“O inomeável atual.”
Roberto Calasso
3 DECÁLOGOS E MEIO DE PALAVRAS INÚTEIS
“Não podemos apreender ao mesmo tempo o real e seu signo:
jamais poderemos dominar simultaneamente ambos.”
Jean Baudrillard
CULTURA, último bastião a ser conquistado pelas forças factuais que lidam
com o imaginário. Campo de guerra das imagens, de litígio nada tranquilo entre
cultura e arte, arte e visualidade, cultura e sociedade, até o ponto de alguns
governos eliminarem seu Ministério ou então instrumentalizá-lo. Com a
institucionalização e bienalização da cultura, a chegada do funcionalismo
cultural, o cavalo de Troia entrou no antigo recinto simbólico, cujos efeitos já
começam a ser conhecidos (turismo cultural, parques temáticos, ditadura do
espectador, audiências…). Palavra que toma o caminho de estar na boca de
todos e no coração de ninguém.
ISONOMIA, ninguém quer ser governado por esta lei de igualdade, paridade,
pois, no fundo, ninguém quer ser tão igual ante a lei horizontal, democrática,
quer privilégios, diferenças a favor, não estar na mesma situação. O desejo de
se safar é maior que o de compartilhar. O imaginário do capitalismo garante
com seus folhetos atualizados a sua triunfal pedagogia de vícios privados, via
marketing e estadística.
LEITURA, gesto cada vez mais estranho, ainda mais se o suporte é de papel
e em público. Digno de suspeita, inconveniente, até quando a luz de leitura dos
aviões se pode acender. Melhor se contempla a leitura instrumental ou em tela.
Em breve, além de relíquia, fará parte da arte degenerada.
LOCKDOWN, prova de fogo do confinamento para quem não acredita na
realidade pandêmica de vírus mortais, prefere verificar o labor terrível de
thanatos, favorecendo a sua tarefa, estadisticamente e nas camadas mais
humildes, colaborando, idolatrando genocídio e, em última instância, resolveu
aquele outro dilema da bolsa ou a vida, a favor do primeiro – mercado dixit.
LUTO, quase proibido como tal, e em tempo e duração, pior, já que não se
quer reconhecer nenhuma coisa que represente um ritual de perda, dor,
ausência numa época que quer a qualquer preço a realização hedonista, nada
que signifique algo negativo, vazio, cor negra, o contrário do mainstream
obrigatório vitalista, sua imposta banalização do carpe diem. Derrota por goleada
da transcendência como signo de importância vital e de interrogação
metafísica, também como lugar de interregno, de intercomunicação.
Devo registrar aqui que houve uma licença poética no número de textos, sendo
38, algo mais que 3 Decálogos e meio, mas decidi manter o título como está, em
parte por não ser de ciências exatas.
Meu agradecimento a Mauro Espíndola, Camila Mello, Ronald Polito e Jardel
Dias Cavalcanti.
Sumário
Agradecimento
Alteridade
Altruísmo
Aura
Coletivo
Contemplação
Cultura
De boa vontade
Delicadeza
Diferença
Dissenso
Distância
Empatia
Entropia
Espaço
Espírito
Essencial
Generosidade
Gentileza
Humor
Idiotia
Invisível
Isonomia
Leitura
Lockdown
Luto
Manuscrito
Meio ambiente
Nobreza
Privacidade
Realidade
Recíproco
Representação
Servidão
Silêncio
Transcendência
Valor
Vazio
Capa: Ronald Polito
Edição de 30 exemplares
produzida pela
Galileu Edições
Londrina, PR, abril de 2021.