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Módulo II

Profa. Dra. Sueli Saraiva

Disciplina: Literatura Angolana

UNIDADE 1 – A formação da literatura angolana:


Poesia, memória e identidade
Tópicos:

 Precursores – José da Silva Maia Ferreira e Joaquim


Cordeiro da Matta;
 A década de 1950 e a geração dos novos intelectuais;
 António Jacinto e Viriato da Cruz;
 O Movimento “Vamos descobrir Angola”;
 Revista Mensagem e Jornal Cultura;
 A Casa dos Estudantes do Império;
 O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA)
Textos teóricos:

ABDALA JÚNIOR, Benjamin. “Panorama histórico da


literatura angolana” (2006, p. 211-216)

ERVEDOSA, Carlos. A década de 50. O movimento dos Novos


Intelectuais de Angola. “Mensagem” e “Cultura”. In _____.
Roteiro da literatura angolana. Luanda: União dos escritores
angolanos, s/d p. 81-105.

MACÊDO, Tania Celestino de. A presença da literatura


brasileira na formação dos sistemas literários dos países
africanos de língua portuguesa. Via Atlântica, [S. l.], n. 13, p.
138-143, 2008. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/viaatlantica/article/view/50259.
Textos literários:

JACINTO, António. “Carta de um contratado”; O grande desafio”


(02 poemas). In: Poemas. 1.a Edição, Lisboa: Casa dos Estudantes
do Império, 1961, p. 18-20; 39-43.

CRUZ, Viriato da. “Makèzu”; “Namoro” (02 poemas). In:


Poemas. 1.a Edição, Lisboa: Casa dos Estudantes do Império,
1961, p. 7-9; 15-17.
Material extra sugerido:

Documentário: “Cartas para Angola”, que está


disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=w6J7tFkJ8RI

Diretor: Coraci Ruiz e Julio Matos


Duração: 75min Ano: 2011 País: Brasil
Precursores

• José da Silva Maia Ferreira


(Luanda,1827- Rio de Janeiro, 1881)

Livro (Poemas)
Espontaneidades da minha alma - às senhoras africanas (1849)

“Possivelmente o primeiro volume de poesias publicado no


conjunto dos países africanos de língua oficial portuguesa, e
no qual despontam os sintomas daquele sentimento
nacionalista que pontuava o romantismo nos vários
quadrantes do mundo”
(ABDALA JUNIOR, 2006, p. 212)
“Devemos a descoberta do conjunto Espontaneidades da minha
alma ao professor norte-americano Gerald Moser, que em 1967
encontrou essa obra na coleção de livros raros da Biblioteca
Pública de Nova York. O conjunto foi impresso em Luanda
pela Imprensa do Governo, única tipografia que havia na
capital em 1849, pois quatro anos antes, em 1845, havia tido
início a atividade jornalística no país com a publicação do
Boletim Oficial, periódico ligado à metrópole no qual foram
divulgados alguns textos de Maia Ferreira. Nos 54 poemas
reunidos em Espontaneidades da minha alma, livro dedicado às
Senhoras Africanas, vemos um produtivo diálogo tanto com a
poesia romântica do Brasil quanto com o cânone europeu”.

JACOB, Sheila Ribeiro . “Para além da poesia: Maia Ferreira, Cordeiro da Matta e
Viriato da Cruz”, in Cadernos CESPUC, Belo Horizonte: Pontifícia Universidade
Católica de Minas gerais, nº 22, 2013, ps. 152-166. Disponível em:
http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoscespuc/article/view/8134

Texto extra – Leitura recomendável


“À minha terra” (No momento de avistá-la depois de uma
viagem)

