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Cinética Da Fermentação e Balanço de Massa Da Produção de Cachaça Artesanal
Cinética Da Fermentação e Balanço de Massa Da Produção de Cachaça Artesanal
2008
Resumo
Autores | Authors
O presente trabalho descreve os resultados obtidos em uma aula prática
Walter CARVALHO da disciplina Tecnologia de Bebidas Fermentadas e Destiladas, ministrada para
Universidade de São Paulo (USP) graduandos em Engenharia Bioquímica na Escola de Engenharia de Lorena.
Escola de Engenharia de Lorena (EEL) Como forma de demonstrar, na prática, conceitos e métodos envolvidos na
Departamento de Biotecnologia
Estrada Municipal do Campinho, s/n fermentação e destilação de bebidas alcoólicas, propôs-se aos alunos produzir
Caixa Postal: 116 aguardente artesanal a partir de caldo de cana-de-açúcar. Inicialmente, 5 dúzias
CEP: 12602-810 de cana (139 kg) foram submetidas à moagem, gerando 52 L de caldo com
Lorena/SP – Brasil
e-mail: carvalho@debiq.eel.usp.br
21 °Brix. Após a diluição do teor de sólidos solúveis para 15 °Brix, o mosto
(73 L) foi transferido para uma dorna de aço inox (100 L) e inoculado com 365 g
de fermento prensado, resultando em concentração inicial de células igual a
Larissa CANILHA
5 x 107 cels.mL–1. A fermentação foi conduzida em temperatura ambiente e, ao
Universidade de São Paulo (USP)
Escola de Engenharia de Lorena (EEL) final de 114 h, a atenuação do mosto chegou a aproximadamente 75%. Houve
Departamento de Biotecnologia crescimento celular intenso durante as primeiras 12 h de fermentação, com
e-mail: larissa@debiq.eel.usp.br velocidades específicas de multiplicação iguais a 0,28 h-1 (0-4 h) e 0,09 h-1 (4-12 h).
Entre 12 e 114 h de fermentação, porém, a concentração de células suspensas no
João Batista de ALMEIDA e SILVA meio se comportou de maneira irregular, variando entre 1,3 e 3,1 x 108 cels.mL–1.
Universidade de São Paulo (USP) Considerando-se o etanol como produto de interesse, obteve-se: produção de
Escola de Engenharia de Lorena (EEL) 47,4 g.L–1, produtividade de 0,42 g.L–1.h–1 e rendimento de 0,41 g.g–1 (80,4% de
Departamento de Biotecnologia
e-mail: joaobatista@debiq.eel.usp.br eficiência). O vinho obtido (teor alcoólico de 6,0 °GL) foi submetido à destilação
em um alambique de cobre (25 L), em 4 bateladas (17,5 L cada). Desprezaram-se
10% do volume teórico de aguardente como destilado de cabeça (cerca de
0,2 L em cada batelada). Em seguida, recolheu-se o destilado de coração até
a graduação alcoólica atingir um valor em torno de 40 °GL (cerca de 2,5 L em
cada batelada). Por fim, o aquecimento do alambique foi suspenso e a vinhaça
descartada. O rendimento global do processo foi de 72 L de aguardente de
coração (40,5 °GL) por tonelada de cana processada.
Palavras-chave: Cachaça; Fermentação; Destilação; Cinética;
Balanço de massa.
Braz. J. Food Technol., VII BMCFB, dez. 2008
Summary
submetidos à moagem em um terno de moenda e o suco onde E: Graduação alcoólica (°GL); BI: Brix inicial (°Brix);
obtido foi filtrado em um coador plástico. A concentração BF = Brix final (°Brix); C: Concentração celular (cels.mL–1);
de sólidos solúveis no suco filtrado (52 L) foi de 21 °Brix. N: Número total de células em 5 campos da câmara (cels);
Previamente à inoculação, o suco foi diluído com 21 L FD: Fator de diluição (-); A: Volume teórico de aguardente
de água potável em uma dorna de aço inox com fundo a 45 °GL (L); Vvinho: Volume de vinho (L); GAvinho: Graduação
cônico (volume total de 100 L). A fermentação foi iniciada alcoólica do vinho (°GL).
