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‘eia é um método terapéutico, compreendido jlogia Junguiana, que desperta grande interesse s a) Bates décadas. Na caixa de areia séo montados s coners senvol oi com figuras, por meio dos quais se realiza 0 ~ processo de projecdo das mais profundas camadas do jente, permitindo, ao mesmo tempo, a cura € 0 vimento da alma. K trabalho profundamente de alternativas vivenciais. Ruth Ammann, fapeuta experimentada, explica 9 método com trés séries de cenérios, usand ~ noC.G. Jung Institut de Zurique, ituando-o na cosmovisdo junguiana. Ao lado da entacdo tedrica, com 15 fotos em branco e preto, © funcionamento do método|com a apresenta- 32 fotos em cores, Jeitor experimentar praticamente o funciona- ymétodo. = UTH AMMANN, nescida em 1934, fo! discipula de Dora ‘Kalff, a criadora do método, Mae de trés filhos, desde 1979 ratica 0 Jogo de Arcia. # terapeuta supervisora e docente que ci desenvolve Titulo do original alemao Heilende Bilder der Seele Tradugao Dra, Marion Serpa Revisto Giselle Welter 10 Stomioio ida por Dr. Léon Bonaventure, Dra. Maria Elci Colegio AMOR E.PSIQ\ Spaccaquerche, Pe. Ivo Storniolo ‘Dados Internacionais de Catalogago na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ‘Ammann, Ruth, 1994 ~ ‘Aterapia do Jogo de Areia — imagens que curam a alma e desenvolvam a personalidade / Ruth Amman; tradugo de Marion Serpal. So Paulo: Paulus, 2002. — (Amor e psique) Titulo original: Hellende bilder der seele ISBN 85-349-1857-0 1. Jago de areia ~ Uso terapautico ~ Estudo de casos |. Titulo. Il. Série. cop-616.8917 or-a216 ise : Medicina 616.8917 Medicina : 616.8817 ‘© PAULUS ~ 2002 ua Francisco Cruz, 229 -091 Sao Pauio (Brasil) 5084-3066 www paulus.com.br editoriat@ paulus.com.br ISBN 85-249-1857-0 ISBN 3-466-34219-8 (ed. original) INTRODUCAO A COLECGAO AMOR E PSIQUE Na busca de sua alma e do sentido de sua vida, 0 homem descobriu novos caminhos que o levam para a sua interioridade: o seu préprio espago interior torna-se um lugar novo de experiéncia. Os viajantes destes cami- nhos nos revelam que somente 0 amor é capaz de gerar a alma, mas também o amor precisa de alma. A: lugar de buscar causas, explicagdes psicopatolégicas as nossas feridas e aos nossos sofrimentos, precisamos, em primeiro lugar, amar a nossa alma, assim como cla é. Deste modo é que poderemos reconhecer que estas feri- das e estes sofrimentos nasceram de uma falta de amor. Por outro lado, revelam-nos que a alma se orienta para um centro pessoal e transpessoal, para a nossa unidade e a realizagao de nossa totalidade. Assim a nossa propria vida carrega em si um sentido, o de restaurar a nossa unidade primeira. Finalmente, nao é 0 espiritual que aparece primei- ro, mas 0 psiquico, e depois o espiritual. a partir do olhar do imo espiritual interior que a alma toma seu sen- tido, o que significa que a psicologia pode de novo esten- der a mao para a teologia. Esta perspectiva psicolgica nova é fruto do esforgo para libertar a alma da dominagao da psicopatologia, do espirito analitico e do psicologismo, para que volte a si 5 mesma, a sua propria originalidade. Ela nasceu de refle- PREFACIO A EDICAO BRASILEIRA xdes durante a pratica psicoterdpica, ¢ est comecando a renovar 0 modelo ¢ a finalidade da psicoterapia. E uma nova visdo do homem na sua existéncia cotidiana, do seu ‘tempo, e dentro de seu contexto cultural, abrindo dimen- ses diferentes de nossa existéncia para podermos reen- contrar a nossa alma. Ela poder alimentar todos aque- les que sao sensiveis & necessidade de inserir mais alma em todas as atividades humanas. ‘A finalidade da presente colecdo é precisamente res- tituir a alma a si mesma e “ver aparecer uma geragao de sacerdotes capazes de entender novamente a linguagem A técnica do Jogo de Areia vem preencher uma lacu- da alma”, como C. G. Jung 