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METODOLOGIA DE PRIORIZAÇÃO DA MANUTENÇÃO DE VIA USANDO DADOS
DO CARRO CONTROLE PARA AUMENTO DA SEGURANÇA NA EFC
AUTORES
Joseanderson Costa / joseanderson.costa@vale.com
Paulo Sérgio / paulo.sergio.silva@vale.com
Sebastião Martins / sebastiao.martins@vale.com
Michelle Fiquene / michelle.fiquene@vale.com
Marcelo Augusto / marcelo.augusto.santos@vale.com
Joabe Amaral / joabe.amaral@vale.com
1. INTRODUÇÃO
A estratégia de manutenção de uma ferrovia depende de inúmeras variáveis, mas
principalmente do orçamento disponível, das características da via e da carga transportada e
também das metas da empresa quanto ao volume de transporte e disponibilidade da via.
A principal unidade de medida para definição da estratégia de manutenção e que
toneladas brutas trafegadas). Essa unidade é usada no mundo todo e principalmente em
ferrovias de carga pesada e também pode ser aplicada em linhas de passageiro, embora não
seja tão representativa. A manutenção de uma ferrovia pode ser baseada em duas
estratégias: manutenção cíclica com base no MTBT; manutenção condicional, em que a
intervenção de manutenção ocorre mediante condição da via ou ainda baseada em um
modelo que combine essas estratégias.
Os resultados obtidos na Estrada de Ferro Carajás (EFC) têm indicado a combinação
dessas estratégias como a melhor alternativa para atender as particularidades da via. O
modelo baseado em ciclos se aplica muito bem a uma ferrovia recém construída ou
renovada e o modelo condicional é o mais indicado para uma ferrovia com décadas de
tráfego. Neste contexto, esse trabalho discute estratégias de priorização que estão sendo
aplicadas na EFC e a importância dessa metodologia no direcionamento de recursos.
A velocidade de operação é uma das principais variáveis na estratégia de
manutenção. A maioria dos limites dos parâmetros de geometria de via dependem
diretamente da velocidade e isto significa que uma via que opera com baixa velocidade (por
exemplo, 30 km/h) admite defeitos de geometria maiores que uma via que opera com
velocidade de 80 km/h. Isso significa que a necessidade de maiores investimentos aumenta
com a velocidade, pois o risco de acidente também aumenta com a velocidade.
A EFC é uma ferrovia de carga pesada (heavy haul) em que circula um dos maiores
trens comerciais do mundo e tem como principal produto transportado o minério de ferro
da mina até o porto. Em função do seu traçado e tonelada por eixo, possui características
particulares o que exige também estratégias customizadas. Um dos equipamentos mais
importantes e que auxiliam na manutenção da EFC é o veículo de inspeção de via Carro
Controle. Com esse equipamento milhões de dados são transformados em informações úteis
e que auxiliam na tomada de decisão. Nesse contexto, esse trabalho discute e apresenta
várias estratégias de priorização que tem sido implantadas na EFC e que podem ser
customizadas para outras ferrovias.
1.1 Estrada de Ferro Carajás ‐ EFC
Considerada pela comunidade ferroviária uma das ferrovias mais eficientes do Brasil,
a Estrada de Ferro Carajás (EFC) foi construída na década de 80 e teve suas operações
iniciadas em 1985. Construída para permitir o transporte do minério de ferro das minas de
Carajás (PA) até o Porto Ponta da Madeira em São Luis (MA), a EFC tem um traçado
favorável com 73% em tangente e 27% em curvas com raios variando principalmente de 859
à 1720m.
O projeto inicial executou um grande corredor de transporte com 890 km de via e 56
pátios de cruzamentos. Com bitola larga e trilhos TR68, inicialmente a EFC era considerada
uma via tipicamente singela. Mas com a necessidade de aumentar o volume de transporte,
importantes mudanças ocorreram no conceito inicial da EFC. Por volta de a EFC iniciou suas
operações com um trem formado por 330 vagões e 32 ton/eixo aumentando a capacidade
de transporte e os danos à via.