De leite e mar – lá desponta Sinto na alma fervorosa


Entre as vagas sussurrando O desejo de a abraçar:
A terra em que cismando É minha terra querida,
Vejo ao longe branquejar! Toda da alma, – toda-vida, –
Que entre gozos foi fruídas
É baça e proeminente, Sem temores, nem pesar.
Tem da África o sol ardente, Bendita sejas, ó terra,
Que sobre a areia fervente Minha terra primorosa,
Vem-me a mente acalentar. [...]
Debaixo do fogo intenso, Mesmo simples tens fulgores,
Onde só brilha formosa, Os teus montes têm primores
Que às vezes falam de amores
A quem os sabe adorar!
[...]
“À minha terra” (No momento de avistá-la depois de uma
viagem)
Dialoga muito de perto com a “Canção do exílio” de Gonçalves Dias

“Como se nota, Angola, no poema


[...] de Maia Ferreira, recebe as mesmas
Mesmo simples tens fulgores, tintas de “primores” e “fulgores”,
Os teus montes têm primores do quadro ufanista pintado pelos
Que às vezes falam de amores nossos românticos quando se
A quem os sabe adorar! referem ao Brasil” (MACÊDO,
[...] 2008, p. 132).

Rever: Ferreira, Manuel. Dependência e


individualidade nas literaturas africanas de língua
portuguesa.
Joaquim Cordeiro da Matta (1857-1894)
NEGRA!

Negra! negra! como a noite II


d'uma horrível tempestade,
mas, linda, mimosa e bella, Só, negra, como te vejo,
como a mais gentil beldade! eu sinto nos seios d'alma
Negra! negra! como a asa arder-me forte desejo,
do corvo mais negro e escuro, desejo que nada acalma.
mas, tendo nos claros olhos, se te roubou este clima
o olhar mais límpido e puro! do homem a cor primeva;
branca que ao mundo viesses,
Negra! negra! como o ébano, serias das filhas d'Eva
seductora como Phedra, em belleza, ó negra, a prima!...
possuindo as celsas formas, gerou-te em agro torrão;
em que a boa graça medra!
Negra! negra!... mas tão linda S'elevar-te ao sexo frágil
co'os seus dentes de marfim; temeu o rei da criação;
é qu'és, ó negra creatura,
que quando os lábios entreabre, a deusa da formosura!...
não sei o que sinto em mim!...
Joaquim Cordeiro da Matta (1857-1894)
UMA QUISSAMA (1881)

(A Carlos d'Almeida)
Ferreira, Manuel. Dependência e individualidade nas
literaturas africanas de língua portuguesa.
Em manhã fria, nevada, Nos lábios — posto que escuros
n'essas manhãs de cacimbo viam-se-lhe risos puros
em que uma alma penada em borbotões assomar...
não se lembra de ir ao limbo; Tinha nos olhos divinos
revérberos crystalinos
eu vi formosa, correcta, ... e fulgores... de matar!...
não sendo europeia dama
a mais sedutora preta [...]
das regiões da Quissama.
Co'o seu andar majestoso,
Mal quinze anos contava co'o seu todo gracioso,
e no seu todo brilhava quando a quissama encarei;
o ar mais doce e gentil!
Tinha das mulheres lindas eu possuir um harém
as graças bellas, infindas, e n'elle ter umas cem
d'encantos, encantos mil!... — como um sultão — desejei!...
A década de 1950 e a geração dos novos intelectuais
A presença colonial em Angola acentua-se no século XX e, com ela, a
transferência do poder para os colonos metropolitanos. Se, para os
angolanos, a situação atingia níveis de extrema dificuldade no advento
da República Portuguesa (1910), ela tornar-se-ia particularmente
complicada com a ascensão do fascismo em 1926.
Começaria, pois, a mudar o caráter da luta contra o colonialismo.
[...]
No século XX, associa-se a esse carácter o princípio da libertação social, o
que se dá sobretudo a partir dos anos 1940, quando o mundo, na
sequência da Segunda Guerra Mundial, enfrentava a chamada Guerra
Fria. Tentando responder criativamente a esse novo momento, organiza-
se, a partir de Luanda, o movimento que ficaria conhecido pela frase que
sintetizava o seu espírito espírito: "Vamos descobrir Angola!". Por meio
de atividades marcadamente colectivas, procura-se reatar o
combativismo dos escritores do século XIX, com uma diferença: a busca
da cultura popular com o olhar centrado na própria maneira de ser de
Angola, afastando-se, enfim, do padrão eurocêntrico.