0 desejava. na dentro da psicologia analitica. A maior parte dos mé- todos terapéuticos dentro dessa abordagem exige do pa- ciente certo nivel de capacidade intelectual e de abstragio, tal como 0 método de associagao ou a técnica de imagina- cao ativa. Pacientes que tém dificuldade de sonhar, imaginar ou de sair do plano conereto por vezes queixam-se do que consideram ser “uma barreira” ou “deficiéncia” que, segundo eles, pode vir a prejudicar seu desenvolvimen- to terapéutico. Por outro lado, verificamos que pacien- tes com certas patologias, principalmente aquelas de expressdo nao-verbal, como as doengas organicas, ou aquelas que se originam num substrato mais primal da psique, beneficiam-se rapidamente de técnicas nao-ver- | bais. Entretanto, mesmo essas (pintura e modelagem, | por exemplo), por exigirem certa técnica, podem inibir 9/'-t,,. 5 paciente menos habilidoso e até mesmo aumentar sua 77 angustia. O Jogo de Areia, pelo contrério, por nao solici is} og tar nenhum esforgo especial, é altamente atraente para’ a maioria dos pacientes e vem se revelando cada vez mais uma técnica de extrema eficdcia tanto quanto ao tempo de duracdo quanto A qualidade do tratamento psicote- rapico. Léon Bonaventure 7 Lentamente, a comprova¢ao dessa pratica vem cons- truindo uma material cientifico precioso. B é nessa pers- pectiva que esse livro se insere. Ruth Ammann é uma das mais renomadas pesqui- sadoras e professoras dessa técnica, Ela é membro da SGFAP (Sociedade Suiga de Psicologia Analitica, filia- da a International Associacion for Analytical Psycholo- gy), membro da Associagao Suica de Psicoterapeutas ¢ da ISST (Sociedade Internacional de Terapia de Jogo de Areia). Formada originalmente em Arquitetura, Ruth tra- balhou nessa profisséio por 18 anos, construindo casas, escolas, bancos condominios. Em 1972 entrou no C. G. Jung Institute em Zurique onde se formou como analista junguiana. Sua tese de formatura sobre um caso de uma menina trabalhado com Jogo de Areia foi o resultado de vérios anos de treinamento com Dora Kalf, a criadora dessa técnica. Desde entao (1979), tem trabalhado em seu consultério, no Instituto C. G. Jung de Zurique, como pro- fessora e dado seminérios e treinamento em varios pai- ses. No Instituto de Zurique tem lecionado sobre: Funda- mentos da Psicologia Junguiana, Psicologia dos Sonhos, Psicologia dos Mitos e Contos de Fadas, Interpretacao de Desenhos, Jogo de Areia, Psicodindmica, e sobre a apli- cago clinica desses contetidos. Ruth também interessa- se pelas questdes do feminino e uma de suas palestras prediletas 6 sobre a linhagem feminina, uma homena- gem que faz a sua mae, & filha e a neta. Seu interesse pela arquitetura volta a partir de 1998, mais intensamente, ao unir psicologia com arqui- tetura, na sua pesquisa: “O significado do espaco e 0 ambiente construido em fungao do desenvolvimento psi- col6gico das pessoas”. Essa pesquisa levou-a a fotogra- far todos os lugares onde Jung viveu e trabalhou. Esse ‘material esta reunido numa série de diapositivos cha- 8 mada “Paisagens, casas ¢ salas onde C. G. Jung traba- Thou e viveu”. Uma amostra que, depois de ter sido estreada com muito sucesso no Congreso de Psicologia ‘Analitica em Zurique, tem sido apresentada em varias partes do mundo. Ruth Ammann é uma das conferencistas mais solici- tadas nos tiltimos anos. Convites internacionais a tem levado a dar palestras em varios pafses, participando do treinamento de intimeros analistas. Entre os paises por onde anda mais freqiientemente, temos: Inglaterra, Es- tados Unidos, Canada, Italia, Alemanha, Suiga, Dina- marca, e agora Brasil. Certamente esse livro seré um guia para todos aque- les que quiserem aprender nao s6 a técnica, mas também como um analista se desenvolve, se aprofunda e apreen- de seu paciente. A profundidade como os casos so des- critos, 