Para adequar ao novo modelo de operação foi necessário aumentar a dureza das
rodas e trilhos e posteriormente a via iniciou um grande projeto de duplicação e
remodelada com dormentes de concreto e trilhos Premium de alta dureza. Para permitir
maiores velocidades em cruzamentos, os aparelhos de mudança de via (AMV) estão sendo
substituídos por aparelhos tangenciais e travessões universais estão sendo implantados para
permitir maior flexibilidade na circulação de trens.
Essas mudanças não apenas elevam a capacidade de transporte, mas também exigem
uma nova estratégia de manutenção. Por exemplo, a estratégia de manutenção de uma
ferrovia singela é completamente diferente de uma ferrovia duplicada, pois a interrupção do
tráfego na via tem impactos completamente diferentes. No primeiro caso representa uma
interrupção total e no segundo uma perda de capacidade de transporte.
A EFC está compreendida no norte do país e além do minério como principal produto
de transporte, também transporta passageiros, combustível, celulose e outras cargas em
geral. Além da importância no cenário nacional devido o transporte de cargas, a EFC tem
papel fundamental na economia e vida das pessoas que moram nas cidades vizinhas devido
ao trem de passageiro que circula na ferrovia. A manutenção da via precisa garantir a
segurança dessas pessoas e minimizar os riscos do impacto ambiental e é com essa visão de
segurança para os passageiros e das comunidades próximas à ferrovia que a empresa tem
construído sua estratégia de manutenção.
1.2 Estratégias de Manutenção
A EFC está sendo duplicada e ainda possui grandes extensões em trechos singelos e
qualquer interrupção nessas regiões pode acarretar no atraso de trens e comprometer a
continuidade do transporte. Ferrovias que transportam minério de ferro costumam operar
em sua máxima capacidade para tornar viável o custo do transporte.
Como estratégia inicial para organização da manutenção, a EFC foi dividida em 10
distritos (02 localizados nas extremidades e formando os terminais e 08 ao longo dos 890
km). Cada Distrito é responsável por cerca de 100 km de via e é capacitado com equipes de
linha, ronda, AMV, máquinas de pequeno porte e outros equipamentos. Além disso,
atualmente existe uma estrutura centralizada responsável pelas máquinas de grande porte
para atender a necessidade desses distritos.
No início das operações a garantia de um tempo específico para manutenção ocorria
mediante negociações diárias e oportunidade que surgiam nas pequenas janelas de tempo
entre a circulação de trens. Atualmente a EFC trabalha com janelas de tempo diárias de 2 a
3h que são orçadas no planejamento anual e que diariamente são distribuídas
simultaneamente ao longo da estrada de ferro. Além dessas janelas diárias, a manutenção
também conta com grandes paradas que ocorrem ao longo do ano para a realização de
grandes intervenções integradas.
Esse modelo de intervalos diários requer não apenas uma distribuição de equipes ao
longo da via, mas um planejamento eficiente e muito assertivo. Mesmo com a mecanização,
muitos serviços de manutenção de via são lentos e demandam elevado esforço físico e por
isso é necessário ser muito assertivo no local de atuação.
Para monitoramento da via é realizado na EFC inspeções rotineiras através de rondas
de via nos distritos, inspeção de trilho por veículos equipados com ultrassom e inspeções
mensais com Carro Controle para levantamento dos dados de geometria. O planejamento da
manutenção ocorre em ciclos bimestrais e seu desdobramento ocorre ao longo dos meses e
semanas. Para controlar e fazer essa gestão existem quatro importantes áreas dentro da
estrutura de planejamento responsáveis pela inspeção e monitoramento da via, priorização
dos serviços, envio de materiais e planejamento da execução, sendo essas áreas
respectivamente a Preditiva de Via, Confiabilidade de Via, Materiais e PCM.
Nesse modelo de priorização e planejamento da manutenção, os dados coletados
pelo Carro Controle tem papel fundamental. Esses dados são processados e dão origem a
relatórios e indicadores que direcionam os principais recursos e serviços de manutenção.
