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Universidade Lusíada de Lisboa

Licenciatura em Direito – 1º ano


Unidade Curricular – Direito Constitucional

Apontamentos de Direito
Constitucional

José Miguel Penim Pinheiro


2018
Nota Inicial

Estes apontamentos constituem uma síntese da matéria apreendida nas aulas teóricas,
tendo por objectivo servir como material didáctico, o que não dispensa a consulta dos
respectivos manuais (os quais iremos indicar abaixo), pois que o que se pretende é
apenas uma primeira leitura simplificada, para que a leitura da bibliografia indicada não
seja indigesta.
Bibliografia:

BRITO, Miguel Nogueira de, Lições de Introdução à Teoria da Constituição, 2ª edição,


AAFDL Editora, Lisboa, 2017.

CAETANO, Marcello, As Constituições Portuguesas.

CORREIA, José de Matos, Introdução ao Direito Processual Constitucional,


Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2011.

CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª


edição, Almedina, Coimbra, 2000.

GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, 2 Vols, 4ª edição,


Almedina, Coimbra, 2011.

MIRANDA, Jorge, Curso de Direito Constitucional, 2 Vols, Universidade Católica


Editora, Lisboa, 2016.
Introdução: O Direito Constitucional1

No ramo do Direito Constitucional estamos mais centrados num conjunto de situações


jurídicas.

É um ramo de Direito Público, que tem por objecto o estudo da Constituição.

O texto constitucional contém os fundamentos de todas as áreas do direito, pelo que se


traduz num conjunto de matérias concernentes a vários ramos de direito promovidas a
constitucionais. Este surge intimamente ligado à separação de poderes.

Em sentido estrito, o Direito Constitucional traduz-se no que acima foi dito, num
conjunto de matérias, embora não directamente constitucionais, são protegidas pelo
Direito Constitucional2.

Em Direito Constitucional estudamos um núcleo duro que define a Constituição, pelo


que se pretende uma compreensão do seu objecto essencial – a Constituição e tudo
aquilo que comporta: o que é a Constituição; como se faz a Constituição; o que é o
Poder Constituinte; o que são Normas Constitucionais; Estado de Direito; Direitos
Fundamentais; aspectos relacionados com a lei; percurso constitucional português desde
1822 até 1976 (e até aos dias de hoje); o problema do Tribunal Constitucional e
mecanismos de controlo da Constituição, entre outros elementos.

Numa palavra, citando Jorge Miranda, O Direito Constitucional é a parcela da ordem


jurídica que rege o próprio Estado enquanto comunidade e enquanto poder3.

1
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 1, Lisboa, 2016, pp. 11-28.
2
Para uma abordagem ao conjunto de matérias constitucionalmente protegidas, vide MIGUEL
NOGUEIRA DE BRITO, Lições de Introdução à Teoria da Constituição, Lisboa, 2017, pp. 14-19.
3
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 13.
Constituição

1. Introdução

O que é uma Constituição? A maioria dos Estados do mundo tem um documento


ordenador da sua ordem jurídica. É a estruturação do corpo político de uma
comunidade, que surge da fundação ou refundação do ordenamento estatal, ou seja, ou
da criação do próprio Estado e subsequente ordem jurídico-política, ou de uma
vicissitude constitucional que tenha como consequência a modificação de toda a ordem
em causa4.

Esta forma um conjunto de regras jurídicas vinculativas do corpo político e


estabelecedoras de limites ao seu poder, devendo conter princípios materiais
fundamentais.

A Constituição surge no final do Séc. XVIII (com as constituições francesa e norte-


americana), não obstante de em tempos remotos vislumbrarmos dados que permitem
deduzir o início do que é o constitucionalismo moderno (Veja-se a Magna Carta, de
1215, ou o Bill of Rigths, de 1689).

Dentro do que foi dito, há a observar dois modelos políticos: o absolutismo e o


liberalismo.

O absolutismo traduz-se na congregação de todos os poderes no monarca.

O liberalismo dita que o poder político reside no povo; daqui resulta o nosso conhecido
princípio da separação de poderes. O povo delega os seus poderes a uma entidade
soberana, subdividida em entidades diferentes.

Do ponto de vista jurídico, o povo delega a sua vontade, agregando-a numa


Constituição, estando o poder consagrado em normas jurídicas. Estas podem ter um
aspecto mais formal ou informal (escritas ou consuetudinárias respectivamente).

A génese do conceito de Constituição assenta na existência de normas reguladoras do


Estado. A Constituição estabelece normas específicas, em conformidade com a

4
J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 2000, pp. 51 e
ss.
existência dos sistemas e regimes políticos. As regras constitucionais estão acima de
qualquer maioria conjuntural e acima das demais regras5.

A Constituição tem um valor superior às outras leis. Regula as matérias estaduais. Está
ligada a situações jurídicas, políticas e ideológicas, tendo por objectivo garantir a
separação de poderes. Está subjacente à Constituição a ideia de que o poder reside no
povo (através, claro está, dos seus representantes).

Temos, outrossim, que curar dos direitos fundamentais dos cidadãos. Anteriormente à
ideia de constitucionalismo moderno, não considerávamos os integrantes de uma
comunidade como cidadãos, mas sim como súbditos, estando estes subjugados aos
poderes do senhor absoluto. Por seu turno, na concepção liberal, o cidadão tem direitos
fundamentais, inalienáveis pelo Estado, consagrados na Constituição. Esta concepção
está ao serviço do povo e reconhece a dignidade da pessoa humana (Ex: Direito à vida,
ao casamento). O Estado não pode por em causa estes direitos, porquanto o Estado
emana da vontade geral. O Estado tem o dever de criar condições, a fim de garantir a
satisfação de necessidades e direitos dos cidadãos. O Estado define as regras, mas
posteriormente não se deve imiscuir socialmente, intervindo, economicamente, como
regulador.

As invasões napoleónicas influenciaram o desenvolvimento das ideias constitucionais


do Séc. XIX.

As ideias do liberalismo são facilmente assimiláveis, porquanto se apela às vantagens da


pertença do poder e da soberania ao povo.

Num primeiro momento, o liberalismo significa a ascensão da burguesia. Os monarcas,


a despeito desse vislumbre, vão ao encontro da criação das Cartas Constitucionais, das
quais emana a vontade do monarca. Desta forma, o monarca tem maior poder e
controlo, no que tange à sua margem de actuação. Aqui o poder estadual reside no rei. O
rei aprova a constituição, reconhecendo a criação de regras e uma limitação de poderes
própria, como que uma autovinculação.

Uma constituição é um documento jurídico, podendo ter proclamações políticas. Tudo o


que lá se consagra é direito, o que se traduz num conjunto de normas jurídicas, que tem

5
JORGE MIRANDA, op. cit., pp. 105 e ss.
um papel fundacional, visto que é nesse conjunto que assenta a base de toda a ordem
jurídica.

Hodiernamente, é impossível discriminar alguém, invocando o princípio da igualdade


(salvo se se tratar de discriminação positiva)6.

Veja-se que a Constituição Corporativa de 1933 fazia discriminação em função do sexo


ou a nível conjugal. Por exemplo, a mulher não podia exercer certo tipo de profissões
sem autorização. O chefe de família era imbuído de supremacia7.

A Constituição é a lei fundamental, é a “lei das leis”. Esta deve estar protegida de
ataques ao seu conteúdo, não se devendo subordinar a maiorias conjunturais (veja-se
que a revisão constitucional em Portugal exige, para a sua aprovação, uma maioria
qualificada de pelo menos dois terços dos deputados em efectividade de funções). As
normais jurídicas das demais leis devem-se-lhe subordinar (Princípio da
Constitucionalidade). As leis devem ser moldadas àquilo que a Constituição estabelece.

As constituições podem apresentar características diferentes, todavia, aquilo que lhe está
subjacente é a designação das características fundamentais do Estado.

2. Tipos de Constituição

Constituições Flexíveis e Rígidas8: Tem que ver com o processo de revisão. Uma
Constituição Flexível é aquela, cujo processo de revisão não difere do procedimento
legiferante das demais leis ordinárias. Constituição Rígida é aquela, cujo processo de
revisão é mais exigente que o procedimento das demais leis ordinárias (A Constituição
portuguesa é rígida, visto que o seu processo de revisão exige uma maioria qualificada
de dois terços dos deputados em efectividade de funções).

6
Vide Anotação ao artigo 13º, GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, Constituição da República
Portuguesa Anotada, Vol. I.
7
GOMES CANOTILHO, op. cit., pp. 182-185.
8
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 170.
Classificação Ontológica de Loewenstein9: O autor supracitado revela-nos três
classificações de Constituição, em função da prática constitucional pelos detentores do
poder político. Temos assim as Constituições Normativa, Nominal e Semântica:

Constituição Normativa – aqui o poder político subordina-se ao valor normativo da


Constituição (Ex. CRP de 1976).

Constituição Nominal – tem o objectivo de limitar o poder político, ainda que este não
se lhe submeta totalmente (Ex: Constituição Corporativa de 1933).

Constituição Semântica – formalização do poder político, de índole arbitrária, e das


prerrogativas de quem controla a actividade estadual, como confirmação e legitimação
do seu exercício (é o caso das constituições dos estados totalitários v.g. Constituição da
União Soviética).

O Professor GOMES CANOTILHO faz alusão a dois tipos de Constituição, a Moderna


e a Histórica10:

Constituição Moderna - corresponde à ordenação sistemática e racional da


comunidade política declarada num documento escrito, no qual se consagram das
liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político (Ex: Constituição dos
E.U.A.).

Constituição Histórica – é a sedimentação histórica dos direitos adquiridos ao longo da


evolução da ordem jurídica, comportando todas as regras, escritas ou consuetudinárias,
e instituições conformadoras da ordem jurídico-política (Ex. Constituição Britânica).

Sem embargo das considerações anteriores, é de por substancial relevo na distinção


entre Constituições Material, Formal e Instrumental11:

Constituição Material - é aquilo que forma a dignidade constitucional. É o conteúdo


identitário da Constituição, consoante os regimes políticos, formas de governo, formas
de Estado. São os princípios jurídicos específicos da Constituição, é o somatório de
preceitos, unidade, coerência e identidade.

9
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 113.
10
GOMES CANOTILHO, op. cit., pp. 52-60.
11
JORGE MIRANDA, op. cit., pp. 115-120.
Constituição Formal - é a forma e consistência da Constituição. Corresponde ao
procedimento específico de formação, lugar específico no ordenamento, sistematização.
É o conjunto sistemático com unidade e coerência próprias.

Constituição Instrumental – é a organização sistemática e racional das normas


constitucionais compreendidas na constituição formal, subsumida a um documento. É o
texto fundamental.

A título de curiosidade, iremos explanar breves considerações sobre os seguintes tipos


de Constituição12:

Constituição Outorgada – corresponde a um acto unilateral, mormente de uma


vontade política soberana (v.g. o rei), resultando de um conflito dialéctico entre o
absolutismo e o princípio democrático, por força de uma concessão ascendente de
natureza popular (v.g. Carta Constitucional de 1826).

