Aprovação Eclesiástica
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo:
INTRODUÇÃO
1. O que é a Bíblia?
2. Como seria a representação de Gênesis, capítulo 25, para se ler do
versículo 1 até o 15, saltar para o 29 e ler até o 34, letra c?
3. A Bíblia é importante? Por quê?
4. É certo dizer que Jesus é Palavra? Por quê?
5. Existe alguma revelação nova nos dias atuais? Explique.
6. A Inspiração é faculdade ou dom de todas as pessoas? Explique.
7. Cada um pode interpretar autenticamente a Sagrada Escritura?
Explique.
8. O que se entende por Tradição, Magistério e Assistência do Espírito
Santo na Igreja? Descreva-as e destaque as suas diferenças. Existe
alguma relação entre a Escritura, a Tradição e o Magistério da Igreja?
Qual? Explique.
CAPÍTULO 1
1. Como o narrador bíblico concebeu a criação e o mundo criado? Faça
uma descrição breve com su-as palavras.
2. Tudo o que existe foi criado? Por quem? Para o quê?
3. Para quem tudo foi criado?
4. Que é o Homem? Para que foi ele criado? O que é Bênção?
5. O que é o Jardim do Éden? Por que o Homem foi nele colocado?
6. É um lugar ou um estado?
7. Há alguma relação entre Deus e o Homem? Qual ou quais?
8. Por que existe a Morte e o Mal? Há alguma relação entre eles? Foram
criados ou foram ocasionados por alguma coisa? Explique. O Mal é um
ser criado ou uma conseqüência?
9. O Plano de Deus sofreu alguma modificação por causa da Morte?
10. .Para o Homem houve alguma modificação por causa da Morte?
11. .Quais as conseqüências da Morte?
12. .Qual o significado do Sétimo Dia e de sua Bênção?
13. .Qual o sentido de Gn 3,15 e como é conhecido?
14. .Qual a intenção do narrador com a narrativa de Caim e Abel? E com a
do Dilúvio? E com a da Torre de Babel?
CAPÍTULO 2
1. Qual a diferença entre o conceito de POVO no mundo atual e no
mundo antigo? Em outras pala-vras, que é POVO hoje e o que era
POVO no passado bíblico?
2. Que é ALIANÇA? Por que tem este nome?
3. Em que se resumiu a PROMESSA?
4. Por quê Abraão é conhecido como o PAI DOS CRENTES?
5. Qual o significado da frase "Abrão creu em Deus e isso lhe foi creditado
na conta de justiça"?
6. Com se deve julgar o ato de Abrão entregando Sara duas vezes nas
mãos de pagãos, comprome-tendo sua integridade, dizendo-a sua irmã
e para se proteger?
7. Qual o pecado de Sodoma e Gomorra? O que o narrador quis realçar
com o episódio de Sodoma e Gomorra?
8. Por quê eram estéreis as mulheres ligadas à História da Salvação no
tempo dos Patriarcas? Por quê eram elas que davam nome aos filhos?
9. Qual o sinal da ALIANÇA? Em quem ele deve ser aplicado e qual o
compromisso que se assume com ele?
10. Qual a maior prova a que foi submetida a fé de Abraão?
11. O que significou Abraão para a Aliança? E Isaac?
12. Havia algum culto que os Patriarcas praticavam? Se havia, qual era o
seu centro, ou o ato mais importante? Se não, explique.
13. A PRIMOGENITURA antigamente era ambicionada? Por quê?
14. O que significa a mudança do nome de uma pessoa, quando feito por
Deus?
15. Qual a importância de Jacó em termos de Aliança? E Israel? Qual a
diferença entre Jacó e Israel?
16. Qual a origem das Tribos de Israel? Quantas eram? Qual a sua
importância?
17. Existe algum indício da Santíssima Trindade em algum trecho? E do
Purgatório?
18. A fé de Abraão foi vivida por Isaac e Jacó com semelhante firmeza? Os
Patriarcas sofreram como todo homem?
19. Qual o sofrimento por quê passou Isaac juntamente com Abraão?
20. Por quê Deus mudou o nome de Abrão para Abraão?
21. Quem foi José do Egito? Que fez ele de importante para a Aliança?
22. A quem Jacó deu o direito de primogenitura, e por quê?
23. O que é uma glosa? Uma narrativa bíblica vem muitas vezes infiltrada
de elementos de outra épo-ca? Por quê? Esse fato altera a verdade
religiosa? Explique o melhor que puder.
24. Jesus estabeleceu alguma relação entre a Samaritana e o Poço de
Jacó? Explique com detalhes.
CAPÍTULO 3
1. Por que o livro Êxodo se denomina assim? Os livros da Bíblia sempre tiveram
nomes? Que nome receberam dos israelitas? Que formato tinham e como se
denominavam? Eram livros como os atuais? O resumo que consta do primeiro
parágrafo do capítulo 3.º é muito importante. Estude-o bem e memorize este
mínimo que lá está e tente fazer uma descrição enriquecendo-a com palavras e
pesquisa pessoal sua.
2. Que fatores José teve que considerar ao situar seus familiares no Egito e quais
providências tomou para isso? Teve de convencer o Faraó com que argumento?
Foi normal a condição em que os Israelitas se encontraram ao se erradicar de
sua terra para o Egito? Havia antagonismos entre as duas culturas? Mencione
os mais importantes.
3. Que regime econômico José impôs ao povo egípcio? Esse regime atingiu os
Filhos de Israel? Durante a vida de José ou após a sua morte? Os israelitas se
destacavam por alguma qualidade? Deixaram-se abater pelo regime
encontrado, por quê? Qual a principal opressão que sofriam?
4. Por que o Faraó reconheceu que os Filhos de Israel se tornaram em Povo dos
Filhos de Israel? O que o distinguiu do Povo Egípcio? Por que Deus os tornou
em Povo?
5. De que teve medo o Faraó? Que providências tomou para resolver a situação e
superar o medo? Conseguiu algum resultado? Por quê? E os israelitas foram
vencidos ou dominados por elas?
6. Procure fazer um resumo da vida de Moisés mencionando apenas as partes
mais importantes e sua luta para se impor aos seus irmãos de raça, procurando
se identificar com a cultura do tempo.
7. O que lhe aconteceu de grave a ponto de se encontrar pastoreando no Monte
Sinai rebanho de seu sogro? E ali no mesmo lugar o que lhe aconteceu de
notável para a História da Salvação? Qual o sentido certo da denominação de
"profeta"?
8. Por que motivo Deus libertou o Povo dos Filhos de Israel do Egito? Você é
capaz de deduzir por que escolheu Moisés, mesmo sendo de uma tribo não
premiada com a "primogenitura" (o motivo aqui não é aquele do direito de
Deus de escolher a quem quiser, é de ordem mais humana e prática)?
9. Os Israelitas tinham alguma organização mesmo dentro do Egito? Moisés e
Aarão foram procurá-los a mando de Deus? Que recursos usaram para
convencê-los? Por que queriam sair para o deserto?
10. E o Faraó, como foi convencido, ou não foi, ou foi difícil? O que acontecia
com o coração dele? E os magos da corte, como reagiram? Conseguiram os
Israelitas sair do Egito? Os recursos usados para se tentar conseguir eram
naturais ou fenômenos inexplicáveis ainda hoje, a não ser por uma interferência
direta de Deus? O que aconteceu de sério a ponto de influir no resultado final,
pondo um ponto final na resistência do Faraó e dos egípcios? Qual o último
recurso ou prodígio realizado?
11. Por que se diz "e despojareis os egípcios"? Para que e por que Deus escolhe os
Primogênitos do Egito? Para que e por que Deus escolhe os Primogênitos de
Israel?
12. Que é a Páscoa e por que foi instituída? É um sacrifício? De quê? Será um
ótimo exercício descrevê-la com as suas próprias palavras, sem alterar a
essência que lhe é própria e por causa de sua relação com a Obra da Redenção
operada por Cristo. Faça-o, aceite a sugestão. Você entendeu o motivo pelo
qual era comida "cingidos os rins, sandálias nos pés e bordão na mão"?
Entendeu também a finalidade do "sangue nos umbrais das portas e porque ele
não pode ser comido nunca"?
13. Há alguma identidade ou relação dela com a Páscoa Cristã ou com a
Eucaristia?
14. Por que Deus chama o Povo dos Filhos de Israel de "meu filho primogênito"?
Qual o alcance desse qualificativo e qual o significado dele para a História da
Salvação?
15. Qual a finalidade última dos "prodígios" realizados no Egito, além de libertar
os Israelitas? Ela se destinava ao Faraó e aos Magos apenas? Para quê? E para
os Israelitas que significaram? Conseguiu?
16. Por que os Israelitas não seguiram a rota normal da terra dos filisteus?
17. Moisés levou consigo "os ossos de José" por motivo sentimental, político ou
religioso? Teve relação com a Aliança dos Patriarcas?
18. Por que motivo se diz que "o coração do Faraó endureceu"? Por que se
arrependeu por deixar os Israelitas saírem para "servir a Iahweh"? Que
conseqüências trazia para o Egito essa saída?
19. O que levou o povo Egípcio a fazer doações para o povo Israelita quando
saíram? Por que se diz "e despojareis os Egípcios"?
20. O Faraó pensou que o Povo estava desorientado e encurralado no deserto. O
que fez o Povo de Israel quando se viu nessa situação? E Moisés? O que
aconteceu então de extraordinário causando a escapulida de Israel e a
destruição do exército do Faraó?
21. Percebe-se pela narrativa que os Israelitas não estavam preparados para a fuga
e para a vida nômade no deserto; faltando-lhes água foi qual a reação deles?
Foi natural que ocorresse ou Deus usou do fato para os amadurecer no cadinho
do sofrimento tal como com os Patriarcas?
22. Moisés conhecia bem o deserto; seria por isso que fora escolhido para liderar o
povo em seu êxodo? Como ficou conhecendo-o?
23. Os relatos da Bíblia têm sentido político, histórico ou religioso?
24. Mencione alguns "sinais" da presença de Deus conduzindo e mantendo o Povo
de Israel. Por que Deus os dirigia e aonde iam?
25. Que semelhança têm alguns dos "sinais" com instituições cristãs a ponto de
serem denominados "figura" por São Paulo?
26. Que ato de culto praticado pelos Israelitas fora também praticado pelos
Patriarcas e seria o centro do culto da Aliança? Qual o seu significado para
eles?
27. A "chegada" como tal ao Monte Sinai tinha algum sentido especial? Qual o ato
mais extraordinário que aconteceu então? "O Decálogo" foi pronunciado por
quem? Alguém ouviu as palavras? Quem? O Povo teve medo ou temor
reverencial? Por que não fugiu com a exuberância da teofania?
28. Como foram preparados para a cerimônia?
29. Os "mandamentos" foram transmitidos como ordem ou como pedido de
Aliança? Qual a finalidade deles? Ainda hoje são os mesmos cristãos? Pode-se
dizer que ali se plantava a cristandade? Dê uma olhada no Catecismo da Igreja
Católica e veja como ainda se identificam como normas ideais de
comportamento e santificação.
30. Qual a diferença entre "adorar" e "venerar"?
31. Que significa em hebraico "shabbat" que deu origem à palavra "sábado". Como
é o mandamento? Qual a diferença entre o "sábado" e o "domingo"? Quem
trabalha "seis dias e descansa no sétimo o cumpre?
32. Apesar da exteriorização dos atos humanos previstos nos mandamentos vê-se
facilmente que há necessidade de interiorização? Existem alguns em que a vida
interior vem expressa com clareza? Quais?
33. Deu-se o nome aos mandamentos de Lei da Aliança, por quê? Após a sua
promulgação e a apresentação das leis civis e penais, houve um ato solene de
importância fundamental para a História da Salvação, para a Obra da Redenção
e até mesmo para a atualidade; que ato foi esse?
34. Qual a Missão de Israel?
CAPÍTULO 4
1. Qual a utilidade do estudo dos Sacrifícios Israelitas?
2. Quais são os diferentes tipos de Sacrifícios e em que se distinguem?
Qual o mais importante? Por quê?
3. Qual a finalidade de cada um deles?
4. Recorde o n.° 5 e o n.° 8 do Capítulo 3 para compreender melhor ainda
a Eucaristia e, caso queira, faça um resumo para seu aperfeiçoamento
pessoal.
5. Qual a função do "sangue" nos Sacrifícios? Quando podia ser ingerido
ou comido?
6. No Holocausto qual a diferença ritual entre a oferenda de gado maior e
gado menor? E de aves?
7. Em que se distinguem as vítimas dos demais Sacrifícios?
8. Existe alguma relação entre os Sacrifícios Israelitas e o Sacrifício de
Cristo? Quais as diferenças e quais as semelhanças, se existem? O
Sacrifício Israelita teria alguma valor não fora o de Cristo?
9. Em todos os Sacrifícios os Sacerdotes e o Ofertante se alimentam?
Que partes são destinadas a um e a outro? E a Deus? O que é o "Pão
de Deus"?
10. Que se entende por Direitos e Deveres nos Sacrifícios? Procure
memorizá-los.
11. Descreva o Fogo Sagrado, fale sobre ele.
12. Por que as Mulheres dos Sacerdotes e suas descendentes não podiam
"comer" algumas oferendas?
13. Com qual Sacrifício se identificam a Multiplicação de Pães e a Santa
Ceia? Por que?
14. O que já se anunciava com a determinação de "ninguém comparecer à
minha presença de mãos vazias" e o "tributo a Iahweh entregue aos
Sacerdotes"?
15. Existe Sacrifício sem Sacerdócio?
16. Que tipos de Sacrifícios são oferecidos por ocasião da Investidura dos
Sacerdotes? Quem os ofereceu, ou quem foi o celebrante? E nas
Primícias dos Sacerdotes?
17. Faça uma descrição resumida da Investidura dos Sacerdotes.
18. Que relação há entre os Anciãos de Israel, o Sinédrio e os Presbíteros
ou Padres da Igreja?
19. Que significa o oferecimentos das Primícias pelos novos Sacerdotes
Israelitas? Com que termina?
20. É de muita importância que se entenda bem o que se diz no início do
n.° 12 quanto aos títulos e subtítulos da Bíblia e quanto à divisão em
capítulos e versículos? Por quê?
21. Que era Santidade para o Israelita? Tinha o mesmo significado atual?
22. Qual era a Missão de Israel com referência aos povos pagãos?
23. Que é o estado de Pureza Legal, como se perde e como se recupera?
24. Como o Israelita desse tempo entendia que se formava o feto humano
no seio materno?
25. Qual o significado da "impureza" da mulher após o parto ou durante a
menstruação?
26. Por que se separava o leproso do convívio? Qual seria a causa da
lepra? Quantos tipos havia ou não se tratava da lepra propriamente
dita?
27. Qual a finalidade do Dia da Expiação? Por que era importante esse
dia? Descreva-o e memorize o possível, será muito útil para entender a
Expiação de Jesus.
28. Além da "Pureza Legal ou Ritual" que era necessário ao Israelita para
satisfazer a exigência de Santidade da Aliança?
29. Que era necessário para se caracterizar toda a Santidade e não
apenas a física e exterior?
30. Qual o significado de Santo?
31. Que significa a expressão "andou com Deus" ou "andou na presença
de Deus?
32. Por que era necessário que se imolasse a vítima em frente da Tenda
da Reunião?
33. Como se caracterizava o Amor ao Próximo entre os Israelitas? Quem
era o "próximo" para ele e em que se distingue do conceito dado por
Jesus Cristo?
34. Em que se caracterizava o valor do Sacrifício para o Israelita?
35. Qual a diferença entre a Unção de um Sumo Sacerdote e a Unção dos
filhos de Aarão?
36. Quais as diferenças de procedimentos rituais e na vida social entre o
Sumo Sacerdote e o Sacerdote comum?
37. Como se pode dizer que "Iahweh será santificado" se Ele é a única
fonte de toda a santidade?
38. Quais são as Festas Religiosas dos Israelitas e qual o significado geral
de todas e o específico de cada uma?
39. Quais são as celebrações religiosas israelitas que até hoje se celebram
no cristianismo?
40. Qual o significado da Oferta do Movimento?
41. Donde veio a aplicação da palavra "espórtula" na Igreja e como era
praticado o seu ritual?
42. Qual o significado dos Pães da Proposição e quais os seus vários
nomes e como era o seu ritual?
43. Qual a diferença entre o Ano Sabático e o Ano Jubilar? Mencione as
características de cada um.
44. Existe alguma relação entre o Ano Jubilar e o Dia da Expiação?
45. As "Bênçãos e Maldições" que se menciona são um castigo de Deus
ou as conseqüências do rompimento obstinado e definitivo da Aliança
com Iahweh? Em caso de arrependimento havia algum reatamento da
Aliança por parte de Iahweh? Em que condições e o que se exigia?
46. Quais as principais conseqüências que poderiam ocorrer no caso de
desligamento da Aliança?
47. As consagrações com que se finaliza o Livro de Levítico a que se
destinavam? Quais são e quais as suas principais diferenças e
finalidades?
48. Fale sobre os Interditos ou Anátemas e que relação havia entre eles e
a chamada "Missão de Israel"?
49. Que significa o resgate e em que casos se pode aplicar?
50. A que uso se destinavam as oferendas consagradas a Iahweh?
Curso de Bíblia
Por José Haical Haddad
Introdução
1. O QUE É A BÍBLIA?
Gn para Gênesis; Ex para Êxodo; Cro (ou Cr) para Crônicas [para não se confundir com
abreviatura de Coríntios - (Cor ou Co)] etc..
Quando se pretende representar todos os versículos a que se refere, usa-se separá-los por
um hífen (com o significado de = até):
Colocando-se um ponto após o ultimo versículo e colocando-se outro número significa que
se deve saltar do versículo para o outro:
Gn 1,15-20.25-26 - significa que após o versículo 20 deve-se saltar para o 25 e ler até o
26.
Ainda pode acontecer que a citação tenha após o versículo um número seguido de vírgula;
nesse caso se trata de referência a capítulo:
Só há uma razão pela qual se pode dizer que a Bíblia é importante, tal
como São Paulo diz:
"E não somos como Moisés, que punha um véu sobre o rosto, para
que os filhos de Israel não vissem o final da glória que se desvanecia;
e assim o entendimento deles ficou obscurecido. Pois até o dia de
hoje, à leitura do velho testamento, permanece o mesmo véu, não
lhes sendo revelado que em Cristo é ele abolido; sim, até o dia de
hoje, quando Moisés é lido, um véu está posto sobre o coração
deles. Contudo, convertendo-se ao Senhor, é-lhe tirado o véu" (2 Co
3,13-16).
Jesus Cristo
Sem Jesus Cristo, a Bíblia não passa de um dos livros ultrapassados que
por ai existem nos museus ou em uso nos mitos e superstições ou
fossilizados.
Diz-se que Jesus é a PALAVRA porque manifesta ou revela o Pai, tal como
Ele mesmo o diz:
2.2 Inspiração
"Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir,
mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a
terra passem, de modo nenhum passará da lei um só "i" ou um só
"til", até que tudo seja cumprido" (Mt 5,17-18).
"A Tradição de que falamos aqui é a que vem dos Apóstolos. Ela
transmite o que estes receberam do ensino e do exemplo de Jesus e
aprenderam pelo Espírito Santo. De fato, a primeira geração de
cristãos ainda não tinha um Novo Testamento escrito, e o próprio
Novo Testamento testemunha o processo da Tradição Viva"
(Catecismo da Igreja Católica, 83).
Além de tudo isto, é de se considerar que a Bíblia forma uma unidade total
de doutrina, coerente e religiosamente muito lógica. E não se há de
esquecer a necessidade de sempre se recorrer ao ensino da Igreja, que
com seu "depósito" ilumina a interpretação doutrinária dos textos difíceis.
Não é possível se dar ao luxo de interpretações particulares, por mais
sábias que nos possam parecer (2Pe 1,20-21). Assim, é de se ler a Bíblia
tal como foi ela escrita e não como se gostaria que tivesse sido composta.
Qualquer originalidade pode lhe redundar em falsificação grosseira, mesmo
uma simples entonação de voz que se busca interpretar. As Escrituras
foram escritas ao bafejo do Espírito Santo e não Lhe pode ser atribuída
qualquer contradição entre os vários livros que a compõem. Só o Espírito
Santo é o interprete do que inspirou pelo que Jesus fez da Sua Igreja o
único "depósito" (da Fé) (v. Catecismo da Igreja Católica, 109/119):
"E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito, que fique
convosco para sempre, a saber, o Espírito da Verdade, o qual o
mundo não pode receber; porque não o vê nem o conhece; mas vós
conheceis, porque ele habita convosco, e estará em vós. (...) Naquele
dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós.
(...) Mas o Paráclito, o Espírito Santo a quem o Pai enviará em nome,
esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto
eu vos tenho dito" (Jo 14,16-20.26)
"Ainda tenho muito que vos dizer; mas vós não o podeis suportar
agora. Quando vier, porém, aquele, o Espírito da Verdade, ele vos
guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá o
que tiver ouvido, e vos anunciará as coisas vindouras. ..." (Jo 16,12-
15).
Pelos trechos aqui transcritos vê-se que o próprio Jesus diz que seria o
Espírito Santo quem "vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de
tudo quanto eu vos tenho dito", "vos guiará a toda a verdade" e "vos
anunciará as coisas vindouras". Assim sendo, é aquilo e somente o que foi
ensinado pelos Apóstolos que permaneceu na Igreja como o depósito que
São Paulo fala:
"Ó Timóteo, guarda o depósito que te foi confiado, evitando as
conversas vãs e profanas e as oposições da falsamente chamada
ciência; a qual professando-a alguns, se desviaram da fé. A graça
seja convosco" (.I Tm 6,20-21)
"Por esta razão sofro também estas coisas, mas não me envergonho;
porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele é
poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia. Conserva o
modelo das sãs palavras que de mim tens ouvido na fé e no amor
que há em Cristo Jesus; guarda o bom depósito com o auxílio do
Espírito Santo, que habita em nós" (2 Tm 1,12-14).
Além disso, essa Sua presença entre os Apóstolos, fica mais clara e eficaz
ainda quando diz que "estarei convosco, todos os dias, até a consumação
dos séculos". É que bastaria ter dito "estarei convosco", mas acentua
acrescentando "todos os dias" e, ainda ratifica "até a consumação dos
séculos". Confirmando tudo isso, vai Marcos nos informar que "quem crer
(na pregação da Igreja) e for batizado será salvo, mas quem não crer será
condenado". Ora, quando Cristo afirma ser condenado quem não crê na
pregação é afirmar a infalibilidade da pregação e a eficácia da Assistência
do Espírito Santo, e quando o diz aos Apóstolos somente, di-lo à Igreja,
depositária do que ensinaram:
"Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu
senhor; mas chamei-vos amigos, porque tudo quanto ouvi de meu
Pai vos dei a conhecer" (Jo 15,15).
AUTO-AVALIAÇÃO
1. O que é a Bíblia?
2. Como seria a representação de Gênesis, capítulo 25, para se ler do versículo 1 até o
15, saltar para o 29 e ler até o 34, letra c?
3. A Bíblia é importante? Por quê?
4. É certo dizer que Jesus é Palavra? Por quê?
5. Existe alguma revelação nova nos dias atuais? Explique.
6. A Inspiração é faculdade ou dom de todas as pessoas? Explique.
7. Cada um pode interpretar autenticamente a Sagrada Escritura? Explique.
O que se entende por Tradição, Magistério e Assistência do Espírito Santo na Igreja?
Descreva-as e destaque as suas diferenças. Existe alguma relação entre a Escritura,
a Tradição e o Magistério da Igreja? Qual? Explique.
Bibliografia
Constituição Dogmática do Concílio do Vaticano II, "Dei Verbum".
Catecismo da Igreja Católica
Curso de Bíblia
Por José Haical Haddad
Capítulo 1
GÊNESIS
A Criação
1. A ORIGEM
O homem é sempre atormentado pela consciência que tem da inexorável
morte; morte, que é o término da existência, a revelar-lhe a vida; vida a
pulular em vários matizes e formas a revelar-lhe um ordenamento;
ordenamento inteligente a revelar-lhe a Criação; Criação a revelar-lhe o
Criador - DEUS:
"Sua realidade invisível - seu eterno poder e sua divindade - tornou-se inteligível,
desde a criação do mundo, através das criaturas..." (Rm 1,20).
2. A CRIAÇÃO
Para ele nada do que existe, existe sem Deus; no princípio, tudo foi criado
por Deus e caminha inexoravelmente conforme os desígnios de Deus, sem
mistérios e sem complexidades, com a simplicidade inspirada por uma fé
profunda. Diz apenas e vigorosamente que tudo começou a partir do
impulso propulsor e ordenador da Palavra de Deus, mostrando-O assim
onipotente, destacado da Criação, não se confundindo com Ela:
"Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz" (Gn 1,3).
Deus começou a criar afastando as trevas e criando a luz, para poder ver a
obra em andamento e aparecer como estava ela sendo feita, em virtude da
sua concepção rudimentar e ainda antropomórfica. Quando amanhece,
parece-nos à primeira vista que a "luz do sol" precede a "luz do dia", como
se distinguissem. Sabemos que não, a "luz do dia" é a "luz do sol", mas ao
narrador, que não o sabia, havia a distinção tal como se percebe a olhos
nus, sem instrumentos, e sem o menor conhecimento científico. Não sabia
ele, nem poderia saber, que a luz do sol leva aproximadamente oito
minutos para atingir a terra, em virtude do que a ele pareciam coexistir
ambas, distintas e separadas. Por isso, na sua concepção, Deus a cria
antes de criar o sol, qual seja, melhor dizendo, independentemente da
criação dele. Criou "a luz" erradicando "as trevas" (1,2), facilitando assim a
explosão da vida e do calor desenvolvida pelo "Espírito de Deus" (1,2). Daí
então, a Criação se desdobra vertiginosamente, em seqüência
culturalmente lógica para o narrador e em ordem sistemática delimitada em
espaços uniformes de tempo, "em dias", conforme Deus pronunciava "Sua
Palavra" ("...e Deus disse...", "...e Deus chamou"...):
"Deus chamou à luz ‘dia’ e às trevas ‘noite’. Houve uma tarde e uma manhã:
primeiro dia" (Gn 1,5).
"Deus disse: ‘Haja um firmamento no meio das águas e assim se fez. Deus fez o
firmamento, que separou as águas que estão sob o firmamento das águas que estão
acima do firmamento, e Deus chamou ao firmamento ‘céu’. Houve uma tarde e uma
manhã: segundo dia" (Gn 1,6-8).
"Deus disse: ‘Que as águas que estão sob o céu se reunam numa só massa e que
apareça o continente’, e assim se fez. Deus chamou ao continente ‘terra’ e à massa
das águas ‘mares’, e Deus viu que isso era bom" (Gn 1,9-10).
Delimitou Deus a terra e desse modo separou-a dos mares. Estavam assim
preparados os ambientes para a criação, geração e propagação dos
vegetais, ervas e frutos, com o que se daria a erradicação da aridez da
terra virgem:
"Deus disse: ‘Que a terra verdeje de verdura: ervas que dêem semente e árvores
frutíferas que dêem sobre a terra, segundo a sua espécie, frutos contendo a sua
semente’, e assim se fez. A terra produziu verdura: ervas que dão semente segundo
a sua espécie, árvores que dão, segundo sua espécie, frutos contendo sua semente, e
Deus viu que isso era bom. Houve uma tarde e uma manhã: terceiro dia" (Gn 1,11-
13).
A vegetação, as ervas e as árvores que cobrem a superfície da terra não
são imanentismos dela, mas gerados dela e nela pela Palavra de Deus,
fonte de tudo o que existe, nada tendo vindo à existência sem que Ele
chamasse:
"Deus disse: ‘Que haja luzeiros no firmamento do céu para separar o dia e a noite;
que eles sirvam de sinais, tanto para as festas quanto para os dias e anos; que sejam
luzeiros no firmamento do céu para iluminar a terra’, e assim se fez. Deus fez os
dois luzeiros maiores: o grande luzeiro para governar o dia e o pequeno luzeiro para
governar a noite, e as estrelas. Deus os colocou no firmamento do céu para iluminar
a terra, para governarem o dia e a noite, para separarem a luz e as trevas, e Deus viu
que isso era bom. Houve uma tarde e uma manhã: quarto dia" (Gn 1,14-19).
"Deus disse: ‘Fervilhem as águas um fervilhar de seres vivos e que as aves voem
acima da terra, diante do firmamento do céu’, e assim se fez. Deus criou as grandes
serpentes do mar e todos os seres vivos que rastejam e que fervilham nas águas
segundo sua espécie, e Deus viu que isso era bom" (Gn 1,20-21).
Não bastava criar os seres vivos. Era preciso dotá-los de aptidão para a
propagação e perpetuação da espécie. Deus então os fecunda, tornando-os
férteis, capazes de se reproduzirem. É a bênção:
"Deus disse: ‘Que a terra produza seres vivos segundo a sua espécie: animais
domésticos, répteis e feras segundo sua espécie’, e assim se fez. Deus fez as feras
segundo sua espécie, os animais domésticos segundo sua espécie e todos os répteis
do solo segundo sua espécie, e Deus viu que isso era bom" (Gn 1,24-25).
3. O HOMEM
No relato bíblico da Criação registram-se as operações da Palavra de Deus
enquanto criava. O "Disse Deus" evidencia o impulso inicial criador e a
expressão "E Deus viu que era bom" caracteriza cada novo estágio
completo, criado. No segundo dia tal expressão não aparece, eis que
aquela operação só será completada no princípio do terceiro dia, ocasião
em que se completará o mecanismo das águas e a delimitação com a terra
seca, circunscrevendo-a.
Depreende-se da própria narrativa que tudo aquilo que Deus faz é perfeito,
principalmente por ser de sua própria natureza e essência fazer o que faz
perfeito. Descabe, portanto, a expressão "viu que era bom"
sistematicamente repetida à perfeição da obra que Deus cria, ainda mais
quando ela não aparece quando da criação do Homem, sua Obra-Prima:
"Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que
eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas
as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra" (Gn 1,26).
Aí está: Deus cria o Homem "à sua imagem e semelhança" e como tal
tendo poder sobre toda a Criação:
"Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e
mulher os criou. Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos, multiplicai-vos,
enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos
os animais que rastejam sobre a terra’. Deus disse: ‘Eu vos dou todas as ervas que
dêem semente, que estão sobre toda a superfície da terra, e todas as árvores que dão
frutos que dêem semente: isso será vosso alimento. A todas as feras, a todas as aves
do céu, a tudo o que rasteja sobre a terra e que é animado de vida, eu dou como
alimento toda a verdura das plantas’, e assim se fez. Deus viu tudo o que tinha feito:
e era muito bom. Houve uma tarde e um manhã: sexto dia" (Gn 1,27-31).
Num só lance o narrador finaliza o último dia de Criação, o sexto dia. Nele
criou Deus "os animais domésticos, répteis e feras segundo a sua espécie"
e "Deus viu que era bom". Porém, após criar o Homem não diz o mesmo,
"não viu que era bom"; mas, após cuidar da alimentação do que foi criado
nesse último dia, "Deus viu tudo o que tinha feito: e tudo era muito
bom". Só se pode concluir daí que Deus verificava se tudo "era bom" para
o Homem, para quem Deus tudo criava. Um comparação facilitará a
compreensão: é tal como sucede a um profissional, ao selecionar material e
ferramentas para fazer uma mesa de madeira. Ao selecioná-los, um a um,
vai dizendo de si para si mesmo ser bom o que separa, bom para a
finalidade que busca, - a construção da mesa de madeira: separa o martelo
e ao separá-lo "vê que isso era bom"; separa os pregos e ao fazê-lo "vê
que eram bons"; separa a madeira para os pés e "vê que era boa"; separa
as tábuas do tampo e da mesma forma "vê que eram boas"; tudo o que
separou era bom para a mesa que queria construir; e, ao concluí-la mira
toda a mesa pronta e "vê que ficou muito boa". É essa a imagem que se
irradia de toda a narração em análise.
A expressão "e Deus viu que era bom" (1,4.10.12.18.21.25 e 31) traduz
que tudo foi criado para o homem, a ele amoldado e entregue servindo-lhe
até mesmo de alimento, cumprindo-lhe seguir o planejamento em função
ordenadora, sempre em vista da finalidade de tudo e de cada coisa criada.
O Homem é um auxiliar de Deus, um consorte com função executiva, feito
para conviver com Deus, sua Imagem, sucedendo-O e secundando-O. Veio
de Deus, REFLETE DEUS, devendo com Ele conviver e compartilhar, qual
seja, vivendo por, com e para Deus. Por ser Imagem de Deus pode
conhecê-lO, bem como as Suas leis.
Visivelmente Deus trata o homem desde a sua criação com carinho todo
especial, expresso pelo ato de amoldá-lo Ele mesmo com as Suas
Própria Mãos, com arte e afeto especiais, como um oleiro molda
amorosamente no barro o objeto que cria:
"Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas
narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente" (Gn 2,7).
O Homem recebe de Deus o "hálito de vida e torna-se um ser vivente",
trazendo em si a vida advinda do íntimo de Deus: o Homem tem Vida
Divina em sua natureza de barro, em sua matéria. O Homem é a Matéria
Divinizada. Nasceu diretamente de Deus, é Imagem de Deus, "reflete
Deus", tal como uma imagem reflete aquilo que representa, tal como o
reflexo de um espelho. O Homem, neste estágio da Criação, se identifica a
Deus pelo domínio sobre ela e reflete a Santidade de Deus por sua
integridade pessoal, por isso a "semelhança" e a "imagem".
4. DEUS E O HOMEM
Desde a origem estabeleceu Deus um distinto e profundo relacionamento, e
singular convívio, com o Homem. Manifesta-se desde então ora como
estreita colaboração mútua ora como profunda comunhão de vidas e
intimidade bem familiar. Em qualquer caso, porém, ocupa o Homem uma
posição ímpar de colaborador e coordenador da Obra de Deus, pelo que se
pode dizer ser ele o catalisador da Criação. É que apesar da perfeição que
coroa cada ato criativo particular ou conjunto de Deus, há sempre presente
uma demanda nas coisas criadas, a exigir um ordenador comum e
inteligente - O HOMEM, "imagem e semelhança de deus" (Gn 1,26). É o
caso da mescla em que se nos apresenta a natureza: tudo misturado e
esparso, gêneros e espécies, a compor determinado ambiente. Cabe ao
Homem separar, ordenar e semear conforme o consumo, separando,
ordenando e semeando por gênero e espécie, função essa bem destacada
na ocasião:
"No tempo em que Iahweh Deus fez a terra e o céu, não havia ainda nenhum arbusto
dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido, porque
Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar o
solo" (Gn 2,4-6).
Deus tudo criara com aptidão imanente para germinar e propagar-se. Além
disso, oferecia a chuva, cabendo ao Homem o cultivo do solo. Estabeleceu-
se então entre ambos, Deus e o Homem, verdadeiro consórcio de tarefas,
um "co-múnus", uma comunhão num primeiro relacionamento: Deus
propiciava a chuva, e o Homem oferecia o seu trabalho. Ao Homem cabia
cultivar o solo, eis um dos motivos imediatos da sua Criação, e ainda o
deslocamento dele para outra situação em nova dimensão ou novo estado
de vinculação relacional com Deus:
"Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em sua
narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente." / "Iahweh Deus
plantou um Jardim em Éden, no oriente, e aí colocou o homem que modelara...
Iahweh Deus tomou o homem e o colocou no Jardim do Éden para o cultivar e
guardar" (Gn 2,7-8.15).
5. O MAL
Há um fato contraditório que aparece inesperadamente na História da
Criação e retrata uma presença contumaz em toda a História Humana, bem
como na vida particular ou social de cada um: é a presença do mal. Da
mesma forma que a consciência da morte revela a vida, a consciência do
mal revela o bem. Busca o homem ansiosamente conhecer e compreender
a causa, a natureza e a finalidade do mal. Infrutiferamente, porém. Busca e
quer erradicá-lo, ao encontro de um bem total. Para isso precisa conhecer o
bem e o mal, estabelecendo as suas causas, suas naturezas e seus fins. O
mal é a expressão do sofrimento, da dor e da morte, em contraste com o
bem significado na felicidade, na paz e na vida. O mal é a ineficácia do
bem, o desordenamento da Criação e sua conseqüente esterilidade. É a
volta ao estado anterior à ação criadora de Deus, é o deserto, o caos:
"... - ele é Deus, o que formou a terra e a fez, ele a estabeleceu; não a criou como
um deserto, antes formou-a para ser habitada" (Is 45,18).
"A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Iahweh Deus
tinha feito. Ela disse à mulher: ‘Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as
árvores do Jardim’? A mulher respondeu à serpente: ‘Nós podemos comer do fruto
das árvores do Jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do Jardim, Deus
disse: Dele não comereis, nele não tocareis, a fim de não morrer’. A serpente disse
então à mulher: ‘Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele
comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no
mal" (Gn 3,1-5).
Alguns detalhes dessa narrativa merecem uma análise mais elucidativa, por
causa da farta simbologia empregada. Em primeiro lugar, em virtude da
responsabilidade do Homem pela "guarda" do jardim, a serpente, por ser "o
mais astuto dos animais do campo", não poderia estar ali. Não se pode
culpar apenas a serpente pela queda, eis que a sua responsabilidade se
prende ao fato de dar asas à inclinação humana já alojada no íntimo de
Eva. Vê-se isso da facilidade de íntimo colóquio entre ela e a mulher, bem
como da resposta que esta lhe dá em seguida, já bem reforçada com a
expressão que grifamos "nele não tocareis", que não constou do aviso ou
conselho de Deus. Deus não lhes dissera que "não a tocassem"! Eva
demonstra então seu anseio mais íntimo, qual seja, a inclinação já atuante
no seu "coração" de provar o fruto, a que resistira até aquele momento. A
astúcia da serpente está em ter percebido a tentação a que ela estava se
sujeitando e estimulado a prática do ato vedado com uma alternativa falsa,
uma mentira, de que adviria a grande recompensa de "sereis como
deuses"! Tanto é assim que imediatamente os efeitos da indução
aparecem em Eva:
"A mulher viu que a árvore era boa ao apetite e formosa à vista, e que era, esta
árvore, desejável para adquirir discernimento. Tomou-lhe do fruto e comeu. Deu-o a
seu marido também, e ele comeu" (Gn 3,6).
"Iahweh Deus fez para o homem e sua mulher túnicas de pele, e os vestiu" (Gn
3,21).
"E Iahweh Deus o expulsou do jardim do Éden para cultivar o solo de onde fora
tirado" (Gn 3,23).
O que não se pode pretender é que com essa Queda teria havido o
rompimento de toda e qualquer relação entre Deus e o Homem, selando-se
a sorte humana no que vem nas maldições advindas:
"Iahweh Deus fez para o homem e sua mulher túnicas de pele, e os vestiu" (Gn
3,21).
"Iahweh Deus ... os vestiu", como a indicar que não modificara seus
planos para a sua criatura predileta, e assim agasalhados e protegidos pelo
próprio Deus, são reconduzidos ao antigo consórcio de tarefas, agora num
mundo cheio do mal que nele semearam:
"E Iahweh Deus o expulsou o Jardim do Éden, para cultivar o solo de onde fora
tirado" (Gn 3,23).
7. O SÁBADO
Deus nada criou sem motivo e sem meta a atingir, muito menos para
destruir. Daí porque Deus santificou o sétimo dia, qual seja, num sentido
bíblico, "separou", distinguiu. Aparece então com toda a clareza a
irreversibilidade e inexorabilidade da criação:
"Enquanto durar a terra, semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e
noite não há de faltar" (Gn 8,22).
8. O PROTOEVANGELHO
"Porque fizeste isso sê maldita entre todos os animais e entre todas as feras do
campo. Caminharás sobre teu ventre e comerás poeira todos os dias de tua vida.
Porei hos-tilidade entre ti e a mulher e entre a tua descendência e a descendência
dela: ela te esmagará a cabeça e atacá-la-ás no calcanhar” (Gn 3,14-15).
Alguns outros trechos (Is 25,12c; 26,5s; Sl 91/90,13 etc.) distintos mostram
que aí se encontra bem caracterizada a condição de ser a serpente uma
contumaz e conhecida inimiga de Deus, destacan-do-se:
“Diante dele o homem do deserto se curvará e seus inimigos lamberão o pó...” (Sl
72/71,9)
“Que lambam o pó como a serpente, como os animais que rastejam terra” (Mq
7,17).
“Talvez perguntes em teu coração: ‘Como vamos saber se tal palavra não é uma
palavra de Iahweh?’ Se o profeta fala em nome de Iahweh, mas a palavra não se
cumpre, não se realiza, trata-se então de uma palavra que Iahweh não disse” (Dt
18,21-22).
“Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes
pleno cumprimento...” (Mt 5,17).
“...seca-se a erva, murcha-se a flor, mas a palavra de Deus subsiste para sempre” (Is
40,8).
