plantas invasoras re-
sistentes ao herbicida. O mesmo ocorre com insetos se
utilizado sempre o mesmo tipo de toxina. A situação é a
mesma com plantas transgênicas que possuem determi-
nada toxina contra insetos ou que permitem o uso de
um dado herbicida e, portanto os cuidados devem ser
similares aos utilizados na condição convencional. No caso
25

de resistência a herbicida, outros princípios ativos de-


vem ser utilizados. Também o desenvolvimento de plan-
tas transgênicas resistentes a princípios ativos diferen-
tes poderia ser uma estratégia para reduzir a pressão de
seleção. Já se a planta produz algum tipo de toxina con-
tra insetos, a manutenção de áreas próximas com ma-
terial convencional pode retardar o aparecimento de re-
sistência.
Na agricultura sempre foi necessário lidar com estas
estratégias, pois o cultivo em monocultura tende a cau-
sar uma maior pressão de seleção sobre os organismos
que interagem com a lavoura. É imprescindível o conhe-
cimento técnico para analisar as alterações que estão
sendo realizadas no meio e desenvolver as estratégias
necessárias para que o impacto da agricultura seja o
menor possível. No caso do uso de plantas transgênicas
esta verdade se mantém.

***

PLANTAS TRANSGÊNICAS -
OS PRIMEIROS PRODUTOS

As possibilidades de novos produtos a partir do uso da


transgenia são imensas. Com o uso desta técnica, os pri-
meiros produtos concentraram-se em características sim-
ples que dependem da inserção de um único segmento de
DNA. Com a evolução da técnica, abriu-se a possibilidade
de resolver problemas mais complexos, que envolvem a
interação de vários genes, e a produção de plantas
transgênicas com mais de uma característica alterada.
26

Entre as plantas transgênicas já desenvolvidas, as


que ocupam maior adoção em todo mundo são as que
possuem resistência a herbicidas como Roundup e Liberty.
Ambos herbicidas têm espectro amplo e podem ser usa-
dos basicamente em qualquer estádio da cultura e da
planta invasora. Além disso, os herbicidas degradam-se
rapidamente no solo, reduzindo o risco de contaminação
ambiental.
Muitos opositores ao uso destas plantas transgênicas
baseiam-se no aumento do consumo destes herbicidas.
Obviamente, utiliza-se mais glifosato em uma área
com soja RR do que com soja convencional (a qual
morreria com a aplicação). Em compensação, outros
herbicidas de maior impacto ao ambiente, têm suas
aplicações reduzidas ou mesmo eliminadas, causando
um impacto positivo. As plantas transgênicas RR pos-
suem um fragmento de DNA originário de uma bacté-
ria de solo que produz uma proteína não sensível ao
glifosato, permitindo que este sobreviva à aplicação.
No Brasil, basicamente só se conhece a soja RR, tão
polêmica em decorrência da disputa sobre seu plantio
entre agricultores gaúchos e o governo federal. Este
gene já foi transferido para diversas outras espécies
no mundo, tais como o milho, trigo, algodão entre
outras.
Outra característica amplamente adotada em
transgenia é a toxicidade a insetos via genes Bt oriun-
dos da bactéria de solo Bacillus thuringiensis. A in-
serção do gene Bt nas plantas faz com que estas pro-
duzam proteínas que, quando ingeridas pelas lagar-
tas, formam uma toxina que paralisa o sistema diges-
tivo destes insetos causando sua morte. Esta toxina
não afeta mamíferos ou pássaros. Os genes são espe-
cíficos, atingindo uma ou duas ordens de insetos, con-
27

forme tabela abaixo. Ela é, portanto mais segura para


outras classes de inseto do que os inseticidas tradicio-
nais. No mercado mundial encontram-se hoje, os genes
Bt nas culturas do milho, algodão e na batata (esta foi
retirada do mercado devido à baixa venda da batata-
semente).

