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(OF OvaR IR KO Mr. Nogoes preliminares sobre 0 texto e suas propriedades 2.10 conceito de textualidade omo fundamento para a compreensao do que é 0 tex- to, tem-se desenvolvido o conceito de t@xtualidadepa qual turaldasmatividadessociocomunicativasy(e, portanto, também linguisticas) executadas entre os parceiros da comuni- cagio. Logo, todo enunciado = que porta sempre uma fungao te Quer dizer, em qualquer lingua, e em qualquer situacao de interagao verbal, o modo de manifestacao da atividade comuni- cativa é a textualidade ou, concretamente, um género de texto qualquer. Dai que nenhuma agao de linguagem acontece fora da textualidade. “Desde que ela exista, a comunicagao se da de for- ma textual” (Schmidt, 1978: 164). Naunesmaldiregaoplafinniou= -abre a boca para falar, comeca um texto”. Perde sentido, entao, aquela perspectiva ascendente da lin- guagem, segundo a qual, primeiro, se aprendem as palavras, de- pois as frases, para enfim, se chegar ao texto. Todos os segmentos de nossa atividade de linguagem, desde os primeiros balbucios, Andlse de textos — tundamentes ¢ pratices AT sao entendidos e clasificados como partes funcionais de um todo integrado: 0 texto. Fazer da textualidade o objeto de ensino nao é, pois, ceder as teorias da moda, ou um jeito de — como dizem alguns — deixar as aulas mais motivadas, mais prazerosas, menos monotonas. E mui- to mais que isso: € uma questao de assumirlaltextualidade ComGloy Ocorre que essa textualidade nado acontece de forma abstra-_ menteltipificad6s; Conforme veremos a seguir. 2.2 O conceito de texto O mais consensual tem sido admitir que um conjunto aleat6- rio de palavras ou de frases nao constitui um texto. Mesmo intui- tivamente, uma pessoa tem esse discernimento, até porque nao é muito dificil té-lo, uma vez que nao andamos por ai esbarrando em ndo textos. Por mais que esteja fora dos padrées considerados cultos, eruditos ou edificantes, 0 que falamos ou escrevemos, em situacdes de comunicagao, sao sempre textos. Também nao é dificil explicitar essas intuig6es, se nos fi- xarmos na analise de como acontece a intera¢ao verbal entre as pessoas nas diferentes situagées de sua vida social. Vamos tentar apresentar fundamentos tedricos dos pontos que pretendemos analisar, embora o fagamos, neste ponto do livro, de uma forma muito sumaria, uma vez que, nos sucessivos capitulos de andlise, vamos desenvolvé-los um pouco mais. 2.2.1. Primeiramente, poderiamos comegar por lembrar que recorremos a um texto quando temos alguma pretensdo comuni- -cativa e a queremos expressar. Oomen, conforme citagao de Sch- midt (1978: 167), afirma que “nao se instaura um texto sem uma fungdo comunicativa”; propée ainda que o texto tem seu fluxo controlado pela respectiva fungao comunicativa que exerce. Dessa forma, todo texto é a expressio de algum propési- to comunicativo. Caracteriza-se, portanto, como uma atividade GAPITULONZ! Nocdes preliminares sobre o texto € suas propriedades eminentemente funcional, no sentido de que a ele recorremos com uma finalidade, com um objetivo especifico, nem que seja, simples- mente, para nao ficarmos calados. Assim, nada do que dizemos € destituido de uma intengao. O sentido do que dizemos aos outros é parte da expressao de um ou mais objetivos. Falamos com a intengao de “fazer algo”. O sucesso de nossa atuagao comunicativa esta, sobretudo, na iden- tificagdo dessa intencao por parte do interlocutor com quem inte- ragimos. Por isso mesmo é que, no percurso da interagao, vamos dando as instrug6es necessdrias para que 0 outro va fazendo, com eficacia, essa identificagao. Como diz Schmidt (1978: 80), 0 texto é um “conjunto ordenado de instrugdes”. O principio de que falamos sempre para cumprir determi- nado objetivo € sobejamente referido por todos