Constituição Pactícia – pode subdividir-se em pactos constitucionais entre os poderes


do Estado (v.g. compromisso entre duas forças políticas rivais (v.g. entre a coroa de um
lado e a nobreza de outro), ou em pactos de associação entre Estados (v.g. contratos
estatutários, em que o Estado se compromete a alterar o seu estatuto político).

Constituição Popular – são as que exprimem a vontade geral, dimanada do povo,


traçando a assunção do verdadeiro Princípio Democrático, contemporaneamente vigente
nos demais Estados de Direito modernos.

12
NOGUEIRA DE BRITO, op. cit., pp. 48-50.
Poder Constituinte

1. Poder Constituinte – Origem ou Modificação do Estado

Para existir Constituição, primeiro esta tem de ser criada. A função de elaborar a
Constituição traduz-se na Função Constituinte.

O Poder Constituinte corresponde ao momento inicial do Estado, que irá traduzir a sua
ordem jurídica. Podemos visualizá-lo num quadro de criação, no momento inicial, ou
num momento de reconstrução, de reformulação, de transição; aí estamos no domínio
das vicissitudes constitucionais, constituindo o paradigma do Poder Constituinte a
Revolução Constitucional. Numa palavra, o Poder Constituinte mais não é que o poder
de criar a Constituição, que irá ditar a nova ordem jurídico-constitucional13.

O Poder Constituinte pode ser originário, sendo este o poder de criar a Constituição, ou
derivado, sendo este o poder de rever a Constituição.

O titular do Poder Constituinte, é o povo, porquanto este constitui a grandeza


pluralística da ordem jurídica. Esta grandeza é formada por indivíduos, associações,
comunidades, imbuída de interesses, ideias, crenças e valores comuns. É a comunidade
aberta de sujeitos constituintes14.

2. Formas que pode assumir o Poder Constituinte

É mister, neste momento, aludir à forma como é legitimado o exercício do poder


político, no âmbito do Poder Constituinte, que se irá traduzir no procedimento
constituinte. Segundo o professor GOMES CANOTILHO, podemos identificar quatro
formas de procedimento constituinte: Assembleia Constituinte
Soberana/Representativa, Assembleia Constituinte Não Soberana, Convenções do
Povo, Referendo/Plebiscito:

13
GOMES CANOTILHO, op. cit., pp. 65-74.
14
GOMES CANOTILHO, op. cit., pp. 75-76.
Assembleia Constituinte Soberana/Representativa15 – corresponde à elaboração da
Constituição, através de uma assembleia representativa do povo, a Assembleia
Constituinte, com capacidade para elaborar, discutir e aprovar a nova Constituição em
nome deste (Ex: Assembleia Constituinte de 1975).

Assembleia Constituinte Não Soberana16 – aqui os representantes do povo têm


competência para elaborar e discutir o projecto da nova Constituição, sendo o povo, em
sede de ratificação, competente, de forma directa, para a aprovar, através de referendo.

Convenções do Povo17 – ideia semelhante à anterior, substituindo-se o referendo por


reuniões populares em diversos centros territoriais (Ex: Convenção de Filadélfia).

Referendo/Plebiscito18 – por natureza, submete-se à sanção popular um


documento/projecto de Constituição previamente elaborado pelo órgão competente
(Assembleia Legislativa; Governo) (Ex: Plebiscito de 1933).

3. Tipos de Poder Constituinte

Cumpre, outrossim, não descurar de uma distinção relevante para a compreensão do


Poder Constituinte: O Poder Constituinte Material e o Poder Constituinte Formal:
Poder Constituinte Material19 – formação de um Estado, ou sua restauração,
transformação da sua ordem jurídico-política. Compreende o conteúdo essencial da
soberania estadual. Subjaz aqui a ideia de poder primário, comportando a ideia de
Direito, os valores fundamentais, o regime político, a legitimidade e legalidade, que
serão objecto de ulterior estruturação do poder normativo da Constituição.

Poder Constituinte Formal20 – acto de declaração da Constituição Formal,


formalização do acto constituinte material. É o processo tendente à sistematização das
normas constitucionais e, se for o caso, redacção do respectivo texto. É a definição do
novo regime constitucional, erradicando o que pode restar do antigo.

15
GOMES CANOTILHO, op. cit., pp. 78-79.
16
GOMES CANOTILHO, op. cit., p. 79.
17
GOMES CANOTILHO, op. cit., pp. 79-80.
18
GOMES CANOTILHO, op. cit., p. 80.
19
JORGE MIRANDA, op. cit., pp. 142-143.
20
JORGE MIRANDA, loc. cit.
4. Limites ao Poder Constituinte Originário

Não podemos olvidar que, apesar de ser um poder primário, que está na base da criação
na nova ordem jurídica, o Poder Constituinte não é ilimitado, não é omnipotente, como
alguns defendem. Este tem, outrossim, os seus limites, limites materiais21 ao Poder
Constituinte Originário, limites esses de índole transcendente, imanente ou heterónoma:

Limites Transcendentes22 – provêm de imperativos de Direito Natural, considerando a


dignidade da pessoa humana como fundamento limitativo do Poder Constituinte.

Limites Imanentes23 – limites ligados à configuração estadual, dimanados dos


princípios identitários do Poder Constituinte Material (Ex: limites à soberania do estado;
regime político, etc.).

Limites Heterónomos24 – provêm de princípios ou normas de Direito Internacional que


entram directamente na nossa esfera jurídica (Ex: Declaração Universal dos Direitos do
Homem; Art. 8º/1 CRP).

21
JORGE MIRANDA, op. cit., pp. 150-151.
22
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 151.
23
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 152.
24
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 153.
Vicissitudes Constitucionais

As vicissitudes constitucionais consubstanciam-se em modificações à Constituição,


impostas pela tensão com a realidade constitucional, isto é, a ordem jurídico-
constitucional vê-se obrigada a acompanhar a mutabilidade sociológica, inevitável por
força da evolução e progresso sociais. Numa palavra, “o tempo tem de ser
constitucionalizado”25.

1. Espécies de Vicissitudes Constitucionais

Derrogação – Consubstancia-se, não, como na revisão constitucional, na revisão de


uma norma geral e abstracta, mas sim numa norma geral e concreta. É a violação, a
título excepcional, de uma prescrição legal, quando tal é permitido pela Constituição.26

Modificações Tácitas – São trazidas pelo costume constitucional, ou pela caducidade.


O costume (prática reiterada, acompanhada de convicção geral de obrigatoriedade) pode
revestir carácter praeter legem e contra legem. No que toca à caducidade, a norma
constitucional perde a sua razão de ser, logo torna-se ineficaz27.

Interpretação Evolutiva – Há a necessidade de congregar as normas interpretadas com


as demais normas jurídicas, por força da mutação, da dinâmica da realidade
constitucional28.

Revolução – Substituição da ordem jurídico-constitucional vigente por uma nova. Põe


em causa a integridade da ordem constitucional, rompe-a e, ulteriormente, irá
reconstruí-la (v.g. instauração de novo regime político ou sistema de governo29.

Transição Constitucional – Passagem de uma Constituição Material a outra, sem que


se deixem de observar as formalidades da Constituição, isto é, sem rutura. Muda a

25
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 154.
26
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 159.
27
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 160.
28
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 161.
29
JORGE MIRANDA, op. cit., pp. 136-142.
Constituição Material (matérias com dignidade constitucional subsumidas ao corpus
constitucional), mas permanece a Constituição Instrumental.30

Suspensão da Constituição – Não vigência, durante determinado período de tempo, de


determinadas normas constitucionais (v.g. por força de situação de estado de sítio)31.

30
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 162.
31
JORGE MIRANDA, op. cit., pp. 162-163.
Da Revisão Constitucional em Especial: Seus Limites (Limites ao
Poder Constituinte Derivado)

1. Introdução

Antes de partirmos para a problemática dos limites à revisão constitucional, cumpre, em


primeiro lugar, definir o que é a revisão constitucional. A revisão constitucional
corresponde a uma vicissitude constitucional, que visa a modificação da Constituição,
de alcance geral e abstracto, tendo por objecto a autorregeneração e autoconservação da
mesma, no sentido de poder acompanhar a evolução da ordem jurídico-constitucional.

Não se pode suscitar uma revisão constitucional de forma arbitrária. A revisão


constitucional tem limites, dentre os quais contamos limites orgânicos, formais,
temporais, circunstanciais e materiais32.

2. Limites ao Poder Constituinte

Limites Orgânicos – competência dos órgãos para rever a Constituição. No caso da


CRP, é o órgão legislativo por excelência que tem o poder para rever a Constituição, ou
seja, a Assembleia da República – Art. 284º/1 – 1ª parte e Art. 161º al.a.

Limites Formais – forma como é adoptado o procedimento de revisão. A Constituição


deve apresentar uma forma que a proteja de maiorias conjunturais. No caso da CRP,
como Constituição Rígida, quanto ao procedimento, é necessária a aprovação por
maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções para serem aprovadas
alterações à Constituição – Art. 286º/1 CRP. (No caso das revisões extraordinárias é
necessária uma maioria de quatro quintos).

Limites Temporais – têm a finalidade de assegurar estabilidade à Constituição. No


caso da CRP, fixa-se um prazo de cinco anos (desde a última revisão) para se poder
rever a Constituição, não obstante da possibilidade de em qualquer momento, desde que

32
JORGE MIRANDA, op. cit., pp. 176-178.
se reúna uma maioria qualificada de quatro quintos dos deputados em efectividade de
funções, ser revista a Constituição – Art. 284ª CRP.

Limites Circunstanciais – em circunstâncias excepcionais, de anormalidade, há


oponibilidade no que tange à abertura do processo de revisão constitucional, o que
limita a liberdade de acção aos órgãos deliberativos. A CRP prevê, no art. 289º
(remetendo para o art. 19º), a proibição de revisão constitucional em estado de sítio e
estado de emergência.

2.1. Dos Limites Materiais em especial (Teses)

Limites Materiais – Art. 288º CRP (Há discernimento e rotura de convergência, pelo
que apontamos as várias teses a respeitos destes limites):

Tese da Dupla Revisão33 – num primeiro momento elimina-se a norma protegido ou o


limite protector e num segundo momento, já com o limite suprimido, dá-se, então, a
consecução da revisão da norma anteriormente protegida. Desta forma, as normas ditas
“intangíveis” ganham carácter mutável. Pode ser simultânea, na qual tudo será feito na
mesma revisão (o que em nossa opinião carece de sentido, pois que, para efeitos
práticos, traduz-se numa similitude à tese da irrelevância jurídica dos limites materiais),
ou sucessiva, a qual prevê duas revisões, sendo que numa primeira retira-se o limite
protector e só numa segunda revisão se revê a norma protegida.