Tabela 1: Genes utilizados no desenvolvimento de plan-


tas transgênicas Bt e ordens de insetos que afetam:

No caso do algodão, segundo a FAO, houve uma


redução de 70% no custo com inseticidas em cultivos
transgênicos com o gen Bt na China. Estima-se que
tenha ocorrido uma redução de 78.000 toneladas de
pesticidas em 2001, o que equivale a ¼ da quantidade
normalmente utilizada na China. Em 2004, cerca de
30% da área plantada com algodão, na China, era
transgênica.
No entanto, há o risco de desenvolvimento de inse-
tos resistentes à toxina devido à alta pressão de sele-
ção, exigindo-se como discutido anteriormente que os
produtores tenham área junto às lavouras com materi-
ais convencionais para retardar a ocorrência da resis-
tência.
28

PRODUTOS EM DESENVOLVIMENTO

As plantas transgênicas em desenvolvimento procu-


ram atender uma das seguintes necessidades sociais: me-
lhorar características agronômicas, maior adaptação aos
processos pós-colheita, melhorar qualidade nutricional e
redução da poluição ambiental. As plantas transgênicas
aprovadas, até o momento, incluem uma das seguintes
características, alteração da composição de ácidos graxos,
restauração de fertilidade, tolerância a herbicidas, re-
sistência a insetos, macho esterilidade, modificação de
cor, redução de nicotina, retardo na maturação, ou re-
sistência a viroses.
Alguns dos produtos atualmente em desenvolvimento
são:

MELHOR QUALIDADE NUTRICIONAL:

· tomate com teor mais elevado de licopeno, um


precursor da vitamina A;
· “Golden rice”, arroz rico em beta-caroteno, pre-
cursor imediato da vitamina A;
· Soja com maior conteúdo de ácido oleico;
· Soja com menor conteúdo de ácido linolênico;
· Canola com maior teor de vitamina E;
· Canola com a composição de ácidos graxos alte-
rada, (maior teor de ácidos insaturados);
· Café descafeinado: O atual processo industrial para
remover a cafeína de café envolve o uso de solventes, o
que inquieta os consumidores temerosos de resíduos. A
desativação do gene que produz a cafeína no café evita-
ria o uso de solventes não afetando o aroma e o sabor;
· Fumo sem nicotina.
29

MAIOR ADAPTAÇÃO AOS PROCESSOS PÓS-COLHEITA:

· Tomate com maturação lenta;


· Melão com maturação lenta (devido à degrada-
ção de etileno);
· Café com maturação mais uniforme para facili-
tar a colheita.
· Cravo com flores que apresentam maior duração
pós-colheita (redução no acúmulo de etileno).

MELHORES CARACTERÍSTICAS AGRONÔMICAS E


REDUÇÃO DA POLUIÇÃO AMBIENTAL:

· Girassol com resistência a pragas e doenças;


· Uva com resistência a doenças e pragas;
· Mamão transgênico (HU-Rainbow), resistente a
viroses, já em produção no Hawai;
· Tomate tolerante a solos salinos. O tomate
transgênico armazena o sal em tecidos da planta, mas
não no fruto. O tomate transgênico mantém o mesmo
teor de sal do tomate convencional.
· Algodão colorido que reduz a utilização de
corantes no processo de tingimento de tecidos, redu-
zindo contaminação do ambiente, além da cor não des-
botar;
· Eucalipto com reduzido teor de lignina para faci-
litar o processo de produção de papel e redução da ne-
cessidade de produtos químicos branqueadores que con-
taminam o ambiente.
· Canola com tolerância a herbicidas (glifosato,
imidazolinone, bromoxynil ou ioxynil);
· Cravo com coloração diferenciada nas flores;
· Linho tolerante a herbicidas.
30

A idéia da produção de alimentos que atuem tam-


bém como vacinas, há anos tem estimulado pesquisado-
res neste sentido. No momento, estão sob teste bana-
nas contendo vírus inativados de cólera, hepatite B e
diarréia. Se funcionarem, crianças poderão ser imuniza-
das contra estas doenças ao se alimentarem com estas
bananas transgênicas.