Essa atuação perene da palavra de Deus na História aparece também
quando as escrituras re-gistram que todas as mulheres ligadas à Aliança
destinada à redenção humana eram estéreis. Só se engravidavam por uma
ação especial de Deus que as tonava férteis a começar pela mulher de
Abraão, Sara (Gn 18,14); a mulher de Isaac, Rebeca (Gn 25,21); bem como
as mulheres de Jacó, Lia (Gn 29,31) e Raquel (Gn 30,22). Até que, na
“Nova Aliança”, também fertiliza Isabel, a mãe de João Batista (Lc
1,7.13.24.36), “...na velhice... ...aquela que chamavam estéril”, quando se
dá a inaugura-ção da Fecundidade Messiânica e Maria, a mãe de Jesus,
“uma virgem concebe e dá à luz” (Mt 1,23). Resume-se assim o percurso e
o ponto culminante da vitória da mulher sobre a serpente, fecundada por
Deus, com vistas no retorno do Homem ao Paraíso a que fora destinado.
Deus não destruiu o jardim, nem alterou seu desígnio de que o Homem o
habite, e na qualidade de Autor da Salvação, mantém a mesma disposição
de ânimo que teve ao criar o Jardim do Éden. E, por meio do Espírito
Santo, fecunda a “virgem que concebe e dá à luz” ao “Filho do Altíssimo”
(Lc 1,32), para se cumprir o seu Santo Desígnio de levar o homem à
comunhão, intimidade e familiaridade com Ele. Assim, tudo aquilo que
estava significado no Jardim de Deus está no conteúdo do Protoevangelho,
“em germe e figura”, já que na “Árvore da Vida no meio do Jardim” estavam
identificados como pertinen-tes indestacáveis à Obra da Criação tanto a
Encarnação do Verbo, de que é essência, como o meio para a humanação
do Filho, Maria, desde então preservada em plenitude como a mãe do
verbo feito carne, naturalmente adequada a tal missão com todos os dons.
Deus não é um ser criado que esteja sujeito à ação de outrem, fruto de
movimento e condicio-namento a um futuro desconhecido ou incerto e
dependente do acaso. Seus desígnios se cumprem inexoravelmente. A
Criação é um fato irreversível e não seria um ato humano que perturbaria
qualquer pretensão divina, por mínima que fosse. É que o Homem não tem
poder nenhum suficiente para que seus atos venham a alterar ou
comprometer a vontade de Deus. Uma fragilidade assim não se coaduna
com a onipotência e a onisciência de Deus. Assim, esse Jardim de Deus,
tal como preparado para o Homem, aguardaria a redenção “na plenitude
dos tempos” (Gl 4,4) pela Encarnação do Filho. Jesus não é um remendo
improvisado por Deus em virtude de ter havido um comprometimento de
Sua Vontade pelo Pecado Original. Essa Encarnação já era dos desígnios
de Deus e seria como que o prêmio de Vida Eterna caso aceito pelo
Homem, a mesma plenitude (Jo 10,10) a que o reconduz o Messias. O
Pecado Original atingiu tão somente a Criação, mas o Plano de Deus
continua em pleno vigor. O Homem é que sofre uma transformação tal que
lhe retarda e condiciona o gozo da Vida Eterna.
9. AS CONSEQÜÊNCIAS IMEDIATAS DO PECADO
“Iahweh Deus disse: ‘Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer uma auxiliar
que lhe seja igual” (Gn 2,18).
“O homem deu nomes a todos os animais,... mas... não encontrou a auxiliar que lhe
fosse igual. Então Iahweh Deus..., da costela que retirara do homem... modelou uma
mulher e a trouxe ao homem. Então o homem exclamou: ‘Esta sim, é osso de meus
os-sos e carne de minha carne...’ Por isso um homem deixa seu pai e sua mãe, se
une à sua mulher, e eles se tornam uma só carne. Ora, os dois estavam nus, o
homem e sua mu-lher, e não se envergonhavam” (Gn 2,20-25).
“Eles ouviram os passos de Iahweh Deus que passeava no jardim à brisa do dia e o
homem e a mulher se esconderam da presença de Iahweh Deus, entre as árvores do
jardim. Iahweh Deus chamou o homem: ‘Onde estás?’, disse Ele. ‘Ouvi teu passo
no jardim’, respondeu o homem; ‘tive medo porque estou nu, e me escondi’. Ele
reto-mou: ‘E quem te revelou que estavas nu? Comeste, então, da árvore que te
proibi de comer!’ O homem respondeu: ‘A mulher que puseste junto de mim me
deu da árvo-re, e eu comi!’ Iahweh Deus disse à mulher: ‘Que fizeste?’ E a mulher
respondeu: ‘A serpente me seduziu e eu comi” (Gn 3,8-13).
“...a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus. De fato, a
cri-ação foi submetida à vaidade - não por seu querer, mas por vontade daquele
que a sub-meteu - na esperança de ela também ser libertada da escravidão da
corrupção para en-trar na liberdade da glória dos filhos de Deus. Pois sabemos
que a criação inteira geme e sofre as dores do parto até o presente” (Rm 8,19-22).
“Quando Deus criou o homem, fê-lo à imagem de Deus. ...Adão... gerou um filho à
sua imagem e semelhança...” (Gn 5,1-3).
“..., Caim apresentou produtos do solo em oferenda a Iahweh; Abel, por sua vez,
tam-bém ofereceu dos primogênitos e da gordura de seu rebanho. Ora, Iahweh
agradou-se de Abel e de sua oferenda. Mas não se agradou de Caim e de sua
oferenda, e Caim ficou muito irritado e com o rosto abatido. E Iahweh disse a Caim:
‘Por que estás irado e por que andas cabisbaixo? Se fizeres o bem, há motivo para
erguê-la, mas se não procederes bem, eis que o pecado está à espreita em tua porta;
as suas ganas es-tão voltadas para ti, mas tu podes dominá-lo” (Gn 4,3-7).
Quando fora escrita esta narrativa transferiu-se para o início dos tempos a
necessidade de se cumprirem todas as formalidades rituais então em uso.
Tal como com o sábado, aqui também com o sacrifício e suas normas,
observando-se facilmente algumas das regras que lhe são pertinentes,
quais sejam:
a distinção das oferendas: “Abel oferece dos primogênitos do
rebanho e os mais gordos e Caim dos produtos do solo”; e,
Para nós não tem nenhum sentido se estabelecer qualquer diferença entre
uma e outra das oferendas, nada as distinguindo em si. Porém, para os
antigos israelitas, Caim, o filho primogênito, deveria oferecer as primícias
do campo em sacrifício (Dt 26,2). Não o fez, enquanto Abel ofereceu “dos
primogênitos e dos mais gordos” (Ex 22,28s; Dt 15,19), cumprindo as
exigências religiosas do ritual. Por isso “Deus agradou-se de Abel e de sua
oferenda e não se agradou de Caim e de sua oferenda”. Tudo indica que a
narrativa foi adaptada ao tempo em que os israelitas haviam deixado a vida
nômade e se tornado sedentários. Por isso Caim se dedicara ao cultivo da
terra e Abel ao pastoreio (Gn 4,2). Está o narrador fazendo apologia das
exigências rituais do sacrifício, bem como narrando o desenvolvimento do
mal, até mesmo a responsabilidade do Homem por seus atos, caracte-
rizada pela expressão “e tu podes dominá-lo” (Gn 4,7).
Essa busca de segurança que a unidade reflete ainda é intuitiva e
instintivamente buscada pelo Homem, formando os grupos sociais onde se
abriga e, naquele tempo em que se registrou por escrito o acontecimento,
tomara a forma de tribos patriarcais. Por não compreender o regime social
de uma tribo de então é que parece à primeira vista que Caim não fora
castigado por Deus, pelo homicídio que praticara. Não é assim, porém; na
realidade cultural de então, recebe Caim o maior castigo a que poder-se-ia
condenar uma pessoa, excluindo-o do clã, deixando-o exposto à toda
espécie de infortúni-os, hostilidades e, entre estranhos de outras tribos ,
sem a segurança e proteção da própria, bem como de seu Deus tribal:
“Agora, és maldito e expulso do solo fértil que abriu a boca para receber de tua mão
o sangue de teu irmão. Ainda que cultives o solo, ele não te dará mais seu produto:
serás um fugitivo errante sobre a terra.” Então Caim disse a Iahweh: ‘Mi-nha culpa
é muito pesada para suportá-la. Vê! Hoje tu me banes do solo fértil, te-rei de
ocultar-me longe de tua face e serei errante e fugitivo sobre a terra: mas o primeiro
que me encontrar me matará” (Gn 4,11-14).
10.2 O DILÚVIO
Para o Homem moderno a Bíblia perdeu o crédito por causa de suas
descrições não muito verosímeis, como é o caso do Dilúvio. É
simplesmente impossível aceitar que um volume de água de chuva, caindo
durante quarenta dias, seja suficiente para cobrir toda a superfície terrestre
acima dos “mais altos montes” (Gn 7,19). Mas, para o Homem antigo não
havia tal dificuldade, eis que a sua concepção física do universo permitia-
lhe isso facilmente. Primeiro porque o mundo todo era o que ele atingia com
o seu olhar, o horizonte; e, segundo porque concebia o mundo como tendo
água em cima e em baixo do firmamento celeste, pois “romperam-se as
fontes do grande abismo e abriram-se as cataratas do céu” (Gn 7,11).
Não se perca de vista nunca que a harmonia de “toda” a Criação tem por
fonte a intimidade e familiaridade do Homem com Deus, e se manifesta na
unidade de todo o conjunto. Daí por que, pensando nas conseqüências do
Pecado Original e localizando num passado ainda lembrado, o
acontecimento do Dilúvio, é ele apresentado como exemplo do crescimento
do mal atingindo também a sua natureza terrestre. Mostra também que todo
o gênero humano, da mesma forma, vai se corrom-pendo, associando-se
cada vez mais com o mal significado na união carnal dos descendentes de
Set com os descendentes criminosos de Caim:
“... os filhos de Deus viram de Deus viram que as filhas dos homens eram belas e
toma-ram como mulheres todas as que mais lhes agradavam” (Gn 6,2).
“Iahweh disse: ‘Meu espírito não permanecerá para sempre no homem, porque é
carne e os seus dias serão de cento e vinte anos” (Gn 6,3).
Esse trecho aqui disposto faz crer que se trata de uma redução da idade
elevada dos Patriarcas, relatada quando da genealogia de Adão (Gn 5),
onde atingiam até mesmo quase mil anos. Não é bem assim, porém, já que
de Noé, o principal protagonista do Dilúvio, se diz, após essa aparente
restrição, que viveu trezentos e cinqüenta anos (Gn 9,28). Também Abraão,
Isaac e Jacó tiveram respectiva-mente cento e setenta e cinco (Gn 25,7),
cento e oitenta (Gn 35,28-29) e cento e quarenta e sete anos (Gn 47,28),
idades maiores que a limitação aparente aqui imposta. Essa maneira
incomum de relatar idades é para nós muito misteriosa, e não se encontra
uma explicação satisfatória se bem que o sentido religioso dos números é
muito usado pelos antigos, a que se denominou numerologia. Na realidade
existem algumas particularidades interessantes quanto a esses números,
destacando-se:
Também:
“E disse Iahweh: ‘Farei desaparecer da face da terra o homem que criei; e com o ho-
mem também os animais, os répteis e as aves do céu; porque estou arrependido de
tê-los criado” (Gn 6,7).
Ora, Deus não se arrepende nunca, não é alguém que não sabe o que faz.
Não se pode deduzir daí que o narrador esteja se referindo a uma surpresa
ocasionada em Deus, a ponto de se lhe exigir uma providência séria. O que
o narrador manifesta é que Deus, tal como no Jardim do Éden, não se
identifica ao pecado, nem à corrupção geral que se alastrava cada vez
mais:
“Iahweh viu que a maldade do homem era grande sobre a terra, e que era continua-
mente mau todo o desígnio de seu coração. Iahweh arrependeu-se de ter criado o
ho-mem sobre a terra e se afligiu em seu coração, ...” (Gn 6,5-6).
“Deus não é homem, para que minta, nem filho de Adão para que se arrependa. Por
acaso ele diz e não o faz, fala e não realiza?” (Nm 23,19).
“Noé achou graça aos olhos de Iahweh, ...Noé era um homem justo, íntegro entre
seus contemporâneos, e andava com Deus” (Gn 6,8-9). / “Iahweh disse a Noé: ‘... és
o único justo que vejo diante de mim no meio desta geração” (Gn 7,1).
Não se tratava de uma destruição total da Criação, eis que tivesse Deus
essa intenção, ficaria sem sentido a Arca onde entraram Noé, “teus filhos,
tua mulher e as mulheres de teus filhos” (Gn 6,18), além de “tudo o que
vive, de tudo o que é carne. ... dois de cada espécie, um macho e uma
fêmea, para os conservares em vida contigo” (Gn 6,19-21). Essa a grande
contradição aparente da narrativa que mais se agiganta quando se recolhe
“sete casais de animais puros e um de impuros” (Gn 7,2). A se considerar a
“impureza” como tal seria essa a oportunidade ideal para se acabar com os
“animais impuros”, não os salvando como se fez. Outra conclusão não pode
existir, que a narrativa tem uma conotação subjacente, outra finalidade
paralela, não se limitando apenas a demonstrar o efeito do Pecado Original
também nos desequilíbrios e cataclismos da própria natureza:
“Eu não amaldiçoarei nunca mais a terra por causa do homem, porque os desígnios
do coração do homem são maus desde a sua infância...” (Gn 8,21).
“Eis o sinal da Aliança que instituo entre mim e vós e todos os seres vivos que estão
convosco para todas as gerações futuras: porei o meu arco na nuvem e ele se tornará
um sinal da aliança entre mim e a terra” (Gn 9,12-13).
O arco da guerra entre Deus e o Homem foi deposto e para sempre passa
a escorar, com a sua parte curva, todas as comportas que mantêm no
firmamento as “águas que estão em cima” (Gn 1,6-7). O arco funcionava na
cultura de então como uma espécie de vigorosa viga semi circular que
mantinha para sempre “fechadas as comportas que contêm as águas do
firmamento” (Gn 7,11; 8,2...), passando a ser considerado como um
memorial da aliança universal ali contraída:
Capítulo 2
GÊNESIS
A Aliança
1. A PROMESSA
"Pois todos os povos andam, cada um em nome do seu deus; mas nós
andaremos para todo o sempre em o nome de Yahweh nosso Deus" (Mq 4,5)
"Pela FÉ Abraão, sendo chamado, obedeceu, saindo para um lugar que havia
de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia. Pela FÉ peregrinou na
terra da promessa, como em terra alheia, habitando em tendas..." (Hb 11,8-9)
"Como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí, perante aquele no
qual creu, a saber, Deus, que vivifica os mortos, e chama as coisas que não são,
como se já fossem. O qual, em esperança, creu contra a esperança, para que se
tornasse pai de muitas nações, conforme o que lhe fora dito: Assim será a tua
descendência; e sem se enfraquecer na fé, considerou o seu pró-prio corpo já
amortecido, pois tinha quase cem anos, e o amortecimento do ventre de Sara;
contudo, à vista da promessa de Deus, não vacilou por incredulidade, antes foi
fortalecido na fé, dando glória a Deus, e estando certíssimo de que o que Deus
tinha prometido, também era poderoso para o fazer. Pelo que também isso lhe
foi imputado como justiça" (Rm 4,17-20).
Abandonando tudo, toma a sua mulher, seu sobrinho Ló, com tudo o que
possuía, e foi para a terra de Canaã, terra que era destinada "à tua
descendência":
"Partiu, pois Abrão, como o Senhor lhe ordenara, e Ló foi com ele. Tinha
Abrão se-tenta e cinco anos quando saiu de Harã. Abrão levou consigo a Sarai,
sua mulher, e a Ló, filho de seu irmão, e todos os bens que haviam adquirido, e
as pessoas que lhes acresceram em Harã; e foram à terra de Canaã. Passou
Abrão pela terra até o lugar de Siquém, até o carvalho de Moré. Nesse tempo
estavam os cananeus na terra. Apareceu, porém, o Senhor a Abrão, e disse: À
tua descendência darei esta terra. Abrão, pois, edificou ali um altar ao Senhor,
que lhe aparecera. Então passou dali para o monte ao oriente de Betel, e armou
a sua tenda, ficando-lhe Betel ao ocidente, e Hai ao oriente; também ali
edificou um altar ao Senhor, e invocou o nome do Senhor" (Gn 12,4-8).
"Perto de entrar no Egito, disse a Sarai, sua mulher: “Eu sei que és bonita,
vendo-te, os egípcios dirão ‘esta é a mulher dele’ e matar-me-ão, conservando-
te com vida. Dize, te peço, que és minha irmã, para que me tratem bem por tua
causa e graças a ti minha vida seja salva”. Quando Abrão entrou no Egito, os
egípcios viram que sua mulher era ver-dadeiramente muito bonita. Ao vê-la, os
oficiais do Faraó a elogiaram muito diante dele pelo que ela foi levada para o
palácio do Faraó. Quanto a Abrão, foi muito bem tratado por causa dela,
ganhando ovelhas, bois e jumentos, escravos e escravas, mulas e came-los" (Gn
12,11-16).
Essa atitude de Abrão assusta por demais, principalmente o cristão que não
pode concordar com essa entrega da esposa para ser levada ao harém do
faraó. Aqui também se impõe a necessidade de se deslocar mentalmente
ao tempo do acontecido e analisá-lo como então, não como hoje. 0ra,
Abrão estava consciente de sua missão e detentor de uma promessa de
Deus, a que tinha de corresponder eficazmente, ao que se aliam várias
outras situações peculiares. Uma delas é a da luta pela so-brevivência num
país hostil e de cultura diferente, acontecendo exatamente o que Abrão
havia previsto e temido, pelo que teve sua vida não somente poupada mas
enriqueceu-se "por causa dela, ganhando ovelhas, bois e jumentos,
escravos e escravas, mulas e camelos" (Gn 12,16). 0utra delas é a
inexistên-cia do mesmo conceito moral uniforme e organizado que temos
hoje, além de idêntica e adequada hie-rarquia de valores, mas normas de
conduta e comportamento as mais das vezes isoladas e rudimenta-res,
instintivas mesmo, ditadas pela sobrevivência. 0 que nos impõe é não o
condenar pelas nossas leis morais, já que se manifestava uma das
conseqüências do pecado original, sempre em conflito com o "justo",
tateando e debatendo-se, num mundo confuso e desordenado. Conclui-se
que houve uma in-tervenção de Deus em defesa da integridade ameaçada
de Sarai, protegendo-a, porque "o Senhor feriu o faraó e sua corte com
grandes flagelos por causa de Sarai, esposa de Abrão" (Gn 12,17 / Gn
20,4.14.16).
Este fato vai se repetir igualmente em Gerar, com Abimelec (Gn 20), bem
como a intervenção de Deus, salvaguardando de qualquer violação a
integridade de Sarai (Gn 12,17 / 20,3.4.14.16), e em defesa do casal,
protegendo e tutelando seus eleitos, uma vez que Sarai era "meia-irmã"
dele, filha do mesmo pai se bem que de mãe diferente (Gn 20,12-13). O
que se buscava era livrá-los da morte em vista da missão a que os elegera,
pelo que, tal como no Jardim do Éden, a proteção de Deus, que "fez para
eles túnicas de peles e os vestiu" (Gn 3,21), se repete. 0s desígnios de
Deus são irreversíveis, e para conduzir o Homem ao Paraíso, vai formar um
povo a partir de Abrão, que sai do Egito rico (Gn 13,2), retornando à Terra
de Canaã, "ao lugar onde anteriormente erigira um altar, e ali invocou o Se-
nhor" (Gn 13,4). De novo o sacrifício como centro do culto a Deus e da vida
do Patriarca. Da mesma maneira que ocorreu com Abrão, o povo dele
advindo também irá, pelo mesmo motivo da fome, para o Egito e de lá
também será expulso rico, pelo faraó (Gn 15,13 / Ex 12,36.51).
Abrão é novamente premiado por sua fé, bem evidenciada pelo modo
pacífico de contornar e solucionar a divergência, sem perder ao menos de
leve o equilíbrio, mesmo sofrendo a injustiça do egoísmo de Ló, escolhendo
a melhor porção (Gn 13,10-12), ficando-lhe a da Promessa, pelo que Deus
a ratifica:
"O Senhor disse a Abrão, depois que Ló se separou dele: “Levanta os olhos e,
do lugar onde estás, contempla o norte e o sul, o oriente e o ocidente. Toda essa
terra que vês, darei a ti e à tua descendência para sempre. Tornarei tua
descendência como o pó da terra. Se alguém pudesse contar o pó da terra,
contaria também tua descendência. Levanta-te e percorre este país de ponta a
ponta porque será a ti que o darei”. Abrão levantou as tendas e foi morar junto
ao carvalho de Mambré, perto de Hebron, onde construiu um altar para o
Senhor" (Gn 13,14-18).
Abrão se depara com outra situação de fato, uma guerra entre cinco
cidades em virtude do que Ló com as suas posses é levado como parte do
saqueado de Sodoma e Gomorra pelos vencedores (Gn 14,1-12). Avisado,
Abrão vai em socorro do sobrinho, com um grupo de apenas trezentos e
dezoito homens, liberta-o e a todos os prisioneiros bem como recupera
todos os bens saqueados. Aparece aqui o justo em luta com o mundo que
lhe é totalmente avesso, onde não se porta como um covarde nem foge à
luta. Numa espécie de guerrilha ("à noite") vence e liberta tudo e todos,
além do seu sobrinho com seus pertences (Gn 14,15-16). O rei de Sodoma
lhe dá todos os bens e reclama as pessoas liber-tadas. Aparece então uma
figura misteriosa por demais:
"Ora, Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; pois era sacerdote do
Deus Al-tíssimo; e abençoou a Abrão, dizendo: bendito seja Abrão pelo Deus
Altíssimo, o Cria-dor dos céus e da terra! E bendito seja o Deus Altíssimo, que
entregou os teus inimigos nas tuas mãos! E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo"
(Gn 14,18-20).
Porém, o fato de Abrão receber dele uma bênção e pão e vinho, como
oferendas de sacrifício, e entregue o dízimo dos despojos advindos pela
vitória, evidenciam a identidade de uma fé comum:
"Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha
os teus inimigos por escabelo dos teus pés. (...) Jurou o Senhor, e não se
arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec.
(Sl 110,1-4).
"E os que dentre os filhos de Levi recebem o sacerdócio têm ordem, segundo a
lei, de tomar os dízimos do povo, isto é, de seus irmãos, ainda que estes também
tenham saído dos lombos de Abraão; mas aquele cuja genealogia não é contada
entre eles, tomou dízimos de Abraão, e abençoou ao que tinha as promessas"
(Hb 7,5-6).
"e abençoou a Abrão, dizendo: bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, o
Criador dos céus e da terra! E bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os
teus inimigos nas tuas mãos! E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo" (Gn 14,19-
20).
"Ao que lhe veio a palavra do Senhor, dizendo: Este não será o teu herdeiro;
mas aquele que sair das tuas entranhas, esse será o teu herdeiro. Então o levou
para fora, e disse: Olha agora para o e conta as estrelas, se as podes contar; e
acrescentou-lhe: Assim será a tua descendência" (Gn 15,4-5).
"Abrão creu em Deus, e isto foi-lhe creditado como justiça" (Gn 15,6).
O sentido aqui é o que se lê: pela fé que teve a sua conta com Deus foi
quitada. Assim, a Fé de Abrão que lhe valeu a "justificação" e o tornar-se "o
Pai de todos os crentes" (Rm 4,11), serve de mo-delo perene para todos os
fiéis de todos os tempos
"Pela fé Abraão, sendo chamado, obedeceu, saindo para um lugar que havia de
receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia. Pela fé peregrinou na
terra da promessa, como em terra alheia, habitando em tendas com Isaac e
Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque esperava a cidade que
tem os fundamentos, da qual o arqui-teto e edificador é Deus" (Hb 11,8-10).
Também São Tiago na sua Epístola vai a ela se referir, para vinculá-la à
necessidade de expres-são em obras para não ser uma "fé morta":
"Vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi
aperfeiçoada; e se cumpriu a escritura que diz: E creu Abraão em Deus, e isso
lhe foi imputado como justiça, e foi chamado amigo de Deus" (Tg 2,22-23).
3. A ALIANÇA ESBOÇADA
"Disse-lhe mais: Eu sou o Senhor, que te tirei de Ur dos caldeus, para te dar
esta terra em herança. Ao que lhe perguntou Abrão: Ó Senhor Deus, como
saberei que hei de herdá-la? Respondeu-lhe: Toma-me uma novilha de três
anos, uma cabra de três anos, um carneiro de três anos, uma rola e um
pombinho. Ele, pois, lhe trouxe todos estes animais, partiu-os pelo meio, e pôs
cada parte deles em frente da outra; mas as aves não partiu. E as aves de
rapina desciam sobre os cadáveres; Abrão, porém, as enxotava. Ora, ao pôr do
sol, caiu um profundo sono sobre Abrão; e eis que lhe sobrevieram grande
pavor e densas trevas. (...) Quando o sol já estava posto, e era escuro, eis um
fogo fumegante e uma tocha de fogo, que passaram por entre aquelas metades.
Naquele mesmo dia fez o Senhor uma Aliança com Abrão, dizendo: Á tua
descendência tenho dado esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio
Eufrates; e o queneu, o quenizeu, o cadmoneu, o heteu, o perizeu, os refains, o
amorreu, o cananeu, o girgaseu e o jebu-seu" (Gn 15,7-12.17-21).
"Então disse o Senhor a Abrão: Sabe com certeza que a tua descendência será
peregri-na em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por
quatrocentos anos; sabe também que eu julgarei a nação a qual ela tem de
servir; e depois sairá com muitos bens. Tu, porém, irás em paz para teus pais;
em boa velhice serás sepultado. Na quarta geração, porém, voltarão para cá;
porque a medida da iniqüidade dos amorreus não está ainda cheia" (Gn 15,
13-16).
"Ora, Sarai, mulher de Abrão, não lhe dava filhos. Tinha ela uma serva
egípcia, que se chamava Agar. Disse Sarai a Abrão: Eis que o Senhor me tem
impedido de ter filhos; toma, pois, a minha serva; talvez eu possa ter filhos por
meio dela. E ouviu Abrão a voz de Sarai. Assim Sarai, mulher de Abrão, tomou
a Agar a egípcia, sua serva, e a deu por mulher a Abrão seu marido, depois de
Abrão ter habitado dez anos na terra de Canaã. E ele conheceu a Agar, e ela
concebeu..." (Gn 16,1-4a).
4. A ALIANÇA ESTABELECIDA
Para Abrão e Sarai a condição básica para a grande posteridade dele ficara
então satisfeita com o nascimento de Ismael (Gn 16,15-16). Deus então se
manifesta e dá à Aliança uma nova dinâmica, até agora não vista:
"Quando Abrão tinha noventa e nove anos, apareceu-lhe o Senhor e lhe disse:
Eu sou El-Shaddai (=o Deus Todo-Poderoso); anda em minha presença, e sê
perfeito; e fir-marei a minha Aliança contigo, e sobremaneira te multiplicarei"
(Gn 17,1).
"...e Deus falou-lhe, dizendo: Quanto a mim, eis que a minha aliança é contigo,
e serás pai de muitas nações; não mais serás chamado Abrão, mas Abraão será
o teu nome; pois por pai de muitas nações te hei posto; far-te-ei frutificar
sobremaneira, e de ti farei nações, e reis sairão de ti; estabelecerei a minha
aliança contigo e com a tua descendên-cia depois de ti em suas gerações, como
aliança perpétua, para te ser por Deus a ti e à tua descendência depois de ti.
Dar-te-ei a ti e à tua descendência depois de ti a ter-ra de tuas peregrinações,
toda a terra de Canaã, em perpétua possessão; e serei o seu Deus" (Gn 17,3b-
8).
"Disse mais Deus a Abraão: Ora, quanto a ti, guardarás a minha aliança, tu e a
tua des-cendência depois de ti, nas suas gerações. Esta é a minha aliança, que
guardareis entre mim e vós, e a tua descendência depois de ti: todo varão
dentre vós será circuncidado. Circuncidar-vos-eis na carne do prepúcio; e isto
será por sinal de aliança entre mim e vós" (Gn 17,9-11).
"Disse Deus a Abraão: Quanto a Sarai, tua, mulher, não lhe chamarás mais
Sarai, po-rém Sara será o seu nome. Abençoá-la-ei, e também dela te darei um
filho; sim, abençoá-la-ei, e ela será mãe de nações; reis de povos sairão dela".
"Ao que se prostrou Abraão com o rosto em terra, e riu-se, e disse no seu
coração: A um homem de cem anos há de nascer um filho? Dará à luz Sara,
que tem noventa anos?" (Gn 17,15-17).
" E Deus lhe respondeu: Na verdade, Sara, tua mulher, te dará à luz um filho,
e lhe chamarás Isaque; com ele estabelecerei a minha aliança como aliança
perpétua para a sua descendência depois dele. E quanto a Ismael, também te
tenho ouvido; eis que o tenho abençoado, e fá-lo-ei frutificar, e multiplicá-lo-ei
grandemente; doze príncipes gerará, e dele farei uma grande nação. A minha
aliança, porém, estabelece-rei com Isaque, que Sara te dará à luz neste tempo
determinado, no ano vindouro. Ao acabar de falar com Abraão, subiu Deus
diante dele" (Gn 17,19-22).
Dada a notícia, afirma Deus que "descerei para ver se as suas obras
chegaram a ser como o clamor que chegou até mim, e, se não, o saberei",
evidenciando pelo "descerei" o sobrenatural do quadro apresentado, tendo
Abraão sido elevado até Ele. E é nesse estado sobrenatural que Abraão vai
demonstrar a sua "elevação" espiritual (Gn 18,22-33), quando aparece que
"quanto mais Amigo de Deus, mais amigo dos homens". É o efeito natural
da caridade, "o Amor de Deus que se "derrama no coração do Homem pela
Graça" (Rm 5,5), o estado da "elevação" de Abraão, "justificado pela sua
fé". Vai regateando com Deus, paulatinamente se esforçando para salvar a
tudo e a todos da punição iminente e justa. Intercede habilidosamente e
com toda a humildade possível representada pelo modo de se expressar
próprio do tempo, cuidadosa e lentamente vai decrescendo o número de
pessoas boas que possivelmente possam existir nas duas cidades até um
mínimo de dez, bem razoável, ficando claro que existisse uma pequena
quantidade de justos nas localidades, Deus as pouparia por causa deles.
Prefigura esse quadro a Redenção que será operada por Jesus Cristo com
a Nova Aliança (Lc 22,20), unindo definitivamente o Homem a Deus na Sua
Igreja, a comunidade de seus discípulos refle-tindo a Graça e a Misericórdia
de Deus no mundo, que "perdoa a todo o lugar em atenção a eles" (Gn
18,26.28.30.31.32), "justificados" pelo Sangue do Cordeiro de Deus. Essa
comunhão de afetos entre Deus e Abraão, entre Deus e um Homem, é o
arquétipo da Caridade Cristã, tornada virtude humana na ação, mas de
fonte impulsionadora divina. Tal com lá, a caridade é a presença de Deus
entre os homens, em amizade e íntima comunhão de vidas, não mais entre
Criador e Criatura, mas entre Pai e Filho, que se difunde por mediação e
eleição dos "justos" a todos os outros, bons e maus. Repete-se sempre a
presença do "justo", do que faz a vontade de Deus, vivendo nos "caminhos
do Senhor, prati-cando a justiça e o direito" (Gn 18,19). Caridade é isso, é
viver a vontade de Deus para o Homem; começa em Deus e explode
radiante de beleza nos homens. O Homem não a cria, é fruto do amor e
misericórdia de Deus, propagando-se entre os homens assim como a fé e a
esperança. A caridade parte de Deus e não se confunde com nenhuma
ação humana, não se exaure na esmola nem em nenhuma assistência
social e supera qualquer atividade por mais humanitária que seja. A
caridade é a expressão da Aliança de Deus com o Homem:
"Longe de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio, de modo que o
justo seja como o ímpio; esteja isto longe de ti. Não fará justiça o juiz de toda a
terra?" (Gn 18,25)
Jesus nos revela que Sodoma e Gomorra, tal como o Dilúvio, é outra
expressão das conse-qüências do pecado na Criação, e é um anúncio do
quadro revolucionário a ser causado no mundo criado quando da revelação
do Filho do Homem, ao erradicar definitivamente o pecado:
"Como aconteceu nos dias de Noé, assim também será nos dias do Filho do
homem. Comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até o dia em
que Noé entrou na arca, e veio o dilúvio e os destruiu a todos. Como também
da mesma forma aconteceu nos dias de Ló: comiam, bebiam, compravam,
vendiam, plantavam e edificavam; mas no dia em que Ló saiu de Sodoma
choveu do céu fogo e enxofre, e os destruiu a todos; assim será no dia em que o
Filho do homem se há de manifestar" (Lc 17,26-30).
Por primeiro, chama a atenção o "descerei" (Gn 18,21) tal como no relato
da Torre de Babel (Gn 11,6.7), mostrando a mesma concepção cultural de
um deus em figura de homem (visão "antro-pomórfica" de Deus), habitando
no "alto". Não pode ser diferente aqui a intenção do narrador, que-rendo
também evidenciar a continuidade e a coexistência das conseqüências do
pecado apesar da Ali-ança recém - contraída, vinculando ambos à
lembrança dos descendentes de Abraão para não perturba-rem mais ainda
pela sua conduta o cumprimento dos desígnios de Deus com a Aliança, que
vai recon-duzir o Homem à comunhão, intimidade e familiaridade perdidas:
"E disse o Senhor: Ocultarei eu a Abraão o que vou fazer, visto que Abraão
certamente virá a ser um grande e poderoso povo, e por meio dele serão
abençoadas todas as na-ções da terra? Porque eu o escolhi, para que ele ordene
a seus filhos e a sua casa depois dele que guardem o caminho do Senhor
praticando a retidão e a justiça; para que o Se-nhor cumpra em Abraão o que
lhe foi predito" (Gn 18,17-19).
Como Ló fora morar nas cidades pecadoras seria com elas vítima da
catástrofe. Mas, era ele também um "justo" e o narrador mostra como Deus
vem em socorro de seus fiéis e os protege, res-pondendo à eficaz
intervenção de Abraão em favor dos homens, e só as destrói após libertá-
lo:
"Pelo que disse Sara: Deus me propiciou motivo de riso; todo aquele que o
ouvir, rir-se-á comigo. E acrescentou: Quem diria a Abraão que Sara havia de
amamentar fi-lhos? no entanto lhe dei um filho na sua velhice" (Gn 21,6-7).
Mas, no dia em que se comemorava o seu desmame, Sara viu Ismael
"gracejar" dele, Isaac (Gn 21,9), naturalmente em torno de seu nome...,
alguma piada de mau gosto, por exemplo, dirigida por um já rapazola a um
recém desmamado, uma criança ainda. A antiga tensão familiar (Gn 16,4d-
6) não desanuviara e agora se manifestava tanto no gracejo de Ismael,
conhecedor de tudo o que acontecera e as conseqüências para ele sendo
já pressentidas, como na reação de Sara que, violentamente aproveita a
oportunidade e exige uma atitude definitiva de Abraão (Gn 21,10). Ele, em
obediência a Deus, que já valorizava a esposa legítima, ao impulso de uma
visão e promessa com referência ao futuro do filho se tornando um grande
povo, expulsa-o com Agar (Gn 21,11-14). Tais acontecimentos vão ser
identifi-cados de várias maneiras aos cristãos vindos do paganismo,
quando São Paulo os interpreta conforme a diferença entre Ismael o filho
advindo da vontade e plano do homem e Isaac o Filho da Promessa,
advindo da Vontade e do Plano de Deus:
"Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava, e outro da
livre. To-davia o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que
era da livre, por pro-messa. O que se entende por alegoria: pois essas
mulheres são duas alianças; uma do monte Sinai, que dá à luz filhos para a
servidão, e que é Agar. Ora, esta Agar é o monte Sinai na Arábia e
corresponde à Jerusalém atual, pois é escrava com seus filhos. Mas a
Jerusalém que é de cima é livre; a qual é nossa mãe. Pois está escrito:
Alegra-te, estéril, que não dás à luz; esforça-te e clama, tu que não estás
de parto; porque mais são os fi-lhos da desolada do que os da que tem
marido. Ora vós, irmãos, sois filhos da promes-sa, como Isaac. Mas, como
naquele tempo o que nasceu segundo a carne perseguia ao que nasceu
segundo o Espírito, assim é também agora. Que diz, porém, a Escritura?
Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da escrava
herdará com o filho da livre. Pelo que, irmãos, não somos filhos da
escrava, mas da livre" (Gl 4,22-31).
"Não que a palavra de Deus haja falhado. Porque nem todos os que são de
Israel são israelitas; nem por serem descendência de Abraão são todos filhos;
mas: Em Isaac será chamada a tua descendência. Isto é, não são os filhos da
carne que são filhos de Deus; mas os filhos da promessa são contados como
descendência. Porque a palavra da promessa é esta: Por este tempo virei, e
Sara terá um filho" (Rm 9,6-9).
"...e lhe chamarás Isaac; com ele estabelecerei a minha aliança como aliança
per-pétua para a sua descendência depois dele. (...) A minha aliança, porém,
estabele-cerei com Isaac, que Sara te dará à luz neste tempo determinado, no
ano vindouro" (Gn17,18-21).
"Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia; viu-o, e alegrou-se" (Jo 8,56).
"Meu pai!
...
Eis o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?
...
Deus proverá o cordeiro para o holocausto, meu filho...." (Gn 22,7-8).
"Mas o anjo do Senhor lhe bradou desde o céu, e disse: Abraão, Abraão! Ele
respon-deu: Eis-me aqui. Então disse o anjo: Não estendas a mão sobre o
menino, e não lhe fa-ças nenhum mal; porquanto agora sei que temes a Deus,
visto que não me negaste teu filho, o teu único filho. Nisso levantou Abraão os
olhos e olhou, e eis atrás de si um carneiro embaraçado pelos chifres no mato; e
foi Abraão, tomou o carneiro e o ofere-ceu em holocausto em lugar de seu filho.
..." (Gn 22,11-14).
A prova a que Deus submete não se destina a um exame que Ele faz no
eleito para conhecê-lo, eis que o Deus Onisciente conhece tudo e todos
(1Sm 16,7). Destina-se ao amadurecimento e à toma-da de consciência
que cada um tenha de si mesmo e das dimensões da sua missão, dela
saindo então robustecido, pelo que Deus reforça e ratifica a Aliança.
Termina aqui a prova de Abraão e, não só de Abraão, mas também do
próprio Isaac o qual mudo dela participou, demonstrando ambos, para a
"descendência" deles, aptidão e maturidade para o prosseguimento da
Aliança. E como sempre Abraão remata com o sacrifício do carneiro, de
cujo holocausto a eficácia se comprova nas palavras do Anjo:
"Então o anjo do Senhor bradou a Abraão pela segunda vez desde o céu, e
disse: juro por mim mesmo, diz o Senhor, porquanto fizeste isto, e não me
negaste teu filho, o teu único filho, que te cumularei de bênçãos, e multiplicarei
extraordinariamente a tua des-cendência, como as estrelas do céu e como a
areia que está na praia do mar; e a tua descendência possuirá a porta dos seus
inimigos; e em tua descendência serão bendi-tas todas as nações da terra;
porquanto me obedeceste" (Gn 22,15-18).
"E recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé que teve quando ainda
não era circuncidado, para que fosse pai de todos os crentes, estando eles na
incircuncisão, a fim de que a justiça lhes seja imputada, bem como fosse pai
dos circuncisos, dos que não somente são da circuncisão, mas também andam
nas pisadas daquela fé que teve nosso pai Abraão, antes de ser circuncidado"
(Rm 4,11-12)
"Sabei, pois, que os cren-tes é que são filhos de Abraão" (Gl 3,7).
7. A ALIANÇA E ISAAC, O FILHO DA PROMESSA
Claro está que com o compromisso que assumira com os termos da Aliança
Abraão, já velho, e após a morte e sepultamento de Sara (Gn 23), se
preocupa com quem seria a futura esposa de Isaac. Solucionou a
dificuldade com uma de sua parentela (Gn 24,3-4), consciente da
genealogia de Nakor (Gn 22,20-24), seu irmão, apresentando o narrador a
"origem" de Rebeca, a futura esposa de Isaac, vinculando-a por sua vez à
linhagem de Set (Gn, 4,25) a progênie da História da Salvação, garantia de
fidelidade a Iahweh e à Aliança já em processo. É bom observar aqui que a
única porção de terra que Abraão possuiu como sua, adquirindo-a e
pagando por ela, foi o terreno onde sepultou sua mulher Sara (Gn 23), cujo
relato da compra mostra o ritual então em uso, que se pode até mesmo
denominar de "escritura pública" da compra, tal como diz o narrador que "foi
assegurado a Abraão por aquisição na presença dos heteus, e de todos os
que se achavam presentes na porta da cidade" (Gn 23,18). A "porta da
cidade" representava naqueles tempos o que hoje representam os cartórios
de registro de aquisição de propriedades, ou seja, a publicização, que é o
tornar de conhecimento público, geral, para não mais se revogar e
reconhecendo-se então a tradição da propriedade.
