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CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

CURRÍCULO E METODOLOGIAS
DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Camila Casteliano Pereira


44488

CURRÍCULO E METODOLOGIAS
DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

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CURRÍCULO E METODOLOGIAS
DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Camila Casteliano Pereira

IESDE BRASIL S/A


Curitiba
2016
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© 2016 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem
autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
________________________________________________________________________
P492c

Pereira, Camila Casteliano


Currículo e metodologia na educação do campo / Camila Casteliano Pereira. - 1. ed. -
Curitiba, PR: IESDE BRASIL S/A, 2016.
114 p. : il. ; 21 cm.

ISBN 978-85-387-5421-3

1. Ensino à distância - Brasil. 2. Educação - Brasil. I. Título.

16-29729 CDD: 371.350981


  CDU: 37.018.43
________________________________________________________________________

Capa: IESDE BRASIL S/A.


Imagem da capa: Shutterstock

Todos os direitos reservados.

Produção IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
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Apresentação

Este guia de estudo apresenta uma discussão sobre o currículo e as metodo-


logias da educação do campo e evidencia as possibilidades de se materializar
os princípios da concepção da educação do campo articulada ao contexto que
a concerne. A educação do campo é uma concepção de sociedade que vem se
consolidando a partir da luta e resistência de movimentos sociais do campo e de
entidades que se vinculam a estes movimentos.
Com visibilidade conquistada, as políticas públicas dão amparo para os sujei-
tos escreverem sua própria história, tendo a escola como mais um direito. É com
olhar crítico e problematizador que partilhamos desta disciplina com um foco
nos desafios postos na atual conjuntura, compreendendo as possibilidades para
a efetivação da política pública da educação do campo.
Assim, discutiremos concepções teóricas, algumas experiências, possibilida-
des de organização curricular e os direitos que amparam a opção da comunidade
escolar, tendo em vista a especificidade da realidade. As possibilidades discuti-
das nesta disciplina têm como princípio fundante que o currículo deve incorpo-
rar uma educação crítica, de qualidade, que se vincule à pedagogia socialista e
que vise à formação para a emancipação. Uma educação contra-hegemônica
que entende a educação como possibilidade de transformação.
Bons estudos!

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Sobre a autora

Camila Casteliano Pereira

Mestranda em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Especialista


em Alfabetização pela Faculdade Dom Bosco. Graduada em Pedagogia pela UTP.
Bolsista de mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes). Integrante do Núcleo de Pesquisa em Educação do Campo,
Movimentos Sociais e Práticas Pedagógicas (NUPECAMP) da UTP. Tutora presen-
cial do curso de Pedagogia.

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Sumário

Aula 1 PROPOSTA CURRICULAR – EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO 9


PARTE 1 | CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO PARA TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE 11
PARTE 2 | BREVE HISTÓRICO SOBRE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO DO CAMPO 16
PARTE 3 | ESCOLA, FAMÍLIA E COMUNIDADE NA CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 21

Aula 2 CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 25


PARTE 1 | POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO DO CAMPO 27
PARTE 2 | GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO DO CAMPO 33
CONSTRUÇÃO COLETIVA DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
PARTE 3 |
DAS ESCOLAS DO CAMPO – PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES 37

Aula 3 MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO I 41


PARTE 1 | CURRÍCULO: IDENTIDADE DA ESCOLA E DO SUJEITO DO CAMPO 43
PARTE 2 | CONTEÚDOS E MATRIZES PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 50
PARTE 3 | FORMAÇÃO DE PROFESSORES E CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 56

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Sumário

Aula 4 POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS 61


PARTE 1 | CICLOS DE FORMAÇÃO HUMANA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO 63
PARTE 2 | PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA, ITINERÂNCIA E CASA FAMILIAR RURAL 72
PARTE 3 | AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO DO CAMPO 77

Aula 5 MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO II 81


PARTE 1 | ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NAS ESCOLAS DO CAMPO 83
PARTE 2 | PLANEJAMENTO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO 90
PARTE 3 | INTERDISCIPLINARIDADE X RELAÇÃO TEORIA-PRÁTICA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO 96

Aula 6 EDUCAÇÃO DO CAMPO E O TRABALHO COM CLASSES MULTISSERIADAS 101


PARTE 1 | CLASSES MULTISSERIADAS NO CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO
E A EDUCAÇÃO DO CAMPO 103
PARTE 2 | PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO PARA CLASSES MULTISSERIADAS 107
PARTE 3 | ORGANIZAÇÃO DE UM CURRÍCULO INTEGRADO 111

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Aula 1

PROPOSTA CURRICULAR –
EDUCAÇÃO DO CAMPO
EM CONSTRUÇÃO
Objetivo:

Refletir sobre a concepção de


educação para a transformação da
sociedade, um breve histórico sobre o
currículo e educação do campo e relação
escola-família-comunidade
na construção desse currículo.

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PROPOSTA CURRICULAR –
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO
CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO PARA TRANSFORMAÇÃO
DA SOCIEDADE
O debate sobre a questão educacional no Brasil atingiu um mo-
mento crucial. Nos últimos 15 anos, o acesso à educação foi ampliado
consideravelmente, especialmente ao ensino superior. A atual presi-
dente, Dilma Roussef, tomou posse de seu cargo com o slogan Pátria
Educadora. O Plano Nacional de Educação entrou em vigor após inten-
sos debates e muitos programas governamentais foram criados em prol
da educação, como FIES, PROUNI, PRONERA, PRONATEC e Caminhos da
Escola.
Porém, uma vez que os problemas de ordem imediata, como ofer-
ta de vagas e acesso à escola, passam a ser atacados com mais ênfase
por parte das esferas governamentais, questões não tão evidentes –
mas não menos importantes – passam a entrar na pauta dos educa-
dores do país, tais como: “Qual a intencionalidade da nossa prática
pedagógica?”, “Que sujeitos pretendemos formar?” ou “Pretendemos
formar sujeitos?”
Nos últimos anos, nota-se um aumento gradativo da inserção da
iniciativa privada no sistema de ensino brasileiro. O projeto “Todos
pela Educação” – uma parceria do Governo Federal com grandes gru-
pos financeiros como o Itaú – propõe um suporte da iniciativa privada
à educação pública no Brasil. O último grande montante de verbas
federais para a educação – 10 bilhões de reais – teve 50% do seu
valor destinado ao FIES, ou seja, à iniciativa privada. Só para se ter
uma ideia, um dos maiores grupos privados ligado à educação, o grupo
Anhanguera, tem no Brasil mais de 1 milhão de alunos.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 11


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1 PROPOSTA CURRICULAR –
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO
Mas qual seria o problema de grandes empresas investirem na
educação, frente às dificuldades que o Estado sempre enfrentou neste
setor? Não seria justo que o setor privado retornasse parte de seus
lucros em benfeitorias à sociedade? Certamente que sim. O problema
é que empresas privadas sobrevivem da maior margem de lucro que
possam obter em suas transações. No capitalismo globalizado e com-
petitivo as grandes empresas que não procuram expandir suas áreas de
interesse e, consequentemente, de lucro, são rapidamente absorvidas
pelas rivais. Não existe altruísmo por parte dos grandes grupos econô-
micos quando estes investem na educação do Brasil. Existe interesse
em formar mão de obra qualificada para suprir as necessidades da in-
dústria nos grandes centros urbanos e abrir espaço para o agronegócio
no campo, por meio do esvaziamento das comunidades localizadas nas
vastas áreas rurais do país.
Esses objetivos ficam muito claros ao observarmos as recentes
propostas e programas do Governo Federal para a educação no Brasil.
No início do ano, a Secretaria de Assuntos Estratégicos, capitaneada
pelo ministro Mangabeira Unger, publicou um documento encomen-
dado pela própria presidenta, intitulado Pátria Educadora, que pro-
punha, entre outros itens, a padronização nacional das avaliações de
alunos e das cartilhas (isto num país de 200 milhões de habitantes
divididos em centenas, talvez milhares de povos e culturas), metas
para professores e diretores, segregação de alunos entre melhores e
piores, bonificação para educadores que cumpram metas, financia-
mento privado da educação pública, terceirização de educadores etc.
Além do conteúdo claramente privatista, esse documento anularia o
recém-aprovado Plano Nacional de Educação.

12 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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PROPOSTA CURRICULAR –
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO
Evidentemente que o projeto Pátria Educadora foi duramente
combatido pelos grandes pensadores da educação do país. Mas, perce-
bem-se tentativas sorrateiras por parte do poder Legislativo de vali-
dar tal documento de forma fragmentada, como o projeto Escola Sem
Partido, que tramita na Câmara dos Deputados, o projeto Adote uma
Escola, proposto na Assembleia Legislativa do Paraná e a tentativa de
criminalização por parte da Secretaria Estadual de Educação do Mato
Grosso do Sul, das escolas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais Sem Terra.
Fica evidente que o rumo da educação pública no Brasil está in-
timamente ligado às políticas econômicas adotadas pelas esferas go-
vernamentais, ou seja, a educação é parte fundamental do projeto de
sociedade pensado pelo Governo Federal. Infelizmente, nesse projeto
de sociedade centrado na balança comercial, não cabe a formação
de sujeitos conscientes de sua identidade e das contradições do meio
em que vivem, mas sim, a preparação de cidadãos para darem conta
das exigências das matrizes de produção e energéticas adotadas pelo
Governo Federal.
É justamente a esse projeto de homogeneização da sociedade,
com foco no individualismo e na competitividade, que a concepção
de educação do campo se contrapõe, ao propor uma pedagogia que
vai além do espaço escolar e envolve toda a comunidade. Reforçando
a identidade dos sujeitos, valorizando as relações de trabalho da co-
munidade e expandindo o ensino para todo o meio de convivência dos
alunos, a educação do campo procura não só formar sujeitos capazes
de atuar de maneira consciente na sociedade, mas também capazes de
fazer suas escolhas de maneira consciente.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 13


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1 PROPOSTA CURRICULAR –
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO

Extra
Para compreender melhor a discussão acerca deste assunto, as-
sista ao vídeo: Pedagogia da Alternância: trabalho, estudo e liberda-
de, que contribuirá para o aprofundamento da concepção de educa-
ção para transformação da sociedade, disponível em: <www.youtube.
com/watch?v=RuO7nh-HxqM>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
O acesso à educação e a melhoria na qualidade da educação são
pautas nas lutas de mobilização popular há muitas gerações no nosso
país. De acordo com o texto, nos últimos 15 anos foram feitos inves-
timentos significativos na área da educação e muitas carências deste
setor foram superadas. Mas, mesmo assim, membros da comunidade
acadêmica e os movimentos sociais acirraram suas críticas em relação
à condução da educação no Brasil. Diante desse quadro contraditório
aponte, de acordo com o texto, a(as) alternativa(as) correta(as).
I. A mercantilização da educação pública por meio da inserção
em massa da iniciativa privada tem como objetivo colocar
em prática uma pedagogia que permitia a emancipação dos
sujeitos formando cidadãos contestadores e conscientes das
contradições do sistema no qual estão inseridos.
II. A educação tem papel secundário no projeto de nação do
Governo Federal, e a abertura desta para o empresariado
evidencia esse fato.

14 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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PROPOSTA CURRICULAR –
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO
III. O projeto Patria Educadora e o programa Todos pela Educação
evidenciam as intenções do Governo Federal de garantir, por
meio da educação pública, mão de obra qualificada para su-
prir as demandas das matrizes produtivas adotadas no país.
a) I e II estão corretas.
b) III está correta.
c) I e III estão corretas.
d) II e III estão corretas.

Referências
Caldart, Roseli S. O MST e a escola: concepção de educasção e matriz formativa. In:
Boletim da Educação. n. 12. São Paulo: MST, 2014.

______. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

Resolução da atividade

Apenas a III está correta, pois certamente as empresas que par-


ticipam do processo de mercantilização da educação pública no país
visam os seus interesses e não a emancipação dos sujeitos pelo Brasil
afora, e sendo essa mercantilização parte fundamental do projeto do
Governo Federal (adotado como slogan do atual governo) não está em
segundo plano, mas à frente do projeto de sociedade da nação.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 15


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2 PROPOSTA CURRICULAR –
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO

BREVE HISTÓRICO SOBRE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO


DO CAMPO
A educação do campo é fruto de um processo de luta e, sendo a
educação uma das principais ferramentas de emancipação ou aliena-
ção dos sujeitos, está inserida em um ambiente palco de constante
disputa: a escola pública no campo.
Historicamente, os povos do campo no Brasil sempre foram vistos
como inferiores. Os sujeitos do campo – caboclo, indígena, quilombo-
la, ribeirinho e tantos outros – são ainda hoje, para muitas pessoas,
sinônimo de atraso cultural. Essa ideia foi reforçada ao longo de nossa
história não apenas pela criação de estereótipos – como o Jeca Tatu,
de Monteiro Lobato – mas principalmente por meio da educação públi-
ca pensada para as áreas rurais brasileiras que nunca teve a intenção
de emancipar estes sujeitos.
Apesar de a educação estar presente nas constituições brasileiras
desde 1824, as escolas localizadas no campo recebiam bases curricula-
res que em quase nada se identificavam com a realidade dos alunos, e
entendiam o sujeito do campo como carente e ignorante. “A educação
se desenvolvia com o objetivo de proteção e assistência ao campo-
nês.” (Paraná, 2006, p. 17).
No início da década de 1980, quando a educação do campo co-
meça a ser formulada e colocada em prática nos acampamentos e
assentamentos das áreas de reforma agrária, em especial nos espaços
do MST, o currículo das escolas localizadas no campo se torna protago-
nista no debate a respeito da educação pública do campo e na disputa
pelo espaço escolar, já que é no currículo que se projeta a intencio-
nalidade da ação educativa, que deixa de ser mera instrução através

16 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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PROPOSTA CURRICULAR –
2

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO
da perspectiva da educação bancária, para se tornar uma busca por
emancipação dentro da concepção da educação do campo.
O currículo da educação do campo deve não só partir da realidade
em que o educando está inserido, mas valorizar e problematizar esta
realidade. Partindo dessa perspectiva, devem-se abordar as relações
sociais e atividades produtivas da comunidade em que a escola está
inserida e como estas dialogam com a amplitude de relações externas,
locais, nacionais e globais. A educação do campo não nega e/ou dimi-
nui a importância do conhecimento científico e teórico construído pela
humanidade, mas exige a valorização dos saberes e das identidades
locais, e que estes se tornem – no currículo e na metodologia – o ponto
de partida para o diálogo com o mundo. Como aponta Caldart:
Nessa direção é que consideramos fundamental o vín-
culo da escola com processos vivos (de trabalho, de
cultura, de luta social) porque a materialidade e as
contradições presentes nas questões da vida real po-
dem ajudar a superar falsos dilemas do ponto de vista
do nosso projeto formativo maior. E por isso é que não
consideramos suficiente que a relação entre prática e
teoria se reduza na escola a conversas sobre práticas
realizadas ou projetadas para fora dela, em outro tem-
po, outros espaços. (CALDART, 2010 p. 108)

Durante a década de 1990, importantes passos foram dados na


luta pela educação do campo com o acirramento da luta pela terra
e o crescimento do MST, que em sua expansão levava consigo suas
escolas, educandos e educadores e suas demandas por uma educação
camponesa, forjada e pensada pelos camponeses. A base curricular é
um dos principais campos de disputa, já que passa a ser pensada com

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 17


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2 PROPOSTA CURRICULAR –
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO
o intuito de trazer a tona as contradições sociais que historicamente
marginalizam os sujeitos do campo.
Em 1996, com a aprovação da LDB, uma importante vitória é con-
quistada. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96,
em seu artigo 28, reconhece o direito universal à educação e contem-
pla as especificidades dos povos do campo:
Na oferta da educação básica para a população rural,
os sistemas de ensino proverão as adaptações necessá-
rias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e
de cada região, especialmente: I – conteúdos curricu-
lares e metodologia apropriadas às reais necessidades
e interesses dos alunos da zona rural. (BRASIL, 1996).

Em 2006, a Secretaria de Educação do Estado do Paraná publica


as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo, propondo 4 eixos
temáticos a serem trabalhados. De acordo com o documento, os eixos
temáticos “são entendidos neste texto como problemáticas centrais a
serem focalizadas nos conteúdos escolares.” E são os seguintes: tra-
balho – divisão social e territorial; cultura e identidade; interdepen-
dência campo-cidade, questão agrária e desenvolvimento sustentável;
organização política, movimentos sociais e cidadania.
Esses eixos temáticos possibilitam abordar conteúdos que proble-
matizam dialeticamente a realidade dos alunos frente à sociedade.
Permitem, também, a construção de um currículo com intencionalida-
de pedagógica voltada para os interesses dos camponeses.
A base curricular das escolas do campo deve ter este objetivo,
permitir a formação de sujeitos conscientes das contradições em que
estão inseridos e dispostos a dar continuidade a emancipação dos po-
vos do campo.