1.3 Carro Controle na EFC
Um veículo de inspeção como o Carro Controle é fundamental no planejamento da
manutenção e gerenciamento de risco em uma ferrovia. É natural que o conhecimento
prático dos profissionais de campo seja fundamental para a manutenção, mas o uso de
veículos de inspeção permite uma avaliação detalhada e assertiva da evolução de defeitos,
mapeamento de tendências e taxas de evolução de defeitos e degradação da via.
A EFC já trabalha com veículo de inspeção como o Carro Controle desde 1990,
quando fez a aquisição do veículo EM80L. Esse veículo fez inspeções na EFC durante 22 anos
entre 1985 e 2007 quando atingiu seu limite de viabilidade técnica e econômica. Depois
desse período a EFC permaneceu até 2011 sem veículo de inspeção de geometria. Por volta
de 2007 iniciou a aquisição de um novo Carro Controle que foi comissionando e iniciou as
inspeções em maio de 2011 e atualmente é a principal fonte de informações para o
planejamento.
O Carro Controle atual da EFC é o modelo EM100 e permite a realização de inspeções
com velocidade de até 100km/h. Esse veículo é composto por vários sistemas de medição
independentes responsáveis pela leitura da geometria, bitola, perfil do trilho, defeitos de
trilho, condição do volume do lastro, gabarito da via entre outras informações. O quadro
apresentado abaixo resume os sistemas, os parâmetros monitorados e algumas aplicações.
1. TunelLaser ‐ Leitor de Gabarito da via
2. Acelerômetros ‐ Leitor de aceleração vertical e horizontal
3. KLD ‐ Leitor de perfil do trilho e bitola
4. OGMS ‐ Leitor de bitola em 2 pontos
5. IMU ‐ Unidade de medição inercial – leitor de geometeria
6. RailCheck ‐ Imagens dos trilhos, dormentes e fixações
7. RailScan – Imagens panorâmicas da via
Figura 1 – Carro Controle da EFC e sistemas de medição
O retorno do Carro Controle foi fundamental para a construção de nova estratégia de
manutenção, pois com o uso dos dados coletados foi possível usar técnicas de priorização
baseada em dados numéricos e estatísticos, permitindo um melhor aproveitamento da
manutenção condicional.
Uma etapa fundamental é o estabelecimento de indicadores para monitoramento da
condição da via e da manutenção. A escolha correta desses indicadores irá indicar o estado
atual da via e sua tendência e isso possibilitará ações preventivas. Dessa forma foram
seções estão os relatórios de defeitos de via por classe de atuação, o mapa de IQCV, a
planilha integrada de dados e outros.
Após a criação desses indicadores, os dados começaram a ser cruzados com
informações de restrição de via e número de fraturas e notou‐se um grande potencial na
detecção desses eventos de forma antecipada, confirmando a capacidade de representação
da condição da via através desses indicadores.
1.4 Importância de profissionais experientes
É importante ressaltar que o sucesso da estratégia de manutenção de uma ferrovia
não está apenas em máquinas modernas e equipamentos de inspeção como o Carro
Controle, mas principalmente na experiência dos profissionais que atuam na companhia e
como esse conhecimento é aplicado.
Muitos autores indicam a experiência como a soma dos erros cometidos e para ferrovia isso
faz muito sentido, pois na maioria das vezes os modelos matemáticos aplicados não
entender seu comportamento.
Especificamente na EFC foi adotada essa estratégia de transformar o conhecimento
desses profissionais experientes em informações para tomada de decisão com base nos
dados coletados com o Carro Controle. Milhões de dados coletados são apenas dados se não
permitirem uma orientação correta para o planejamento, mas eles se transformam em
informação quando aliados com o conhecimento prático de profissionais experientes. Nas
próximas seções serão abordados alguns casos em que isso foi aplicado.
2. METODOLOGIA DE PRIORIZAÇÃO DA MANUTENÇÃO DE VIA
Como discutido anteriormente, as características da ferrovia influenciam no modelo
de manutenção e no caso da EFC foi adotado o modelo de intervalos diários de 2 a 3h.
