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DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: DIREITO AO ESQUECIMENTO E A

LIBERDADE DE IMPRENSA

RESUMO
O Direito ao esquecimento é um tema relativamente novo no Brasil e no mundo.
Ainda não positivado no ordenamento brasileiro tem ganhado espaço nos tribunais. Trata-se
de aplicação tutelar do fundamento constitucional Dignidade da Pessoa Humana. De outro
lado, a Liberdade de Impressa, prevista no Artigo 220 da Constituição Federal, que descreve
sobre impossibilidade de criação de lei que constitua embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. Os dois institutos têm
incorrido em conflito, constituindo-se, assim, a seguinte questão: O direito ao esquecimento
configura tutela da dignidade da pessoa humana infringindo a liberdade de imprensa? A
contemporaneidade exige do jurisdicionado uma hermenêutica aprofundada das situações
emergentes que confrontam a instituição de direitos fundamentais gerados por princípios e o
conflito entre eles.

Palavras-Chave: dignidade da pessoa humana; liberdade de imprensa; direito ao


esquecimento.

1. INTRODUÇÃO
O Direito como matéria fundamental para a pacificação social se dirige a todos os
homens, leigos ou cultos, independentemente de classe social, econômica, cor, raça ou etnia.
Disto resulta-se que de seu caráter democrático, as Teorias Constitucionais do bem jurídico
civil tem grande importância por fortalecer a cultura de estudar e aplicar o Direito Civil em
consonância com a Constituição, preservando a dignidade humana.
Este princípio se desdobra abarcando também a intimidade, privacidade a honra e a
imagem. Com transcorrer do tempo estes princípios se adequam às novas demandas da
sociedade, exigindo dos órgãos jurisdicionais uma interpretação sistemática e histórica de
cada caso em concreto. O direito à liberdade de imprensa passa a encontrar limites quando
fere o bem tutelado pelo Estado.
O presente estudo tem por objetivo aclarar conceitos de mais um direito alcançado
pelo princípio da dignidade da pessoa humana, trata-se do Direito de ser esquecido que se
contrapõem ao direito de Liberdade de imprensa, e também apresentar os julgados recentes e
tendências sobre o tema no mundo.

2. METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho será utilizado o método dedutivo para pesquisa, com
importantes referências bibliográficas, artigos e publicações baseados em princípios
normativos da Constituição Federal e do Código Civil. Pretende-se o esclarecimento do
fortalecimento da cultura, estudo e aplicação das jurisprudência e decisões dos tribunais
projetado à luz da Constituição, interligando a teoria com a prática em casos de direito ao
esquecimento e a liberdade de imprensa. Com isso a necessidade de entender a estrutura
jurídica para depois poder compreender a intervenção do Estado em razão de cada caso
específico, analisando os requisitos, simultaneamente, focando no princípio da dignidade da
pessoa humana e a liberdade de informação jornalística.

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana


A dignidade da pessoa humana consiste em um valor recorrente que acompanha a
consciência e o sentimento de bem-estar de todos, sendo o Estado responsável por garantir ao
seu povo direitos suficientes para desfrutar de seus dias com dignidade (ELPIDIO, 2012).
O princípio da Dignidade da Pessoa Humana emergiu após longos anos de opressão,
guerras, cerceamento de direito, após muita luta. A nova Constituição Federal de 1988, trouxe
os brasileiros e estrangeiros que vivem no país como centro e referencial, sendo o seu cuidado
a razão de ser do Estado brasileiro (PAULO, ALEXANDRINO, 2017).
A Constituição Federal (CF/88) é o documento que determina a diretriz de todo o
ordenamento jurídico brasileiro, nela consta em seu Art. 1º que princípio ora citado se refere a
um fundamento, sou seja, aquilo que permite a base e sustentação de seu próprio arcabouço e,
também, das demais legislações que a observam. O referido artigo descreve que: “A
República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...) III – a dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988).
Desse princípio decorrem direitos como o direito à vida, à intimidade, à honra e à
imagem, descritos também na CF/88, Art. V, inciso X, a saber: “são invioláveis a intimidade,
a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL,1988).
Assim, o Estado se compromete a defender o que é íntimo e pessoal do indivíduo.
Nesse sentido, como reforço deste ordenamento, o Código Civil (BRASIL, 2002), elucida que
o direito da personalidade se compõe pelo direito ao nome, direito ao corpo, direito à honra,
direito à imagem e direito à privacidade, sendo descrito no artigo 20 e 21 algumas
peculiaridades que contribuem e completam o direito da dignidade da pessoa humana, a saber:
“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça
ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão
da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
[...]
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a
requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para
impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma” (BRASIL,2002).