0 detalhamento das imagens e 0 raciocinio elfnico levam-nos a participar do caso como se lé estivéssemos. Esse texto serve também para 0 leigo ou paciente que pode, por meio dos casos descritos, se identificar com 0 proceso, aprender mais sobre si mesmo ¢ até se motivar para iniciar seu proceso. Certamente, motivar é a pala- vra correta. Esse 6 um livro altamente motivador, nao s6 pola sua seriedade, como pela empatia e amor que Ruth demonstra ao longo de seu escrito. Té-lo agora em portu- gués, com a excelente e cuidadosa tradugao ¢ revisdo téc- nica das analistas Marion Serpa e Gisela Welter é um privilégio. Como o leitor vera, a autora pratica 0 que ele se pro- poe: une a compreensdo racional, técnica, tedrica e cient fica com a atitude humanista e empatica ~ unido im- prescindivel na formagao de todo bom psicoterapeuta. Guiados pela voz da autora, passeamos por imagens cria- tivas, sofridas e profundas. Aprendemos com ela os cami- nhos da interpretagdo, do estar junto e das relagdes transferenciais. Um avango na ciéncia e um roteiro para PREFACIO as complexidades da alma. Profa. Dra. Denise Gimenez Ramos ‘Vice-presidente da Internacional Associacion for Analytical Psychology Coordenadora do Programa de Pés-Graduagao em Psicologia Clinica da PUCSP. O Jogo de Areia 6 um método baseado na criagao pra- tica e criativa na caixa de areia. Quem brinca na caixa de areia, seja adulto seja crianga, cria varias imagens tri- dimensionais na areia, envolvendo-se nesse proceso com corpo, alma e espirito. ‘Gragas ao método “mao na massa” do Jogo de Areia, as dimensées espiritual e psicolégica nao sao apenas cons- teladas na pessoa, mas ao mesmo tempo lhes é conferida uma forma concreta através das maos da pessoa, Isso tem grande efeito curativo, principalmente em pessoas muito intelectualizadas. Por esse motivo, pessoas bloqueadas psicologicamente ou que nao estao em contato com sua forca imaginativa acham esse aspecto do Jogo de Areia particularmente terapéutico. O trabalho com as maos na >. caixa de areia mobiliza as energias criativas, fazendocom | %_ que fluam novamente] 2 O método terapéutico do Jogo de Areia foi desenvol- vido por Dora Kalff a partir do “Jogo do mundo” de Margareth Lowenfeldt, como também do “Teste do mun- do” de Charlotte Buhler ou o assim chamado “Método de Erica”, utilizado no diagnéstico psiquidtrico infantil na Suécia ha mais de 40 anos. Dora Kalff reconheceu que as séries de cenarios, elaboradas por criangas ou adultos, representam a confrontagao continua e pratiea com o in- 11 10 consciente, compardvel A série de sonhos ou a imagina- ¢do ativa que ocorrem no processo analitico. E evidente que o trabalho na caixa de areia desencadeia um proces- so psiquico holistico que leva cura e ao desenvolvimen- “to da personalidade. . 3¥ Neste método, desde 0 inicio me impressionou de maneira extraordinaria 0 fato deste método prover as bases para a interagéio entre corpo e mente, matéria e © espirito. O Jogo de Areia cria um campo comum no qual 0 _espirito e o corpo podem se influenciar mutuamente. Na forma de andlise classica verbal nao conhecemos esse tipo de interjogo direto entre psique e matéria, ao menos n&o {nessa forma. + Por essa razo, acredito que a anilise classica dos sonhos e o Jogo de Areia esto relacionados. Blas repre- sentam duas abordagens terapéuticas equivalentes, que nos permitem melhor adaptagao as necessidades psicolé- gicas do analisando. Ambos os métodos se baseiam na ‘psicologia de C. G. Jung. Dora Kalff também construiu 0 Jogo de Areia sobre esse fundamento. No seu capitulo “Confronto com o inconsciente” no livro “Memérias, so- nhos, reflexdes”, Jung descreve suas préprias experién- cias com o Jogo de Areia: ‘\ Os sonhos de entao me impressionavam muito, mas ndo me ajudavam a superar o sentimento de perplexida- de que se apoderava