os autores que se ocupam do texto. Por exemplo, ja mesma linha, Consequentemente, todo texto é expressao de uma atividade social. Além de seus sentidos linguisticos, reveste-se de uma rele- vancia sociocomunicativa, pois esta sempre inserido, como parte constitutiva, em outras atividades do ser humano. Nas palavras de Marcuschi (2008: 23), “nao existe um uso significativo da lin- gua fora das inter-relacGes pessoais € sociais situadas”. Assim, compreender um texto é uma operagdo que vai além de seu aparato linguistico, pois se trata de um evento comunica- tivo em que operam, simultaneamente, ac6es linguisticas, sociais e cognitivas. 2.2.2. Um segundo aspecto que deriva desse primeiro ponto € 0 fato de que(@itextosicomorexpressaowverbalidemmararividaden a simplesmente, pelo fato " que temos uma com- panhia quando falamos e, assim, nao 0 fazemos sozinhos. Mas, Analise de lextos ~ fundamentos e praticas EARS ANTNES! sobretudo, pelo fato de que construfmos nossa expressao verbal com o outro, em parceria, a dois; de maneira que o texto vai tendo um fluxo conforme acontece a intera¢ao entre os atores da acao de linguagem. instncia, é isto mesmo: nao falamos sozinhos, no sentido de que © texto que construimos é uma resposta ao ce jamandopalavruse fruzesque fui | JU® SUPOMos ser a pergunta do outro. recolhendo numa revista, Em con- 2.2.3. Um terceiro aspecto a se consi- tatos com professores e alunos, fui derar sumariamente diz respeito ao fato de testando a estranheza que causava © ‘sem sentido’ de ambas as pegas. qui As justificativas para a hipétese de que nao constituiam textos centra- 1 ' Criei essas passagens, simplesmen- te nea de ce cide e | Caen a de seni possve. E cuioso gue, Gidela teentralywoundemumsrmicleonsemdnticos dorance mato tempoosalunosixe- | @GUBihercaveontinuiciacererunidade, ram atividades de formar frases sol- P. ick incipio (ta tai, a que Hingudmiquesconsnes @ ‘ara explicitar esse principio (tao presen- distancia entre isso ¢ o exercicio real te as nossas intuigGes), vejamos, por exem- da linguagem. E que, defato,o texto. lg, as seguintes passagens, que tém, natural- nao “estava previsto no programa”. ; E mente caras de texto'. Religiosidade | Monstro planos sexo cantor pela deniincia de polémico paguei lazer sobre pre- tendem enfermeira menino milhdes presente viva-voz telefone estar risco com | mercado 0. | Computador completo ficar frontal vocé veloz se para esperar doméstico brincando 1 mamifero moda. Relogios cartas sobre expectativa inteiro promocao empregadas sabatina campa- nha novo queijo compra Brasil meninos. | Mamifero voraz | | Eppreciso 100 pontos para ganhar um yelogio de plastico. Teremos imenso prazer em The mostrar 0 nosso pais. Ja esta nas lojas Tok & Stok a Linha Garden Verao 97. Dizia-se la em casa que éramos de origem francesa. Tenho um pequeno museu em casa. Seu proximo passo é Ler um cartéo com 6 meses de anuidade gratis. i — Jamais abandonarei a senhora, Bom mesmo é viver numa cabana no meio do mato. O proprio banco ajuda a des- cobrir quais séo os melhores produtos para montar sua carteira de investimentos. | Daria para perceber em alguma dessas passagens uma unida- de semantica, ou reconhecer qualquer nticleo de sentido? Daria para dizer sobre qué é cada uma? Daria para fazer, a partir delas, um resumo, uma sintese? Alguém poderia reconhecer ai uma fun- ¢4o comunicativa pertinente a determinado contexto? Como se vé, sao passagens construidas a partir de palavras ou de frases soltas, 0 que nos faz voltar aos termos com que ini- ciamos esta sega: sm conjunto aleatorio de palavras ou de frases Com base nos pontos até aqui levantados, podemos recapitular em seguida o que tem sido proposto na linguistica de texto como as propriedades do texto, ou seja, como critérios que nos permitem reconhecer um conjunto de