O legislador, para garantir que a norma cause impacto na vida do indivíduo, descreve
de maneira coercitiva a possibilidade de pagamento de indenização à pessoa que sofre com o
descumprimento da lei por terceiros. O dano moral e material apresentam-se como a forma
que o Estado encontrou de proteger as pessoas, pode-se dizer, então, que existe a tutela
jurisdicional do direito a dignidade da pessoa humana e outros dele decorrente, incluindo
nessa afirmativa o direito à privacidade e a intimidade.
Reforça-se ainda que a condenação por dano moral não exige a incidência de ofensa à
reputação do indivíduo, sendo que a simples publicação não consentida gera o direito a
indenização, independentemente de ocorrência de ofensa à reputação da pessoa (PAULO E
ALEXANDRINO, 2017).
Dessa forma, entende-se que o Estado brasileiro possui normas jurídicas abrangentes e
específicas que trazem como centro a pessoa humana e tutela por sua dignidade impondo
sanções para quem não a observa.

3.2 O Direito de ser esquecido


Parece um tanto estranho falar em direito de ser esquecido em tempos em que as
pessoas adquiriram o hábito de participar das redes sociais, postar fotos de onde estão, para
onde vão, dos seus relacionamentos e até das comidas que consomem no dia a dia. A
exposição da vida das pessoas no século XXI, em decorrência da revolução Tecno-científico 1
juntamente com as redes sociais, transformaram-se em protagonistas na era contemporânea.
Com incentivo e publicidades de grandes empresas que visam principalmente lucro, o
indivíduo é levado a cometer excessos, colocando a privacidade e a intimidade em segundo
plano.

1
Também chamada de Terceira Revolução Industrial, ocorrida em meados do século XX no período pós-
segunda guerra mundial. Disponível em https://conhecimentocientifico.r7.com/como-a-terceira-revolucao-
industrial-mudou-o-mundo-e-as-relacoes-humanas/. Acessado em 25 de set 2019.
Apesar desse movimento exibicionista, algumas pessoas ainda se reservam no direito
de terem os fatos de sua vida preservados incorrendo, então, no direito ao esquecimento.
Ainda sem um conceito universalmente definido, no Brasil é tratado como um direito
material, não estando positivado em norma jurídica própria.
O direito de ser esquecido “é aquele direito das pessoas físicas de fazer que a
informação sobre elas seja borrada depois de um período de tempo
determinado”(TERWANGNE, 2012, p.54), existe outro conceito que enfatiza que esse direito
impede o sofrimento de uma pessoa por não trazer a luz fatos anteriormente ocorridos e
finalizados, sendo: “o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que
verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral,
causando-lhe sofrimento ou transtornos (CAVALCANTE, 2014).
Para esse trabalho, entende-se o direito de ser esquecido como: direito de uma pessoa
de não ser exposto à sociedade por atos finalizados em sua vida pessoal, nem de ser obrigado
a revisitar o passado por fato ocorrido.
O direito, ora exposto, no Brasil advém do princípio da dignidade da pessoa humana
corolário do direito a intimidade e a privacidade e tem ganhado a mesma proteção pelas cortes
superiores brasileiras.
Assim, a contemporaneidade exige dos legisladores e jurista a análise e interpretação
de diretos que emergem em decorrência da evolução histórica. O direito de ser esquecido
representa a necessidade de um novo olhar mais apurado sobre a amplitude de aplicação do
princípio da dignidade da pessoa humana em face do excesso de exposição em alguns
momentos realizada pelo próprio indivíduo, em outros pelos veículos de comunicação.

3.3 A liberdade de imprensa e seus limites


Dona do Capítulo V, Título VIII da CF/88 a Comunicação Social disciplinada pela lei
traz no Artigo 220 a garantia de liberdade de expressão, descrevendo que “A manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo
não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
A liberdade de imprensa traduz-se no poder de um indivíduo (pessoa física ou
jurídica) de transferir, disponibilizar e dar acesso às informações, muitas vezes em forma de
notícia, para a sociedade sem a interferência ou censura do Estado.
De acordo com Silva (2019),
o conhecimento dos fatos, de acontecimentos, de situações de interesse geral
e particular que implica, do ponto de vista jurídico, duas direções: a do
direito de informar e a do direito de ser informado. O mesmo é dizer que a
liberdade de informação compreende a liberdade de informar e a liberdade
de ser informado (p.218).

Pensando no século XXI, com o amadurecimento da democracia e estabilidade


constitucional, essa liberdade precisa ser entendida vislumbrando três vertentes, a de quem
fala, aquela sobre quem se fala, e outra, a de quem ouve, ou seja, o respeito ao direito de
quem fala de poder se expressar sem ser tolhido, o direito daquele sobre o qual o assunto se
refere de ter sua intimidade preservada e o direito de receber informação a qual o cidadão
também possui.
Os princípios e regras descritos no texto constitucional precisam ser alinhados para
trazer coerência e harmonia em suas aplicações, assim entende-se que esses normativos não
são absolutos, o que impossibilita a aplicação de um e a negação da existência de outro.
Assim, o fundamento de dignidade da pessoa humana art.1º,III e art. 5º, X, direito a
intimidade, privacidade, honra e imagem, descritos anteriormente, devem ser analisados
conjuntamente ao da liberdade de expressão, art. 5, incisos IV, IX, acesso a informação art.
5º, V, XIV, direito de resposta.
Em 2015 o Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação de Recurso Extraordinário
833248RG, colocou fim ao debate acerca da “harmonização dos princípios constitucionais da
liberdade de expressão e do direito à informação com aqueles que protegem a dignidade da
pessoa humana e a inviolabilidade da honra e da intimidade” decidiu pela natureza
constitucional e repercussão geral (BRASIL, 2018, p.34).
Dessa forma, os indivíduos, os profissionais da comunicação e da mídia de forma
geral encontram limite de expor fatos e atos da vida pessoal de alguém nos princípios e
direitos fundamentais os quais o Estado tutela pela privacidade e intimidade da pessoa, a fim
de proteger sua dignidade.