de mim. Pelo contrario, eu vivia como que sob dom{nio de uma pressio interna. As vezes ela era tao forte que cheguei a supor que havia em mim al- guma perturbacéo psiquica. Duas vezes passei revista toda a minha vida em todos os seus pormenores, deten- do-me particularmente nas lembrangas da infancia, pen- sando encontrar em meu passado alguma coisa que pu- desse ser a causa de uma possivel perturbagdo. Mas esta inspecdo foi infrutifera e tive de confessar a mim mesmo minha ignorancia. Pensei entdo: “Ignoro tudo a tal ponto 12 Jung: que simplesmente farei 0 que me ocorrer”. Abandonei- me assim, conscientemente, ao impulso do inconsciente. A primeira coisa que se produziu foi o aparecimento de uma lembranga da infincia, talvez dos meus dez ou doze anos. Nessa época eu me entregara apaixonadamen- te a brinquedos de construcdo. Lembrei-me com clareza que edificara casinhas e castelos, com portais ¢ abéba- das, usando garrafas como suportes. Pouco mais tarde, utilizei pedras naturais e terra argilosa como argamas- sa. Durante longos anos essas construgées mal haviam fascinado. Para minha surpresa, essa lembranga emer- giu acompanhada de certa emogdo. “Ah, ah! disse a mim mesmo, aqui hé vida! O garoto anda por perto e possui uma vida criativa que me falta. ‘Mas como chegar a ela?” Parecia-me impossfvel que 0 homem adulto transpusesse a distancia entre o presente e meu décimo primeiro ano de vida. Se quisesse, entre- tanto, restabelecer o contato com essa época de minha vida, s6 me restava voltar a ela acolhendo outra vez a crianga que entdo se entregava aos brinquedos infantis. Esse momento marcou um ponto crucial no meu des- tino. S6 me abandonei a tais brincadeiras depois de repulsdes infinitas, com sentimento de extrema resigna- go e experimentando a dolorosa humilhagao de nao po- der fazer outra coisa sendo brinear. Pus-me, entio, a co- lecionar pedras, trazendo-as da beira do lago ou de dentro da Agua; depois comecei a construir casinhas, um caste- Jo, uma cidade. Nesta época porém faltava a igreja; co- mecei ento uma construcao quadrada, encimada por um tambor hexagonal e por uma cipula de base quadrada. Ora, uma igreja comporta também um altar. Mas algo em mim relutava em edificé-lo. Preocupado em saber como resolveria este proble- ma, passeava um dia, como de costume, ao longo do lago e recolhia pedras por entre o cascalho da margem. De 13 repente, deparei com uma pedra vermelha, uma espécie de piramide de quatro lados, de uns quatro centimetros de altura. Era uma lasca de pedra que, de tanto ter sido rolada na agua pelas vagas, acabara por tomar essa for- ma, puro produto do acaso. Assim que a vi, soube que encontrara meu altar! Coloquei-a no meio, sob a cépula, e enquanto fazia isto me lembrei do falo subterraneo do meu sonho de infancia. Esta conexao despertou em mim um sentimento de satisfagao. ‘Todos os dias depois do almogo, se o tempo permitia, entregava-me ao brinquedo de construgao. Mal termina- daa refeigao, “brincava” até 0 momento em que os doen- tes comecavam a chegar; & tarde, se meu trabalho tives- se terminado a tempo, voltava as construgdes. Com isso meus pensamentos se tornavam claros e conseguia apre- ender de modo mais preciso fantasias das quais até en- tao tivera apenas vago pressentimento. Naturalmente, cogitava acerca da significagao de meus jogos e perguntava a mim mesmo: “Para falar a verdade, o que fazes? Constrdis uma pequena colénia e 0 fazes como se fosse um rito”. Eu nao sabia o que respon- der, mas tinha a certeza intima de trilhar 0 caminho que levava ao meu mito. A construgao representava apenas 0 infcio. Ela desencadeava toda uma seqiiéncia de fantas- mas que mais tarde anotei meticulosamente. Situagdes desse tipo repetiram-se em minha vida. Sempre que me sentia bloqueado, em pertodos poste- riores, pintava ou esculpia uma pedra: tratava-se sem- pre de um rite d’entrée que trazia pensamentos e tra~ balhos. Do meu meu ponto de vista deveriamos incluir cada vez mais o corpo e o mundo imaginativo ndo-racional na psicoterapia, porque essas dimenstes estdo adquirindo maior importancia e, portanto, devem continuar assim. Enquanto o valor do pensamento légico foi enfatizado 14 durante muito tempo, também se negou a importncia de outros valores. Os analistas junguianos compartilham essa visdo, mas freqtientemente ela nao é posta em préti- ca de modo suficiente. + Existe outra razao pela qual precisamos de método: terapéuticos complementares A nossa pratica analitic: usual. Em nossos consultérios vemos cada vez mais cli entes que sofrem claramente de disturbios nareisicos 0 distirbios enraizados na primeira infancia. Freqiiente- mente referem-se como disttirbios na relagdo primal, ou Urbeziehung, para usar o termo original de Neumann. Muitos distiirbios desse tipo podem ter sido causados pela énfase excessiva no lado racional (com seu foco voltado para o desempenho) em nosso tempo de escola e de de- senvolvimento de carreira. Como corolério, nossa vida sentimental, juntamente com nossas pulsdes instintivas naturais, foi pouco apoiada ou até atrofiada. Esse fend- meno pode ser observado hoje especialmente entre maes, muitas das quais tém grande dificuldade em amar o filho enquanto ele ainda esta no titero e na fase posterior de crescimento. Hoje em dia, muitas mies perderam a ca- pacidade de dedicar-se aos filhos, para que eles possam experienciar relacdo intima e amorosa com elas. Faltam a crianga o calor e 0 aconchego de que precisa, especial- mente no primeiro perfodo de vida. Nao quero, no entanto, apontar ou acusar mies e pais, pois também eles podem viver em inseguranga e sem amor numa sociedade como a nossa, que negligencia a compaixao e o desenvolvimento de uma comunidade de valores compartilhados. + O Jogo de Areia, portanto, ¢ especialmente adequa- do aos adultos e criangas que sofrem de distarbios da pri- meira infancia, pois leva a pessoa de maneira nao-verbal de volta as camadas mais profundas da psique da pri-| meéira infancia~ ~~~ ~~ a y\ { \ o wh No meu trabalho analitico ugo_simultaneamente andllise verbal e o Jogo de Areia. Mas também pode acon- tecer que um analisando percorra primeiro um processo na areia e mais tarde, apés a elaboragao analitica dos cenérios, continue com a andlise dos sonhos. Outra pos- sibilidade é 0 analisando trabalhar alternadamente com a andlise verbal e o Jogo de Areia. Pode criar num cené- rio momentos especialmente importantes do seu proces- so, ou abordar na areia temas ou passagens especialmente dificeis e especificos. O método do Jogo de Areia tocou-me de forma espe- cial desde o primeiro contato. Uma razao dessa minha atragdo esta no fato de gostar de imagens e formas tridimensionais. Isto sempre esteve perto do coragao, es- pecialmente por gostar de usar as maos. Outra razéo da minha preferéncia pode estar no fato de ter experiencia- do, desde cedo, 0 modo como alguém pode usar os senti- dos de modo diferenciado, sem palavras. Quando era criancinha observava meu avo em sua clinica médica com- portar-se exatamente dessa maneira. Certa experiéncia me marcou especialmente: meu avd, que era pediatra, também tinha consultério em casa, onde ocasionalmente recebia pacientes. Quando menina, observei uma vez pelo buraco da fechadura o modo como examinava um bebé. Inspecionou a crianga atentamente de todos os lados, to- cando-a, auscultando-a e testando-a. Para minha gran- de surpresa, entdo usou o nariz para cheirar a crianga. Mais tarde Ihe perguntei o que havia feito. Respondeu: “Criancas pequenas nao conseguem dizer onde déi. En- to tenho que usar todos os sentidos para descobrir do qué a crianca adoeceu”. Este pequeno epis6dio foi essencial para mim e du- rante meu