(ABDALA JÚNIOR, 2006, grifos nossos)


A essa altura, emergem no panorama cultural dois fatos que se
ligam e redimensionam a trajetória dessa literatura: a fundação da
Casa dos Estudantes do Império (CEI), em Portugal, e a eclosão
do movimento dos "Novos Intelectuais de Angola".

A ligação entre literatura e resistência ia se fortalecendo, o


que se faria sentir, inclusive, na edição de seu boletim
cultural, intitulado Mensagem, o mesmo nome de uma
publicação que nos anos 1950 mudaria os rumos da literatura
em Angola.
As atividades da CEI venciam a distância física e ecoavam no
território angolano, contribuindo para consolidar o
movimento dos "Novos Intelectuais de Angola. Na sequência
daquele movimento aglutinado em torno da frase "Vamos
descobrir Angola!", no ano de 1948, criam-se as condições
para a emergência de uma atividade literária mais enraizada.

(ABDALA JÚNIOR, 2006, grifos nossos)


1951: Revista Mensagem - a voz dos naturais de Angola
1951: Revista Mensagem - a voz dos naturais de Angola

(Ervedosa, s/d, p. 85)


Casa dos Estudantes do Império (CEI) e Revista Mensagem

Para saber mais sobre esse período, o papel histórico da CEI e a


Revista Mensagem (copie e cole o Link, se necessário)

 [Arquivo histórico] Casa Comum (Fundação Mário Soares,


Portugal)
http://casacomum.org/cc/arquivos?set=e_11039

 [Publicação] UCCLA-União das Cidades Capitais de


Língua Portuguesa
MENSAGEM | Casa dos Estudantes do Império — NÚMERO
ESPECIAL, 1944-1994. Lisboa: UCCLA-União das Cidades Capitais de
Língua Portuguesa, 2015. Disponível em:
https://issuu.com/uccla/docs/mensagem_uccla_online
1957: Jornal Cultura

(Ervedosa, s/d, p. 101)


1957: Jornal Cultura

(Ervedosa, s/d, p. 85)


1957: Jornal Cultura

(Ervedosa, s/d, p.103)


(Ervedosa, p. 100).
(Ervedosa, p. 92).
1956: Movimento Popular para a Libertação de Angola

(Ervedosa, p. 101).
Viriato da Cruz: Nacionalismo, Poesia e Polêmica

(Textos Extras – Biblioteca do Curso - Leituras


recomendadas)

Serrano, C.arlos (2012). Viriato da Cruz: um intelectual


angolano do séc. XX. A memória que se faz necessária. África,
(esp), 165-178.
Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/africa/article/view/102613

SOARES, Francisco. No descruzar dos caminhos: pesquisa


poética de Viriato da Cruz (Edmundo Rocha; Francisco
Soares; Moisés Fernandes. (Org.). In: Angola - Viriato da
Cruz: o Homem e o Mito. 1.ªed. Lisboa ; Luanda: Prefácio;
Chá de Caxinde, 2008.
Viriato da Cruz: Nacionalismo, Poesia e Polêmica

“O nacionalismo de Viriato era, tal como o de Amílcar Cabral e Mário


Pinto de Andrade, o projeto de uma nação socialista, solidária com
outras nações que buscavam as independências e dos povos que
lutavam contra as mesmas injustiças sociais criadas no mesmo
contexto colonial. Era o projeto de uma Geração que teve uma
trajetória semelhante e no mesmo contexto histórico de combate ao
colonialismo português.”
(Serrano, 2012 , p. 175)

“O sentido da “descoberta” (a do ‘Vamos Descobrir Angola!’)


especifica-se nos poemas de Viriato da Cruz
sistematicamente, sendo “cada um deles […] um caminho
aberto à pesquisa da forma e do fundo angolanos de uma
expressão literária.