Tese da Irrelevância Jurídica34 – aqui considera-se que não é aceitável que o


legislador constituinte vincule gerações futuras a uma Constituição, a um acto
constituinte produzido em determinado momento. Não tem o direito de congelar “ad
eternum” um modelo constitucional. Aqui, a Constituição, detendo um conjunto
sistemático de racionalizado de normas com valor fundamental e superior, todas elas
têm valor idêntico, sendo ilegítimo que umas tenham mais valor que outras. Isto que
impor limites na Constituição, no sentido da sua imutabilidade, é limitar, de forma
ilegítima o Poder Constituinte. A norma que imponha limites não tem poder jurídico.

33
JORGE MIRANDA, op. cit., pp. 182-187.
34
JORGE MIRANDA, op. cit., p. 181.
Tese da Relevância Jurídica35 – aqui releva cura-se de limites superiores ao poder de
revisão constitucional. Há certas normas na Constituição que não podem ser objecto de
revisão. São as normas que constituem o cerne da Constituição, a sua identidade.
Defende-se que não se deve banalizar a Constituição, no sentido em que esta só
necessita de uma maioria qualificada para ser alterada. Há que assegurar a sua
continuidade, não só pela proibição de uma revisão total, mas também por estabelecer
limites que não podem ser superados por um mero exercício de revisão, limites esses
que são absolutos, que constituem os limites materiais; isto no sentido do garante da
continuidade histórico-identitária da Constituição. O Professor Gomes Canotilho
considera que a tese da dupla revisão se traduz, não na possibilidade da revisão de certas
normas através da supressão de determinados limites materiais, mais sim num indício de
fraude à Constituição, ou mesmo numa ruptura constitucional, visto que os limites
materiais constituem a garantia de princípios identitários da Constituição.

35
GOMES CANOTILHO, op. cit., pp. 1030-1036.
Inconstitucionalidade

1. Inconstitucionalidade – Desconformidade entre a ordem jurídica e a


Constituição

Releva, em primeiro lugar, reportarmo-nos ao Princípio da Constitucionalidade, que diz


que a Constituição toma forma de supremacia face aos demais actos legislativos. Todos
esses actos se devem subordinar à Constituição e respeitar as suas normas.

Quando uma norma ou acto legislativo padece de vício, no âmbito da sua conformidade
com a lei fundamental, estamos perante uma inconstitucionalidade36 – comportamento
que infringe uma norma constitucional.

Não obstante, acresce que para ser inconstitucional, o acto tem, não só de estar
desconforme à Constituição, como emanar de entidade de poder público.

Art.277º/1 CRP – São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na


Constituição ou os princípios nela consignados.

2. Tipos de Inconstitucionalidade37

Total e Parcial – é total quando a totalidade da norma está desconforme perante a


Constituição; é parcial quando só parte da norma está desconforme à lei fundamental
(põe se o problema de saber se se salvaguarda ou não a parte parcial da norma não
inconstitucional).

Orgânica, Formal e Material – é orgânica quando se vislumbre a infracção da


competência; viola o princípio da separação de poderes; desrespeito pelas competências
constitucionalmente atribuídas; é formal quando a infracção das normas ocorra sobre a
forma e processo de formação dos actos; é material quando se observe um vício
substancial do conteúdo do acto (é a única que não pode ser corrigida v.g. violação do
princípio da igualdade).

36
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Lisboa, 2016, p.231.
37
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Lisboa, 2016, pp. 233-234.
Originária e Superveniente – é originária desde o momento da formação da norma; é
superveniente quando uma norma anteriormente estava conforme à Constituição, por
efeito de revisão constitucional ou por vigência de nova Constituição passa a ser
inconstitucional.

Por Omissão – omissão da necessária ulterior realização legislativa, no que toca às


normas não exequíveis por si mesmas.
Princípios Jurídicos Fundamentais

1. Princípio do Estado de Direito Democrático

Identificamos, em primeira análise, o princípio jurídico fundamental, no qual a nossa


Constituição se irá basear para toda a sua estruturação: O Princípio do Estado de Direito
Democrático.

2. Dimensões do Princípio do Estado de Direito Democrático

Este princípio envolve várias dimensões: exigência de um Estado de Direito; Princípio


Democrático; Princípio Republicano.

O Art. 2º da CRP acolhe o Princípio do Estado de Direito Democrático, ao vincular o


Estado a respeitá-lo, sendo uma das suas tarefas fundamentais a sua conservação – Art.
9º al.b.

2.1.Princípio do Estado de Direito38

Ao Princípio do Estado de Direito subjazem três elementos materiais: juridicidade,


constitucionalidade e direitos fundamentais.

Por juridicidade entendemos que, a Constituição, ao decidir-se por um Estado de


Direito, procura conformar as estruturas do poder político a uma ideia de limitação de
poderes, que visa o combate do despotismo, da prepotência e da arbitrariedade.
Despoleta-se, aqui, a concepção de ordenação racional, na qual o Estado de Direito
serve a garanti da justiça, através da efectivação de certos valores fundamentais, valores
estes que vão ao encontro de dirimir certas promiscuidades e arbítrios provenientes do
poder político.

Já por constitucionalidade, ou melhor, princípio da constitucionalidade, a ideia que


releva é a de que a Constituição assume um carácter de supremacia face aos demais
actos legislativos, os quais se lhe devem subordinar e devem respeitá-la (art. 3º/2 CRP).

38
GOMES CANOTILHO, op. cit., pp. 243-276.
No que concerne aos direitos fundamentais, a Constituição assegura o primado do
respeito pela dignidade da pessoa humana, assegurando ao homem autonomia face ao
Estado (Arts. 12º a 79º CRP).

O Princípio do Estado de Direito divide-se nos seguintes subprincípios: Legalidade da


Administração; Segurança Jurídica e Protecção da Confiança; Proibição do
Excesso/Proporcionalidade; Protecção Jurídica e Garantias Processuais.

O Princípio da Legalidade da Administração pressupõe a submissão da


Administração Pública à lei (Art. 266º/2 CRP).

Releva, outrossim, a consideração da reserva de lei, o que se traduz na ideia da lei como
instrumento para definir o regime mais apropriado. Dito de outra forma, certas questões
só podem ser objecto de acto legislativo (Ex. Arts 164º e 165º CRP). Os Poderes
executivo e administrativo não estão acima da lei.

A Administração Pública não pode imiscuir-se em certas matérias. Veja-se o


regulamento, que só tem efeito se houver uma lei que o autorize (Art. 112º/6/7 CRP).

O Princípio da Segurança Jurídica visa que, de acordo com as expectativas que o


Estado depositar nos cidadãos, estes têm de ter confiança no Estado. No caso concreto
da Segurança Jurídica, observe-se a intangibilidade do caso julgado, consagrado no Art.
282º/3.

No caso da Protecção da Confiança, tem-se em conta, essencialmente, o princípio da


não retroactividade das normas (Art. 18º/3 CRP), salvo se se tratar de matéria penal e do
que resultar da retroactividade da norma penal for mais benéfico para o arguido (Art.
29º/4; 282º3 CRP). Em regra, as leis não devem ser retroactivas; se resultar lesão dos
direitos e expectativas dos cidadãos por força de uma lei retroactiva, esta deve ser
considerada inconstitucional.

Subjaz ao Princípio da Proporcionalidade/Proibição do Excesso a ideia de que, em


caso de restrição de direitos fundamentais, nomeadamente de direitos, liberdades e
garantias (o que acontece em estado de sítio ou estado de emergência – Art. 19º), essa
restrição só pode limitar-se ao necessário, tem de ser adequada à situação concreta e tem
de executar-se de modo menos agressivo possível.
Já no caso da Administração, esta, no âmbito do exercício administrativo, deve actuar
no respeito pela igualdade, proporcionalidade e pela boa-fé (Art. 266º/2 CRP).

Já no que toca às Garantias Processuais, este princípio requer um procedimento justo e


adequado, de acordo com o direito e com vista à realização do direito. O Art. 20º da
CRP garante a todos o acesso aos tribunais, independentemente das condições
económicas de cada um, para fazer valer a sua defesa e posição, que é de direito a todos
nós.

Existem garantias processuais consagradas na CRP, como o princípio da audição (Art.


28º/1), princípio da igualdade processual (Art. 20º/2; 13º), princípio do juiz legal (art.
32º/7 entre outros (Ex: Arts. 298º/1; 29º/1; 32/3º CRP). Só o juiz decide se a pessoa foi
bem ou mal detida. Releva aqui o princípio da presunção da inocência, que se traduz em
considerar como inocente o arguido até trânsito em julgado da sentença de condenação
(Art. 32º/2 CRP).

2.2.Princípio Democrático39

Já sabemos que à concepção de democracia subjaz a ideia de povo como titular do


poder político.

A nossa CRP não podia ser mais clara, quando afirma, no seu Art. 1º, que Portugal é
uma República soberana baseada na vontade popular. O Art. 2º estatui que “A
República portuguesa é um Estado de Direito Democrático, baseado na soberania
popular (…)”. O Art. 3º dispõe que a soberania reside no povo. O Art. 9º vincula o
Estado a defender a democracia política e assegurar o respeito pelo Estado de Direito
Democrático.

Não obstante, vislumbramos, outrossim, a ideia de sufrágio universal, como objecto


popular do exercício do poder político (Art. 10º/1 CRP).

Estatui o Art. 108º que o poder político reside no povo e o Art. 109º compreende a
participação directa e activa dos cidadãos na vida política.

O Princípio Democrático é constituído por vários subprincípios: princípio da


soberania popular, princípio da representação, princípio da separação de poderes,
39
GOMES CANOTILHO, op. cit., pp. 285-324.
princípio do sufrágio, princípio da representação proporcional, princípio da
democracia semidirecta (e participativa), princípio do pluralismo político e direito de
oposição.

O princípio da soberania popular traduz-se num elemento de legitimação do poder


político, porquanto este reside no povo. A autoridade política só pode dimanar do povo
e não de outra entidade (como nos casos de hereditariedade monárquica). Assim i impõe
o Art. 1º da CRP (“Portugal é uma República baseada na vontade popular”).

O princípio da representação vai ao encontro da ideia de que não é desejável entregar


as decisões políticas directamente ao povo, visto que este é fácil de instrumentalizar e
facilmente poderá cair no populismo e na demagogia. Com efeito, existem órgãos de
soberania (Art. 110º CRP), que irão exercer o poder político a título representativo, não
descurando o preceito “o poder político reside no povo” (Art. 108º CRP).

O princípio da separação de poderes é uma componente base da democracia moderna,


que impede a concentração de poderes numa só entidade política-estadual, num só
órgão de soberania. Estatui o Art. 111º/1 da CRP que “os órgãos de soberania devem
observar a separação e a interdependência estabelecidas da Constituição”. É um
elemento de repartição e limitação do poder político.

O princípio do sufrágio surge na sequência do princípio da representação, traduzindo-


se no direito de voto. O sufrágio é igual, directo, secreto e periódico (Art. 10º CRP),
sendo um direito de todos (salvo os menores de 18 anos, por carecerem de capacidade
de exercício) (Art. 49º CRP), constituindo um dever cívico. Através dele, os cidadãos
elegem os representantes do poder político.