estudo de psicologia pensei freqiientemente no meu avd, Nao sé experienciei nele alguém capaz de observagdo cuidadosa, mas também como pessoa com vat 16 grande respeito pela natureza e confianca profunda e re- ligiosa na natureza a nossa volta e dentro de nés. ‘Na psicoterapia, tanto adultos como criangas encon- tram dentro de si “a crianga pequena”, que nao consegue dizer “onde doi”. Nesse instante temos de usar nosso po- der de observacao e, figurativamente, usar todos os sen- tidos para descobrir o sofrimento recdndito da pessoa. + Em 1989 foi langado pela editora Késel, de Muni- que, meu livro “Imagens curativas da alma. O Jogo de Areia —o caminho criativo do desenvolvimento da per- sonalidade”, Naquela época 0 Jogo de Areia ainda era método utilizado por relativamente poucos terapeutas Somente em 1985 Dora Kalff fundou, juntamente com um miicleo de terapeutas de Jogo de Areia, a Sociedade ‘Internacional de Jogo de Areia, ISST. Ainda niio existia ima Sociedade suiga ou alema. Também no Instituto C. 'G: Jung de Zurique o Jogo de Areia era pouco ensinado. Asituagéio mudou nitidamente nos tiltimos doze anos. A sociedade internacional ISST cresceu, tornando-se co- munidade relativamente grande de terapeutas do Jogo de Areia, devendo porém ser mencionado que ela incluia nao somente analistas junguianos, e sim muitos tera- peutas de outras linhas, e que no Instituto C. G. Jung de Zurique, como na maioria dos institutes internacionais, 0 Jogo de Areia foi reconhecido ¢ integrado ao curriculo como complementagio valiosa da andlise verbal. Ha varias razées pelas quais gostaria de familiari- zar os psicoterapeutas, em particular os junguianos, com © método terapéutico do Jogo de Areia: primeiro, pela possibilidade de incluir o corpo, téo negligenciado na and- lise ou terapia. Através do trabalho manual criativo na caixa de areia 6 ativado e posto em movimento néo s6 0 corpo do analisando, mas também freqiientemente 0 es- tado fisico do analisando se torna nitidamente visivel através dos cendrios, 0 que nao acontece na mesma me- 17 ) dida na andlise dos sonhos. O analista também se movi- { “‘menta mais no espago do consultério com esse método, 0 \ que contribui bastante para o seu estado fisico. + Além do mais, podemos observar no Jogo de Areia a postura de parceria terapéutica que de qualquer manei- ra jé fundamenta 0 entendimento terapéutico junguiano. A base do método do Jogo de Areia repousa na confianga ” em relagao as possibilidades curadoras no ser humano e no conhecimento delas pelo analisando. Na primeira fase criativa da terapia, a atividade se concentra totalmente no analisando; o analista permanece atento, mas reser- vado. Nessa fase nada é avaliado ou interpretado, o que é enorme alfvio para pessoas com sofrimentos psiquicos. ‘Terapeutas do Jogo de Areia so psicoterapeutas que, em fungiio do setting especifico do Jogo de Areia, se apresen- tam primeiramente como seres humanos. > E, last but not least, considero que é valioso e didati- co poder acompanhar a dindmica dos processos psiquicos mediante séries de imagens tridimensionais. Nao saberia dizer onde seria possivel fazer melhor observacao direta o <@ da impressionante e acertada.capacidade de auto-regu- s lagdo ede autocura da psique humana, compreendendo- ga depois através da recuperagao das imagens, sendo no so dogo de Areia. Por razées de discriggo e porque ultrapassaria a ex- tensao deste livro, ndo me é possivel apresentar e inter- pretar processos de Jogo de Areia inteiros. Por isso nas descrigdes de casos chamarei a atencao para os pontos especialmente importantes e t{picos para a compreensao do processo do Jogo de Areia. A grande vantagem 6 0 fato de que os cenérios podem ser fotografados, tornando os processos psiquicos visualmente acessiveis para 0 leitor. ~Mesmo assim é dificil fazer com que os processos psiqui- cos sejam inteligiveis e compreenstveis para quem est de fora, pois 6 aqui que se pode justamente dizer que ape- 18 nas aquele que jé vivenciou algo similar pode realmente compreender. 