(Soares, 2008, Prefácio).


Viriato da Cruz
POEMA: “Makezu”

“Makèzu” [...] já no título há uma referência não apenas à fala popular


(em quimbundo e não em português, como a demarcar territórios),
como também a contraposição entre os velhos tempos e a
modernização dos costumes.
Com uma forte valorização do mundo das raízes que “têm força de
makèzu”, a partir da focalização empática de uma velha quitandeira
que comercializa o “mata bicho” ou desjejum tradicional composto de
cola e gengibre, o texto elabora uma tensão entre tradição e ruptura,
oral e escrito, entre o português padrão e o “pretoguês” (forma
pejorativa com que o colonizador nomeava os desvios de linguagem do
colonizado), entre a língua do colonizador e a do colonizado.
Dessa forma, este texto, [...] instaura um outro dizer, que busca “as
raízes”, que metaforicamente no texto são dadas a partir do Makezu,
explicitando assim o projeto estético e o projeto ideológico.

(Macêdo, 2008, p. 140, grifos nossos)


+ sobre o poema “Makezu”:

O “português dialectizado” e associado ao quimbundo “dá iniludível


cunho cultural” ao diálogo. O uso de um registo mais distanciado (um
português mais comum) pelo narrador é assumido na colocação de
aspas sobre a pronúncia local (“venidas de alcatrão”). Salvato Trigo nota
que Avó Xima e Mano Felisberto são “representantes do tradicionalismo
cultural”. As aspas sobre as “venidas” dizem que a linguagem dessas
personagens não é a do autor.
Este encontra-se, portanto, no “mundo africano” mas já dentro do
“novo”, já diferenciado face às personagens – e com um domínio, aliás,
invejável da língua portuguesa. As personagens apercebem-se
tardiamente da mutilação da “raiz” pela “civrização” mas, ao deixá-las
tirar a conclusão da estória, Viriato da Cruz acaba por aderir ao que
pensam: que a recuperação da raiz leva à longevidade, à resistência,
portanto ao futuro.
SOARES, Francisco. No descruzar dos caminhos: pesquisa poética de Viriato da Cruz
(Edmundo Rocha; Francisco Soares; Moisés Fernandes. (Org.). Angola - Viriato da
Cruz: o Homem e o Mito. 1.ªed. Lisboa ; Luanda: Prefácio; Chá de Caxinde, 2008.
(Texto Extra – Biblioteca do Curso - Leitura recomendável)
Viriato da Cruz
POEMA: “Namoro”

“Em Namoro, o ‘fundo’ é fornecido (mais uma vez) pela


“deliciosa surpresa da recriação, em termos de musseque
de Luanda, da velha história da negaça feminina utilizada
como elemento de excitação amorosa” [...] Podemos
comparar o poema ao discurso de um jovem que narra o
seu caso amoroso. Dirige-se, por exemplo, a um amigo ou a
um grupo de amigos. É uma enunciação subjectiva (ou seja,
na primeira pessoa) mas narrativa, em que o diálogo é
quase reduzido ao monólogo.”