***
PRODUTOS PARA O FUTURO

As características mais complexas de plantas come-


çam ser estudadas, como aquelas envolvidas no controle
adaptativo a estresses abióticos (seca, calor, frio, pre-
sença de alumínio no solo, salinidade), ao florescimento
e reprodução, eliminação de alergênicos e fatores
antinutricionais.
A combinação de diferentes características numa mes-
ma cultivar também deve ocorrer.
A produção de novas substâncias como bioplásticos,
medicamentos, etc começa a ser delineada. A produção
de produtos farmacológicos ou industriais em plantas,
provavelmente reduziria os custos de fabricação destes
e o consumo de derivados de petróleo no caso dos plásti-
cos. A identificação e o isolamento destas lavouras de-
verão ser mais cuidadosos do que no caso das atuais
plantas transgênicas, pois possuirão características que
podem trazer conseqüências mais sérias se perdidas no
ambiente.
31

PLANTAS TRANSGÊNICAS EM EXPANSÃO

A Organização das Nações Unidas para a Alimenta-


ção e Agricultura (FAO/ONU), Organização Mundial da
Saúde (OMS), entre outras organizações, apóiam a uti-
lização destas técnicas. As Academias de Ciência em
diversos locais do mundo têm apresentado relatórios
técnicos defendendo a adoção de plantas transgênicas
na agricultura como forma de reduzir a fome no plane-
ta e melhorar a qualidade dos alimentos. Os produtos
de biotecnologia são acompanhados e aprovados por
agências reguladoras nos países onde são utilizados.
Entre elas estão o FDA (Food and Drug Administration),
USDA (United States Department of Agriculture) e EPA
(Environment Protection Agency), nos Estados Unidos,
e a Comissão sobre Assuntos Jurídicos e Direitos do Ci-
dadão do Parlamento da União Européia. Esse acompa-
nhamento de biossegurança permitiu que, passados 25
anos do início do seu uso, não se tenham notícias de
prejuízo de qualquer natureza causado por esta
tecnologia.
Segundo o ISAAA (International Service for the
acquisition of Agri-Biotech Applications), dezessete paí-
ses adotaram o plantio comercial de culturas transgênicas,
o que representou 81 milhões de hectares em todo o
mundo no ano de 2004. A área cultivada com plantas
transgênicas ocupa cerca de 5% das áreas cultiváveis do
planeta. Houve um aumento de 20% na área plantada
com transgênicos em 2004, em relação a 2003, o segun-
do maior aumento desde 1996. A área global cultivada
com plantas transgênicas em 1996 era de 1,7 milhões de
hectares, portanto houve um aumento de 47 vezes na
área plantada nestes últimos oito anos (Figura 2).
32

Entre os países com mais de 50 mil hectares cultiva-


dos com plantas transgênicas estão Estados Unidos (59%
da área global), Argentina (20%), Canadá (6%), Brasil
(5%), Paraguai (2%), India (1%), África do Sul (1%), Uru-
guai (<1%), Australia (<1%), Romenia (<1%), México (<1%),
Espanha (<1%) e Filipinas (<1%). Neste último ano, o
aumento da área plantada individualmente por cada um
destes países foi significativo, principalmente nos países
em desenvolvimento. O maior aumento na área cultiva-
da com plantas transgênicas ocorreu na China (aumento
de 400% na área, principalmente algodão Bt), seguido
por Uruguai (200%), Austrália (100%), Brasil (66%), Chi-
na (32%), África do Sul (25%), Canadá (23%), Argentina
(17%) e Estados Unidos (11%).
Em torno de 8,25 milhões de agricultores no mun-
do cultivam plantas transgênicas. A característica com
maior expansão é a tolerância a herbicidas, perfazen-
do 72% da área (58,6 milhões de ha), seguido da resis-
tência a insetos que ocupa 19% da área (15,6 milhões
de ha).
As culturas transgênicas mais plantadas são, em or-
dem crescente, soja (60%), milho (23%), algodão (11%)
e canola (6%). O valor global da produção de plantas
transgênicas alcançou em 2004, o valor de 44 bilhões de
dólares.
Segundo a FAO, o uso de plantas transgênicas nos
países em desenvolvimento tem auxiliado a reduzir o
nível de pobreza nos mesmos. A redução do custo de
produção de algodão na China tem sido usada como exem-
plo. A utilização do algodão Bt, resistente a insetos, tam-
bém reduziu o contato do agricultor com pesticidas, pois
as aplicações de inseticidas foram reduzidas.
33

Figura 2: Crescimento da área cultivada com plantas


transgênicas no mundo

A redução do custo de produção e eventual aumento


do rendimento das culturas, devido ao melhor controle de
fatores bióticos em plantas transgênicas (menor competi-
ção com plantas invasoras, no caso das tolerantes a
herbicidas, menor perda por ataque de insetos, no caso
das resistentes a insetos), têm favorecido a agricultura
dos países em desenvolvimento. O ideal é que estes países
produzam as plantas transgênicas com as características
que necessitam. A independência das multinacionais seria
um fator positivo ao desenvolvimento destes países.