18 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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PROPOSTA CURRICULAR –
2

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO
Extra
Para aprofundar conhecimentos sobre o breve histórico em rela-
ção ao currículo e a educação do campo, assista ao vídeo Escola cur-
rículo e mudança, do professor Miguel Arroyo, disponível em: <www.
youtube.com/watch?v=S8n3hxG9HxE>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
A educação do campo demanda a construção de um currículo dife-
renciado que privilegie as especificidades e identidades locais. Alguns
passos importantes foram dados nesta direção ao longo da década de
1990 e no início do século XXI, como a LDB de 1996 e as Diretrizes
Curriculares da Educação do Campo no Paraná, em 2006. Tendo como
base a trajetória do currículo na educação do campo proposta pelo
texto anterior, assinale a alternativa correta.
a) Para alcançar o projeto de sociedade proposto pela educação
do campo é necessário que se crie uma base curricular co-
mum à todas as escolas do país.
b) O currículo adotado por materiais didáticos das áreas urbanas
são ideias para as escolas do campo, pois trazem a realidade
e a identidade urbana para comunidades isoladas e que ainda
não conhecem o progresso.
c) A valorização do sujeito do campo é foco de políticas públicas
durante toda a história do Brasil, criando uma aura de supe-
rioridade deste em relação ao sujeito urbano.
d) Os eixos temáticos no currículo das escolas do campo devem
abordar os chamados temas geradores, ligados à realidade
dos alunos e que valorizem sua identidade.
CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 19
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2 PROPOSTA CURRICULAR –
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO
Referências
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996.

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação do Campo, Governo do Paraná,


Curitiba, 2006.

Caldart, Roseli S. O MST e a escola: concepção de educasção e matriz formativa. In:


Boletim da Educação. n. 12. São Paulo: MST, 2014.

______. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

Resolução da atividade

Sendo um projeto de sociedade, a educação do campo exige que


o espaço de formação dos alunos se estenda para muito além do am-
biente escolar e questione a comunidade em relação a que tipo de su-
jeitos se pretende formar. Dessa forma, o currículo precisa problema-
tizar a realidade dos alunos e valorizar a cultura e a identidade local.

20 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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PROPOSTA CURRICULAR –
3

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO
ESCOLA, FAMÍLIA E COMUNIDADE NA CONSTRUÇÃO
DO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
O currículo só se torna ferramenta fundamental da educação
emancipadora quando traz a problematização da realidade. Dessa for-
ma, não pode se limitar a teorias abstratas e conteúdos sem conexão
com a realidade dos educandos. Na concepção de educação do campo
o espaço educativo vai além da escola, se estendendo por todo o am-
biente de convivência do educando, já que é justamente a sua existên-
cia como sujeito social o objeto dessa educação. Portanto, o currículo
deve estar diretamente ligado às relações sociais e produtivas da co-
munidade em que a escola está inserida.
Nessa perspectiva, ocorre a descentralização da educação em re-
lação à escola, abrindo espaço para que outros ambientes formativos
sejam considerados no processo educativo. A escola se mantém como
espaço de debate e sintetização do conhecimento, assim como nú-
cleo aglutinador da comunidade, que se ocupa do ambiente escolar
também para fazer formação política, festividades, assembleias co-
munitárias etc. Enquanto o processo educativo ocupa o espaço da co-
munidade, a comunidade ocupa o espaço escolar. Caldart observa que
“descentrar a educação da escola é para nós, pois, pressuposto para
pensar a própria escola, especialmente se visamos a sua transforma-
ção”. (CALDART, 2010).
Ao passo que a comunidade e a escola comungam desta ação
dialética, problematiza-se a intencionalidade pedagógica envolvida
nessa relação. O Projeto Político Pedagógico e a base curricular de-
vem expressar esta intencionalidade, devem demonstrar o propósito

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 21


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3 PROPOSTA CURRICULAR –
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO
dessa educação: Que sujeitos se pretende formar? Que sociedade se
pretende construir? Se a escola se isola e não traz ou não permite a
participação das famílias que compõem a comunidade na construção
desse processo, não existe a educação libertadora. São as famílias que
protagonizam as relações culturais e de trabalho dentro da comuni-
dade, o espaço onde essas relações ocorrem e a forma como ocorrem
caracterizam a comunidade e formam sua identidade. Por isso a edu-
cação do campo exige que o processo educativo se estenda para todo
o ambiente da comunidade e além, pois o cotidiano familiar e comuni-
tário, as relações interpessoais e de trabalho, serão o ponto de partida
para a problematização dos conhecimentos gerais. Daí a importância
da elaboração coletiva da base curricular, envolvendo as famílias.
Assim como apenas os membros de uma determinada comunidade
têm propriedade para expor seus dilemas e demandas, apenas os mem-
bros de uma determinada família são capazes de expor seus desafios
particulares perante a comunidade. Dessa forma, a educação do cam-
po coloca a educação, o trabalho, a cultura e a mobilização popular
como partes integrantes de um só movimento, em vez de fragmentar
a realidade como faz a educação bancária tradicional. Entende-se que
esta fragmentação dos processos sociais também é uma ferramenta de
alienação dos sujeitos, como aponta Caldart:
Esta falsa separação tem levado a fragmentar a refle-
xão e o trabalho pedagógico, especialmente dos edu-
cadores das escola (em outra visão não seria admissí-
vel pensar que a tarefa do professor possa se reduzir à
transmissão de conteúdos de ensino). Todos os espaços
com finalidades educativas realizam a totalidade do
processo de educação, ainda que nem sempre de forma
explícita e consciente. (CALDART, 2010)

22 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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PROPOSTA CURRICULAR –
3

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO
Portanto, a educação do campo, por ser emancipadora, deman-
da o recuo da fragmentação dos processos sociais. É preciso que as
relações comunitárias sejam vistas como inerentes umas as outras. E
a construção do currículo escolar que irá direcionar a formação dos
sujeitos da comunidade precisa envolver a todos e trazer em sua con-
cepção elementos do cotidiano de todas as famílias e das inter-rela-
ções entre elas, que formam o cotidiano da comunidade. A relação
comunidade-escola se torna, então, um “termômetro” da qualidade
da educação da comunidade, como apontou Pistrak:
Se a população estima, ama sua escola, sua institui-
ção infantil, é porque a instituição está à altura de sua
tarefa social; caso contrário, temos a prova de que o
trabalho da instituição está mal organizado pedagogi-
camente. (PISTRAK, 1924)

Assim pode-se concluir que no paradigma da educação do campo


a educação transcede o ensino, a aprendizagem. Educação é sinônimo
de formação humana integral e, dessa forma, escola, família e comu-
nidade se tornam espaços formativos integrados e interdependentes.

Extras
Para aprofundar as reflexões expostas, assista ao vídeo 10 anos
das Escolas Itinerantes do Paraná, disponível em: <www.youtube.
com/watch?v=R0NCVGDPDyk>. Acesso em: 14 jan. 2016.
Além disso, leia o artigo Escola do Trabalho uma Pedagogia
Social: uma Leitura de M. M. Pistrak, escrito por Eliseu Santana sob a
orientação de André Paulo Castanha, para a revista Educere at Educere
em 2006, disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/
educereeteducare/article/view/1008/860>. Acesso em: 14 jan. 2016.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 23


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3 PROPOSTA CURRICULAR –
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM CONSTRUÇÃO

Atividade
De acordo com o texto, assinale a alternativa correta.
a) A fragmentação dos processos sociais (relações familiares,
relações de trabalho, educação) é fundamental na concepção
de educação do campo, pois reforça a ideia de que a educa-
ção deve se limitar ao espaço escolar.
b) A base curricular deve dar ênfase ao conhecimento abstrato e
teórico proposto pelos materiais didáticos tradicionais e evi-
tar a relação do aprendizado com a realidade dos educandos.
c) O currículo deve contemplar as especificidades familiares e
comunitárias para formar sujeitos que valorizem sua identi-
dade e estejam conscientes de seu papel na sociedade.
d) À comunidade e às famílias cabe o papel de observadores
passivos que aceitam, sem contestação, as decisões de peda-
gogos e professores.

Referências
Pistrak, Moisey Mikhaylovich. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo:
Expressão Popular, 2000.
Caldart, Roseli S. O MST e a escola: concepção de educação e matriz formativa. In:
Boletim da Educação. n. 12. São Paulo: MST, 2014.
______. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

Resolução da atividade
É necessário que o currículo contemple a identidade e a cultura
da comunidade para que, partindo de si, o educando problematize os
conteúdos gerais e perceba as contradições do sistema no qual está
inserido, empoderando-se para transformá-lo.

24 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Aula 2

CURRÍCULO DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO
Objetivo:

Discutir sobre as políticas públicas e


a educação do campo, a gestão escolar na
educação do campo e a construção
coletiva de seu
projeto político pedagógico.

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CURRÍCULO DA
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO DO CAMPO
Assim como a própria concepção de educação do campo, as po-
líticas públicas que contemplam este projeto societário são frutos da
luta dos movimentos sociais do campo e educadores afins pela conso-
lidação dos direitos constitucionais a eles atribuídos, em especial, o
direito à educação.
Durante a primeira metade do século XX, houve a preocupação
por parte do governo em frear o êxodo rural fixando o camponês na
terra e garantindo a ocupação das novas fronteiras agrícolas. Escolas
foram abertas nas áreas rurais e o processo educativo foi vinculado ao
movimento ruralismo pedagógico, que, apesar da preocupação em
fixar o homem à terra, promovia uma educação tecnicista e não en-
xergava o campo e seus sujeitos como produtores de cultura e conhe-
cimento. De acordo com Souza “a preocupação no cenário de 1930,
no contexto do ruralismo pedagógico, era com a superação do atraso
cultural da população e ênfase nas técnicas para o trabalho agrícola.”
(SOUZA, 2015, p. 5)
A preocupação em adequar o campesinato às modernas técnicas
agrícolas de produção, domina a educação para o campo durante as
décadas de 1940 e 1950. Com a massiva mecanização da agricultura
nas décadas de 1960 e 1970, se inicia o processo de “sucateamento”
da educação no meio rural aliado à chamada educação rural, também
de viés tecnicista e de exaltação dos valores urbanos. Ou seja, fecha-
mento massivo de escolas localizadas no campo e educação rural nas
que se mantinham abertas. O objetivo era – e ainda é até hoje – a ex-
pulsão do camponês de sua terra e a abertura de espaço para o avanço
do agronegócio.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 27


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1 CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
A partir da década de 1980, com a gradual abertura política e o
retorno das mobilizações em massa de camponeses para reivindicar
seus direitos, especialmente com a criação do MST, uma educação que
valorize os sujeitos do campo e sua cultura também vai se tornando
pauta nos debates. Com a mesma ênfase que demandam terra e refor-
ma agrária, os movimentos camponeses passam a demandar o direito
a uma educação que os represente.
Com o debate sobre as experiências pedagógicas desenvolvidas
nas áreas de reforma agrária já bem avançado, as Leis de Diretrizes e
Bases da Educação Básica de 1996 já passam a contemplar a educação
do campo, mesmo utilizando ainda o termo educação rural. Em seu
artigo 28 dispõe do direito a uma base curricular que parta das dife-
rentes realidades e temporalidades regionais.
Em 1997 realiza-se o I Encontro Nacional de Educadoras e
Educadores da Reforma Agrária, ENERA. Primeiro debate em larga
escala sobre as experiências pedagógicas desenvolvidas em comuni-
dades de povos tradicionais do campo. Nesse evento, oficializa-se o
termo “educação do campo” para designar a educação emancipadora
e de valorização da identidade dos povos do campo. É também resul-
tado deste encontro o PRONERA, Programa Nacional de Educação da
Reforma Agrária. Pautado em 1997 pelo I ENERA, o PRONERA é ofi-
cializado como política pública em 1998, e de acordo com dados da
II Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária, até 2011 havia
realizado 320 cursos, envolvendo 82 instituições, sendo “167 cursos de
Educação de Jovens e Adultos Fundamental, 9 cursos de nível médio
e 54 cursos de nível superior.” (SOUZA, 2015, p. 2). Surgem também

28 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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CURRÍCULO DA
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
as Licenciaturas em Educação do Campo, vinculadas ao PRONACAMPO,
Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação
do Campo, com o objetivo de preparar profissionais para atuar nos
espaços educativos que abraçam esta nova concepção de educação
libertadora.
Mas na atual conjuntura socioeconômica e política, em que um
governo de viés progressista procura se equilibrar entre as demandas
populares democráticas e as exigências do mercado globalizado, uma
série de políticas públicas no âmbito da educação vem sendo sancio-
nadas ou colocadas em pauta na contramão da proposta emancipa-
dora e identitária da educação do campo. É o caso do projeto Pátria
Educadora, do Governo Federal, que propõe padronizar currículos,
sistemas de avaliação, material didático e formação docente por todo
o país, negando a diversidade cultural dos povos que formam a so-
ciedade brasileira. Propõe também a inserção massiva da iniciativa
privada na educação pública, com direito até mesmo a delimitar o viés
pedagógico das escolas públicas e estipular metas para professores,
funcionários e alunos.
Em relação à inserção da iniciativa privada na educação públi-
ca, destaca-se o programa Todos pela Educação, também do Governo
Federal, que estipula parcerias entre a iniciativa privada e o MEC,
resultando em ações que já estão em andamento, como a adoção de li-
vros didáticos para a educação básica formulados por empresas, tendo
como exemplos os livros do programa Agrinho, do SENAR e programas
de formação de professores do SEBRAE. Estes materiais didáticos pre-
param as crianças para se enquadrarem às exigências do agronegócio

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 29


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1 CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
que estimula a aculturação da identidade camponesa, naturalizando a
ideia de que a sociedade se resume às relações de mercado. De acordo
com Silva:
Quando a cultura transmuta-se em especialização do
conhecimento e volta-se para atender quase que exclu-
sivamente aos imperativos da profissionalização, esse
processo conduz a uma diferenciação, porém, essa di-
ferenciação, de caráter instrumental, impele os indi-
víduos a não produção de consciência. A consciência,
neste caso, manifesta-se de forma igualmente instru-
mental. (SILVA, 2010, p. 293)

Nesse contexto, o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras


Rurais Sem Terra, berço da educação do campo, percebeu a necessi-
dade de realizar o II Encontro Nacional de Educadoras e Educadores
da Reforma Agrária, o II ENERA, 18 anos após a realização do primeiro.
A principal pauta do encontro foi o enfrentamento às políticas pri-
vatistas da educação pública com especial atenção para as escolas
localizadas no campo. Denunciou-se o fechamento massivo das escolas
localizadas no campo – 37 mil nos últimos 15 anos – e a tentativa de
imposição da educação rural nos programas e políticas públicas volta-
das para a educação do campo. Como resultado, o então Ministro da
Educação Janine Ribeiro assinou a criação de um Grupo de Trabalho
no MEC para investigar e frear o fechamento de escolas localizadas
no campo. Mas, menos de um mês após o II ENERA, Janine Ribeiro foi
substituído pelo atual Ministro Antonio Mercadante, colocando em dú-
vida a continuidade da iniciativa.

30 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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CURRÍCULO DA
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
Portanto, o espaço escolar e o projeto de sociedade para o campo
no Brasil é um campo de disputas entre movimentos sociais e entida-
des da sociedade civil organizada e a iniciativa privada representada
por grandes grupos empresariais e o agronegócio, que vinha sendo he-
gemônico até o fim da ditadura militar e, desde então, vem tendo que
combater não só as demandas populares por reforma agrária e direitos
já adquiridos, mas também a retomada das mobilizações em massa
dos sujeitos do campo, que exigem uma educação formulada por eles
e que permita a continuidade de suas lutas.

Extra
Acesse o vídeo disponível em: <www.youtube.com/watch?v=Cn-
JcYGiaiHU> e assita uma breve entrevista com a Coordenadora Geral
de Educação no Campo e Cidadania do Incra, Clarice dos Santos, ex-
pondo os resultados do PRONERA – Programa Nacional de Educação da
Reforma Agrária. Importante material para refletir acerca das lutas
e disputas por uma educação pública e de qualidade no campo e do
campo. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
De acordo com o texto “Políticas Públicas e a Educação do
Campo”, a educação para a realidade do campo no Brasil vem sendo
um campo de disputas entre dois projetos distintos de sociedade que
se configuram em duas propostas educacionais antagônicas. Quais são
elas e o que cada uma propõe?

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 31


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1 CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
Referências
SOUZA, Maria Antônia de. A Educação do Campo no Brasil. Texto impresso. Curitiba,
set. 2015.

SILVA, Mônica Ribeiro da. Concepções de educação, currículo e reformas


educacionais: elementos para pensar a educação do campo. In: Educação do Campo
em Movimento: Teoria e prática cotidiana. Curitiba: Editora UFPR, 2010. v. 1. p.
289-310.

Resolução da atividade

As propostas são a educação do campo, que traz uma visão eman-


cipadora da educação, que parta da materialidade da realidade dos
sujeitos e valorize sua identidade; e a educação rural, de viés tecni-
cista e homogeneizador, que busca a valorização dos valores urbanos
para promover o esvaziamento do campo e também garantir mão de
obra qualificada para as demandas da indústria e do agronegócio.