A principal preocupação de Abraão era a Aliança como manifesta ao exigir
sob juramento ("com a mão sob a coxa" Gn 24,2) para a escolha da noiva,
que não fosse das "filhas dos cananeus, no meio dos quais habito, mas irás
à minha terra natal e aos meus parentes e tomarás dali mulher para meu
filho Isaac" bem como "não tirasse seu filho da terra onde morava, que era
a propriedade que Deus prometera a sua descendência" (Gn 24,3-9). A
narrativa da "conquista" da noiva para Isaac deve ser lida, não com os
critérios da cultura de hoje, mas dentro das perspectivas do aculturamento
de en-tão, num mundo ainda rude, selvagem e bárbaro, onde a
sobrevivência se devia a detalhes hoje míni-mos, sem valor algum, mas
naqueles tempos de uma imposição até mesmo insuperável.
"O Senhor, Deus do céu, que me tirou da casa de meu pai e da terra da minha
parente-la, e que me falou, e que me jurou, (...) ele enviará o seu anjo diante de
si, para que to-mes de lá mulher para meu filho" (Gn 24,7).
"Ora, Isaac orou insistentemente ao Senhor por sua mulher, porquanto ela era
es-téril; e o Senhor ouviu as suas orações, e Rebeca, sua mulher, concebeu. E os
filhos lutavam no ventre dela; então ela disse: Por que estou eu assim? E foi
consultar ao Se-nhor. Respondeu-lhe o Senhor: Duas nações há no teu ventre, e
dois povos se dividirão das tuas estranhas, e um povo será mais forte do que o
outro povo, e o mais velho servirá ao mais moço. Cumpridos que foram os dias
para ela dar à luz, eis que havia gêmeos no seu ventre. Saiu o primeiro, ruivo,
todo ele como um vestido de pelo; e chamaram-lhe Esaú. Depois saiu o seu
irmão, agarrada sua mão ao calcanhar de Esaú; pelo que foi chamado Jacó. E
Isaac tinha sessenta anos quando Rebeca os deu à luz" (Gn 25,21-26).
"Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus; mas os filhos da
promessa são contados como descendência. Porque a palavra da promessa é
esta: Por este tempo virei, e Sara terá um filho. E não somente isso, mas
também a Rebeca, que havia con-cebido de um, de Isaac, nosso pai, pois não
tendo os gêmeos ainda nascido, nem tendo praticado bem ou mal, para que o
propósito de Deus segundo a eleição permanecesse firme, não por causa das
obras, mas por aquele que chama, foi-lhe dito: O maior servirá o menor. Como
está escrito: Amei a Jacó, e aborreci a Esaú. (...) Que diremos pois? Que os
gentios, que não buscavam a justiça, alcançaram a justiça, mas a justiça que
vem da fé" (Rm 9,8-13.30).
"E apareceu-lhe o Senhor e disse: Não desças ao Egito; habita na terra que eu
te disser; peregrina nesta terra, e serei contigo e te abençoarei; porque a ti, e
aos que descende-rem de ti, darei todas estas terras, e confirmarei o juramento
que fiz a Abraão teu pai; e multiplicarei a tua descendência como as estrelas do
céu, e lhe darei todas estas terras; e por meio dela serão benditas todas as
nações da terra; porquanto Abraão obe-deceu à minha voz, e guardou o meu
mandado, os meus preceitos, os meus estatutos e as minhas leis" (Gn 26,2-5).
"E apareceu-lhe o Senhor na mesma noite e disse: Eu sou o Deus de Abraão,
teu pai; não temas, porque eu sou contigo, e te abençoarei e multiplicarei a tua
descendência por amor do meu servo Abraão" (Gn 26,24).
"Isaac, pois, edificou ali um altar e invocou o nome do Senhor; então armou ali
a sua tenda..." (Gn 26,25).
"Respondeu Isaac a Esaú: Eis que o tenho posto por senhor sobre ti, e todos os
seus irmãos lhe tenho dado por servos; e de trigo e de mosto o provi. Que, pois,
poderei eu fazer por ti, meu filho?" (Gn 27,37).
"...por cima da escada estava o Senhor, que disse: Eu sou o Senhor, o Deus de
Abraão teu pai, e o Deus de Isaac; esta terra em que estás deitado, eu a darei a
ti e à tua descendência; e a tua descendência será como o pó da terra; dilatar-
te-ás para o ocidente, para o oriente, para o norte e para o sul; por meio de ti e
da tua des-cendência serão benditas todas as famílias da terra. Eis que estou
contigo, e te guardarei onde quer que fores, e te farei tornar a esta terra; pois
não te deixarei até que haja cumprido aquilo de que te tenho falado" (Gn
28,13-15).
Tal como com Abraão (Gn 18), com Isaac (Gn 26,2.24) ocorreu uma
manifestação sensível de Deus, uma teofania, neste episódio da "escada'
por cima da qual estava o Senhor" em que se profere a mesma bênção
para a posteridade de Abraão e a mesma promessa da herança da mesma
terra das suas peregrinações (Gn 12,7; 13,14-17; 22,17-18; 26,4.24), bem
como a mesma resposta do Patriarca eri-gindo um lugar de culto
acompanhado de um sacrifício, se bem que aqui com Jacó trata-se de uma
libação e a unção de uma pedra erigida em cipo, muito usado naqueles
tempos como testemunho ou prova de algum fato profano ou sagrado e
religioso (Gn 31,45; Js 4,9.20; 24,26-27) e até mesmo para as coisas de
Deus:
"Pois os filhos de Israel ficarão por muitos dias sem rei, sem príncipe, sem
sacrifício, sem cipos, e sem éfode ou terafins" (Os 3,4)
Israel é vide frondosa que dá o seu fruto; conforme a abundância do seu fruto,
assim multiplicou os altares; conforme a prosperi-dade da terra, assim fizeram
belos cipos" (Os 10,1)
Pode-se até mesmo admitir a preferência de Jacó por este tipo de oferenda
dado o seu caráter mais pacífico ("...homem tranqüilo, habitante da tenda"
Gn 25,27c). Aqui com ele a teofania atinge um clímax com a presença da
narrativa de uma "escada", como que aquela da Torre de Babel, aqui
servindo de comprovação do elo de ligação entre os anjos que descem do
céu para seu ministério no mundo, como interpretaram os Santos Padres e
de que apesar da separação ou distância entre o céu e a terra, pode atingi-
lo sempre, aquele que ama a Deus. Vê-se com facilidade que por Jacó viria
o prosseguimento da História da Salvação que culminaria em Jesus Cristo,
motivo por que se caracterizam a "promessa" e a "aliança" com Abraão,
com Isaac e com Jacó (também em Gn 35,11-13 e 46,3-4), como
Messiânicas, e tal como seus antepassados faz do sacrifício o centro do
seu culto, prometendo erguer no local um santuário para o que destinará o
dízimo:
"E temeu, e disse: Quão terrível é este lugar! Este não é outro lugar senão a
casa de Deus; e esta é a porta dos céus. Jacó levantou-se de manhã cedo, tomou
a pedra que pusera debaixo da cabeça, e a pôs como cipo; e derramou-lhe
azeite em cima. E chamou aquele lugar Betel; porém o nome da cidade antes
era Luz. Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo e me guardar
neste caminho que vou seguindo, e me der pão para comer e vestes para vestir,
de modo que eu volte em paz à casa de meu pai, e se o Senhor for o meu Deus,
então esta pedra que tenho posto como cipo será casa de Deus; e de tudo
quanto me deres, certamente te darei o dízimo" (Gn 28,17-22).
"Foi ela ("a 'sabedoria") quem conduziu por veredas retas o justo ('Jacó') que
fugia da cólera de seu irmão; mostrou-lhe o reino de Deus e lhe deu a conhecer
os santos; pro-porcionou-lhe êxito nos rudes labores e fez frutificar seus
trabalhos. Esteve a seu lado contra a cobiça dos que o oprimiam e o
enriqueceu. Protegeu-o contra os inimigos e o defendeu daqueles que lhe
armavam ciladas. Atuou como árbitro a seu favor em rude combate, para
ensinar-lhe que a piedade é mais poderosa do que tudo" (Sb 10,10-12)
Por outro lado, também Jesus Cristo usa a mesma imagem da sua visão,
porém a si mesmo se referindo como a "escada", colocando-se como a
união entre Deus e os Homens:
"E acrescentou: Em verdade, em verdade vos digo que vereis o céu aberto, e os
anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem" (Jo 1,51).
9. A ALIANÇA E AS DOZE TRIBOS DE ISRAEL (JACÓ)
Seu encontro com Raquel, sua prima e pastora de ovelhas que as traz para
beber água, se dá de imediato num poço (Gn 29,1-14), repetindo, pela
presença de Deus dirigindo os acontecimentos, o mesmo que ocorreu
quando da busca de uma mulher para Isaac. É conduzido para a casa do
tio e lá fixa sua residência e passa a trabalhar, a ser explorado melhor dir-
se-ia. Apaixona-se por Raquel e aceita trabalhar sete anos para então
desposá-la. Mas, o sogro ardilosamente o desposa com Lia ao pretexto de
que não poderia casar a mais nova e permanecer com a mais velha
solteira. Descoberto o embuste, após o cerimonial concluído, introduzida a
esposa em sua tenda à surdina, Jacó reclama mas acaba aceitando
trabalhar mais sete anos para recebê-la daí a uma semana (Gn 29,14c-30).
Aparece então outra vez a esterilidade das mulheres dos Patriarcas e
vinculadas à História da Salvação, que só se tornavam férteis por uma ação
especial de Deus, por ser o Único Autor da Salvação:
"Viu, pois, o Senhor que Lia era desprezada tornou-a fecunda; Raquel, porém,
era es-téril" (Gn 29,31)
Dessa união lhe advieram doze filhos e uma filha (Gn 29,32-30,24 / 35,16-
18), que deram ori-gem às doze tribos dos Filhos de Israel, o nome que
Deus dará a Jacó (Gn 32,29; 35,9), donde vai se formar o Povo de Israel.
Não há necessidade de se delongar no relato dos nascimentos de todos
eles, ficando para cada participante o dever de ler aquilo que não for aqui
exposto, completando seu conhe-cimento bíblico com seu próprio esforço,
evitando-se que o curso seja passivo. Basta relatar os nomes dos filhos de
Jacó, com os das mulheres e das concubinas que os geraram (Gn 35,23-
26):
De Lia vieram: Rubem, Simão, Levi, Judá, Issacar, Zabulon e Dina
(mulher); e,
pela serva dela Zelfa: Gad e Aser.
"Disse o Senhor, então, a Jacó: Volta para a terra de teus pais e para a tua
paren-tela; e eu serei contigo. Pelo que Jacó mandou chamar a Raquel e a Lia
ao campo, onde estava o seu rebanho, e lhes disse: vejo que o rosto de vosso pai
para comigo não é como anteriormente; porém o Deus de meu pai tem estado
comigo. Ora, vós mesmas sabeis que com todas as minhas forças tenho servido
a vosso pai. Mas vosso pai me tem enganado, e dez vezes mudou o meu salário;
Deus, porém, não lhe permitiu que me fizesse mal. Quando ele dizia assim: Os
salpicados serão o teu salário; então todo o rebanho dava salpicados. E quando
ele dizia assim: Os lis-trados serão o teu salário, então todo o rebanho dava
listrados. De modo que Deus tem tirado o gado de vosso pai, e mo tem dado a
mim. Pois sucedeu que, ao tempo em que o rebanho concebia, levantei os olhos
e num sonho vi que os bodes que cobriam o rebanho eram listrados, salpicados
e malhados. Disse-me o anjo de Deus no sonho: Jacó! Eu respondi: Eis-me
aqui. Prosseguiu o anjo: Levanta os teus olhos e vê que todos os bodes que
cobrem o rebanho são listrados, salpicados e malhados; porque tenho visto
tudo o que Labão te vem fazendo. Eu sou o Deus de Betel, onde ungiste um
cipo, onde me fizeste um voto; levanta-te, pois, sai-te desta terra e volta para a
terra da tua parentela" (Gn 31,3-13).
Finalmente, Jacó volta à terra do Pai, e então procura Esaú para fazer as
pazes, ato de humil-dade (Gn 33,1-17), muito conforme a sua formação
pacífica e peculiar a um homem que vive em comunhão com Deus. Quando
estava a caminho teve medo e foi assaltado por grande angústia, o que lhe
significou uma luta misteriosa com o próprio Deus, pelo conflito íntimo
ensejado com Sua Vontade, ocasião em que o anjo lhe muda o nome para
Israel (Gn 32,23-32) pelo qual será para sempre conhecido, bem como o
povo formado pelos seus descendentes. Deste fato não há testemunhas,
tendo sido narrado pelo próprio Jacó. Mas, tudo vai sendo confirmado até
mesmo nos contrastes, que não param, e sua luta prossegue incansável:
Dina sua filha é ultrajada e apesar de se acertar com a família do ofen-sor o
casamento com ela, conseguindo até mesmo que se deixassem
circuncidar, convertendo-se ao Deus da Aliança, seus filhos Simão e Levi,
irmãos uterinos dela, atacam e matam todos os varões em vingança,
deixando Jacó em situação difícil perante os habitantes da região e com
grave perigo para a sobrevivência geral (Gn 33,18-34,31). Nem assim há o
mais leve sinal de perda de equilíbrio em Jacó. Recebe logo após, do
próprio Deus, a ratificação de tudo o que lhe foi prometido quando iniciou
sua fuga (Gn 28,11-15) e quando lhe foi mudado o nome (Gn 32,24-29):
Com esse gesto Jacó manifesta publicamente e para sempre a sua adesão,
a de sua família e a dos seus descendentes, exclusiva e incondicional a
Deus; do mesmo modo, será objeto de outra ratificação igual, séculos
depois, no mesmo lugar e quando da Conquista da Terra Prometida, por
Josué:
"... temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com verdade; deitai fora os
deu-ses a que serviram vossos pais dalém do Rio, e no Egito, e servi ao Senhor.
Mas, se vos parece mal o servirdes ao Senhor, escolhei hoje a quem haveis de
servir; se aos deuses a quem serviram vossos pais, que estavam além do Rio, ou
aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Porém eu e a minha casa
serviremos ao Senhor. Então respondeu o povo, e disse: Longe esteja de nós o
abandonarmos ao Senhor para servirmos a outros deuses: porque o Senhor é o
nosso Deus..." (Js 24,13-17).
Também foi nesse mesmo local que Jesus Cristo se encontrou com a
Samaritana, "cumprindo" (Mt 5,17) semelhante propósito:
"Os ossos de José, que os filhos de Israel trouxeram do Egito, foram enterrados
em Siquém, naquela parte do campo que Jacó comprara aos filhos de Hamor,
pai de Siquém, por cem peças de prata, e que se tornara herança dos filhos de
José" (Js 24,32).
"És tu, porventura, maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, do qual
tam-bém ele mesmo bebeu, e os filhos, e o seu gado?" (Jo 4,12) / "Disse-lhe a
mulher: Se-nhor, vejo que és profeta. Nossos pais adoraram neste monte, e vós
dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar" (Jo 4,19-20).
Ao que Jesus lhe responde, tal como Jacó e Josué, "definindo toda e
qualquer adoração daí em diante, e revelando a verdadeira natureza do
Deus de Israel", bem como pela primeira vez em todo o Evangelho
confessa-se o Cristo:
"Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me, a hora vem, em que nem neste monte, nem
em Jerusalém adorareis o Pai. (...) Mas vem a hora, e é agora, em que os
verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai
procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e é necessário que os que o
adoram o ado-rem em espírito e em verdade. Replicou-lhe a mulher: Eu sei
que vem o Messias (que se chama o Cristo); quando ele vier há de nos anunciar
todas as coisas. Disse-lhe Jesus: Eu o sou, eu que falo contigo" (Jo 4,21-26)
Claro fica, pela própria Revelação de Jesus à Samaritana, que a reta final
da formação do Povo de Israel começara com aquele ato de Jacó, em
Betel. Esse local é o repositório das mais antigas e sólidas tradições dos
Patriarcas, a começar com Abrão erigindo ali um altar, tornando-o um lugar
sagra-do (Gn 12,6+; 13,3), mais tarde comprado por Jacó erguendo ali
outro (Gn 35,1-15) em cumprimento de sua promessa (Gn 28,10-22). Além
disso foi escolhido pelo próprio Moisés para nele Josué, "atra-vessado o
Jordão", ratificar a Aliança (Js 8,30-35) com o Povo de Israel então formado
(Dt 27,1-10). Jesus retoma todo o acontecimento anterior e, vinculando todo
o passado israelita com a Sua Presença no mesmo monte onde "se
atiraram fora os deuses estranhos", revela o estabelecimento dos "novos
adoradores de Deus em espírito e em verdade", isto é, não mais na carne e
no exterior, mas no coração e a partir do interior do Homem, fruto da Graça.
Voltando ao assunto em estudo, surgem então para Jacó dois fatos novos
bem dolorosos. Em primeiro lugar a morte de Raquel ao dar à luz Benjamim
[a quem, antes de expirar, ela deu o nome de "Bennoni (= filho de minha
dor) e que Jacó mudou para "Benyamin" (= filho de minha direita) (Gn
35,16-21)]; e, em seguida, a traição de seu filho primogênito "pernoitando"
com sua concubina Bala (Gn 35,22), ato naquele tempo considerado como
condenável "incesto".
Como toda a família humana, a família de Jacó também tinha seus dramas
e problemas peculiares. É natural que Jacó tivesse uma predileção especial
por José, filho de sua amada, o "primogênito do seu coração" e tanto é
assim que lhe tecera uma "túnica talar" (Gn 37,3c). Este tipo de túnica
caracteriza bem o valor que José tinha aos olhos do pai, uma dessas
túnicas usadas pelos elementos que integravam uma corte real, de mangas
e cavas largas e de longo comprimento, que por si só se impunha como
algo de majestoso e incomum, capaz até mesmo de incentivar o ciúme, e
incentivou, o dos irmãos que tomaram ódio dele (Gn 37,4). Mesmo porque
José também sonhara com os irmãos e os pais lhe prestando reverências
reais (Gn 37,6-11). E, quando Jacó o mandou em procura dos irmãos que
estavam pastoreando o gado em local distante, acertaram atirá-lo numa
cisterna vazia para depois de lá retirá-lo e vendê-lo como escravo aos
Madianitas ou Ismaelitas, ambos descendentes de Abraão, não se sabendo
com exatidão. Cabe aqui uma observação importante: - muitas das
narrações das Escrituras vêm-nos de diferentes tradições e são duplicadas
ou mescladas, até mesmo triplicadas, gerando alguma confusão. Não se
deve rejeitá-las simplesmente, mas somar as informações que nos trazem
sem as desprezar, eis que se referem a um mesmo fato real, alterado as
mais das vezes pela natureza das fontes. Assim a narração de que teriam
sido os ismaelitas ou madianitas não modifica a realidade de que José fora
vendido pelos irmãos, fato confirmado pelo restante da exposição. A Jacó
levaram apenas a sua túnica talar toda embebida em sangue, causando-lhe
mais um sofrimento atroz e levando-o a um luto estremado (Gn 37,31-35).
Já se fala aqui na vida após a morte: "chorando descerei a meu filho
debaixo da terra", tal como se acreditava, lá ficando no estado em que se
falecia (Gn 37,35 / Gn 44,29 / Nm 16,30), sendo ainda uma ofuscada
"figura" do nosso Purgatório, ou Mansão dos Mortos.
Apesar disso, Deus, "que tem os seus caminhos", vem em seu socorro e o
faraó tem dois so-nhos que o incomodam (Gn 41,1-7). Naqueles tempos
acreditar em sonhos como previsões de futuro era muito comum, por
demais valorizados e até mesmo aproveitados por Deus, que sempre se
utiliza da cultura humana para seus desígnios. Vê-se que atua na hora
certa, podendo-se crer que impediu que o copeiro se lembrasse antes da
hora, até que se criasse uma situação favorável, não apenas ao seu eleito
em si, mas ao prosseguimento da Aliança por meio dele. O faraó não
encontra quem o tranqüilize com a solução e então o copeiro se lembra e
sugere o nome de José, a quem se apresentou os sonhos. O famoso sonho
das "vacas magras e das vacas gordas", e o das " espigas mirradas e
queimadas, e espigas granosas e cheias" umas devorando as outras, pelo
que José pressagiou sete anos de fartura e sete anos de escassez.
"Disse, então, José a seus irmãos: Eu sou José; vive ainda meu pai? E
seus irmãos não lhe puderam responder, pois estavam pasmados diante
dele. José disse mais a seus ir-mãos: Chegai-vos a mim, peço-vos. E eles
se chegaram. Então ele prosseguiu: Eu sou José, vosso irmão, a quem
vendestes para o Egito. Agora, pois, não vos entris-teçais, nem vos
aborreçais por me haverdes vendido para cá; porque para preservar vida é
que Deus me enviou adiante de vós. Porque já houve dois anos de fome na
terra, e ainda restam cinco anos em que não haverá lavoura nem sega.
Deus enviou-me adiante de vós, para conservar-vos descendência na terra,
e para guardar-vos em vida por um grande livramento. Assim não fostes
vós que me enviastes para cá, senão Deus, que me tem posto por pai de
Faraó, e por senhor de toda a sua casa, e como governador sobre toda a
terra do Egito" (Gn 45,3-8).
"Então subiram do Egito, vieram à terra de Canaã, a Jacó seu pai, e lhe
anunciaram, dizendo: José ainda vive, e é governador de toda a terra do
Egito. E o seu coração des-maiou, porque não os acreditava. Quando,
porém, eles lhe contaram todas as palavras que José lhes falara, e vendo
Jacó, seu pai, os carros que José enviara para levá-lo, rea-nimou-se-lhe o
espírito; e disse Israel: Basta; ainda vive meu filho José; eu irei e o verei
antes que morra. Partiu, pois, Israel com tudo quanto tinha e veio a
Bersabéia, onde ofereceu sacrifícios ao Deus de seu pai Isaac"(Gn 45,25-
46,1).
É mais que evidente que "meditava o caso no seu coração" quanto ao que
ocorria com referência à Aliança procurando saber por onde Deus a
prosseguiria. Tudo lhe mostrava então que era por meio de José e sua
descendência que ela se concretizaria, e passa a agir na direção que se lhe
descortinava "o sinal dos tempos". Com o seu desaparecimento tudo
mudara e Jacó passara a viver de acordo com o que Deus dispusera, uma
vez que por si mesmo nada podia fazer. Agora, porém, que "o sonho de
José se realiza" tal como "meditava", exige do filho, por primeiro, que não o
sepulte em terra estrangeira, naquele tempo comparado a uma terrível
maldição, fazendo-o jurar "com a mão debaixo da coxa", comprometendo-
se assim na própria virilidade tal como se usava (Gn 47,29-31). Em
segundo lugar, sabendo para onde caminhava o Plano de Deus com
referência à Aliança, passa a preparar o terreno onde plantar a Bênção da
Primogenitura e onde transplantar a Bênção da Aliança, tal como foi esta
prometida a Abraão, que a deu ao seu pai Isaac e este lha transmitiu, como
vinha de novo "meditando em seu coração" (Gn 37,11). Adoecendo, José
leva-lhe seus dois filhos, Efraim e Manassés, nascidos no Egito de seu
casamento com Asenete (Gn 41,45.50-52). Concluído que é em José que
te-ria prosseguimento, é a ele que destina ambas as bênçãos, e lhe entrega
a dupla parte da herança (Dt 21,17) em forma de adoção dos dois filhos
dele como seus, tornando-os herdeiros como qualquer um dos outros filhos
e com eles concorrendo à herança (Gn 48,5-6):
"Depois disse Israel a José: Eis que eu morro; mas Deus será convosco, e vos
fará tor-nar para a terra de vossos pais. E eu te dou um pedaço de terra a mais
do que a teus irmãos, o qual tomei com a minha espada e com o meu arco da
mão dos amorreus" (Gn 48,21-22).
Essa determinação tem a mesma dimensão da que fará José a seus irmãos
(Gn 50,24-25), o que evidencia a transitoriedade da mudança do tribo para
o Egito. Além disso, consoante a Bênção de Ja-có, a Tribo de Efraim na
realidade será bem mais numerosa e de grande projeção e poder no seio
do Povo de Israel, e irá se destacar durante a Monarquia, quando irá
fundar, constituir e conduzir o Reino do Norte, na sedição das tribos (1Rs
11,26 / 1Rs 12). Sua preeminência será tão notória que o próprio Moisés a
afirmará, já no seu tempo, comparando-a com Manassés:
"...Eis o seu novilho primogênito; ele tem majestade; e os seus chifres são
chifres de boi selvagem; com eles rechaçará todos os povos, sim, todas as
extremidades da terra. Tais são as miríades de Efraim, e tais são os milhares de
Manassés" (Dt 33,17c).
Além disso, aqui nesse trecho, o próprio Moisés trata José como "novilho
primogênito, com majestade e chifres de boi selvagem". Esta narrativa da
Bênção dos filhos de José é um ótimo exemplo daquela Regra oferecida na
Introdução para não se ater aos capítulos e versículos, mas sempre
observar o começo e o fim do assunto que se lê. Observe-se que a divisão
entre capítulo 48 e 49 não tem sentido e é aleatória, não se tratando de
momentos diferentes mas do prosseguimento de um mesmo ato, a Bênção
de Jacó a todos os seus filhos. Então, após confirmar a Aliança de Abraão,
com a distribuição inicial da Bênção para José e seus filhos Efraim e
Manassés, Jacó se volta para seus outros filhos e completa o seu trabalho
com uma locução, que se conhece ora como oráculo (Gn 49,1b) ora como
bênção (Gn 49,28c):
"Depois chamou Jacó a seus filhos, e disse: Ajuntai-vos para que eu vos
anuncie o que vos há de acontecer nos dias vindouros. Ajuntai-vos, e ouvi,
filhos de Jacó; ouvi a Israel vosso pai..." (Gn 49,1-2) / "Todas estas são as doze
tribos de Israel: e isto é o que lhes falou seu pai quando os abençoou; a cada
um deles abençoou segundo a sua bênção" (Gn 49,28).
Ao que tudo indica porém, teria sido proferida próximo da própria morte
que, com o desenrolar da História do Povo de Israel, foi sendo acrescida de
fatos pertinentes às tribos que tinham referência até mesmo remota com as
palavras de Jacó, mantidos no contexto pelo narrador tudo o que lhe
chegou por tradição oral, e na forma de um poema. Isso acontece muito em
Bíblia eis que não se escreve o fato no momento de sua ocorrência, mas
muito tempo após, já mesclado com várias acomodações. Por causa disso,
é necessário que o oráculo de Judá seja examinado, principalmente no seu
conteúdo religioso, destacando-se o seu teor messiânico. Ainda, no aspecto
cultural é de se verificar a existência de detalhes da primogenitura que vai
nos realçar a sua importância, principalmente quando se dirige a Rubem,
que como já vimos traiu o pai, praticando um "incesto" com a concubina
dele, Bala, a serva de Raquel (Gn 35,22):
"Rúben, tu és meu primogênito, minha força e as primícias do meu vigor,
preemi-nente em dignidade e preeminente em poder. Impetuoso como a água,
não reterás a preeminência; porquanto subiste ao leito de teu pai; então o
profanaste. Sim, ele su-biu à minha cama" (Gn 49,3-4).
"De Hosa, dos filhos de Merári, foram filhos: Sínri o chefe, ainda que não era o
pri-mogênito, contudo seu pai o constituiu chefe..." (1Cro 26,10).
Percebe-se que deve ter sido um problema difícil para Jacó esse de
desenvolver e conciliar o prosseguimento da Aliança entre os filhos, pois
caso seguisse uma ordem normal e lógica, a primoge-nitura caberia agora a
Judá, que assim esperava, ficando definido o caminho. Não que
necessariamente devesse seguir uma hierarquia determinada pela ordem
cronológica dos nascimentos, mas deve ter se-guido uma qualquer, mesmo
que pensada, planejada e amadurecida no decorrer de sua vida toda. Ago-
ra, o advento de José da forma como aconteceu alterou tudo clamando por
uma revisão, já que um novo elemento vem integrar a disposição racional já
deliberada e pronta. Principalmente por "conser-var na memória os fatos"
(Gn 37,11b), e já lhe "ter urdido uma túnica talar" (Gn 37,3c), e os "sonhos
que teve" (Gn 37,5.9), que naquele tempo eram vistos como presságios do
futuro, o convencerem en-tão do lugar onde iria desaguar a corrente da
Aliança. Sendo assim, o que planejara com o seu desapa-recimento ficaria
alterado não mais se admitindo que seguiria tudo apenas em Judá e, com o
retorno de José, impunha-se uma revisão total, pelo que parece afirmar:
"Judá, a ti te louvarão teus irmãos; a tua mão será sobre o pescoço de teus
inimigos: diante de ti se prostrarão os filhos de teu pai. Judá é um leão novo.
Voltaste da presa, meu filho. Ele se encurva e se deita como um leão, e como
uma leoa; quem o desperta-rá? O cetro não se afastará de Judá, nem o bastão
de comando dentre seus pés, até que venha aquele a quem pertence; e a ele
obedecerão os povos. Atando ele o seu jumentinho à vide, e o filho da sua
jumenta à videira seleta, lava as suas roupas em vinho e a sua vestidura em
sangue de uvas. Os olhos serão escurecidos pelo vinho, e os dentes brancos de
leite" (Gn 49,8-12).
"Judá, a ti te louvarão teus irmãos; a tua mão será sobre o pescoço de teus
inimi-gos: diante de ti se prostrarão os filhos de teu pai" (Gn 49,8).
Gn 49,9 Ap 5,5
"E disse-me um dentre os anciãos: Não
Judá é um
chores; eis que o
leãozinho. Voltaste da presa, meu
filho.
Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi,
Ele se encurva e se deita como
venceu para abrir o livro e romper os seus
um leão,
sete selos."
e como uma leoa; quem o
despertará?"
"Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? pois do oriente vimos a sua
estrela e viemos adorá-lo. O rei Herodes, ouvindo isso, perturbou-se, e com ele
toda a Jeru-salém; e, reunindo todos os principais sacerdotes e os escribas do
povo, pergunta-va-lhes onde havia de nascer o Cristo. Responderam-lhe eles:
Em Belém da Ju-déia..." (Mt 2,2-5).
"O rei Herodes, ouvindo isso, perturbou-se..." - ora, somente por ter
nascido um menino a quem estrangeiros qualificavam de "rei dos
judeus"?
"José é um ramo frutífero, ramo frutífero junto a uma fonte; seus raminhos
se estendem sobre o muro. Os flecheiros lhe deram amargura, e o
flecharam e perseguiram, mas o seu arco permaneceu firme, e os seus
braços foram fortalecidos pelas mãos do Pode-roso de Jacó, o Pastor, o
Rochedo de Israel, pelo Deus de teu pai, o qual te ajuda-rá, e pelo Todo-
Poderoso, o qual te abençoara, com bênçãos dos céus em cima, com
bênçãos do abismo que jaz embaixo, com bênçãos dos seios e da madre.
As bênçãos de teu pai excedem as bênçãos dos montes eternos, as coisas
desejadas dos eternos outeiros; sejam elas sobre a cabeça de José, e
sobre o alto da cabeça daquele que foi consagrado de seus irmãos" (Gn
49,22-26).
"Depois lhes deu ordem, dizendo-lhes: Eu estou para ser congregado ao meu
povo; sepultai-me com meus pais, na cova que está no campo de Efrom, o
heteu, na cova que está no campo de Macpela, que está em frente de Manre, na
terra de Canaã, cova esta que Abraão comprou de Efrom, o heteu, juntamente
com o respectivo campo, como propriedade de sepultura. Ali sepultaram a
Abraão e a Sara, sua mulher; ali sepultaram a Isaque e a Rebeca, sua mulher;
e ali eu sepultei a Lia. O campo e a cova que está nele foram comprados aos
filhos de Hete. Acabando Jacó de dar estas instruções a seus fi-lhos, encolheu
os seus pés na cama, expirou e foi congregado ao seu povo" (Gn 49,29-33).
Quando Abraão comprou a gruta onde sepultou Sara (Gn 23,1-20), tal
como se pensava na antigüidade, tomou posse da Terra Prometida, sua
residência para sempre, e é para o mesmo lugar que deverá ser
transportado Jacó, "para ser congregado ao seu povo", tal como se
acreditava na "vida após a morte", como se verá também em outros lugares
da Escritura, o que foi feito (Gn 50,7-14). Sepultado o pai, José é assediado
pelos irmãos, que dele agora temiam uma represália pelo que lhe fizeram,
ao que lhes comunica a isenção de qualquer mágoa e de profunda fé na
direção dos acontecimentos por Deus (Gn 50,15-21). E, quando se
aproxima o fim de seus dias, bem vividos, dita as últimas ordens a seus
irmãos, o que comprova a sua qualidade de "chefe", de "primogênito no
exercício de suas funções" em direção aos compromissos da Aliança:
"Depois disse José a seus irmãos: Eu morro; mas Deus certamente vos visitará,
e vos fará subir desta terra para a terra que jurou a Abraão, a Isaque e a Jacó.
E José fez jurar os filhos de Israel, dizendo: Certamente Deus vos visitará, e
fareis transportar daqui os meus ossos. Assim morreu José, tendo cento e dez
anos de idade; e o embalsamaram e o puseram num caixão no Egito" (Gn
50,24-26).
"O povo saído de Abraão será o depositário da promessa feita aos patriarcas, o
povo eleito (Rm 11,28), chamado a preparar a reunião, um dia, de todos os
filhos de Deus na unidade da Igreja (Jo 11,52; 10,16). Será o tronco em que
serão enxertados os pagãos tornados crentes (Rm 11,17-18,24)".
"Depois disse José a seus irmãos, e à casa de seu pai: Eu subirei e informarei a
Faraó, e lhe direi: Meus irmãos e a casa de meu pai, que estavam na terra de
Canaã, vieram para mim. Os homens são pastores, que se ocupam em
apascentar gado; e trouxeram os seus rebanhos, o seu gado e tudo o que têm.
Quando, pois, Faraó vos chamar e vos perguntar: Que ocupação é a vossa?
respondereis: Nós, teus servos, temos sido pastores de gado desde a nossa mocidade
até agora, tanto nós como nossos pais. Isso direis para que habiteis na terra de
Gessen; porque todo pastor de ovelhas é abominação para os egípcios" (Gn
46,31-34).
"...Respondeu Moisés: Não convém que assim se faça, porque é abominação aos
egípcios o que havemos de oferecer ao Senhor nosso Deus. Sacrificando nós a
abominação dos egípcios perante os seus olhos, não nos apedrejarão eles?..."
(Ex 8,21-23).
"José, pois, estabeleceu isto por estatuto quanto ao solo do Egito, até o dia de hoje,
que ao Faraó coubesse o quinto da produção; somente a terra dos sacerdotes não
ficou sendo de Faraó. Assim habitou Israel na terra do Egito, na terra de Gessen; e
nela adquiriram propriedades, e foram fecundos e multiplicaram-se muito" (Gn
47,26-27).
Já vimos que naquele tempo cada povo tinha um deus ou cada deus tinha o
seu povo. Podia se distinguir um povo pelo deus que adorava e servia.
Enquanto vivo José cuidou dos irmãos e suas famílias (Gn 47,11-12), mas:
"Morreu, pois, José, e todos os seus irmãos, e toda aquela geração. Os filhos de
Israel frutificaram e aumentaram muito, multiplicaram-se e tornaram-se
sobremaneira fortes, de modo que a terra se encheu deles. Levantou-se sobre o
Egito um novo rei, que não conhecera a José. Disse ele ao seu povo: Eis que o Povo
dos Filhos de Israel é mais numeroso e mais forte do que nós" (Ex 1,6-9).
"Eia, usemos de astúcia para com ele, para que não se multiplique, e aconteça que,
vindo guerra, ele também se ajunte com os nossos inimigos, e peleje contra nós e se
retire da terra. Portanto puseram sobre eles feitores, para os afligirem com suas
cargas. Assim os israelitas edificaram para Faraó cidades armazéns, Pitom e
Ramsés. Mas quanto mais os egípcios afligiam o povo de Israel, tanto mais este se
multiplicava e se espalhava; de maneira que os egípcios se preocupavam por causa
dos filhos de Israel. Por isso os egípcios faziam os filhos de Israel servir com
dureza; assim lhes amarguravam a vida com pesados serviços em barro e em tijolos,
e com toda sorte de trabalho no campo, enfim com todo o seu serviço, em que os
faziam servir com dureza" (Ex 1,10-14).
"... os egípcios faziam os filhos de Israel servir com dureza; assim lhes
amarguravam a vida com pesados serviços em barro e em tijolos, e
com toda sorte de trabalho no campo, enfim com todo o seu serviço,
em que os faziam servir com dureza", repetindo propositadamente o final
da transcrição acima, vê-se que o regime de servidão a que foram
submetidos e agravado mais ainda com mais rigor pelo antagonismo criado
atingia toda a extensa faixa em que trabalhavam, não só nos tijolos do
exemplo escolhido pelo narrador (Ex 5,6-8). Mas, mesmo assim, temia o
Faraó que se aliassem a alguma nação estrangeira e, em virtude da sua
localização fronteiriça, lhes facilitasse a saída do país, com a evasão
daquele imposto de um quinto da produção, e do trabalho escravo a que os
submeteram na servidão do regime. Não pode ser outro o motivo de tanta
preocupação e de tanta providência estremada, cuja evasão do país
causaria sério transtorno econômico, pois apesar da opressão, os israelitas
eram bastante produtivos:
" Portanto puseram sobre eles feitores, para os afligirem com suas cargas. Assim os
israelitas edificaram para Faraó cidades armazéns, Pitom e Ramsés" (Ex 1,11).
Mas, como acontece com um povo geralmente perseguido, quanto mais era
oprimido mais se desenvolvia e crescia nele o sentimento de unidade,
fortalecendo-lhe a resistência. Não satisfeito, o Faraó determinou o
extermínio dos meninos nascituros, não o conseguindo em virtude de uma
qualidade das "mulheres hebréias que davam à luz antes que cheguem as
parteiras" (Ex 1,19). Mesmo assim, aumentava e se tornava mais resistente
obrigando o Faraó à medidas extremas (Ex 1,20-22). Contorcendo-se no
mundo de pecado o Povo de Deus amadurecia no sofrimento e cada vez
mais tomava consciência de sua unidade na fé, e mais se fortalecia. Esta
opressão durou muito tempo, o que se comprova pelo decorrido em se
modificarem providências diversas, pela ineficácia constatada (Ex 1,11s /
1,15 / 1,22), e até mesmo suficiente para se poder reconhecer a Bênção de
Deus às parteiras que protegeram a mulher hebréia, "dando-lhes uma
posteridade" (Ex 1,15-21).
"Pela fé Moisés, logo ao nascer, foi escondido por seus pais durante três meses,
porque viram que o menino era formoso; e não temeram o decreto do rei" (Hb
11,23)
Moisés, da "Tribo de Levi", muito embora mal vista pelo pai Jacó, com a
destituição da primogenitura (Gn 49,5-7), é quem vai comandar a libertação
de Israel das garras dos egípcios, conduzi-los até a Terra Prometida e
completar assim a Promessa feita a Abraão (Gn 12,7; 13,15; 15,18; 17,8).
Outra tradição israelita viu esse tempo de Moisés com mais profundidade
que a narrativa em tela, oferecendo um pouco mais de detalhes, fruto de
outra fonte:
Deus não se sujeita às convenções dos homens, mesmo se por vezes elas
se integrem em seus desígnios, e fará sempre o que for preciso para atingi-
los, tal como dirá a Moisés: "...terei misericórdia de quem eu tiver
misericórdia, e me compadecerei de quem me compadecer" (Ex 33,19), e o
escolhe. Moisés sacrifica todo o seu conforto na corte faraônica e se
esforça para se impor como líder israelita:
"Pela fé Moisés, sendo já homem, recusou ser chamado filho da filha de Faraó,
escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus do que ter por algum tempo o
gozo do pecado, tendo por maiores riquezas o opróbrio de Cristo do que os tesouros
do Egito; porque tinha em vista a recompensa. Pela fé deixou o Egito, não temendo
a ira do rei; porque ficou firme, como quem vê aquele que é invisível (Hb 11,24-
27).
"Assim Moisés foi instruído em toda a sabedoria dos egípcios, e era poderoso em
palavras e obras. Ora, quando ele completou quarenta anos, veio-lhe ao coração
visitar seus irmãos, os filhos de Israel. E vendo um deles sofrer injustamente,
defendeu-o, e vingou o oprimido, matando o egípcio. Cuidava que seus irmãos
entenderiam que por mão dele Deus lhes havia de dar a liberdade; mas eles não
entenderam. No dia seguinte apareceu-lhes quando brigavam, e quis levá-los à paz,
dizendo: 'Homens, sois irmãos; por que vos maltratais um ao outro?' Mas o que
fazia injustiça ao seu próximo o repeliu, dizendo: 'Quem te constituiu senhor e juiz
sobre nós? Acaso queres tu matar-me, como ontem mataste o egípcio?' A esta
palavra fugiu Moisés, e tornou-se peregrino na terra de Madiã, onde gerou dois
filhos" (At 7,22-29).