4 + Saliento que, na Psicologia Analitica, a psicologia de| C. G. Jung, chamamos as pessoas que vém a0 nosso co1 sultério de analisandos. Isso significa, no sentido ori nal, que fazem uma andlise verbal. Mas utilizo essa ex- pressdo para todos os adultos no meu consultério. Quando \ 2, digo “analisando” e ndo “analisanda” nao ha nada de \ discriminatério nisso. Para mim a denominagdo “o anali- Ie sando” € neutra, aplicdvel a homens e mulheres quando ! . nGo se tratar de pessoa especifica. Por outro lado, ndo digo “analista de Jogo de Areia”, apesar de eu ser analis- ta junguiana, mas “terapeuta de Jogo de Areia”, pois faz mais jus & realidade de que ha também terapeutas de Jogo de Areia que chegaram a esse método através de outra formagao bésica. A cditora e eu concordamos que seria correto tornar esse livro inteligivel também para os leitores que ndo dis- poem de grande conhecimento especializado. Procuro es- crever de maneira clara e direta. Os termos técnicos que nao pude contornar estio explicados no glossario no fim do livro. Aprendi o método terapéutico do Jogo de Areia com Dora M. Kalffem Zollikon, primeiramente como experiéncia prépria, depois como sua assistente por meio do trabalho terapéutico do Jogo de Areia com pacientes. Devo muito a Dora Kalff, pois ela nao s6 me introduziu nesse método excepcionalmente valioso, mas também me transmitiu muito conhecimento basico em relacao ao desenrolar de processos psiquicos e A postura terapéutica do analista. ‘Neste momento agradego ao padre Ivo Storniolo e & Paulus Editora por publicar meu livro em portugués no Brasil. Com isso a Paulus Editora colabora para que esse valioso método do Jogo de Areia seja difundido na Améri- ca do Sul. 19 Agradego especialmente a Marion Serpa pela sua iniciativa de traduzir o livro para o portugués. Marion Serpa fez, traducdo cuidadosa, competente e carinhosa que podera auxiliar todos os que desejam conhecer 0 método do Jogo de Areia. Sou muito grata também a Giselle Welter, que fez a revisdo da tradugio. Aqui também agradego especialmente a Eva, Maria ¢ Elisabeth, assim como a todos os analisandos que me deram permissao de usar os diapositivos de seus cené- ios, sem os quais 0 livro nao exi 20 1 INTRODUGAO AO METODO DO JOGO DE AREIA A terapia classica junguiana é a andlise dos sonhos. Nela acontece uma discriminagdo entre o estado cons- ciente eo inconsciente do homem, que se manifesta prin- cipalmente nos sonhos, mas também em visoes, imagi- nagées ou imagens pintadas. Tais manifestagdes do inconsciente procuram ser esclarecidas pelo analista em conversas com o analisando. Dessa maneira ele o ajuda a ter acesso as partes de sua personalidade e aos conteti- dos do Inconsciente Coletivo, até entao desconhecidos. ‘Também os fenémenos de transferéncia e contratrans- feréncia, que resultam dessa colaboragao intensa entre analista e analisando, sao trabalhados. A andlise junguia- na é sempre processo que toca e exige de ambas as partes. + Aanélise realiza-se principalmente no didlogo entre analista e analisando, pois é forma verbal da terapia. Esta ito que a personalidade do analista pode influenciar © decorrer da anélise de determinada maneira, por meio da forga e do poder da palavra, O analisando pode usar suas potencialidades verbais de forma positiva, e tam- bém fazer mau uso delas, a fim de esconder seu verdadei- roser. Alinguagem verbal é uma possibilidade de expres. sdo humana, ligada prineipalmente A consciéncia racional. Pela maneira como a pessoa fala conosco podemos entender sua atitude mental, sua estrutura de pensamen- 21 Vi fag Pa I

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