32 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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CURRÍCULO DA
2

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO DO CAMPO
A educação do campo é um processo de formação humana e um
projeto de sociedade fundamentada no princípio da emancipação, va-
lorização dos sujeitos e do conhecimento construído no campo. É uma
concepção de educação construída a partir da realidade dos sujeitos
que dela participam, portanto, pressupõe a gestão democrática da
escola.
A gestão democrática está presente nas diretivas municipais, es-
taduais e federais de educação, que exigem, entre outras coisas, elei-
ção direta de diretores, participação da comunidade escolar nas deci-
sões da instituição etc. Mas nem sempre esses processos democráticos
resultam em gestões de fato democráticas, com a participação efetiva
de toda a comunidade escolar. Souza e Tavares (2010) apontam para
o fato de que a eleição democrática de dirigentes, por exemplo, não
costuma estender a administração das instituições para a comunidade.
O diretor se elege pelo voto direto e não consulta mais a sua base até
a próxima eleição. A própria base que forma a comunidade escolar
não costuma exercer seu papel participativo por puro comodismo ou
desconhecimento do que é gestão participativa. De acordo com Souza
e Tavares:
Porém, na prática ainda há problemas com a concep-
ção de democracia ou com a forma como as pessoas a
enxergam e entendem. Senão vejamos o caso da ges-
tão escolar: na maioria das escolas públicas onde são
realizadas eleições para compor o seu quadro dirigen-
te, encontramos professores, funcionários, alunos e
seus familiares que reconhecem na diretora não uma

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 33


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2 CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
representante da comunidade escolar, mas alguém que
possui o poder de decidir tudo ao seu modo e, pior, não
observam aí um grande problema, uma vez que avaliam
que a elegeram exatamente para isso: para fazer por
eles! (SOUZA e TAVARES, 2010, p. 325).

É esse tipo de incoerência que a proposta da educação do campo


procura corrigir quando envolve toda a comunidade no processo edu-
cativo e, principalmente, quando estende o espaço de formação para
todo o espaço da comunidade. Na educação do campo a comunidade
também vai até a escola, “também” porque a escola já ocupou os es-
paços da comunidade.
Dessa forma, se torna mais fácil garantir a participação efetiva
das famílias e funcionários na gestão escolar. Lembrando que, mesmo
nas comunidades onde a educação do campo já se encontra num está-
gio avançado, esses processos ainda estão sendo consolidados, pois a
concepção de educação do campo, assim como as diferentes realida-
des onde está inserida, está em constante mutação, ou seja, em um
constante processo de construção.
As escolas do campo (do campo no sentido de que adotam de fato
a educação do campo e não por estarem apenas localizadas no campo)
desenvolvem diferentes propostas de gestão democrática e participa-
tiva, que funcionam com maior ou menor eficiência de acordo com a
realidade local. Destacam-se entre essas propostas as assembleias da
comunidade escolar, reunião de membros da comunidade para deba-
ter a educação local; os conselhos de escola, conselho permanente
de deliberação formado por membros da comunidade; rotatividade no
quadro pedagógico.

34 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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CURRÍCULO DA
2

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
Nas comunidades onde a conquista da escola é resultado de um
processo de lutas por direitos, a gestão democrática costuma ser mais
efetiva. Em escolas como a do Quilombo João Surá, em Adrianópolis,
Região Metropolitana de Curitiba, a comunidade participa cotidia-
namente da vida escolar e do processo de construção do PPP, assim
como participou da luta para que o Quilombo recebesse sua escola.
Nos acampamentos e assentamentos do MST, o Setor de Educação da
comunidade mantém o debate da educação de forma permanente, e
nas escolas do MST os alunos participam de todas as estâncias adminis-
trativas, inclusive financeiras, desde a mais tenra idade.
Conclui-se, portanto, que assim como todos os processos escolares
na educação do campo, a gestão escolar também vem de um contexto
de constante luta e construção, já que para ser efetivada como propõe
a concepção emancipadora e conscientizadora, precisa derrubar pre-
conceitos e discursos construídos e consolidados na cultura tecnicista
e hierárquica da era industrial. Daí o caráter libertador da educação
do campo, pois não são apenas educadores e educandos que tomam
consciência das contradições que os cercam. Ao compreender melhor
os processos democráticos da gestão participativa, toda a comunidade
se emancipa.

Extras
Assista a aula sobre Gestão Democrática na Escola, com o profes-
sor Vinicius de Almeida, tendo como referência o pensamento do pro-
fessor Vitor Paro. Importante material de análise para a compreensão
do conceito de Gestão Democrática. Acesse o vídeo pelo link: <www.
youtube.com/watch?v=LKZzPNRVdmg>. Acesso em: 14 jan. 2016.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 35


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2 CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
Além disso, leia o artigo Gestão democrática e educação do campo,
do professor Fernando José Martins, que discute a gestão democrática,
princípio da educação do campo, disponível em: <http://seer.ufrgs.br/
index.php/rbpae/article/view/36145/23333>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
Como se propõe a gestão democrática na educação do campo?
Cite exemplos de inciativas participativas na gestão escolar.

Referência
SOUZA, Ângelo Ricardo de; TAVARES, Tais Moura. Gestão de Educação e da Escola:
possibilidades de democratização. In: Educação do Campo em Movimento: Teoria e
prática cotidiana. Curitiba: Editora UFPR, 2010. v. 1. p. 289-310.

Resolução da atividade

Com a participação efetiva da comunidade no dia a dia da escola


e não apenas nos processos de eleição de dirigentes. Como exemplos
de iniciativa temos as assembleias da comunidade escolar, os conse-
lhos de escola e a rotatividade no quadro pedagógico.

36 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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CURRÍCULO DA
3

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
CONSTRUÇÃO COLETIVA DO PROJETO POLÍTICO
PEDAGÓGICO DAS ESCOLAS DO CAMPO –
PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES
Assim como outras propostas democráticas na gestão das escolas
públicas, a construção coletiva do Projeto Político Pedagógico (PPP)
também costuma enveredar por caminhos que aparentam participação
efetiva da comunidade, mas, na verdade, acabam por reproduzir as
relações burguesas na escola (entendendo-se por relações burguesas a
dinâmica hierárquica industrial capitalista).
Desse modo, é comum os dirigentes escolares considerarem
como processo de construção coletiva do PPP o envio de questionários
para os pais de alunos preencherem em casa e devolverem à escola.
Avaliando as respostas da comunidade, o PPP é elaborado pela equipe
pedagógica e docente da instituição escolar. Esse processo não se ca-
racteriza como participativo, pelo contrário, está muito longe disso,
já que as reais demandas da comunidade não são observadas. E mesmo
este processo supostamente democrático, costuma ser ignorado por
muitas redes de ensino, que encomendam a elaboração dos PPPs de
empresas especializadas no ramo ou constroem um PPP padrão para
todas as escolas da rede.
O Projeto Político Pedagógico determina o direcionamento do
trabalho docente, relação comunidade-escola, papel de funcioná-
rios, alunos, professores etc. Ou seja, é a alma da escola. Dentro de
uma concepção de gestão democrática e participativa como propõe a
educação do campo, a construção deste importante documento deve

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 37


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3 CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
partir da comunidade onde a escola está inserida, já que o objetivo da
educação emancipadora é a transformação social.
As demandas da comunidade e de seus sujeitos, sua cultura e
identidade, só podem ser externalizadas por eles mesmos. Por isso,
dentro do paradigma da educação do campo a construção coletiva do
PPP se coloca como exigência para garantir a conscientização de toda
a comunidade como sujeitos históricos inseridos num contexto de con-
tradições. Como aponta Trojan:
Além disso, é importante considerar a situação concre-
ta dos alunos como referência e ponto de partida, pois,
só assim poder-se-á superar a universalidade abstrata
do direito, buscar o universal concreto e superar o falso
dilema entre geral (internacional, nacional) e particu-
lar (regional, local, cidade e campo). (TROJAN, 2010,
p. 346)

As experiências de construção coletiva de PPPs mostram que não


é um processo simples e fácil, passível de ser concluído dentro dos cur-
tos prazos geralmente estipulados pelas secretarias e núcleos regionais
de educação. No município de Tijucas do Sul, Região Metropolitana de
Curitiba, a construção coletiva dos Projetos Político Pedagógicos nas
escolas da rede municipal de ensino (que conta com 15 escolas do
campo) já se prolonga por dois anos, sem perspectivas de término
em curto prazo. Fato encarado pela comunidade escolar do municí-
pio como um fator positivo, que evidencia que as escolas municipais
estão realmente em processo de construção da educação do campo.
Para ilustrar a complexidade do processo, as professoras de uma das
escolas isoladas da área rural de Tijucas do Sul, relataram que terão

38 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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CURRÍCULO DA
3

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO
de reescrever boa parte do PPP que está em andamento, pois a reali-
dade da comunidade sofreu significativas mudanças nestes dois anos.
A mesma situação é relatada por outras comunidades tanto de Tijucas
do Sul quanto de outras escolas do campo da Região Metropolitana de
Curitiba, onde se observa o encaminhamento do debate em relação à
educação do campo.
Portanto, nota-se que debates, reflexões e, obviamente, confli-
tos, são inerentes à construção do projeto de sociedade proposto pela
educação do campo. Disputas políticas locais sempre interferem nes-
ses processos, seja de forma positiva ou negativa. A luta pela garantia
de direitos e participação popular na construção da educação pública
que queremos não se limita à garantia do acesso à escola nas comuni-
dades do campo, mas perpassa todos os processos de gestão escolar e
comunitária.

Extras
O vídeo indicado a seguir apresenta a visão freireana da construção
e do objetivo do PPP. Apesar de breve, é um importante material para a
percepção do que é, na prática, a participação de toda a comunidade es-
colar no processo de construção do PPP. Acesse o vídeo pelo link: <www.
youtube.com/watch?v=rLut4qSuonY>. Acesso em: 14 jan. 2016.
Além disso, leia a dissertação Reestruturação do Projeto Político
Pedagógico das Escolas Localizadas no Campo no Município de
Tijucas do Sul, da professora Rosana Aparecida da Cruz, que trata do
percurso do trabalho para a construção coletiva do Projeto Político
Pedagógico das escolas localizadas no campo de um município do
Paraná. Disponível em: <http: tede.utp.br/tde_busca/arquivo.php?-
codArquivo=713>. Acesso em: 14 jan. 2016.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 39


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3 CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO

Atividade
Qual a importância da construção coletiva do Projeto Político
Pedagógico dentro do projeto de sociedade da educação do campo?

Referência
TROJAN, Rose Meri. A organização pedagógica do Ensino Fundamental e a Educação
do Campo. In: Educação do Campo em Movimento: teoria e prática cotidiana.
Curitiba: Editora UFPR, 2010. v. 1. p. 331-349.

Resolução da atividade

A participação da comunidade na construção do PPP na educação


do campo é fundamental, pois só os sujeitos que compõem a comuni-
dade podem externalizar com precisão suas demandas e anseios, e o
PPP, como norteador do trabalho pedagógico, deve refletir as necessi-
dades da comunidade onde a escola está inserida.

40 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Aula 3

MATERIALIDADE DO
CURRÍCULO DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
Objetivo:

Refletir sobre a identidade da escola e


do sujeito do campo, conteúdos e
matrizes pedagógicas, e formação de
professores da educação do campo.

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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
CURRÍCULO: IDENTIDADE DA ESCOLA E DO SUJEITO
DO CAMPO
A educação do campo é o resultado de mobilização e contesta-
ção dos próprios trabalhadores do campo, um projeto de formação
humana de visibilidade àqueles que vinham lutando dentro do próprio
espaço de sobrevivência, por dignidade. Essa perspectiva de constru-
ção histórica pode e deve ser inclusa dentro do currículo escolar do
campo, pois apresenta o resultado das lutas, contra hegemônicas, da
sociedade civil organizada para efetivação dos direitos sociais, dentre
eles: acesso e permanência a uma educação de qualidade em todos os
níveis da educação básica e do ensino superior.
A educação do campo é uma concepção de homem e sociedade
incorporada a partir da organização dos movimentos dos trabalhado-
res rurais sem terra, ou seja, foi construída pelos próprios sujeitos
do campo que foram excluídos e subalternizados. Por esse panorama,
Caldart (2004) diz que:
[...] a Educação do Campo faz o diálogo com a teoria
pedagógica desde a realidade particular dos campo-
neses, mas preocupada com a educação do conjunto
da população trabalhadora do campo e, mais ampla-
mente, com a formação humana. E, sobretudo, trata
de construir uma educação do povo do campo e não
apenas com ele, nem muito menos para ele. (CALDART,
2004, p. 12).

Há grandes desigualdades presentes no campo, há lutas de classes


e também contradições, que são visíveis e perceptíveis para aqueles

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 43


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1 MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
que lá buscam sobrevivências, pois a educação do campo se constitui
a partir de uma contradição que é a própria contradição de classe no
campo (CALDART, 2004, p. 13). Essas contradições precisam estar pre-
sentes nos encaminhamentos didáticos dos professores em confronto
com os conteúdos. Os alunos percebem as desigualdades na qual con-
vivem, mas, muitas vezes não têm argumentos críticos de contestar tal
realidade, pois estas precariedades neutralizam-se.
Um trabalho pedagógico que traz no cerne de sua concepção um
fazer crítico, permite a compreensão concreta da realidade. Os con-
teúdos historicamente produzidos tornam-se, então, ferramenta fun-
damental para a transformação social.
Na educação do campo os sujeitos não são apenas sujeitos e sim
sujeitos de direito. Nesse sentido, nega-se o assistencialismo ou a tro-
ca de favores, pois a esfera governamental tem o dever de garantir
a qualidade e os serviços necessários para uma vida digna, com as
especificidades necessárias que atendam às demandas em que os su-
jeitos se inserem. Portanto, para a educação do campo é necessária
a contestação da realidade precária com luta por melhores condições
e exigência de seus direitos, os sujeitos organizados em coletivo têm
condições para isso.
Nos princípios da educação do campo é necessário considerar os
elementos: identidade da escola e identidade do sujeito no desenvol-
vimento do currículo. No Caderno do ano VIII n.º 1 da Escola Itinerante
do MST, que traz histórias, projetos e experiências de luta pela edu-
cação de qualidade aos povos do campo podemos observar o que o
currículo significa:

44 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
O currículo procura responder as perguntas inquietan-
tes e latentes que surgem, tais como: o que ensinar
e aprender? Como fazer isso? Quando é o momento?
Como, por que, com quem e quando avaliar? Como pla-
nejar? As respostas não estão prontas e não se encon-
tram somente no currículo, mas no projeto de socieda-
de que estamos dispostos a construir – uma sociedade
socialista. (MST, 2008, p. 27).

Percebe-se, com a contribuição da citação acima, quantos questio-


namentos o currículo possibilita para o repensar da escola que se tem,
em busca de um projeto transformador, questionador e emancipador.
Outra contribuição importante, para a interpretação do currículo que
contextualize o lugar, a comunidade e os sujeitos é compreender que:
Currículo é a descrição e a concretização do que a escola
deve realizar no contexto do campo. Neste caso, ainda,
é um enfoque histórico na perspectiva da construção das
escolas públicas do campo. Currículo é prática, é expres-
são da função socializadora e cultural da instituição es-
cola, a qual estamos (re)significando. A cara do povo do
campo precisa estar na escola e em seu currículo, para
que possamos assegurar aos camponeses a aquisição da
experiência social historicamente acumulada e cultural-
mente organizada. (MST, 2008, p. 26)

As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do


Campo de 2002 em seu artigo 2.º expressa que:
Estas Diretrizes, com base na legislação educacional,
constituem um conjunto de princípios e de procedi-
mentos que visam adequar o projeto institucional das

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 45


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Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
escolas do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Médio,
a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Especial,
a Educação Indígena, a Educação Profissional de Nível
Técnico e a Formação de Professores em Nível Médio
na modalidade Normal. Parágrafo único. A identidade
da escola do campo é definida pela sua vinculação
às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se
na temporalidade e saberes próprios dos estudantes,
na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de
ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos mo-
vimentos sociais em defesa de projetos que associem
as soluções exigidas por essas questões à qualidade so-
cial da vida coletiva no país. (BRASIL, 2002, grifo nosso)

No parágrafo único desse mesmo artigo o campo é concebido pela


sua identidade, voltando-se às singularidades, ou seja, reconhece-se
que há várias especificidades, o campo é composto de várias cultu-
ras, várias peculiaridades, que devem ser respeitadas, valorizadas e
incorporadas para dentro do currículo para que tenham significado no
contexto em que se insere.
O ponto determinante para organização do currículo da educação
do campo, é voltado para o reconhecimento da diversidade presente
nessas comunidades. O currículo necessita ter uma contextualização
sobre a realidade, sobre as intenções da comunidade, sobre as metas
para transformar tais fragilidades, para isso, precisa ser construído
coletivamente pelos próprios sujeitos da escola.

46 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo de 2006:
[...] Valorizar a cultura dos povos do campo significa
criar vínculos com a comunidade e gerar um sentimen-
to de pertença ao lugar e ao grupo social. Isso possibili-
ta criar uma identidade sociocultural que leva o aluno a
compreender o mundo e transformá-lo. (PARANÁ, 2006,
p. 38).