Mesmo com essa definição de tempo regular é necessário definir a ordem de execução dos
serviços e é justamente para orientar essa sequência de execução que foram adotadas várias
iniciativas na EFC e que serão discutidas nesta seção.
2.1 Desenvolvimento de Limites de Geometria para Manutenção de Via
A ausência de normas brasileiras para regulamentar níveis mínimos de condição de
via em que as concessionárias devem manter suas estradas de ferro estimulou o uso de
referências internacionais, como as normas americanas e européias. No caso específico dos
parâmetros de geometria cada ferrovia no Brasil fez uma adaptação desses limites devido à
diferença de bitola entre as ferrovias.
Somente em 2015 a ABNT através da NBR 16387 de Classificação de Vias publicou os
limites que as concessionárias devem ter como referência para classificação de defeitos. Essa
norma não tem o objetivo de definir a estratégia de manutenção, mas apenas de criar
critérios para classificação de defeitos de geometria em função da velocidade e permitir a
comparação entre diferentes ferrovias.
Contudo, desde o início de 2012 com o início das inspeções com o Carro Controle na
EFC, havia dúvidas quanto aos limites que deveriam ser utilizados para classificação de
defeitos. Os valores anteriormente utilizados faziam referência a uma linha recentemente
construída e, portanto muito conservadores para a manutenção no curto prazo. O uso
desses limites gerava um número elevado de defeitos e manter uma via com mais de 25
anos nesse patamar de qualidade exigiria um custo muito elevado.
Dessa forma foi necessário desenvolver uma nova camada de limites (classes) para
separar os defeitos mais críticos. Isso não se tratava apenas de iniciar o tratamento do maior
para o menor, mas de usar limites que garantissem a segurança na circulação.
O uso de restrições de velocidade em determinados pontos que apresentam
condições inseguras é uma maneira de reduzir o risco quando o tratamento imediato não é
possível. Por exemplo, ao circular em uma região com elevado empeno a própria equipe de
inspeção tem autonomia para entrar em contato com o Centro de Controle de Operações
(CCO) e informar que a velocidade naquele local deve ser reduzida de 80 para 50 km/h.
A definição de limites mais apropriados para a manutenção foi feita através de uma
que acompanhavam a inspeção do Carro Controle, foi questionado para eles que defeitos
eles julgavam realmente críticos ao longo da inspeção. Tais pontos eram tão críticos que a
velocidade naquele local era reduzida aplicando o conceito da restrição. A cada restrição
inserida devido a problemas de geometria os dados daquele local eram analisados e uma
avaliação era feita no sentido de identificar qual parâmetro e valor medido estaria associado
à necessidade de restrição identificada pela equipe da inspeção.
Esse procedimento foi realizado para mais de 20 casos de restrição e em seguida
foram analisados os máximos valores observados de cada parâmetro e então foram
agrupados gerando a primeira proposta de limites de via para restrição de velocidade (esses
limites reduziam a velocidade de 80km/h para 50 km/h). Em seguida esses limites foram
extrapolados para outros níveis de manutenção e validados em campo a cada nova restrição
ou defeito crítico, passando a ser a referência adotada pela EFC.
Em seguida esses valores foram comparados com os valores de normas americanas e
pequenos ajustes foram realizados. Em um período seguinte a ABNT fez uma adaptação da
norma americana para o Brasil e publicou na NBR 16387, uma tabela com valores limites de
acordo com a velocidade de operação (Tabela 1). A metodologia usada para construção
desses limites foi fundamental para conquistar a confiança dos envolvidos e também no
equipamento de inspeção. Outros parâmetros, que não estão presentes na norma, também
foram calibrados e validados com essa metodologia.
Tabela 1 – Classes de limites de acordo com a velocidade (NBR 16387).
Para contabilizar os defeitos de via na EFC adotou‐se o conceito de bloco com
defeito. Inicialmente cada via férrea é estratificada em blocos de 100m e todos os
parâmetros de geometria são avaliados. O nível de criticidade de cada bloco será o nível
mais crítico atingido após avaliação de cada parâmetro. Essa estratificação também pode ser
realizada por parâmetro e dessa forma é possível contabilizar o número de blocos por nível
de criticidade e também ter essa visão por parâmetro isoladamente.
