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RESUMO: O presente estudo apresenta uma análise do filme O Substituto (2012) a partir da
compreensão dos efeitos de sentidos promovidos pela linguagem cinematográfica da referida obra,
esta que contém elementos oriundos do “cinema de poesia”, termo cunhado pelo cineasta italiano
Pier Paolo Pasolini, e que prevê o uso da câmera “subjetiva indireta livre” como sua principal
característica. O tema da docência é recorrente no cinema, mas diferente de outros filmes, O
Substituto rompe com a perspectiva romantizada da figura do professor. Dessa forma, a intensidade
dramática da narrativa mostra-se associada às escolhas de planos e movimentos de câmera,
construção do espaço e, sobretudo, tempo, aspectos próprios à sétima arte. Nesta obra, os conflitos
existenciais de um professor indiferente aos laços sociais e à profissão tornam o drama pessoal
responsável pela alta densidade emotiva da diegese. Com base na análise de alguns elementos
cinematográficos, este estudo procurou analisar como a poesia está presente nesta obra e como ela
contribuiu para ramificar a construção dos sentidos e apresentar uma nova forma de interpretação
ao espectador.
1 INTRODUÇÃO
O filme Detachment – O Substituto (2012), dirigido por Tony Kaye, relata a história de um
professor substituto que tem como ofício assumir aulas por curtos períodos em diferentes escolas,
cobrindo licenças dos professores efetivos. Todavia, o que poderia ser um problema para o
professor mediante o permanente estado de itinerância, para o protagonista Henry Barthes resulta
de uma escolha pessoal que se encaixa em sua perspectiva de vida e profissional. Há, na
caracterização da personagem, relativa satisfação em não estabelecer raízes pelos lugares por onde
passa.
Independente de um discurso verbal, o filme transparece esta condição do professor
pautado no uso incisivo de imagens cujos significados dispensam maior descrição. Neste sentido,
para Martin (2005) o que acaba por distinguir o cinema dos demais meios de expressão cultural é
o poder de sua linguagem funcionar a partir da reprodução fotográfica da realidade. Na sequência
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de imagens são os próprios seres e coisas que aparecem e falam ampliando assim, possibilidades
plurais de significação. A linguagem cinematográfica resulta de um recorte, ou seja, entre a imagem
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e sua recepção pelo espectador há uma mediação feita pelas escolhas da direção e produção, logo,
a realidade que é mostrada na tela não pode ser considerada neutra e isenta de intencionalidade.
A experiência do cinema possibilita o processo de identificação entre espectador e
personagens de forma que se busque identificar na realidade do cotidiano alguns subsídios para
justificar a empatia pelos dramas da ficção. Conforme Morin (1970), tal experiência afetiva reside
em razão da verossimilhança, que conecta facilmente dois pólos. Assim, a personagem ou o que
ela representa na narrativa fílmica desencadeia uma forma de “[...] projecção alienada, desgarrada,
fixada, fetichizada, se coisifica: em que se crê verdadeiramente nos duplos” (MORIN, 1970, p. 107).
Considerando que a narrativa fílmica tem a capacidade de universalizar sentimentos, valores
e crenças, o objetivo deste artigo é apresentar uma análise do filme O Substituto (2011) a partir da
compreensão dos efeitos de sentidos promovidos pela linguagem cinematográfica da referida obra
e também elencar os elementos pertinentes ao cinema de poesia que corroboram para uma
interpretação mais voltada para o introspectivo, subjetivo e, consequentemente, lírico do filme. O
cinema de poesia, cunhado pelo cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, em meados do século XX,
primava por uma narrativa em que o uso das imagens sobrepunha os demais elementos narrativos
do cinema. Mais abrangente e livre, o cinema voltado para os recursos imagéticos previa que a
linguagem através das imagens poderia ser mais metafórica, uma vez que para elas não há um
dicionário. Com base neste pensamento, elencamos neste artigo alguns elementos encontrados no
filme O substituto que se enquadram nesta categoria.
alguns desenhos simbolizando o tema vão sendo formados à giz sobre lousa.