Educação do campo é uma concepção em movimento, assim é


preciso construir esse projeto atendendo todas as especificidades para
a emancipação dos sujeitos. A educação do campo é um projeto popu-
lar de sociedade, que reúne a classe trabalhadora como condição de
transformação social.
Para uma escola atender às demandas da educação do campo,
precisa superar a concepção da educação rural. Este processo de
(re)conceptualização precisa ser cuidadoso. O que se tem visto são al-
gumas escolas apenas trocando a nomenclatura, porém permanecendo
com a concepção da educação rural.
As propostas defendidas pela concepção de uma educação eman-
cipadora, coerente com a efetivação da dignidade, que refute as de-
mandas do modo de produção capitalista, são pautadas em uma gestão
democrática que organize os espaços educativos, levando em conta
a coletividade, que faça o chamamento da comunidade escolar, dos
professores, alunos, pais, secretaria municipal, movimentos sociais. A
escola aqui não é entendida como mais um espaço do campo, e sim a
totalidade que interfere e transforma a realidade, a escola é o lugar
de todos e logo, direito de todos.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 47


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Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I

Extra
Para aprofundar as reflexões iniciadas nesta aula, leia o artigo
Educação do Campo: notas para uma análise de percurso, escrito
pela autora Roseli Salete Caldart. O artigo apresenta a educação do
campo numa dimensão política e indica perspectivas que contribuirão
para problematizar a escola, currículo e identidade do sujeito do cam-
po. O texto está disponível no link: <www.scielo.br/pdf/tes/v7n1/03.
pdf>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
Tendo em vista as discussões suscitadas nesta parte, escreva um
texto argumentando a seguinte problematização: como seria, na prá-
tica, a materialização de uma escola vinculada aos princípios da con-
cepção de educação do campo?

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB n. 1, de 3 de abril de 2002.
Institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Diário
Oficial da União, Brasília, DF: Poder Legislativo, 9 abr. 2002.

CALDART, Roseli Salete. Por Um Tratamento Público da Educação do Campo. In:


MOLINA, Mônica Castagna; JESUS, Sonia Meire Santos Azevedo de (Org.). Por uma
educação do campo: contribuições para a construção de um projeto de educação
do campo. Articulação nacional por uma educação do campo. Brasília, DF, 2004. p.
54-73.

MST. Escola itinerante do MST: História, Projeto e Experiências. In: Caderno da


Escola Itinerante, Curitiba: MST, Ano VIII – n. 1, abr. 2008.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação do


Campo. Curitiba, 2006.

48 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
Resolução da atividade

As propostas defendidas pela concepção de uma educação eman-


cipadora, coerente com a efetivação da dignidade, que refute as
demandas do modo de produção capitalista, são pautadas em uma
gestão democrática que organize os espaços educativos, levando em
conta a coletividade, que faça o chamamento da comunidade escolar,
professores, alunos, pais, secretaria municipal e movimentos sociais.
A escola aqui não é entendida como mais um espaço do campo, e sim a
totalidade que interfere e transforma a realidade, a escola é o lugar
de todos e logo, direito de todos.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 49


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Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I

CONTEÚDOS E MATRIZES PEDAGÓGICAS DA


EDUCAÇÃO DO CAMPO
As matrizes pedagógicas da educação do campo dão visibilidade a
uma formação que imprima a emancipação humana. Arroyo (2010) con-
tribui com essa discussão quando traz as matrizes pedagógicas como
eixo de trabalho para se construir o processo educativo no campo. Essa
prática permite o trabalho com os conteúdos de forma significativa,
para a efetivação da função social do conhecimento: emancipar os
sujeitos.
As matrizes são: trabalho, terra, cultura, vivência da opressão e
movimentos sociais. Arroyo afirma que trabalhar com esses temas “nos
remete à existência de um núcleo fecundante, de um processo estru-
turante e conformante de nossa formação-humanização como gente,
como sujeitos humanos, não tanto no plano biológico, mas sobretudo
no plano sociocultural, educativo” (ARROYO, 2010, p.38).
Arroyo explica que utilizar o trabalho como matriz formadora:
Não é apenas o atrever-nos a pensar que nos liberta,
mas é o trabalho que nos constitui, é o trabalho que é a
grande matriz formadora dos seres humanos. O próprio
conhecimento que foi acumulado ao longo da história
tem sua origem no trabalho. Conhecimento não nasce
pelo conhecimento, como se fosse uma flor, que nas-
ce solitária. O ser humano não produz conhecimento
e ciência pelo conhecimento apenas. Neste sentido o
trabalho, é a forma de produzir a vida, é que vai exigir

50 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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2

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
conhecer a natureza, conhecer a sociedade, produzir
a cultura, convívios e até conflitos. E deste processo
(o trabalho) que vai surgir o conhecimento, a ciência,
os valores, as civilizações etc. Esse seria o sentido de
dizer que o trabalho é uma matriz formadora não dos
indivíduos, mas das sociedades. (ARROYO, 2010, p. 41)

O autor ainda traz como exemplo a experiência de vida dos alunos


frente às demandas de trabalho, que podem ser consideradas na cons-
trução da aprendizagem:
[...] Agora imaginem a diferença de começar a discutir,
por exemplo, o espaço primeiro tentando ver, conhecer,
como aqueles adolescentes, crianças, jovens ou adultos,
se vinculam com o espaço, com a produção dele lutando
contra a expulsão da terra, seja na relação com o espa-
ço ocupado, a terra, esse adolescente, essa criança, esse
sem-terrinha que acompanhou, desde pequeno, seus pais
lutando, seu coletivo lutando pela terra, ele foi produzido
no espaço e produzindo, concomitantemente, uma ima-
gem do espaço, uma vivencia, um saber sobre o espaço.
(ARROYO, 2010, p. 42).

Arroyo considera que o trabalho é o eixo da própria existência


humana, o homem ser pensante, transforma a natureza em função das
suas necessidades básicas com um trabalho intencional e planejado,
traz essa relação com autores clássicos como Marx, e entende que
temos que superar nossa visão idealista e ingênua de que ao dialo-
gar sobre a exploração, o sujeito responderá à exploração. Por isso,
o trabalho como matriz pedagógica deve ser construído a partir das
condições concretas que o próprio aluno vive (ARROYO, 2010, p. 43).

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 51


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Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
Arroyo ainda indica que temos que
[...] assumir a responsabilidade de formar educadores
e educadoras do campo explorando os estreitos vín-
culos com os processos de produção e de trabalho no
campo [...], isso significa ter o trabalho como princípio
formador e educativo. (ARROYO, 2010, p. 45).

A terra é aspecto relevante do trabalho como matriz pedagógica,


pois:
[...] é um campo de resistências, de vivências de ex-
pulsão, de lutas pela terra, pela produção familiar,
camponesa, pelo espaço da vida. A pedagogia da terra
tem que pesquisar as potencialidades formadoras que
acontecem na especificidade dos modos de produção
agrícola e, sobretudo nas tensões, lutas e resistências
do campo. [...] toda pedagogia escolar para ser peda-
gogia da terra tem de estar enraizada em um projeto
de campo. Aí encontrará raízes fecundas. (ARROYO,
2010, p. 47).

Arroyo alerta que há um demérito na utilização da cultura para


a organização do trabalho pedagógico frente às possibilidades que a
mesma apresenta. Segundo o autor
[...] na escola, a cultura, quando entra, entra mal, [...]
aparece como recurso de aprendizagem, como uma fes-
ta, como uma distração. Aí não percebemos os estreitos
vínculos entre cultura e conhecimento”. (ARROYO, 2010,
p. 48).

Arroyo explica que:


A cultura seria a grande matriz onde essa riqueza de
civilizações, identidades, de autoimagens, de signos,

52 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
de valores, de linguagens foi produzida. O direito à
educação é o direito à herança cultural. É na cultura
que nós produzimos a grande matriz que nos confor-
ma. [...] Não percebemos que os processos educativos
estão muito mais colados aos processos de construção
de valores, identidades, conhecimentos, aos processos
culturais, socializadores. [...] É que a escola normal-
mente se preocupa mais pelo campo dos chamados co-
nhecimentos, as competências, a mente, e esquece de
formar as identidades, o sujeito ético, o sujeito esté-
tico, corpóreo, o sujeito imaginário, o sujeito de emo-
ções, de memória. (ARROYO, 2010, p. 40-50)

Sobre a vivência da opressão como matriz pedagógica, Arroyo,


dialoga com a teoria de Freire – pedagogia do oprimido; e indica que
os oprimidos precisam ter consciência da sua opressão para então se
tornarem sujeitos libertados. Se não for discutido à própria condição
de oprimidos num contexto de opressores não há emancipação.
Nesse ensejo, vem a última matriz pedagógica proposta por
Arroyo, que é o trabalho com os movimentos sociais. Arroyo escreve
que “os movimentos como provocadores de uma dinâmica social, po-
lítica e cultural que produzem, conformam novos sujeitos coletivos
sociais, políticos, culturais” (ARROYO, 2010, p. 52).
Assim explica que os movimentos sociais, protagonistas da visibili-
dade da educação do campo “têm provocado o avanço da consciência
e da garantia dos direitos” (ARROYO, 2010, p. 52), há diferença de a
própria classe lutar pelos seus direitos, pois esses direitos certamente
serão voltados ao próprio coletivo de sujeitos que defenderão suas
demandas. Lutar para os movimentos sociais é sinônimo de conquistar
um espaço digno de sobrevivência. Arroyo escreve que:

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 53


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Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
A luta não é um mero instrumento para a conquista
de direitos, mas ela per se é pedagógica, é formadora
dos coletivos em luta e da sociedade, das estruturas e
culturas, dos valores. A luta liberta, conscientiza, poli-
tiza, transforma a sociedade e os coletivos humanos. É
pedagógica. (ARROYO, 2010, p. 52)

Entende-se que incorporar essas matrizes na organização do tra-


balho pedagógico é saber que esses temas estão enraizados na con-
cepção de educação crítica de campo e que certamente irão resultar
numa emancipação do sujeito da aprendizagem. A formação humana
está no centro dessas matrizes pedagógicas. Ao trabalhar a própria
experiência dos sujeitos é possibilitar que ele entenda sua realidade
como resultado de um processo histórico que é dialético, ou seja, sua
ação (intencional e planejada) poderá transformar a história que está
em movimento.

Extra
Assista ao vídeo Porque falar sobre as matrizes pedagógicas, do
professor Miguel Arroyo. Esse vídeo o ajudará compreender a relevân-
cia das matrizes pedagógicas nas escolas do campo e a importância de
articulá-las aos conteúdos escolares. Disponível em: <www.youtube.
com/watch?v=QtJL9o4TZ1A>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
Arroyo (2010) indica, como matriz pedagógica, o trabalho sobre
os movimentos sociais. De que forma essa matriz pedagógica contribui
para a emancipação dos sujeitos?

54 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
Referência
ARROYO, Miguel Gonzalez. As matrizes pedagógicas da educação do campo na
perspectiva da luta de classes. In: Educação do Campo em Movimento. MIRANDA,
Sônia Guariza; SCHWENDLER, Sônia Fátima (Org.). 2. ed. Curitiba, UFPR, 2010.

Resolução da atividade

Os movimentos sociais, protagonistas da visibilidade da educação


do campo “tem provocado o avanço da consciência e da garantia dos
direitos” (ARROYO, 2010, p. 52), há diferença de a própria classe lu-
tar pelos seus direitos, pois esses direitos certamente serão voltados
ao próprio coletivo de sujeitos que defenderão suas demandas. Lutar
para os movimentos sociais é sinônimo de conquistar um espaço digno
de sobrevivência.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 55


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Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E CURRÍCULO DA


EDUCAÇÃO DO CAMPO
Para compreender a realidade e organizar o trabalho a partir do
lugar que vivem, a educação do campo defende que os professores
sejam moradores da própria comunidade escolar, pois vivenciam os
mesmos paradigmas que os alunos e podem configurar a escola num
ambiente de discussões e organizações para transformar a realidade.
O professor é o mediador da concepção de educação do campo,
ele precisa compreender os processos contraditórios substanciais da
comunidade. O professor tem um papel fundamental, é o protagonista
da educação. Não é nele que a concepção de educação do campo res-
ponsabiliza os resultados, mas é com ele que se organiza, para a trans-
formação social. Para que a escola traduza a realidade vivida pelos
alunos e confronte com os conhecimentos historicamente produzidos é
necessário que o professor compreenda essa realidade, na medida em
que essa visibilidade se materialize na formação humana.
O professor deve ter uma formação política que partilhe dos prin-
cípios da educação do campo e que contribua para a emancipação dos
sujeitos oprimidos. Ele participa da organização do planejamento, do
currículo e da proposta curricular, nesse caso pode construir uma pro-
posta transformadora.
O planejamento curricular não pode ser neutro e descontextua-
lizado, muito menos adaptado. As pesquisas revelam que a maioria
dos professores utiliza o livro didático como um planejamento e este,
muitas vezes, é oriundo da escola urbana e valoriza o contexto vivido

56 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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3

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
do urbano, as justificativas para essa escolha referem-se à intenção de
conceder as mesmas condições de quem estuda na cidade.
Partindo dessas provocações, refletimos sobre valorização do cur-
rículo (que é considerado como adaptação do contexto urbano), e da
cultura vivida, para organização do trabalho pedagógico, conforme
disposto nas Diretrizes Curriculares da Educação do Campo (2006):
A educação para os povos do campo é trabalhada a
partir de um currículo essencialmente urbano e, quase
sempre, deslocado das necessidades e da realidade do
campo. Mesmo as escolas localizadas na cidade têm um
currículo e trabalho pedagógico, na maioria das vezes,
alienante, que difunde uma cultura burguesa e enciclo-
pédica. [...] A cultura, e os saberes da experiência, a
dinâmica do cotidiano dos povos do campo raramente
são tomados como referência para o trabalho pedagó-
gico, bem como para organizar o sistema de ensino,
a formação de professores e a produção de materiais
didáticos. (PARANÁ, 2006, p. 28)

Portanto, é nesse sentido que a educação do campo defende um


trabalho pedagógico rico em discussões e que atenda à diversidade
que está inserida, e principalmente que inclua a própria comunidade
escolar para a construção desse trabalho.
O planejamento coerente incorpora a valorização da cultura des-
tes povos, para que não se construa uma visão deturpada que o campo
é um lugar de atraso em comparação ao urbano. Enfim, o planejamen-
to permite inquietações e deve responder de forma crítica às contra-
dições capitalistas no sentido que dê conta principalmente de instigar
os alunos a entenderem a prática correlacionando com a teoria.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 57


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Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
A proposta curricular precisa incorporar a concepção da educação
do campo com um sentido de “pertencer aos povos do campo”, deve
expressar as lutas daqueles sujeitos. É organizada em ciclos de for-
mação humana, que respeita o tempo de vida e entende os conteúdos
como algo inacabado, que necessita sempre de contestação, interro-
gação e (re)significação por parte dos sujeitos. Deve proporcionar cri-
ticidade, valorização, emancipação, contestação, politização e princi-
palmente dialogar com a realidade. Com base nisso, Souza afirma que:
A proposta curricular está descrita no projeto político
pedagógico de cada escola. O currículo revela a con-
cepção de educação predominante na organização do
trabalho pedagógico. Tal proposta pode ter vínculo com
o Plano Municipal de Educação e com as diretrizes es-
taduais e nacionais para a educação Básica, e em es-
pecial para as escolas do campo. (SOUZA, 2011, p. 99)

Dessa forma, apresenta-se a importância do professor conhecer


e estudar as legislações que permeiam a construção da proposta cur-
ricular, para ter condições de compreender a intencionalidade destas
normativas.
Para que os conteúdos tenham sentido, é preciso significá-los. A
provocação do professor, no sentido de possibilitar uma tradução críti-
ca dos conteúdos, possibilita o entendimento das condições concretas
existenciais com que eles vivem. Desse modo, a função social do currí-
culo/escola/professor cabe numa dinâmica mais ampla do que apenas
transmitir o conhecimento, e colocam-se num patamar de transforma-
ção social.

58 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
3

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO I
Extra
Para aprofundar as reflexões iniciadas nesta parte, leia o artigo
Educação do Campo e a Formação de Professores: construção de
uma política educacional para o campo brasileiro, de Maria Fernanda
dos Santos Alencar. Esse artigo aproximará reflexões sobre qual forma-
ção de professor é necessária ao paradigma da educação do campo. O
texto está disponível em: <http: periodicos.fundaj.gov.br/CIC/article/
viewFile/868/589>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
A Educação do Campo defende que os professores sejam morado-
res da própria comunidade escolar, pois vivenciam os mesmos paradig-
mas que os alunos, e podem configurar a escola num ambiente de dis-
cussões e organizações para transformar a realidade. Porém, sabe-se
que nem sempre os professores são moradores da comunidade. Desse
modo, escreva um texto apontando de que forma o professor pode
realizar um trabalho crítico na escola do campo.

Referências
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes curriculares da educação do
campo. Curitiba, 2006.
SOUZA, Maria Antônia. Licenciatura em Pedagogia: fundamentos teóricos
metodológicos da educação do campo. Ponta Grossa: UEPG, 2011.

Resolução da atividade

O professor é o mediador da concepção de Educação do Campo,


ele precisa compreender os processos contraditórios substanciais da
comunidade e incorporar esses aspectos para o trabalho pedagógico.
CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 59
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60 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Aula 4

POSSIBILIDADES
METODOLÓGICAS
Objetivo:

Discutir sobre os ciclos de formação


humana na educação do campo,
pedagogia da alternância, itinerância,
Casa da Família Rural, e a avaliação
na educação do campo.