O princípio da representação proporcional confere a cada força política, no âmbito


da eleição dos órgãos colegiais, a devida representação, segundo a sua expressão
eleitoral (Art. 149º e 152º CRP).

O princípio da democracia semidirecta e participativa possibilita aos cidadãos,


através de referendo (Art. 115º CRP) (Ar. 167º/1) participar directamente nas questões
de interesse nacional, bem como através de petições (aqui pode ser suscitada a iniciativa
legislativa – Art. 169º/1 CRP).
Quer isto dizer que os cidadãos não devem entender que a sua participação política se
esgota com o exercício do voto em eleições.

O princípio do pluralismo político e do direito de oposição encontra fundamento no


Art. 2º da CRP, que diz que o Estado de Direito de baseia “no pluralismo de expressão”
e no Art. 10º/2, que tem nos partidos políticos a sua expressão básica. O Art. 114º/2
reconhece às minorias o direito de oposição.

2.3.Princípio Republicano40

O Princípio Republicano entra em simbiose com o Princípio Democrático, ao pressupor


a todos os cidadãos o acesso a cargos públicos e a soberania popular como elemento
legitimador de exercício político, proibindo a titularidade de cargos públicos de forma
vitalícia.

Tem um carácter anti-hereditário, o que pressupõe a existência de eleições periódicas


dos órgãos representativos e obriga à renovação temporal dos mandatos de todos os
cargos públicos. Não podem existir cargos dotados de imunidade (ressalvando certos
casos, como na diplomacia).

O Princípio Republicano comporta uma dimensão laica (Art. 41º CRP) (Separação entre
o Estado e a Igreja), a simbologia republicana (Art. 11º CRP) (adoptada desde a
revolução de 1910) e a unidade e indivisibilidade da República (Art. 3º/1 CRP).

40
J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, Coimbra, 1991, pp.491-501.
Normas Constitucionais

Distinguimos vários tipos de normas jurídicas elevadas ao nível constitucional, entre as


quais relevam as normas programáticas e preceptivas. (exequíveis por si mesmas e não
exequíveis por si mesmas).

1. Normas programáticas41

São dirigidas a certos fins e transformações, não só da ordem jurídica, como das
estruturas sociais ou da realidade constitucional. Implicam uma concretização
inseparável dessa realidade. São normas dirigidas ao Estado. Traçam um programa ao
Estado e a correspondente obrigação do Estado cumprir o programa, dependendo da
realidade. Dependem, outrossim, de factores económicos e sociais (Ex: normas de
Direitos Económicos, Sociais e Culturais). O elemento “ao Estado incumbe” é objecto
de identificação das normas programáticas, porquanto é um compromisso a que o
Estado se vincula, no sentido de desenvolver certa matéria constante da norma.

2. Normas preceptivas42

Têm eficácia incondicionada, não dependendo de condições institucionais ou de facto


(Ex: normas de Direitos, Liberdades e Garantias, que são directamente aplicáveis). Estas
comportam duas dimensões: podem ser exequíveis por si mesmas ou não exequíveis por
si mesmas.

2.1. Normas preceptivas exequíveis por si mesmas e não exequíveis por


si mesmas43

As normas exequíveis por si mesmas são aplicáveis por si só, sem necessidade de lei
que as complemente. Concretizam-se por si mesmas. Aqui, os comandos constitucionais
actualizam-se por si só (Ex: Art. 24º CRP “A vida humana é inviolável”).
41
NOGUEIRA DE BRITO, op. cit., p. 152.
42
NOGUEIRA DE BRITO, op. cit., p. 151.
43
NOGUEIRA DE BRITO, op. cit., pp. 151-152.
As normas não exequíveis por si mesmas carecem de normas legislativas ulteriores que
as tornem plenamente aplicáveis. São normas prescritivas, imposições legiferantes: o
legislador ordinário é obrigado a fazer a lei necessária para a sua efectivação. Pode não
de imediato produzir efeitos. Fica dependente de uma concretização jurídica ulterior.
Postulam apenas a intervenção do legislador (e não um programa vinculativo). Se estas
não forem concretizadas poderá incorrer-se numa inconstitucionalidade por omissão
(Ex: Art. 26º/2 “A lei estabelecerá (…)”).
Direitos Fundamentais44

1. Introdução

Subjaz, em primeira linha, ao jusfundamentalismo, a ideia da dignidade humana e do


seu livre desenvolvimento. É este o substracto subjacente aos modernos catálogos de
direitos fundamentais.

O “termo direitos fundamentais” reporta-se ao conjunto de direitos estadualmente


garantidos aos cidadãos, que podem ter vários fundamentos, no que respeita à sua
génese, dos quais destacamos a dimensão jusnaturalista, à qual subjaz a ideia de direitos
alheios, transcendentes ao Estado, válidos em todos os tempos e em todos os povos.

O que são então direitos fundamentais?

São posições jurídicas activas das pessoas singulares, tendencialmente frente ao poder,
visando garantir tutelar a dignidade da pessoa humana, isto é, direitos subjectivos
públicos, que irão consubstanciar, de certa forma, o estatuto dos indivíduos na
sociedade política.

Desta forma, os direitos fundamentais surgem para proteger as pessoas face ao poder,
porquanto regulam uma relação entre a comunidade e o poder, isto é, nascem para
defender os indivíduos face a um poder muito superior ao seu; limitam o poder e criam
um conjunto de posições jurídicas activas individuais.

Através dos tempos, espelho da consolidação da democracia e da liberdade, foram-se


juntando, sob o desígnio de direitos fundamentais, direitos de liberdade, que visam a
abstenção do Estado, direitos de participação na vida pública, que têm por finalidade
harmonizar a vontade do Estado e dos seus cidadãos, e direitos sociais, os quais
reivindicam uma actuação estadual, sob a forma de prestações positivas, em sede de
matérias predominantemente económicas.

44
Não cabe no presente capítulo traçar um desenvolvimento assaz substancial acerca dos Direitos
Fundamentais, porquanto esta matéria será objecto de estudo de uma disciplina autónoma, a ser lecionada
no segundo ano do curso jurídico. Para desenvolvimentos, vide JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO,
Direitos Fundamentais – Introdução Geral, 2ª edição, Lisboa, 2011; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE
ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, 5ª edição, Coimbra 2017; J.J. Gomes
Canotilho, op. cit., pp. 369-512.
Os direitos fundamentais, sublinhe-se, não assumem apenas a forma de direitos
subjectivos, mas sim de direitos que valem, universalmente falando, para a toda a
comunidade, o mesmo é dizer que se apresentam, outrossim, sob a veste de direitos
objectivos.

2. Direitos, Liberdades e Garantias

No catálogo dos DLG reúnem-se aqueles que são considerados os direitos tradicionais
(v.g. direito à vida, à integridade pessoal, à liberdade, garantias processuais, liberdade
de consciência, religião e de culto, liberdade de expressão, etc.).

Os DLG gozam de um regime especial, porquanto os preceitos constitucionais a eles


concernentes são determináveis, isto é, o regime dos direitos, liberdades e garantias
deve ser aplicado àqueles direitos cujo conteúdo está determinado, ou é determinável,
no corpus constitucional, através das regras gerais da interpretação jurídica. De forma
mais precisa, a contrario sensu, este regime não deve ser aplicado aos direitos cujo
conteúdo só pode ser determinado pelo legislador ordinário.

O regime especial dos DLG confere uma maior segurança e estabilidade, bem como
uma eficácia com maior acentuação, aos respectivos preceitos constitucionais, em
relação às demais normas constantes da nossa lei fundamental.

Os direitos, liberdades e garantias gozam de aplicabilidade directa, isto é, não carecem


de conformação legiferante para serem aplicados; são directamente materializáveis na
esfera jurídica de cada indivíduo. Quer-se dizer com isto que os seus titulares podem
invocar estes direitos perante os tribunais, devendo ser por estes aplicados, contanto que
não tenham sido objecto de regulamentação pelo legislador (v.g. o juiz, perante uma
norma concernente a uma lei ordinária que viole a matéria protegida por um direito
catalogado nos DLG, deve desaplicar essa norma e aplicar o preceito concernente à
esfera jusfundamental que assiste ao indivíduo).

Para além de vincularem as entidades publicas, os DLG vinculam as entidades privadas


(Art. 18º/1 CRP). Deve, pois, a administração pública velar pela efectivação dos
direitos, liberdades e garantias, podendo, em certos casos, estes direitos valer no âmbito
das relações entre privados (veja-se o efeito directo horizontal).
Estes, sublinhe-se, não são direitos absolutos, e como os demais direitos, têm os seus
limites.

Estes podem ser restringidos, v.g., para acautelar outro direito com maior peso ou
dignidade fundamental, contudo têm de respeitar os seguintes requisitos (Art. 18º/2/3
CRP):

Não podem ter efeitos retroactivos e devem ter um alcance geral e abstracto;

Não podem restringir o conteúdo essencial do direito;

Devem respeitar o princípio da necessidade (quando seja necessária a restrição para a


salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos)

Desde que a restrição operada não seja manifestamente desproporcional.

Estes só podem ser suspensos, em casos especiais e pontuais, mormente quando se


verifique a existência de estado de sítio ou estado de emergência (Art. 19º CRP),
havendo, contudo, um conjunto de direitos que fica sempre salvaguardado (v.g. direito à
vida, à integridade pessoa, etc.).

Se alguém ofender os direitos do individuo, pode este, num estado excepcional,


defender-se, recorrendo ao direito de resistência, consignado no artigo 21º da CRP.

Só a Assembleia da República goza de competência para legislar em sede de direitos


fundamentais, podendo, contudo, autorizar o Governo para tal (Art. 165º CRP).

3. Direitos Económicos, Sociais e Culturais

Estão ligados à intervenção do Estado na vida social (v.g. direito dos trabalhadores,
direito a segurança social, direito ao repouso, direito à habitação, etc.).

São, em primeiro lugar, direitos a uma realização estatal (facere), a uma acção,
prestação. Têm sempre uma natureza parcial, progressiva e futura, porquanto dependem
de determinados pressupostos (v.g. conjuntura económico-financeira; regime político-
ideológico) para lograrem uma ulterior concretização.
Os DESC não têm aplicação directa, antes uma aplicação mediata, porquanto são
direitos a prestações. Os preceitos a eles referentes não estão determinados na
Constituição. Na Constituição apenas há uma previsão prestacional e não determinação,
pelo que carecerão sempre de mediação legislativa.

Nesta medida, os DESC não são verdadeiros direitos subjectivos, porquanto não podem
ter uma sanção jurídica perfeita.

Vinculam parcialmente o Estado, isto é, vinculam o Estado, na dependência da


existência ou não de recursos para serem realizados. É uma vinculação limitado,
podendo-se afirmar (afirmação esta advogada, sublinhe-se, por uma doutrina
minoritária) que os DESC, rigorosamente, consubstanciam, não direitos subjectivos
públicos, mas sim meras expectativas jurídicas de direitos fundamentais.
História Constitucional Portuguesa45

A história do Constitucionalismo em Portugal compreende um período de dois séculos,


Séculos XIX e XX, entre 1822 e 1976 (até aos dias hodiernos). Urge desenvolvê-la. A
isso nos propomos.

