A solenidade da Epifania do Senhor é uma festa que nasceu no Oriente. “Trata-
se da originária festa oriental do nascimento de Jesus. Quando chega em Roma, São Leão a chama ‘Epifania’.” No século II, no dia 06 de janeiro, algumas seitas cristãs gnósticas, no Egito, celebravam a festa do Batismo do Senhor (para essas seitas, essa seria a verdadeira manifestação de Jesus como o Senhor). Todavia, antes dos cristãos, eram os pagãos a celebrarem no dia 06 de janeiro, também no Oriente e, em especial, no Egito e na Arábia, uma festa do solstício do inverno, aproximadamente duas semanas depois do dia 25 de dezembro. Em outras palavras, os pagãos dessas terras celebravam, entre os dias 05 e 06 de janeiro, o dia do nascimento do deus Eon, deus do tempo e da eternidade. Os cristãos, por sua vez, celebravam “[...] treze dias depois de 25 de dezembro, quando o aumento da luz já é mais visível, a 06 de janeiro; celebravam o Natal para mostrar que Jesus, ao nascer nesse dia, demonstrava ser a luz verdadeira”. No século III, em algumas localidades do Oriente, a Epifania era celebrada como a festa da vinda do Senhor, a festa do seu nascimento. Ou seja, no início, a Epifania era também celebrada como a festa do Nascimento do Salvador. Foi, todavia, somente a partir de meados do século IVque a festa da Epifania passou a ser celebrada em toda a Igreja do Oriente e estendeu-se também à Igreja do Ocidente. No Ocidente, oito homilias do Papa São Leão Magno são o primeiro testemunho de que em seu papado a festa já se fazia presente no calendário litúrgico, celebrada a 06 de janeiro. “Porém, enquanto no Oriente a Epifania oscila entre a comemoração do Batismo do Senhor – Egito, Antioquia e Constantinopla, num segundo tempo – e a festa do Nascimento – Capadócia, Antioquia e Constantinopla no começo, Chipre, Jerusalém –, no Ocidente se centra na adoração dos Magos”, mas não apenas nisso, pois muito cedo as liturgias ocidentais, com a Epifania, passaram a celebrar a manifestação do Senhor na adoração dos Magos, no Batismo de Jesus e nas bodas de Caná, sem contar que, em algumas Igrejas particulares, também a Subsídio litúrgico
transfiguração e a multiplicação dos pães faziam parte dos eventos manifestadores da
senhoria de Cristo, como se pode constatar no excerto a seguir:
No Oriente, encontramos o emprego plural do título da festa (tà
epipháneia). Efetivamente a antiga liturgia oriental, na qual teve origem a Epifania, via condensadas nesta festividade várias manifestações da vida de Jesus: o seu nascimento, a adoração dos Magos, o Batismo de Jesus, o milagre das núpcias de Caná com o qual Jesus “manifestou a sua glória” (Jo 2,11). Assim também a antiga liturgia galicana, que acrescenta o milagre da multiplicação dos pães. Cada uma dessas manifestações, tornando-se independente das outras, assumirá a seguir uma individualidade própria e encontrará uma colocação própria no calendário litúrgico.
Entretanto, apesar de o verdadeiro tema da solenidade ser o do mistério da
manifestação do Filho de Deus, principalmente no meio popular, ganhou centralidade o tema da adoração dos magos, a ponto de, a partir do século XII, a Epifania passar a se chamar festa dos Três Reis Magos ou, simplesmente, Dia de Reis.
Esta acentuação fez obscurecer a ideia de que não se trata de
uma festa de santos, mas de uma festa do Senhor. Como bem sabemos, o relato evangélico não fala nem de reis nem do número de três. O primeiro a falar de três magos é Orígenes (185-254), número este certamente sugerido pelos três tipos de presentes oferecidos, ao passo que o título de reis só se encontra em Cesário de Arles, no século VI. Os nomes de Gaspar, Melchior e Baltasar são conhecidos desde o século IX.