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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
CICLOS DE FORMAÇÃO HUMANA NA EDUCAÇÃO DO
CAMPO
A educação, conforme se pôde observar, esteve sempre voltada
aos interesses industriais, capitalistas e que atendesse à classe domi-
nante. Educação sempre foi sinônimo de formação para o mercado de
trabalho. Os sujeitos não tinham sua valorização e não havia preocu-
pação com a aprendizagem. Em contrapartida a essa visão da educa-
ção, discutiu-se então a necessidade de incorporar uma nova organiza-
ção escolar para a mediação do saber acumulado historicamente, que
levasse em consideração uma aprendizagem, mas que contemplasse a
formação humana como determinante.
No artigo 23.º da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96) perce-
be-se a disposição da organização da educação, onde os ciclos aden-
tram as discussões educacionais:
A educação básica poderá organizar-se em séries
anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular
de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base
na idade, na competência e em outros critérios, ou por
forma diversa de organização, sempre que o interes-
se do processo de aprendizagem assim o recomendar.
(BRASIL, 1996, grifo nosso)

Os ciclos de formação humana entendem a educação e a escola


como etapa básica para emancipação. Nesse sentido, a escola conside-
ra a aprendizagem do aluno como princípio libertador e não como um
sentido punitivo (caso não se alcance os objetivos impostos). Os con-
teúdos (componentes necessários para apropriação dos conhecimentos)

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 63


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
empregam uma função social que dialogam com a realidade, não tem
um caráter hierárquico conforme foi empregado à ideologia da organi-
zação seriada, pois o conteúdo é dialético e nunca estático.
Segundo Azevedo (2007) a organização tradicional seriada é hege-
mônica, o autor coloca essa lógica como uma:
[...] Estrutura voltada ao trabalho individual, especia-
lizado, fragmentado: o conhecimento é parcelado em
disciplinas; os tempos e os espaços são predetermina-
dos; os conteúdos predefinidos linearmente em uma
cadeira de pré-requisitos. Cabe ao educando, um ser
em formação, enquadrar-se e adaptar-se a essa es-
trutura, independentemente da sua individualidade,
das suas experiências sociais e culturais. A rigidez dos
tempos e dos espaços serve de formato para programas
e conteúdos artificialmente concebidos, homogeniza-
dores de produtos de aprendizagem. Metas iguais para
indivíduos desiguais, critérios avaliativos decorrentes
de expectativas de aprendizagem padronizadas, resul-
tando na inevitável exclusão dos diferentes. (AZEVEDO,
2007, p. 18).

Podemos observar no que se constitui a concepção de escola fren-


te à organização por ciclos de formação humana:
O Ciclo de Formação constitui numa nova concepção
de escola, na medida em que encara a aprendizagem
como direito de cidadania propõe o agrupamento dos
estudantes onde as crianças e adolescentes reunidos
pelas suas fases de formação [...]. As professoras e
professores formam o coletivo por ciclos, sendo que
a responsabilidade pela aprendizagem é compartilha-
da [...]. O conteúdo escolar é organizado a partir da

64 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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1

Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
pesquisa sócio-antropológica realizada na comunidade
[...]. A partir dessa pesquisa reúnem-se representantes
discentes e da comunidade para discutir com os profes-
sores o eixo central dos conhecimentos a serem traba-
lhados na escola. (KRUG, 2006, p. 17 apud HAMMEL e
ANDREEATTA 2011, p. 5).

A organização do trabalho pedagógico coerente com os ciclos


de formação humana é construída de uma forma peculiar. Segundo
Azevedo (2007):
Os pressupostos teóricos que compreendem o conhe-
cimento como uma construção social, colocam uma
questão prática: a de organizar uma ação pedagógica
que capte os elementos culturais do contexto social,
reconhecendo os diferentes saberes destes contextos
como elementos constituintes da construção do conhe-
cimento. (AZEVEDO, 2007, p. 22).

O MST (2008) traz uma contribuição relevante desta organização


curricular, para a intervenção educativa:
O currículo por ciclos vem para renovar os métodos de
organização e de ensino, que antes justificava a função
social da escola pela intervenção educativa legitimada
nos conteúdos hierarquicamente organizados. Os ciclos
exigem de nós educadores um novo olhar sobre o sujei-
to que aprendem e nos desafiam para novas concep-
ções e métodos de avaliação como, por exemplo, a pro-
moção e não o fracasso dos sujeitos. (MST, 2008, p. 27).

Arroyo (1999) apresenta que a organização por ciclos é uma postu-


ra inovadora na educação, e que o ofício docente nesta nova perspec-
tiva de formação, não tem um caráter de seguir novos direcionamentos

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 65


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
estabelecidos verticalmente, mas sim de voltar o olhar ao processo de
ensino que era trabalhado para perceber a lógica excludente que se
configurou tanto tempo na organização por seriação, considerar o alu-
no no seu tempo de vida e respeitar a sua temporalidade para a pró-
pria formação é tratar a educação com a seriedade que ela merece,
não é adaptar o ensino a cada última lei, mas sim construir os saberes
coletivamente de forma que atenda às demandas da formação huma-
na. (ARROYO,1999, p. 152-154).
A organização por ciclos de formação humana está presente no
trabalho realizado na escola base Iraci Salete Strozak, localizada em
Rio Bonito do Iguaçu no Centro-Oeste do Estado do Paraná em um as-
sentamento da reforma agrária. É uma escola “base”, pois acompanha
os processos legais de cinco escolas itinerantes, a saber:
1. Escola Oziel Alves, localizada em Cascavel;
2. Zumbi dos Palmares, localizada também em Cascavel;
3. Escola Caminho do saber, localizada em Ortigueira;
4. Escola Paulo Freire, localizada no município de Paula Freitas;
5. Escola Sementes do Amanhã, localizada em Matelândia.
Segundo Hammel e Andreeatta “pais, educandos e professores
construíram esta escola não apenas no espaço físico, mas também na
sua pedagogia e fazer social” (HAMMEL e ANDREEATTA, 2011 p. 3).
O princípio norteador do colégio é organizar o trabalho pedagógi-
co que leve em consideração a pessoa humana no sentido que dê conta
de se tornar um sujeito que responda a realidade de forma crítica e
que tenha condições de transformá-la. Segundo Hammel e Andreeatta:
A adesão aos Ciclos mudou a forma de compreender
o educando nas suas fases da vida; a relação com o

66 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
conhecimento, “eu ensino, mas também aprendo”; a
consideração da cultura, da arte e da sabedoria cam-
ponesa; a forma de distribuir as aulas, o educador as-
sumiu o ciclo todo, podendo compreendê-lo e buscar
intervir com mais propriedade; a avaliação assumiu um
novo caráter, não a de punição ou a atribuição de valo-
res, mas do diagnóstico e intervenção e especialmente
o rompimento da seriação. (HAMMEL e ANDREEATTA,
2011, p. 8).

Na efetivação do desenvolvimento da escola pelos ciclos de for-


mação humana, os sujeitos do campo são valorizados, por meio de prá-
ticas pedagógicas intencionalmente construídas para a emancipação
humana. Trabalha-se de modo que se desenvolva autonomia, valori-
zação, criatividade, criticidade, politização e libertação, tendo como
princípio norteador, o diálogo. Segundo Freire (1987):
A palavra viva é diálogo existencial. Expressa e elabora
o mundo, em comunicação e colaboração. O diálogo
autêntico – reconhecimento do outro e reconhecimento
de si, no outro – é decisão e compromisso de colaborar
na construção do mundo comum. Não há consciências
vazias; por isto os homens não se humanizam, se não
humanizando o mundo. (FREIRE, 1987, p. 11).

O diálogo presente nos encaminhamentos da escola tem caráter


emancipador. A escola é vista, nesse contexto, além dos muros para
a realidade que está inserida, o diálogo deve dar conta de libertar os
sujeitos de maneira que compreendam a realidade com uma visão crí-
tica. Segundo Caldart:
O vínculo de origem da educação do campo é com
os trabalhadores “pobres do campo”, trabalhadores

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 67


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
sem-terra, sem trabalho, mas primeiro com aqueles
já dispostos a reagir, a lutar, a se organizar contra o
“estado da coisa”, para aos poucos buscar ampliar o
olhar para o conjunto dos trabalhadores do campo.
(CALDART, 2009, p. 41)

Freire fundamenta esta reflexão e escreve que:


Os oprimidos, nos vários momentos de sua libertação,
precisam reconhecer-se como homens, na sua vocação
ontológica e histórica de ser mais. A reflexão e a ação
se impõem, quando não se pretende, erroneamente,
dicotomizar o conteúdo da forma histórica de ser do
homem. Ao defendermos um permanente esforço de
reflexão dos oprimidos das suas condições concretas,
não estamos pretendendo um jogo divertido em nível
puramente intelectual. Estamos convencidos, pelo con-
trário, de que a reflexão, se há realmente reflexão,
conduz à prática. (FREIRE 1987, p. 29)

Hammel e Andreeatta, professoras da escola Iraci Salete Strozak,


apresentam a pretensão de reorganizar a estrutura curricular, de modo
que contemple os ciclos de formação humana:
Estamos propondo a organização em Ciclos de Formação
Humana, pois através deles e, com eles, pretende-se
colocar a ação educativa da escola em movimento.
Ciclo é movimento, não nos deixa parados, é processo,
é relação, é agrupar e reagrupar-se para aprender e
ensinar. (PPP, 2009 apud HAMMEL e ANDREEATTA, 2011,
p. 11).

No site do governo do estado do Paraná encontram-se relatos so-


bre como ocorre a avaliação da escola Iraci Salete Strozak:

68 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
O educando é avaliado considerando vários aspectos
envolvendo sua vivência, levando em conta o estado
psicológico do educando e o meio que o cerca, os re-
sultados são observados no desenvolvimento da apren-
dizagem do educando sendo concretizado por dossiês,
pareceres e notas. Outra prática pedagógica do colégio
é o conselho de classe participativo entendendo como
forma de avaliar todos os aspectos como, o processo
ensino aprendizagem no conjunto da escola. Esta práti-
ca é organizada em vários momentos, finalizando com
uma mesa redonda composta pela turma, direção, fun-
cionários, educadores e pais. Este momento os educan-
dos se auto avaliam e avaliam o conjunto da escola.
Este momento se dá a cada semestre. (HISTÓRIA DO
COLÉGIO ESTADUAL IRACI SALETE STROZAK, 2014).

Sobre a avaliação, observa-se esta preocupação nas discussões do


MST no sentido que considere como determinante a aprendizagem do
aluno, conforme se pode observar:
Assumindo nosso discurso, de que a avaliação é con-
tínua, sistemática, processual e interdisciplinar, na
prática escolar a avaliação é encaminhada através de
registro que comprovam o trabalho desenvolvido e a
aprendizagem dos alunos em dossiê individual. Este
acompanhará cada educando em todo ciclo. Nele, o
educador arquiva e anota elementos do avanço e dos
limites do educando, tendo espaço para o registro da
auto-avaliação dos educandos e um espaço específico
para a família fazer suas anotações. (MST, 2008, p. 34).

Compreende-se que a escola Iraci Salete Strozak, tem um com-


promisso coerente com a organização escolar por ciclos de formação

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 69


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POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
humana e com a concepção de educação do campo, pois considera os
sujeitos do próprio processo de ensino para dentro das discussões do
que significa a escola e a educação. A escola amplia sua esfera “par-
ticular” reduzida do chão da sala de aula, e passa a fazer parte da
sociedade de forma efetiva. A escola se transforma num movimento
caracterizado pelo próprio movimento dos trabalhadores rurais sem-
-terra que a construíram. Esta imprime um modelo para que outras
escolas do campo incorporem as experiências positivas de se trabalhar
nos princípios da educação do campo.

Extra
O artigo indicado a seguir discorre sobre a implantação dos ciclos
de formação nas escolas de assentamentos e acampamentos do MST.
Traz a reflexão sobre o contraponto entre a educação seriada hierar-
quizada e a educação por ciclos que busca a emancipação. Importante
material para se aprofundar no tema proposto. Acesse o artigo pelo
link <www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2011/pdf/2/040.
pdf>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
De acordo com o texto “Ciclos de Formação Humana na Educação
do Campo”, a educação seriada como proposta pela educação capi-
talista tem como objetivo a indivudualização dos sujeitos e a padro-
nização do processo aprendizagem. Como os ciclos de formação, na
proposta da educação do campo, se contrapõe a esse processo?

70 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
Referências
AZEVEDO, José Clovis de. Ciclos e Políticas Educacionais. Ciclos de Formação: uma
Escola é Necessária e Possível. In: KRUG, Andréa Rosana Fetznr. Ciclos em Revista: a
Construção de Uma Outra Escola Possível. 3 ed. Rio de Janeiro: RJ. 2007. p. 13-30.

ARROYO, Miguel Gonzalez. Ciclo de desenvolvimento humano e formação de


professores. Educação Sociedade, ano XX, n. 68, p. 143-162, dez. 1999. Disponível
em: <www.scielo.br/pdf/es/v20n68/av08v2068.pdf.> Acesso em: 25 fev. 2013.

BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases


da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder
Legislativo, Brasília, 23 dez. 1996.

HAMMEL, Ana Cristina; ANDREETTA, Ritamar. Ciclos de formação humana: A


Experiência do Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak e Pedagogia do MST.
In: Revista Maré, ano I, n. 1, 2011. Memórias, imagens e saberes do campo – ISSN
2237-9509. Disponível em: <http://educampoparaense.eform.net.br/revistamare>.
Acesso em: 18 abr. 2014.

HISTÓRIA DO COLÉGIO ESTADUAL IRACI SALETE STROZAK. Disponível em: <www.


rbniracistrozak.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=11>.
Acesso em: 10 fev. 2014.

MST, Escola itinerante do MST: História, Projeto e Experiências. In: Caderno da


Escola Itinerante, MST, Curitiba, ano VIII, n. 1, abr. 2008.

Resolução da atividade

Os ciclos de formação humana na educação do campo acompa-


nham o desenvolvimento pessoal dos alunos, rompendo com a hierar-
quia e a indivudualização por meio de uma pedagogia que parte da
realidade dos alunos e de métodos de avaliação que levam em conta
esta realidade. É uma proposta pedagógica que emancipa e transfor-
ma em vez de alienar e padronizar.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 71


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA, ITINERÂNCIA E CASA


FAMILIAR RURAL
A pedagogia da alternância é uma proposta educativa de expan-
são da escola para a comunidade. Adotando um sistema que alterna
a aprendizagem entre a problematização teórica na escola e a práxis
em casa, junto à família e a comunidade. Oferece ao jovem do campo
a qualificação escolar e a possibilidade de permanecer no campo, no
contato com a terra, reforçando e perpetuando sua identidade como
sujeito camponês.
As primeiras experiências com esse viés educativo surgem na
França da década de 1930, quando agricultores preocupados com o
abandono do campo por parte de seus filhos, procuram uma solução
junto às paróquias locais. Agricultores e párocos desenvolvem um sis-
tema educativo em que os educandos passavam três semanas em casa,
produzindo conhecimento prático junto as suas famílias, e uma sema-
na na escola, problematizando e teorizando o conhecimento produzido
nas comunidades.
A pedagogia da alternância se espalhou pelo mundo durante o
século XX, sendo muito bem recebida e adaptada à realidade de dispu-
tas do campo no Brasil. Esta proposta educativa divide o processo de
aprendizagem entre tempo-comunidade (quando o aluno fica em casa
aplicando e desenvolvendo conhecimento) e tempo-escola (período na
escola, de produção teórica). Dessa forma, a pedagogia da alternância
propicia uma educação que problematiza as relações de trabalho e
culturais específicas de cada comunidade, trabalha a identidade dos
sujeitos e os qualifica academicamente.

72 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
Essa pedagogia nasce de forma espontânea na França, no período
entre guerras, para viabilizar o funcionamento das Casas Familiares
Rurais (CAFARs). Como já citado, foi idealizada para permitir a per-
manência dos jovens no campo, e a Casa Familiar Rural nasce nesse
contexto durante a década de 1930.
As CAFARs foram as instituições onde se desenvolveu a pedagogia
da alternância. Chegam ao Brasil em 1968, inicialmente no Espírito
Santo, e se espalham pelo país. São instituições de ensino que tra-
balham com a metodologia do tempo-escola e tempo-comunidade.
Oferecem cursos Técnicos, Ensino Fundamental e Médio, e têm sido as
grandes apoiadoras da agricultura familiar no campo hoje.
Por sua proposta de desenvolver a autonomia das comunidades
nos municípios onde atuam, as CAFARs se encontram hoje no centro
da disputa entre a agricultura familiar e o agronegócio. No Paraná
é evidente o processo de sucateamento das CAFARs promovido pelo
atual governo. A CAFAR opera em sistema de convênio com os governos
estaduais. Esse tipo de contrato, apesar de eficiente, é muito frágil,
pois não cria vínculo permanente e obrigação por parte do governo
em manter as instituições. A enorme popularidade das CAFARs, entre
os camponeses, inibe os governos de simplesmente decretarem seu
fechamento. A estratégia tem sido não efetuar os repasses financeiros
inviabilizando, pouco a pouco, o funcionamento das instituições.
A mesma estratégia, ocasionalmente, também é usada contra ou-
tra frente de luta da educação do campo e da agricultura familiar, as
escolas itinerantes.
As escolas itinerantes são escolas dos acampamentos do MST. Levam
esta alcunha por serem instituições que acompanham os acampados do
MST quando há a necessidade de mudança do local do acampamento

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 73


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
devido a acordos ou reintegração de posse, e também porque acompa-
nham educadores e educandos nas marchas do Movimento.
Surgiram no Rio Grande do Sul, em 1996, e também se espalharam
por outros estados rapidamente. A proposta inicial era oferecer aos
filhos de acampados uma educação construída a partir de sua realida-
de e que problematizasse as contradições evidentes em sua condição
de sem-terra. Assim como evitar as violências e preconceitos sofridos
pelas crianças sem-terra quando iam estudar nas escolas regulares.
A escola itinerante apresenta hoje as experiências mais signifi-
cativas em educação do campo do país, pois foi forjada num processo
de luta e carrega em si a necessidade de formar sujeitos conscien-
tes desta luta. São justamente os conflitos que envolvem a luta pela
terra, o principal referencial pedagógico das escolas itinerantes, já
que a realidade dos educandos, ou seja, a rotina dos acampamentos,
é constantemente problematizada nas escolas do Movimento. Assim
como a CAFAR, a escola itinerante também funciona em sistema de
convênio com os governos estaduais, e também sofre as consequências
sendo ora perseguida, ora valorizada. Nos estados onde existem essas
escolas, determina-se uma escola base, que por sua vez, torna-se res-
ponsável por toda a documentação das escolas itinerantes do Estado,
como históricos escolares, documentação docente etc. Cada escola
itinerante possui autonomia pedagógica, pois precisa atuar de acordo
com a realidade local, mas está vinculada a escola base para receber
os repasses do Estado.
As escolas itinerantes não utilizam a pedagogia da alternância
como ocorre nas CAFARs, pois já estão inseridas na comunidade. Mas,

74 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
sendo um dos principais locais de desenvolvimento da educação do
campo, é uma escola que se estende por toda a comunidade e, assim
como na CAFAR, tem uma pedagogia que parte da realidade dos edu-
candos, de suas relações de trabalho e culturais.
Conclui-se, portanto, que tanto a escola itinerante com seu ca-
ráter de enfrentamento e luta, quanto a CAFAR aliada à pedagogia da
alternância, se apresentam hoje como os grande bastiões de resistên-
cia da educação do campo e da agricultura familiar contra o avan-
ço do agronegócio e dos projetos neoliberais que invadem o campo
brasileiro.