inoculando-se os 73 L de mosto (15 °Brix) com 365 g de A graduação alcoólica do destilado “de coração”
fermento de panificação prensado (Fleischmann), o que foi determinada por densimetria, utilizando-se um alcoô-
resultou em uma concentração inicial de células igual
metro de Gay-Lussac calibrado a 20 °C. Após a medida,
a 5 x 107 cels.mL–1. A fermentação foi conduzida em
o teor de etanol foi corrigido levando-se em consideração
temperatura ambiente por um período de 114 h. Ao final
a temperatura ambiente no momento da medida.
deste período, a levedura decantada no fundo da dorna
foi descartada e o vinho obtido (70 L, com graduação 3 Resultados e discussão
alcoólica de 6 °GL) foi submetido à destilação em um
alambique de cobre (volume total de 25 L), em 4 bate- No presente trabalho, procuramos sistematizar
ladas sucessivas. Em cada batelada, 17,5 L de vinho as rotinas operacionais e analíticas utilizadas por nós
foram transferidos para o alambique e o aquecimento da para a produção de cachaça artesanal. A simples
caldeira (com fogão a gás) foi iniciado. Do volume teórico adoção de rotinas semelhantes a estas permitiria aos
de aguardente, os 10% iniciais foram descartados como muitos pequenos produtores espalhados por todo o
destilado “de cabeça” (cerca de 0,2 L em cada batelada). País conhecer o comportamento dos seus sistemas de
Controlando-se o aquecimento para o alambique não produção e, assim, aferir rendimentos e produtividades
“vomitar”, a destilação foi conduzida lentamente até a em cada uma das etapas do processo. De posse destes
graduação alcoólica da aguardente “de coração” apre- dados, o produtor poderia detectar desvios do compor-
sentar um valor em torno de 40 °GL (cerca de 2,5 L em tamento “adequado” em tempo real e, assim, ajustar
cada batelada). Por fim, o aquecimento do alambique foi as condições de operação para minimizar perdas na
suspenso e a vinhaça descartada. eficiência de transformação e padronizar a qualidade
As fermentações foram acompanhadas deter- da bebida.
minando-se a temperatura do mosto em fermentação Conforme já mencionado, a cana foi inicialmente
(com um termômetro convencional) e analisando-se lavada, moída e filtrada. O pH (5,4) e a concentração de
amostras retiradas periodicamente quanto ao consumo sólidos solúveis (21 °Brix) determinados no caldo filtrado
de açúcares e ao crescimento celular. As amostras foram foram condizentes com os valores esperados para canas
inicialmente centrifugadas a 4.000 rpm por 20 min. Os maduras: pH entre 5,4 e 5,8 e concentração de sólidos
sobrenadantes foram utilizados para a determinação do solúveis superior a 18 °Brix (LIMA, 1999).
teor de sólidos solúveis (por leitura direta em refratô- Previamente à inoculação, o caldo foi diluído com
metro de °Brix) e do pH (por leitura direta em pHmetro água potável para se ajustar o teor de sólidos solúveis em
– Ecomet P25). Os precipitados foram utilizados para a 15 °Brix. A fermentação foi então iniciada adicionando-se
quantificação do crescimento celular (por contagem em
365 g de fermento prensado ao caldo diluído, em uma
câmara de Neubauer) após ressuspensão e diluição em
dorna de aço inox. A Figura 2 apresenta os perfis de
água destilada.
variação de temperatura (entre 24 e 30 °C), decréscimo
O cálculo do teor de etanol e a concentração de pH (de 5,2 para 3,6), consumo de sólidos solúveis
de células suspensas no mosto em fermentação foram (de 15,0 para 4,0 °Brix) e produção de etanol (6,0 °GL),
determinados de acordo com as Equações 1 e 2, respec- observados durante a fermentação.
tivamente. O volume teórico de aguardente descartado
A temperatura do mosto em fermentação, embora
como destilado “de cabeça” foi calculado empregando-se
não controlada, permaneceu próxima aos valores consi-
a Equação 3 (SMILEY, 1999).
derados como adequados para a fermentação alcoólica,
E=
(BI − BF )× 4 entre 26 e 28 °C (LIMA, 1999). O pH do meio sofreu uma
(1)
7,4 queda acentuada durante as primeiras 24 h de fermen-
tação (de 5,2 para 3,7), vindo a se estabilizar em torno de
C = N × 5E04 × FD (2) 3,5 posteriormente. O consumo progressivo dos açúcares
presentes no caldo foi observado durante as primeiras
Vvinho × GA vinho 100 h de fermentação, havendo estagnação em 4 °Brix
A= (3)
45
após este período (atenuação de cerca de 75%). A este
consumo de açúcares, correspondeu uma produção de
etanol igual a 6,0 °GL.