SOARES, Francisco. No descruzar dos caminhos: pesquisa poética de Viriato da


Cruz (Edmundo Rocha; Francisco Soares; Moisés Fernandes. (Org.). Angola -
Viriato da Cruz: o Homem e o Mito. 1.ªed. Lisboa ; Luanda: Prefácio; Chá de
Caxinde, 2008.
(Texto Extra – Biblioteca do Curso - Leitura recomendável)
+ sobre o poema “Namoro”

A estrutura “aponta para panos de origem diversa, mostrando


novamente que a autenticidade não se confundia com a univocidade
cultural. A carta segue “em papel perfumado” e serve para o poeta
associar a mulher a motivos locais e universais como “sumaúma”,
“jambo”, “rosas”, “maboque”, “laranjas” (do Loje), “marfim” (um
tópico já no século XIX associado à mulher negra ou mestiça, aqui
junto com “rosas”). Numa progressão que levará ao
desaparecimento da escrita como veículo útil para o efeito
pretendido, passa-se ao “cartão”, tipogrado pelo Maninho. Não é
por acaso que se fala nisto, nem só por ser um hábito, é porque
realmente vários dos filhos e netos do mundo em que Sô Santo foi
grande optaram por essa profissão, com visível sentido de
oportunidade.

SOARES, Francisco. No descruzar dos caminhos: pesquisa poética de Viriato da Cruz


(Edmundo Rocha; Francisco Soares; Moisés Fernandes. (Org.). Angola - Viriato da Cruz: o
Homem e o Mito. 1.ªed. Lisboa ; Luanda: Prefácio.
+ sobre o poema “Namoro”

Do cartão passa-se ao “recado”, entrando-se portanto no


mundo da oralidade e evocando-se já formas religiosas
populares, embora a sua origem recuada seja exógena.
Depois do “recado” vem uma fala directa, com promessas,
[...]. Mas o que realmente resolveu tudo foi uma rumba
arrebatada no baile do Sô Januário. O que a torna um
operador importante para definir a angolanidade nesse
instante”.

SOARES, Francisco. No descruzar dos caminhos: pesquisa poética de Viriato da


Cruz (Edmundo Rocha; Francisco Soares; Moisés Fernandes. (Org.). Angola -
Viriato da Cruz: o Homem e o Mito. 1.ªed. Lisboa ; Luanda: Prefácio.
António Jacinto: A modernidade em poemas narrativos

“Os primeiros poemas de António Jacinto


traduzem sobretudo a missão empenhada
do poeta e, consequentemente, o discurso
Luanda, Angola - 1924 tende a centrar-se em aspectos da realidade
Lisboa, Portugal - 1991 social, política e telúrica e em personagens
anónimas, representativas do povo
angolano, ou seja “os Prometeus da minha
pequena literatura”, como afirma o próprio
poeta no discurso de recepção do prémio
Nacional de Literatura de 1985.”
(Brito, 2015, p. 226).

BRITO, Glória de. A actualidade da poesia de António Jacinto. In: TAVARES, Ana Paula; SILVA,
Fabio Mario da; PINHEIRO Luís da Cunha (Orgs.). António Jacinto e a sua época. A modernidade
nas literaturas africanas em língua portuguesa. Lisboa: CLEPUL (Universidade de Lisboa), 2015.

(Material Extra – Biblioteca do Curso - Leitura recomendável)


António Jacinto
POEMA: “O grande desafio”

“[...] como se poderá verificar no poema, o


problema do racismo e da identidade, já que no
texto se colocam, no passado, meninos que se
encontram para um desafio, a partida de futebol,
em que predomina a harmonia, a igualdade e a
infância mítica.” (Aires, 2015, p. 411).

AIRES, Tiago. Arlindo Barbeitos como leitor dos poetas da “Geração da


Mensagem”. In: TAVARES, Ana Paula; SILVA, Fabio Mario da; PINHEIRO Luís
da Cunha (Orgs.). António Jacinto e a sua época. A modernidade nas literaturas
africanas em língua portuguesa. Lisboa: CLEPUL (Universidade de Lisboa),
2015.