1. Constituição de 1822

Esta Constituição tem por base a Constituição de Cádiz e as Constituições francesas de


1791 e 1795, com procura do equilíbrio entre o poder do Estado e os direitos e deveres
fundamentais. Surge na sequência da Revolução de 1820 e transmite a ideia ruptura com
o regime absolutista. Emerge, aqui, valores universais. Desta revolução saiu uma Junta
Provisional do Reino, que mandou proceder à eleição de deputados às “Cortes Gerais
Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa”. Em Fevereiro de 1821 as Cortes
discutiram um projecto de bases da Constituição, visando romper com as tradições
nacionais. Em 1822, D. João VI, exilado no Brasil, jurou a Constituição (mesmo sem a
conhecer), após aprovação na Assembleia Constituinte. Esta Constituição traduziu-se no
início do verdadeiro constitucionalismo português e na implementação da nova ordem
liberal e democrática, conquanto que consagrasse uma monarquia constitucional
hereditária. Aqui, o poder legislativo residia nas Cortes, com dependência de sanção
régia, o executivo no Rei, considerado o chefe de Estado, todavia limitado, pois este
estava submetido ao princípio da separação de poderes. Possuía 240 artigos. No entanto,
teve vigência curta (1822-1823, por força de uma grave crise política irresolúvel.
Assegurava as liberdades fundamentais e unia a nação. Haveria de ser novamente
adoptada em 1836, com a vitória do Setembrismo.

2. Carta Constitucional de 1826

A Carta Constitucional é obra pessoal de D. Pedro IV, tendo sido redigida num tempo
curto, antes de abdicar da coroa. Com a abolição da Constituição de 1822 por D. João
VI em 1823, Portugal regressou ao Absolutismo. No entanto, com a sua morte em 1826,
45
Referência superficial. Para estudos mais aprofundados ver Marcello Caetano – Constituições
Portuguesas.
D. Pedro, então Imperador do Brasil, é aclamado rei de Portugal e decide doar aos
portugueses a Carta Constitucional, baseada na Constituição brasileira de 1824 e na
francesa de 1814. A outorga da Carta Constitucional traduz-se na manifestação
absolutista por parte do monarca. Este texto fundamental atribui ao Rei o poder
moderador.

Em 1826, D. Pedro abdica do trono, entregando-o a sua filha, D. Maria I, que haveria de
casar-se com D. Miguel, irmão de D. Pedro e absolutista fervoroso, a quem era
concedida a regência de Portugal em 1827. Em 1828, reunindo influencias, D. Miguel
proclama-se Rei absoluto. Devido a este facto, o país embarca numa série de lutas entre
absolutistas e liberais, com devidas alternâncias no poder, que, num último momento, se
repercute na Convenção de Évoramonte, saindo vitoriosos da guerra civil os liberais.

Esta tinha 145 artigos, tendo como objectivo solucionar a crise dinástica, estabelecer um
compromisso entre legitimistas e constitucionais, através do estabelecimento de um
parlamento bicameral, surgindo ao lado do Rei, com Câmara de Deputados electiva e
Câmara de Pares hereditária. O princípio monárquico e o princípio representativo
coexistem. Para além dos poderes anteriormente referidos (legislativo, executivo e
judicial), temos a novidade do poder moderador detido pelo monarca. O sistema de
governo era parlamentar, o que tendeu para um sistema rotativista (rotatividade entre
governos de facções políticas, v.g. Partido Regenerador, Partido Histórico, Partido
Progressista).

A Carta Constitucional teve várias vigências. A primeira vigência deu-se entre 1826 e
1828, entre o reinado de D. Miguel e os conflitos políticos. A segunda vigência observa-
se entre 1834 e 1836, aquando da vitória dos liberais na guerra civil até à agudização
conflitual entre Cartistas e Vintistas, revolta que ficou conhecida como o Setembrismo,
que veio reinstituir a Constituição de 1822, por força da vitória dos Vintistas (não
obstante a sua dificuldade de aplicação, que culminou na sanção da Constituição de
1838). Por último, visualiza-se a vigência da Carta Constitucional entre 1842, golpe de
Estado por Costa Cabral que repõe a Carta Constitucional, e 1910, revolução
republicana.

3. Constituição de 1838
Constituição, também conhecida como Setembrista, resultante do acordo entre as Cortes
e o Monarca (Constituição pactícia), justificando-se a falta de eficácia da Constituição
de 1822, na sequência do Setembrismo, do qual saíram vitoriosos os liberais. Esta foi
jurada por D. Maria II.

Representa uma síntese entre os textos de 1822 e 1826, reafirma a soberania nacional, o
princípio democrático, o sufrágio directo, elimina o poder moderador e aumenta os
poderes do rei em relação à lei fundamental de 1822. No sistema de governo, verifica-se
o regresso à tripartição de poderes, sendo o poder legislativo atribuído a duas câmaras
(Câmara Alta e Câmara Baixa), ambas eleitas por sufrágio directo, restringindo-se a
elegibilidade para Senadores a critérios censitários e capacitários. O Poder executivo
está a cargo do monarca, o qual detém poder de sanção das leis, o poder de dissolver a
Câmara dos Deputados. Verifica-se um pendor parlamentar mitigado.

4. Constituição de 1911

Na sequência do Ultimato inglês de 1890, do golpe de 31 de Janeiro para tentar derrubar


a monarquia, da crise económica e política e do regicídio ocorrido em 1908, em 5 de
Outubro de 1910 é instaurada a República pela mão de Teófilo Braga.

A Assembleia Constituinte, reunida em 1911, sancionou a revolução de 5 de Outubro, e


incumbiu uma comissão a elaborar o novo projecto de Constituição. A Assembleia
rejeita um modelo presidencialista, e então é adoptada a Constituição mais rapidamente
elaborada, baseada na Constituição da Suíça, por ir ao encontro de marcas
descentralizadoras e democráticas do Partido Republicano. Aqui, o Presidente da
República é uma figura meramente simbólica.

A Constituição de 1911 comporta vários elementos, entre os quais destacamos o


liberalismo democrático, uma forma de democracia social, o laicismo, o municipalismo,
um poder político baseado na separação de poderes e uma soberania residente na Nação.

Em matéria de Direitos Fundamentais, possuía um sentido individualista, liberal e


igualitário, com a abolição da pena de morte, garantia de habeas corpus, igualdade
social e jurídico-política.
No que respeita ao sistema político, a Constituição de 1911 prevê um sistema de
governo parlamentar, sendo que o poder legislativo é exercido pelo Congresso da
República e o poder executivo pelos Ministros e Pelo Presidente da República. O
Presidente emana do Congresso, não detendo poderes de veto nem de dissolução. O
poder judicial é atribuído aos tribunais, os quais, pela primeira vez, possuem
competência de apreciação da constitucionalidade das leis.

Vislumbramos, por força do sistema parlamentar absoluto, grande instabilidade política,


o que se traduziu em quarenta e quatro governos, oito Presidentes da República e sete
legislaturas em quinze anos de vigência. Isto levou ao golpe militar de 28 de Maio de
1926, no qual o país sucumbiu a uma ditadura militar; isto significou uma abertura para
o Estado Novo.

5. Constituição de 1933

Do que resultou da instabilidade política da I República, sucedeu, como solução


apresentada à nação, um processo que visou derrubar o Governo e passar o poder
político para as mãos dos militares, de forma autoritária, tendo como resultado a
dissolução do parlamento e a assunção directa do poder pelos militares. Este
acontecimento é associado à conhecida data de 28 de Maio de 1926, golpe encabeçado
pelo General Gomes da Costa, tendo como objecto o restabelecimento da ordem, da
autoridade, da estabilidade e do nacionalismo em Portugal. Este regime viria a ser a
Ditadura Militar. Em 1928, o General Carmona é eleito Presidente da República,
mesmo ano em que o professor Oliveira Salazar é chamado para Ministro das Finanças.

Mais tarde, já como Presidente do Conselho de Ministros, Salazar preparou uma nova
Constituição que o Governo publicou nos jornais diários de 28 de Maio de 1932 para
efeito de discussão no país e, posteriormente, refundiu-a e submeteu-a a plebiscito
nacional, sendo então aprovada em 1933. Esta não foi elaborada por uma Assembleia
Constituinte, mas sim pelo Governo, sendo legitimada através de sanção popular.

Podemos apontar como princípios constitucionais que constituem a unidade basilar da


Constituição de 1933 a atenuação da separação de poderes entre órgãos do Estado,
atenuação do parlamentarismo, Estado forte, autoritário, intervencionista e corporativo,
nacionalismo político (Veja-se o conhecido lema “Deus, Pátria e Família”).
Assentava num sistema de governo simples de chanceler, pois não é parlamentar (apesar
de ser reconhecida uma Assembleia Nacional), nem presidencial (O Presidente da
República, apesar de ser a figura mais alta a nível Estadual, na prática não estava
imbuído de grandes poderes, como que uma figura representativa), assentando na
concentração de poderes (apesar de haver vários órgãos de soberania – PR; Assembleia
Nacional; Governo e Tribunais). O Presidente da República é, num primeiro momento,
eleito por sufrágio directo por sete anos, podendo ser reeleito. Este nomeia o Presidente
do Conselho e os Ministros, convoca a Assembleia Nacional e dissolve-a quando
necessário, dirige a política externa do Estado, promulga as leis e exerce poder de veto
(excepto a nomeação e demissão do Presidente do Conselho, as mensagens dirigidas à
NA e a mensagem de renúncia ao cargo; os seus actos devem ser referendados). A
Assembleia Nacional é constituída por noventa deputados eleitos por sufrágio directo
por quatro anos, tendo por objecto a elaboração das leis e velar pelo cumprimento da
Constituição; funciona três meses por ano. O Governo é constituído pelo Presidente do
Conselho e pelos Ministros, sendo o Presidente do Conselho nomeado e demitido pelo
Presidente da República e perante ele responsável, tendo como função coordenar e
dirigir as actividades de todos os ministros, elaborar decretos-leis e referendar actos do
Presidente da República. O Conselho de Estado e a Câmara Corporativa são órgãos
auxiliares, sendo auxiliares do Presidente da República e da Assembleia Nacional,
respectivamente.

Vislumbra-se, aqui, uma prática orientada para a estabilidade e continuidade no âmbito


da ordem jurídica própria, repúdio pela separação de poderes, regulação do exercício
das liberdades de expressão, ensino, reunião e associação, através de leis especiais,
evitando a perversão da opinião pública, carácter autoritário, não incorrendo numa
política totalitária devido a subordinação da nação à moral e ao Direito, competência do
Estado em definir e fazer respeitar os direitos e garantias constitucionais, proscrição dos
partidos e não reconhecimento do direito de oposição, intervenção na economia
(capitalismo autoritário, administrativo e proteccionista), completo domínio da vida
política pelo Presidente do Conselho.