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Ao longo do filme, tais desenhos retornam, cada qual pertinente ao foco da cena. A
maioria deles diz respeito à condição subjugada da docência, às angústias sofridas pelos professores
nas suas frustrações em relação à profissão. Embora os diálogos e a narrativa verbal não explicitem
abertamente sobre esta condição, é por meio destes desenhos que o espectador consegue inferir
sobre os reais significados das cenas. Enquanto alguns créditos são apresentados no canto da tela,
os desenhos à giz formam-se evidenciando a multissemiose discursiva que é sustentada por solo de
piano. O espectador não tem a certeza se se trata de depoimentos reais de professores que estão
participando de um documentário sobre a profissão professor ou se esta tomada diz respeito à
introdução da narrativa. O enquadramento em close ups durante o depoimento dos professores
conduz o espectador a inferir que estes participam de alguma reunião ou entrevista. Outro recurso
narrativo é a mudança de cores das imagens que passam do preto e branco para o tom sépia quando
em close aparece o protagonista Henry Barthes.
“Minha mãe era professora e eu sabia, sem sombra de dúvida desde criança que
se tinha uma coisa que eu não queria ser, era professora. Nunca, jamais, eu
preferia trabalha no pedágio. Seria pastora, qualquer coisa, menos professora”
(Profa.01).
“Decidi ser professor, pois queria fazer algo na vida além do que fazia que era
ser motorista de uma empresa. E decidi que queria algo melhor pra mim, então
decidi ensinar um pouco. Voltei para a escola com 37 anos” (Profa. 02).
espectador por apresentar personagens comuns, do cotidiano, muito diferentes dos docentes
romantizados já protagonizados nas telas do cinema.
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outras narrativas que apresentam o professor como um heroi (TRIER, 2000, 2001; DALTON,
2010; GRAVELLE, 2015). Mesmo sendo professor, logo, um exemplo, Henry tem fraquezas e
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dilemas passíveis de serem sentidos por qualquer pessoa, sendo esta característica evidenciada pelos
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planos e movimentos de câmera em close up. De início, Henry não nos conta sua frustração ou as
razões que o faz estar à margem de seu papel como professor, mas nos demonstra por meio do
choro no ônibus, da desolação ao visitar o avô internado e, sobretudo, nas memórias de sua mãe,
que sua angústia o mantém estagnado no passado.
Neste filme, é possível acompanhar a relação que Henry estabelece com a profissão quase
de forma sensorial, visto que os poucos momentos de interlocução com outras personagens não
nos permitem adentrar aos reais pensamentos do professor, apresentando seu semblante triste uma
verdadeira incógnita para o espectador.
O cenário da escola é composto por uma diretora, professores e alunos também sem
perspectiva. A diretora embora mantenha a aparência de equilíbrio e autocontrole sofre com as
pressões do departamento de educação e com um relacionamento amoroso abusivo; a orientadora
vocacional esforça-se para transmitir segurança diante dos alunos quando ela mesma está à beira
de um colapso nervoso e o coordenador pedagógico bem humorado resiste às pressões do cargo
somente por estar sob efeito de medicamentos. Em seu depoimento inicial, o professor já apresenta
um discurso bastante pessimista acerca de seu papel no mundo.
Henry Barthes não se altera, não se afeta com as ofensas direcionadas a si, parece haver
nele um escudo que o distancia das demais pessoas e o protege das agressões enquanto o único
algoz com quem lida parece ser ele mesmo. Neste sentido, a narrativa se torna cada vez mais
introspectiva posto que ao passo que o externo deixa de ser relevante para a personagem, é
internamente que o espectador é instigado a investigá-lo e analisá-lo e, portanto, o leque ganha cada
vez mais possibilidades de sentido em cada cena.