Para entender porque esse conceito é importante vamos supor que existam 05
defeitos de empeno dentro de 100m e 02 outros defeitos de empeno distantes 800m. Os
defeitos possuem a mesma intensidade e sua correção requer o uso de máquinas socadoras
de linha. No primeiro caso a socadora será deslocada para resolver esse problema e vai atuar
dentro dos 100m eliminando todos os defeitos, mas no segundo caso talvez seja necessário
duas programações distintas devido ao deslocamento do equipamento.
Avaliando do ponto de vista do planejamento, a solução do segundo caso exigirá mais
tempo e por isso será mais crítico. Note que essa visão não é possível quando analisamos
número de defeitos isoladamente, mas quando analisamos número de blocos com defeito
isso fica bem evidente.
Os limites estabelecidos pela norma foram organizados em diferentes classes de
manutenção e foram incluídas classes com limites dos parâmetros para redução de
velocidade (Tabela 2). Cada classe foi associada a uma criticidade e dessa forma cada bloco
analisado seguindo a metodologica supracitada é analisado e calculado sua criticidade.
Tabela 2 – Classes de atuação da manutenção em função da criticidade.
A Tabela 3 apresenta uma amostra dos dados da via estratificados em blocos de
100m e a criticidade de cada bloco por parâmetro. Por exemplo, o bloco de via situado entre
o Km 751+500 ao 751+600 tem criticidade 0 e a velocidade neste local deve ser inferior a 80
km/h. Uma análise simplificada na tabela permite identificar que o problema no local tem
criticidade 1 e o Empeno 10m indicou criticidade 0. Os demais parâmetros não apresentam
defeito significativo.
Tabela 3 – Amostra da estratificação da via em blocos de 100m com a criticidade.
Esse exemplo ilustra como os dados organizados desta forma permitem conclusões
precisas sem a necessidade da análise gráfica dos dados, que pode ser realizada para um
maior detalhamento posteriormente a análise simplificada. Em termos de priorização essa
tabela pode ser usada para localizar todos os locais mais críticos e que parâmetro está
ativando esse nível de insegurança e dessa forma iniciar a priorização. Decisões importantes
avaliando a proximidade e combinações de defeitos também podem ser tomadas com base
nessa ferramenta.
3. INDICADOR DE QUALIDADE E CONFORTO DE VIA (IQCV)
Ao longo de várias inspeções notou‐se que em alguns lugares da via era perceptível o
problema de geometria (percebido durante a circulação), mas esses locais dificilmente
seriam listados como prioritários em função da classificação de criticidade. Uma alternativa
seria reduzir os limites para identificar essas regiões, mas fazendo isso o número de defeitos
problema ocorria quando eram registrados vários defeitos de geometria com baixa
amplitude, mas os defeitos eram próximos uns dos outros.
Esse tipo de defeito poderia induzir uma dinâmica muitas vezes mais crítica do que
aquela provocada por um defeito isolado. Para identificar esse problema adotou‐se o uso do
parâmetro nivelamento longitudinal (medido em uma base de 5m) através do cálculo do
desvio padrão (STD ‐ standart deviation).
Eq. (1)
Como valores de referência para ferrovias heavy haul que operam com velocidade de
80 km/h, o STD de 1.6mm é um indicativo da necessidade de alguma intervenção de
manutenção (manutenção preventiva) e vias recentemente construídas ou renovadas devem
ter STD da ordem de 0.5 a 0.6mm (Workshop de Via Permanente, VALE 2012). Como limite
de manutenção a EFC adotou o limite de 2.5mm como referência. É válido ressaltar que foi
adotado o cálculo apenas os dados do parâmetro nivelamento longitudinal. A Figura 2 ilustra
Figura 2 – Amostra de via e valores calculados do desvio padrão do nivelamento.