É de apontar, devido à sua relevância, as revisões constitucionais de 1959 e 1971.


A revisão de 1959, por força do resultado nas eleições de 1958 do General Humberto
Delgado, opositor ao Governo, traduziu-se na substituição do modo de eleição do
Presidente da República, para um colégio restrito.

A revisão de 1971, já quando Marcello Caetano era líder do Governo, modificou o


estatuto do Ultramar que, orientando-se num espírito mais favorável aos direitos
fundamentais e tendo em conta o contexto internacional de descolonização, define as
províncias ultramarinas como regiões autónomas.

6. Constituição de 1976

A CRP de 76 tem uma origem revolucionária, por força de uma difícil situação do país,
dominado por um regime caduco, por condições económico-sociais degradadas e pelo
adiamento constante da questão da descolonização. Desta forma, Portugal sairia desse
impasse com a revolução de 25 de Abril de 1974, protagonizada pelo Movimento das
Forças Armadas. O 25 de Abril representava o início de uma verdadeira revolução, que
iria permitir o restabelecimento da democracia de a descolonização. O processo que
levaria à CRP de 76 passa, em primeiro lugar, pelo programa do MFA, consagrado e
formalizado num documento sem precedentes no Direito Público português. O 25 de
Abril teve, igualmente, como referência, a nível jurídico, a Declaração Universal dos
Direitos do Homem (documento que viria inspirar a CRP de 76). O Programa do MFA
previa a restauração da democracia e dos direitos e deveres dos cidadãos, uma solução
política da questão colonial, o programa de salvação dos três d’s (descolonizar,
desenvolver, democratizar), uma nova solução político-económica e social e a definição
no novo sistema político, através de uma legitimação emanada do povo, com a eleição
dos Deputados à Assembleia Constituinte, assembleia que iria ser objecto de criação da
nova Constituição. Todavia, circunstâncias houve que assinalaram o processo que se
desenrolaria até à Constituição, entre as quais, a turbulência dos dois anos entre a
revolução e a Constituição (desacatos políticos e sociais), a celebração de duas
Plataformas de Acordo Constitucional entre os principais partidos políticos e o MFA e o
pluralismo partidário que assolou o país e se manifestou na Assembleia Constituinte,
tendo cada partido apresentado o seu projecto constitucional. Destas circunstâncias
resultaria uma Constituição fortemente influenciada pelos elementos factuais registados
nesse período.
Num primeiro momento, o MFA nomeia uma Junta de Salvação Nacional, a quem são
entregues, provisoriamente, os poderes do Estado, na qual são criadas sucessivamente
Leis Constitucionais Revolucionárias. A nova ordem política deve versar na supressão
do anterior regime, nomeadamente, na repartição do poder político por vários órgãos
constitucionais, primeiramente, órgãos provisórios. Os poderes constituintes assumidos
em consequência do MFA foram conferidos ao Conselho de Estado e os poderes
Constituídos ao Governo Provisório. Este paradigma manter-se-ia até à eleição da
Assembleia Constituinte.

A 25 de Abril de 1975 dá-se, em Portugal, uma eleição livre, com sufrágio universal,
para a Assembleia Constituinte. A Constituição nasce dessa Assembleia, onde estão
representadas todas as ideologias políticas eleitas, com a intervenção de todos os
partidos. Só a AC tinha poder para decretar e sancionar a Constituição. A elaboração da
Constituição passou por uma fase de sistematização, uma fase de elaboração e
aprovação e uma fase de redacção final e aprovação global.

A CRP de 76 ostenta um carácter democrático e liberal, conquanto estejamos na


presença, até à primeira revisão, de um órgão controlado pelos militares, o Conselho da
Revolução. É uma Constituição assaz preocupada com os direitos fundamentais e com a
divisão de poderes. Esta, num primeiro momento, apresenta um preâmbulo e 312 artigos
e uma divisão, repartida por “Direitos e deveres fundamentais”, “Organização
económica”, “Organização do poder político”, “Garantia e revisão da Constituição” e
“Disposições finais e transitórias”.

7. Revisões Constitucionais (da CRP de 76; 1982-Presente)46

1ª Revisão, de 1982 (ordinária) – Eliminação do Conselho da Revolução (iria confirmar


o sistema de governo semipresidencial, ao eliminar algum carácter directorial imiscuído
na Constituição, traduzindo-se numa afirmação identitária da CRP);

2ª Revisão, de 1989 (ordinária) – Expurgo de expressões marxistas, entrada na União


Europeia e liberdade de circulação, reconhecimento e regulação do instituto do
Referendo;

46
JORGE MIRANDA, op. cit., pp. 93-96.
3ª Revisão, de 1992 (extraordinária) – Necessidade de revisão, no sentido de
compatibilizar a Constituição com o tratado de Maastrich;

4ª Revisão, de 1997 (ordinária) – Alterações de capacidade eleitoral de cidadãos


estrangeiros, criação de círculos uninominais e de candidaturas não dependentes de
partidos (no caso das autárquicas);

5ª Revisão, de 2001 (extraordinária) – Ratificação do Tratado da instituição do Tribunal


Internacional Penal;

6ª Revisão, de 2004 (ordinária) – Maior autonomia das Regiões Autónomas, eliminação


do cargo de Ministro da República e criação do Representante da República, alterações
de normas referentes às relações internacionais e de direito internacional, consolidação
do princípio da limitação de mandatos, nomeadamente de titulares de cargos políticos e
executivos.

7ª Revisão, de 2005 (extraordinária) – Aditamento de artigo que visa a permissão de


referendo de um tratado Constitucional Europeu.
Actos Normativos, Competências Legislativas e Categorias de
Leis47

1. Actos Normativos e Competência

O Art. 112º da CRP prevê os diferentes tipos de actos normativos (podem ser
legislativos ou não legislativos). Retira-se, outrossim, do artigo supra-referido o
Princípio da Tipicidade, no qual só existem actos normativos que a CRP prevê.

De entre os actos normativos legislativos, observamos a lei, o decreto-lei e o decreto-


legislativo regional (nº1), sendo da competência da Assembleia da República (Arts.
161º, 164º, 165º e 167º a 171º CRP), do Governo (Art. 198º CRP) e das Assembleias
Legislativas Regionais (Art. 112º/4; 227º, 232º e 233º CRP), respectivamente). Não
descuramos que, segundo o Princípio da Paridade, lei e decreto-lei (ressalvando alguns
casos) têm igual valor.

Nunca é de mais afirmar que a lei é geral e abstracta (Veja-se que a lei orgânica não
constitui outra categoria de acto legislativo. Quanto muito é uma subcategoria de lei
ordinária).

Por seu turno, o Governo tem também competência para realizar actos de natureza
administrativa. Aqui identificamos o acto normativo não legislativo, que irá
corresponder ao regulamento (Art. 112º/6/7 CRP).

Competência Legislativa da Assembleia da República – À luz da CRP, é a AR que


detém o primado da competência legislativa. Tem uma competência legislativa
genérica, ou seja, em regra, tem competência para legislar sobre todas as matérias (Art.
161º al.c. CRP), não atingindo apenas a competência exclusiva do Governo para legislar
sobre a sua organização (Art. 198º/2).

O Art. 164º da CRP consagra a reserva absoluta da AR em sede de competência


legislativa. Quer isto dizer que as matérias que o preceito dispõe só podem ser objecto
de legislação por parte da AR e nunca delegáveis a outro órgão com competência
legislativa.

47
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Lisboa, 2016, pp. 179-215.
O Art. 165º da CRP consagra a reserva relativa da AR em sede de competência
legislativa. As matérias dispostas nesse preceito são objecto de legislação por parte da
AR e podem ser delegáveis ao Governo, através de um acto de autorização, para efeitos
de legislação – leis de autorização legislativa (Art. 165º/2 CRP). Claro está, dentro de
certos limites. A lei de autorização deve definir o seu objecto, o sentido e a duração da
autorização, não podendo ser prorrogada (impedindo certas arbitrariedades).

Quanto à intervenção da AR no Direito Comunitário, esta pode acompanhar Portugal no


processo de construção da União Europeia (Art. 163º al.f. CRP) e pronunciar-se, nos
termos da lei, sobre as matérias pendentes de decisão em órgãos no âmbito da UE que
incidam na esfera da sua competência reservada.

Competência Legislativa do Governo – O Governo detém uma enorme esfera de


competência legislativa, tendo poderes desta natureza muito mais amplos que a maioria
dos Governos dos Estados Ocidentais.

A competência legislativa do Governo pode dividir-se em competências independentes


(o Governo pode legislar sem estar subordinado a alguém), abarcando as competências
legislativas reservada e concorrencial, e em competências dependentes, incluindo as
competências legislativas autorizada e complementar (desenvolvimento):

Competência Legislativa Reservada – Só o Governo pode legislar nas matérias aí


previstas. Vislumbra-se no Art. 198º/2 – “é da exclusiva competência do Governo
legislar em matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento”.

Competência Legislativa Concorrencial – Art. 198º/1 al.a – O Governo pode fazer


decretos-leis em todas as matérias não reservadas à AR.

Competência Legislativa Autorizada – Art.198º/1 al.b – O Governo pode legislar em


matérias reservadas à AR, mediante uma lei de autorização (Art. 165º/2 CRP),
revestindo o ulterior decreto-lei forma de decreto-lei autorizado. A lei de autorização
servirá de orientação ao Governo e se não se observarem os requisitos constantes do
Art. 165º/2, a lei é inconstitucional.

Competência Legislativa Complementar – Art. 198º/1 al.c. – O Governo tem


competência para legislar, no sentido do desenvolvimento dos princípios ou das bases
gerais dos regimes jurídicos das leis que a eles se circunscreverem – decreto-lei de
desenvolvimento – tem uma ligação directa com as leis de desenvolvimento.

O Governo pode ainda ter iniciativa legislativa, com o lançamento de uma proposta de
lei, segundo o Art. 167º/1 CRP.

A competência legislativa do Governo é exercida através do Conselho de Ministros


(Art. 200º/1 al.d. CRP).

Competência Legislativa das Regiões Autónomas – A CRP atribui poderes legislativos


às Regiões Autónomas, bem como autonomia político-administrativa (Art. 231º CRP).

Segundo o Art. 232º CRP, é da competência exclusiva das Assembleias Legislativas das
Regiões Autónomas o poder legislativo, não sendo este delegável nos respectivos
Governos.

As RA podem legislar em matérias em que a AR e o Governo não tenham de intervir:


Legislar no âmbito regional, em matérias enunciadas no respectivo estatuto político-
administrativo (Art. 227º/1 al.a. e 228º/1) e exercer poder tributário próprio.

Competência Legislativa Autorizada – As RA podem legislar em âmbito regional, nas


matérias de reserva relativa da AR, mediante autorização (Art.165º/1/2 e 227º/1 al.b.).