Extra
Este vídeo produzido pela TV Paulo Freire homenageia os 10 anos
das escolas itinerantes no Estado do Paraná. O vídeo apresenta a rea-
lidade das escolas itinerantes por meio de entrevistas com educadores
e educandos. É um material importante para compreender os assuntos
estudados no texto. Assista ao vídeo no link <www.youtube.com/wat-
ch?v=R0NCVGDPDyk>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
De acordo com o texto “Pedagogia da Alternância, Itinerância e
Casa Familiar Rural,” as propostas educativas desenvolvidas nas esco-
las itinerantes e nas CAFARs seriam os “grandes bastiões de resistência
da Educação do campo e da agricultura familiar contra o avanço do
agronegócio e dos projetos neoliberais que invadem o campo brasilei-
ro.” Explique esta afirmação.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 75


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
Referências
FANCK, Clenir. Entre a Enxada e o Lápis: a prática educativa na Casa Familiar Rural
de Francisco Beltrão / Paraná. Porto Alegre: UFRS, 2007, 149 p. Dissertação de
Mestrado, Faculdade de Educação.

JUNIOR, Iokisa Takau. Escola itinerante: escola, Estado e MST no espaço do


acampamento. XIX Encontro Nacional De Geografia Agrária, São Paulo, 2009, pp.
1-27.

Resolução da atividade

A Casa Familiar Rural (CAFAR), por meio da pedagogia da alter-


nância, tem como objetivo fixar o homem ao campo oferecendo uma
educação que parte de sua realidade e reforça sua identidade como
sujeito do campo. Assim como nas escolas itinerantes se desenvolve a
educação do campo de maneira exemplar, com as escolas de acampa-
mento se estendendo para muito além do prédio escolar e engloban-
do toda a comunidade e até mesmo suas tarefas externas (marchas,
eventos etc.). Dessa forma, a CAFAR e a escola itinerante atuam como
protagonistas na guerra contra o agronegócio que visa expulsar o cam-
ponês de sua terra, eliminando sua identidade por meio da educação
burguesa.

76 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO DO CAMPO
O processo de avaliação é mais um ponto de desacordo entre a
educação burguesa tradicional adotada pela grande maioria das esco-
las do sistema educacional brasileiro hoje, e a concepção de educação
do campo que desde os anos 1980 vem disputando o chão da escola
com o grande capital.
O sistema de avaliação tradicional compreende uma pedagogia
comportamentalista, condicionadora, que utiliza a classificação dos
alunos pelas notas ou conceitos para excluir, discriminar e selecionar
aqueles considerados melhores ou mais aptos ao mercado de trabalho.
Tal sistema condicionou os educadores e educandos a um processo
competitivo. O educador acaba por utilizar sua posição privilegiada de
avaliador para punir e manter a disciplina por meio da ameaça de uma
nota baixa. O educando, por sua vez, se preocupa mais em criar arti-
manhas para garantir a nota do que com o processo de ensino-apren-
dizagem e a construção e compreensão do conhecimento. De acordo
com Silva, Bezerra e Ferrante:
Na realidade atual, esta prática corresponde a um meio
de controle feito através de atribuição de pontos ou
notas, para que os alunos realizem as tarefas propostas
e tenham o comportamento esperado. A nota, portan-
to, passa a representar um objetivo diferente da re-
presentação do rendimento do aluno. O compromisso
do aluno então, não é com o conhecimento, mas com
o sucesso nesses instrumentos estipulados. A preocupa-
ção, então, está em obter os pontos determinados para
cada atividade escolhida dentro do processo avaliativo.
(SILVA; BEZERRA; FERRANTE, 2012, p. 2.886)

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 77


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
O processo avaliativo dentro da concepção de educação do campo
procura romper com esse padrão excludente e alienador da avaliação
tradicional enraizada na maioria das escolas brasileiras. Para tanto,
caminha com o conceito de avaliação participativa, tirando a figura
do professor como centro do sistema avaliativo e colocando toda a
comunidade escolar – pais, alunos, funcionários e professores – no
cerne da avaliação.
A avaliação participativa não exclui os métodos tradicionais como
testes e audições, mas transcende a atribuição meramente punitiva ou
compensatória destes. O processo avaliativo se estende por todo o pe-
ríodo escolar, todos estão em constante avaliação, uns pelos outros e
também por si mesmos. A avaliação crítica e participativa faz com que
os alunos compreendam e valorizem a sua situação de educandos ao
perceberem seu papel na construção dos conhecimentos trabalhados e
no direcionamento pedagógico da escola. Assim como tira o professor
da zona de conforto propiciada pela autoridade que lhe é concedida
ao se reproduzir no ambiente escolar as relações de poder capitalistas.
Como apontado por Silva, Bezerra e Ferrante:
Essa forma de avaliação parte do pressuposto que to-
dos os sujeitos que atuam na escola têm uma parcela
de responsabilidade com o seu funcionamento e com a
qualidade dos trabalhos ali desenvolvidos. Portanto, to-
dos podem e devem ser avaliados e avaliar o outro para
que haja mudança de postura e crescimento, tanto no
aspecto individual, quanto coletivo. (SILVA; BEZERRA;
FERRANTE, 2012, p. 2.888)

A escola base do MST no Paraná, Colégio Estadual Iraci Strozak,


trabalha com ciclos de formação e avaliação participativa. Nessa

78 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS
instituição as avaliações consideram a realidade dos alunos, aspectos
psicológicos, vivências em família e na comunidade. Também realizam
o conselho de classe participativo, onde alunos, pais, funcionários e
professores avaliam uns aos outros e se autoavaliam.
O exemplo do Colégio Iraci Strozak é emblemático, já que esta
instituição de ensino é referência no país em relação à educação do
campo. Mostra a eficácia da pedagogia do movimento, e das ferra-
mentas que vem desenvolvendo e disponibilizando – como avaliação
participativa – para ajudar na construção de uma educação pública, de
qualidade e emancipadora que tenha como fim, não as demandas capi-
talistas, mas a conscientização dos sujeitos e a transformação social.

Extras
O artigo indicado a seguir problematiza a relação entre educação
do campo no sentido interculturalista e o sistema de avaliação crítica e
participativa. Material de grande relevância para o aprofundamento das
reflexões sobre o tema proposto na aula. Acesse o artigo no link <www.
ies.ufpb.br/ojs/index.php/rec/article/viewFile/18997/10544>. Acesso
em: 14 jan. 2016.
Além disso, leia o artigo que discorre sobre a implantação dos
ciclos de formação nas escolas de assentamentos e acampamentos do
MST. O texto traz reflexão sobre o contraponto entre a educação se-
riada hierarquizada e a educação por ciclos que busca a emancipação.
Importante material para se aprofundar no tema proposto. Acesse o
artigo no link <www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2011/
pdf/2/040.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2016.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 79


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3
Parte
POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS

Atividade
De acordo com o texto “Avaliação na Educação do Campo”, o
processo avaliativo tradicional apresenta objetivos e resultados com-
pletamente diferentes da proposta de avaliação participativa da edu-
cação do campo. Explique esta afirmação.

Referências
SILVA, Silvani da; Bezerra, Maria Cristina dos Santos; FERRANTE, Vera Lúcia Silveira
Botta. A avaliação escolar na perspectiva da Educação do Campo: modelos em
conflito. João Pessoa: UFPB, 2012.

HISTÓRIA DO COLÉGIO ESTADUAL IRACI SALETE STROZAK. Disponível em: www.


rbniracistrozak.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=11.
Acesso em: 10 fev. 2014.

Resolução da atividade

No processo de avaliação tradicional da escola burguesa, as fer-


ramentas avaliativas são utilizadas como uma forma de reforço da
autoridade do professor sobre os alunos, assim como os resultados ob-
servados que, transmutados em notas e conceitos, tem como objetivo
a exclusão e o controle. Já na avaliação participativa proposta pela
Educação do Campo, o processo de avaliação é horizontalizado, tendo
participação de toda comunidade escolar, onde todos se autoavaliam
e avaliam uns aos outros. Ocorre a valorização do processo de ensino/
aprendizagem e a interpretação dos resultados transcende as notas
e conceitos, sendo observada a evolução do aluno em sua formação
humana integral.

80 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Aula 5

MATERIALIDADE DO
CURRÍCULO DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
Objetivo:

Refletir sobre a organização


do trabalho pedagógico nas escolas
do campo, planejamento e didática na
educação do campo, e interdisciplinaridade
como perspectiva transformadora.

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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NAS
ESCOLAS DO CAMPO
Para iniciar esta aula, é preciso compreender o conceito de orga-
nização do trabalho pedagógico, que para Martins é “a organização da
educação de modo amplo, que se articula também com a visão formal,
ou seja, processos educativos sociais e escolares” (MARTINS, 2008).
Além disso, o autor aponta que “falar de organização do trabalho pe-
dagógico é fazer considerações indissociáveis entre a organização es-
colar e a organização social”. (MARTINS, 2008).
Ainda, Martins (2008) aponta que a organização do trabalho pe-
dagógico das escolas do campo tem herança do modo de produção
capitalista, tendo em vista sua ideologia estar presente na materiali-
dade do modelo taylorista-fordista imprimindo papéis aos profissionais
da educação que lembram aqueles ligados à fábrica, tais como o su-
pervisor e orientador educacional. O autor explica que isso acontece,
tanto, explicitamente
com a utilização da pedagogia da qualidade total ou da
pedagogia empreendedora, ou de forma implícita, com
a organização escolar hierárquica, excludente, seletiva
e classificadora, enfim, longe do propósito emancipa-
tório. (MARTINS, 2008)

Quando tratamos da organização do trabalho pedagógico precisa-


mos considerar alguns elementos para problematizar a realidade das
escolas localizadas no campo. Devemos levar em conta o tempo de
organização desta escola, calendário, gestão, localização, transporte
escolar, comunidade escolar, cultura local, trabalho, currículo, bem

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 83


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1 MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
como a seleção de conteúdos, função dos sujeitos da escola, além das
diretrizes que dão amparo para essa organização.
A escola do campo constitui-se com especificidades diferenciadas
das escolas urbanas, por isso necessita de outro trabalho pedagógico
que a represente. Deve ser levado em conta o trabalho das comuni-
dades. Normalmente, as crianças ajudam os responsáveis nos períodos
de safra, e muitas vezes, por condições de sobrevivência, faltam a
aula nesses períodos. Outra condição específica são as intempéries
climáticas que se tornam determinantes para o acesso à escola. Os
ilhéus, pescadores, agricultores, familiares etc., dependem de outra
organização escolar para que sejam acolhidos e tenham acesso com
plenitude a esse direito social.
Conforme já foi discutido em outras aulas, a educação do campo
é um projeto de sociedade construído pelos sujeitos do campo, uma
construção que vem sendo materializada e que, aos poucos, ocupa os
espaços da escola. Mas é preciso afirmar que a força que constituiu
esse projeto de sociedade popular, que é a educação do campo, é a
mesma que consolida essa concepção. Seja pela visibilidade que vem
delineando no âmbito da legislação educacional e na sociedade mais
ampla, ou também pelo compromisso e luta de muitos educadores e
militantes que acreditam e que fortalecem esse projeto.
Ao tratar de amparos legais para a organização do trabalho peda-
gógico das escolas localizadas no campo, vamos tratar de dois docu-
mentos fundamentais: Diretrizes Operacionais da Educação Básica do
Campo de 2002 e Diretrizes Complementares da Educação do Campo
de 2008. Importante ressaltar que estamos elencando alguns artigos
para expor nesta aula, entretanto é muito importante que esses docu-
mentos sejam lidos e estudados para fortalecer o trabalho realizado na

84 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
escola e amparar a organização destas vinculadas às especificidades
que às concerne.
É possível observar no 7.º artigo das Diretrizes Operacionais da
Educação do Campo (2002) a flexibilização do calendário escolar das
escolas localizadas no campo, tendo em vista as especificidades do
campo. Além disso, esse artigo fala sobre a disposição do ano letivo,
sobre as atividades pedagógicas das escolas que podem ser organiza-
das em diferentes espaços pedagógicos:
É de responsabilidade dos respectivos sistemas de en-
sino, através de seus órgãos normativos, regulamentar
as estratégias específicas de atendimento escolar do
campo e a flexibilização da organização do calendá-
rio escolar, salvaguardando, nos diversos espaços pe-
dagógicos e tempos de aprendizagem, os princípios da
política de igualdade. §1.° O ano letivo, observado o
disposto nos artigos 23, 24 e 28 da LDB, poderá ser
estruturado independente do ano civil. §2.° As ativida-
des constantes das propostas pedagógicas das escolas,
preservadas as finalidades de cada etapa da educação
básica e da modalidade de ensino prevista, poderão
ser organizadas e desenvolvidas em diferentes espaços
pedagógicos, sempre que o exercício do direito à edu-
cação escolar e o desenvolvimento da capacidade dos
alunos de aprender e de continuar aprendendo assim o
exigirem. (BRASIL, 2002)

Ao pensar na flexibilidade do calendário escolar é preciso com-


preender o conjunto de fatores que determinam e constituem sua real
materialidade, conforme aponta Martins:
[...] ao se proporem mudanças para um calendário

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 85


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1 MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
específico que respeite os tempos camponeses, o pri-
meiro obstáculo estabelecido é a organização do siste-
ma (seja municipal ou estadual), pois os profissionais
podem pertencer concomitantemente a um outro esta-
belecimento de ensino. Daí desdobram-se duas neces-
sidades: o ingresso e a carreira para o educadora(a) do
campo e suas condições de trabalho. (MARTINS, 2008)

Outra contribuição importante da legislação é o artigo 10.º que


trata da gestão democrática nas tomadas de decisões na escola “cons-
tituindo mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre a
escola, comunidade local, movimentos sociais, órgãos normativos do
sistema de ensino e demais setores da sociedade” (BRASIL, 2002).
As Diretrizes Complementares da Educação do Campo de 2008,
em seu artigo 3.º dispõem que “a Educação Infantil e os anos iniciais
do Ensino Fundamental serão sempre oferecidos nas próprias comuni-
dades rurais, evitando-se os processos de nucleação de escolas e de
deslocamento das crianças” (BRASIL, 2008). Esse artigo é extrema-
mente importante para pensar a realidade escolar e no desmantela-
mento que vem ocorrendo no campo, tendo em vista uma nova ordem
capitalista que forja o fechamento das escolas na política chamada
nucleação de escolas.
No parágrafo 1.º, é possível observar que será possível a oferta de
escolas nucleadas para os anos iniciais do Ensino Fundamental, respei-
tando o deslocamento intracampo “cabendo aos sistemas estaduais e
municipais estabelecer o tempo máximo dos alunos em deslocamento
a partir de suas realidades” (BRASIL, 2008).
Quando tratamos das condições fundamentais de oferta pedagó-
gica nas escolas do campo, o artigo 7.º das Diretrizes Complementares

86 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
da Educação do Campo orienta algumas questões fundamentais, tais
como: infraestrutura adequada, “materiais e livros didáticos, equi-
pamentos, laboratórios, biblioteca e áreas de lazer e desporto, em
conformidade com a realidade local e as diversidades dos povos do
campo” (BRASIL, 2008). O parágrafo primeiro desse artigo, ainda,
orienta que “a organização e o funcionamento das escolas do campo
respeitarão as diferenças entre as populações atendidas quanto à sua
atividade econômica, seu estilo de vida, sua cultura e suas tradições”
(BRASIL, 2008).
Sobre o transporte escolar das escolas localizadas no campo, o ar-
tigo 10.º indica que deverão ser considerados diversos determinantes
para a organização da localização da escola, tendo em vista
[...] as distâncias de deslocamento, as condições de
estradas e vias, o estado de conservação dos veículos
utilizados e sua idade de uso, a melhor localização e
as melhores possibilidades de trabalho pedagógico com
padrão de qualidade. (BRASIL, 2008)

Martins aponta que:


A organização da escola necessita então de uma mu-
dança na organização dos próprios tempos educativos.
Há, nesse sentido, iniciativas como a pedagogia da al-
ternância e do trabalho como princípio educativo que
visa a vincular os tempos educativos com as necessida-
des da educação do campo. (MARTINS, 2008)

Nesse sentido, foi possível observar que as escolas localizadas no


campo podem imprimir outra organização que represente as especi-
ficidades dos sujeitos que a concernem. É preciso levar em conta os
princípios da educação do campo e reconhecer que “a organização do

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 87


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1 MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
trabalho educativo da escola do campo não pode prescindir da realiza-
ção de projetos educativos que consideram sua realidade” (MARTINS,
2008).