Ai, junto a um poço encontra, tal como aconteceu com Isaac e Jacó, as
filhas de um sacerdote, defendendo-as e dando de beber ao rebanho, pelo
que é acolhido e futuramente se casa com uma delas, que lhe deu um filho
Gerson (Ex 16,22) e outro Eliezer (Ex 18,4). Moisés, em virtude da sua
opção, também passa pelas mesmas vicissitudes por que passaram os
Patriarcas, por aquele amadurecer que lhe vem pelo sofrimento, até que
Deus se lembre de sua Promessa e da Aliança:
"E vendo o Senhor que ele se virara para ver, chamou-o do meio da sarça, e disse:
Moisés, Moisés! Respondeu ele: Eis-me aqui. Prosseguiu Deus: Não te chegues
para cá; tira os sapatos dos pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa. Disse
mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, e o Deus de
Jacó. E Moisés escondeu o rosto, porque temeu olhar para Deus. Então disse o
Senhor: Com efeito tenho visto a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho
ouvido o seu clamor por causa dos seus opressores, porque conheço os seus
sofrimentos; e desci para o livrar da mão dos egípcios, e para o fazer subir daquela
terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que mana leite e mel... E agora,
eis que o clamor dos filhos de Israel é vindo a mim; e também tenho visto a
opressão com que os egípcios os oprimem. Agora, pois, vem e eu te enviarei a
Faraó, para que tires do Egito o meu povo, os filhos de Israel" (Ex 3,4-10).
" Então Moisés disse a Deus: Quem sou eu, para que vá a Faraó e tire do Egito os
filhos de Israel? Respondeu-lhe Deus: Certamente eu estarei contigo; e isto te
será por sinal de que eu te enviei: Quando houveres tirado do Egito o meu
povo, servireis a Deus neste monte. Então disse Moisés a Deus: Eis que quando eu
for aos filhos de Israel, e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós; e eles
me perguntarem: Qual é o seu nome? Que lhes direi? Respondeu Deus a Moisés:
EU SOU AQUELE QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU
SOU me enviou a vós. E Deus disse mais a Moisés: Assim dirás aos filhos de Israel:
O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, e o Deus
de Jacó, me enviou a vós; este é o meu nome eternamente, e este é o meu memorial
de geração em geração" (Ex 3,11-15).
"Isto te será por sinal de que eu te enviei: Quando houveres tirado do Egito
o meu povo, servireis a Deus neste monte", foi o sinal dado por Deus a se
realizar no futuro, aceito absurdamente por Moisés, a não ser que se
explique por um ato de profunda fé, cuja simples afirmação de Deus,
"certamente eu estarei contigo", lhe foi suficiente. A mesma fé de Abraão,
Isaac e Jacó prossegue seu caminho na realização da Aliança. Por outro
lado, e da mesma forma, o "...mais numeroso e mais forte do que nós" (Ex
1,9), tornou-se temido pelo Faraó não apenas em virtude do número de
pessoas, mas sobretudo do modo particular, especial e peculiar da fé, da
vida em comum e da unidade de seus membros, no que muito se distinguia.
Realmente. É um povo já organizado, consciente de sua unidade, tinha até
mesmo chefes distintos daqueles do Egito, a quem obedecia, só lhe
faltando a independência oficial para se desmembrar:
" Vai, ajunta os anciãos de Israel e dize-lhes: O Senhor, o Deus de vossos pais, o
Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, apareceu-me, dizendo: certamente vos tenho
visitado e visto o que vos tem sido feito no Egito; e tenho dito: Far-vos-ei subir da
aflição(...) para uma terra que mana leite e mel. E ouvirão a tua voz..." (Ex 3,16-
18a).
Os Filhos de Jacó tinham uma fé comum, uma única fé, a fé dos pais, criam
e esperavam num único e mesmo Senhor, "o Deus de Abraão, de Isaac e
de Jacó", a quem cultuavam e eram fiéis, fruto de uma tradição oral de
quatrocentos anos, mantida viva e fiel (Gn 15,13). Os hebreus mantiveram
oralmente a fé dos antepassados, vivendo em terra estranha e alheia,
peregrinos. Não sendo assim não teria sentido dizer-lhes, nem ser-se-ia
compreendido, que se tratava d"o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão,
o Deus de Isaac, o Deus de Jacó":
" E ouvirão a tua voz; e ireis, tu e os anciãos de Israel, ao rei do Egito, e dir-lhe-eis:
O Senhor, o Deus dos hebreus, encontrou-nos. Agora, pois, deixa-nos ir caminho de
três dias para o deserto, para que ofereçamos sacrifícios ao Senhor nosso Deus" (Ex
3,18).
"Então disse o Senhor a Abrão: Sabe com certeza que a tua descendência será
peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por
quatrocentos anos; sabe também que eu julgarei a nação a qual ela tem de servir; e
depois sairá com muitos bens" (Gn 15,13-14).
"Agora, pois, deixa-nos ir caminho de três dias para o deserto, para que ofereçamos
sacrifícios ao Senhor nosso Deus" (Ex 3,18).
É que não podiam oferecer seus sacrifícios, pois as vítimas que ofereciam a
Deus eram deuses para os egípcios, o que lhes era "abominável", ofensivo
e ultrajante, pois que adoravam o boi, o carneiro e outros animais, imolados
pelos israelitas:
" Então chamou Faraó a Moisés e a Aarão, e disse: Ide, e oferecei sacrifícios ao
vosso Deus nesta terra. Respondeu Moisés: Não convém que assim se faça, porque
é abominação aos egípcios o que havemos de oferecer ao Senhor nosso Deus.
Sacrificando nós a abominação dos egípcios perante os seus olhos, não nos
apedrejarão eles? Havemos de ir caminho de três dias ao deserto, para que
ofereçamos sacrifícios ao Senhor nosso Deus, como ele nos ordenar" (Ex 8,21-23).
" Eu sei, porém, que o rei do Egito não vos deixará ir, a não ser por uma forte mão.
Portanto estenderei a minha mão, e ferirei o Egito com todas as minhas maravilhas
que farei no meio dele. Depois vos deixará ir. E eu darei graça a este povo aos olhos
dos egípcios; e acontecerá que, quando sairdes, não saireis vazios. Porque cada
mulher pedirá à sua vizinha e à sua hóspede jóias de prata e jóias de ouro, bem
como vestidos, os quais poreis sobre vossos filhos e sobre vossas filhas; assim
despojareis os egípcios" (Ex 3,19-22).
"Então disse Moisés ao Senhor: Ah, Senhor! eu não sou eloqüente, nunca o fui, nem
depois que falaste ao teu servo; porque sou pesado de boca e pesado de língua. (...)
Então se acendeu contra Moisés a ira do Senhor, e disse ele: Não é Aarão, o levita,
teu irmão? eu sei que ele pode falar bem. (...) Tu, pois, lhe falarás, e porás as
palavras na sua boca; e eu serei com a tua boca e com a dele, e vos ensinarei o
que haveis de fazer. E ele falará por ti ao povo; assim e será a tua boca, e tu
serás para ele Deus" (Ex 4,10-16).
"Então disse o Senhor a Moisés: Eis que te tenho posto como Deus a Faraó, e
Aarão, teu irmão, será o teu profeta. Tu falarás tudo o que eu te mandar; e
Aarão, teu irmão, falará a Faraó, que deixe ir os filhos de Israel da sua terra" (Ex
7,1-2).
"E ele falará por ti ao povo; assim ele será a tua boca, e tu serás para ele
Deus" (Ex 4,16) e "Aarão, teu irmão, será o teu profeta. Tu falarás tudo o
que eu te mandar; e Aarão, teu irmão, falará a Faraó (Ex 7,1-2). Basta a
leitura dos trechos acima transcritos para se perceber que "profeta é a boca
de Deus", "aquele que fala o que Deus coloca na sua boca" e não aquele
que faz vaticínios ou previsões de futuro. Como para Deus não há tempo,
as palavras que coloca na boca do profeta são sempre atuais, sempre se
realizam, parecendo que fez um vaticínio. Mas, é profeta porque fala aquilo,
e só aquilo, que Deus o manda falar, só por isso. Daí porque Aarão era o
profeta de Moisés, falando o que lhe determinava e Moisés funcionara
como deus para ele, colocando na sua boca o que deveria dizer. Assim
convencido e municiado com a "Vara de Deus" (Ex 4,17.20), Moisés parte
de Madiã:
"Tomarás, pois, na tua mão esta vara, com que hás de fazer os sinais. (...) Disse
também o Senhor a Moisés em Madiã: Vai, volta para o Egito; porque morreram
todos os que procuravam tirar-te a vida. Tomou, pois, Moisés sua mulher e seus
filhos, e os fez montar num jumento e tornou à terra do Egito; e Moisés levou a
vara de Deus na sua mão" (Ex 4,17-20).
"...volta (...) porque morreram todos os que procuravam tirar... a vida" - esta
frase servirá de modelo a outra que será dita muitos séculos depois,
"cumprindo" o que aqui se "configurava" - José no Egito com o Menino
Jesus, fugindo de Herodes ouvirá a mesma conotação (cfr. Mt 2,20).
Mateus usará para mostrar com seu Evangelho, Jesus como o Moisés
prometido (Dt 18,15), já que José, parafraseando, "tomou, pois, ...sua
mulher e seu filho, e os fez montar num jumento e retornou à terra..." (cfr.
Mt 2,21).
"Depois foram Moisés e Aarão e disseram a Faraó: Assim diz o Senhor, o Deus de
Israel: Deixa ir o meu povo, para que me celebre uma festa no deserto. Mas Faraó
respondeu: Quem é o Senhor, para que eu ouça a sua voz para deixar ir Israel?
Não conheço o Senhor, nem tampouco deixarei ir Israel" (Ex 5,1-2).
"Não conheço o Senhor, nem tampouco deixarei ir Israel" (Ex 5,2). O Faraó,
desconhecendo Deus, não se curvou, pelo contrário, vendo Sua presença
arraigada no coração daquele povo, e vendo também a predileção
generalizada por Ele, enciumado "endureceu-se-lhe" orgulhosamente o seu
"coração" (Ex 3,19; 4,21; 7,3.13.22; 8,11.15; 9,7.12.34s; 10,1.20.27; 11,10;
14,4.8.17). Deus não "endurece o coração" de ninguém a não ser como
efeito do próprio orgulho, opondo-se ou virando-se contra Ele (Ex 3,19), não
O aceitando nos sinais de Sua manifestação. Por isso a multiforme
expressão usada de "endurecer o coração", tendo por autor ora o próprio
Deus (Ex 4,21; 7,3; 9,12; 10,1.20.27; 11,10; 14,4.8.17), ora o próprio
coração (Ex 7,13.22; 8,15; 9,7.35), ora o Faraó (Ex 8,11.28; 9,34), tal como
Moisés fora alertado pelo próprio Iahweh (Ex 3,19). Além disso, para
combater e sabotar o pedido, o Faraó dá ordens para seus capatazes mais
ainda oprimirem os israelitas (Ex 5,6-19), o que causou revolta contra
Moisés e Aarão, fazendo com que Deus fosse invocado (Ex 5,20-23) e
novamente se referisse ao modo como seria vencida aquela obstinação:
"Então disse o Senhor a Moisés: Agora verás o que hei de fazer a Faraó; pois por
uma poderosa mão os deixará ir, sim, por uma poderosa mão os expulsará de sua
terra" (Ex 6,1).
"Ademais, tenho ouvido o gemer dos filhos de Israel, que os egípcios escravizam; e
lembrei-me da minha Aliança. Portanto dize aos filhos de Israel: Eu sou Iahweh; eu
vos tirarei de debaixo das cargas dos egípcios, livrar-vos-ei da sua servidão, e vos
resgatarei com braço estendido e com grandes juízos. Tomar-vos-ei por meu povo e
serei vosso Deus; e vós sabereis que eu sou Iahweh vosso Deus, que vos tiro de
debaixo das cargas dos egípcios. Introduzir-vos-ei na terra que jurei dar a Abraão, a
Isaac e a Jacó; e vo-la darei por herança. Eu sou Iahweh" (Ex 6,5-8).
"Tomar-vos-ei por meu povo e serei vosso Deus; e vós sabereis que eu sou
Iahweh vosso Deus" - Deus ratifica a formação de Seu Povo e confirma
toda a esperança que alimentaram de serem "introduzidos na terra que jurei
dar a Abraão, a Isaac e a Jacó; e vo-la darei por herança. Eu sou Iahweh",
condição que irá impregnar a Obra da Redenção:
"Mas Faraó não vos ouvirá; e eu porei minha mão sobre o Egito, e tirarei os meus
exércitos, o meu povo, os filhos de Israel, da terra do Egito, com grandes juízos. E
os egípcios saberão que eu sou o Senhor, quando estender a minha mão sobre o
Egito, e tirar os filhos de Israel do meio deles" (Ex 7,4-5).
"... Então disseram os magos a Faraó: Isto é o dedo de (um) Deus... " (Ex 8,15).
Prosseguem os prodígios cada vez mais sérios e graves, fazendo com que
o Faraó fosse se enfraquecendo, mas ao sinal de que os israelitas
deixariam o país, novamente endurecia o coração e voltava atrás, até que
os seus próprios servos o advertiram, levando-o a tentar outra alternativa,
sem nada conseguir:
"Então disse Faraó: Eu vos deixarei ir, para que ofereçais sacrifícios ao Senhor
vosso Deus no deserto; somente não ireis muito longe; e orai por mim" (Ex 8,24).
"...e orai por mim" - esta frase do Faraó, em conjunto com as várias
maneiras de se referir ao "endurecimento de seu coração", chama a
atenção e requer uma explicação para uma incoerência assim tão clara.
Ainda mais quando se percebe que não existe uma só referência a um dos
deuses do Egito, tão combatidos, mesmo quando da praga das rãs, tendo
no seu panteão uma "deusa - rã". Nesta luta de Iahweh contra os deuses, o
nome deles não é mencionado, sabendo-se do escrúpulo israelita a esse
respeito, não os mencionando nem mesmo pronunciando o nome deles.
Mas a presença dos magos leva a concluir que estavam sempre
influenciando o Faraó, mesmo quando ele começava a ceder aos hebreus.
Mais se parece com séria dificuldade por que passavam ele, os magos e os
seus oficiais ou servos (Ex 8,4.14.15.24; 9,11.20.30; 10,7.11.16.20.24.27
etc.), debatendo-se entre a crença supersticiosa em seus deuses e no Deus
do Povo dos Filhos de Israel, comprovadamente mais poderoso pelas obras
que realizava. E as concessões que fizeram não passaram de tentativas
para impedir a saída do Egito, já convencidos da sua superioridade de fé.
Em uma das últimas oportunidades, após uma manifestação de medo e
desespero (Ex 10,7), buscaram até mesmo que oferecessem o sacrifício
sem a imolação de animais, alguns sagrados para eles, quando o Faraó
tenta ainda uma forma de conseguir que não saíssem do país, pretendendo
que somente os homens fossem ao sacrifício (Ex 10,7-11). Finalmente,
Iahweh vem, de uma vez por todas, por fim à luta:
"Disse o Senhor a Moisés: Ainda mais uma praga trarei sobre Faraó, e sobre o
Egito; depois ele vos deixará ir daqui; e, deixando vos ir a todos, com efeito vos
expulsará daqui. (...) À meia-noite eu sairei pelo meio do Egito; e todos os
primogênitos na terra do Egito morrerão, desde o primogênito do Faraó, que se
assenta sobre o seu trono, até o primogênito da serva que está detrás da mó, e todos
os primogênitos dos animais. Pelo que haverá grande clamor em toda a terra do
Egito, como nunca houve nem haverá jamais. Mas contra os filhos de Israel desde
os homens até os animais nem mesmo um cão ganirá, para que saibais que o Senhor
faz distinção entre os egípcios e os filhos de Israel" (Ex 11,1-7).
"... todos os primogênitos na terra do Egito morrerão, desde o
primogênito de Faraó, que se assenta sobre o seu trono, até o
primogênito da serva que está detrás da mó, e todos os primogênitos
dos animais" - "todos os primogênitos dos egípcios morrerão" - Por quê os
primogênitos? O resultado seria menos assustador, ou menos devastador,
fossem mortos outros filhos que não os primogênitos? Se Deus houvera
anunciado a morte da totalidade de uma determinada criatura, de um tipo
só e em todo o Egito, seria também assustador o acontecimento. E o
resultado seria o mesmo tal como previsto, até mesmo com a mesma
obstinação seguida ao reconhecimento, condição já se tornando por demais
presente, mas agora com uma esperança de solução derradeira e definitiva:
"Disse o Senhor a Moisés: Ainda mais uma praga trarei sobre Faraó, e sobre o
Egito; depois ele vos deixará ir daqui; e, deixando vos ir a todos, com efeito vos
expulsará daqui (...) Então todos estes teus servos descerão a mim, e se inclinarão
diante de mim, dizendo: Sai tu, e todo o povo que te segue as pisadas. Depois disso
eu sairei. E Moisés saiu da presença de Faraó ardendo em ira. Pois o Senhor dissera
a Moisés: Faraó não vos ouvirá, para que as minhas maravilhas se multipliquem na
terra do Egito. E Moisés e Aarão fizeram todas estas maravilhas diante de Faraó;
mas o Senhor endureceu o coração de Faraó, que não deixou ir da sua terra os filhos
de Israel" (Ex 11,1.8-10).
"Disse ainda o Senhor a Moisés: Quando voltares ao Egito, vê que faças diante de
Faraó todas as maravilhas que tenho posto na tua mão; mas eu endurecerei o seu
coração, e ele não deixará ir o povo. Então dirás a Faraó: Assim diz o Senhor: Israel
é meu filho, meu primogênito; e eu te tenho dito: Deixa partir meu filho para que
me sirva; mas tu recusaste deixá-lo ir; eis que eu matarei o teu filho, o teu
primogênito" (Ex 4,21-23).
Ora, Deus não comunica nada à toa nem sem sentido ou que não seja
compreendido pelo seu "eleito", que sempre pede esclarecimentos quando
não O entende. Então Moisés compreendeu o que Deus quisera dizer com
a eliminação dos primogênitos. O que já se viu a respeito dessa instituição
é que o primogênito se destinava à chefia da tribo ou clã, enquanto
nômades. Mesmo que entre os egípcios isso se aplicasse, já que não o
eram e lhes nutriam antipatia (Gn 46,34c), o único primogênito que a ela
destinar-se-ia seria filho do Faraó. Mas, foram incluídos "todos os
primogênitos na terra do Egito..., desde o primogênito de Faraó, que se
assenta sobre o seu trono, até o primogênito da serva que está detrás da
mó, e todos os primogênitos dos animais", numa ampla generalização.
Alguma outra qualidade existe que tanto valorizava essa instituição,
principalmente fazendo coincidir com a Instituição da Páscoa uma
eliminação em massa dos primogênitos de todo o Egito, tanto de homens
como de animais, e ainda com essa mesma denominação qualificar Israel:
"...Assim diz o Senhor: Israel é meu filho, meu primogênito..." (Ex 4,22)
"A este Moisés que eles haviam repelido, dizendo: Quem te constituiu senhor e
juiz? a este enviou Deus como senhor e libertador, pela mão do anjo que lhe
aparecera na sarça. Foi este que os conduziu para fora, fazendo prodígios e sinais na
terra do Egito, e no Mar Vermelho, e no deserto por quarenta anos" (At 7,35-36).
"Foi este que os conduziu para fora, fazendo prodígios e sinais na terra do Egito...",
mesmo que fossem fenômenos naturais como alguns querem, sua ocorrência súbita
e o seu término em momentos determinados por Moisés, mostraram uma origem
bem diferente da de um acontecimento da natureza. Era Iahweh que comandava os
fenômenos tornando-os seus instrumentos, pelo que se impôs como Deus ao Faraó,
que a pouco e pouco, não O reconhecendo de início (Ex 5,2) e respondendo com um
agravamento da opressão (Ex 5,6-19), vai reconhecê-lo ao final com um pedido de
bênção (Ex 12,32). Também aos próprios israelitas, que inicialmente não aceitaram
Moisés e terminaram por se lhe submeter aceitando todas as suas instruções e
liderança durante o cativeiro, para a partida e após a libertação. Por isso é
dispensável discutir quanto a ocorrência ou não dos fenômenos pois um só é o fato
histórico ocorrido "milagrosamente" - a Libertação INCONDICIONAL do Povo de
Deus.
4. A INSTITUIÇÃO DA PÁSCOA
"Assim pois o comereis: Os vossos lombos cingidos, os vossos sapatos nos pés, e o
vosso cajado na mão; e o comereis apressadamente; ESTA É A PÁSCOA (ISTO É
'PASSAGEM') DO SENHOR" (Ex 12,11).
"E quando vossos filhos vos perguntarem: Que quereis dizer com este culto?
Respondereis: Este é O SACRIFÍCIO DA PÁSCOA DO SENHOR, que passou
as casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu os egípcios, e livrou as nossas
casas" (Ex 12,26-27).
"Vede Israel segundo a carne: os que comem dos sacrifícios não estão em
comunhão com o altar?" (1Cor 10,18).
"Cegos! Pois qual é maior: a oferenda, ou o altar que santifica a oferenda?" (Mt
23,19)
"Ora, o Senhor falou a Moisés e a Aarão na terra do Egito: Este mês será para vós o
princípio dos meses; será o primeiro dos meses do ano. Falai a toda a
congregação de Israel, dizendo: Ao décimo dia deste mês tomará cada um para
si um cordeiro por família, um cordeiro para cada casa. Mas se a família for
pequena demais para um cordeiro, tomá-lo-á juntamente com o vizinho mais
próximo de sua casa, conforme o número de pessoas; na proporção do que
cada um puder comer. O cordeiro será sem defeito, macho e de um ano, o qual
escolhereis entre as ovelhas ou entre os cabritos, e o guardareis até o décimo quarto
dia deste mês; e toda a assembléia da congregação de Israel o matará à
tardinha. Tomarão do sangue, e pô-lo-ão em ambos os umbrais e na verga da
porta, nas casas em que o comerem. E naquela noite comerão a carne assada
ao fogo, com pães ázimos; com ervas amargas a comerão. Não comereis dele
nada cru, nem cozido em água, mas assado ao fogo; a sua cabeça com as suas
pernas e com a sua fressura. Nada dele deixareis até pela manhã; mas o que dele
ficar até pela manhã, queimá-lo-eis no fogo. Assim pois o comereis: Os lombos
cingidos, as sandálias nos pés, e o cajado na mão; e o comereis às pressas: esta
é a páscoa para o Senhor. Porque naquela noite passarei pela terra do Egito, e
ferirei todos os primogênitos na terra do Egito, tanto dos homens como dos animais;
e farei justiça sobre todos os deuses do Egito; eu o Senhor. Mas o sangue vos será
por sinal nas casas em que estiverdes; vendo eu o sangue, passarei adiante, e não
haverá entre vós praga para vos destruir, quando eu ferir a terra do Egito. E este dia
vos será um memorial, e celebrá-lo-eis como uma festa para o Senhor; através das
vossas gerações o celebrareis por estatuto perpétuo" (Ex 12,1-14).
"A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis" (Gn 9,4).
Comeriam-no numa mesma noite com pães ázimos por causa da saída às
pressas, não dispondo de tempo para levedar a massa, com ervas amargas
para se lembrar do amargor da vida no Egito e assado ao fogo evitando-se
com isso a ingestão de carne crua e de sangue. Seria comido "...às
pressas... cingidos os rins, sandália nos pés e bordão na mão...",
paramentos que sempre lhes lembrarão a libertação do Egito, preparados
assim para caminhar em terreno de difícil locomoção necessitando para
isso de se levantar a túnica e amarrá-la à altura dos rins para não se
prender no chão irregular, de calçar sandálias para a proteção dos pés e do
cajado para auxiliar os passos que dariam em corrida para a liberdade e o
longo trajeto que os esperava. Jesus, quando enviar seus discípulos em
missão (Mt 10), dar-lhes-á instruções baseadas nesse episódio mostrando
a repetição da conquista e identificando-as com as suas diferenças,
dispensando os discípulos dos objetos do despojo que se fez dos egípcios
de objetos de ouro, prata tais como os adornos, brincos etc., das provisões
para a viagem, túnica e alforje, cajado, sandálias nos pés... Por sua vez,
também, insinua uma identidade com a Páscoa dos Israelitas, pelas
mesmas palavras que usa, refletindo uma situação a Ela vinculada, ao
narrar e comparando-as:
"Não leveis ouro, nem prata, nem cobre nos vossos cintos, nem para o caminho,
nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado..." (Mt 10,9-10).
"É assim que devereis comê-lo ('o Cordeiro Pascal'): com os lombos cingidos,
sandálias nos pés e cajado nas mãos..." (...)
"Os filhos de Israel fizeram como Moisés havia dito, e pediram aos egípcios objetos
de prata, objetos de ouro e roupas (...) os egípcios lhes davam o que pediam;..." (Ex
12,11.35-36).
Mt 10,9-10 Ex 12,11.35-36
Não leveis É assim que devereis comê-lo:
cobre nos vossos cintos, os lombos cingidos
nem sandálias, sandálias nos pés
nem cajado. cajado nas mãos.
Os filhos de Israel fizeram como Moisés havia
Não leveis
dito, e pediram aos egípcios
ouro, nem prata Objetos de ouro, objetos de prata
nem cobre nos vossos cintos, nem
para o caminho,
nem duas túnicas. e roupas.
"... proclamai que o Reino dos Céus está próximo. Curai os doentes, ressuscitai
os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios. De graça recebeste, de
graça dai" (Mt 10,7-8).
Com a diferença do dia de início, no dia seguinte, quase
concomitantemente sem se confundirem, celebrava-se a Festa dos Ázimos
em que durante sete dias só se comia pão sem fermento em comemoração
à saída do Egito (Ex 12,15-20). A Páscoa deverá ser uma Festa Nacional
dos israelitas, comemorada todos os anos e por todas as gerações, sempre
recordando aos filhos o seu significado:
"Porque o Senhor passará para ferir aos egípcios; e, ao ver o sangue na verga da
porta e em ambos os umbrais, o Senhor passará aquela porta, e não deixará o
destruidor entrar em vossas casas para vos ferir. Portanto guardareis isto por
estatuto para vós e para vossos filhos, para sempre. Quando, pois, tiverdes entrado
na terra que o Senhor vos dará, como tem prometido, guardareis este culto. E
quando vossos filhos vos perguntarem: Que quereis dizer com este culto?
Respondereis: Este é o sacrifício da páscoa do Senhor, que passou as casas dos
filhos de Israel no Egito, quando feriu os egípcios, e livrou as nossas casas. Então o
povo inclinou-se e adorou. E foram os filhos de Israel, e fizeram isso; como o
Senhor ordenara a Moisés e a Aarão, assim fizeram" (Ex 12,23-28).
"Esta é uma noite que se deve guardar ao Senhor, porque os tirou da terra do Egito;
esta é a noite do Senhor, que deve ser guardada por todos os filhos de Israel através
das suas gerações" (Ex 12,42).
"Então disse o Senhor a Abrão: Sabe com certeza que a tua descendência será
peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por
quatrocentos anos; sabe também que eu julgarei a nação a qual ela tem de servir; e
depois sairá com muitos bens" (Gn 15,13-14).
"Ora, o tempo que os filhos de Israel moraram no Egito foi de quatrocentos e trinta
anos. E aconteceu que, ao fim de quatrocentos e trinta anos, naquele mesmo dia,
todos os exércitos do Senhor saíram da terra do Egito" (Ex 12,40-41).
"E foram os filhos de Israel, e fizeram isso; como o Senhor ordenara a Moisés e a
Aarão, assim fizeram. E aconteceu que à meia-noite o Senhor feriu todos os
primogênitos na terra do Egito, desde o primogênito de Faraó, que se assentava em
seu trono, até o primogênito do cativo que estava no cárcere, e todos os
primogênitos dos animais. E Faraó levantou-se de noite, ele e todos os seus servos,
e todos os egípcios; e fez-se grande clamor no Egito, porque não havia casa em que
não houvesse um morto" (Ex 12,28-29).
"Então Faraó chamou Moisés e Aarão de noite, e disse: Levantai-vos, saí do meio
do meu povo, tanto vós como os filhos de Israel; e ide servir ao Senhor, como
tendes dito. Levai também convosco os vossos rebanhos e o vosso gado, como
tendes dito; e ide, e abençoai-me também a mim. (...) E o Senhor deu ao povo
graça aos olhos dos egípcios, de modo que estes lhe davam o que pedia, e
despojaram os egípcios. Assim viajaram os filhos de Israel de Ramsés a Sucot,
cerca de seiscentos mil homens a pé, sem contar as crianças. Também subiu com
eles uma grande mistura de gente; e, em rebanhos e manadas, uma grande
quantidade de gado. E cozeram pães ázimos da massa que levaram do Egito, porque
ela não se tinha levedado, porquanto foram expulsos do Egito; e não puderam deter-
se, nem haviam preparado provisões para o caminho" (Ex 12,30-39).
"...nos transportou para o reino do seu Filho Amado, em quem temos a redenção, a
saber, a remissão dos pecados. Ele é a Imagem do Deus invisível, o
PRIMOGÊNITO de toda a criação, porque nele foram criadas todas as coisas nos
céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam
principados, sejam potestades, tudo foi criado por ele e para ele. Ele é antes de todas
as coisas, e nele subsistem todas as coisas. Ele é a Cabeça da Igreja, que é o Seu
Corpo. ELE É O PRINCÍPIO, O PRIMOGÊNITO DENTRE OS MORTOS,
para que em tudo tenha a primazia, porque aprouve a Deus que nele habitasse toda a
plenitude..." (Cl 1,13-19).
"Rúben, tu és meu primogênito, minha força e as primícias do meu vigor,
preeminente em dignidade e preeminente em poder" (Gn 49,3).
Gn 49,3 Cl 1,13-19
nos transportou para o reino do seu Filho Amado, em quem temos a
Rúben, tu és meu
redenção, a saber, a remissão dos pecados. Ele é a Imagem do Deus
primogênito
invisível, o PRIMOGÊNITO de toda a criação
porque nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as
minha força visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam
principados, sejam potestades, tudo foi criado por ele e para ele.
e as primícias do
Ele é antes de todas as coisas, e nele subsistem todas as coisas
meu vigor
preeminente em
dignidade Ele é a Cabeça da Igreja, que é o Seu Corpo. ELE É O
PRINCÍPIO, O PRIMOGÊNITO DENTRE OS MORTOS, para
e que em tudo tenha a primazia, porque aprouve a Deus que nele
preeminente em habitasse toda a plenitude
poder
preeminente em
tudo foi criado por ele e para ele.
poder
"E naquele mesmo dia o Senhor tirou os filhos de Israel da terra do Egito, segundo
os seus exércitos" (Ex 12,51)
"Então falou o Senhor a Moisés, dizendo: Santifica-me todo primogênito, todo o
que abrir a madre de sua mãe entre os filhos de Israel, assim de homens como
de animais; porque meu é"
"Também quando o Senhor te houver introduzido na terra dos cananeus, como jurou
a ti e a teus pais, quando ta houver dado, separarás para o Senhor tudo o que
abrir a madre, até mesmo todo primogênito dos teus animais; os machos serão do
Senhor. (...) E quando teu filho te perguntar no futuro, dizendo: Que é isto?
responder-lhe-ás: O Senhor, com mão forte, nos tirou do Egito, da casa da servidão.
Porque sucedeu que, endurecendo-se Faraó, para não nos deixar ir, o Senhor matou
todos os primogênitos na terra do Egito, tanto os primogênitos dos homens como os
primogênitos dos animais; por isso eu sacrifico ao Senhor todos os primogênitos,
sendo machos; mas a todo primogênito de meus filhos eu resgato. (Ex 13,1-2,11-
15).
"Quando o Senhor te houver introduzido na terra (...) que ele jurou a teus pais
que te daria, terra que mana leite e mel, guardarás este culto neste mês" (Ex
13,5).
"E disse o Senhor a Moisés: Faze chegar a tribo de Levi, e põe-nos diante de Aarão,
o sacerdote, para que o sirvam; eles cumprirão o que é devido a ele e a toda a
congregação, diante da tenda da reunião, fazendo o serviço do tabernáculo; cuidarão
de todos os móveis da tenda da reunião, e zelarão pelo cumprimento dos deveres
dos filhos de Israel, fazendo o serviço do tabernáculo. Darás, pois, os levitas a
Aarão e a seus filhos; de todo lhes são dados da parte dos filhos de Israel. Disse
mais o Senhor a Moisés: Eu, eu mesmo tenho tomado os levitas do meio dos
filhos de Israel, em lugar de todo primogênito, que abre a madre, entre os
filhos de Israel; e os levitas serão meus, porque todos os primogênitos são
meus. No dia em que feri a todos os primogênitos na terra do Egito, santifiquei para
mim todos os primogênitos em Israel, tanto dos homens como dos animais; meus
serão. Eu sou o Senhor" (Nm 3,11-13).
"Assim separarás os levitas do meio dos filhos de Israel; e os levitas serão meus.
Depois disso os levitas entrarão para fazerem o serviço da tenda da reunião, depois
de os teres purificado e oferecido como oferta de movimento. Porquanto eles me
são dados inteiramente dentre os filhos de Israel; em lugar de todo aquele que
abre a madre, isto é, do primogênito de todos os filhos de Israel, para mim os
tenho tomado. Porque meu é todo primogênito entre os filhos de Israel, tanto
entre os homens como entre os animais; no dia em que, na terra do Egito, feri a
todo primogênito, os santifiquei para mim. Mas tomei os levitas em lugar de
todos os primogênitos entre os filhos de Israel. Dentre os filhos de Israel tenho
dado os levitas a Aarão e a seus filhos, para fazerem o serviço dos filhos de Israel na
tenda reunião, e para fazerem expiação por eles, a fim de que não haja praga entre
eles, quando se aproximarem do santuário" (Nm 8,14-19).
Daí se vê que Deus fulminou os deuses do Egito quando fulminou de morte todos os
primogênitos, acabando com o sacerdócio deles e com as suas vítimas constituídas
pelos primogênitos dos animais, conforme o costume ritual daquele tempo. Para
substituí-los e começarem a funcionar oficialmente Deus agora prepara o Seu
Sacerdócio com os primogênitos poupados dos israelitas, do Povo que é o seu Filho
Primogênito, que tem uma missão de primícia sacerdotal, medianeira.
5. A PÁSCOA E A EUCARISTIA
Será necessário neste item repetir muita coisa já vista e abordar aspectos e
instituições ainda não estudados. Mesmo correndo o risco da prolixidade
prefere-se repetir alguma coisa já estudada, pois aqueles que não têm o
hábito da leitura bíblica terão junto todos os elementos usados no
desenvolvimento do tema abordado, facilitando-lhes a compreensão, e aos
que já estão familiarizados não faz mal repetir. De qualquer maneira deverá
pelo menos ser lido este desenvolvimento por mostrar a unidade dos dois
Testamentos e a fonte de nossas instituições cristãs, bem como esclarecer
alguns elementos fundamentais da nossa Eucaristia e sua raiz no passado.
Alguma referência a alguma instituição que será vista em capítulos adiante
não trará nenhuma dificuldade por que sempre será acompanhada de uma
breve explicação ou a própria solução apresentada, o que concorrerá para
a compreender. Por sua vez uma análise assim irá familiarizar o estudioso
à unidade das Escrituras Sagradas.
"Eu farei de ti um grande povo..." (Gn 12,2). "... teus descendentes serão
estrangeiros num país que não será o deles... (...) ... sairão com grandes bens" (Gn
15,13-14). "('Jacó') Não temas descer ao Egito, porque lá eu farei de ti uma grande
nação" (Gn 46,3). ('Egito') "Deus lembrou-se da sua Aliança com Abraão, Isaac e
Jacó" (Ex 2,24)."Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito... (...) Por
isso desci a fim de libertá-lo..., e para fazê-lo subir daquela terra para uma terra boa
e espaçosa..." (Ex 3,7-8).
Por esse motivo, com Moisés, anuncia a última "praga" para a saída do
Egito:
"Iahweh disse a Moisés: 'Farei vir mais uma praga ainda contra o Faraó e contra o
Egito. Então ele vos deixará partir (...) e ele até mesmo vos expulsará daqui. (...)
Assim diz Iahweh: à meia-noite passarei pelo meio do Egito. E todo o primogênito
morrerá na terra do Egito... Mas, entre todos os filhos de Israel, desde os homens
até os animais, não se ouvirá o ganir de um cão, para que saibais que Iahweh fez
uma distinção entre o Egito e Israel" (Ex 11,1-7).
Era tão séria a instituição que, por não a respeitar, Caim teve sua oferenda
rejeitada por Deus, que acolheu o sacrifício de Abel por ter oferecido "os
primogênitos de seu rebanho" (Gn 4,4); na relação das genealogias só se
mencionava o nome deles (Gn 5), e quando se mencionavam os outros
nomes o deles era o primeiro (Gn 10); o desprezo de Esaú por ela (Gn
25,29-34) fê-lo perdê-la, ocasionando inimizade mortal entre ele e Jacó,
que usurpou "sua bênção" (Gn 27), muito cobiçada, por sinal. A ameaça de
Deus ao Faraó de eliminar todos eles do Egito (Ex 11,4-10) e o
cumprimento dela ocasionou a expulsão dos israelitas pelo Faraó (Ex
12,31-33), terminando este por dizer: "...parti e abençoai a mim também"
(12,32), por se submeter e se render ao poder de Deus que, ao mesmo
tempo que eliminou os dos egípcios poupou os dos israelitas, vencendo e
assim "fazendo justiça sobre os deuses do Egito". Em conseqüência, foram
os dos israelitas oficialmente "consagrados a Iahweh, homens e animais;
aqueles para seu serviço e estes para o sacrifício" (Ex 13). No deserto,
quando da unificação do sacerdócio, todos os dos homens foram
"substituídos", no sacerdócio que já exerciam, pelos Levitas (Nm 3,45 e
8,14-18). São eles ('inexistia outra possibilidade') os que são mencionados
como "sacerdotes", antes da sua oficialização e unificação nos levitas (Ex
19,22.24) e os "jovens que ofereceram holocaustos e sacrifícios de
comunhão" no Sinai (Ex 24,5), quando da ratificação da ALIANÇA:
"... Iahweh... lhe disse: 'Assim dirás à Casa de Jacó... Vós mesmos vistes o que eu
fiz aos egípcios... Agora, se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha Aliança,
sereis para mim uma propriedade peculiar entre todos os povos, porque toda a terra
é minha. Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa. (...)
Veio Moisés... expôs diante deles todas estas palavras que Iahweh lhe havia
ordenado. Então todo o povo respondeu: 'Tudo o que Iahweh disse, nós o faremos"
(Ex 19,3-8).
"Tomou o Livro da Aliança e o leu para o povo; e eles disseram: 'Tudo o que
Iahweh falou, nós o faremos e obedeceremos.' Moisés tomou do sangue e o aspergiu
sobre o povo, e disse: 'Este é o Sangue da Aliança que Iahweh fez convosco,
através de todas essas cláusulas" (Ex 24,7-8).
"Assim falou Iahweh: 'o meu primogênito é Israel'. E eu te disse: 'Faça partir meu
filho, para que me sirva!' Mas, uma vez que recusas deixá-lo partir, eis que farei
perecer o teu filho primogênito" (Ex 4,22-23).
E é o próprio Jesus que ao instituir a Eucaristia, após o ritual da PÁSCOA
DOS JUDEUS, vincula tudo isto ao que denominou Nova Aliança, institui o
Sacerdócio dela e inclui o Memorial. É Ele que as relaciona, mostrando
assim o "pleno cumprimento" (Mt 5,17) que Ele mesmo lhes imprimiu:
"Este cálice é a NOVA ALIANÇA EM MEU SANGUE; todas as vezes que dele
beberdes, fazei-o em MEMÓRIA DE MIM" (1Cor 11,25).
É por isso tudo que São Paulo, São João e São Pedro têm condições para
dar a Jesus o título de CORDEIRO identificando-O ao PASCAL:
"No dia seguinte, ele ('João Batista') vê Jesus aproximar-se e diz: 'Eis o Cordeiro
de Deus, que tira o pecado do mundo' (Jo 1,29). "Ao ver Jesus que passava, disse:
'Eis o Cordeiro de Deus'" (Jo 1,36).
"Chegando a Jesus e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas (...), pois isto
sucedeu para que se cumprisse a Escritura: 'Nenhum osso lhe será quebrado' (Jo
19,33-37).
"E, chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos. E disse-lhes: Tenho
desejado ardentemente comer convosco esta páscoa, antes da minha paixão; pois
vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus " (Lc
22,14-16).
Vê-se que após a Ceia Pascal dos judeus, com as palavras "tenho
desejado ardentemente comer convosco esta páscoa, antes da minha
paixão; pois vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no
reino de Deus", Jesus encerra a Páscoa tradicional e logo a seguir institui a
Cristã, a Eucaristia:
"Então havendo recebido um cálice, e tendo dado graças, disse: Tomai-o, e reparti-o
entre vós; porque vos digo que desde agora não mais beberei do fruto da videira, até
que venha o reino de Deus. ("aqui termina a Páscoa dos judeus") E tomando um
pão, e havendo dado graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que é
dado por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois da ceia,
tomou o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que é
derramado por vós" (Lc 22,17-20).