As imagens intercaladas durante as cenas de Henry na escola, no ônibus entre a escola e
seu apartamento e entre o apartamento e a clínica são, sobretudo, memórias de Henry quando
criança com sua mãe. Por meio de flashbacks o professor recompõe o seu passado juntando
fragmentos de cenas e de imagens que permitem manter vivo o único símbolo de afeto até então
– sua mãe. As imagens cumprem papel essencial na composição não linear da personagem visto
que, poucos são os diálogos na narrativa, uma vez que a história de Henry nos é contada por meio
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pautados numa construção linear, tal qual a construção de um texto escrito que segue uma
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sequência relativamente lógica o que, transportada para as telas chamamos de planos. Para
contrapor este modelo, cineastas como Pasolini (1981) defendia que era necessária uma narrativa
autoexpressiva que extraísse ao máximo os recursos da linguagem clássica, em especial, por meio
das imagens. Em sua obra O Empirismo Herege (1981) – Pasolini afirma que o espectador da obra
cinematográfica já está habituado a realizar a leitura do material imagético, logo, as imagens
despertam interpretações várias. Além disso, o cinema possibilita que a poética da vida cotidiana
represente também a poesia, “[...] a fisionomia da gente que passa, os seus gestos, seus atos, seus
silêncios, suas expressões, as suas cenas [...] se apresentam carregados de significados e por isso
“falam” brutalmente através da sua própria presença.”(PASOLINI, 1981, p.138)
Considerando o “cinema de poesia” como expressão máxima da subjetividade e simbologia
imagética, O Substituto revela alguns traços deste gênero, uma vez que é composto por uma narrativa
cujo recurso narrativo depende sobremaneira das imagens. O uso de câmera subjetiva também
permite ao espectador compreender o cineasta como parte integrante da trama ou ainda, nota-se a
voz do cineasta através do ator.
Pasolini (1981, p.149) afirma que o “cinema de poesia” acaba se aproveitando do estado de
um protagonista enfermo, que se diferencia do convencional para fazer com ele uma mimese que
lhe permite uma grande liberdade de estilo anômala e provocadora. É isso que percebemos em O
substituto, uma imersão que dispensa explicações ou longos diálogos, uma sobreposição de imagens
que por si só já conseguem desencadear variados significados.
Segundo Kinski (2016), o “cinema de poesia” revela:
2002; MARTIN, 2005; KINSKI, 2016). Segundo Martin (2005), as técnicas de filmagens, os
movimentos de câmera, os ângulos estão a serviço do professor de significação da narrativa. Logo,
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nas cenas de maior tensão emocional o foco no rosto da personagem amplia a dramaticidade da
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ação. Em muitas cenas o zoom in (aproximação) e zoom out (distanciamento) brusco no rosto das
personagens substituem complementos linguísticos de diálogos. Este elemento acaba por
promover maior imersão do espectador na cena, aspecto endossado também pelo uso quase que
permanente da câmera subjetiva livre (foco em que o narrador deixa de ser uma terceira pessoa e
parece entrar em cena e participar da ação), ou seja, a cena é feita através de um “álibi narrativo
acidental que permite falar indiretamente”. (PASOLINI, 1981, p.152)
Esses efeitos causados pela linguagem cinematográfica refletem o impacto do cinema
como arte na recepção de narrativas, isso porque, mesmo por meio de sua dimensão técnica o
cinema desperta a universalidade dos sentidos humanos. Para Fischer (2002), dentre as funções da
arte está a de “[...] elevar o homem de um estado de fragmentação a um estado de ser íntegro, total.
A arte capacita o homem para compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-la como a
transformá-la, aumentando-lhe a determinação de torná-la mais humana e mais hospitaleira para a
humanidade” (FISCHER, 2002, p. 57).
Figura 3 - Memória de Henry Barthes na infância Figura 4 – Foco no rosto de Henry no ônibus
(2005), tão interessante quanto a câmera subjetiva é a representação perante a câmera (quando os
atores olham para as lentes, possibilitando maior interação do espectador com a narrativa).
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Figura 5 – Memória da mãe de Henry Figura 6 – Fita Cassete deixada para Henry após
suicídio da mãe
Henry tem lembranças positivas de sua mãe (fig.6) e todas as memórias de carinho e afeto
remetem a ela, já na vida presente, ele não consegue esboçar carinho ou empatia. Por isso, Henry
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não se envolve e não se importa com sua condição de professor itinerante, justamente por não ter
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intenção de permanecer muito tempo em cada escola, já que, o único laço afetivo do qual tem
memória foi tragicamente rompido. Há, no filme, o uso incisivo do recurso simbólico por meio
das imagens, assim como mostra a figura 7: uma fita cassete deixada por sua mãe após seu suicídio
parece levantar mais dúvidas sobre os reais motivos de seu ato extremo. Todas estas considerações
somente são possíveis, mediante esta configuração imagética, uma vez que, mesmo que a
personagem apresente um comportamento passivo e não expresse por meio de palavras sua
desilusão com o mundo, a forma como o filme o delineia faz com que o espectador consiga extrair
os substratos necessários para classificá-lo ou, pelo menos, compreendê-lo.