É também um costume que remonta a esse período o anúncio solene (recitação
das calendas), na solenidade da Epifania, das festas móveis de todo o calendário litúrgico. Em princípio, a partir do final do século VI, esse anúncio, no dia da Epifania, era feito para que todos soubessem quando, naquele respectivo ano, a festa da Páscoa seria celebrada e, em consequência, quando o Tempo Quaresmal teria início (num tempo em que as pessoas não tinham calendário, isso era muito importante!): “Foi decidido, com a ajuda de Deus, que a santa Páscoa seja celebrada por todos os bispos na mesma data, segundo a tabela de Vítor de Aquitânia. Esta festa deve ser anunciada ao povo, na igreja, no dia da Epifania”; “Todos os presbíteros, Subsídio litúrgico
antes da Epifania, enviem os seus emissários que os informarão sobre o início da
Quaresma; e o povo seja avisado disso no dia da Epifania”.
a) A teologia da solenidade da Epifania
– O Senhor se manifesta a todos os povos
Reza-se no Prefácio da Epifania do Senhor: “Revelastes, hoje, o mistério de vosso Filho como luz para iluminar todos os povos no caminho da salvação”. Jesus, o Verbo encarnado, é destinado a toda a humanidade, e toda ela é capaz de reconhecê- lo como Salvador! Enquanto na solenidade do Natal faz-se memória da encarnação do Verbo, na solenidade da Epifania faz-se memória da sua manifestação a todos os povos, sendo a manifestação aos magos “[...] o primeiro ato de uma sequência de epifanias- manifestações que são o tecido de toda a existência terrena de Cristo. A Páscoa é a realização da Epifania total de Deus finalmente posta em ato”. – Todos os povos podem encontrar-se entre si e com o Senhor Através da manifestação do Senhor a todos os povos, evidencia-se que também todos os povos podem encontrar-se com o Senhor. Mas não somente isso, pois o Senhor, manifestando-se a todos, possibilita a todos os povos, confirmados pelo Senhor como seus filhos, a se reconhecerem irmãos.
b) A espiritualidade da solenidade da Epifania
Da presença à manifestação do Senhor: eis o movimento pelo qual a liturgia do
ciclo do Natal conduz o fiel celebrante. As promessas messiânicas cumprem-se na pessoa de Jesus Cristo, o Verbo Encarnado, enviado pelo Pai na potência do Espírito Santo, para conduzir todos os povos à salvação. Nesse sentido, a salvação é dom divino a todas as pessoas mediante Jesus Cristo. Sentir-se incluído entre os eleitos do Senhor, não por mérito, mas sempre por graça, exige do fiel um estilo de vida condizente com o dom doado. Antes de qualquer coisa, ele, ao fazer a experiência da manifestação do Senhor a todos os povos, deve sentir- Subsídio litúrgico
se chamado a ir ao seu encontro, a exemplo dos magos. E, nesse caminhar em direção
ao Senhor, deve perceber-se sendo acompanhado por muitos outros, seus irmãos de caminhada, a quem o Senhor também se manifesta. Isso porque a manifestação de Deus em Cristo a todos os povos é para fazê-los tomar consciência de que todos são seus filhos e, em consequência, irmãos entre si. Notas 1. Na Solenidade da Epifania, tanto a leitura do Antigo Testamento como o Evangelho conservam a tradição romana; a segunda leitura é um texto relativo à vocação dos pagãos à salvação. 2. Na solenidade da Epifania do Senhor, depois da proclamação do Evangelho, o diácono ou o presbítero ou ainda um ministro idôneo pode dar o anúncio dos dias da Páscoa, cujas primeiras palavras são: “Irmãos caríssimos, a glória do Senhor se manifestou, e sempre há de manifestar-se no meio de nós até a sua vinda no fim dos tempos”.
Deretti, Edson Adolfo. O ano litúrgico e as suas principais celebrações (Celebração