"Eis por que Ele é mediador de uma Nova Aliança. A sua morte aconteceu para o
resgate das transgressões cometidas no regime da Primeira Aliança; e, por isso,
aqueles que são chamados recebem a herança ETERNA que foi prometida. (...)
Ora, nem mesmo a Primeira Aliança foi inaugurada sem efusão de sangue. De
fato, depois que Moisés proclamou a todo o povo cada mandamento da lei, ele
tomou o sangue de novilhos e de bodes (...) e aspergiu o próprio livro e todo o
povo, anunciando: Este é o Sangue da Aliança que Deus vos ordenou. Segundo a
Lei, quase todas as coisas se purificam com sangue; e sem efusão de sangue não
há remissão" (Hb 9,15-22).
Para Mateus, Jesus deveria se identificar com Moisés, e assim, com "a Lei
e os Profetas" (Mt 5,17), motivo por que o sangue deveria ser "derramado
por muitos para a remissão dos pecados", ou "bebido em sua
memória", lembrando os sacrifícios levíticos, bem como o da própria
Páscoa após Josias, em que "sem efusão de sangue não há remissão"
(Hb 9,22):
"Porque a vida da carne está no sangue. E este sangue eu vo-lo tenho dado para
fazer o rito da expiação sobre o altar, pelas vossas vidas; pois é o sangue que faz
expiação pela vida" (Lv 17,11 / Hb 9,22).
"O sacerdote fará por ele o rito da expiação diante de Iahweh, e ele será perdoado,
qualquer que seja a ação que ocasionou a sua culpa" (Lv 5,26).
"..., se alguém pecar, temos como advogado, junto do Pai, Jesus Cristo, o justo. Ele
é a vítima de expiação pelos nossos pecados..." (1Jo 2,1-2)."Nisto consiste o
amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos
o seu filho como vítima de expiação pelos nossos pecados" (1Jo 4,10)
Depois, tomou um cálice e dando graças deu-lho dizendo: 'Bebei dele todos, pois
ISTO É O MEU SANGUE, O SANGUE DA ALIANÇA, que é derramado por
muitos para remissão dos pecados." "...fazei-o em memória de mim" (Mt
26,26-28/Mc 14,22-24/Lc 22,19-20/1Cor 11,23-25).
Povo que já nascia em comunhão com Deus, os Israelitas inauguram a sua nação
estabelecendo-a concomitantemente com a instituição do Sacerdócio dos
Primogênitos (Ex 13,1-16). Além da Páscoa, outros sacrifícios constituiriam a base
do seu culto e, identificando-se com a Aliança dos Patriarcas, estabelece o seu
Sacerdócio, "primícias do poder de Deus" (Gn 49,3). Sem sacerdócio não há
sacrifícios (Hb 5,1-3; 8,3). Assim organizados, ou expulsos ou fugindo, saem do
Egito após a celebração da Páscoa, sabendo que "naquele mesmo dia o Senhor tirou
os filhos de Israel da terra do Egito, segundo os seus exércitos" (Ex 12,51),
"levando-os não pelo caminho habitual da terra dos filisteus" (Ex 13,17), para que,
despreparados para uma guerra contra os egípcios que iriam em sua captura, não
fugissem. Apesar de "subirem armados da terra do Egito" (Ex 13,18b), do seu
manejo não tinham prática nem consciência estratégica nem estavam preparados
para defender a nacionalidade nascente. Além disso, como "Moisés levou consigo
os ossos de José" (Ex 13,19), evidenciando a tônica religiosa de tudo o que
acontecia, tendo por fulcro a Aliança dos Patriarcas, não se prepararam para uma
guerra nem estavam assim conscientizados (Ex 13,17-19), e aproveitando-se da
permissão que o Faraó dera para "servir a Iahweh como tendes dito" (Ex 12,31),
escaparam, fugiram:
"Quando, pois, foi anunciado ao rei do Egito que o povo havia fugido, mudou-se o
coração de Faraó, e dos seus servos, contra o povo, e disseram: Que é isso que
fizemos, permitindo que Israel saísse e deixasse de nos servir? E Faraó aprontou o
seu carro, e tomou consigo o seu povo; tomou também seiscentos carros escolhidos
e todos os carros do Egito, e capitães sobre todos eles. Porque o Senhor endureceu o
coração de Faraó, rei do Egito, e este perseguiu os filhos de Israel; pois os filhos de
Israel saíam afoitamente. Os egípcios, com todos os cavalos e carros de Faraó, e os
seus cavaleiros e o seu exército, os perseguiram e os alcançaram acampados junto
ao mar, perto de Piai0rot, diante de Baal-Sefom" (Ex 14,5-9).
"Que é isso que fizemos, permitindo que Israel saísse e deixasse de nos servir?" -
retrata uma situação que não se pode deixar de lado quando se examina esse quadro.
O Povo do Egito, apesar de várias vezes mencionado como partícipe da opressão
aos israelitas, não poderia estar participando dela, eis que, da instrução dada por
Deus constata-se a existência de uma situação peculiar:
"Fala agora ao povo, que cada homem peça ao seu vizinho, e cada mulher à sua
vizinha, jóias de prata e jóias de ouro. E o Senhor deu ao povo graça aos olhos dos
egípcios. Além disso o varão Moisés era muito importante na terra do Egito, aos
olhos dos servos de Faraó e aos olhos do povo" (Ex 11,2-3)
Ainda outro fato digno de nota é que "Deus ia adiante deles, de dia numa coluna de
nuvem para os guiar pelo caminho, e de noite numa coluna de fogo para os
alumiar", assim protegendo e conduzindo o Seu Povo. E estrategicamente o conduz
fazendo até mesmo o Faraó pensar que estivessem perdidos e desorientados no
deserto e se animasse a perseguí-los, com a intenção de os encurralar em frente ao
Mar Vermelho, onde mais uma vez manifestaria o Seu Poder:
Foi um momento por demais dramático em que o Povo dos Filhos de Israel,
despreparado, percebeu que apesar da "coluna de nuvem e fogo" estava
entrincheirado entre o mar e o exército do Faraó, e mesmo assim é muito natural
que temesse e se amedrontasse. Anuncia-se uma séria dificuldade a enfrentar, o
Povo clamou a Deus e, se bem que protestando energicamente, procurou o próprio
Moisés para uma solução e a resposta que lhe deu mostra a fé que se depositava em
Deus. Não se tem notícia de alguma deserção nem de que alguns se entregassem ao
Faraó, que teria recebido de braços abertos os que voltassem. Moisés não perde a
calma e o controle da situação, o Povo a recupera e também crê, percebendo-se que
propositadamente "se tomou outro caminho que o dos filisteus" (Ex 13,17):
Ali onde o Faraó pensara que os israelitas estavam perdidos acontece então um fato
ou fenômeno que permanece humanamente inexplicável, conhecido como a
"passagem milagrosa do Mar Vermelho", que se abriu para os israelitas e se
fechou afogando os egípcios:
"Então disse o Senhor a Moisés: Por que clamas a mim? dize aos filhos de Israel
que marchem. E tu, levanta a tua vara, e estende a mão sobre o mar e fende-o, para
que os filhos de Israel passem pelo meio do mar em seco. Eis que eu endurecerei o
coração dos egípcios, estes entrarão atrás deles; e glorificar-me-ei em Faraó e em
todo o seu exército, nos seus carros e nos seus cavaleiros. E os egípcios saberão que
eu sou o Senhor, quando me tiver glorificado no Faraó, nos seus carros e nos seus
cavaleiros. Então o anjo de Deus, que ia adiante do exército de Israel, se retirou e se
pôs atrás deles; também a coluna de nuvem se retirou de diante deles e se pôs atrás,
colocando-se entre o campo dos egípcios e o campo dos israelitas; assim havia
nuvem e trevas; contudo aquela clareava a noite para Israel; de maneira que em toda
a noite não se aproximou um do outro. Então Moisés estendeu a mão sobre o mar; e
o Senhor fez retirar o mar por um forte vento oriental toda aquela noite, e fez do
mar terra seca, e as águas foram divididas. E os filhos de Israel entraram pelo meio
do mar em seco; e as águas foram-lhes qual muro à sua direita e à sua esquerda. E
os egípcios os perseguiram, e entraram atrás deles até o meio do mar, com todos os
cavalos de Faraó, os seus carros e os seus cavaleiros. Na vigília da manhã, o Senhor,
na coluna do fogo e da nuvem, olhou para o campo dos egípcios, e alvoroçou o
campo dos egípcios; embaraçou-lhes as rodas dos carros, e fê-los andar
dificultosamente; de modo que os egípcios disseram: Fujamos de diante de Israel,
porque o Senhor peleja por eles contra os egípcios" (Ex 14,15-25).
Pela narrativa percebe-se que Moisés não titubeou um instante sequer, chegando a
dizer que "os egípcios que hoje vedes, nunca mais tornareis a ver" (Ex 14,13), e "
estendeu a mão sobre o mar; e o Senhor fez retirar o mar por um forte vento oriental
toda aquela noite, e fez do mar terra seca, e as águas foram divididas". Não foi um
acontecimento instantâneo como pode parecer, eis que o mar foi açoitado "por um
forte vento oriental toda aquela noite" e não se tratava de um pequeno grupo de
pessoas que passou a "pé enxuto". Mas, o retorno das águas ao seu nível normal foi
sem demora, a ponto de atingir o exército faraônico de surpresa:
"Nisso o Senhor disse a Moisés: Estende a mão sobre o mar, para que as águas se
tornem sobre os egípcios, sobre os seus carros e sobre os seus cavaleiros. Então
Moisés estendeu a mão sobre o mar, e o mar retomou a sua força ao amanhecer, e os
egípcios fugiram de encontro a ele; assim o Senhor derribou os egípcios no meio do
mar. As águas, tornando, cobriram os carros e os cavaleiros, todo o exército de
Faraó, que atrás deles havia entrado no mar; não ficou nem sequer um deles. Mas os
filhos de Israel caminharam a pé enxuto pelo meio do mar; as águas foram-lhes qual
muro à sua direita e à sua esquerda. Assim o Senhor, naquele dia, salvou Israel da
mão dos egípcios; e Israel viu os egípcios mortos na praia do mar. E viu Israel a
grande obra que o Senhor operara contra os egípcios; pelo que o povo temeu ao
Senhor, e creu no Senhor e em Moisés, seu servo" (Ex 14,26-31).
Para o fenômeno ocorrido não se encontrou até hoje uma explicação natural que
fosse satisfatória ou exata ou definitiva, e tudo indica que nunca se conseguirá,
principalmente porque os israelitas estavam encurralados e conseguiram passar o
Mar Vermelho sem uma baixa sequer. Algo de miraculoso aconteceu e sua
descrição minuciosa se mesclou com o nacionalismo nascente e poético não
permitindo outra visão que a descrita. A título ilustrativo conta-se:
"A mãe pergunta a seu filho o que está estudando no Catecismo Paroquial. O
menino responde que "o Padre ensinou que quando Moisés tirou o Povo de Deus do
Egito, fez construir uma baita ponte de concreto armado para o povo passar.
Quando os egípcios vieram atrás dos israelitas, Moisés dinamitou a ponte, caíram
no mar e morreram todos." Assustada a mãe retorna: "Meu Deus! É isso mesmo que
o Padre está ensinando, meu filho?!" Responde o menino, assustado com a reação
da mãe: "Não mamãe, não foi isso o que o Padre ensinou. Mas se eu contar o que o
Padre ensinou a senhora não vai acreditar"!!!
Há pouco tempo num filme de Jesus Cristo, desses que a única coisa que faz é
falsificar tudo, em determinado momento fictício, apresenta Pilatos dizendo a
Caifás: "Vocês chegam a pensar que Deus abriu o mar para vocês passarem". Ao
que Caifás respondeu: "É, mas nós passamos". Nessa resposta do roteiro está uma
explicação sucinta do fenômeno: alguma coisa aconteceu para que ficasse tão
impregnada na História de Israel:
"E viu Israel a grande obra que o Senhor operara contra os egípcios; pelo que o
povo temeu ao Senhor, e creu nEle e em Moisés, seu servo" (Ex 14,31).
"... o povo temeu ao Senhor, e creu nEle e em Moisés, seu servo" - da mesma
forma que com as "pragas" repete-se o reconhecimento do Povo de Deus pelo
acontecimento ou fenômeno, que não pode ter sido algo assim normal ou
costumeiro, pois foi suficiente para incutir um temor reverencial e ao mesmo tempo
fé, tanto em Deus como em Moisés. Isso é o que importa, não a procura de
explicação para um fenômeno, nunca se conseguindo a contento e além disso por
demais desnecessário a não ser aquilo que prefigurava a "se cumprir" em Cristo (Mt
5,17). É São Paulo quem mostra esse "cumprimento":
"Pois não quero, irmãos, que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da
nuvem, e todos passaram pelo mar; e, na nuvem e no mar, todos foram batizados
em Moisés, e todos comeram do mesmo alimento espiritual; e beberam todos da
mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os acompanhava; e
a pedra era Cristo" (1Cor 10,1-4).
Outra confusão que é muito freqüente é a da Páscoa com essa "passagem" do Mar
Vermelho. Apesar de próximos ambos os acontecimentos a referência entre eles é
apenas cronológica ou as mais das vezes "figura" pela semelhança fática entre a
"libertação do Egito" (pela água) e a "libertação do pecado" pelo "batismo na água".
Fenômeno semelhante irá acontecer e se repetir nas águas do Jordão quando o Povo
de Israel passar "pelo seco" e entrar com os Sacerdotes carregando a Arca da
Aliança na Terra Prometida (Js 3,14-17).
"Ao sopro das tuas narinas amontoaram-se as águas, as correntes pararam como
montão; os abismos coalharam-se no coração do mar. O inimigo dizia: Perseguirei,
alcançarei, repartirei os despojos; deles se satisfará a minha alma; arrancarei a
minha espada, a minha mão os destruirá. Sopraste com o teu vento, e o mar os
cobriu; afundaram-se como chumbo em águas profundas. Quem entre os deuses é
como tu, ó Senhor? Quem é como tu poderoso em santidade, admirável em
louvores, operando maravilhas? Estendeste a mão direita, e a terra os tragou." (Ex
15,8-12).
"Na tua bondade guiaste o povo que remiste; na tua força o conduziste à tua santa
habitação. Os povos ouviram e estremeceram; dores apoderaram-se dos a
habitantes da Filistéia. Então os príncipes de Edom se pasmaram; dos poderosos de
Moab apoderou-se um tremor; derreteram-se todos os habitantes de Canaã. Sobre
eles caiu medo, e pavor; pela grandeza do teu braço emudeceram como uma
pedra, até que o teu povo passasse, ó Senhor, até que passasse este povo que
adquiriste. Tu os introduzirás, e os plantarás no monte da tua herança, no
lugar que tu, ó Senhor, aparelhaste para a tua habitação, no santuário, ó
Senhor, que as tuas mãos estabeleceram. O Senhor reinará eterna e perpetuamente"
(Ex 15,13-18).
"Depois Moisés fez partir a Israel do Mar Vermelho, e saíram para o deserto de Sur;
caminharam três dias no deserto, e não acharam água. E chegaram a Mara, mas não
podiam beber das suas águas, porque eram amargas; por isso chamou-se o lugar
Mara. E o povo murmurou contra Moisés, dizendo: Que havemos de beber? Então
clamou Moisés ao Senhor, e o Senhor mostrou-lhe uma árvore, e Moisés lançou-a
nas águas, as quais se tornaram doces. Ali Deus lhes deu um estatuto e uma
ordenança, e ali os provou, dizendo: Se ouvires atentamente a voz do Senhor teu
Deus, e fizeres o que é reto diante de seus olhos, e inclinares os ouvidos aos seus
mandamentos, e guardares todos os seus estatutos, sobre ti não enviarei nenhuma
das enfermidades que enviei sobre os egípcios; porque eu sou o Senhor que te sara.
Então vieram a Elim, onde havia doze fontes de água e setenta palmeiras; e ali,
junto das águas, acamparam" (Ex 15,22-27).
"...Ali Deus lhes deu um estatuto e uma ordenança, e ali os provou, dizendo: Se
ouvires atentamente a voz do Senhor teu Deus, e fizeres o que é reto diante de seus
olhos, e inclinares os ouvidos aos seus mandamentos, e guardares todos os seus
estatutos, sobre ti não enviarei nenhuma das enfermidades que enviei sobre os
egípcios; porque eu sou o Senhor que te cura" (Ex 15,25-26).
"Então vieram a Elim, onde havia doze fontes de água e setenta palmeiras; e ali,
junto das águas, acamparam" (Ex 15,27)
Quando muitas vezes não se entende o que se lê na Bíblia é que foi deixado de lado
o sentido religioso que, por excelência, foi escrito com primazia. Também, o Povo
Israelita não era apenas um amontoado de pessoas com costumes, sentimentos,
ambições, história e normas comuns, mas um povo organizado em torno de uma
religião comum, centro irradiador de todos os demais elementos constitutivos de sua
realidade. Então o significado imediato do versículo acima transcrito não se limita a
um relato apenas cronológico ou seqüencial da peregrinação. É que as doze fontes
são como que representação das doze tribos dos filhos de Israel, frutos das setenta
pessoas que desceram ao Egito (Ex 1,5 / Gn 46,27), representadas pelas setenta
palmeiras, onde fertilmente se proliferaram e "acamparam junto das águas" ("rio
Nilo"), qual seja de seu Senhor, recebem a Sua Bênção, a "fonte" da fecundidade,
motivo da grande proliferação dos Filhos de Israel (Ex 1,7.12).
"Depois disse Moisés a Aarão: Dize a toda a congregação dos filhos de Israel:
Chegai-vos à presença do Senhor, porque ele ouviu as vossas murmurações. E
quando Aarão falou a toda a congregação dos filhos de Israel, estes olharam para o
deserto, e eis que a glória do Senhor apareceu na nuvem" (Ex 16,9-10).
"Ora, os filhos de Israel comeram o maná quarenta anos, até que chegaram a uma
terra habitada; comeram o maná até que chegaram aos termos da terra de Canaã"
(Ex 16,35).
"Pois não quero, irmãos, que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da
nuvem, e todos passaram pelo mar; e, na nuvem e no mar, todos foram batizados em
Moisés, e todos comeram do mesmo alimento espiritual; e beberam todos da
mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os acompanhava; e
a pedra era Cristo" (1Cor 10,1-4).
"...: Que sinal realizas, para que vejamos e creiamos em ti? Que obra fazes? Nossos
pais comeram o maná no deserto, como está escrito: ‘Deu-lhes Pão do Céu a
comer’ " (Jo 6,30-31).
Queriam dizer com isso que Moisés fizera muito maior milagre, alimentando o
Povo de Deus no deserto, durante quarenta anos, do que "uma simples distribuição
de pães e peixes para cinco mil pessoas", tal como acontecera ali. Jesus lhes dá a
resposta e, como de seu costume, contesta-os doutrinando:
"Em verdade, em verdade, vos digo: não foi Moisés quem vos deu o Pão do Céu,
mas é meu Pai quem vos dá o verdadeiro Pão do Céu; porque o pão de deus é o
Pão que desce do Céu e dá vida ao mundo" (Jo 6,32-33).
Assim Jesus identifica o verdadeiro pão do céu como o pão de deus, que desce do
céu e dá vida ao mundo, o que não deixa de ter referência clara com o Maná, agora
se aperfeiçoando pelo "pleno cumprimento" (Mt 5,17) que Ele próprio lhe imprime,
por cujo meio dá vida ao mundo. O Maná, por si só, não possuía essa virtude
vivificante, tendo sido dado para alimentá-los, tão somente, mesmo que material e
espiritualmente, como resposta de Iahweh às murmurações do Povo de Israel:
"Antes fôssemos mortos pela mão de Iahweh na terra do Egito, quando (...)
comíamos PÃO com fartura! (...) Iahweh disse a Moisés: ‘Eis que vos farei
chover PÃO DO CÉU; sairá o povo e colherá a porção de cada dia..." (...) "Isto é o
Pão que Iahweh vos dará para vosso alimento" (Ex 16,3-4.15).
Assim, tal como o Maná é o pão do céu e alimento, da mesma forma a vítima do
sacrifício recebe a mesma denominação, tal como se vê na recomendação de Iahweh
com respeito aos sacerdotes:
"Serão consagrados a seu Deus e não profanarão o nome do seu Deus, porque são
eles que apresentam as oferendas queimadas a Iahweh, o pão do seu deus, e
devem estar em estado de santidade. (...) "Tu o tratarás como santo, pois oferece o
pão do teu deus" (Lv 21,6-8).
"Este é o pão que desceu do céu, ele não é como o que os pais comeram e
pereceram; quem come este pão viverá para sempre" (Jo 6,58).
"... quem come este pão viverá para sempre" - Existem aspectos na narrativa da
Multiplicação dos Pães em São João (6,1-15) que a tornam bem distinta da dos
demais Evangelhos, seja situando-a "próxima à Páscoa, a festa dos judeus" (6,4),
seja tratando os que se alimentavam como convivas de uma refeição, seja pelo
debate ocorrido a respeito do Maná, seja pelo gesto de Jesus que, "tomando os pães,
dá graças" (6,11), tal como na Instituição da Eucaristia (Lc 22,19 / 1Cor 11,24).
Também, no que evidencia se tratar de um banquete ou de refeição sagrada, o
"convite" que transparece quando Jesus diz "onde compraremos pão para alimentá-
los" (6,5) e "fazei que se acomodem pelo chão" (6,10), numa acomodação para os
"amesendados" [6,10.11 () ], - ‘fala como um anfitrião’; na ação de graças peculiar
a uma refeição comum ou sagrada ou ao sacrifício de comunhão; bem como, "no
recolhimento dos doze cestos do que restou", por se tratar de "coisa santificada"
(Ex 29,37 / Jo 6,12-13). Não há outro motivo para se recolher a sobra de uma
refeição!
"Os judeus murmuravam, então, contra ele, porque dissera: ‘Eu sou o pão descido
do céu" (Jo 6,41).
Fosse alguma figura de linguagem não haveria motivo para isso. "Murmuravam"
porque a afirmação foi muito séria, Jesus se referia a si mesmo e eles o entenderam.
Jesus nada corrige e ainda prossegue mais incisivo:
"Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. o
pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo" (Jo 6,51).
Jesus usa o futuro "DAREI a minha carne para a vida do mundo", anunciando
a futura doação, seja na Instituição da Eucaristia seja na Cruz, pelo que, da
mesma forma, falando sempre numa concretização a se realizar, após a altercação
novamente advinda (6,52), é mais incisivo:
"Em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem
e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha
carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia.
Pois a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.
Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, também aquele que
comer de mim viverá por mim" (Jo 6,53-57).
"Este é o pão que desceu do céu. Ele não é como o que os pais comeram e
pereceram; quem come este pão viverá para sempre" (Jo 6,58).
Quando João narra tal acontecimento com tantos detalhes e diz que "estava próxima
a Páscoa, a festa dos judeus" (6,4), relaciona-o diretamente com Ela. É que Jesus
estava anunciando e começando então o que iria se "cumprir" nela. Só se pode
concluir então que a Multiplicação dos Pães é o "Anúncio da Eucaristia", um
sacrifício em que a vítima "será" o próprio Jesus, de que o Maná foi "figura".
Nota do Autor: ( ) Seria uma tradução "literal" mais conforme à palavra do "koiné" ("anapesein")
ou latina ("discumbere") usada, pelo Evangelista ou pela Vulgata, referindo-se aos "assentados" ou
"presentes", como se usa traduzir. Já, a Bíblia de Jerusalém e a TOB, de edições francesas, melhor
traduzem por "convives", que em português significa "convivas ou convidados".
9.A LEI DA ALIANÇA
"As mãos de Moisés, porém, ficaram cansadas; por isso tomaram uma pedra, e a
puseram debaixo dele, e ele sentou-se nela. Aarão e Hur sustentavam-lhe as mãos,
um de um lado e o outro do outro; assim ficaram as suas mãos firmes até o pôr do
sol. Josué prostrou a Amalec e a seu povo, ao fio da espada. Então disse o Senhor a
Moisés: Escreve isto para memorial num livro, e relata-o aos ouvidos de Josué; que
eu hei de riscar totalmente a memória de Amalec de debaixo do céu. Pelo que
Moisés edificou um altar..." (Ex 17,12-15).
Como ação de graças pela vitória Moisés oferece um sacrifício, "pelo que Moisés
edificou um altar...", prosseguindo a tradição dos Patriarcas que o têm como centro
do culto. Cumprida a sua missão libertadora, Moisés recebe a visita de Jetro, seu
sogro, trazendo-lhe de volta a esposa e os filhos (Ex 4,24-26). Tomando
conhecimento de tudo o que acontecera (Ex 18,8) parece se converter reconhecendo
"Iahweh como o maior de todos os deuses" (Ex 18,9-11) e aconselha Moisés a
distribuir funções para administrar a justiça entre os israelitas e a manutenção da
ordem (Ex 18,17-26):
"E alegrou-se Jetro por todo o bem que o Senhor tinha feito a Israel, livrando-o da
mão dos egípcios, e disse: Bendito seja o Senhor, que vos livrou da mão dos
egípcios e da mão de Faraó; que livrou o povo de debaixo da mão dos egípcios.
Agora sei que o Senhor é maior que todos os deuses; até naquilo em que se
houveram arrogantemente contra o povo. Então Jetro, o sogro de Moisés, tomou
holocausto e sacrifícios para Deus; e veio Aarão, e todos os anciãos de Israel, para
comerem pão com o sogro de Moisés diante de Deus" (Ex 18,9-12).
"... Jetro, o sogro de Moisés, tomou holocausto e sacrifícios para Deus; e veio
Aarão, e todos os anciãos de Israel, para comerem pão com o sogro de Moisés
diante de Deus" - novamente o sacrifício compondo o culto israelita em que todos
participam "comendo o pão diante de Deus", santificando-se pela comunhão
estabelecida. Aqui se trava contato com a expressão "comento o pão" que é o modo
como se denominava a vítima imolada e consumida no sacrifício e se estabelecia a
comunhão com Deus ("...o pão de seu Deus..." - Lv 21,6.8 / 1Cor 10,18). Além
disso ofereceu-se "holocausto e sacrifícios", o holocausto como oferenda toda
queimada (Lv 1) e os sacrifícios como refeições sagradas (Lv 3-5). O clima
religioso e místico atingia o seu ápice e caminhava para o "servir a Deus no monte
Sinai" tal como anunciado por Deus (Ex 3,12). A presença ai do sacrifício, antes de
sua regulamentação ritual, demonstra o uso anterior de tudo o que agora se
ordenava.
"Então todo o povo respondeu a uma voz: Tudo o que Iahweh disse, nós o faremos"
(Ex 19,8a).
"E relatou Moisés ao Senhor as palavras do povo" (Ex 19,8b). Pode-se imaginar
o suspense que se estabeleceu no momento, a emoção que deve ter tomado conta de
todos, num clima de profunda comunhão, um Povo que ali se formava no seio de
Deus, o "Primogênito de Deus" (Ex 4,22), "as primícias da fecundidade salvífica de
Deus" (parodiando Gn 49,3):
"Então disse o Senhor a Moisés: 'Eis que eu virei a ti em uma nuvem espessa, para
que o povo ouça quando eu falar contigo e também sempre creia em ti.' E Moisés
relatou a Iahweh as palavras do seu povo" (Ex 19,9).
"Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro, a Tiago e a João, irmão deste, e os
conduziu à parte a um alto monte; e foi transfigurado diante deles; o seu rosto
resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E eis que
lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele. Pedro, tomando a palavra, disse a
Jesus: 'Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três cabanas, uma para ti,
outra para Moisés, e outra para Elias.' Estando ele ainda a falar, eis que uma nuvem
luminosa os cobriu; e dela saiu uma voz que dizia: 'Este é o meu Filho amado, em
quem me comprazo; a ele ouvi.' Os discípulos, ouvindo isso, caíram com o rosto
em terra, e ficaram grandemente atemorizados" (Mt 17,1-6).
Momento dramático da vida de Jesus logo após haver anunciado a sua Paixão
necessitando os apóstolos então muito mais fortalecimento da fé, em que Deus se
manifesta "na nuvem" e lhes afiança: - "Este é o meu Filho amado, em quem me
comprazo; a ele ouvi", pelo mesmo motivo com Moisés em que "eu virei a ti em
uma nuvem espessa, para que o povo ouça quando eu falar contigo e também
sempre creia em ti."
Aqui também foi um momento dramático em que Deus e o Povo de Israel selariam
uma Aliança para todo o sempre e passa Moisés a preparar os Filhos de Israel para a
teofania que iria selar a Aliança aceita:
"Disse mais o Senhor a Moisés: "Vai ao povo, e santifica-os hoje e amanhã; lavem
eles as suas vestes, e estejam prontos para o terceiro dia; porquanto no terceiro dia
descerá o Senhor diante dos olhos de todo o povo sobre o monte Sinai. Também
marcarás limites ao povo em redor, dizendo: Guardai-vos, não subais ao monte,
nem toqueis o seu termo; todo aquele que tocar o monte será morto. Mão alguma
tocará naquele que o fizer, mas ele será apedrejado ou flechado; quer seja animal,
quer seja homem, não viverá. Quando soar a buzina longamente, subirão eles até o
pé do monte." Então Moisés desceu do monte ao povo, e santificou o povo; e
lavaram os seus vestidos. E disse ele ao povo: "Estai prontos para o terceiro dia; e
não vos unais a mulher" (Ex 19,10-15).
"... santifica-os hoje e amanhã...", "...lavem eles as suas vestes..." e "... não vos unais
a mulher" - são três expressões muito vinculadas entre si, formando um todo. No
termo "santificar" está clara a "separação do profano", o sentido da consagração a
Deus, depois a purificação simbolizada no "lavar suas vestes". Já na determinação
de "... não vos unais a mulher" não se há de entender que a união com a mulher em
si teria sido tida como impura, eis que a mulher fazia parte do povo ali em
congregação, mas no sentido de que no ato de separação, ou santificação, inclui-se a
relação sexual pelo respeito à vida que gerava, tal como o respeito ao sangue (Lv
15,18; 1Sm 21,5), num gesto de consagração total, e nunca de repulsa. Assim
preparados, manifesta-se Deus:
"Ao terceiro dia, ao amanhecer, houve trovões, relâmpagos, e uma nuvem espessa
sobre o monte; e ouviu-se um som de trombeta mui forte, de maneira que todo o
povo que estava no acampamento estremeceu. E Moisés levou o povo fora do
acampamento ao encontro de Deus; e puseram-se ao pé do monte. Nisso todo o
monte Sinai fumegava, porque o Senhor descera sobre ele em fogo; e a fumaça
subiu como a fumaça de uma fornalha, e todo o monte tremia fortemente. E, o som
da trombeta cada vez mais forte, Moisés falava, e Deus lhe respondia. E, tendo o
Senhor descido sobre o monte Sinai, sobre o cume do monte, chamou Moisés; e
Moisés subiu. Então disse o Senhor a Moisés: "Desce, adverte ao povo, para não
suceder que traspasse os limites até o Senhor, a fim de ver, e muitos deles pereçam.
Ora, santifiquem-se também os sacerdotes, que se chegam ao Senhor, para que o
Senhor não se lance sobre eles". Respondeu Moisés ao Senhor: "O povo não poderá
subir ao monte Sinai, porque tu nos tens advertido, dizendo: 'Marca limites ao redor
do monte, e santifica-o". Ao que lhe disse o Senhor: "Vai, desce; depois subirás tu,
e Aarão contigo; os sacerdotes, porém, e o povo não traspassem os limites para
subir ao Senhor, para que ele não se lance sobre eles". Então Moisés desceu ao
povo, e disse-lhes isso" (Ex 19,16-25).
A presença de Deus foi de tal majestade que apesar do povo estremecer, não fugiu,
sendo até necessário impor-lhe limites de acesso ao lugar sob pena de lapidação.
Então a descrição do fenômeno não se limita ao natural que ocorre com um vulcão
que a tudo destrói e a todos amedronta. Não houve tal reação, ao contrário, aqui a
teofania atraiu. Deus preparava uma solenidade à altura do que ali se consumava: a
Aliança de Deus com o Homem, em que as condições são todas pronunciadas e
claramente ouvidas, uma a uma:
"Então falou Deus todas estas palavras, dizendo: Eu sou o Senhor teu Deus, que
te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de
mim. Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no
céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás nem as
servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que vingo a iniqüidade dos
pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam e uso de
misericórdia até mil gerações com os que me amam e guardam os meus
mandamentos. Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o Senhor
não terá por inocente aquele que tomar o seu nome em vão. Lembra-te do dia do
sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás todo o teu trabalho; mas o
sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem
tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal,
nem o estrangeiro que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor
o céu e a terra, o mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou; por isso o
Senhor abençoou o dia do sábado, e o santificou. Honra a teu pai e a tua mãe, para
que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá. Não matarás.
Não adulterarás. Não furtarás. Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.
Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o
seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do
teu próximo. Ora, todo o povo presenciava os trovões, e os relâmpagos, e o som da
trombeta, e o monte a fumegar; e o povo, vendo isso, estremeceu e pôs-se de longe"
(Ex 20,1-18).
"2085 - O Deus único e verdadeiro revela, primeiro, a sua glória a Israel (cf. Ex
19,16-25; 24,15-18). A revelação da vocação e da verdade do homem está ligada à
revelação de Deus. O homem tem a vocação de manifestar Deus pelo seu agir, em
conformidade com a sua Criação, "à imagem e semelhança de Deus" (Catecismo da
Igreja Católica).
Ainda e por outro lado as "palavras" então pronunciadas diretamente por Deus não
se confinavam apenas a um grupo de israelitas ali presentes assistindo a uma
teofania, mas traçavam normas destinadas à unificação e comunhão de vidas em
torno de uma fé comum, mantendo-o em todas as suas gerações e para sempre coeso
em vista de um objetivo bem maior do que poder-se-ia ao menos imaginar. Tudo o
que ali se plantava se destinava à Obra da Redenção, era a semente da cristandade
que se esboçava em linhas ainda tímidas, mas que seriam provadas no cadinho do
peregrinar pelo deserto e em toda a História do Povo Primogênito de Deus,
"primícias da glória de Deus" anunciando a farta colheita "de uma multidão de
outros povos de que seria pai Abraão" (Gn 17,3):
"Agora, pois, se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha Aliança, sereis a minha
propriedade peculiar entre todos os povos, porque minha é toda a terra; e vós sereis
para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa. São estas as palavras que
falarás aos filhos de Israel" (Ex 19,5-6).
"Não com nossos pais fez o Senhor essa Aliança, mas conosco, com todos nós
que hoje estamos aqui vivos. Face a face falou o Senhor conosco no monte, do
meio o fogo..." - Moisés lembra-lhes a teofania por todos presenciada, vista e
ouvida que indicava, pela demonstração de majestade e poder, a origem do que se
convencionou denominar de Decálogo (= Dez Palavras), ou de Dez Mandamentos,
vinculando-o, e também todo o episódio, à Aliança, donde a denominação que lhe
seria mais apropriada de Lei da Aliança. É um desses fatos espantosos que
compõem a História do Povo de Israel, e se tornou um legado do cristianismo, que
evidenciam por si só a presença de um Deus Pessoal e Dinâmico a conduzir
inexoravelmente a história humana para Seu Desígnio, para aquela intimidade,
familiaridade e comunhão de vidas do Jardim do Éden. O mesmo Deus que
"passeava pelo Jardim à brisa do dia" (Gn 3,8) agora se manifesta no Monte Sinai
(ou Horeb) num encontro inesquecível com o mesmo Homem e lhe diz:
"Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não
terás outros deuses diante de mim" (Ex 20,2-3).
"...em dor darás à luz filhos (...) e ele te dominará. E ao homem disse: (...) maldita
é a terra por tua causa; em fadiga comerás dela (...) comerás das ervas do campo.
(...) comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto
és pó, e ao pó tornarás" (Gn 3,16-19).
"Frutificai..., multiplicai..., enchei... sujeitai...; dominai" "darás...,
...dominará..., ...maldita é..., comerás..., ao pó tornarás" são expressões
imperativas positivas, enquanto que no Decálogo há uma maneira diferente de
ordenar, da forma "... não terás...", após uma ampla e carinhosa exposição de
motivos tal como um pai dizendo ao seu filho:
"Eu sou o teu pai que te sustento e paguei a tua escola com muita dificuldade e
trabalho; não me trairás, não darás ouvidos a estranhos e não te desviarás de mim,
não perderás o ano escolar."
Seria isso uma ordem? Parece mais um pedido, um apelo de amor, feito após a
prática de um ato que o tenha demonstrado, como se dissesse:
"Fui Eu quem livremente te libertou da escravidão: não me troques por outro Deus,
que nada fez por ti: Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti
imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na
terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás diante delas, nem as
servirás..."
"Os fariseus, quando souberam, que ele fizera emudecer os saduceus, reuniram-se
todos; e um deles, doutor da lei, para o experimentar, interrogou-o, dizendo: Mestre,
qual é o grande mandamento na lei? Respondeu-lhe Jesus: Amarás ao Senhor teu
Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é
o grande e primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás ao teu
próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os
profetas" (Mt 22,34-40).
"E eis que se aproximou dele um jovem, e lhe disse: Mestre, que farei para
conseguir a vida eterna? Respondeu-lhe ele: (...) se queres entrar na vida, guarda
os mandamentos..." (Mt 19,16-19).
"2083 - Jesus resumiu os deveres do homem para com Deus nesta palavra: "Amarás
o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua
mente (Mt 22,37; cf. Lc 10,27: "e com todas as tuas forças"). Esta palavra é o eco
imediato ao apelo solene: "Escuta, Israel: o Senhor nosso Deus é o único" (Dt 6,4-
5).
"Deus foi o primeiro a amar. O amor do Deus único é lembrado na primeira das
"Dez Palavras". Em seguida, os mandamentos explicitam a resposta de amor que o
homem é chamado a dar ao seu Deus" (Catecismo da Igreja Católica).
2.º) O CULTO DAS IMAGENS - Muitos cristãos, até mesmo entre os católicos,
têm séria dificuldade com o que se entende ser uma proibição de veneração de
imagens, principalmente em uso na Igreja Católica, pelo que se impõe uma análise
mais detida a partir do texto original:
"Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu,
nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra" (Ex 20,4).
Analisando-se este versículo apenas, isoladamente, só se pode deduzir que não se
pode reproduzir numa imagem qualquer objeto, seja ele o que for. Nessas condições
vai se chegar ao absurdo de que nem mesmo uma fotografia com a imagem dos pais
ou de uma paisagem poder-se-ia confeccionar. E, atualmente seria de se precaver
até mesmo contra as imagens da tela de um televisor, assim como os heróis ou as
figuras da história de um povo não poderiam ter nem mesmo o seu busto em praça
pública. Porém, quando se analisa o referido versículo em conjunto com todo o
contexto em que foi escrito e considerando-se o que lhe antecede e o que lhe segue a
conclusão muda de perspectiva, ou seja:
Tanto é assim que nem mesmo em Israel essa disposição era assim tão radical ou
pacífica, existindo exemplos de confecção de imagens por determinação do próprio
Iahweh tanto na representação dos querubins na Arca da Aliança (Ex 25,18-21)
como na da serpente de bronze no deserto (Nm 21,8s). Existem também de outras
imagens no Templo construído por Salomão em Jerusalém tais como as de
querubins (1Rs 6,23-29), as dos doze touros do Mar de Bronze (1Rs 7,25); e, várias
imagens de querubins, bois, romãs, botões e flor de amêndoa esculpidos e dispostos
em muitos outros locais (Ex 25,31; 1Rs 6,29.32.35; 7,18s.29.36.42; 1Cro 28,18;
2Cro 3,10) e as dos leões do trono do próprio Salomão (1Rs 10,19s). Também, a
confecção por Gedeão de um éfode, que tinha quase sempre a forma de uma
imagem cultual, usada para adivinhação (Jz 8,24-27), existindo também outro junto
da espada tomada de Golias (1Sm 21,10a) e até mesmo um tipo para se tirar a sorte
(1Sm 14,3.18s.37.41; 23,6.9s; 30,7s) . Destaca-se até mesmo o caso de uma imagem
(éfode e terafim) colocada em um nicho, que foi servida por um sacerdote levita,
que vale a pena reproduzir, eis que, apesar de alguns comentários do narrador,
indicam o seu uso entre os israelitas:
"Quando ele restituiu o dinheiro a sua mãe, ela tomou duzentas moedas de prata, e
as deu ao ourives, o qual fez delas uma imagem esculpida e uma de fundição, as
quais ficaram em casa de Mica. Ora, tinha este homem, Mica, um santuário e fez
um éfode e terafins, e consagrou um de seus filhos, que lhe serviu de sacerdote.
Naquelas dias não havia rei em Israel e cada qual fazia o que parecia bem aos seus
olhos. E havia um jovem de Belém de Judá, da família de Judá, que era levita, e
peregrinava ali. Este homem partiu da cidade de Belém de Judá para ir estabelecer-
se onde pudesse. Seguindo ele o seu caminho, chegou à região montanhosa de
Efraim, à casa de Mica, o qual lhe perguntou: Donde vens? E ele lhe respondeu:
Sou levita de Belém de Judá, e vou peregrinar até me estabelecer onde achar
conveniente. Então lhe disse Mica: Fica comigo, e sê-me por pai e sacerdote; e cada
ano te darei dez moedas de prata, o vestuário e o sustento. E o levita entrou.
