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SUMARIO
IDENTIDADE ^
DO PROFESSOR DE PORTUGUES
Quem costumava contar esse acontecido, mote para todo tipo de reflexão
sobre a linguagem, era Carlos Franchi, lingüista e professor do Instituto de
Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, que o presen-
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ciou ou dele teve imediata notícia. A distância temporal e política que nos
separa desse episódio não nos permite perceber o grau de rompimento pro-
movido por essa fala desveladora do uso das leis da língua portuguesa com a
finalidade de impedir a circulação das falas e das idéias e de fazer ouvir apenas
a voz do discurso hegemônico.
No Comício das Diretas, em abril de 1984, em Porto Alegre, quase qua-
renta anos e mais uma ditadura depois, uma outra lei da língua portuguesa,
bem mais restritiva do que a concordância verbal, foi infringida pelo presi-
dente do Partido dos Trabalhadores. Disse ele para dezenas de milhares de
pessoas no Largo da Prefeitura e para uma cadeia de rádio algo como É bom
mesmo que Figueiredo não trabalhe mais do que quatro horas por dia, senão este
país estaria numa merda maior ainda. Rádios interromperam suas transmis-
sões e pediram suas desoladas escusas aos caros ouvintes, jornais do dia se-
guinte manchetearam recriminações ao palavrão. No Largo, só se ouviram os
aplausos com que a massa saudou a palavra que tão adequadamente expres-
sava o sentimento coletivo. E esses aplausos deixaram bem claro o quanto já
se tinha rompido o equilíbrio que autorizava o presidente da Câmara Muni-
cipal de Jundiaí a martelar os discursos da solitária voz comunista.
Nesse mesmo mobilizado ano de 1984, numa assembléia de funcionários
públicos federais em greve, no Plenarinho da Assembléia Legislativa do Rio
Grande do Sul, falava um senhor de ar respeitável, cujo discurso solene, cheio
de figuras da velha retórica, expressando sérias acusações ao governo e pro-
clamando a inexorável vitória do movimento, impacientava a platéia, que
apelava aos gritos à mesa que não mais tolerasse aquela perda de tempo. A
mesa fazia esforços para assegurar-lhe e abreviar-lhe a palavra, até que o
orador concluiu, sob vaias. A seguir, foi anunciado um relato do represen-
tante do Comando de Greve dos funcionários da Universidade, que, engasga-
do, começou a falar em voz inaudível. O plenário reclamou que falasse mais
alto e, depois de duas outras tentativas mal-sucedidas, ele finalmente conse-
guiu dizer: Pô pessoal, é a primeira vez que eu falo pra tanta gente. Foi
entusiasmadamente aplaudido e então conseguiu voz e palavras para dizer o
que tinha vindo falar. Ou seja, outros eram os tempos, em que um movimen-
to grevista ainda ilegal já encontrava guarida numa similar casa das leis, onde
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a lei da língua portuguesa também era outra: tratar do assunto que nos diz
respeito à revelia das leis da língua portuguesa.
Esclarece Sírio Possenti em Discurso, estilo, subjetividade (p. 49):
Deve-se conceber a atividade do falante não como atividade de apropriação
porque, a partir deste conceito, fica excluído o fato de que o locutor age tam-
bém “sobre” a língua já que põe em evidência apenas a ação entre e sobre os
interlocutores através da língua … não se trata de apropriação, através de um
aparelho de enunciação, mas de constituição, em qualquer instância de enun-
ciados. O termo apropriação implica apenas uma atividade com a língua, e o
que se quer marcar aqui como distintivo, com o conceito de constituição, é
que esta atividade é, sim, realizada com a língua, mas é realizada também em
relação à língua, sobre a língua. Quer-se mais, marcar a simultaneidade das
duas atividades.
1. Estamos numa casa legislativa, onde todos deveriam falar a norma culta, assim definida
por Faraco (Bagno, 2002: 40); a expressão “norma culta” deve ser entendida como designando a
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exercício do poder. Nem por ser antiga essa atitude deixa de orientar simila-
res e contemporâneos movimentos de exclusão: um documento de circulação
interna na redação do Zero Hora, em 1992, de um editor para os seus subordi-
nados, prescreve:
Erramos ao usar a palavra militância para definir o conjunto dos integrantes de
um determinado partido. Vamos abolir esta expressão. Da mesma forma, evi-
temos o palavreado de sindicato, como a proposta foi tirada da assembléia ou o
PT realiza plenária hoje.
norma lingüística praticada, em determinadas situações (aquelas que envolvem certo grau de
formalidade), por aqueles grupos sociais mais diretamente relacionados com a cultura escrita, em
especial por aquela legitimada historicamente pelos grupos sociais que controlam o poder social. A
expressão usada aqui foi e vai ser a língua que ele foi capaz de aprender como correta porque é
assim que a apropriação de uma língua tomada como correta sempre se deu entre nós como um
processo privado, autogerido e auto-avaliado, como vai ser esclarecido mais adiante. Quem julga
que fala a língua correta avalia a fala de todos os outros pela língua correta que julga falar.
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2. Dialeto vai designar a fala de grupos sociais organizados e de grupos profissionais: aqui se
faz referência ao dialeto operário, sem-terra, funcionário público. Mais adiante, o texto vai falar
no dialeto dos médicos, dos advogados, dos jornalistas.
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