palavras como sendo um texto. Em sintese, a questdo seria: @rgquennmnyconjuntorderpalavras) A resposta a essa questao ja se encontra definida na literatura sobre a linguistica de texto. Por exemplogiBéaugraiideyeDressle> visdo deles, sete-propriedades, portanto. Nos estudos que tenho feito, na sequéncia dessa e de outras Propostas, optei por fazer uma pequena reordenagdo no qua- dro dessas sete propriedades, concedendo certa saliéncia aquelas 2 £ muito comum o entendimento dessa intencionalidade como um conceito equivalente a questo das intengées com que usamos a linguagem. Nao € bem assim. A intencionalidade de que se trata aqui corresponde & disposicao do falante de somente dizer coisas que tém sentido, que sao coerentes. A ‘outra questo ~ a da ‘intengao com que falamos’ — tem a ver com a di- mensio_pragmético-funcional da linguagem, no sentido de que todo ato de linguagem 6 um fazer, pois é carregado de uma intengao ou de uma finalidade. Sao diferentes, pois, os dois conceitos. Para uma revisdo desses e de outros conceitos da textualidade, sugiro a leitura de Costa Val (2000), bem como a de Antunes (2009). Analise de textos — fundamentos ¢ propriedades que, mais diretamente, perten- cem a construgéo mesma do texto. Assim, proponho, como propriedades do texto, a coesao, a coeréncia, a informatividade e a in- tertextualidade. Proponho, como condigées de efetivacao do texto, a intencionalidade?, a aceitabilidade e a situacionalidade. Para justificar essa reordenacao, alego que a intencionalidade e a aceitabilidade re- metem aos interlocutores e nao ao texto pro- priamente. Quer dizer, pela intencionalidade, propGe-se que o interlocutor que fala se dis- poe a dizer somente aquilo que tem sentido e €, portanto, coerente. Pela aceitabilidade, admite-se que 0 ouvinte, simultaneamente, empreende todo 0 esforco necessario para processar os sentidos e as intengdes expres- sas. Como se vé, essas duas propriedades nao sao propriamente do texto. Embora Ia se reflitam, remetem para a disponibilidade cooperativa das pessoas envolvidas na interacao. O mesmo cabe afirmar da situacionalidade: uma condigdo para que o texto — que é parte de uma atividade social — aconte- ca. Nenhum texto, como sabemos, ocorre no vazio, em abstrato, fora de um contexto sociocultural determinado. Todo ele esta an- corado numa situagao concreta ou, melhor dizendo, esta inserido num contexto social qualquer. Uma conferéncia, por exemplo, € parte da programacao de um evento e é por ela regulada em todos os detalhes. Uma simples conversa é parte de um relaciona- mento interpessoal que prevé variadas finalidades. Essa insergdo da linguagem em nossa atividade social é tao Obvia que até mesmo temos dificuldade de percebé-la. O absoluta- mente evidente é que falamos sempre em um lugar, onde acontece determinado evento social, e com a finalidade de, intervindo na conducao desse evento, executar qualquer ato de linguagem: ex- por, defender ou refutar um ponto de vista, fazer um comentario, Nogde sobre 0 texto e suas propriedad dar uma justificativa, uma ordem, fazer o re- lato de um fato, convencer, expressar um sen- timento, apresentar um plano, uma pessoa, um lugar, fazer uma proposta, ressaltar as qualidades de um produto, pedir ou oferecer ajuda, fazer um desabafo, defender-se, pro- testar, reivindicar, dar um parecer, sintetizar uma ideia, expor uma teoria; enfim, fazemos, o dia todo e todos os dias, intimeras agées de linguagem, cada uma, parte constitutiva de uma situagao social qualquer. Em resumo, proponho para o texto, es- pecificamente, as propriedades da coesao, da coeréncia, da informatividade e da intertex- tualidade’. As outras sao condigdes funda- mentais para que os textos se efetivem. Retomando o absolutamente basico para a compreensao dessas quatro propriedades, lembramos os seguintes