Consentiu, pois, o levita em ficar com aquele homem, e lhe foi como um de seus
filhos. E Mica consagrou o levita, que lhe serviu de sacerdote, e ficou em sua casa.
Então disse Mica: Agora sei que o Senhor me fará bem, porque tenho um levita por
sacerdote" (Jz 17,4-13).
Apesar de dizer que "naqueles dias não havia rei em Israel e cada qual fazia o que
parecia bem aos seus olhos", em virtude de não se haver ainda definido o local do
"único santuário" (Dt 12,4-9 / Ex 20,24; 25,8s), as imagens aqui erigidas eram
anteriormente servidas pelo sacerdócio segundo o costume, pelo "primogênito", é
claro ("e consagrou um dos seus filhos"), e depois por um sacerdote levita
(domiciliado em Judá), tal como então oficializado para o culto (Nm 8,15-18). Estes
ídolos e imagens foram apropriados pelos danitas e levados a Silo (Jz 18,15-31). Por
ai se vê que mesmo em Israel a questão não tinha uma conotação tão literal e não se
pode deixar de lado a dos Bezerros de Ouro (Ex 32), que serão futuramente erigidos
por Jeroboão um em Betel e outro em Dã (1Rs 12,26-33), apesar da crítica ferrenha
de vários profetas quanto aos últimos, causada as mais das vezes por uma
indignação política, provocada pela separação havida do Reino do Norte,
desligando-se da Nação Israelita (cfr. Am 4,4; 5,5s; 7,9; Os 8,5; 13,2).
2132 - O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que
proíbe os ídolos. Com efeito, "a honra prestada a uma imagem remonta ao modelo
original" (S. Basílio, Spir. 18,45) e "quem venera uma imagem venera nela a
pessoa representada" (Conc. II de Nicéia: DS 601; cf. Concílio de Trento: DS
1821-1825; Concílio do Vaticano II: SC 126; LG 67). A honra prestada às
santas imagens é uma "veneração respeitosa", e não uma adoração, que só a Deus se
deve:
"O culto da religião não se dirige às imagens em si mesmas como realidades, mas olha-as
sob o seu aspecto próprio de imagens, que nos conduzem ao Verbo Encarnado. Ora, o
movimento que se dirige à imagem enquanto tal não se queda nela, mas passa à realidade de
que é imagem (S. Tomás de Aquino, Summa Theologica, 2-2,81,3,ad3)."
"E como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do
homem seja levantado; para que todo aquele que nele crê tenha a vida eterna"
(Jo,3,14-15).
"Ele nos tirou do poder das trevas, e nos transportou para o reino do seu Filho
amado; em quem temos a redenção, a saber, a remissão dos pecados; o qual é
imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação..." (Col 1,13-15).
3.º) - "Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o Senhor não terá
por inocente aquele que tomar o seu nome em vão" - Emprega-se o nome de Deus
em vão quando for "à toa", sem motivo, ou por razões fúteis e sem nenhuma
necessidade. Mas, para o Israelita, além disso, como são indestacáveis e
inseparáveis da pessoa o nome e a palavra, no que se refere a Iahweh Deus, o Seu
Nome detém Sua Santidade e, Sua Palavra o Seu Poder, e ambos a Sua Majestade.
Assim, "tomar-lhe o nome em vão" é um indesculpável desrespeito que Deus "não
terá como sendo fruto de inocência, sem culpa". A causa principal disso é o mau uso
que se pode fazer em juramentos falsos em que Deus é colocado como
"testemunha" para afiançar aquilo que falsamente se afirma (Lv 19,12), além do uso
supersticioso do Seu Nome para a prática da magia, ou pelos necromantes, em
busca de efeitos fantasiosos até mesmo nos ritos pagãos pelo poder de que se
apodera e adquire quem O pronuncia (Lv 19,31; 20,6.27; Nm 23,23; Dt 18,10-12).
Tais costumes seriam intoleráveis para o Povo dos Filhos de Israel pela corrupção
que produziriam no meio comunitário em formação, ferindo com uma insuperável
desunião ou conflitos de sérias conseqüências a fé e a Aliança.
4.º) "Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás
todo o teu trabalho; mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus. Nesse dia
não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo,
nem a tua serva, nem o teu animal, nem o estrangeiro que está dentro das tuas
portas. Porque em seis dias fez o Senhor o céu e a terra, o mar e tudo o que neles há,
e ao sétimo dia descansou; por isso o Senhor abençoou o dia do sábado, e o
santificou" - O respeito pelo dia de sábado já existia antes da promulgação das Leis
da Aliança, como se vê por ocasião do Maná (Ex 16,22-30). No entanto, aqui, vai se
vincular à Aliança, base de toda a estrutura do Decálogo:
"Disse mais o Senhor a Moisés: Falarás também aos filhos de Israel, dizendo:
Certamente guardareis os meus sábados; porque isso é um sinal entre mim e vós
pelas vossas gerações; para que saibais que eu sou o Senhor, que vos santifica.
Portanto guardareis o sábado, porque santo é para vós; aquele que o profanar
certamente será morto; porque qualquer que nele fizer algum trabalho, será
exterminado do meio do seu povo. Seis dias se trabalhará, mas o sétimo dia será
o sábado de descanso solene, santo ao Senhor; qualquer que no dia do sábado
fizer algum trabalho, certamente será morto. Guardarão, pois, o sábado os filhos
de Israel, celebrando-o nas suas gerações como aliança perpétua. Entre mim e
os filhos de Israel será ele um sinal para sempre; porque em seis dias fez o
Senhor o céu e a terra, e ao sétimo dia descansou, e achou refrigério" (Ex 31,12-
17).
Pela consagração do sábado é testemunhado por Israel a sua fé em Iahweh,
separando-o dos outros dias e assim santificando, e principalmente demonstrando
por um ato externo que lhe atingia a vida material, deixando de trabalhar junto com
os seus serviçais e até mesmo escravos, a sua fidelidade à Aliança. O sábado vai
assim juntar-se à circuncisão como sinal visível de uma adesão ao Povo dos Filhos
de Israel. Por ai se vê a seriedade da instituição pelo que a sua violação seria sinal
de quebra de unidade nacional trazendo sério perigo de ordem até mesmo social,
pelo que a reação do meio deveria ser mesmo extremada.
"Assim foram terminados o céu e a terra e todo o seu exército. E no sétimo dia
Deus deu por terminada a obra por ele feita; e no sétimo dia cessou de toda a
obra que havia feito; e, por isso, deus abençoou o sétimo dia e o santificou,
porque nele cessou de toda a obra que, ele, criando, tinha feito. Esta é a geração
do céu e da terra na sua criação" (Gn 2,1-4).
Deus nada criou sem motivo e sem meta a atingir, muito menos para destruir. Daí
porque Deus "santificou" o sétimo dia, qual seja, num sentido bíblico, "separou",
distinguiu. Aparece então com toda a clareza a irreversibilidade e inexorabilidade
da criação:
"Enquanto durar a terra, semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e
noite não há de faltar" (Gn 8,22)."
Pelo exposto se pode deduzir Deus "cessou" de criar no "sétimo dia", no início dos
tempos quando ainda não se dera nomes aos dias da semana e nem se denominava
"sábado", tendo por origem etimológica o verbo hebraico "shabbat", cujo
significado é "cessar de fazer o que se está fazendo e retornar ao anterior estado",
motivo que levou a se dizer que Deus "repousou". Por isso, o Homem, "imagem e
semelhança de Deus" também "repousa", "cessa o que faz e volta ao estado
anterior", "descansa e guarda o sétimo dia", passando para a fé praticada essa
terminologia e ficando assim conhecido.
Por outro lado, há uma narrativa que nos mostra um acontecimento muito útil para
se entender o que ocorria naqueles dias dos primórdios quando do entrechoque das
duas culturas:
"No primeiro dia da semana, tendo-nos reunido a fim de partir o pão, Paulo,
que havia de sair no dia seguinte, falava com eles, e prolongou o seu discurso até a
meia-noite" (At 20,7).
"No primeiro dia da semana, tendo-nos reunido a fim de partir o pão..." -, isto
é, "reuniram-se no domingo (=primeiro dia da semana) para a Eucaristia (= a fim de
partir o pão)", tendo Paulo " prolongado o seu discurso até a meia-noite" - Ora, o
horário dos judeus difere do nosso, eis que contam o dia a partir da nossa dezoito
horas até as dezoito horas do dia seguinte. Então partiam o pão à noite do nosso
sábado que já era domingo para eles, única possibilidade de Paulo haver
"prolongado o seu discurso até a meia noite". Outras referências existem que
confirmam a existência da reunião festiva no domingo (1Cor 16,2 e Ap 1,9-11).
Um outro dispositivo existe que evidencia outro aspecto da visão cristã do sábado,
identificando-se com o que dissera Cristo: "o sábado existe para o homem e não o
homem para o sábado" (Mc 2,27), manifestado por São Paulo:
"2174 - Jesus ressuscitou de entre os mortos "no primeiro dia da semana (Mt 28,1;
Mc 16,2; Lc 24,1; Jo 20,1). Enquanto "primeiro dia", o dia da Ressurreição de
Cristo lembra a primeira Criação. Enquanto "oitavo dia", a seguir ao shabbat (Mc
16,1; Mt 28,1), significa a nova Criação, inaugurada com a Ressurreição de Cristo.
Este dia tornou-se para os cristãos o primeiro de todos os dias, a primeira de todas
as festas, o dia do Senhor ("Hé kuriaké hémera", "dies dominica"), o "Domingo":
"Reunimo-nos todos precisamente no dia do Sol, não só porque foi o primeiro dia em que
Deus, transformando as trevas e a matéria, criou o mundo, mas também porque Jesus
Cristo, Nosso Salvador, nesse dia ressuscitou dos mortos (São Justino, Apol. 1,67)"
Os que viveram segundo a Antiga Aliança alcançaram uma nova esperança, não
guardando já o sábado mas celebrando o dia do Senhor, porque nesse dia surgiu a
nossa vida, fruto da sua morte (Santo Inácio de Antioquia, Mgn 9,11).
5.º) " Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que
o Senhor teu Deus te dá" - Até aqui o Decálogo gira em torno da adoração a Deus
com a exclusão de qualquer outro, cujo nome nem ao menos pronunciar era lícito ao
Israelita (Ex 23,13). O seu culto só poderia se dirigir a Iahweh a quem invocaria
conforme as especificações dos quatro mandamentos já examinadas, cuja finalidade
e missão era mais ampla ainda:
"Porque o meu anjo irá adiante de ti, e te introduzirá na terra dos (..."outros
povos"...) e eu os aniquilarei. Não adorarás os seus deuses, nem os servirás, nem
imitarás as suas obras; antes os destruirás totalmente, e quebrarás de todo as suas
colunas. Servireis, pois, ao Senhor vosso Deus, ... (...) Não farás aliança alguma
com eles, nem com os seus deuses. ...pois se servires os seus deuses, certamente
isso te será uma armadilha" (Ex 23,23-25.31-33).
"Vós, filhos, sede obedientes a vossos pais no Senhor, porque isto é justo. Honra a
teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa, para seres feliz e
teres uma longa vida sobre a terra" (Ef 6,1-3).
O mesmo regime patriarcal impõe as normas que são capazes de manter a paz
interna e de que depende para a própria sobrevivência, e elas passam a reger
coercivamente a conduta do grupo. Porém, nesse caso a coerção é mais interior,
vem de dentro da pessoa, de sua própria consciência religiosa e se impõe, se bem
que com uma promessa de recompensa. Basta para se comprovar isso o fato de que
não se diz "amar pai e mãe", mas se diz "honrar pai e mãe". Ora, o "amar" é uma
ação normal e natural no ser humano, mas o "honrar" vai mais longe e
independentemente do "amar" exige uma interiorização, concentração racional e um
esforço pessoal, algo mais que a própria natureza sentimental a agir. Mas isso não
acontece somente na vida nômade e mesmo quando do assentamento do Povo de
Israel na Terra Prometida não haverá modificação sensível nesse nem no conjunto
dos demais dispositivos, sofrendo apenas e tão somente aperfeiçoamentos.
Muitos destes dispositivos, que se manifestam no grupo social, não passaram a ser
observados somente após a sua promulgação, como se demonstrou com a existência
dos sacrifícios, mas já eram costumeiramente usados, com base na própria
experiência do grupo, fenômeno que ocorre com toda a legislação escrita. Assim,
quanto aos dispositivos "não matarás", "não cometerás adultério", "não furtarás" e
"não dirás falso testemunho contra o teu próximo" (Ex 20,13-16) dizem respeito aos
atos exteriores do homem, que ferem em cheio o próximo, prejudicando-o e com
isso sabotando a Paz Social, dispensando-se maiores comentários a respeito, cujos
efeitos danosos são sobejamente conhecidos. O que é necessário notar é a
necessidade de uma base comum centrada no espírito para a harmonia de um grupo
humano, sem o quê ela é impossível. É de se registrar porém que o adultério vai
sofrer modificação com Cristo que vai acabar com a poligamia dos judeus e instituir
a monogamia cristã, pelo que o adultério vai atingir também o homem, antes um dos
"privilégios" exclusivos da mulher.
Resta o Décimo Mandamento que diz "não cobiçarás a casa de teu próximo... nem
coisa alguma que lhe pertença," onde há uma originalidade que fere o preconceito
que se tem da cultura antiga, de ser assim como que superficial e sem profundidade.
Preste-se-lhe a devida atenção e ver-se-á que este mandamento procura atingir o
íntimo do Homem, seu recanto mais privado, onde alimenta as mais das vezes os
seus mais queridos sonhos e ideais e lhe diz: "não cobiçarás...!!! Vai falar-lhe no
mais íntimo de seu ser e evitar-se-á muitos males oriundos de uma cobiça
desenfreada e inescrupulosa.
"Não temas, Abrão! Eu sou "Não temas, Zacarias, "Não temas, Maria!
o teu escudo, tua recompensa porque a tua súplica foi Encontraste Graça junto de
será muito grande" (Gn 15,1). ouvida..." (Lc 1,13). Deus..." (Lc 1,30).
Agora também ao Povo de Israel, ali no Monte Sinai, Moisés lhe dirige o "não
temas" vocacional, esclarecendo-se assim o motivo do "temor" então reinante face
a impressionante teofania (Ex 19,16-21), sem que ocorresse uma debandada geral. É
que não foi um temor ocasionado pelos mesmos motivos de um medo irracional,
que tudo submete ao instinto de conservação e provoca o desespero, o pânico e a
fuga. Era sim, aquele temor reverencial face ao sagrado do acontecimento e da
seriedade do compromisso para o que foram todos os Filhos de Israel
conscientizados, preparados e conduzidos, tal como nos casos dos demais eleitos.
Era o remate final de uma longa e difícil trajetória, marcada ainda pela
responsabilidade de outra tão espinhosa como a primeira missão, que se inicia com
duas novas situações. A primeira coloca Moisés como o interlocutor oficial dos
israelitas com Deus, quando se inicia como profeta (Dt 18,16-17):
"E disseram a Moisés: Fala-nos tu mesmo, e ouviremos; mas não fale Deus
conosco, para que não morramos" (Ex 20,19).
"Assim dirás aos Filhos de Israel (Ex 20,22) (...) Eis as leis que lhes proporás..." (Ex
21,1) - Moisés em nome de Deus, de acordo com o pedido deles, passa a descrever
alguns procedimentos costumeiros, firmando-os como normas de comportamento.
Com elas regulamenta oficialmente o relacionamento geral, a partir de sua
experiência como "juiz" (Ex 18,13-16), e cuja principal finalidade é a de manter a
paz comunitária, fruto da comunhão com Deus que se estabeleceria pelos sacrifícios
oferecidos e pela obediência aos preceitos delineados. É de se destacar a instituição
oficial de uma pena, mencionada desde Caim (Gn 4,14) e Lamec (Gn 4,14), espécie
de vingança legal que se resume em "tal dano tal punição", donde o nome de talião:
"Mas se resultar dano grave, então darás vida por vida, olho por olho, dente por
dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe
por golpe" (Ex 21,23-25).
"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que
não resistais ao homem mau; mas, a qualquer que te bater na face direita, oferece-
lhe também a outra; e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe
também a capa; e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois
mil" (Mt 5,38-41).
"Porque o meu anjo irá adiante de ti, e te introduzirá na terra dos ("nomeiam-se sete
povos") e eu os aniquilarei. Não te inclinarás diante dos seus deuses, nem os
servirás, nem farás conforme as suas obras; antes os derrubarás totalmente, e
quebrarás de todo as suas colunas. Servireis, pois, ao Senhor vosso Deus, e ele
abençoará o vosso pão e a vossa água; e eu tirarei do meio de vós as
enfermidades. (...) Não habitarão na tua terra, para que não te façam pecar contra
mim; pois se servires os seus deuses, certamente isso te será uma armadilha"
(Ex 23,20-33).
"Não te inclinarás diante dos seus deuses, nem os servirás, nem farás conforme
as suas obras; antes os derrubarás totalmente, e quebrarás de todo as suas
colunas...": Eis aqui a principal missão de Israel, a erradicação do culto a outros
deuses destruindo-os completamente juntamente com a fidelidade a Iahweh a quem
"servireis, pois, ao Senhor vosso Deus, e ele abençoará o vosso pão e a vossa
água; e eu tirarei do meio de vós as enfermidades". Tudo isso bem definido
Moisés se encaminha para a ratificação da Aliança, agora com o Povo dos Filhos de
Israel, a quem apresenta as condições ditadas por Deus:
1. FUNDAMENTOS GERAIS
O Povo dos Filhos de Israel foi denominado pelo próprio Deus de "meu filho
primogênito" (Ex 4,22), cujas características e implicações pertencentes ao
Instituto da Primogenitura de "primícia" e "sacerdócio" já se traduzia e lhe
conferia uma missão específica que a pouco e pouco se amplia e se esclarece:
"Assim fala o Senhor: Israel é meu filho, meu primogênito" (Ex 4,22)
"... vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa" conjuga-se com
"...não adorarás os seus deuses, nem lhes prestarás culto, imitando seus costumes;
ao contrário derrubarás e quebrarás as suas colunas; servireis ao Senhor vosso
Deus..." - com tais desígnios é fixada a mesma Missão da Difusão do Nome de
Deus, com e exclusão e eliminação de quaisquer outros. Assim, tal como desde
Abraão, para o testemunho da adoração a Iahweh, forçosamente é indispensável a
presença constante de um Altar de Sacrifício. Fazendo do Culto o Centro
Gravitacional da Aliança contraída, agora que ela se consuma no Monte Sinai e se
corporifica com o Povo de Deus, ratifica-se e recorda-se tanto a Missão como a
assumida fidelidade absoluta e exclusiva:
"Do nome de outros deuses nem fareis menção, nem se ouça da vossa boca"
(Ex 23,13)
"... se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha Aliança, sereis a minha
propriedade peculiar entre todos os povos, porque minha é toda a terra; e vós
sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa..." (Ex 19,5-6).
"...Não me coloqueis entre os deuses de ouro ou de prata, deuses que não devereis
fabricar para vós" - é como de Deus dissesse: "não me incluam entre outros deuses
como num panteão, eu sou "o Deus verdadeiro e o Único Deus para vocês"; e, "um
altar de terra me farás..." (...) "E se me fizeres um altar de pedras, não o construirás
de pedras lavradas..." - Pode-se até ser denominado de "altar de campanha" ou de
"santuário peregrino" tal a forma rudimentar de sua construção para o uso durante a
peregrinação que fariam pelo deserto. Só poderia ser erguido havendo prévia
manifestação de Deus, em forma de "bênção" - algo de "fecundo ou fértil" que
acontecendo deixasse clara a Sua presença no local, agindo em benefício de todo o
povo. Moisés, então, em nome de Deus ("Estes são os estatutos que lhes proporás..."
- Ex 21,1), apresenta ao Povo ali reunido normas de comportamento em forma de
leis de aplicação quotidiana, oficializando o que já se praticava. Como todas elas
estão desordenadas e as mais das vezes mescladas com outros dispositivos é preciso
separá-las para melhor entendimento. Um exemplo explica melhor:
"Não deixarás com vida uma feiticeira. Quem tiver relações com um animal,
será punido de morte. Quem oferecer sacrifícios aos deuses, e não
unicamente ao Senhor , será condenado ao extermínio. Não maltrates o
estrangeiro nem o oprimas, pois vós fostes estrangeiros no Egito. Jamais
oprimas uma viúva ou um órfão. Se os oprimires, clamarão a mim e eu lhes
ouvirei os clamores. Minha cólera se inflamará e eu vos matarei à espada.
Vossas mulheres se tornarão viúvas, e órfãos os vossos filhos. Se
emprestares dinheiro a alguém de meu povo, a um pobre que vive ao teu
lado, não sejas um usurário. Não lhe deveis cobrar juros. Se tomares como
penhor o manto do próximo, deverás devolvê-lo antes do pôr-do-sol. Pois é
a única veste para o corpo, e coberta que ele tem para dormir. Se ele recorrer
a mim, eu o ouvirei, porque sou misericordioso. Não blasfemarás contra
Deus, nem injuriarás o príncipe do povo.28 Não atrasarás a oferta de tua
colheita e do teu lagar. Deverás dar-me o primogênito de teus filhos" (Ex
22,19-28).
"Não deixarás com vida uma feiticeira. (...) Quem oferecer sacrifícios aos
deuses, e não unicamente ao Senhor , será condenado ao extermínio. (...)
Não blasfemarás contra Deus, nem injuriarás o príncipe do povo. Não
atrasarás a oferta de tua colheita e do teu lagar. Deverás dar-me o
primogênito de teus filhos " (Ex 22,19-28).
Da mesma forma são inseridas aqui também normas para o culto tais como a
consagração dos "primogênitos dos filhos" para o sacerdócio, a oferenda dos "das
vacas e das ovelhas" (v. tb. Ex 13,12) e "as primícias dos primeiros frutos da tua
terra trarás à casa do Senhor teu Deus" (Ex 23,19), costume e sistema que será
oficializado futuramente para a manutenção do sacerdócio, destacando-se também
as "oferendas" e o "dízimo":
"Do nome de outros deuses nem fareis menção; nunca se ouça da vossa
boca. Três vezes no ano me celebrarás festa: A Festa dos Ázimos guardarás:
durante sete dias comerás pães ázimos como te ordenei, ao tempo apontado
no mês de Abibe, porque nele saíste do Egito. Ninguém apareça perante
mim de mãos vazias. Guardarás a Festa da Messe, a das Primícias do teu
trabalho de semeadura no campo; e, igualmente guardarás a Festa da
Colheita no fim do ano, quando tiveres recolhido do campo os frutos do teu
trabalho. Três vezes no ano todos os teus homens aparecerão diante do
Senhor Deus. Não oferecerás o sangue do meu sacrifício com pão levedado,
nem ficará da noite para a manhã a gordura da minha festa. As primícias dos
primeiros frutos da tua terra trarás à casa do Senhor teu Deus. Não cozerás o
cabrito no leite de sua mãe" (Ex 23,13-19).
1.º) "A Festa dos Pães Ázimos" (Ex 23,15), criada à saída do Egito juntamente com
a Instituição da Páscoa (Ex 12,1-13 - 'Páscoa' / Ex 12,14-20 - 'Ázimos' = 'sem
fermento'):
"...Quando o Senhor te houver introduzido na terra (...) que ele jurou a teus
pais que te daria, terra que mana leite e mel, guardarás este culto neste mês.
Sete dias comerás pães ázimos, e ao sétimo dia haverá uma festa ao Senhor.
Sete dias se comerão pães ázimos..." (Ex 13,3-12).
"Depois disso, Jesus andava pela Galiléia. Não queria andar pela Judéia
porque os judeus dali o queriam matar. Estava perto a festa dos judeus,
chamada das Tendas (...) No último dia, o mais importante da festa, Jesus
falou de pé e em voz alta: "Se alguém tiver sede venha a mim e beba. Quem
crê em mim, como diz a Escritura, do seu interior correrão rios de água
viva". Referia-se ao Espírito que haviam de receber aqueles que cressem
nele. De fato, ainda não tinha sido dado o Espírito, pois Jesus ainda não
tinha sido glorificado" (Jo 7,1-39)
"...Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a
luz da vida" (Jo 8,12).
Nesta festa os israelitas habitavam durante sete dias em tendas ou cabanas, donde o
seu nome (Festa das Tendas ou Festa das Cabanas), para comemorar o tempo de
peregrinação no deserto:
Com o tempo e por causa da simbologia da água e da luz usadas no cerimonial essa
festa vai tomar um sentido messiânico (Ex 17,1-7; 1 Cor 10,4; Zc 14,8; Ez 47,1-2;
Is 9,1-6; 60,19-21) que Jesus reivindicará ao se comparar com a "água viva que dará
e com a luz do mundo que é" (Jo 7,39 e 8,12). As festas tinham o colorido de um
banquete, duravam uma semana, e eram celebradas com o seu memorial e objetivo,
onde tudo girava em torno de verdadeiro culto e sacrifício ("...vos alegrareis durante
sete dias..."):
Para todas elas a regra básica era a exigência de "ninguém apareça perante mim de
mãos vazias 'mas cada qual fará suas ofertas conforme as bênçãos que o Senhor teu
Deus lhe houver concedido" (Ex 23,15; Dt 16,16-17), cujas oferendas seriam
elevadas à santificação sacrificial. Assim, consoante esse dispositivo, pode-se
compreender a consagração dos primogênitos dos animais e das primícias que já se
viu, os quais se destinavam ao culto litúrgico de então. Além disso aparecem os
sábados de anos, uma novidade legal para o "repouso" da terra, não mandamental. O
Sábado do Decálogo será para sempre como um Sinal da Aliança, e vai desaguar
com essa tônica principalmente no judaísmo (Ne 13,15-22; 1Mc 2,32-41):
Moisés vai para o Monte Sinai, em retiro e contemplação, onde fica "quarenta dias
e quarenta noites", duração de ordem bíblica para significar tempo necessário e
completo para o preparo de uma missão:
Findo este tempo, passará Moisés a reivindicar oferendas voluntárias (Ex 37,5-29) e
independentes daquelas já pertinentes e advindas das consagrações mencionadas
anteriormente, agora destinadas à ornamentação e adorno do culto oficial a Iahweh,
apresentando o narrador inicialmente uma descrição do projeto objetivamente
delineado:
"O Senhor falou a Moisés: "Dize aos israelitas que ajuntem ofertas para
mim. Recebereis a oferta de todos os que derem espontaneamente. Estas são
as ofertas que recebereis: ouro, prata, bronze, tecidos de púrpura violácea,
vermelha e carmesim, linho fino e crinas de cabra, peles de carneiro tintas de
vermelho e peles de golfinho, madeira de acácia, azeite de lâmpada, bálsamo
para o óleo de unção e para o incenso aromático, pedras de ônix e outras
pedras de engaste para o efod e o peitoral. Eles me farão um santuário, e eu
habitarei no meio deles. Fareis tudo conforme o modelo da habitação e seus
utensílios que vou te mostrar" (Ex 25,1-9).
É preciso aqui notar que Moisés está ainda no seu retiro e contemplação no Monte
Sinai, e registra a descrição do que viu (Ex 25-31) para a construção futura (Ex 35-
40). Em geral os móveis e utensílios seriam ou feitos ou recobertos ou forrados ou
tecidos ou bordados com ouro puro e ornados com pedras preciosas (Ex 25,1-9) por
causa da santificação que a presença de Deus lhes imprime principalmente na Arca,
no Propiciatório (Ex 25,10-22) e no Altar de Incenso (Ex 37,25-28), significada na
colocação neles das "tábuas de pedra contendo o Decálogo" (Ex 25,16.21), dos
"dois querubins", onde Deus pousava (Ex 25,18-20 / Ex 25,17-21), dos Pães da
Proposição e do Incenso para o Dia da Expiação. Isto porque para o israelita a
palavra é inseparável da pessoa que a pronuncia, com todos os seus atributos,
donde o Decálogo (Dez Palavras "de Deus"), escrito pelo próprio Deus em "tábuas
de pedra", ser o sinal da presença da Santidade de Deus no Santuário ou Habitação
a ser construído. Daí, pela Santidade presente, compreende-se também o motivo da
"fixação dos varais às argolas nos pés (ou cantos)" para o transporte (Ex 25,15),
evitando-se que tocasse o solo assim como o contato manual. Mesmo nos varais não
tocava pessoa profana, alheia ao sacerdócio, função reservada aos levitas (Nm 8,5-
25). Moisés registra todas as medidas, a disposição e a forma da confecção dos
utensílios e apetrechos, a começar com a Arca que receberá o nome de Arca da
Aliança (Ex 25,10-16) e do Propiciatório (Ex 25,11-22); também, as da Mesa dos
Pães da Propiciação ou Apresentação (Ex 25,23-30 / Lv 24,5-9; 1Sm 21,5); e, do
Candelabro e seu óleo ou azeite (Ex 25,31-39 / 27,20-21). Foi com respeito a esses
Pães da Propiciação que Jesus retrucou a acusação dos fariseus de que os discípulos
desrespeitavam o sábado comendo as espigas (Mt 12,1-4), lembrando-lhes que Davi
os comera quando teve fome, mesmo "sendo reservado aos sacerdotes" (1Sm 21,5).
A seguir vem a menção do "tabernáculo", que será também conhecido por "tenda
da reunião" (Ex 29,42-43 / 33,7), ou ainda em algumas traduções "habitação". Era
um volume retangular todo coberto com tábuas e séries de cortinas ligadas e
trançadas umas às outras, dividido interiormente em duas partes por uma cortina ou
véu. Denominou-se de Santíssimo ou Santo dos Santos à parte antes do véu onde
ficaria a Arca e o Propiciatório com os Querubins e de Santo, o local após o véu,
onde seriam colocados os demais utensílios mencionados e o "altar de incenso ou
de perfumes" (Ex 30,1-10 / 37,25-28). Foi defronte um desse altar de incenso que
o Anjo apareceu a Zacarias quando anunciou o nascimento de João Batista (Lc
1,11). E, o véu é aquele que "rasgou no momento da Morte de Cristo" (Mt 27,51;
Mc 15,38; Lc 23,45), construído no Templo de Jerusalém tal como o que fora
planejado no "Tabernáculo da Peregrinação":
3. O PREPARO DO SACERDÓCIO
Ainda na fase descritiva do que lhe "foi mostrado e Moisés viu" nos dias de seu
retiro e contemplação no Monte Sinai, cuida-se da organização do Sacrifício
Israelita, herança dos Patriarcas, cuja fidelidade havia já sido posta à prova em
séculos de perseguição religiosa no Egito, tendo sido o principal motivo da evasão
geral havida. Agora que se estruturava em culto definitivo de um povo organizado
tornava-se, em conseqüência, necessário e até mesmo essencial, a instituição de um
Sacerdócio Oficial, não mais aquele cultural, familiar e mais de acordo com os
costumes, exercido até então pelos Primogênitos, devendo a partir de então ser
outorgado a Aarão e seus filhos (Ex 28,1), completando-se com o seguinte:
Ao que se vê a Unção com este óleo sagrado santificava e aquilo que tocasse o que
fora santificado seria santo. Em primeiro lugar seriam santificados o Tabernáculo
com todos os utensílios e objetos usados nos cultos e rituais litúrgicos de então; e,
em seguida, Aarão e os Filhos, santificando-os para o exercício do sacerdócio. Além
dos sacerdotes futuramente serão ainda ungidos alguns profetas, os reis de Israel
(1Sm 24,7; 26,9.11.23; 2Sm 1,14.16; 19,22) que por causa disso serão conhecidos
por Messias ou em grego "Cristos". Por tudo isso este Óleo da Unção vai
desempenhar o mais importante papel da vida religiosa de Israel atingindo em cheio
o Cristianismo, a partir do que passou a ser o nome de Jesus Cristo, que significa
Jesus, o Ungido. Cristo não é o sobrenome de Jesus, o nome de sua família, mas um
predicado, ou melhor, o seu atributo de ser o "Ungido do Senhor". Assim, o
verdadeiro sentido da frase usada por Pedro quando da revelação de que fora alvo
(Mt 16,16) é: "Tu és o 'Ungido', o Filho de Deus Vivo".
Moisés continuava no Monte Sinai e o Povo de Israel sem o seu comando e controle
sentiu como se fora abandonado e como tal reage:
"Elohim" é um dos nomes com que era conhecido o Deus dos hebreus e é dele que
se faz a imagem. Não se tratou de uma simples representação pois "levantando-se
na manhã seguinte, ofereceram holocaustos e apresentaram sacrifícios pacíficos;
o povo sentou-se para comer e beber, e depois levantou-se para se divertir" (Ex
32,6). O Povo ofereceu-lhe um Sacrifício do tipo denominado "pacífico", uma
"refeição sagrada", pelo que é incriminado por Iahweh (Ex 32,7-8). Ao que tudo
indica, houve ai uma causa muito séria eis que culminou com a morte de "cerca de
três mil homens" (Ex 32,28). Moisés, ao "ver o Bezerro de Ouro e as danças, num
acesso de cólera, arroja e quebra as tábuas de Pedra" escritas por "Elohim" (Ex
32,19), "queimou o Bezerro, triturou-o, reduziu-o a pó e, misturando-o na água,
obriga o povo a bebê-la". Em virtude do conflito aqui manifestado entre o nome
Iahweh e Elohim, impõe-se uma análise cultural dos nomes de Deus, que aparece
nesse trecho como "Elohim", de quem se fez a imagem (Ex 32,4.8), contra quem se
insurge "Iahweh" (Ex 32,7-8).
Com já se viu quando da análise feita por ocasião da Bênção de Jacó (cfr.: Capítulo
2, n.º 12, Gn 49), à tribo de Efraim, após José, caberia o exercício da chefia do clã
na forma da tradição cultural correspondente ao equilíbrio entre as tribos em vigor
na época.
Uma análise, mesmo superficial como esta, mostra que nesse episódio se
concentram, dentre outros, esses conflitos e tradições tribais. Em primeiro lugar,
algumas traduções falam em "deuses" quando traduzem Ex 32,1.4.8 e 23, segundo a
Septuaginta e a Vulgata, que é a tradução literal de "Elohim" no hebraico. Sabe-se
que "Elohim" era um dos nomes hebraicos de Iahweh por que em Gn 1,1 a
tradução literal seria "no princípio 'deuses (= 'Elohim')' 'criou (= 'bara') 'os céus e
a terra". Pelo fato de se colocar o verbo no singular se conclui que "Elohim" aqui é
o nome do Deus - Criador e não o plural da palavra hebraica "El (=deus)". Hoje se
reconhece na contextura das Escrituras Sagradas a existência de narrativas oriundas
de várias tradições documentárias, destacando-se dentre elas as denominadas de
"Eloísta" e "Javista", conforme o texto se refira à tradição de Elohim ou à tradição
de Iahweh, tal o nome dado a Deus. É muito fácil saber qual o nome se encontra no
texto original pela tradução: - se o nome no texto traduzido for "Senhor" no original
está "Iahweh", se o nome traduzido for "Deus" então no original se encontra
"Elohim". No trecho em exame (Ex 32) nota-se uma espécie de simbiose, fazendo
com que alguns especialistas o atribuam às duas tradições documentárias. Não se
pretende participar aqui destes debates, destinando-se o comentário apenas a
confirmar o raciocínio exposto.
Só se pode concluir que Moisés seja o patrono do nome "Iahweh" (Ex 3,13-15; 6,2-
3), cabendo-lhe a sua "apresentação" ao Povo de Israel que o designava com outros
nomes: Elohim e Iahweh (Gn 1,1; 4,6.26; 12,1; Ex 6,2-4), El-Shaddai (Gn 17,1;
28,3; 43,14; Ex 6,3), El Elyon (Gn 14,18-24), El '0lam (Gn 21,33), El Ro'i (Gn
16,13), Iahweh Yir'el (Gn 22,14), El Bete (Gn 31,13; 35,7), Adonai (Gn 15,2.8)
etc.. Pelos prodígios do Egito o nome Iahweh se impôs aos Filhos de Israel bem
como Moisés, o seu Profeta, superando-se a rejeição ocorrida no início da luta (Ex
2,14). Não pertencia a nenhuma das tribos que detinham o direito advindo da
primogenitura e a de Levi, que era a dele (Ex 2,1-2.10), fora dele excluída por Jacó
(Gn 49,5-7), não lhe cabendo o encargo. Grande vantagem lhe adveio em virtude de
pertencer à corte faraônica (Ex 2,10) fazendo com que em parte o fato fosse
contornado, aliando-se a isso os prodígios de Iahweh, realizados por seu intermédio
e Aarão, bem como o "ministério" de Josué, habilmente lotado como um seu
"primeiro ministro" (Ex 24,13), membro da Tribo de Efraim: essa escolha parece ser
uma evidência da exigência do direito da tribo que assim teria sido pacificada, além
do fato de ser destinado a substitui-lo, confirmando-lhe a preeminência (Nm 28,18-
23 / Dt 31,3-8 / Js 1,1-9).
Sabe-se que quando se usa a quantidade bíblica de "quarenta dias e quarenta noites"
não se trata de uma numeração exata, mas simbólica, caracterizando-se "um tempo
necessário para algum ato". Tal ausência se dá após a promulgação do Decálogo e a
ratificação da Aliança, antes da instituição do Tabernáculo ou Santuário e do
Sacerdócio. Tanto é assim que a alegação "não sabemos o que lhe aconteceu"
caracteriza bem que não se tratava de uma ausência pequena, mas de muito tempo a
ponto do povo sentindo-se desguarnecido e abandonado voltar a buscar apoio no
antigo Deus tribal: Elohim. Com isso manifestou-se o que se deu a entender ser
uma espécie de sedição, aparecendo então aquela divisão já latente no seio do povo
desde a sua condição tribal, tendo agora por estopim a violação do direito de
primogenitura. A sedição teve por fulcro a volta a Elohim, para que assumisse a
posição de comando a que tinha direito, naturalmente sob o comando de Efraim, o
detentor do direito advindo da primogenitura e adoção que recebera pelas mãos de
Jacó. Tanto está certa esta conclusão que, descoberta a sedição, coloca-se Moisés "à
entrada do acampamento exclamando:
Esta frase só tem sentido no contexto se a sedição se deu contra a Aliança contraída
com Iahweh e concluída no Sinai por meio de Moisés. É por isso que Moisés quebra
as Tábuas de Pedra (Ex 32,19), escritas "pelo dedo de Elohim" (Ex 31,18, texto
hebraico). Também a frase: "Moisés viu que o povo estava abandonado, pois que
Aarão o abandonara, expondo-o à zombaria dos adversários" (Ex 32,25) só tem
sentido em referência aos que permaneceram fiéis a Iahweh e Moisés. Tudo isso
confirma que o episódio do Bezerro de Ouro não se refere a uma idolatria, isto é, à
adoração de um ídolo. Vem em favor dessa conclusão o fato de Aarão não ter sido
punido, tendo ele fundido a imagem (Ex 32,4), apesar da sedição não ter sido da
Tribo de Levi à qual pertencia. Foram os levitas que apoiaram Moisés (Ex 32,26),
correspondendo bem à fama que desfrutavam de sanguinários, motivo da recusa
deles na escala descendente da substituição de Rúben pelo próprio Jacó (Gn 34,25-
31 / 49,5-7), matando naquele dia "três mil homens" (Ex 32,28). A frase de Moisés:
"Cinge, cada um de vós, a espada sobre o lado, passai e tornai a passar pelo
acampamento, de porta em porta, e mate, cada qual, a seu irmão, a seu amigo, a
seu parente" (Ex 32,27), só teria sentido e melhor se identifica se dirigida também
a Josué, "braço direito de Moisés", responsável pela pacificação e sendo da tribo de
Efraim, por força do cargo a ele cabia também a reação, até mesmo por uma questão
de ordem e disciplina.
"De José disse: Abençoada pelo Senhor seja a sua terra, (...)...venha tudo
isso sobre a cabeça de José, sobre o alto da cabeça daquele que é
consagrado entre seus irmãos. Ele é o seu touro primogênito; ele tem
majestade; e os seus chifres são chifres de búfalo; com eles ele fere todos os
povos, todas as extremidades da terra de vez. Tais são as miríades de Efraim,
e tais são os milhares de Manassés" (Dt 33,13-17).
"Joseph est un jeune taureau, un jeune taureau près d'une source..." que se
pode traduzir para o português por - "José é um bezerro, um bezerro junto
de uma fonte..." (Gn 49,22).