***
E O BRASIL?
Desde 1987 já foram autorizados, no mundo, mais
de 25 mil testes de campo com plantas transgênicas.
Metade deles nos Estados Unidos, Canadá e boa parte na
34

Europa. Na América Latina, o maior número de libera-


ções ocorreu na Argentina, que responde por 75 % dos
testes realizados na região, seguida do México.
No Brasil, existem cerca de 120 instituições públicas
e privadas credenciadas pela CTNBio para desenvolver
pesquisas com organismos geneticamente modificados.
O desenvolvimento de diversas plantas transgênicas
encontra-se sob pesquisa, envolvendo características que
conferem resistência a herbicidas, resistência a pragas
e doenças, melhoria da qualidade nutricional e usos es-
pecíficos. Por exemplo, busca-se no país, atualmente,
feijão resistente ao vírus do mosaico dourado, batata
resistente a diversos vírus, algodão resistente ao bicudo
e mamão papaia resistente ao vírus da mancha anelar.
Algumas instituições já estão desenvolvendo pesquisas
com plantas geneticamente modificadas que poderão se
tornar vacinas. É o caso da Universidade Federal de Mi-
nas Gerais, que está estudando variedades de alface que
poderão imunizar contra a leishmaniose. A Universidade
do Norte Fluminense desenvolve outra alface que poderá
imunizar contra a hepatite B. No entanto, há uma buro-
cracia gigantesca que dificulta que testes mais extensi-
vos com plantas transgênicas produzidas com tecnologia
brasileira possam ser conduzidos.
Em 2004, foram cultivados com plantas transgênicas
mais de 5 milhões de hectares no Brasil, o que o coloca em
quarto lugar no mundo em área plantada com transgênicos.
Cabe ressaltar que, a maioria dos cultivares transgênicos
cultivados, até 2004, não foi originada de pesquisa brasilei-
ra. É chegada a hora que o país não apenas adote o plantio
de plantas transgênicas, mas que apóie o desenvolvimento
desta tecnologia no país. É necessário, que o país produza
plantas transgênicas com características voltadas às peculi-
aridades e necessidades de sua agricultura.
35

A transgenia é a nova fronteira, se o Brasil não de-


senvolver pesquisas nesta área, perderá a possibilidade
de usar a sua biodiversidade para desenvolvimento de
produtos que garantam a competitividade da agricultura
brasileira, ou de desenvolver produtos farmacêuticos de
interesse. Além disso, se o País virar as costas a esta
tecnologia, perderá a oportunidade de envolver-se no
desenvolvimento de novas tecnologias, ficando novamente
dependente de outros países e utilizando materiais não
adaptados as nossas condições ambientais.
A transgenia é uma realidade, como foram os usos
de fertilizantes e defensivos agrícolas. A decisão que
cabe é ou por um país atuante, capaz de produzir a
tecnologia e os produtos que necessita de forma eficien-
te e segura, ou por um país que ficará amarrado ao
pagamento de royalties e dependente dos produtos por
outros desenvolvidos.

Profa. Carla Andréa Delatorre;


Engenheiro Agrônomo, Doutora em Biologia de Plantas
pela UCDavis, USA
Departamento de Plantas de Lavoura.
Faculdade de Agronomia. UFRGS.
http://www.ufrgs.br/plantas/
36

AGRADECIMENTOS

A autora agradece à APASSUL (Associação dos Produ-


tores e Comerciantes de Sementes e Mudas do RS) e
Fundação Pró-Sementes de Apoio à Pesquisa pelo apoio
financeiro para a edição do livro.

Você também pode gostar