pontos' » Sobre a coesio € 2 coeréncia, apresentei em Lutar com palavras: coesao e coeréncia (Sa0 Paulo: Pa- rabola Editorial, 2005), além de explicagdes bem acessiveis, um far- to conjunto de exemplos. Sobre as propriedades da intencionalidade e da aceitabilidade, sugiro a leitura do capitulo 4 de meu livro: Lingua, texto e ensino (Sao Paulo: Parabola Editorial, 2009). Sobre a proprie- dade da informatividade, pode-se ver 0 capitulo 7 desse mesmo livro. * Volto a justificar por que, neste ponto do livro, fago apenas uma suméria apresentagdo das proprie- dades do texto: nos capitulos desti- nados & andlise, pretendo desenvol- ver com mais detalhe esses e outros pontos. Aqui, trago apenas 0 que considero essencial para a compre- ensao das questoes. a coesao concerne aos modos e recursos — gramaticais e lexicais — de inter-relacao, de ligacdo, de encadeamento entre os varios segmentos (palavras, oracdes, periodos, pardgrafos, blocos superparagraficos) do texto. Embora seus recursos transparecam na superficie, a coesdo se fun- damenta nas relagdes de natureza semantica que ela cria €, a0 mesmo tempo, sinaliza. Ou seja, pela coesao se pro- move a continuidade do texto que, por sua vez, € uma das condig6es de sua unidade; a coeréncia concerne a um outro tipo de encadeamento, © encadeamento de sentido, a convergéncia conceitual, aquela que confere ao texto interpretabilidade — local e global — e lhe da a wnidade de sentido que esta sub- jacente 4 combinagao linear e superficial dos elementos presentes ou pressupostos. A coeréncia vai além do com- ponente propriamente linguistico da comunicacao verbal, IRANDE ANTUNES Analise de textos — {undamentos e praticas ou seja, inclui outros fatores além daqueles puramente linguisticos, fatores que esto implicados na situagao em que acontece a atuagao verbal; daf que a coeréncia decor- re nao sé dos tracos linguisticos do texto, mas também de outros elementos constituintes da situagao comunicativa; a informatividade concerne ao grau de novidade, de im- previsibilidade que, em um certo contexto comunicativo, © texto assume; concerne ainda ao efeito interpretativo que o carater inesperado de tais novidades produz. Essa novidade decorre, portanto, da quebra do que era previsi- vel, do que era esperado para aquela situacao de comuni- cago, seja em relagao a aspectos ligados a forma (decor- rentes de maneiras diferentes de se dizer 0 j4 dito), sejaem relacao a aspectos ligados ao contetido (decorrentes de ideias e conceitos novos). De qualquer forma, todo texto, em alguma medida, comporta algum grau de informati- vidade. O contexto de uso é que determina um teor mais alto ou mais baixo de informatividade. Logo, nem sempre © texto melhor e mais adequado é aquele com um grau de informatividade mais alto. Os avisos, como: “Transito in- terrompido”, “Devagar. Escola”, “Reduza a velocidade” outros semelhantes sao de baixa informatividade, mas, por isso mesmo, é que sao adequados ao seu contexto de funcionamento; a intertextualidade concerne ao recurso de inser¢ao, de en- trada, em um texto particular, de outro(s) texto(s) j4 em circulagao. Na verdade, todo texto é um intertexto — di- zem os especialistas — no sentido de que sempre se parte de modelos, de conceitos, de crengas, de informagées ja veiculados em outras interag6es anteriores. Ou seja, dada a propria natureza do processo comunicativo, todo texto contém outros textos prévios, ainda que nao se tenha intei- ra consciéncia disso. Mas ha uma intertextualidade expli- cita, que tem lugar quando citamos ou fazemos referéncia direta ao que esta dito em outro texto, por outra pessoa. TERBERGBONAE Nocies preliminares sobre o texto ¢ suas propriedades Nesse caso, a intertextualidade assume um aspecto dina- mico, na medida em que significa mais do que o simples trnsito do outro