Sobre a capacidade do cinema em envolver múltiplos olhares, Ferreira (2004) prevê que
Com isso, é possível considerar que em O substituto, a amplitude dos sentidos toma forma
através do que a diegese constrói mediante o artifícios poéticos que vão muito além do enredo em
si, dos diálogos ou da história narrada. Os elementos preponderantes do filme estão muito mais
ligados ao que se passa internamente com as personagens do que o que estas deixam transparecer.
Cabe ao cineasta, neste caso, fornecer indícios que auxiliem o espectador a captar estas mensagens
e com isto formular sua própria interpretação por meio do posicionamento da câmera, dos sons e,
consequentemente, dar o tom subjetivo à obra.
No ônibus no retorno pra casa Henry conhece ainda Erika, uma adolescente prostituta, que
o segue por alguns metros e oferece seus serviços. Mesmo depois da insistente abordagem da garota
Henry recusa a oferta e a aconselha a voltar para casa. Em outra noite, Henry esbarra novamente
em Érika e dessa vez, oferece à garota um lanche em sua casa.
A partir daí surge um laço entre Henry e Érika que passa a dividir o apartamento com o
professor sem saber exatamente a natureza do relacionamento. Aos poucos Érika percebe nas
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atitudes de Henry um zelo fraternal, visto que os cuidados e a preocupação do professor apagam
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As cenas de interação são intercaladas por algumas memórias da mãe de Henry, assim, o
passeio no supermercado e os parcos sorrisos do professor para Erika desencadeiam as lembranças
de sua infância na companhia da mãe. Henry acolhe a jovem em sua casa sem maiores preocupações
com seu passado, tal mistério também se aplica à sua história uma vez que Érika também não
consegue obter informações da vida do professor. Érika simboliza uma segunda chance para Henry
estabelecer laços afetivos, estes que foram ao longo de sua vida evitados devido ao trauma causado
pelo suicídio de sua mãe. O Substituto evidencia a poética da profissão extraída de espaços mínimos
como da sala de aula e do apartamento de Henry e de diálogos metafóricos. A narrativa contém a
opacidade discursiva aliada ao uso de imagens que simbolizam sentimentos e estados de consciência
do protagonista, assim, o cinema de poesia revela a “[...] existência de uma personagem central que
domina a narrativa de tal forma que esta parece representar a sua subjetividade” (SAVERGINI,
2004, p. 47).
A figura 8 apresenta a diretora do colégio em que Henry trabalha em um momento de
extrema desolação, pressionada pela secretaria da educação e vendo a escola em ruínas, ela é
obrigada a deixar o cargo e a cena deste fotograma estabelece a relação de dependência em que a
diretora vivia com a profissão. A fusão da cor do traje da personagem à mobília da escola dá a
dimensão, mesmo sem esboçar uma única palavra da condição psicológica em que a diretora se
encontrava e possibilita ao espectador atrelar de forma simples, porém polissêmica os recursos
imagéticos aos semânticos.
A postura de Henry como professor distingue-se dos clichês hollywoodianos em filmes de
professores, em que este tende a representar a condição de mártir ou de heroi (FABRIS, 1999;
DALTON, 2010). Henry não incorpora a imagem de professor missionário, ao contrário, por ser
socialmente inativo, solitário, indiferente e centrado somente em si, o professor demora em
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observar que uma de suas alunas nutre carinho e admiração por sua pessoa.