A controvérsia que se observa existir nas traduções deste trecho vem exatamente do
fato de se desconhecer ou se desprezar a instituição da primogenitura, não se
levando em conta a sua influência no meio social de então. Pela "Traduction
OEcuménique de la Bible" identifica-se por isso mesmo e com facilidade José com
a "consagração" e com o "touro primogênito", ou com o "touro consagrado",
advindo então da estreita relação entre a tribo de José com o sacerdócio e é de se
deduzir que o "bezerro" é uma representação de "Elohim" o nome de Deus para a
tribo de Efraim. Ora, pelo fato de Moisés ser da tribo de Levi, os levitas vieram em
socorro de Iahweh, que se pretendeu impor com exclusividade ao povo israelita e
dominou a pretensa sedição formada. Apesar de ter ela sido excluída da
primogenitura pelo próprio Jacó (Gn 49,5-7) seria premiada por isso com o
Sacerdócio Pleno por meio da consagração da Casa de Aarão (Ex 29,1-46) e com o
Sacerdócio Auxiliar pela substituição dos primogênitos por eles, os levitas (Nm
3,5-51 e 8,5-26). As rivalidades já existentes favorecem a união de Levi com Judá,
contra Efraim, em virtude da preferência de Jacó por José desde os tempos
passados, tal como o Profeta Isaías registra:
"O Senhor falou a Moisés e lhe disse: "Vamos! sai daqui, com o povo que
fizeste sair do Egito, para a terra que prometi a Abraão, a Isaac e a Jacó,
dizendo: ‘Eu a darei à tua descendência’. Enviarei na tua frente um anjo,
para expulsar os cananeus, os amorreus, os hititas, os fereseus, os heveus e
os jebuseus. Sobe para a terra onde corre leite e mel. Mas eu não subirei
contigo, porque és um povo de cabeça dura; do contrário acabaria contigo no
caminho". Ao ouvir esta ameaça, o povo pôs-se de luto e ninguém mais usou
enfeites. É que o Senhor tinha dito a Moisés: "Dize aos israelitas: Sois um
povo de cabeça dura; se por um instante subisse convosco, eu vos
aniquilaria. Despojai-vos, pois, dos enfeites, e eu saberei o que fazer
convosco". Os israelitas despojaram-se dos enfeites ao partir do monte
Horeb" (Ex 33,1-6).
"O Senhor falou a Moisés e lhe disse: "Vamos! sai daqui, com o povo que fizeste
sair do Egito, para a terra que prometi a Abraão, a Isaac e a Jacó, dizendo: ‘Eu a
darei à tua descendência’. Enviarei na tua frente um anjo..." - Deus permanecerá
sempre fiel à Promessa e à Aliança com os Patriarcas mesmo com a ocorrência da
infidelidade de "um povo de cabeça dura", a quem se impõe uma nova
demonstração de arrependimento no abandono dos ornamentos que desde o Egito
ainda usavam. Não compreende tal serenidade de Iahweh e, até que serenassem os
ânimos e ressentimentos, Moisés ergueu o "tabernáculo" fora do acampamento dos
Israelitas a que deu o nome de "Tenda da Reunião":
Claro está que foi uma instalação provisória onde o povo poderia "consultar o
Senhor" e onde principalmente Moisés o fazia "entrando nela enquanto uma nuvem
baixava até a entrada e dela o Senhor falava com ele, frente a frente", mantendo-se
Josué no interior dela, numa espécie de prontidão. Numa dessas consultas quis
Moisés, no estado de ânimo em que se encontrava, ainda atordoado pela sedição
ocorrida, "conhecer quais os desígnios de Deus" que não reagira:
"Moisés disse ao Senhor: "Ora, tu me dizes: ‘Faze subir este povo’; mas não
me indicaste ninguém para me ajudar na missão. No entanto me disseste:
‘Eu te conheço pelo nome e tu mesmo gozas do meu favor’. Se é, pois,
verdade que gozo de teu favor, faze-me conhecer teus caminhos, para que te
conheça e assim goze de teu favor. Considera que esta nação é o teu povo".
O Senhor respondeu-lhe: "Eu irei pessoalmente e te darei descanso". Moisés
respondeu-lhe: "Se não vens pessoalmente, não nos faças subir deste lugar.
Do contrário, como se saberia que eu e teu povo gozamos de teu favor,
senão pelo fato de caminhares conosco? Assim, eu e teu povo, seremos
distinguidos de todos os povos que vivem sobre a terra". O Senhor disse a
Moisés: "Farei também isto que pediste, pois gozas de meu favor, e eu te
conheço pelo nome" (Ex 33,12-17).
"Moisés disse ao Senhor: "Ora, tu me dizes: ‘Faze subir este povo’; mas não me
indicaste ninguém para me ajudar na missão" - isso não poderia ser afirmado em
estado de normalidade mental, após Iahweh lhe haver dito que "enviaria na tua
frente um anjo..." (Ex 33,2). E é até natural que Moisés esteja assim atordoado e
confuso, eis que estava no Monte Sinai em êxtase ou em contemplação recebendo
os detalhes do Santuário a ser erguido para Iahweh, quando explode o ato de
sedição ou idólatra ("faze subir este povo, mas não me indicaste ninguém para me
ajudar na missão; se é verdade que gozo de teu favor faze-me conhecer teus
caminhos..."). Nada mais irreal e contrariando todos os fatos havidos desde que foi
vocacionado no episódio da Sarça ardente, em que Deus claramente lhe mostrara
todos os seus desígnios e em que Moisés depositara tanta fé. O diálogo parece ser
somente mental de Moisés que o continua até que se recompõe, reconhecendo os
desígnios de Deus se realizando inexoravelmente, e desejoso de penetrar mais ainda
no mistério da natureza e divindade pede para "conhecer teus caminhos" e "a tua
glória", mas recebe só o que Deus lhe pode dar:
Isto é, Moisés não quer mais "falar com Deus face a face", estando Deus na forma
da nuvem (Ex 33,9-11), nem na forma de um fogo devorador (Ex 16,7.10;
24,16.17), mas sem mistérios e intermediários, em que não pode ser atendido
("verás as minhas costas, minha face não se pode ver"), o Homem não pode "ver
Deus e permanecer vivo", mas o que se pode dEle ver ser-lhe-á mostrado em toda a
sua justiça e imparcialidade:
O que um homem pode ver da glória de Deus, até mesmo Moisés, que "lhe falava
face a face" (Ex 33,9-11) é só o efeito de Sua Passagem ("verás as minhas costas;
minha face, porém, não se pode ver"), significado em "toda a minha bondade com o
que proclamarei meu nome, 'Iahweh', na tua presença". Confirma-o como o Seu
Enviado, sempre e livremente, sem que ninguém O manipule, "pois favoreço a
quem quero favorecer, e usa de misericórdia com quem quer usar de misericórdia",
a misericórdia que usou com os Israelitas no episódio não os punindo com pensava
que deveria ter feito. Pelo menos é assim que São Paulo vai aplicar este trecho:
Assim é que nesse sofrimento Moisés teve o seu quinhão de penitência e recebe
também a incumbência de "cortar duas tábuas de pedra iguais à primeiras" para que
Deus escrevesse nelas o mesmo Decálogo das anteriores (Dt 10,3-4), e subiu
sozinho o Monte levando-as. Novamente em retiro e contemplação no Monte Sinai,
Moisés vai conhecer atributos de Deus, crescendo cada vez mais:
"O Senhor respondeu: "Olha, eu vou fazer uma aliança! Diante de todo o
teu povo farei prodígios como nunca se fizeram em nenhum país ou nação,
para que todos os povos que te cercam vejam como são terríveis as obras do
Senhor , que estou para fazer contigo. (...) O Senhor disse a Moisés:
"Escreve estas palavras, pois baseado nelas faço aliança contigo e com
Israel". Moisés ficou ali com o Senhor quarenta dias e quarenta noites, sem
comer pão nem beber água, e escreveu nas tábuas as palavras da aliança, os
dez mandamentos da Lei" (Ex 34,10-28).
"Guardarás a festa dos ázimos. Durante sete dias comerás pão sem fermento,
como te mandei, no tempo marcado do mês das Espigas. Pois foi no mês das
Espigas que saíste do Egito. Todo primogênito é meu: todos os primogênitos
machos de teu rebanho, das vacas e ovelhas. Resgatarás o primogênito do
jumento, com uma ovelha; se não o resgatares, deverás quebrar-lhe a nuca.
Resgatarás o primogênito de teus filhos. Não te apresentarás diante de mim
de mãos vazias. Durante seis dias trabalharás e no sétimo descansarás, tanto
na época do plantio como na da colheita. Celebrarás a festa das Semanas no
início da colheita do trigo, e a festa da Colheita no fim do ano. Três vezes
por ano todos os homens deverão comparecer diante do Senhor, o Senhor
Deus de Israel. Eu expulsarei diante de ti as nações e dilatarei tuas
fronteiras; assim ninguém cobiçará a tua terra enquanto estiveres subindo,
três vezes por ano, para te apresentares diante do Senhor teu Deus. Não
oferecerás o sangue de minhas vítimas com pão fermentado. O sacrifício da
festa da Páscoa não deve sobrar para o dia seguinte. 26 Levarás à casa do
Senhor teu Deus, o melhor dos primeiros frutos do teu solo. Não cozinharás
um cabrito no leite de sua mãe" (Ex 34,18-26).
Iahweh - Deus é quem agora vai escrever os Dez Mandamentos nas tábuas de pedra
lavradas por Moisés (Ex 34,1 / Dt 10,3-5, não como sugere 34,27-28). O que
Moisés escreve são as demais prescrições. Essas tábuas irão para a Arca da Aliança.
Moisés ao descer do Monte com as Tábuas da Lei nas mãos irá "brilhar / lançar
raios de seu rosto" a ponto de amedrontar os Israelitas, motivo que o leva a "cobrir o
rosto que apresentava a semelhança de trazer chifres resplandecentes na cabeça", tal
como constava da Vulgata de São Jerônimo (Ex 34,29-35). Tanto o "brilho" como
os "chifres" traduzem a união com Iahweh, tal como a significação de estar
representado em Moisés o Poder e a Glória de Deus fortalecendo a posição de seu
eleito apesar da insurreição havida:
"Tal é a confiança que temos em Deus por Cristo. Não que por própria força
sejamos capazes de pensar alguma coisa como de nós mesmos. Nossa
capacidade vem de Deus. Ele é que nos capacitou como ministros da nova
aliança, não da letra mas do Espírito. Pois a letra mata e o espírito dá vida.
Pois, se o ministério da morte, gravado em letras de pedra, se revestiu de tal
glória que os israelitas não podiam fixar os olhos no rosto de Moisés, por
causa do esplendor de sua face, que era transitório, como não será de maior
glória o ministério do Espírito? Se o ministério da condenação já foi
glorioso, muito mais o ultrapassará em glória o ministério da justiça. E, em
verdade, o que foi glorioso de modo parcial, deixa de o ser, comparado com
esta outra glória eminente. Porque, se o transitório foi glorioso, muito mais o
será o que permanece. De posse de tal esperança, procedemos com plena
franqueza. Não fazemos como Moisés, que cobria o rosto com um véu para
que os israelitas não vissem o fim da glória que se desvanecia. Em
conseqüência, a inteligência deles permaneceu obscurecida. Ainda agora,
quando lêem o Antigo Testamento, esse mesmo véu permanece cerrado,
porque só em Cristo é que deve ser aberto. Por isso até o dia de hoje, quando
lêem Moisés um véu lhes cobre o coração. Tal véu só lhes será tirado
quando se converterem ao Senhor. O Senhor é o Espírito e onde está o
Espírito do Senhor, há liberdade. Todos nós, de face descoberta, refletimos a
glória do Senhor, como um espelho, e nos vemos transformados nesta
mesma imagem, sempre mais gloriosa, pela ação do Senhor, que é Espírito"
(2Cor 3-18).
"Moisés falou a toda a comunidade dos israelitas e lhes disse: "Foi isto o que
o Senhor mandou: Fazei entre vós uma coleta para o Senhor . Quem for
generoso levará uma oferenda ao Senhor: ouro, prata, bronze, púrpura
violácea, vermelha e carmesim, linho fino, crinas de cabra, peles (...) Todos
os artesãos habilidosos venham para executar tudo o que o Senhor mandou:
a morada com a tenda e a cobertura, as argolas, (...); o altar dos holocaustos,
com a grelha de bronze, os varais e todos os utensílios; a bacia e (...), as
vestes litúrgicas para o sacerdote Aarão, e as vestes dos filhos para as
funções sacerdotais". Então toda a comunidade dos israelitas se retirou da
presença de Moisés. Em seguida vieram todos cujo coração os movia, e
cujo ânimo os impelia, trazendo ofertas ao Senhor para as obras da
tenda de reunião, para o culto em geral, e para as vestes litúrgicas.
Vieram homens e mulheres, e todos generosamente traziam broches,
brincos, anéis, colares e toda sorte de objetos de ouro, que cada um
apresentava como oferta ao Senhor. Todos quantos tinham consigo púrpura
(...) Os que desejavam fazer ofertas de prata ou de bronze, trouxeram-nas ao
Senhor . O mesmo fizeram os que tinham madeira de acácia para as várias
obras da construção. Todas as mulheres que tinham habilidade para a
tecelagem, teceram e trouxeram os tecidos: a púrpura violácea, vermelha e
carmesim, e o linho fino. Todas as mulheres bem dispostas e dotadas para
tanto, teceram crinas de cabra. Os chefes do povo trouxeram pedras de ônix
e pedras de engaste para o efod e o peitoral, os perfumes e o azeite para o
candelabro, para o óleo de unção e para o incenso aromático. Todos os
israelitas, homens e mulheres, dispostos a contribuir para as obras que
o Senhor tinha mandado executar por meio de Moisés, trouxeram ao
Senhor contribuições espontâneas..." (Ex 35,4-35).
Esta última frase nos faz lembrar outra que tem a mesma conotação de se atingir
determinada finalidade a que toda a obra se destinava:
"E Deus viu tudo quanto havia feito e achou que estava muito bom" (Gn
1,31)
" Moisés examinou toda a construção e viu que a fizeram exatamente como
o Senhor tinha mandado" (Ex 39,42).
"O Senhor falou a Moisés, dizendo: "No primeiro dia do primeiro mês
levantarás a morada, a tenda de reunião. Porás ali a arca da aliança, e a
cobrirás com o véu. Introduzirás a mesa, e a deixarás posta; levarás o
candelabro, e colocarás as lâmpadas; porás o altar de ouro para o incenso
diante da arca da aliança, e pendurarás a cortina na entrada da morada. Porás
o altar dos holocaustos diante da entrada da morada, da tenda de reunião.
Colocarás a bacia entre a tenda de reunião e o altar, e porás água; disporás o
átrio em torno, e porás a cortina na entrada do átrio" (Ex 40,1-7).
Porém, a parte material apenas não basta, falta a parte principal, o objetivo de toda a
Obra: - prepará-la para atingir a Santificação pela comunhão com Iahweh,
organizando-se o Sacrifício. É o que vem a seguir:
"Pegarás o óleo de unção, ungirás a morada e tudo o que nela estiver,
consagrando-a assim com todos os pertences, e ela será santa. Ungirás o
altar dos holocaustos e todos os utensílios, consagrando assim para que
seja santíssimo. Ungirás a bacia com a base, para consagrá-la" (Ex 40,9-
11).
Bom será repetir o significado dessa Unção com o Óleo Sagrado, a "consagração do
que for tocado por ele para que seja santíssimo", incluindo então o Sacerdócio para
o qual foi "separado" "Aarão e seus filhos":
Agora atinge-se o ponto central de toda a Obra, a investidura dos sacerdotes, sem os
quais não há sacrifício (Hb 8,3) e nada do que se fez poderia levar à comunhão com
Deus pela Santidade ensejada:
"No dia primeiro do primeiro mês do segundo ano, foi erigida a morada.
Moisés levantou a morada, colocou as bases e as tábuas, assentou as
travessas e ergueu as colunas. Estendeu a tenda sobre a morada e pôs por
cima a cobertura da tenda, como o Senhor lhe havia mandado. Pegou o
documento da aliança e o colocou dentro da arca, meteu os varais na arca e
pôs por cima dela o propiciatório. Introduziu a arca na morada e pendurou o
véu de proteção, ocultando a arca da aliança, como o Senhor tinha mandado
a Moisés. Depois instalou na tenda de reunião a mesa, no flanco norte da
morada, do lado de fora do véu; e arrumou sobre ela os pães consagrados ao
Senhor , assim como o Senhor tinha mandado a Moisés. Pôs o candelabro na
tenda de reunião, defronte da mesa, no flanco sul da morada. Em cima
acendeu as lâmpadas diante do Senhor , assim como o Senhor havia
mandado a Moisés. Colocou o altar de ouro na tenda de reunião, diante do
véu, e queimou o incenso aromático, assim como o Senhor havia mandado a
Moisés. Pendurou a cortina na entrada da morada" (Ex 40,17-28).
"Assim Moisés deu por concluída a obra" (Ex 40,33) e tão logo isso sucede,
Iahweh se manifesta e se exterioriza na "nuvem" (Ex 13,21-22) e toma posse do
santuário:
7. O SACERDÓCIO
A investidura obedeceria ritual próprio (Ex 29), durante o qual, além da Unção de
Aarão e seus filhos, vários ritos de purificação seriam executados para a
indispensável Santificação geral e deles, oferecendo-se durante o cerimonial os
seguintes tipos de Sacrifícios:
Pode-se até mesmo atrever-se um pouco e dizer que aqui deve ser o lugar
certo do fenômeno da tomada de posse com a habitual teofania final:
8. O SACRIFÍCIO
Muitas religiões giram em torno do sacrifício, cujo significado atual cada vez mais
se afasta do original. É que, culturalmente, mudou tanto de sentido que não mais
reflete a mesma realidade. Por causa disso, nem mesmo um dicionário atual registra
aquilo que correspondia ao seu significado, principalmente entre os judeus ou
israelitas. Pelo menos biblicamente tem um sentido bem mais profundo até mesmo
que o, "a grosso modo" perceptível, sentido de "sacri-ficar" = "ficar-sagrado". E
nem pode se limitar à uma "renúncia" ou à uma "privação", dolorosa para quem a
faz, a cujo sentido é reduzido vulgarmente.
Em outra ocasião Jesus se refere ao sacrifício ao dizer que "é o altar que santifica a
oferenda" (Mt 23,19). É que, desde o Sinai, o altar era "ungido", tal como os
"sacerdotes", com o "Óleo da Unção" (Ex 30,25-30), preparado de acordo com
normas do próprio Iahweh, em virtude do que "santificava tudo que o tocasse":
"Oferecerás pelo altar um sacrifício pelo pecado, quando fizeres por ele a
expiação ("com sangue"), e o ungirás para consagrá-lo. (...); assim o altar
será santíssimo e tudo que o tocar, será santificado" (Ex 29,36-37).
Um novo elemento aparece aqui, com o rito do sacrifício pelo pecado, a expiação,
que tem como integrante essencial o sangue que expia (Lv 17,11), sem o qual não
há remissão (Hb 9,22). Ao que se conclui que, pela unção sagrada se santifica o
altar e o sacerdote, completando-se a eficácia do ato com o sangue do sacrifício pelo
pecado (Lv 6,17-22 / Hb 9,22). E, a partir desta Aliança, organizou-se um ritual,
sabendo-se que sem altar, sacerdote, sangue e vítima (= hóstia) não há sacrifício,
nem se consegue a santificação (Hb 9,19-22), um de seus objetivos. Jesus resume
tudo isso numa frase apenas. ("é o Altar que santifica a Oferenda")
Deduz-se destas palavras que pelo sacrifício se estabelece íntima comunhão entre o
Ofertante, o Altar e Deus, pelo Sacerdote e com a expiação do pecado pelo sangue.
Assim, quando se fala em "altar", se fala em "vítima" e em "sacerdote"; quando se
fala em "sacerdote" se fala em "Deus" e no "sangue que expia"; quando se fala em
"sangue que expia" se fala em "vítima ou hóstia" de que se alimenta em comum e
em "santificação"; e, quando se fala em "santificação", se fala em "comunhão" de
pessoas, a partir da "comunhão" com "altar" formando-se uma "comunidade" de
todos com "Deus".
Da citação acima vê-se que somente no lugar indicado por Deus é que se podia
comer os sacrifícios, incluído como um deles as oferendas constituídas pelos
primogênitos do gado, pelas primícias das plantações, vinho, óleo, pão, pelos dons
etc. É de se observar que as oferendas ou dízimos não podiam ser "totalmente
comidos", mas apenas "uma parte deles", pois pertenciam por direito aos sacerdotes
(Nm 18,9.20.23-24). Fossem "todos comidos" nada se lhes entregaria. Somente
"uma parte" era objeto da "santificação sacrificial", entregando-se o "todo" no
Templo. Nessa perspectiva, é São Paulo quem esclarece da outra concepção vigente,
fazendo com que se entenda melhor o alcance do sacrifício, qual seja a existência de
uma solidariedade da parte com o todo, de modos que "à santificação da parte
corresponde a santificação do todo":
"...e um fogo enviado por Iahweh consumiu o holocausto e as gorduras que estavam
sobre o altar. Vendo, o povo inteiro prorrompeu em gritos de alegria, e prostraram-
se todos com o rosto por terra" (Lv 9,24).
Este fato vai se repetir outras vezes (Jz 6,21; 1Cro 21,26; 2Mac 2,10) e também
quando da inauguração do Templo por Salomão, o que não deixa de ser um fato
bem significativo pela freqüência com que ocorre:
"Quando Salomão terminou a oração, caiu fogo do céu e devorou o holocausto e os
sacrifícios; e a glória do Senhor encheu o templo. Os sacerdotes não puderam entrar
no templo do Senhor, pois a glória do Senhor o enchia. Todos os filhos de Israel,
quando viram o fogo descer e a glória do Senhor sobre o templo, se ajoelharam,
com o rosto em terra, sobre o pavimento, adoraram e louvaram o Senhor: "Sim, ele
é bom e eterno é seu amor". E Salomão com todo o povo ofereceu sacrifícios diante
do Senhor . O rei Salomão imolou vinte e dois mil bois e cento e vinte mil ovelhas.
Assim o rei e todo o povo inauguraram o templo de Deus" (2Cro 7,1-4).
A existência desse tipo de fogo vem confirmada por um dos livros de Macabeus:
Este fogo deve ser do tipo mantido sempre aceso pelos Sacerdotes num
Holocausto Cotidiano (Ex 29,38-42; Nm 28,3-8), isto é, segundo uma antiga
tradição, "o fogo vindo do céu" (Lv 9,24 / Ex 40,38), que dever-se-ia manter
sempre aceso:
"O Senhor falou a Moisés: "Manda dizer a Aarão e a seus filhos: Esta é a lei do
holocausto: o holocausto ficará sobre a lareira do altar a noite inteira, até a manhã
seguinte, e o fogo do altar será mantido aceso. (...) O fogo, porém, que arde sobre
o altar, jamais se deve extinguir. Todas as manhãs o sacerdote o alimentará com
lenha, porá sobre ela o holocausto, e queimará a gordura dos sacrifícios pacíficos. O
fogo deve arder continuamente no altar, sem jamais se apagar" (Lv 6,1-6).
Parte da Oblação constituída por "um punhado de flor de farinha com azeite, bem
como todo o incenso posto sobre a oferenda" seria "queimada no altar como
memorial de suave odor ao Senhor; e, o restante dela, Aarão e seus filhos
comeriam sem fermento" no Santuário e "no átrio da Tenda de Reunião". Só
Aarão e os seus filhos e descendentes masculinos dela poderiam comer, no Átrio
em frente da Tenda da Reunião, nesse lugar sagrado, por ser Santíssima, dela
"comendo" também Deus queimando-se uma parte "como memorial de suave odor
ao Senhor" (Lv 6,8). Somente os homens comeriam dessas oblações pelo fato das
mulheres da Casa de Aarão não terem sido "ungidas", e assim, "não santificadas
para o múnus sacerdotal", não as poderiam tocar "por serem oferendas
santíssimas" pelo que as profanariam pelo contagio.
"O Senhor falou a Moisés, dizendo: "Esta é a oferta que Aarão e seus filhos farão no
dia em que forem ungidos: quatro litros e meio de flor de farinha, como oblação
perpétua, metade de manhã e metade de tarde. Será preparada na chapa e apresentá-
la-ás embebida em azeite. Triturando-a em pedacinhos, oferecê-la-ás em suave odor
ao Senhor. A mesma oblação fará o sacerdote que entre os filhos for ungido em seu
lugar. É uma lei perpétua: será inteiramente queimada em honra ao Senhor. Toda
oblação de um sacerdote será total, e não se comerá" (Lv 6,13-16).
3.°) - Nos Sacrifícios Expiatórios ou Pelo Pecado (Lv 6,17-23 / Lv 4) - Esse ritual
destaca a Santidade da vítima seja pelo lugar onde se dá a imolação, seja por
onde se deve comê-la, seja pelos efeitos de qualquer contato com a carne ou com
o sangue, seja pela parte reservada apenas aos Sacerdotes, seja por não comer
dela o Ofertante que pecou, para não se beneficiar de seu pecado e em
penitência. É imolada, após a imposição das mãos pelo Sacerdote em nome do
Ofertante, no mesmo local do Holocausto e após a efusão do Sangue no
Santuário, tornando-se assim Santíssima, pelo que qualquer contato com ela
infunde Santidade, donde somente o Sacerdote celebrante e os colegas
masculinos que permitir podem dela comer. No caso do oferecido pelo pecado do
Sumo Sacerdote ou da Comunidade, ninguém dela comerá, devendo ser
totalmente queimada, pois o sangue é derramado em lugar santo (Lv 6,23):
"O Senhor falou a Moisés, dizendo: "Fala para Aarão e seus filhos: Esta é a lei do
sacrifício expiatório. No lugar onde se imola o holocausto, também será imolada
diante do Senhor a vítima pelo pecado. É coisa santíssima. O sacerdote que oferecer
a vítima pelo pecado, dela poderá comer. Deve ser comida em lugar santo, no átrio
da tenda de reunião. Tudo que tocar esta carne, ficará consagrado. Se o sangue
respingar alguma veste, lavarás a mancha em lugar santo. A vasilha em que for
cozida, será quebrada, se for de barro. Se for de bronze, será esfregada e lavada em
água. Todo indivíduo de sexo masculino entre os sacerdotes poderá comer desta
carne. É coisa santíssima. Mas não se poderá comer nenhuma vítima expiatória da
qual se levou sangue à tenda de reunião para fazer a expiação no santuário; será
queimada no fogo" (Lv 6,17-23).
3.1. - Nos Sacrifícios Pelo Delito ou de Reparação (Lv 7,1-10) - Há aqui como
que uma espécie de complemento delineando-se outros ritos a serem também
observados no caso de ofensas mais simples, os delitos (Lv 5,14-26). A vítima será
imolada no mesmo local do Holocausto e segue o mesmo ritual do Sacrifício de
Reparação, podendo assim ter o seu dano avaliado, acrescido de um quinto e
então pago ao Sacerdote que fará a expiação por ele (Lv 5,16.23-26). A vítima
após a efusão do sangue torna-se "coisa santíssima" entregue ao sacerdote que
fará a reparação pelo ofertante obedecendo as regras seguintes, dispensando-se
comentários pela simplicidade do ato:
Tanto aqui como no anterior a vítima é do sacerdote que faz a expiação, isto é,
daquele que oferece a gordura queimando-a e derrama o sangue:
"Vale a mesma lei tanto para o sacrifício expiatório, como para o sacrifício de
reparação: A vítima pertence ao sacerdote que faz a expiação. Ao sacerdote que
oferece o holocausto de alguém, pertence a pele da vítima que ofereceu. Toda
oblação assada ao forno ou preparada em panela ou chapa, pertence ao sacerdote
que oferece. Toda oferenda amassada com azeite ou seca, será para todos os
descendentes de Aarão, sem distinção" (Lv 7,6-10).
Destacam-se nos versículos finais a propriedade do Sacerdote que faz a expiação,
da pele dos animais e das Oblações peculiares a estes tipos de Sacrifícios, se
assada ao forno ou na panela, ou se amassada com ou sem azeite, pertencerá
então a todos os filhos de Aarão indistintamente.
Não pode haver outro motivo para assim se denominar a Ceia Eucarística das
Missas, vendo nela a Oblação de Cristo, "atualizada" no "Pão Ázimo" da Hóstia
da Comunhão, que é o Seu Corpo, tal como a ela se refere o Catecismo da Igreja
Católica, no n.° 610:
A riqueza inesgotável deste sacramento exprime-se nos diferentes nomes que lhe
são dados. Cada um destes nomes evoca alguns dos seus aspectos. Ele é
chamado:
1329 - Banquete do Senhor (1Co 11,20), porque se trata da Ceia que o Senhor
tomou com os discípulos na véspera da sua Paixão e da antecipação do banquete
nupcial do Cordeiro (Ap 19,9) na Jerusalém Celeste.
Fração do Pão, porque este rito, próprio da refeição dos judeus, foi utilizado
por Jesus quando abençoava e distribuía o pão como chefe de família (Mt
14,19; 15,36; Mc 8,6.19), sobretudo aquando da última Ceia (cf. Mt 26,26; 1Co
11,24). É por este gesto que os discípulos O reconhecerão depois da Ressurreição
(cf. Lc 24,13-35) e é com esta expressão que os primeiros cristãos designarão as
suas Assembléias Eucarísticas (cf. At 2,42.46; 20,7.11). Querem com isso significar
que todos os que comem do único pão partido, Cristo, entram em comunhão com
ele e formam um só corpo nEle (cf. 1Co 10,16-17).
Santa e Divina Liturgia, porque toda a Liturgia da Igreja encontra o centro e a sua
expressão mais densa na celebração deste Sacramento; no mesmo sentido
também se lhe chama celebração dos Santos Mistérios. Fala-se igualmente do
Santíssimo Sacramento, porque é o Sacramentos dos Sacramentos. E, com este
nome, se designam as Espécies Eucarísticas guardadas no Sacrário.
1331 - Comunhão, pois é por este Sacramento que nos unimos a Cristo, o qual nos
torna participantes do Seu Corpo e do Seu Sangue, para formarmos um só Corpo
(cf. 1Co 10,16-17); designa-se ainda as coisas santas ("ta hagia"; "sancta") (Const.
App. 8, 13, 12; Didaké 9,5; 10,6) - é o sentido primário da "Comunhão dos Santos"
de que fala o Símbolo dos Apóstolos -, pão dos anjos, pão do céu, remédio da
imortalidade (Santo Inácio de Antioquia, Ef 20,2), viático...
"Chegou, pois, o dia da Festa dos Pães Ázimos, em que se devia matar o Cordeiro
Pascal. Jesus enviou Pedro e João, dizendo-lhes: "Ide preparar-nos a Ceia da
Páscoa"... (...) ... Ao chegar a hora, Jesus se pôs à mesa com os apóstolos e lhes
falou: "Desejei ardentemente comer esta Ceia da Páscoa convosco antes de sofrer.
Pois eu vos digo: Nunca mais a comerei, até que ela se realize no reino de Deus".
Tomando um cálice, deu graças e disse: "Tomai este cálice e distribuí entre vós.
(18) Pois eu vos digo: Não mais beberei deste vinho até que chegue o reino de
Deus". (19) E tomando um pão, deu graças, partiu-o e deu-lhes dizendo: "Isto é o
meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em memória de mim". Do mesmo modo,
depois de haver ceado, tomou o cálice, dizendo: "Este cálice é a nova aliança em
meu sangue, derramado por vós" [Lc 22,7-8.14-20 - versículos (18) e (19)
destacados a propósito].
Enquanto que Cristo se faz o Único Sacerdote, o Único Ofertante,. a Única Vítima
e a Única Oblação, do que todos participam, no Sacrifício Israelita há uma
distribuição da vítima imolada, destacando-se aqui a parte que pertencerá ao
Sacerdote Celebrante, que é aquela que se destina a Iahweh:
"Além destes, com o sacrifício pacífico de ação de graças, será oferecido pão
fermentado. Uma parte de cada uma destas oferendas será oferecida como tributo ao
Senhor, e pertencerá ao sacerdote que derramou o sangue da vítima do sacrifício
pacífico" (Lv 7,13-14).
Já a carne desse tipo de Sacrifício, por ser mais santa que a dos Pacíficos, dever-
se-á cuidar para não se tornar impura ou corrompida, motivo pelo qual comer-se-á
toda no mesmo dia. Já a dos votivos ou espontâneos poderá permanecer até o dia
seguinte, após cujos intervalos deverão ser totalmente queimadas, sob pena de
ineficácia da oferenda:
"A carne da vítima do sacrifício pacífico de ação de graças será comida no próprio
dia em que for oferecida; dela nada se deverá deixar para o dia seguinte. Se a oferta
do sacrifício for em cumprimento de um voto, ou for espontânea, será comida no dia
em que se oferecer. O que sobrar poderá ser comido no dia seguinte. Mas o que
sobrar da carne do sacrifício para o terceiro dia, deverá ser queimado. Se alguém ao
terceiro dia comer do sacrifício pacífico, o ofertante não será aceito, nem lhe será
levado em conta o que ofereceu. É carne infecta e a pessoa que dela comer carregará
o peso da sua culpa" (Lv 7,15-18).
O cuidado com a carne imolada como vítima exigia que se evitasse o menor
contato com aquilo que fosse considerado impuro (Lv 11-15), sob pena de ser
queimada, para não comprometer a sua Santidade, e, pelo mesmo motivo, os
participantes "impuros" não poderiam dela comer:
"A carne que tiver tocado qualquer coisa impura não se deverá comer. Será
consumida pelo fogo. Mas da outra carne poderá comer quem estiver puro. Mas
quem comer carne do sacrifício pacífico oferecido ao Senhor, apesar de estar
impuro, será eliminado do seu povo. Quem tocar qualquer imundície de homem ou
animal, ou qualquer outra imundície abominável, e comer carne do sacrifício
pacífico pertencente ao Senhor, será eliminado do seu povo" (Lv 7,19-21).
"O Senhor falou a Moisés: "Fala aos israelitas: Não comereis gordura alguma de
boi, ovelha ou cabra. Da gordura de um animal morto ou estraçalhado, podereis
servir-vos para qualquer uso, mas de maneira alguma a comereis. Pois todo aquele
que comer gordura de animal que se oferece pelo fogo ao Senhor, será eliminado do
povo. Não comereis sangue algum, nem de ave, nem de animal, em nenhuma de
vossas moradias. Aquele que comer qualquer espécie de sangue, será extirpado do
povo" (Lv 7,22-27).
"... É um alimento oferecido pelo fogo, de suave odor. Toda a gordura pertence ao
Senhor. Esta é uma lei perpétua, válida para vossos descendentes, onde quer que
habiteis: Não devereis comer nenhuma gordura ou sangue" (Lv 3,16-17).
"O Senhor falou a Moisés, dizendo: "Fala aos israelitas: Aquele que oferecer ao
Senhor um sacrifício pacífico, levará ao Senhor a oferta tirada do sacrifício pacífico.
Levará com as próprias mãos o que se oferecer pelo fogo ao Senhor: levará a
gordura além do peito a ser agitado ritualmente diante ao Senhor. O sacerdote
queimará a gordura no altar, e o peito ficará para Aarão e seus filhos. Dareis
também ao sacerdote a coxa direita, como tributo de vossos sacrifícios pacíficos.
Aquele dentre os filhos de Aarão que oferecer o sangue do sacrifício pacífico e a
gordura, é que terá a coxa direita como parte. Pois dos sacrifícios pacíficos dos
israelitas reservei para mim o peito agitado ritualmente e a coxa do tributo, e dei-os
a Aarão e a seus filhos, como lei perpétua a ser observada pelos israelitas. Essa é a
parte de Aarão e de seus filhos nos sacrifícios oferecidos pelo fogo ao Senhor, desde
o dia em que foram promovidos a exercer o sacrifício diante do Senhor. Foi o que o
Senhor lhes mandou dar da parte dos israelitas, desde o dia da unção, como lei
perpétua para todas as gerações". Esta é a lei para o holocausto, a oblação, o
sacrifício pelo pecado, o sacrifício de reparação, o sacrifício da consagração e o
sacrifício pacífico. Foi o que o Senhor ordenou a Moisés no monte Sinai, no dia em
que mandou os israelitas oferecerem oblações ao Senhor no deserto do Sinai" (Lv
7,28-38).
"Pois dos sacrifícios pacíficos dos israelitas reservei para mim o peito agitado
ritualmente e a coxa da elevação, e dei-os a Aarão e a seus filhos, como lei
perpétua a ser observada pelos israelitas" (Lv 7,34) - este cerimonial será sempre
observado entendendo-se pela agitação feita da parte a destinação dela a Iahweh
pelo primeiro lance do movimento e a sua destinação ao Sacerdote passando
pelas mãos do ofertante, no seu retorno de Iahweh, e da mesma forma o ritual da
elevação da coxa:
"O Senhor falou a Moisés, dizendo: "Toma contigo Aarão e seus filhos, as vestes, o
óleo da unção, o bezerro para o sacrifício expiatório, os dois carneiros e o cesto de
pães ázimos, e reúne toda a comunidade à entrada da tenda de reunião". Moisés fez
como o Senhor lhe tinha mandado e a comunidade se reuniu à entrada da tenda de
reunião. Moisés disse à comunidade: "É isto que o Senhor mandou fazer". Depois
mandou que se aproximassem Aarão e seus filhos, e os lavou com água. Vestiu
Aarão com a túnica, cingiu-lhe o cinto, revestiu-o com o manto, colocou-lhe o véu
umeral e o prendeu, atando-o com o respectivo cinto. Pôs-lhe o peitoral com os urim
e os tumim. Colocou-lhe na cabeça a mitra, e na parte dianteira a lâmina de ouro, o
diadema sagrado, conforme o Senhor havia mandado a Moisés. Depois Moisés
pegou o óleo da unção, ungiu o tabernáculo e tudo o que nele havia, para consagrá-
lo. Aspergiu sete vezes o altar, e ungiu-o com todos os utensílios, bem como a bacia
com o suporte, consagrando-os. Derramou óleo de unção sobre a cabeça de
Aarão, e o ungiu, para o consagrar. Depois mandou aproximarem-se os filhos de
Aarão, vestiu-lhes as túnicas, cingiu-lhes o cinto e lhes pôs os turbantes, como o
Senhor havia mandado a Moisés" (Lv 8,1-13).
Após a "unção sobre a cabeça de Aarão", vem outra por aspersão, com uma
separação sintomática, de "Aarão e suas vestes, e seus filhos e suas vestes":
"Moisés tomou um pouco do óleo de unção e do sangue que estava sobre o altar,
aspergiu Aarão e suas vestes, bem como os filhos de Aarão e suas vestes. Assim
consagrou Aarão, seus filhos e as respectivas vestes" (Lv 8,30).
Como já se expôs (n.° 7 do Capítulo 4), "durante a Investidura foi seguido o ritual
já estabelecido e próprio (Ex 29), durante o qual, além da Unção de Aarão e seus
filhos, vários ritos de purificação foram executados para a indispensável
Santificação geral e deles, oferecendo-se durante o cerimonial os seguintes
Sacrifícios:
Resta agora uma explanação mais ampla da utilização desses tipos de rituais na
consagração sacerdotal de Aarão e seus filhos, Sacrifícios oferecidos por Moisés,
o mediador da Aliança, a começar com o Sacrifício Pelo Pecado, o primeiro
oferecido:
"Mandou trazer o bezerro para o sacrifício pelo pecado. Aarão e seus filhos
impuseram-lhe as mãos sobre a cabeça. Depois de imolá-lo, Moisés pegou sangue e
untou com o dedo os chifres em volta do altar, purificando-o. Derramou o sangue ao
pé do altar, e o consagrou, fazendo sobre ele a expiação. Depois tomou toda a
gordura que envolve as vísceras, a camada gordurosa do fígado e os dois rins com a
sua gordura, e queimou tudo no altar. O bezerro, sua pele, carne e excrementos,
queimou-os fora do acampamento, como o Senhor lhe tinha mandado" (Lv 8,14-
17).
Como visto no número anterior (n.° 9, 3.°) este ritual tem por finalidade a
Santificação em geral, tanto das pessoas como dos objetos, para uma perfeita
união com Deus, pelo que são purificados pelo Sangue da Vítima imolada por
Moisés que "unge" os chifres com o dedo embebido e o derrama em redor do
Altar, fazendo a devida expiação e purificação, após a imposição das mãos por
Aarão e seus filhos. Queima as gorduras no Altar e o bezerro, seu pelo, a sua
carne e os excrementos fora do Santuário, nada indo para o celebrante para não
se aproveitar de sua própria falta, por quem também é oferecido [(cfr. Lv 6,17-23 /
Lv 4, conforme dito alhures que "no caso do oferecido pelo pecado do Sumo
Sacerdote ou da Comunidade, ninguém dele comerá, devendo ser totalmente
queimado, pois o sangue é derramado em lugar santo (Lv 6,23)]". Ao que se vê
este Sacrifício se destina à Santificação do Santuário, de seus pertences e
objetos, do oficiante, dos ofertantes que são consagrados e da vítima.
Vem em seguida o Holocausto:
Moisés oferece aqui este tipo de Sacrifício, o mais perfeito ato de culto de então,
traduzindo o nada do Homem na destruição total da vítima toda queimada "em
suave odor" a Deus, ato de reconhecimento da soberania de Deus de que o
Sacerdote é medianeiro. Com este Holocausto a purificação atinge a plenitude
pela expiação conseguida e Aarão e seus filhos ficam então em condições de
Santidade para o exercício do Sacerdócio, pela imposição das mãos sobre a
vítima que praticaram (Lv 8,18) e da renúncia de si face a majestade e soberania
de Iahweh significadas no aniquilamento da vítima totalmente destruída pelo fogo.