texto ou da outra voz. Quem recorre a palavra do outro, o faz ou para apoiar-se nessa palavra, ou para confirma-la ou para refuta-la. Ou seja, 0 recurso a palavra do outro responde sempre a alguma estratégia argumentativa’. De qualquer forma, propriedades e condi- Ges devem centralizar os estudos e as andlises que fazemos em torno do texto. E fundamen- tal ampliar nosso repertério acerca do que procurar ver nesses materiais. Quando falta uma visdo clara dos elementos que sao neces- sarios para se constituir um texto (e é muito provavel que tais elementos faltem para mui- tos professores!), vamos a ele, simplesmente, para reconhecer classes e categorias da grama- tica, sem que procuremos averiguar em que tais classes e categorias intervém para fazer, daquele conjunto de palavras, uma unidade * E de grande relevancia a consul- | "128 obra de Koch et al. intitulada | | Intertextualidade ~ didlogos pos- siveis. Sao Paulo: Cortez Editora, 2007. Além de consideragées ted- ricas, as autoras apresentam fartos exemplos de géneros textuais, onde sao explorados diferentes aspectos | da intertextualidade. é, exatamente, oferecer elementos para que os professores possam | ampliar essa compreensio do que é um texto e possam, assim, intervit no desenvolvimento da competén- cia dos alunos para a produgio, re- cepgao e andlise de textos de forma | relevante e significativa. “Minha pretensio com este livro | de sentido comunicativamente funcional’. Mesmo numa abordagem suméria como esta, da para per- ceber que um texto nao se constitui apenas de elementos gra- maticais e lexicais. O texto é um tragado que envolve material linguistico, faculdades e operagées cognitivas, além de diferentes fatores de ordem pragmatica ou contextual. Possivelmente, uma das maiores limitagdes que tem aconteci- do em nossas aulas de linguas tem sido a pressuposigao ingénua de que um texto resulta apenas de um conjunto de elementos linguisticos. Ou seja, nessa suposi¢ao reduzida, as palavras bas- tam; a gramatica basta. Por isso, ficamos tateando por sobre elas, como se todo o sentido expresso estivesse na cadeia dessas pala- vras € na sua gramatica de composi¢ao. O conjunto de propriedades que mencionamos possibilita-nos olhar para 0 texto — seja do aluno, seja de um outro autor — e perceber af, por exemplo: Analise de textos ~fundamentos ¢ priticas Aca! recursos de sua Coesdo, | + fatores (explicitos e implicitos) de sua coeréncia (linguistica e pragmatica), | + pistas de sua concentracao tematica, aspectos de sua relevancia sociocomunicativa, 1 tracos de intertextualidade, critérios de escolha das palavras; + sinais das inteng6es pretendidas, | marcas da posicao do autor em relacao ao que € dito, | | + estratégias de argumentacao ou de convencimento, + efeitos de sentido decorrentes de um jogo qualquer de palavras, + adequacdo do estilo e do nivel de linguagem, entre muitos outros elementos. 7 Frequentemente, falo em ‘textos relevantes ¢ adequados’, F que, a0 lado da coeréncia, dois outros critérios so fundamentais para emprestar qualidade aos textos, a saber: sua releviincia ~ 0 texto deve fugir a obviedades ¢ ao ja sabido~e sua adequacao contextual ~ 0 tex- to deve conformar-se as condigies da situago social de que faz par- te, Dessa forma, s40 bons textos aqueles que apresentam coeréncia, relevancia comunicativa e adequa- ¢a0 contextual. Nesse tripé, cabem todas as outras propriedades, in- clusivamente a coesao e a corregio ‘gramatical. O fato de apenas nos fixarmos em ques- tées de gramatica, sobretudo naquelas liga- das 4 norma-padrao, nos fez deixar de ver muitos outros componentes também fun- damentais para a comunicagao relevante’ e adequada socialmente. E hora, portanto, de abrir nossa capacidade de percepgdo e de procurar encontrar nos materiais que lemos e ouvimos tracos de sua coeréncia global e de sua funcionalidade comunicativa. 