3.4 O direito de ser esquecido e a liberdade de imprensa nos julgados recentes.


A dicotomia esquecer e publicizar vem sendo cada vez mais discutida pelo mundo, um
dos primeiros casos em que um país começou a reconhecer tal direito foi o caso Lebach I -
Soldatenmord von Lebach, julgado no Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, em
1973, no qual decidiu que “a exibição de documentário sobre crime notório fere o direito de
personalidade do condenado quando, além de não haver significativo e atual interesse público
na informação, ante o transcurso de tempo desde os fatos, comprometer a ressocialização do
indivíduo” (BRASIL, 2018, p.33).
Percebe-se que o tema é relativamente recente no mundo, de acordo com o Boletim de
Jurisprudência Internacional, elaborado pelo Supremo Tribunal Federal, o poder judiciário da
União Europeia, Áustria, Bélgica, Colômbia, Espanha, França, Itália, Holanda, Israel, Japão,
Inglaterra, País de Gales e Turquia já se manifestaram a respeito do tema, sendo a grande
maioria das decisões emitidas após o ano 2000.
Em 2016, o Japão determinou na Suprema Corte que a “remoção da informação de
mecanismo de busca na internet apenas pode ser exigida quando a proteção da privacidade
supera claramente o interesse público em sua divulgação on-line” (BRASIL, 2018, p.34).
No Brasil, o tema tem ganhado destaque nas discussões criminais, a VI Jornada de
Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, no Enunciado 531, em 2013, trouxe que:
O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das
condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-
detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou
reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir
o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a
finalidade com que são lembrados (ENUNCIADOS, 2013, p.1).

Em 2018 a Corte Suprema de Cassação da Itália entendeu que a pessoa deve ser
consultada quanto a publicação de vídeos que não tenham relevância para a sociedade:
Os indivíduos, inclusive as celebridades, têm direito de impedir a
transmissão de vídeos em que sua imagem é exibida, mas que não são
relevantes para o debate público, tampouco justificados por razões de justiça,
segurança pública, proteção de direitos ou liberdades de terceiros ou por
interesse científico, cultural ou educacional (BRASIL, 2018, p.35).

Quanto a essa vertente, alguns juristas brasileiros, dez anos antes da decisão da Corte
Suprema de Cassação da Itália, já se manifestavam sobre os casos de pessoas públicas e
conhecidas nacionalmente, o entendimento decorre de Mendes, Coelho e Branco (2007) que
asseveram:  
Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público
em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais
verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que
precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados
ao público os fatos que o levaram à penitenciária (p.374).

Verifica-se, então, que existe uma a tendência mundial de que as decisões judiciais
protejam proteger a privacidade das pessoas em detrimento da liberdade exacerbada da
impressa.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se, diante do exposto, que a mudança na cultura no decurso do tempo conduz
a ampliações de direitos que merecem dos juristas e da sociedade uma análise aprofundada
sobre o respeito à dignidade das pessoas. O Direito ao esquecimento torna-se uma ferramenta
de proteção para que os indivíduos continuem suas jornadas sem cerceamentos e medos do
que podem encontrar nos meios de comunicação sobre suas vidas. O papel do Estado, para
garantir o bem-estar do indivíduo, torna-se imprescindível nessa época em que a comunicação
ocorre em tempo real, sendo compreensível que junto com a atividade tutelar a tendência
mundial seja a possibilidade do indivíduo, em assuntos sem relevância social, optar por ser
esquecido.
5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Constitucional


Descomplicado. 17ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2017.

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da


União, Brasília, DF, 2002.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2018). Boletim de Jurisprudência


Internacional. Direito ao Esquecimento. Disponível em
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaInternacional/anexo/BJI5DIREITO
AOESQUECIMENTO.pdf , acessado em 30/09/2019.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais julgados do STF e do STJ


comentados. Manaus: Dizer o Direito, 2014.

ELPIDIO, Donizetti (2012). Princípio da dignidade da pessoa humana (art. 6º do


projeto do novo cpc). Disponível em
https://elpidiodonizetti.jusbrasil.com.br/artigos/121940203/principio-da-dignidade-
da-pessoa-humana-art-6-do-projeto-do-novo-cpc, acessado em 25/09/2019.

ENUNCIADOS aprovados na VI Jornada de Direito Civil. 2013. Disponível em:


<http:// www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-vi-
jornada/at_download/file>. Acesso em: 30 setembro 2019.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo


Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 374.

SILVA, Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 5ª Edição. São Paulo.
Editora Método, 2019.

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