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Meredith, apaixonada por fotografia, encontra neste hobby um alento para a sua vida
conturbada envolta em humilhações e preconceitos em razão de seu perfil estético. Vítima de
bullying na escola e em casa, Meredith acompanha atentamente as aulas de Henry e projeta nele uma
figura masculina de referência, que diferente dos outros homens com quem interage, a respeita. Na
perspectiva da jovem, as temáticas abordadas pelo professor em sala e a forma respeitosa com que
a trata são suficientes para que a garota vislumbre construir um laço afetivo com a única pessoa
que não a julga. Porém, Henry tão focado na dúvida sobre o seu avô e tão magoado pela perda de
sua mãe, não percebe o impacto de suas ações na vida da aluna. Carente, fragilizada e sozinha pelos
cantos da escola Meredith flagra com as lentes de sua câmera a vida no pátio expressa nos rostos
de alunos e professores.
No ambiente doméstico, Meredith convive com um pai abusivo que além de discriminá-la
por sua aparência, a oprime criticando os projetos de fotografia considerados por ele perda de
tempo. Por meio de suas fotografias a aluna constrói colagens que representam sua percepção
sobre os demais alunos da escola e seus professores. A arte para Meredith representa sua voz, sua
forma de expressar o sentimento de não pertencimento, tanto que suas fotografias (fig.09) em preto
e branco são essencialmente de cenas contemplativas e solitárias de alunos e professores.
As imagens em preto e branco além de simbolizar o olhar de Meredith através das lentes
de sua câmera também corroboram para ganhem maior impacto dramático, atribuindo a elas
um valor mais subjetivo, pautado no ponto de vista da personagem. A figura 10, apresenta um
fotograma de Meredith estendida no chão envolta pelas fotos por ela tiradas, não fica claro para
o espectador se estas imagens correspondem à realidade da jovem ou são oriundas da sua
perturbação interna proveniente do bulling sofrido na escola. A perspectiva desta imagem é
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instigante, uma vez que o registro feito de cima para baixo proporciona uma sensação incômoda
ao espectador, que infere que Meredith está em uma situação inferiorizada ou até mesmo, sem
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vida. Sobre isso, Sijll (2017) afirma que “um plano desorientador age intencionalmente. Se feito
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com cuidado, ele pode exteriorizar o mundo interior da personagem, ou mesmo, ser
premonitório.”(SIJLL, 2017, p. 46). Assim, esta cena do filme acaba justificando o fato de que,
posteriormente, a cena da morte de Meredith esteja reproduzindo quase que fielmente a foto
tirada por ela dias antes.
Essa sensação de vazio de Meredith está simbolizada por suas fotografias, hobby que
medeia sua interpretação da realidade. A aluna vislumbra em Henry sua única forma de interagir
no mundo, assim, projeta no professor uma expectativa de laço afetivo o que é evidenciado com
a colagem intitulada The Faceless Man – O homem sem rosto (fig.11) com a qual o presenteia.
Quando questionada sobre o porquê de tal imagem do professor, a jovem responde que o tem
observado pela escola, sempre triste, sozinho e contemplativo.
Figura 11 – Colagem de Henry feita por Figura 12 – Colagem de Henry feita por
Meredith Meredith
Para a Meredith, o professor era um ser indecifrável, abstruso e ela, por meio de sua arte
foi incapaz de representar de outra forma senão aquela, incompleta. Assim é o cinema, afirma
Pasolini (1981), carecendo de um léxico conceitual e abstrato, cabe ao cinema ser
poderosamente metafórico. Logo, o cinema reflete uma capacidade de apresentar elementos
dignos de interpretação, mas também de abstrair, deixando apenas uma sombra de
possibilidades que caberia ao espectador perceber, identificar e analisar.
Henry simboliza ainda a esperança de conexão de Meredith com o ambiente hostil da
escola. O presente de Meredith representa não só a materialização de sua admiração pelo
professor, como contém também um pedido subjacente de socorro de uma jovem oprimida e
desprotegida. Embora pareça observar que se trata de uma jovem carente e com problemas,
Henry não tem consciência de que suas aulas e a forma com a trata tem despertado o desejo de
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conexão. Diferente de outros filmes sobre professores em que o protagonista assume a missão
de salvar os alunos, Henry não tem esta condição, visto que ele mesmo encontra-se imerso em
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angústias e frustrações, e assim, evita que Meredith não nutra falsas esperanças.