O desvio padrão reflete a variação do perfil no plano vertical e também regiões com
defeito superficial (RCF) moderado e severo, defeitos em solda, presença de juntas,
problemas de infra e qualquer problema que cause uma perturbação nesse plano. Por isso é
um importante indicador para avaliação global da condição da via e pode ser usado como
um índice gerencial para direcionamento de recursos ou distribuição de orçamento.
Uma maneira simplificada de analisar grandes extensões da via é ilustrada na Figura 3
através de um mapa da via com divisões de 100m do desvio padrão. Com esse mapa é
possível identificar a concentração de problemas em uma determinada região.
Figura 3 – Amostra do mapa de STD da ferrovia com estratificação de 100m.
Nos anos seguintes esse indicador foi transformado em meta gerencial, surgindo o
Índice de Qualidade e Conforto de Via da EFC (IQCV). Em seguida, uma investigação
detalhada identificou a forte correlação entre fraturas (trilho e soldas) e o regiões com
desvio padrão elevado, confirmando a importância desse indicador. A metodologia de
cálculo do IQCV consiste em avaliar percentualmente a quantidade de blocos (extensão de
100m) com desvio padrão maior que 1,6mm e 2,5mm, sendo o primeiro uma referência para
a necessidade de manutenção preventiva e o segundo para corretiva. A Figura 4 ilustra esse
indicador para os distritos da EFC em Jun/2014 onde é possível concluir que os primeiros
distritos (BAC, VTM, SIS e NVD) apresentavam uma condição de via muito superior ao
segundo grupo (ACD, SPB, MAB, PAB).
Figura 4 – IQCV (STD > 2,5mm) em Jun/2014.
3. Importância das camadas de priorização
Existe uma diferença importante entre criticidade e prioridade em uma estratégia de
medida de avaliação da intensidade do defeito de via e a prioridade tem relação com a
ordenação com que esses defeitos precisam ser eliminados. Dessa forma a priorização
considera outras variáveis nem sempre avaliadas na definição da criticidade.
Em muitos casos a eliminação de um defeito em uma região é mais prioritária do que
outro defeito em uma região com maior criticidade. Por exemplo, a existência de um defeito
geométrico leve sobre uma ponte é mais prioritário comparado com um defeito geométrico
moderado em uma linha duplicada na tangente, pois no caso da ponte o potencial do dano e
custo de reparo no caso de um acidente é mais elevado.
Após a definição dos limites, a segunda etapa da estratégia foi à definição do
conceito de priorização e para isso foi adotado a terminologia P0, P1 e P2 (prioridade alta,
média e baixa). Esse rótulo é associado a cada defeito ou necessidade de serviço e tem o
objetivo de ordenar a sequência de retirada dos defeitos. A Tabela 4 apresenta o prazo
recomendado para execução da manutenção para eliminação ou mitigação do problema.
Uma característica importante da indicação P0 é que se refere a uma região já com
restrição de velocidade ou uma pré‐restrição. Neste último caso o potencial risco foi
identificado e caso não seja tratado em 7 dias a região terá sua velocidade restrita.
Tabela 4 – Tabela de prioridades da manutenção em função dos prazos.
bimestre onde os defeitos são identificados e serviços planejados seguindo a priorização
apresentada acima. A estratégia de definição de criticidade é aplicada diretamente sobre os
dados coletados de via e a estratégia de prioridade é aplicada sobre os serviços de
manutenção necessários e é nessa última definição que os critérios de localização, potencial
de risco e outros são aplicados. É nessa fase que a metodologia permite a combinação do
defeito numérico com a experiência e sensibilidade dos empregados da via, pois este tem
autonomia para definir sobre a prioridade de defeitos e serviços.
Em ferrovias com tráfego elevado e baixa disponibilidade de via para manutenção ser
ferrovia sempre vai apresentar problemas e por isso o desafio consiste em localizar aqueles
com maior potencial de risco e em seguida tratar os demais. Esse é o conceito na prática de
escalonamento de serviços por prioridade.