Extra
Para aprofundar os conhecimentos nesta parte da aula leia o ar-
tigo Educação do Campo: notas para uma análise de percurso, da
Roseli Salete Caldart. Este artigo contribuirá para refletir sobre os
princípios da educação do campo e a sua implicação na organização do
trabalho pedagógico das escolas. Texto disponível em: <www.scielo.
br/pdf/tes/v7n1/03.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
Nesta parte da aula, foi possível refletir sobre a organização do
trabalho pedagógico nas escolas do campo e que a escola do campo
constitui-se com especificidades diferenciadas das escolas urbanas,
por isso necessita de outro trabalho pedagógico que a represente.
Nesse sentido, escreva um texto problematizando no que esta especi-
ficidade difere o trabalho feito nestas escolas.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB n. 1, de 3 de abril de 2002.
Institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Diário
Oficial da União, Brasília: Poder Legislativo, 9 abr. 2002.

______. Ministério da Educação. Resolução n. 2, de 28 de abril de 2008. Estabelece


Diretrizes Complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas
públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. Diário Oficial da União,
Brasília: Poder Legislativo, 29 de abril 2008.

88 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
1

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
MARTINS, Fernando José. Organização do trabalho pedagógico e Educação do Campo.
Revista Educação. Minas Gerais. v. 33, n. 1, 2008.

Resolução da atividade

Deve ser levado em conta o trabalho das comunidades, estradas,


calendário, entre outros determinantes que inferem na realidade dos
alunos.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 89


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2 MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II

PLANEJAMENTO E DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO DO


CAMPO
Nesta parte da aula, faremos uma reflexão do planejamento em
sala de aula e as possibilidades de mediação didática levando em con-
ta os princípios da educação do campo. Planejar é “pensar sobre aqui-
lo que existe, sobre o que se quer alcançar, com que meios se pretende
agir” (OLIVEIRA, 2007, p. 21). Assim, o trabalho realizado na escola
precisa ter um planejamento que compreenda todo o processo que
será desenvolvido.
O planejamento das escolas localizadas no campo, sempre esteve
ligado a uma adaptação da escolas urbanas, desconsiderando os sujei-
tos e as possibilidades e especificidades do campo, tornando o conhe-
cimento hegemônico e necessário a um contexto específico: o urbano.
Essa é uma realidade emergente e atual.
Cabe lembrar que a utilização de um planejamento pronto e
acabado, mesmo que seja para uma escola rural, também adere à
concepção da educação rural, pois cada escola tem uma especifici-
dade e existem relações diferenciadas, alunos, professores e comu-
nidades singulares, contextos particulares que precisam de traduções
diversificadas.
Em contraponto a esta condição é que “a educação toma posi-
ção, age, desde uma particularidade e não abandona a perspectiva
da universalidade, mas disputa sua inclusão nela (seja na discussão da
educação ou de projeto de sociedade)”. (CALDART, 2009, p. 38).

90 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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2

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
O planejamento é primordial para o desenvolvimento da aula, pois
o trabalho nas escolas não pode contar com o improviso. Precisa ser
bem articulado, reflexivo e conter conteúdos e objetivos específicos.
Precisa responder algumas questões para que sua função social fique
clara. As questões referem-se como, quando e porquê determinado
conteúdo será ensinado.
O planejamento precisa ser discutido com a comunidade escolar,
este trabalho aproximará a escola do contexto dos alunos e o conhe-
cimento vinculará a um processo de resistência e consequentemente
de transformação.
Para a construção do planejamento e para a orientação da didáti-
ca nas escolas do campo, escolhemos os pressupostos teórico-metodo-
lógicos de Gasparin (2013) que toma como base a pedagogia histórico-
-crítica. Os passos para o desenvolvimento desse trabalho são:
1. prática social inicial;
2. problematização;
3. instrumentalização;
4. cartase;
5. prática social final.
Para pensar na materialidade deste planejamento o primeiro pon-
to é mobilização dos sujeitos. Gasparin defende que “o educando deve
ser desafiado, mobilizado, sensibilizado; deve perceber alguma relação
entre o conteúdo e a sua vida cotidiana, suas necessidades, problemas
e interesses” (GASPARIN, 2013, p. 13). Nesse sentido, o autor defende
que o professor conheça a prática social inicial do aluno para que possa

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 91


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Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
motivá-lo e consequentemente alcance os objetivos que serão propostos
com o planejamento. Como procedimento prático, o “professor anuncia
[...] ao conteúdo a ser trabalhado [...] dialoga com os educandos sobre o
conteúdo, busca verificar que domínio já possuem e que uso fazem dele
na prática social cotidiana” (GASPARIN, 2013, p. 20).
O segundo passo, a problematização que é “um elemento-chave
na transição entre prática e teoria, isto é, entre o fazer cotidiano e a
cultura elaborada [...] é o momento em que se inicia o trabalho com
o conteúdo sistematizado” (GASPARIN, 2013, p. 33). É um momento
de indagação, e sua função é “selecionar as principais interrogações
levantadas na prática social a respeito de determinado conteúdo”
(GASPARIN, 2013, p. 35).
A instrumentalização é o terceiro passo deste método. Segundo
Gasparin (2013) esse é o momento em que há o confronto intelectual
entre o conhecimento científico e os conhecimentos cotidianos. O au-
tor explica que
[...] a instrumentalização é o caminho pelo qual o con-
teúdo sistematizado é posto à disposição dos alunos
para que o assimilem e o recriem e, ao incorporá-lo,
transformem-no em instrumento de construção pessoal
e profissional (GASPARIN, 2013, p. 51).

Este é o momento da análise. O professor tem função mediadora


do conhecimento, é ele quem fará a relação entre conhecimento cien-
tífico e conhecimento cotidiano. Gasparin explica que “a mediação
somente acontece à medida que ele conhece tanto os conceitos cien-
tíficos quanto os cotidianos” (GASPARIN, 2013, p. 116).

92 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
2

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
O quarto passo é a cartase, que é a “síntese do cotidiano e do
científico, do teórico e do prático a que o educando chegou, marcando
sua nova posição em relação ao conteúdo e à forma de sua construção
social e sua reconstrução na escola” (GASPARIN, 2013, p. 124). Nesse
ponto, Gasparin explica que o aluno será capaz de compreender a rea-
lidade de outra forma, pois os conteúdos “tornam-se verdadeiramen-
te significativos porque passam a fazer parte integrante e consciente
do sistema científico, cultural e social de conhecimentos” (GASPARIN,
2013, p. 1 270).
O quinto e último passo é a prática social final do conteúdo, que
é a “confirmação de que aquilo que o educando somente conseguia
realizar com a ajuda dos outros agora o consegue sozinho, ainda que
trabalhando em grupo” (GASPARIN, 2013, p. 142).
O desenvolvimento do planejamento precisa levar em conta os
aspectos problematizados anteriormente sobre a didática. E a espe-
cificidade da educação deve ser um princípio para esta construção.
Não existe um modelo de planejamento, assim como não há modelos
ou padrões para a diversidade das escolas do campo, o que precisa ser
considerado são as questões norteadoras: O que? Para quê? Como?
Dentro da questão norteadora “O que?” é necessário compreender
quais são as principais problemáticas da comunidade escolar, sendo
trabalho predominante, qual é a cultura, quais são os povos tradicio-
nais que residem no entorno da escola, para então pensar nos con-
teúdos que serão trabalhados. A avaliação deverá articular-se a esta
questão. Quanto à pergunta “Para quê?” é necessário compor quais são
os objetivos que serão trabalhados, e a avaliação deverá articular-se

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 93


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2 MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
neste ponto, também. E na questão “Como?” deverá apontar-se o
modo como este conhecimento será mediado1, a didática, a metodo-
logia aplicada e quais recursos serão utilizados. Na figura a seguir, é
possível observar essa explicação organizada em tópicos.

• Problemáticas da comunidade escolar.


O quê? • Conteúdos articulados com a avaliação.

Para quê? • Objetivos articulados com a avaliação.

• Didática.
Como? • Metodologia.
• Recursos.

O planejamento e a didática são fatores primordiais para pensar


no trabalho em sala de aula. A educação na perspectiva discutida é
entendida como fator social, político e ideológico. O compromisso com
este esforço teórico-prático é que traduz a práxis pedagógica e que
firma a função social da escola vinculada a um processo de transfor-
mação mais amplo.

1 Apresentamos anteriormente a proposta de Gasparin (2013) que fez uso do método da pedagogia histórico-crítica
desenvolvida pelo teórico Dermeval Saviani, pois entendemos que esta proposta contempla considerações que
dialogam com os princípios da educação do campo, levando em conta a realidade do aluno, preocupando-se com cri-
ticidade, com a apropriação do conhecimento historicamente produzido, e principalmente considerando a educação
como transformação da realidade.

94 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
2

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
Extra
Leia o texto Planejamento e Avaliação, de João Luiz Gasparin,
para aprofundar as reflexões suscitadas nesta parte da aula. Esse artigo
contribuirá para avançar na discussão pautada. Disponível em: <http:
portal.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/14_02_2011_11.10.46.
f10026cfdb3402723ee1bd9293bf915d.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
Construa um planejamento que leve em conta os princípios da
educação do campo e compreenda as orientações da pedagogia histó-
rico-crítica discutida nesta aula. Lembre-se de responder as questões
norteadoras, o que? para quê? como?
Bom trabalho!

Referências
CALDART, Roseli Salete. Educação do campo: Notas para uma análise de percurso.
In: Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 7 n.1,p.35-64, mar./
jun.2009.

OLIVEIRA, Dalila de Andrade. Gestão Democrática da Educação: Desafios


Contemporâneos. 7. ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2002.

GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a Pedagogia Histórico-crítica. 5. ed.


Campinas: Autores Associados, 2013.

Resolução da atividade

A resposta do aluno deverá elencar os passos para uma pedagó-


gica histórico-crítica, prática social inicial, problematização, instru-
mentalização, cartase, prática social final. Além disso, deverá res-
ponder as questões norteadoras: O que? Para quê? Como?
CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 95
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3 MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II

INTERDISCIPLINARIDADE X RELAÇÃO TEORIA-


-PRÁTICA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO
A visibilidade dada à interdisciplinaridade como um novo método
formativo de organização disciplinar é defendida por surgir em oposi-
ção à organização tradicional. A explicação se dá pelo modelo disci-
plinar implicar em uma construção linear e fragmentada do conheci-
mento. Em contraponto, a interdisciplinaridade busca a unificação do
saber.
A interdisciplinaridade surge no contexto capitalista para suprir
novas necessidades formativas que a educação tradicional não esta-
va dando conta. Segundo Fazenda, “interdisciplinaridade é uma nova
atitude diante da questão do conhecimento” (FAZENDA, 2002, p.11).
Do mesmo modo que surgiu uma nova concepção de pensar a or-
ganização disciplinar, surge a necessidade da formação docente para
trabalhar com a interdisciplinaridade. O professor tem um novo pa-
pel que não é mais mediador do conhecimento, e sim facilitador da
aprendizagem.
Nessa perspectiva, as experiências dos alunos são determinantes,
pois inferem em uma nova forma de entender o currículo, escola, co-
nhecimento e disciplinas. O ponto de partida nessa concepção é elen-
car um problema que se insere no contexto de atuação, as disciplinas
serão constituídas como ferramentas para responder com detalhes a
discussão proposta.
Fiod explica que:
A indefinição teórica que permeia a proposta interdis-
ciplinar, cujo fundamento é uma fugidia relação entre

96 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
3

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
as disciplinas escolares, impõe a seus defensores a ad-
missão de que ela não é uma nova ciência, mas atitude,
um ponto de vista, quiçá, um lema a ser adotado face
ao conhecimento. (FIOD, 2012, p. 177)

Importante registrar que a interdisciplinaridade é constituída em


diálogo com pedagogia das competências tendo em vista que “o aluno
deve ser sujeito ativo do seu conhecimento; atividades escolares de-
vem partir do saber inicial dos alunos para desenvolver competências
que venham a ampliar esse saber” (FIOD, 2012, p. 172). Além disso,
“o aprender a aprender imanente à pedagogia interdisciplinar” (FIOD,
2012, p. 173) e visa formar a criatividade e a criticidade. Fiod explica
que “ensinar de acordo com essas afirmações, não é dar aulas, mas
administrar situações de aprendizagem”. (FIOD, 2012, p. 173).
A educação do campo defende a relação teoria-prática como rela-
ção pedagógica, o professor tem a função mediadora do conhecimento
e articula seu trabalho pedagógico a uma concepção crítica. Segundo
Caldart:
Uma crítica prática que se fez teórica ou se constituiu
também como confronto de ideias, de concepções,
quando pelo ‘batismo’ (nome) assumiu o contraponto:
Educação do campo não é Educação rural, com todas
as implicações e desdobramentos disso em relação a
paradigmas que não dizem respeito e nem se definem
somente no âmbito da educação. (CALDAR, 2009, p. 40)

Quando pensamos na especificidade da educação no contexto


das escolas do campo é preciso levar em conta a realidade do aluno
para pensar na mediação do conhecimento, pois o conhecimento é a
compreendido como possibilidade de transformação e a educação do
campo:
CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 97
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3 MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
[...] é um movimento real de combate ao ‘atual es-
tado de coisas’: movimento prático, de objetivos ou
fins práticos, de ferramentas práticas, que expressa e
produz concepções teóricas, críticas a determinadas vi-
sões de educação, de política de educação, de projetos
de campo e de país, mas que são interpretações da
realidade construídas em vista de orientar ações/lutas
concretas. (CARDART, 2009, p. 40).

Caldart aponta que a escola deve estar “vinculada à ‘vida real’,


não no sentido de apenas colada a necessidades e interesses de um co-
tidiano linear e de superfície, mas como síntese de múltiplas relações,
determinações, como questões da realidade concreta” (CALDART,
2009, p. 46).
Um exemplo expressivo de trabalho com relação teoria-prática é a
pedagogia da alternância. É uma metodologia que interlaca o currículo
escolar entre o TE (Tempo Escola) e TC (Tempo Comunidade), no sentido
que o aluno aplica na comunidade os conhecimentos que estuda na escola
e ao mesmo tempo articula a teoria à prática. Para Caldart:
O grande desafio curricular não é nessa visão [da
Educação do Campo] apenas garantir momentos de
contextualização dos conteúdos, mas sim o de juntar
teoria e prática, integrando, em uma mesma totali-
dade de trabalho pedagógico, não somente disciplinas
ou conteúdos entre si, mas estudo e práticas sociais,
fundamentalmente práticas de trabalho e de organiza-
ção coletiva dos estudantes, totalidade inserida na luta
pela criação de novas relações sociais e na formação
omnilateral dos trabalhadores que lhe corresponde.
(CALDART, 2011, p. 114).

98 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
3

Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
Freire faz o contraponto entre a educação bancária e a educação
problematizadora e a relação com a materialidade da disciplina:
[...] cada disciplina precisa ser analisada não apenas no
lugar que ocupa ou ocuparia na grade, mas nos saberes
que contemplam nos conceitos enunciados e no movi-
mento que esses saberes engendram, próprios de seu
lócus de cientificidade. (FREIRE, 1987, p. 57).

Há de se reconhecer que a linearidade disciplinar vinculada a uma


concepção positivista não tem vínculo com os princípios da educação
do campo, mas é preciso estar atento para que a prática interdiscipli-
nar não torne o conhecimento como algo espontâneo, natural e frágil.
Por isso, quando falamos baseados nos princípios da educação do cam-
po defendemos a relação teoria-prática.

Extra
Indica-se o livro Licenciaturas em Educação do Campo e o Ensino
de Ciências Naturais: desafios à promoção do Trabalho Docente in-
terdisciplinar, organizado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Este livro reúne diversos textos que contribuirão para o aprofunda-
mento do conhecimento sobre a materialidade pedagógica que articu-
la a teoria-prática na educação do campo. Disponível em: < www.mda.
gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/user_img_248/Livro%20LEDOC%20
CIEMA%20WEB.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
Com o surgimento de uma nova concepção de pensar a organiza-
ção que articule teoria-prática, muda-se a o trabalho com os alunos. O
que se pode indicar como mudança principal?

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 99


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3 MATERIALIDADE DO CURRÍCULO DA
Parte
EDUCAÇÃO DO CAMPO II
Referências
CALDART, Roseli Salete. Educação do campo: Notas para uma análise de percurso.
In: Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.7 n.1, p.35-64, mar./
jun.2009.