Competência Legislativa Complementar (Desenvolvimento) – Desenvolver para o


âmbito regional os princípios ou as bases gerais dos regimes jurídicos em leis que a eles
se circunscrevem (Art. 227º/1 al.c. CRP).

Só os órgãos que a Constituição estabelece têm competência para legislar, devendo


respeitar o princípio da separação de poderes, consagrado no Art. 111º.

2. Categoria de Leis (Leis de Valor Reforçado – Art. 112º/3 CRP)

A CRP estabelece que em certas matérias existam leis de valor reforçado, às quais as
restantes leis se devem subordinar.

Se uma lei ordinária, em regra, for desconforme a uma lei de valor reforçado é ilegal.

Só são leis de valor reforçado as que resultam da Constituição (Art. 112º/3 CRP).
O Tribunal Constitucional tem competência para decidir, em matéria de conformidade,
a relação entre leis de valor reforçado e leis ordinárias.

Registamos uma tipologia de leis de valor reforçado, subdividida em leis de valor


reforçado quanto ao procedimento, que engloba as leis orgânicas e as leis que carecem
de maioria de dois terços para serem aprovadas, e quanto à matéria, abarcando as leis
que são pressuposto normativo de outras leis e as leis que por outras devem ser
respeitadas.

Leis Orgânicas – Art. 168º/5 CRP – Requerem maioria absoluta dos deputados em
efectividade de funções para serem aprovadas (mínimo de 116 deputados).

Constituem forma de lei orgânica as matérias constantes do Art. 164º, alíneas a. a f., h,
j, l (primeira parte), q, t (Art. 166º/2 CRP).

O disposto do Art. 255º, acerca da regionalização, se for objecto de legislação, vai


assumir forma de lei orgânica.

O pedido de fiscalização da constitucionalidade no caso das leis orgânicas, além de ser


suscitado pelo PR, pode ser suscitado pelo Primeiro-Ministro e por um quinto dos
deputados da AR (Art. 278º/4 CRP).

Leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços – Arts. 112º/3 e 168º/6 –
São leis que carecem de uma dupla maioria para serem aprovadas: maioria de dois
terços dos deputados presentes desde que superior à maioria absoluta dos deputados em
efectividade de funções (mínimo 117 deputados).

Leis que são pressuposto normativo necessário de outras leis – Arts. 112º/3 e 198º
al.c. – A CRP estabelece que, em função da matéria de que se ocupa, a lei deve ter
especial protecção. Assim, a lei A é pressuposto normativo da lei B. A lei B só pode
subsistir mediante a existência da lei A (Ex: Leis Base – DL de desenvolvimento).

Leis que devem por outras ser respeitadas – Uma lei para existir não depende de
outra. Mas se essa outra existir, a lei deve respeitá-la. Assim, para existir B, não tem que
existir A. Mas se A existir, B tem de respeitá-la. Caso paradigmático deste tipo de delis
é a Lei do Orçamento. Se esta existir, todas as restantes se lhe devem submeter (Art.
106º/1 CRP).
Processo Legislativo Parlamentar48

1. Introdução

O procedimento legislativo parlamentar é a sucessão da série de actos (ou fases) para


produzir um acto legislativo. Veja-se que a lei resulta necessariamente de um
procedimento.

Identificamos, pois, as seguintes fases do processo legislativo parlamentar: iniciativa;


fase de apreciação ou instrutória; fase de deliberação ou constitutiva; fase de controlo
ou promulgação; fase de integração de eficácia (JORGE MIRANDA Considera que a
publicação não faz parte do processo legislativo parlamentar).

2. Fases
2.1. Iniciativa

Segundo o disposto no Art. 167º/1 CRP, podem suscitar a iniciativa legislativa os


Deputados, os Grupos Parlamentares, o Governo e, de uma forma mais limitada, as
Assembleias Legislativas Regionais e os grupos de cidadãos eleitores. Traduz-se a
iniciativa em projectos de lei (iniciativa legislativa parlamentar), ou propostas de lei
(iniciativa legislativa governamental ou de entidades exteriores ao parlamento).

Corresponde isto à iniciativa legislativa originária. Temos, ainda, a iniciativa


superveniente, que se traduz na possibilidade de se realizarem alterações aos
projectos/propostas de lei (projecto de alteração).

No caso das Assembleias Legislativas Regionais, estamos perante uma iniciativa


legislativa específica, visto que as propostas delas dimanadas só podem versar sobre
matérias concernentes às Regiões Autónomas (Ex: Finanças Regionais).

2.2.Fase de Apreciação/Instrutória

48
JORGE MIRANDA, Curso de Direito Constitucional, Vol. 2, Lisboa, 2016, pp. 215-230.
GOMES CANOTILHO, op. cit., pp. 843-852.
Tem por finalidade a recolha e elaboração de dados e elementos, que permitam analisar
a oportunidade do procedimento. GOMES CANOTILHO considera que o trabalho
fundamental decorrente desta fase cabe às comissões especializadas, às quais serão
enviados os projectos/propostas de lei, tendo estas como função apreciar e dar parecer
devidamente fundamentado, no que tange à sua matéria.

2.3.Fase de deliberação/Constitutiva

É a fase, na qual se produz o acto principal e ao qual se reportam os efeitos jurídicos


essenciais. Inclui vários subprocedimentos: um debate na generalidade (a discussão
incide sobre os princípios e o sistema, em geral, de cada projecto) e outro na
especialidade (versa sobre cada artigo e pormenor do projecto/proposta de lei) – Art.
168º/1 CRP.

Cabe ao Presidente da Assembleia da República fixar a ordem do dia (Art. 176º/1 CRP),
não obstante a possibilidade de ser solicitada prioridade, por parte do Governo, dos
Grupos Parlamentares ou das Assembleias Legislativas Regionais, para assuntos de
interesse nacional ou regional, respectivamente, de resolução urgente (Art. 176º/2/4
CRP).

Por seu turno, a votação compreende uma votação na generalidade (versa sobre cada
projecto em geral, sendo aqui que se toma a decisão de legislar; as restantes votações
são consequenciais), uma votação na especialidade (versa sobre cada artigo, número,
alínea) e uma votação final global, votação esta que irá incidir sobre a forma final do
projecto/proposta de lei e não é precedida de discussão (as anteriores são; cada Grupo
Parlamentar pode apenas produzir uma declaração de voto não superior a dois minutos).
A inexistência de cada votação pressupõe a nulidade da lei, porquanto constitui um
vício de procedimento.

Se a AR assim o deliberar, os textos aprovados na generalidade serão votados na


especialidade pelas comissões, podendo a AR avocar o acto em causa (Art. 168º/3
CRP).

Por regra, observado o “quórum”, faz-se à pluralidade de votos, sendo os


projectos/propostas de lei aprovados pela maioria, visando o respeito pelo princípio
democrático (Art. 116º/2/3 CRP).
Os projectos/propostas de lei aprovados designam-se de decretos da Assembleia da
República, devendo de seguida ser enviados para o Presidente da República, para efeitos
de promulgação.

2.4.Fase de Promulgação/de Controlo

Uma vez aprovado, o decreto da AR é enviado para o PR para efeitos de promulgação


(Art. 136º CRP).

Compete ao PR promulgar e mandar publicar as leis da AR (Art. 134º al.b.).

Não obstante, a promulgação está associada ao direito de veto do PR, bem como ao
direito de ser suscitada a fiscalização da constitucionalidade do diploma (fiscalização
preventiva da constitucionalidade (Arts. 136º/1, 134º al.g. e 278º/1 CRP).

Para efeitos de promulgação, não é necessária apenas a promulgação, é necessário


proceder-se à realização da referenda ministerial (Art. 140º CRP) (assinatura do PR e do
membro do Governo competente), sob pena de inexistência jurídica do acto.

O PR pode exercer o direito de veto (veto político), nos termos do Art. 136º/1 CRP,
devendo devolver o diploma à AR com mensagem fundamentada, o que não obsta que a
AR possa recorrer ao mecanismo da confirmação (Art. 136º/2/3 CRP).

No caso de exercer o direito de suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade


(Art. 278º/1 CRP), deve o PR requerer essa apreciação no prazo de oito dias (nº:3).

Caso o Tribunal Constitucional não se pronuncie pela inconstitucionalidade, deve o PR


promulgar o diploma ou exercer o direito de veto (Art. 136º/4 CRP).

Caso o Tribunal Constitucional se pronuncie pela inconstitucionalidade, o PR deve


vetar o diploma (Art. 279º/1 CRP). Aqui já não se trata de veto político, mas sim de
veto jurídico, porquanto a norma constante do diploma padece de vício.

Sem embargo, a AR não fica obrigada a deliberar de novo. Pode fazê-lo ou não. A AR
pode expurgar a norma viciada, ou mesmo reformular todo o diploma (Art. 279º/2
CRP), sendo enviado novamente o diploma ao PR para efeitos de promulgação. Não
obstante, a AR pode não recorrer a nenhum desses mecanismos e insistir na mesma
formulação do diploma. Nesse sentido, pode a AR recorrer ao mecanismo da
confirmação, sendo necessária maioria de dois terços dos deputados em efectividade de
funções para haver confirmação (Art. 279º/2 CRP).

Aqui, o diploma regressa ao PR para efeitos de promulgação. Todavia, como estamos


na sequência de um veto jurídico e de um diploma que detém normas inconstitucionais,
o PR já não é obrigado a promulgar. Poderá fazê-lo ou não, não assinando o diploma
(Art. 137º CRP).

2.5.Fase de Integração de Eficácia49

Esta fase abrange os actos destinados a tornarem eficaz o acto legislativo,


designadamente através da sua publicidade.

A publicação é feita através do jornal oficial “Diário da República”, sob pena de, em
caso de não publicação, ineficácia jurídica (Art. 119º CRP).

49
JORGE MIRANDA considera que a fase de publicação já se encontra fora do
procedimento legislativo parlamentar.
Fiscalização da Constitucionalidade

1. A Fiscalização da Constitucionalidade

Quando se observa que uma norma constitucional padece de vício, concluímos que a
Constituição tem de prever mecanismos com capacidade para suprimir, ou no mínimo,
criar condições atenuantes para fazer face à norma viciada. Afirma-se, pois, que à
inconstitucionalidade corresponde a garantia da constitucionalidade. Daí decorre que
dessa garantia existam mecanismos para prosseguir essa mesma garantia: daí a
fiscalização da constitucionalidade50.

Identificamos os seguintes tipos de fiscalização da constitucionalidade: fiscalização


preventiva; fiscalização sucessiva abstracta; fiscalização sucessiva concreta;
fiscalização da constitucionalidade por omissão.

1.1.Fiscalização Preventiva da Constitucionalidade51

Este tipo de fiscalização respeita a normas que “hão-de ser”, normas que ainda não
estão em vigor, ainda não são eficazes. Aqui, ainda o processo legislativo não está
concluído.

Este tipo de fiscalização destina-se a impedir a entrada em vigor de normas


relativamente às quais existem dúvidas, no que respeita designadamente à sua
conformidade (ou não) com a lei fundamental (fica fora toda e qualquer hipótese de
apreciação da legalidade, excepto no que toca a referendos).