4. INTEGRAÇÃO DE DADOS PARA AUXILIAR A TOMADA DE DECISÃO
Analisar os dados de via através de estatísticas envolvendo gráficos e tabelas é uma
forma de análise que permite ampliar a visão sobre uma determinada região. Uma
alternativa muito usada é usar os próprios gráficos gerados pelo Carro Controle softwares
que são desenvolvidos para esse fim. A Figura 5 ilustra uma amostra de dados usando o
software do carro controle.
Figura 5 – Amostra dos dados de via com o software do carro controle.
Essa alternativa exige o uso de softwares específicos e também uma equipe
capacitada para as análises e interpretação dos resultados. É uma alternativa que na maioria
das empresas é restrita ao conhecimento de poucos empregados. Visando contornar essa
limitação e ampliar o alcance das informações da via para todos os níveis de empregados
envolvidos com a manutenção da via, desenvolveu‐se um modelo de relatório usando
planilhas que pode ser acessada usando softwares de planilhas comuns e até mesmo pode
ser impresso e usada em campo.
Essa planilha foi denominada Planilha Integrada de Via e permite uma visualização
vertical detalhada em uma região específica e ao mesmo tempo permite avaliar grandes
extensões. Também permite uma avaliação horizontal fazendo um cruzamento com outros
parâmetros de via e informações. Seu principal objetivo é permitir um fácil acesso à
informações detalhadas e integradas para tomada de decisão.
A Figura 6 apresenta uma amostra dessa planilha para uma determinada região da
EFC. Nessa simples amostra é possível visualizar as principais condições da geometria da via
e dos trilhos em cerca de 500m. As colunas iniciais informam dados da velocidade média dos
trens carregados neste local e a localização em termos do Distrito e posição quilométrica na
via. A seguir tem‐se a informação da bitola e em seguida os dados são agrupados por lado da
via (lado esquerdo e direito). Nesse grupo a tabela apresenta informações de RCF, taxa de
fixação ausente, desgaste de trilho, desvio padrão e nivelamento para cada lado da via. A
seguir estão as informações quanto a planimetria, superelevação, taxa de rampa e dados de
desalinhamento na região.
Figura 6 – Amostra da Planilha Integrada de Dados da Via.
Neste modelo de relatório as informações foram consolidadas em blocos de 25m
usando cálculos estatísticos conhecidos. Essa planilha não é um relatório padrão dos carros
de inspeção, mas um banco de dados construído com base em diversos relatórios. Alguns
exemplos do potencial que essa ferramenta possui é o de permitir uma fácil interpretação
dos serviços necessários e sua quantificação, por exemplo:
É possível concluir que o trilho no lado direito da curva foi substituído
recentemente e não há necessidade de substituir o trilho do lado esquerdo.
Existe um defeito de geometria localizado no lado direito antes da curva com
extensão máxima de 100m e não existe evidência de estar associado à RCF.
No lado esquerdo antes da curva existe uma região com desgaste médio de
20% e que deve ser inspecionada por que existe evidência de RCF pontual.
Outra aplicação interessante no contexto de priorização é que esse relatório pode ser
organizado e impresso em um formato de caderno de inspeção e pode ser distribuído
impresso para as equipes de inspeção de campo. Com essa informação é possível fazer uma
inspeção mais detalhada e precisar corretamente o problema, sua dimensão e forma de
tratamento.
5. ESTRATÉGIA DE ATUAÇÃO PONTUAL BASEADA EM PREVISIBILIDADE
principalmente quando se trabalha com um modelo de terceirização dos serviços. Mas é fato
que esse modelo não deve ser aplicado a todos os serviços de manutenção de via e a
estratégia de manutenção adotada precisa ser flexível para permitir outros modelos. Como
em geral a disponibilidade de tempo é pequena para a manutenção as equipes são forçadas
a produzir mais e ao mesmo tempo garantir qualidade.
Como comentado anteriormente, esse modelo nem sempre é a melhor solução. Alta
produtividade com máxima qualidade não trará os benefícios necessários se não for aplicada
nos locais mais críticos e com potencial de risco de acidentes. Uma estratégia de
manutenção deve inicialmente bloquear todos os riscos de acidentes e só depois aplicar os
métodos para aumentar a vida útil dos ativos e também a produtividade de suas equipes e
equipamentos.