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A frustração de Henry permanece quando seu avô falece na clínica, deixando o professor
na angústia de nunca saber a verdade sobre o abuso de sua mãe. Desestabilizado e acreditando
não ter condições de proteger e cuidar de Érika, o professor aciona o serviço social para que
conduzam a garota a uma casa de acolhimento. O trecho em que Henry comunica Erika de que
ela terá que partir (Figura 12), a presença da câmera é facilmente notada, como se houvesse uma
terceira pessoa fazendo a filmagem, o que, de modo proposital contribui para a subjetividade da
cena. Instável e trêmula, a objetiva oscila dando ao espectador a impressão de que ele também
está no filme. Esta condição, nomeada “subjetiva indireta livre” por Pasolini em 1964, e
característica preponderante do “cinema de poesia”, estabelece uma relação complexa em que
o realizador-autor identifica o seu olhar com o da câmera de filmar, a que imprime formas
estilísticas próprias, como o enquadramento obsessivo, o uso sistemático do zoom, os
enquadramentos e movimentos de câmera pouco usuais, inusitados. (DELEUZE, 1983, 104-
111) Este recurso promove uma imersão do espectador na narrativa e alterna o foco entre
personagem, narrador e autor, estabelecendo assim uma condição muito mais subjetiva.
Depois de várias faltas, Meredith aparece na escola durante uma exposição, ocasião em
que reencontra Henry. Arrependido por não ter dado atenção à garota no dia em que ela o
presenteou, Henry se aproxima da mesa de bolinhos da garota, pergunta o porquê ela sumiu de
suas aulas, a presenteia com um caderno e pede desculpas. Meredith aceita o caderno e oferece
um bolinho ao professor. Minutos depois de comer um bolinho preto, no pátio, em frente a
alunos e professores, Meredith falece por envenenamento. Com este desfecho trágico, Henry
reflete a sua condição e decide buscar Érika na casa de acolhimento para, finalmente, depois de
tantas perdas, reconhecer um laço afetivo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
livre”, o filme aborda de maneira diferenciada a docência e utiliza elementos da poesia para
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5 REFERÊNCIAS
DALTON, Mary. The Hollywood curriculum teachers in the movies. 2.nd. edition. Peter
Lang: New York, 2010.
FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. 9.ed. Trad. Leandro Konder. Rio de Janeiro: Ed.
Guanabara, 2002.
GRAVELLE, Elizabeth L. Reality check. I am not Hilary Swank: how American teacher-
centric commercial films tried and failed to teach me how to be a teacher. Texas Christian
University, 2015.
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PASOLINI, Pier P. Empirismo herege. Trad. Miguel Serras Pereira. Lisboa: Assirio e Alvim,
1981.
SAVERGINI, Erika. Índices de um cinema de Poesia: Pier Paolo Pasolini, Luis Buñuel e
Krysztof Kieslowski. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004.
TARKOVSKI, Andrei A. Esculpir o tempo. Tradução Jefferson L. Camargo. 2.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
TRIER, James D. Using popular ‘School Films’ to engage student teachers in critical
reflection. Annual Meeting of the American Educational Research Association – AERA. New
Orleans, LA. April, p. 24-28, 2000.
TURNER, Graeme. Cinema como prática social. São Paulo: Summus, 1997.
Filmografia:
DETACHMENT. O substituto. Direção Tony Kaye. Distribuição Tribeca Films. EUA, 2012.
97min.
Title
The cinematographic language and the poetic expression in the movie Detachment.
Abstract
This study presents an analysis of movie Detachment (2012) from the understanding of the effects of
the senses promoted by the cinematographic language, which contains elements from the "cinema of
poetry", coined by the Italian filmmaker Pier Paolo Pasolini, and which provides for the use of the
"subjective indirect free" camera as its main feature. The subject of teaching is recurrent in cinema, but
unlike other films, Detachment breaks with the romanticized perspective of the figure of the teacher. In
this way, the dramatic intensity of the narrative is associated with the choices of plans and camera
movements, construction of space and, above all, time, specific aspects to the seventh art. In this work,
the existential conflicts of a teacher indifferent to social bonds and to the profession make the personal
drama responsible for the high emotive density of narrative. Based on the analysis of some
cinematographic elements, this study sought to analyze how poetry is present in this work and how it
contributed to ramify the construction of the senses and present a new form of interpretation to the
viewer.
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