40,0 6,0
a
b
30,0 4,5
Temperatura (°C)
3,0
pH
20,0
10,0 1,5
0,0 0,0
0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120
Tempo (h) Tempo (h)
16,0 8,0
c d
Sólidos solúveis (°Brix)
12,0 6,0
Etanol (°GL)
8,0 4,0
4,0 2,0
0,0 0,0
0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120
Tempo (h) Tempo (h)
Figura 2. Perfis de variação da temperatura (a), do pH (b) e das concentrações de sólidos solúveis (c) e etanol (d), observados
durante a fermentação.
da levedura no início da fermentação foram determinadas Após o descarte das células decantadas no fundo
por meio dos plotes ln(X/X0) x t para os intervalos compre- da dorna, o vinho obtido (70 L, graduação alcoólica de
endidos entre 0 e 4 h e entre 4 e 12 h de fermentação 6,0 °GL) foi submetido à destilação em um alambique
(Figuras 3b, c). Os valores de μX assim determinados simples, aquecido por fogo direto. A destilação foi reali-
(0,28 e 0,09 h–1, respectivamente) foram próximos àqueles zada lentamente (controlando-se o aquecimento) para
esperados para a levedura Saccharomyces cerevisiae maximizar o rendimento e melhorar o aroma e o gosto do
(MARTINEZ-PEINADO e VAN UDEN, 1977). destilado (LIMA, 1999). Conforme ilustrado na Figura 1,
ln X = ln X0 + µ X × t
foram obtidos 10 L de aguardente de coração (gradu-
(8)
ação alcoólica de 40,5 °GL) a partir dos 70 L de vinho
onde: X: concentração celular no tempo t (cels.mL–1); X0: submetidos à destilação, o que acarretou em eficiência
concentração celular inicial (cels.mL–1); μX: velocidade de destilação de cerca de 96% (Equação 9).
específica de crescimento celular (h –1); t: tempo de
Válcool(destilado)
fermentação (h). η= × 100 ∴
Válcool( vinho)
405 mL álcool
10L destilado × (9)
5,00E + 08 L destilado
a η= × 100 ∴ η = 96, 4%
60 mL álcool
70L vinho ×
Conc. celular (cels/ml)
L vinho
3,75E + 08
0,60 4 Conclusões
O rendimento global do processo de produção
0,30 de cachaça alcançado no presente trabalho foi cerca
y = 0,2747x
R2 = 1 de 70% daquele obtido por destilarias artesanais que
0,00 operam sob condições otimizadas. Os conceitos e
0 1 2 3 4 metodologias ora apresentados fornecem as diretrizes
Tempo (h) básicas para que outras condições de processo possam
2,00
c ser sistematicamente avaliadas em aulas práticas futuras.
Outrossim, acredita-se que o presente trabalho possa ser
1,75 utilizado fora das fronteiras acadêmicas como um texto
introdutório à ciência envolvida na produção de cachaças
ln (X/X0)
1,50 artesanais.
1,25 Agradecimentos
y = 0,0866x + 0,7487
R2 = 0,9997 Os autores agradecem a assistência técnica dos
1,00
Srs. José Carlos S. Tavares e Cleber Mateus T. Oliveira e
4 6 8 10 12
o empenho dos graduandos em Engenharia Bioquímica
Tempo (h)
(TB/2º SEM 2007) para a realização do experimento.
Figura 3. Variação da concentração celular durante a fermen- Também agradecem o apoio financeiro recebido da
tação (a) e plotes ln(X/X0) x t utilizados para o cálculo das
velocidades específicas de crescimento celular nos intervalos FAPESP, da CAPES e do CNPq para o desenvolvimento
compreendidos entre 0 e 4 h (b) e entre 4 e 12 h de fermen- de projetos de pesquisa, alguns deles relacionados com
tação (c). a temática do presente manuscrito.