O modelo ideal de manutenção de uma ferrovia deve ser construído observando
quais são seus principais modos de falha e por isso diz‐se que a manutenção deve ser
customizada de acordo com as características da via. Um exemplo de decisão gerencial que
pode conduzir a manutenção para um caminho de insegurança é incentivar o aumento da
produtividade da substituição de trilhos em detrimento ao risco dos defeitos de trilho. O
caso de trilhos é específico porque o tempo de execução da solda é um grande limitador
desse serviço.
Neste caso, avaliemos o caso de uma equipe ter que decidir entre substituir um trilho
longo soldado de 360m e um defeito localizado e considerando que para isso essa equipe vai
consumir o mesmo tempo de manutenção. Se o modelo adotado visa o aumento da
produtividade a decisão será tomada no sentido contrário da segurança. Mas se o modelo
for flexível irá permitir os dois tipos de atuação.
identificadas as regiões mais críticas e em potencial de fratura, descarrilamento ou qualquer
resultado de um cruzamento de dados usando os próprios eventos que ocorrem na ferrovia.
Um algoritmo processa essas informações e sugere regiões em potencial que são avaliadas e
em seguida priorizadas para manutenção.
Na Figura 7 é ilustrado um exemplo de região crítica mapeada e ilustrada na Planilha
Integrada. Exatamente nessa região ocorreu uma fratura de trilho dias depois da sua
identificação, reforçando a assertividade dessa metodologia. Esse foi um exemplo em que a
manutenção não foi realizada em tempo suficiente para evitar a fratura, mas dezenas de
regiões em potencial de risco já foram eliminadas antes de sua ocorrência com essa
estratégia.
Figura 7 – Amostra da Planilha Integrada e identificação de região em potencial.
6. RESULTADOS OBTIDOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a aplicação da metodologia e estratégia de priorização discutida ao longo do
artigo, importantes resultados têm sido obtidos e podem ser quantificados através de alguns
indicadores. Entre os principais resultados pode‐se destacar a redução em cerca de 40 a 50%
do IQCV global da linha principal desde o início da sua construção. A redução desse indicador
representa um aumento na qualidade e conforto da via. A Figura 8 apresenta o histórico
desde 2014 até julho de 2016 e parte desse resultado foi obtido com um melhor
direcionamento dos recursos e serviços através dessas estratégias.
Figura 8 – Histórico do IQCV da linha principal.
A comprovação da relação desse indicador com as fraturas em trilhos e soldas
também foi possível observando o histórico de fraturas na via que reduziu entre 40 a 50%
nos últimos anos. A redução observada nesse indicador foi resultado não apenas da gestão
sobre o IQCV, mas também da implementação da estratégia de intervenção pontual baseada
nas regiões em potencial elevado de fratura ou acidente. Outros fatores (como a renovação
da via em alguns trechos), contribuíram com os resultados, mas a metodologia empregada
foi a maior responsável.
numéricas para coleta e análise dos dados de via. Essa abordagem é fundamental para
avaliação em termos de previsibilidade de falhas. Mas a construção da metodologia também
construída para atuar nos problemas existentes na via e essa customização só é possível com
a participação da equipe que de fato executa e vive a manutenção. Qualquer boa prática de
manutenção de outra ferrovia pode ser replicada após os ajustes e adequação necessária,
esse é o ponto principal de qualquer estratégia.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRINA, Helvécio. Estradas de Ferro. Vol. 1, Livros Técnicos e Científicos Editora S.A. Rio de
Janeiro / São Paulo. 1979
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16387: Via Férrea – Classificação de
Vias. Primeira Edição, 28/04/2016 Rio de Janeiro, 2016.
Plasser American Corporation, VALE (CVRD) EM100 Measuring Systems Manual, maio
(2008), 1399p.
Workshop de Via Permanente (IHHA – Vale), São Luis (MA). Junho, 2012.