______ Licenciatura em Educação do Campo e projeto formativo: qual o lugar da


docência por área? In: MOLINA, M. C.; SÁ, L. M. (Org.). Licenciaturas em Educação
do Campo. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. v. 5, p. 95-121.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Dicionário em construção: interdisciplinaridade.


3. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

______. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou


ideologia. São Paulo: Loyola, 1993.

FIOD, Edna Garcia Maciel. Interdisciplinaridade na Educação: algumas reflexões. In:


VENDRAMINI, Célia Regina; AUED, Bernardete Wrublevski. Temas e problemas no
ensino em escolas do campo. 1. ed. São Paulo: Outras expressões, 2012, p. 155-180.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 32 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

Resolução da atividade

A realidade do aluno é articulada ao trabalho na escola, para


pensar na mediação do conhecimento, pois este é compreendido como
possibilidade de transformação e articula-se a um processo mais am-
plo de trabalho pedagógico.

100 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Aula 6

EDUCAÇÃO DO CAMPO
E O TRABALHO COM
CLASSES MULTISSERIADAS
Objetivo:

Discutir sobre as classes multisseriadas


no contexto educacional brasileiro e na
educação do campo, planejamento
pedagógico para essas classes, e
organização de um currículo integrado.

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EDUCAÇÃO DO CAMPO E O TRABALHO COM
1

Parte
CLASSES MULTISSERIADAS
CLASSES MULTISSERIADAS NO CONTEXTO
EDUCACIONAL BRASILEIRO E A EDUCAÇÃO DO CAMPO
As classes multisseriadas são organizadas com turmas de diferen-
tes anos e diferentes níveis de aprendizagem em uma mesma sala,
atendendo diferentes faixas etárias e com uma única professora. A
educação do campo defende esse espaço/tempo, em que as crian-
ças aprendem o conhecimento em um processo coletivo e articulado
à teoria-prática, porém torna-se necessário refletir sobre a questão
da estrutura física das escolas, planejamento pedagógico, formação
específica dos professores(as), e de um currículo condizente com a
especificidade do campo.
A auto-organização é um processo formativo nas escolas multisse-
riadas, é protagonizada pelos professores e alunos, pois estes sujeitos
mostram que é possível um trabalho de qualidade. Defendemos que
este é um trabalho diferenciado que respeita o ritmo do aluno e preo-
cupa-se com o processo de aprendizagem. A herança do modelo seria-
do está enraizada na organização curricular de nossas escolas e assim,
firma um desmerecimento a essa organização.
No contexto brasileiro, os alunos que estudam nas escolas loca-
lizadas no campo enfrentam dificuldades na organização do planeja-
mento com as diferentes faixas etárias e níveis diferentes de apren-
dizagem. O livro didático muitas vezes é utilizado para a organização
do currículo escolar seriado e, muitas vezes, não tem vinculação à
materialidade da educação do campo colocando-se distante da prática
social do aluno.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 103


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Parte
CLASSES MULTISSERIADAS
Hage (2006) aponta alguns direcionamentos para mudar esta rea-
lidade tão segregadora e que preocupa os professores que atuam nes-
tas escolas. No quadro a seguir, é possível observar algumas problema-
tizações que o Hage discute, relacionadas às classes multisseriadas.

DESAFIOS REFLETIR SOBRE O INTENCIONALIDADE


ENFRENTADOS CURRÍCULO EDUCATIVA

– Exclusão do censo – Afirmar as identi-


escolar. dades culturais das
– Para que haja um populações do campo.
– Desconsideração do
processo educativo de
Poder público e da socie- – Construção coletiva
qualidade, faz-se ne-
dade civil. de um currículo que
cessária a transgressão
– Graves problemas do padrão seriado na valorize as diferentes
de infraestrutura e de organização do ensino. experiências, saberes,
condições de trabalho e valores e especificida-
aprendizagem. des culturais.

– As escolas multisse-
– Currículo que aten- riadas oportunizam às
– Precarização do mo- da a especificidade populações do campo
delo urbano seriado de dos alunos do campo o acesso à escolariza-
ensino. respeitando a cultura e ção no lugar em que
identidade. vivem, em sua própria
comunidade.
– Currículo deslocado da – Currículo heterogê- – Heterogeneidade
cultura do campo. neo e contextualizado, inerente ao processo
de acordo com a reali- educativo da multissé-
– Estrutura física das
dade campesina. rie, articulada a parti-
escolas e dificuldades
cularidades identitárias
com relação ao transpor- – As escolas multisse- relacionadas a fatores
te e as longas distâncias riadas têm assumido um geográficos, ambien-
percorridas. currículo deslocado da tais, produtivos, cultu-
– Oferta irregular da cultura das populações rais etc., são elementos
merenda escolar. do campo. imprescindíveis.

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Parte
CLASSES MULTISSERIADAS
DESAFIOS REFLETIR SOBRE O INTENCIONALIDADE
ENFRENTADOS CURRÍCULO EDUCATIVA
– Concretização de um
processo de educação
dialógica que inter-
– Predominância de uma -relacione sujeitos, – Elaboração de
educação bancária de saberes e intencio- práticas educativas e
forte tradição disciplinar. nalidades, superando políticas includentes.
a predominância de
uma educação bancá-
ria de forte tradição
disciplinar.
– Currículo baseado nas – Peculiaridades da
relações urbanocêntri- vida e do trabalho das
cas e mercadológicas. pessoas do campo.
– A escola multis-
– Falta de acompanha-
seriada oportuniza
mento pedagógico ad-
o apoio mútuo e
vêm da falta de estrutu-
a aprendizagem
ra e pessoal suficiente.
compartilhada.
– Acompanhamento
pedagógico e forma-
ção dos docentes.
– Evasão e repetência.
Apoio das Secretarias
Municipais e Estaduais
de Educação.
(Fonte: Elaborado com base no texto de Hage (2006) do artigo “Movimentos
Sociais do Campo e afirmação do Direito à Educação: Pautando o Debate
Sobre As Escolas Multisseriadas na Amazônia”.)

Extra
Indica-se o texto Educação do Campo: prática do professor em
classe multisseriada, da professora Maria Antônia de Souza e Fernando

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 105


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Parte
CLASSES MULTISSERIADAS
Henrique Tisque dos Santos. Esse texto contribui para compreender a
prática do professor que atua em classe multisseriada. Disponível em:
<www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/dialogo?dd1=1584&dd99=view&d-
d98=pb>. Acesso em: 14 jan. 2016.

Atividade
Realize uma análise do quadro que reúne os conceitos discutidos
pelo professor Hage e indique qual seu posicionamento em relação às
classes multisseriadas.

Referência
HAGE, Salomão Mufarrej. Movimentos sociais do campo e a afirmação do direito à
educação: pautando o debate sobre as escolas multisseriadas na Amazônia paraense.
In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 87, n. 217, p. 302-312.

Resolução da atividade

O aluno deverá analisar as contradições com que muitas escolas


multisseriadas estão expostas, mas identificar as possibilidades peda-
gógicas desta organização curricular.

106 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
CLASSES MULTISSERIADAS
PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO PARA CLASSES
MULTISSERIADAS
Nesta aula discutiremos como ocorre o processo do planejamento
pedagógico nas salas multisseriadas. Geralmente os professores rece-
bem o currículo pronto e acabado das Secretarias de Educação. Esses
currículos chegam às escolas com conteúdos divididos por ano aten-
dendo a uma lógica seriada de ensino não correspondendo à especifi-
cidade das classes multisseriadas e do contexto das escolas do cam-
po. E neste sentido, com uma orientação padrão para a organização
do planejamento pedagógico, os professores encontram dificuldades,
pois na prática trabalham com diferentes faixas etárias e níveis de
aprendizagem ao mesmo tempo.
Um grande desafio às classes multisseriadas, são os princípios
mercadológicos voltados ao neoliberalismo que adentram este con-
texto querendo “resolver um problema” fundamentando a pedagogia
numa relação despolitizada, exemplo expressivo foi o Programa Escola
Ativa1, programas de iniciativa privada como a fundação telefônica
Vivo2:
As escolas multisseriadas têm assumido um currículo
deslocado da cultura das populações do campo, inspi-
rado em compreensões universalizantes, que sobreva-
lorizam concepções mercadológicas e urbano-cêntricas
de vida e desenvolvimento, em detrimento dos sabe-
res, e modos de vida do campo. Essa situação deve ser
1 Leia a crítica do movimento da educação do campo sobre o programa Escola Ativa, disponível em: <www.gepec.
ufscar.br/textos-1/legislacao1/nota-tecnica-sobre-o-programa-escola-ativa-uma-analise-critica/at_download/file>.
2 Disponível em: <http://fundacaotelefonica.org.br/noticias/fundacao-telefonica-vivo-lanca-colecao-classes-multis-
seriadas-em-escolas-do-campo/ >.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 107


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Parte
CLASSES MULTISSERIADAS
confrontada caso se pretenda enfrentar o fracasso es-
colar e afirmar as identidades culturais das populações
do campo. (HAGE, 2004).

As classes multisseriadas vêm sendo caracterizadas como arcaicas,


foras do padrão e ultrapassadas por se contraporem ao modelo hege-
mônico e seriado de ensino. No entanto, é por meio de classes multis-
seriadas que a criança permanece na sua comunidade tendo o direito
de receber uma educação de qualidade. Na parte pedagógica, geral-
mente os professores utilizam o currículo fornecido pela Secretaria de
Educação com um rol de conteúdos prontos, e o professor prepara as
suas aulas de acordo com cada série. Fazem tantos planejamentos de
acordo com cada série e ao passar para os alunos(as) dividem o quadro
em partes e explicam o conteúdo referente à série destinada.
Existem exemplos de práticas dos professores que trabalham com
temáticas para todas as séries e aproveitam o seu planejamento pe-
dagógico para atender as especificidades dos alunos articulando teo-
ria-prática e conquistando resultados surpreendentes. Trabalham a
heterogeneidade, respeitando o ritmo de desenvolvimento dos alunos.
Toda organização linear, sequencial, seriada dos proces-
sos de aprendizagem, de formação e desenvolvimento
humano, de socialização tende a ser homogeneizadora
e, consequentemente, segregadora, injusta. A orga-
nização seriada vem acumulando a cada ano milhões
de segregados, reprovados por não seguirem o suposto
processo linear, seriado, do ensino dos conhecimentos
e dos processos de aprender. Isso ocorre devido ao fato
de tal organização homogeneizar processos mentais e
de formação tão diversos. (ARROYO, 2012, p. 12).

108 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
CLASSES MULTISSERIADAS
Nesse sentindo, torna-se necessário partir de uma prática peda-
gógica que valorize o contexto sociocultural dos sujeitos do campo, e
que esta respeite os diferentes níveis dos alunos baseados nos princí-
pios da formação humana.

Extra
Para aprofundar o conhecimento sobre as classes multisseriadas
leia o texto Transgressão do paradigma da (multi)seriação como re-
ferência para a construção da escola pública do campo, do professor
Salomão Hage. Este texto provoca reflexões sobre os principais dile-
mas da multisseriação e da educação do campo. Disponível em: <www.
scielo.br/pdf/es/v35n129/0101-7330-es-35-129-01165.pdf>. Acesso
em: 14 jan. 2016.

Atividade
Por que um grande desafio às classes multisseriadas, são os prin-
cípios mercadológicos voltados ao neoliberalismo que adentram este
contexto escolar?

Referências
ARROYO,  M. G­­­­­­­. Escola: terra de direito. In: ROCHA, M. I. A.; HAGE, S. M. (Orgs.)
Escola de direito: reinventando a escola multisseriada. Belo Horizonte: Autêntica,
2010, p. 119-140.

HAGE, Salomão Mufarrej. A realidade das escolas multisseriadas frente às conquistas


na legislação educacional. In: ANPED – Associação Nacional de Pós-graduação e
Pesquisa em Educação, 13, 2004, Caxambu. Disponível em <www.anped.org.br/
reunioes/29ra/trabalhos/posteres/GT13-2031--Int.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2015.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 109


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Parte
CLASSES MULTISSERIADAS

Resolução da atividade

Pois querem resolver um problema fundamentando a pedagogia


numa relação despolitizada.

110 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
CLASSES MULTISSERIADAS
ORGANIZAÇÃO DE UM CURRÍCULO INTEGRADO
O currículo integrado é uma perspectiva de educação transforma-
dora no sentido que compreende que o conhecimento historicamente
produzido pela humanidade deve ser articulado à realidade dos sujei-
tos. Kuenzer explica que é uma organização curricular que objetiva
“disponibilizar aos jovens que vivem do trabalho a nova síntese entre
o geral e particular, entre lógico e histórico, entre teoria e prática,
entre conhecimento, trabalho e cultura” (KUENZER, 2002, p. 43-44).
Com o currículo integrado, surge como possibilidade os trabalha-
dores terem acesso ao conhecimento científico que é patrimônio da
humanidade, enquanto fazem a formação profissional, pois a educa-
ção tem uma intencionalidade mais ampla que é formar um traba-
lhador crítico, que tenha condições de refletir sobre sua realidade e
contribuir com a transformação social em prol dos interesses coletivos
de trabalhadores do qual faz parte. Nesse sentido, este currículo pos-
sibilita dar visibilidade às contradições postas na sociedade.
Tem-se o trabalho como princípio educativo que “firma o caráter
formativo do trabalho e da educação como ação humanizadora me-
diante o desenvolvimento de todas as potencialidades do ser humano”
(FRIGOTTO; CIAVATTA, 2012, p. 748). E assim, “destaca a organização
do conhecimento como um sistema de relações de uma totalidade his-
tórica e dialética” (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 309).
Neste sentido o currículo integrado constitui-se em uma organiza-
ção que indaga a realidade e visa nesta própria condição uma dinâmica

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 111


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Parte
CLASSES MULTISSERIADAS
transformadora que consequentemente possibilita a emancipação dos
alunos. Rompe com a ideia do conhecimento fragmentado que impede
a formação crítica e a visibilidade às contradições sociais.
O conhecimento não é mais algo neutro, apolítico, natural e he-
gemônico. Mas, constitui-se em um importante passo para a eman-
cipação humana e neste sentido “não hierarquiza os conhecimentos
nem os respectivos campos das ciências, mas os problematiza em sua
historicidade, relações e contradições” (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p.
309-310).
A organização deste currículo é á articulada entre conhecimentos
gerais e específicos é a:
[...] relação entre partes e totalidade na produção do
conhecimento em todas as disciplinas e atividades esco-
lares, o que significa a compreensão do Conhecimento
como apropriação intelectual de determinado campo
empírico, teórico ou simbólico, pelo qual se apreen-
dem e se representam as relações que constituem e es-
truturam a realidade objetiva. (CIAVATTA; RAMOS 2012,
p. 309).

Na lógica capitalista, não cabe o currículo integrado tendo em


vista que o princípio educativo se compromete com os interesses da
classe trabalhadora. E o resultado deste currículo é a formação de om-
nilateral que é “que busca levar em conta todas as especificidades do
ser humano e as condições objetivas e subjetivas reais para seu pleno
desenvolvimento histórico” (FRIGOTTO, 2012, p. 265). Esta formação
visa à emancipação.

112 CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


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Parte
CLASSES MULTISSERIADAS
No princípio da educação do campo, a defesa é por uma pedago-
gia socialista, que as escolas organizem-se a partir do currículo inte-
gral para constituir a formação omnilateral. Nesse sentido, é
[...] considerar a realidade do campo na construção de
políticas públicas e de pedagogia significa considerar
os sujeitos da educação e considerar a prática social
que forma estes sujeitos como seres humanos e como
sujeitos coletivos. (CALDART, 2009, p. 42).

Extra
Para esta aula, indico a leitura do texto Currículo Integrado de
Maria Cristina Davini. Este texto suscitará em problematizações acerca
do tema. Disponível em: <http://smeduquedecaxias.rj.gov.br/nead/
Biblioteca/Forma%C3%A7%C3%A3o%20Continuada/Curr%C3%ADculo/
pub04U2T8.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2016.
Bons estudos!

Atividade
Tendo em vista que o currículo integrado é uma perspectiva trans-
formadora, qual a intencionalidade de outras organizações curricula-
res propostas ao trabalhador na atualidade, principalmente aquelas
ligadas ao modo de produção capitalista?

Referências
CALDART, Roseli Salete. Educação do campo: Notas para uma análise de percurso.
In: Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.7 n.1, p. 35-64, mar./
jun.2009.

CURRÍCULO E METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 113


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3 EDUCAÇÃO DO CAMPO E O TRABALHO COM
Parte
CLASSES MULTISSERIADAS
CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. Ensino Médio Integrado. In: CALDART, R. S. (Org.)
Dicionário da educação do campo. Rio de Janeiro; São Paulo: Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012, p. 305-313.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação Omnilateral. In: CALDART, R. S. (Org.) Dicionário


da educação do campo. Rio de Janeiro; São Paulo: Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012, p. 265-271.

FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. Trabalho como princípio educativo. In:


CALDART, R. S. (Org.) Dicionário da educação do campo. Rio de Janeiro; São Paulo:
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012, p. 748-755.

KUENZER, Acácia Zeneida (Org.). Ensino médio: construindo uma proposta para os
que vivem do trabalho. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

Resolução da atividade

A intencionalidade é ligada a um compromisso com o lucro de


uma minoria e a alienação do trabalhador.

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Camila Casteliano Pereira


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