2.2.4. Merecem um comentario também dois aspectos do texto: (a) a modalidade — falada ou escrita; (b) ea extensdo em que ele se realiza. E comum, até mesmo entre alguns professores, a impressdo de que a fala nao é textual; ou seja, texto é apenas o escrito. Dai, uma outra suposigao: a de que a lingua falada nao é regulada pela gramitica. A fala seria qualquer coisa fora das normas morfos- sintaticas. Algo meio caético. As regras — e muitas! — seriam privativas da escrita; por isso, elas é que serviriam de parametro para a avaliagao da fala. Ha quem acredite que fala bem, em qualquer situagao, quem fala conforme a escrita correta. Outra compreensao infundada diz respeito a crenga de que o texto, para ser reconhecido como tal, tem que ser grande. Ora, CAPETULOLZE Noodes preliminares sobre o texto texto é qualquer passagem, de qualquer extensao, desde que constitua um todo unificado e cumpra uma determinada fungao comunicativa. Na verdade, essa compreensao nao é tao infundada assim, pois pode ter como supor- te a tradicional diferenciagao, feita em quase todas as gramaticas e manuais didaticos, en- tre oracao e frase. Segundo essa discrimina- ¢ao, por exemplo, o pedido de auxilio feito por alguém, mediante o grito Socorro!, mes- mo numa situagao comunicativa concreta, é classificado como frase. Assim, também, os avisos: Atengao, desvio a esquerda!; Curva * Halliday e Hasan (1989) chamama atengao para esse tipo de textos (“os textos. minimos”), absolutamente funcionais,¢ curtos, porque adequa- dos a seus contextos de circulagio. Pela funcionalidade que apresen- tam, tornaram-se comuns as transa- Ges sociais, sobretudo na complexi- dade dos contextos urbanos. Por sua dimensao assim reduzida, bem que poderiam prestar-se a atividades de linguagem nas primeiras séries do ensino fundamental. Assim, seriam deixados de lado os exercicios com perigosa; Propriedade privada e tantos ou- tros exemplares do que Halliday e Hasan Se bese aaalee! wunicativo, (1989) chamaram de “textos minimos”’. = Como se vé, as fungGes implicadas nesses enunciados nao contavam e, assim, aquilo que, de fato, constitufa um texto era visto como uma frase. O texto — inclusivamente aquele de geo- grafia, biologia, hist6ria, que os alunos liam — se localizava fora da sala e, portanto, nao era considerado objeto de estudo. A centralizagdo na frase levou a escola a outra reducao: a de conceber 0 texto como uma espécie de super-sentenga, algo como uma unidade gramatical mais ampla, uma espécie de perio- do grande, que se forma juntando-se unidades menores, em vistas 4 formagao de uma unidade maior. Compor um texto, conferir-lhe unidade, supde uma integra- cdo estrutural bem diferente daquela pensada para unir as varias partes de um periodo. Desde a configuracgdo convencionada para cada género, até os detalhes de como responder as determina- ¢Ges pragmaticas de cada situagado, a habilidade de promover a sequenciagao das partes de um texto ultrapassa as injung6es esta- belecidas pelas estruturas gramaticais. Depende do que se tem a dizer, a quem dizer, com que finalidade, com que precaugées, em fungao de quais resultados etc. Analise de textos - fundamentos e priticas AD AWTONEST Ninguém aprende, pois, a ler ou a escrever cartas, por exem- plo, com o exercicio de analisar e compor frases, nem mesmo aquelas mais complexas, assim como, para aprender a falar, no treinamos, como inicia¢4o, a jungao de palavras ou de frases. As leis do texto so outras e, embora sejam previsiveis, esto sujeitas as condigées concretas de cada situagio. Noutras palavras, o mais previsivel para o texto € que sua coeréncia e relevancia socioco- municativa sao dependéncias contextuais, e muito do que deve ser dito e feito vai sendo decidido na hora mesma de sua