(Material Extra – Biblioteca do Curso - Leitura recomendável)


[...] Continuar a leitura
+ sobre o poema “O grande desafio”

“[O poema] termina com a esperança, o desejo de recuperar o tempo de ambiência


infantil, com a exortação a uma mudança, à luta, à união de todos num “grande
desafio” que já não é o jogo de futebol, mas sim o derrube e destruição de tanta
humilhação, sacrifício, desigualdade.
[...]
O poema mostra como houve um momento de harmonia e
como é possível voltar a haver, para além dos problemas
rácicos e identitários, pois Angola é já a soma de todas as
culturas e identidades ali presentes.”
(Aires, 2015, p. 414-415)

AIRES, Tiago. Arlindo Barbeitos como leitor dos poetas da “Geração da Mensagem”. In:
TAVARES, Ana Paula; SILVA, Fabio Mario da; PINHEIRO Luís da Cunha (Orgs.). António
Jacinto e a sua época. A modernidade nas literaturas africanas em língua portuguesa.
Lisboa: CLEPUL (Universidade de Lisboa), 2015.

(Material Extra – Biblioteca do Curso - Leitura recomendável)


“Carta dum contratado” - António Jacinto

Eu queria escrever-te uma carta


amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...

Eu queria escrever-te uma carta


amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
“Carta dum contratado” - António Jacinto

dos teus olhos doces como macongue


dos teus seios duros como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...

Eu queria escrever-te uma carta


amor,
que recordasse nossos dias na capôpa
nossas noites perdidos no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura
da nossa separação...

[...] Continuar a leitura


+ sobre o poema “Carta dum [de um] contratado ”

No poema, o corpo da amada é apresentado a partir da fauna


e flora locais: a tacula, a dilôa, a onça, o maboque, compõem a
cor dos lábios, dos cabelos, a forma de andar e o arredondado
dos seios da moça, revelando não apenas da beleza da musa,
mas, sobretudo, o território onde se passam os acontecimentos
e do qual o eu poemático está distante, pois fora arrancado de
sua terra. Assim, ao falar da amada, cujo corpo remete aos
reinos vegetal (tacula, maboque), animal (a onça) e mineral (a
dilôa) e portanto a um cosmos, desenha-se também a
separação dos amantes, em razão do Contrato.

(Macêdo, Tania. 2015, p. 73 -75)


Há ainda um outro elemento que deve ser iluminado: a questão da escrita, já
que o poema se refere a uma carta que faz parte do título e do refrão “eu
queria escrever-te uma carta, / amor”. Ao longo de todo o poema o leitor é
levado a pensar que lê a carta escrita por um contratado.

A última estrofe, entretanto, frustra tal expectativa:

Mas, ah, meu amor,


eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu – Oh! Desespero – não sei escrever também!

(Macêdo, Tania. 2015, p. 73 -75)


Nesse momento impõe-se uma leitura retrospectiva e
então o que fora tomado como poema lírico, individuado,
apresenta um caráter coletivo que encena a tragédia do
colonialismo: homens que são tratados como animais de
carga, sem direito à terra, à família, ao saber escrito. Então,
sabemos que a carta nunca foi escrita, MAS o leitor tem
conhecimento da mesma. E isso é possível porque o poeta
toma a si a missão de fazer audíveis as vozes dos que não
podem falar e de fazer legíveis os textos que não puderem
ser escritos. O sentimento de missão da literatura é pois
encenado de maneira primorosa nesse texto.
(Macêdo, Tania. 2015, p. 73 -75)
MACÊDO, Tania. Um canto heróico, ousado e forte. In: TAVARES, Ana Paula; SILVA, Fabio
Mario da; PINHEIRO Luís da Cunha (Orgs.). António Jacinto e a sua época. A modernidade
nas literaturas africanas em língua portuguesa. Lisboa: CLEPUL (Universidade de Lisboa),
2015.

(Material Extra – Biblioteca do Curso - Leitura recomendável)


PRÓXIMA UNIDADE
Profa. Dra. Sueli Saraiva

UNIDADE 2 – A formação da literatura angolana:


anticolonialismo e independência

BONS ESTUDOS!

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