De acordo com o Art. 278º da CRP, a fiscalização preventiva pode abranger disposições
constantes de tratado e acordo internacional e de acto legislativo.

50
JOSÉ DE MATOS CORREIA, Introdução ao Direito Processual Constitucional, Lisboa, 2011, pp. 63-
84.
51
JOSÉ DE MATOS CORREIA, op. cit., pp. 91-113.
A iniciativa de desencadear o processo de fiscalização preventiva cabe, por regra, ao PR
(Art. 278º/1 CRP), ou ao Representante da República para as Regiões Autónomas (Art.
278º/2 CRP).

Esta actuação tem lugar na fase final do processo, em regra, do processo legislativo
parlamentar, antes da promulgação dos actos legislativos.

No âmbito da fiscalização preventiva das leis orgânicas, não só pode desencadear o


processo o PR, como o Primeiro-Ministro e um quinto dos deputados da AR em
efectividade de funções (Art. 278º/4 CRP).

O prazo para solicitar a fiscalização preventiva é de oito dias, a contar da data de


recepção do diploma (Art. 278º/3 CRP).

O Tribunal Constitucional dispõe de um prazo de vinte e cinco dias para se pronunciar,


não obstante o PR dispor de uma prerrogativa que lhe permite, em caso de urgência,
encurtar o prazo (Art. 278º/8 CRP).

Do que decorrer da apreciação em causa, as decisões do Tribunal Constitucional podem


assumir apenas duas formas: a pronúncia no sentido da inconstitucionalidade ou a
pronúncia da não inconstitucionalidade.

Caso o TC se pronuncie pela não inconstitucionalidade da norma, o PR pode promulgar


ou exercer o direito de veto (político), nos termos do Art. 136º/1/4 da CRP, dispondo de
um prazo de vinte dias para o fazer.

Caso o TC se pronuncie pela inconstitucionalidade da norma, o PR é obrigado, nos


termos no Art. 279º/1 da CRP, a exercer o veto (veto jurídico). Aqui, o veto não carece
de mensagem fundamentada, visto que os motivos que levam a esse mecanismo provêm
da própria decisão do TC.

Aqui, a CRP não estabelece qualquer prazo para o veto jurídico, aplicando-se,
analogicamente, o Art. 136º/1/4, que estabelece o prazo de vinte dias para a lei e
quarenta dias para decreto-lei do Governo.

O Art. 279º/2/3 possibilita o expurgo, ou a reformulação do diploma, no decorrer na


devolução do mesmo ao órgão legislativo competente.
No caso do expurgo, retira-se somente a norma que estava viciada, tendo o PR apenas
poder para promulgar ou vetar o acto (Art. 279º/2 CRP).

No caso da reformulação, visa-se uma modificação das demais matérias constantes do


diploma, podendo o PR, além das possibilidades já mencionadas, solicitar nova
apreciação preventiva (Art. 279º/3 CRP).

A AR pode, ainda, recorrer ao mecanismo da confirmação, o que requer aprovação por


maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta
dos deputados em efectividade de funções (Art. 279º/2 2ª parte CRP).

Aqui o PR, como se trata de um diploma dotado de normas inconstitucionais, tem a


faculdade ou não de promulgar, não sendo obrigado a tal.

1.2.Fiscalização Sucessiva Abstracta da Constitucionalidade52

Este tipo de fiscalização incide sobre actos já concluídos e adoptados. Tem por objecto
normas jurídicas perfeitas.

Abrange, outrossim, a apreciação da ilegalidade.

As normas que podem ser objecto de fiscalização sucessiva abstracta da


constitucionalidade estão previstas no Art. 281º/1 da CRP.

Envolve um alargamento do conjunto das entidades com legitimidade para a


desencadear. Essas entidades estão previstas no Art. 281º/2 da CRP.

Esta pode ocorrer a todo o tempo.

Quanto ao efeito, o TC pode pronunciar-se pela não inconstitucionalidade (ou não


ilegalidade) ou pela inconstitucionalidade (ou ilegalidade), com força obrigatória geral.

Força Obrigatória Geral – Quanto à eficácia substantiva, a norma que é declarada


inconstitucional é expurgada da ordem jurídica portuguesa, ou seja, é totalmente
erradicada.

Todos os actos produzidos pela norma que foi declarada inconstitucional e,


consequentemente expurgada, devem ser eliminados, ou seja, não só eliminados os

52
JOSÉ DE MATOS CORREIA, op. cit., pp. 115-138.
efeitos directamente por ela produzidos, como os efeitos dos actos ao abrigo dela
praticados (Ex. Negócio Jurídico).

Quanto aos efeitos temporais da declaração, constitui-se, regra geral, a retroactividade,


devendo a Constituição prevalecer desde o momento em que a norma inconstitucional
começou a produzir efeitos, evitando a diferença de tratamento das pessoas que, sob
efeito da norma, foram beneficiadas em detrimento das outras.

No caso da inconstitucionalidade/ilegalidade originária, a retroactividade produz efeitos


desde o momento da entrada em vigor da norma inquinada (Art. 282º/1 CRP).

No caso da inconstitucionalidade/ilegalidade superveniente, a decisão do TC é


limitadamente retroactiva. A invalidade vem apenas a ocorrer algures no período de
vida da norma jurídica, o que significa que apenas a partir do momento dessa posterior
norma constitucional é que o vício irrompe, devendo salvaguardar-se os efeitos
anteriormente produzidos (Art. 282º/2 CRP).

Não obstante, estatui o Art. 282º/3 que ficam ressalvados os casos julgados
(insusceptibilidade de uma decisão ser objecto de recurso).

As decisões judiciais que não sejam passíveis de recurso ordinário não são objecto de
retroactividade.

No entanto, admite-se uma excepção, no que respeita aos casos em matéria de domínio
penal. O caso pode ser reaberto, desde que da declaração da inconstitucionalidade
resulte benefício para o arguido (redução de pena) e que essa decisão decorra do TC
explicitada e fundamentada (Art. 29º/4 CRP – Princípio da Retroactividade da Lei
Penal).

Neste tipo de fiscalização, é permitido ao TC modular, em certas situações, as


consequências da sua decisão (Art. 282º/4 CRP).

1.3.Fiscalização Sucessiva Concreta53

Visa-se avaliar a compatibilidade constitucional de uma norma ancorada na sua


dimensão operativa. Avaliar os efeitos reais que decorrem da aplicação da norma num
determinado processo. O controlo concreto assume uma dimensão processual
subjectiva, pois permite a qualquer sujeito jurídico que se sinta prejudicado com a
aplicação de uma norma por ele tida como inconstitucional suscitar a fiscalização
concreta, através de recurso, podendo atingir o TC.

Só as normas efectivamente vigentes podem ser objecto de fiscalização concreta.

53
JOSÉ DE MATOS CORREIA, op. cit., pp. 139-178.
Sobrevém num processo, que tem por finalidade decidir sobre uma determinada
situação controvertida e não sobre a inconstitucionalidade de uma norma. É como que
um incidente no decorrer do processo.

Este tipo de fiscalização decorre, em primeiro lugar, nos tribunais ordinários, só


podendo, por via de recurso, chegar aos tribunais superiores.

Podemos identificar quatro tipos de decisões que irão dar fundamento a recurso de
constitucionalidade:

Decisões Positivas de Inconstitucionalidade – Art. 280º/1 al.a. CRP – o tribunal


recorrido recusa a aplicação de uma norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade.

Decisões Negativas de Inconstitucionalidade – Art. 280º/1 al.b. CRP – o tribunal


recorrido rejeita a invocação de inconstitucionalidade, determinando a aplicação da
norma.

Decisões Positivas de Ilegalidade – Art. 280º/2 als. a, b e c CRP – o tribunal recorrido


recusa a aplicação das normas dos actos legislativos constantes.

Decisões Negativas de Ilegalidade – Art. 280º/2 al.d. CRP – o tribunal recorrido aplica
a norma proveniente dos actos já produzidos, cuja legalidade haja sido suscitada.

Nas decisões positivas, o tribunal “a quo” desaplica a norma por a considerar


inconstitucional ou ilegal.

Nas decisões negativas, o tribunal desconsidera o objecto da questão e aplica a norma.

Nos casos levados a julgamento, tem legitimidade para suscitar a fiscalização da


constitucionalidade, qualquer uma das partes, o Ministério Público quando intervier no
processo e o juiz.

Quando se está perante decisões negativas da inconstitucionalidade, apenas à parte que


tenha suscitado a questão é garantido o direito ao recurso (Art. 280º/4 CRP).

O prazo para se recorrer para o TC é de dez dias.

O regime dos recursos que tenham por objecto as decisões positivas da


inconstitucionalidade/ilegalidade traduz-se na execução da sua interposição
directamente para o TC (Art. 280º/6 CRP).

No caso das decisões negativas, só se esgotando todos os recursos ordinários anteriores


é que pode haver recurso para o TC.

O recurso não pode ser utilizado para solicitar ao TC a pronuncia sobre o conteúdo
material da decisão tomada pelo tribunal “a quo”. O recurso deve ater-se apenas à
questão da constitucionalidade/legalidade da norma em causa. O TC está vinculado à
decisão judicial recorrida.
A decisão do TC, em sede de fiscalização sucessiva concreta, pode ser de dois tipos:

Provimento – O TC dá razão ao recorrente, alterando a decisão quanto à questão da


inconstitucionalidade/ilegalidade da norma que haja sido suscitada no tribunal “a quo”
(reformulação da decisão recorrida).

Não provimento – O TC julga correcta a decisão do tribunal “a quo” (confirmação).

A eficácia da decisão do TC é limitada ao caso concreto, só produzindo aí


consequências jurídicas, assumindo efeito de caso julgado no processo.

No caso de provimento, os autos devem baixar ao tribunal “a quo”, para que este
reformule a sua decisão em função do acórdão do TC.

No caso de não provimento, o auto do tribunal “a quo” torna-se definitivo.

A CRP, no Art. 281º/3, possibilita a passagem de fiscalização concreta para fiscalização


sucessiva, desde que o TC tenha julgado a mesma norma inconstitucional/ilegal em três
casos concretos.

1.4.Fiscalização da Constitucionalidade por Omissão54

Visa a apreciação do não cumprimento das normas da CRP por ausência de medidas
legislativas necessárias para lhes dar exequibilidade (Art. 283º/1 CRP).

Incide apenas sobre casos de inconstitucionalidade.

Têm legitimidade para solicitar ao TC apreciação da constitucionalidade por omissão, o


PR, o Provedor de Justiça e os Presidentes das Assembleias Legislativas Regionais.

O pedido não depende de qualquer prazo.

As decisões do TC não apresentam consequências imediatas.

O TC limita-se a dar conhecimento do vício detectado ao órgão legislativo competente


(Art. 283º/2 CRP).

54
JOSÉ DE MATOS CORREIA, op. cit., pp. 179-184.

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