realizagao. Essas observagées nao significam que nao estejam definidos Os termos ou as condigées de uma competéncia textual. JA mos- tramos, nas referéncias as propriedades e condigées da textuali- dade, o que € requisitado para que se constitua o objeto texto. Queremos chamar a atencio, no entanto, é para a natureza dessa competéncia, que é bem diferente daquelas estabelecidas para o nivel da oragao ou do periodo. Em termos bem simples, quere- mos ressaltar que, para compor um texto, as regras da boa for- magao de oragées e periodos sao insuficientes, embora um texto — que nao aqueles textos minimos compostos de uma ou duas palavras — seja formado com oragGes e perfodos. Assim, 0 texto, suas leis, suas regularidades de funcionamento, seus critérios de sequenciagao e boa composi¢ao precisam ser 0 centro dos pro- &ramas de ensino de linguas, se pretendemos, de fato, promover @ competéncia das pessoas para a multiplicidade de eventos da interagdo social. Insisto em lembrar que, tradicionalmente, temos olhado o texto como uma criacdo puramente linguistica, formada com palavras, apenas — de diferentes classes gramaticais —, reuni- das, conforme certas regras sintaticas, em oragGes e periodos. Tem toda relevancia, portanto, ressaltar que a construgdo e a compreensao dos sentidos expressos resultam de vdrios siste- mas de conhecimento e de varias estratégias de processamento. O conhecimento do sistema linguistico, se é necessdrio, nao 6, contudo, suficiente para dar conta de todas as operacoes que precisam ser feitas. Pretendemos com essa observagao advertir (GRRREGNGIE Nocdes preliminares sobre o texto e suas propriedades os professores contra uma visdo demasiado linguistica da co- municacao verbal. O éxito de uma transacao verbal resulta de uma série de fatores, que se inter-relacionam e se integram em sistemas amplos e complexos. Ou seja — como temos mostrado em outras oportunidades — para o processamento textual, em hora de fala ou de escrita, de escuta ou de leitura, ativamos quatro grandes conjuntos de conhecimento, a saber: (a) 0 conhecimento linguistico (compreendendo aqui 0 lexical e o gramatica); (b) 0 conhecimento de mundo, 0 conhecimento geral, ou 0 que se conhece com 0 nome de ‘conhecimento enciclopédico’ (que inclui as protdtipos, as esquemas, | 0s cendrios, ou os modelos de eventos e episddios em vigor nos grupos a que | pertencemos); | (c) o conhecimento relerente a modelos globais de texto (que inclui as regularidades | de construcao dos tipos e géneros); | (d) oconhecimento sociointeracional, ou o conhecimento sobre as acées verbais (que | inclui o saber acerca da realizacao social das agdes verbais ou de como as pessoas | | deren se comportar para interagir em diferentes situacées sociais). I Numa visio bem ampla, esses sistemas de conhecimento en- volvem o conhecimento das operag6es cognitivas, das estratégias e dos procedimentos que fazem a rotina das pessoas em seus eventos de interacao verbal. Desse pequeno esquema, pode-se concluir que um programa de ensino de linguas restrito as classes de palavras e as suas fun- Ges sintaticas €, incontestavelmente, pobre e irrelevante. Talvez por isso os resultados de nossas aulas de linguas nao tenham convencido a sociedade de que o professor de linguas — sobretudo o professor de lingua materna — é uma figura muito significativa para a elevagao dos padrées de desenvolvimento da sociedade. As imensas desigualdades sociais que marcam a reali- dade brasileira tem um grande reforgo na escola que nao alfabe- tiza, na escola que nao forma leitores criticos, na escola que nao desenvolve o poder de argumentar — oralmente e por escrito — de criar, de colher, de analisar e relacionar dados, de expressar, em prosa e em verso, os sentidos culturais em circulacao.

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