Este Sacrifício toma aqui uma conotação diferente pela sua específica finalidade
de se destinar à consagração sacerdotal pelo uso do Sangue da Vítima, antes de
derramá-lo no Altar, para banhar por primeiro "o lóbulo direito, o polegar da mão
direita e o do pé direito" de Aarão e depois de seus filhos, como que a prepará-los
para o exercício do Sacerdócio. Tinha essa unção o mesmo sentido purificador
dos chifres do Altar e somente após é que era o Sangue derramado.
"Moisés tomou um pouco do óleo de unção e do sangue que estava sobre o altar,
aspergiu Aarão e suas vestes, bem como os filhos de Aarão e suas vestes. Assim
consagrou Aarão, seus filhos e as respectivas vestes" (Lv 8,30).
Moisés disse para Aarão e seus filhos: "Cozinhai a carne à entrada da tenda de
reunião. Ali mesmo a comereis com o pão que está na cesta das ofertas da
consagração, conforme eu mandei, dizendo: Aarão e seus filhos hão de comê-la. O
que restar da carne e do pão, devereis queimá-lo. Durante sete dias não saireis da
entrada da tenda de reunião, até se completarem os dias da vossa consagração, pois
ela durará sete dias. O que se fez no dia hoje, o Senhor ordenou que se fizesse para
expiar por vós. Ficareis durante sete dias, dia e noite, à entrada da tenda de reunião,
e observareis o que o Senhor mandou, para não morrerdes, pois esta é a ordem que
recebi". Aarão e seus filhos fizeram tudo o que o Senhor lhes mandou por meio de
Moisés" (Lv 8,30-36).
"No oitavo dia Moisés chamou Aarão, seus filhos e os Anciãos de Israel, e disse
para Aarão: "Escolhe um bezerro para o sacrifício expiatório pelo pecado, e um
carneiro para o holocausto, ambos sem defeito, e apresenta-os ao Senhor. Falarás
aos israelitas, dizendo: Tomai um bode para o sacrifício expiatório, um bezerro e
um cordeiro, ambos de um ano e sem defeito, para o holocausto, um touro e um
carneiro para o sacrifício pacífico, a fim de sacrificá-los perante o Senhor, e uma
oblação amassada com azeite, porque hoje o Senhor vos aparecerá" (Lv 9,1-4).
Em primeiro lugar é de se ver que "... Moisés chamou Aarão, seus filhos e os
Anciãos de Israel..." - reaparecendo os Anciãos de Israel, como que num retorno
ou numa renovada atuação representativa do povo e para participarem da
"entrega" que Moisés fazia de sua função sacerdotal. São destacados como
homens maduros que participam de uma espécie de Conselho Diretor, gozando
de respeitosa autoridade moral, judiciária, de governo e representativa do povo, já
nos dias do Egito e após a Aliança do Sinai (Ex 3,16.18; 4,29; 12,21; 17,5-7;
18,12.13-26; 19,7; Lv 4,15):
"Disse então o Senhor a Moisés: Ajunta-me setenta homens dos anciãos de Israel,
que sabes maduros e aptos para o governo e os trarás perante a tenda da reunião,
para que estejam ali junto de ti. Então descerei e ali falarei contigo, e tirarei do
espírito que está sobre ti, e o porei sobre eles; e contigo levarão eles o peso do povo
para que tu não o leves só. ...(...)... Saiu, pois, Moisés, e relatou ao povo as palavras
do Senhor; e ajuntou setenta homens dentre os anciãos do povo e os colocou ao
redor da tenda. Então o Senhor desceu na nuvem, e lhe falou; e, tomando do espírito
que estava nele, infundiu-o nos setenta anciãos; e aconteceu que, quando o espírito
repousou sobre eles profetizaram, mas depois nunca mais o fizeram" (Nm 11,16-25)
/ "Diante das cãs te levantarás, e honrarás a face do ancião, e temerás o teu Deus.
Eu sou o Senhor" (Lv 19,32) / "Os anciãos da congregação porão as mãos sobre a
cabeça do novilho perante o Senhor; e imolar-se-á o novilho perante o Senhor" (Lv
4,15).
"Aarão, pois, chegou-se ao altar, e imolou o bezerro que era a sua própria oferta
pelo pecado. Os filhos de Aarão trouxeram-lhe o sangue; e ele molhou o dedo no
sangue, e o pôs sobre os chifres do altar, e derramou o sangue à base do altar; mas a
gordura, e os rins, e o redenho do fígado, tirados da oferta pelo pecado, queimou-os
sobre o altar, como o Senhor ordenara a Moisés. E queimou fora do acampamento a
carne e o couro. Depois imolou o holocausto, e os filhos de Aarão lhe entregaram o
sangue, e ele o espargiu sobre o altar em redor. Também lhe entregaram o
holocausto, pedaço por pedaço, e a cabeça; e ele os queimou sobre o altar. E lavou
os intestinos e as pernas, e as queimou sobre o holocausto no altar" (Lv 9,8-14).
"Então apresentou a oferta do povo e, tomando o bode que era a oferta pelo pecado
do povo, imolou-o e o ofereceu pelo pecado, como fizera com o primeiro.
Apresentou também o holocausto, e o ofereceu segundo o ritual. E apresentou a
oblação e, tomando dela um punhado, queimou-a sobre o altar, além do holocausto
da manhã. Imolou também o boi e o carneiro em sacrifício de oferta pacífica pelo
povo; e os filhos de Aarão entregaram-lhe o sangue, que ele espargiu sobre o altar
em redor, como também a gordura do boi e do carneiro, a cauda gorda, e o que
cobre a fressura, e os rins, e o redenho do fígado; e puseram a gordura sobre os
peitos, e ele queimou a gordura sobre o altar; mas os peitos e a coxa direita,
ofereceu-os Aarão por oferta movida perante o Senhor, como Moisés tinha
ordenado" (Lv 9,15-21).
Então vem a Bênção de Aarão, seguida de outra conjunta com Moisés, após
permanecerem na Tenda da Reunião, com o gesto estendido traduzindo a
Imposição das Mãos, manifestando-se então a Glória de Deus com o Fogo
Sagrado consumindo as vítimas:
"Depois Arão, levantando as mãos para o povo, o abençoou e desceu, tendo acabado
de oferecer a oferta pelo pecado, o holocausto e as ofertas pacíficas. E Moisés e
Aarão entraram na tenda da reunião; depois saíram, e abençoaram o povo; e a glória
do Senhor apareceu a todo o povo, pois saiu fogo de diante do Senhor, e consumiu o
holocausto e a gordura sobre o altar; pelo que todos os presentes aclamaram e
prostraram-se com os seus rostos em terra" (Lv 9,22-24).
Não pode ser outro o teor dessa Bênção que o determinado pelo próprio Iahweh:
"Disse mais o Senhor a Moisés: Fala a Aarão, e a seus filhos, dizendo: Assim
abençoareis os filhos de Israel; dir-lhes-eis: O Senhor te abençoe e te guarde; o
Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti; o Senhor
levante sobre ti o seu rosto, e te dê a paz. Assim porão o meu nome sobre os filhos
de Israel, e eu os abençoarei" (Nm 6,22-27).
"E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós... " (Jo 1,14).
Tal como no Jardim do Éden Deus continua conduzindo o Homem para uma vida
em comunhão agora significada nos efeitos dos Sacrifícios tal como era visto
pelos Israelitas, "figura" do que se "cumprirá" com Jesus. Cristo Jesus é o retorno
do Homem ao Jardim de Deus:
"Disse então ("o Bom Ladrão"): 'Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu
reino.' Respondeu-lhe Jesus: 'Em verdade te digo que hoje estarás comigo no
paraíso" (Lc 23,42-43).
Cabe aqui uma observação importante a respeito das vestimentas dos Sacerdotes
Israelitas: os Ofícios Religiosos eram celebrados por eles descalços, sem
calçados de espécie alguma nos pés, apesar de toda a pompa de seu paramento,
eis que se moviam em "lugar santo", o Santuário, em obediência à ordem de
Iahweh a Moisés:
"Prosseguiu Deus: Não te aproximes e tira os sapatos dos pés, porque o lugar em
que tu estás é terra santa" (Ex 3,5).
Uma observação aqui se impõe quanto ao cuidado que se deve ter com a divisão
em capítulos e versículos das Escrituras Sagradas, para não se tornar uma fonte
de equívocos. Assim, a presença súbita do capítulo dez pode levar à suposição de
que no capítulo nove, que tratou das primícias de Aarão e seus filhos, se
encerrasse o assunto. Não é bem assim porém, pois ocorreu um acidente fatal
com Nadab e Abiú (Lv 10,1-7), antes do consumo das partes das oferendas que
eram dos sacerdotes (Lv 10,12-15), completando os Sacrifícios então oferecidos, e
a narrativa do fato faz com que se dê às perícopes do capítulo dez títulos com
significações distintas do tema ali desenvolvido, como se tratasse de um
acréscimo às normas que deveriam seguir os Sacerdotes. Porém, o que se narra
nele e a seguir faz parte do tema do capitulo nove anterior, que não exauriu o
assunto. Isso é muito comum em Bíblia, devendo sempre se lembrar que os
títulos, subtítulos, capítulos e versículos não fazem parte dela, nem foram
inspirados nem revelados, são divisões feitas conforme a visão de quem as dispôs
para facilitar a localização.
Por causa do episódio de Nadab e Abiú aparecem, fora de lugar, normas rituais
novas e repetidas, destacando-se como centro nevrálgico a Santidade plena do
Sacerdócio ao exercer a celebração do Sacrifício, necessária "porque está sobre
vós o óleo da unção do Senhor" (Lv 10,7), bem como "para fazer separação entre
o santo e o profano, e entre o imundo e o limpo, e ensinar aos filhos de Israel
todos os estatutos que o Senhor lhes tem dado por intermédio de Moisés" (Lv
10,10-11). Ao que tudo indica Nadab e Abiú quiseram queimar a Oblação da
Investidura Sacerdotal e o incenso que a acompanhava, com um fogo que não o
sagrado e não como estabelecido (Lv 6,14-18 / Lv 9,4b), "um fogo estranho
perante o Senhor, o que ele não lhes ordenara". Por causa disso foram
atingidos e fulminados por um fogo tão violento que "os devorou e morreram
diante do Senhor" (Lv 10,2), o que se tomou como um "castigo de Iahweh", em
virtude de não se conduzirem com a dignidade sacerdotal necessária. Não pode
ser outro motivo por que Moisés recorda e alerta Aarão das palavras de Iahweh de
que "serei santificado naqueles que se chegarem a mim, e serei glorificado diante
de todo o povo" (cfr. Ex 19,22). Também, ainda em conseqüência do acontecido,
Iahweh proíbe o uso de vinho ou de bebidas inebriantes no ofício religioso,
exigindo coerência de conduta e comportamento no modo de se conduzirem os
Sacerdotes ("serei santificado...serei glorificado...não somente para separar o
santo e o profano ... mas também para ensinar..."):
"Falou também o Senhor a Aarão, dizendo: Não bebereis vinho nem bebida forte,
nem tu nem teus filhos contigo, quando entrardes na Tenda da Reunião, para que
não morrais; estatuto perpétuo será isso pelas vossas gerações, não somente para
fazer separação entre o santo e o profano, e entre o imundo e o limpo, mas também
para ensinar aos filhos de Israel todos os estatutos que o Senhor lhes tem dado por
intermédio de Moisés" (Lv 10,8-11).
Essa interdição direta de Iahweh a Aarão e seus filhos do "vinho ou bebida forte",
quando da celebração sacerdotal, em conseqüência, impõe-se como norma
disciplinar, evitando-se possível embriaguez durante o ministério religioso, não
apenas por uma questão de Santidade e Pureza pessoais, mas como condição
necessária para o ensino religioso a partir do exemplo e mantida a sobriedade ou
lucidez da mente. Assim, após a punição, várias observâncias são mencionadas a
começar pela retirada para fora do Santuário e do acampamento dos cadáveres,
"com as suas vestes", por estarem contaminadas pela impureza dos corpos (Lv
10,4-5). É vedado a Aarão e seus filhos manifestar sua dor, numa antecipação do
modo dos Sacerdotes se comportarem no luto (Lv 10,6-7 / Lv 21,1-6.10-12) e
impedindo-os de o fazerem então, para não transparecer qualquer reprovação à
punição imposta por Iahweh e para infundir o respeito aos formalismos rituais
pelos Sacerdotes, os quais devem ser muito mais responsáveis que os demais
membros da comunidade:
"Disse Moisés a Aarão: Isto é o que o Senhor falou, dizendo: Serei santificado
naqueles que se chegarem a mim, e serei glorificado diante de todo o povo. Aarão
calou-se" (Lv 10,3).
Com estas palavras Aarão se cala e Moisés passa a insistir nas instruções
relativas ao consumo das Oferendas advindas da Investidura Sacerdotal, aos
filhos de Aarão remanescentes, em virtude do justificado temor que se apossou
deles pelo acontecido, reafirmando-as e encorajando-os, apesar do golpe
profundo que receberam. O resto da Oblação queimada (Lv 9,4b / Lv 6,14-18 / Lv
10,12-13) seria comida pelo celebrante e familiares "sem fermento junto ao Altar,
pois é coisa Santíssima"; e, no que se refere ao peito e à perna do Sacrifício
Pacífico (Lv 9,21 / Lv 7,30-34 / Lv 10,14-15) a que tinham direito junto com seus
familiares, deveriam ser comidos em lugar puro, sem profanação com a impureza
legal, limpo por assim dizer conforme as normas de então. O temor de Aarão e
seus Filhos faz com que viessem a evitar até mesmo de comer a parte que lhes
cabia no Sacrifício Pelo Pecado do bode (Lv 9,15 / Lv 6,24-30 / Lv 10,16-18), em
vista do estado emotivo em que se encontravam por causa do acontecido, assim
explicado a Moisés que compreendeu e aprovou:
"Então disse Aarão a Moisés: Eis que hoje ofereceram a sua oferta pelo pecado e o
seu holocausto perante o Senhor, e tais coisas me aconteceram; se eu tivesse comido
('triste como estou') hoje a oferta pelo pecado porventura teria sido isso coisa
agradável aos olhos do Senhor? Ouvindo Moisés isto, pareceu-lhe razoável" (Lv
10,19-20).
"(1) Falou o Senhor a Moisés e a Aarão, dizendo-lhes: Dizei aos filhos de Israel:
Estes são os animais que podereis comer dentre todos os animais que há sobre a
terra ...(...)... Os seguintes, contudo, não comereis...(...)... (8) Da sua carne não
comereis, nem tocareis nos seus cadáveres; esses vos serão imundos ...(...)... (44)
Porque eu sou o Senhor vosso Deus; portanto santificai-vos, e sede santos,
porque eu sou santo; e não vos contaminareis ...(...)... porque eu sou o Senhor,
que vos fiz subir da terra do Egito, para ser o vosso Deus, sereis pois santos,
porque eu sou santo. Esta é a lei sobre os animais e as aves, e sobre toda criatura
vivente que se move nas águas e toda criatura que se arrasta sobre a terra; para
fazer separação entre o imundo e o limpo, e entre animais que se podem comer
e os animais que não se podem comer" (Lv 11,1-4.8.44-47).
Cabe observar que, ao contrário do que possa parecer, são cuidados a serem
observados pelos Israelitas para se conseguir a santidade necessária para a
participação nos Sacrifícios, só se aproximando de Iahweh aquele que fosse
santo:
"Esta é a lei sobre os animais e as aves ...(...)... para fazer separação entre o
imundo e o limpo, e entre animais que se podem comer e os animais que não
se podem comer" - apesar dessas palavras não se pode concluir que se trate de
normas de higiene e limpeza físicas propriamente ditas, tais como são concebidas
atualmente. Coerentemente com toda a estrutura já montada, o Israelita mantém-
se fiel a Iahweh em torno do compromisso assumido na Aliança a que se incluiu a
Missão de Israel:
"...e eu os exterminar, não adorarás os seus deuses, nem lhes prestarás culto,
imitando seus costumes. Ao contrário derrubarás e quebrarás as suas colunas.
Servireis ao Senhor vosso Deus, e ele abençoará teu pão e tua água, e afastará do
teu meio as enfermidades. (...) Não farás aliança com eles nem com seus deuses.
...te fariam pecar contra mim: Servirias aos seus deuses, e isso seria uma armadilha
para ti" (Ex 23,23-33).
"Advertireis os filhos de Israel da sua impureza, para que não morram por causa
dela, contaminando o minha Habitação que está no meio deles" (Lv 15,31).
"Respondeu-lhes ele: Assim também vós estais sem entender? Não compreendeis
que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não lhe entra
no coração, mas no ventre, e é lançado fora? Assim declarou puros todos os
alimentos" (Mc 7,18-19)
"...subiu Pedro ao eirado para orar, cerca de hora sexta. E tendo fome, quis comer;
mas enquanto lhe preparavam a comida, sobreveio-lhe um êxtase, e via o céu aberto
e um objeto descendo, como se fosse um grande lençol, sendo baixado pelas quatro
pontas sobre a terra, no qual havia de todos os quadrúpedes e répteis da terra e aves
do céu. E uma voz lhe disse: Levanta-te, Pedro, mata e come. Mas Pedro respondeu:
De modo nenhum, Senhor, porque nunca comi coisa alguma profana e imunda. Pela
segunda vez lhe falou a voz: Não chames tu profano ao que Deus purificou.
Sucedeu isto por três vezes; e logo foi o objeto recolhido ao céu" (At 10,9-16).
Assim é que, perde-se a "pureza legal" até mesmo por um simples contato,
principalmente com cadáveres (Lv 11,24-28.29-38.39-40) e a sua recuperação não
se dá pela prática de atos virtuosos ou morais ou de higiene, podendo-se destacar
várias maneiras de se adquirir novamente a Santidade:
"Também por eles vos tornareis imundos; qualquer que tocar nos seus
cadáveres, será imundo até a tarde, e quem levar qualquer parte dos seus
cadáveres, lavará as suas vestes, e será imundo até a tarde" (Lv 11,24-25).
"E todo homem, quer natural quer estrangeiro, que comer do que morre por
si ou do que é dilacerado por feras, lavará as suas vestes, e se banhará em
água, e será imundo até a tarde; depois será limpo. Mas, se não as lavar, nem
banhar o seu corpo, levará sobre si a sua iniquidade" (Lv 17,15-16).
"E, quando forem cumpridos os dias da sua purificação, seja por filho ou por
filha, trará um cordeiro de um ano para holocausto, e um pombinho ou uma
rola para oferta pelo pecado, à porta da tenda da reunião, ao sacerdote, o
qual o oferecerá perante o Senhor, e fará expiação por ela; então ela será
limpa do fluxo do seu sangue. Esta é a lei da que der à luz menino ou
menina" (Lv 12,6-7).
Por outro lado, é de se recordar o que Deus disse à mulher, quando do Pecado
Original:
"...Multiplicarei o teu sofrimento na tua gravidez; em dor darás à luz filhos..." (Gn
3,16).
"Porque a vida da carne está no sangue; pelo que vo-lo tenho dado sobre o
altar, para fazer expiação pelas vossas almas; porquanto é o sangue que expia
em virtude da vida. Portanto tenho dito aos filhos de Israel: Nenhum de vós
comerá sangue; nem o estrangeiro que peregrina entre vós comerá sangue.
Também, qualquer homem dos filhos de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam
entre eles, que apanhar caça de fera ou de ave que se pode comer, derramará o
sangue dela e o cobrirá com terra. Pois, a vida de toda a carne está no seu
sangue; por isso eu disse aos filhos de Israel: Não comereis o sangue de nenhuma
carne, porque a vida de toda a carne é o seu sangue; qualquer que o comer será
extirpado" (Lv 17,11-14).
O trecho fala por si, correndo-se o risco de atrapalhar o entendimento claro com
qualquer tentativa de explicação, cabendo apenas frisar a noção então bastante
difundida do sangue "expiar em virtude da vida", fazendo acreditar que por cada
uma de suas efusões se exigisse um restabelecimento de vitalidade que teria sido
perdida em conseqüência: assim aconteceria no Parto, assim aconteceria na
Menstruação. Pode-se concluir que o Israelita de então via tanto a menstruação
como o parto da mulher como fontes de vida, donde o respeito e verdadeira
veneração religiosa por esses estados físicos. E é esse o ponto central da posição
da mulher na vida social, familiar e moral de então. Por isso a mulher
desempenhava uma função de grande projeção na vida religiosa do Povo dos
Filhos de Israel donde a existência de alguns capítulos especiais que tratam da
"impureza" dela tanto quando da menstruação (Lv 15,19-30) como quando do parto
(Lv 12,1-8). Nunca se deve perder de vista que a "impureza" não é tal qual se
entende atualmente no tocante à higiene, com se fora uma "sujeira", mas se
resumia na impossibilidade de comparecimento ao Santuário, bem como para
qualquer ofício religioso, aqui por causa do sangue por ela perdido, "sangue que
foi a vida que gerou", no parto ou "em vias de gerar", na menstruação. Tanto é
assim que a oferenda no Holocausto e no Sacrifício de Expiação, no parto, busca
restituir-lhe a "pureza do fluxo do seu sangue", não se tratando de perdão de
qualquer falta como nos rituais típicos (Lv 5, 10.13.16-19.25-26), eis que o narrador
é explícito ao dizer que ela "será limpa do fluxo do seu sangue" e não que ela
"será perdoada do fluxo do seu sangue":
"E, quando forem cumpridos os dias da sua purificação, seja por filho ou por filha,
trará um cordeiro de um ano para holocausto, e um pombinho ou uma rola para
oferta pelo pecado, à porta da tenda da revelação, ao sacerdote, o qual o oferecerá
perante o Senhor, e fará expiação por ela; então ela será limpa do fluxo do seu
sangue. Esta é a lei da que der à luz menino ou menina. Mas, se as suas posses não
bastarem para um cordeiro, então tomará duas rolas, ou dois pombinhos: um para o
holocausto e outro para a oferta pelo pecado; assim o sacerdote fará expiação por
ela, e ela será limpa" (Lv 12,6-8).
Cabe levar em conta também que o respeito pelo sangue que devotava o Israelita,
vem manifestado de várias formas destacando-se algumas dentre elas:
Assim, com tal respeito pelo Sangue animal, o Israelita não poderia deixar de
tratar com maior veneração ainda o Sangue da Mulher, "a mãe de todos os
viventes" (Gn 3,20). E, conclui, de maneira imediata, que ocorre a morte quando o
sangue se esvai e que de sua vida é que exala o vapor naturalmente quente
quando escorre. Assim, como "o sangue expia enquanto é vida" (Lv 17,11) e em
cada parto ocorre uma geração, há uma perda de vitalidade da mulher, eis que
logicamente se então "perdeu sangue, perdeu vida". Necessita ela então de mais
tempo para a recuperação de sua integridade vital e, então "purificada do fluxo
do seu sangue" (Lv 12,7), comparecer perante Iahweh legalmente Santificada.
Ocorre a necessidade de mais tempo também quando o nascituro é do sexo
feminino, outra "mãe de viventes", outra "geradora de vida pelo fluxo do sangue"
(Lv 12,5-6), influindo também nesse critério a maior responsabilidade da Mulher
pelo desate do Pecado Original.
"Assim separareis os filhos de Israel da sua impureza, para que não morram por
causa delas, contaminando o meu tabernáculo, que está no meio deles. Esta é a lei
daquele que tem o fluxo e daquele de quem sai o sêmen, de modo que por eles se
torna impuro; como também da mulher enferma com a sua impureza e daquele que
tem o fluxo, tanto do homem como da mulher, e do homem que se deita com
mulher impura" (Lv 15,31-33).
Maria, fiel cumpridora dos compromissos religiosos, após os sete dias de sua
purificação, no oitavo dia, quando da circuncisão de Jesus, cumpre este preceito
junto com a "consagração de 'seu filho primogênito'" (Ex 13,1.11 / Lc 2,7), com a
oferta de pobre que era e como exigia a lei (Lv 12,8):
"E eis que certa mulher, que havia doze anos padecia de fluxo de sangue, chegou
por detrás dele e tocou-lhe a orla do manto; porque dizia consigo: Se eu tão somente
tocar-lhe o manto, ficarei curada. Mas Jesus, voltando-se e vendo-a, disse: Tem
ânimo, filha, a tua fé te salvou. E desde aquela hora a mulher ficou curada" (Mt
9,20-22).
Por estar assim profundamente vinculado indestacavelmente à vida é que
ingerindo o Sangue de Cristo na Ceia Eucarística, ingerimos a Sua Vida, tal como
anunciara:
"Disse-lhes Jesus: ...(...)... Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a
vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne
verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem
come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim
como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se
alimenta, também viverá por mim" (Jo 6,53-57).
"...eu vim para que tenham vida e a tenham em plenitude" (Jo 10,10).
A Bíblia, escrita sob a Inspiração do Espírito Santo, tem nEle um só e único Autor,
pelo que mantém entre os livros que a compõem uma coerência inflexível. Assim
entendido, quando se esbarra com algo inexplicável, é de se procurar em outras
de suas partes o esclarecimento necessário. É o caso da Lepra aqui narrada, que
tanto pavor instilava antigamente, observando-se inicialmente que não se narra
em lugar nenhum os sintomas mais drásticos e conhecidos da falta de
sensibilidade em locais do corpo bem como de decomposição e deformação de
extremidades. Além disso, pelos vários sintomas descritos (Lv 13 e Lv 14),
evidencia-se que não se deve tratar de uma mesma doença, bastando a menção
de sintomas de úlceras, feridas e manchas de pele, até mesmo de Lepra de Casas
(Lv 14,33-53) e de Vestes (Lv 13,47-59) para confirmar esta afirmação. Além disso,
sabendo-se que a lepra propriamente dita era incurável naquele tempo, não deixa
de ser contraditório um ritual para o caso de sua cura. Acontece, porém, que,
conforme afirmado, vê-se em vários outros trechos da Escritura a mesma
denominação aparecendo como sendo fruto de "um castigo de Iahweh" e com os
mais variados nomes:
"Assim se acendeu a ira do Senhor contra eles; e ele se retirou; também a nuvem se
retirou de sobre a tenda; e eis que Miriã se tornara leprosa, branca como a neve; e
olhou Aarão para Miriã e eis que estava leprosa. (...) Clamou, pois, Moisés ao
Senhor, dizendo: Ó Deus, rogo-te que a cures" (Nm 12,9-13)
"O Senhor te ferirá com as úlceras do Egito, com tumores, com sarna e com
coceira, de que não possas curar-te (...) Com úlceras malignas, de que não possas
sarar, o Senhor te ferirá nos joelhos e nas pernas, sim, desde a planta do pé até o alto
da cabeça" (Dt 28,27.35).
"Tendo o rei de Israel lido a carta, rasgou as suas vestes, e disse: Sou eu Deus, que
possa matar e vivificar, para que este envie a mim um homem a fim de que eu o
cure da sua lepra? (...) Desceu ele, pois, e mergulhou-se no Jordão sete vezes,
conforme a palavra do homem de Deus; e a sua carne tornou-se como a carne dum
menino, e ficou purificado" (2Rs 5,7-14).
"...e se opuseram ao rei Uzias, dizendo-lhe: A ti, Uzias, não compete queimar
incenso perante o Senhor, mas aos sacerdotes, filhos de Aarão, que foram
consagrados para queimarem incenso. (...) Então Uzias se indignou; e tinha na mão
um incensário para queimar incenso. Indignando-se ele, pois, contra os sacerdotes,
nasceu-lhe a lepra na testa, perante os sacerdotes, na casa do Senhor, junto ao altar
do incenso. (...) pois Iahweh o ferira. Assim ficou leproso o rei Uzias até o dia da
sua morte..." (2Cr 26,18-23 / 2Rs 15,5).
O que se constata de tudo isto é que tanto a lepra propriamente dita era incurável
como o exame das feridas, úlceras, manchas na pele, mofo e bolor nas casas e
nas vestes etc., conhecidos também pelo mesmo nome de lepra, se destinavam a
localizá-la no início, isolando-se o portador do contato "impuro" com o Santuário e
com os demais membros da comunidade Israelita, por causa da sua "impureza",
até que fosse curado e voltasse ao convívio. Dois fatores se destacam: Primeiro,
não se buscava o doente para curá-lo, mas para isolá-lo; e, segundo, localizado,
se não se constatou ter sido contaminado, ou se foi curado, após o exame pelo
Sacerdote, um ritual todo especial o reintegrava na comunidade. O fato é que a
lepra propriamente dita era um sinal de castigo divino tal como transcrito pelo que
tudo era feito para se evitar a presença do impuro no Santuário ou qualquer ofício
religioso, na mesma perspectiva já encontrada anteriormente em todos os casos.
O ritual de sua reintegração era muito mais solene que os demais dada a
seriedade das conseqüências da presença do mal e dos meios usados para se
evitar o contágio da impureza. Tanto é assim que o primeiro ato do Sacerdote em
qualquer caso é o isolamento do chagado, somente o reintegrando após a
verificação da inexistência do mal.
"Quando Jesus desceu do monte, grandes multidões o seguiram. E eis que veio um
leproso e o adorava, dizendo: Senhor, se quiseres, podes tornar-me limpo. Jesus,
pois, estendendo a mão, tocou-o, dizendo: Quero; sê limpo. No mesmo instante
ficou purificado da sua lepra. Disse-lhe então Jesus: Olha, não contes isto a
ninguém; mas vai, mostra-te ao sacerdote, e apresenta a oferta que Moisés
determinou, para lhes servir de testemunho" (Mt 8,1-4 / Lc 5,12-14; cfr. tb. Lc
17,11-19).
"A estes doze enviou Jesus, e ordenou-lhes, dizendo: Não ireis aos gentios, nem
entrareis em cidade de samaritanos; mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de
Israel; e indo, pregai, dizendo: É chegado o reino dos céus. Curai os enfermos,
ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expulsai os demônios; de graça
recebestes, de graça daí" (Mt 10,5-8).
O CÓDIGO DE SANTIDADE
14. O DIA DA EXPIAÇÃO
Para que não suceda com outro o mesmo acontecido com os filhos de Aarão
Nadab e Abiú, que desrespeitaram o Santuário, Moisés instrui Aarão "que não
entre em todo tempo no Santuário, para dentro do véu, diante do propiciatório que
está sobre a arca, para que não morra...", eis que o Propiciatório é o lugar onde
Iahweh se manifestava e de onde "falava com Moisés" (Ex 25,22; Lv 16,2; Nm
7,89). Uma vez por ano, Aarão, ou o Sacerdote em função, não usando os
paramentos pomposos, completos e habituais do cerimonial ou dos Sacrifícios (Ex
29,5-6 / Lv 8,7-9), mas, uma simples túnica, com as calças sobre a carne nua,
cingido com um cinto e a mitra, todos de linho, na sua cor branca da pureza
pretendida, e vestido com a humildade de um penitente em busca de perdão,
entrará no Santuário, "para dentro do véu" (Lv 16,4):
"Aarão entrará no Santuário com um novilho para oferta pelo pecado e um carneiro
para holocausto" (Lv 16,3).
Inicialmente a cerimônia parte para a purificação dos Sacerdotes, eis que "só
quem é puro pode interceder para a purificação", com a oferenda do novilho pelo
pecado, "por si e por sua casa" (os demais Sacerdotes), conforme ritual bem
determinado:
"Aarão, pois, apresentará o novilho da oferta pelo pecado, que é por ele, e fará
expiação por si e pela sua casa; e imolará o novilho que é a sua oferta pelo pecado.
Então tomará um incensário cheio de brasas de fogo de sobre o altar, diante de
Iahweh, e dois punhados de incenso aromático bem moído, e os trará para dentro do
véu; e porá o incenso sobre o fogo perante Iahweh, a fim de que a nuvem do incenso
cubra o propiciatório, que está sobre o testemunho, para que não morra. Tomará do
sangue do novilho, e o espargirá com o dedo sobre o propiciatório ao lado oriental;
e perante o propiciatório espargirá do sangue sete vezes com o dedo" (Lv 16,11-
14).
Após isso, com a nuvem de incenso impedindo o celebrante de ver "a Glória de
Iahweh", "para que não morra" (Lv 16,13), no Propiciatório sobre a Arca disposta
no Santo dos Santos (Lv 16,2 / Ex 25,22), espargindo o Sangue sobre o
Propiciatório, purifica a si mesmo e a sua casa (os demais Sacerdotes). Assim
purificados os Sacerdotes, penetra o Celebrante no Santo dos Santos e passa a
oferecer a expiação para a expiação de todas as faltas cometidas por todo o Povo,
para a Purificação e Santificação respectivamente pelo Santuário, pela Tenda da
Reunião e pelo Altar, imolando um dos bodes escolhido por sorte (Lv 16,8):
"Depois imolará o bode da oferta pelo pecado pelo povo, e trará o sangue do bode
para dentro do véu; e fará com ele como fez com o sangue do novilho, espargindo-o
sobre o propiciatório, e perante o propiciatório; e fará expiação pelo santuário por
causa das impurezas dos filhos de Israel e das suas transgressões, de todos os seus
pecados. Assim também fará pela tenda da reunião, que permanece com eles no
meio das suas impurezas. Nenhum homem estará na tenda da reunião quando Aarão
entrar para fazer expiação no santuário, até ele sair, depois de ter feito expiação por
si mesmo, e pela sua casa, e por toda a comunidade de Israel. Então sairá ao altar,
que está perante o Senhor, e fará expiação pelo altar; tomará do sangue do novilho,
e do sangue do bode, e o porá sobre os chifres do altar ao redor. E do sangue
espargirá com o dedo sete vezes sobre o altar, purificando-o e santificando-o das
impurezas dos filhos de Israel" (Lv 16,15-19).
"Quando Aarão houver acabado de fazer expiação pelo santuário, pela tenda da
reunião, e pelo altar, apresentará o bode vivo; e, pondo as mãos sobre a cabeça do
bode vivo, confessará sobre ele todas as iniqüidades dos filhos de Israel, e todas as
suas transgressões, de todos os seus pecados; e os porá sobre a cabeça do bode, e
enviá-lo-á para o deserto, pela mão de um homem designado para isso. Assim
aquele bode levará sobre si todas as iniqüidades deles para uma região solitária; e
esse homem soltará o bode no deserto" (Lv 16,20-22).
Então Aarão lavar-se-á e vestirá a roupa que lhe foi destinada ao ser consagrado
(Ex 29 / Lv 8) e de posse dos dois carneiros, um levado por ele mesmo (Lv 16,3) e
o outro que lhe fora entregue pela comunidade (Lv 16,5), oferecê-los-á em
Holocausto. Isso feito, virá o desfecho definitivo com o retorno aos paramentos
quotidianos, agora, porém, Purificados e Santificados pela Expiação "por si e pelo
povo" e após "queimar sobre o altar a gordura da oferta pelo pecado", assim
levada a efeito:
"Depois Aarão entrará na tenda da reunião, e despirá as vestes de linho, que havia
vestido quando entrara no santuário, e ali as deixará. E banhará o seu corpo em água
num lugar santo, e vestirá as suas próprias vestes; então sairá e oferecerá o seu
holocausto, e o holocausto do povo, e fará expiação por si e pelo povo. Também
queimará sobre o altar a gordura da oferta pelo pecado" (Lv 16,23-25).
A seguir as abluções tanto do que levar o bode para o deserto como do que
queimar o que restar do novilho e do bode das ofertas pelo pecado, para
conseguir a purificação necessária para entrar no acampamento. Com isso se
evitam tanto a contaminação das oferendas santíssimas que conduziram como
qualquer contato delas com o "impuro" ou profano. Termina o cerimonial com um
repouso de sábado quando "afligireis as vossas almas" (ou seja, "jejuareis"), qual
seja "nesse dia não fareis trabalho algum", por arrependimento e por penitência,
manifestando o sentimento interior, moral e religioso da festa, motivo porque era
conhecida também por "Jejum" ou "Dia" (At 27,9):
"E aquele que tiver soltado o bode para Azazel lavará as suas vestes, e banhará o
seu corpo em água, e depois entrará no acampamento. Mas o novilho da oferta pelo
pecado e o bode da oferta pelo pecado, cujo sangue foi trazido para fazer expiação
no santuário, serão levados para fora do acampamento; e queimar-lhes-ão no fogo
as peles, a carne e o excremento. Aquele que os queimar lavará as suas vestes,
banhará o seu corpo em água, e depois entrará no acampamento. Também isto vos
será por estatuto perpétuo: no sétimo mês, aos dez do mês, afligireis as vossas
almas, e não fareis trabalho algum, nem o natural nem o estrangeiro que peregrina
entre vós; porque nesse dia se fará expiação por vós, para purificar-vos; de todos os
vossos pecados sereis purificados perante Iahweh. Será sábado de repouso solene
para vós, e afligireis as vossas almas; é estatuto perpétuo" (Lv 16,26-31).
"Então veio Jesus da Galiléia ter com João, junto do Jordão, para ser batizado por
ele. ...(...)... Batizado que foi Jesus, saiu logo da água; e eis que se lhe abriram os
céus, e viu o Espírito Santo de Deus descendo como uma pomba e vindo sobre ele...
(Mt 3,13-17) / "Então Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, para ser
tentado pelo Diabo..." (Mt 4,1-11).
"Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele
fôssemos feitos justiça de Deus" (2Cor 5,21) / "Porque não temos um sumo
sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como
nós, em tudo tentado, exceto no pecado" (Hb 4,15)
Isto pode ser resumido simplesmente dizendo que Jesus "era igual a nós em tudo
exceto no pecado". Mas, da mesma forma que o "bode emissário", santificado, era
conduzido "para Azazel" (Lv 16,8.10.21-22.26), Jesus, o Santo de Deus,
carregado de nossos pecados, "foi conduzido ao deserto para ser tentado pelo
diabo". Ao deserto, que era concebido como o antro onde os demônios habitavam,
onde estava Azazel:
"Ora, havendo o espírito imundo saído do homem, anda por lugares desertos,
buscando repouso, e não o encontra" (Mt 12,43).
"Então ordenou-lhe Jesus: Vai-te, Satanás; porque está escrito: Ao Senhor teu Deus
adorarás, e só a ele servirás. Então o Diabo o deixou; e eis que vieram os anjos e o
serviram" (Mt 4,10-11).
"Não ameis o mundo, nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do
Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a
concupiscência dos olhos e a ostentação das riquezas, não vem do Pai, mas sim
do mundo. Ora, o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a
vontade de Deus permanece para sempre" (1Jo 2,15-17).
Foi o que Jesus fez e "permanece para sempre": venceu o demônio não se
sujeitando à concupiscência da carne:
"E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome. Chegando,
então, o tentador, disse-lhe: Se tu és Filho de Deus manda que estas pedras se
tornem em pães. Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Nem só de pão viverá o
homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus" (Mt 4,2-4)
Da mesma forma, Cristo acabou com o domínio de Satanás no mundo, pondo fim
na "concupiscência dos olhos", naquele desejo inato do Homem de praticar obras
mirabolantes aos "olhos" de si próprio e do mundo. Cristo não era um "milagreiro"
usando do milagre apenas para impressionar um público sedento de
anormalidades e maravilhas. Jesus não fazia pedras voar, nem elevava pedras no
ar para se exibir, nem se "bi - locava" ou se transportava de um lugar para outro
sem os meios normais de locomoção, qual seja, seus milagres tiveram uma
conotação bem diferente. Ele mesmo reclamava que não os entendiam, pois
curava os cegos, os surdos, os mudos, os coxos, ressuscitou mortos, curou
leprosos, mostrando o advento do Reino de Deus com o fim das conseqüências
do pecado, o fim do domínio do diabo. No Reino de Deus tal como na Sua Igreja
não se buscará mais a Honra ou a Glória de um malabarista do mundo, coisas da
concupiscência dos olhos, que tem por fonte o demônio, agora rejeitado para
sempre, e se impõe como Deus e Senhor, dizendo-lhe que "não tentarás o Senhor
teu Deus".
E é isso que São Paulo nos ensina ter feito Jesus, atravessando o véu, aquele que
se rasgou quando padecia na Cruz:
"Mas Cristo, tendo vindo como sumo sacerdote dos bens já realizados, por meio do
maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, e
não pelo sangue de bodes e novilhos, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez
por todas no santuário, havendo obtido uma eterna redenção. Porque, se a
aspersão do sangue de bodes e de touros, e das cinzas duma novilha santifica os
contaminados, quanto à purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo,
que pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará das
obras mortas a vossa consciência, para servirdes ao Deus vivo? E por isso é
mediador de uma nova Aliança, para que, intervindo a morte para remissão das
transgressões cometidas debaixo da primeira Aliança, os chamados recebam a
promessa da herança eterna...(...)... Pois Cristo não entrou num santuário feito por
mãos, figura do verdadeiro, mas no próprio céu, para agora comparecer por nós
perante a face de Deus; nem também para se oferecer muitas vezes, como o
sumo sacerdote de ano em ano entra no santo lugar com sangue alheio; doutra
forma, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do mundo;
mas agora, na consumação dos séculos, uma vez por todas se manifestou, para
aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo. ..." (Hb 9,11-28).
"O nome de Deus Salvador era invocado apenas uma vez por ano, pelo Sumo
Sacerdote, para Expiação dos Pecados de Israel, depois de ter aspergido o
Propiciatório do "santo dos santos" com o sangue do sacrifício (cf. Lv 16,15-16; Sir
50,20; Nm 7,89; Hb 9,7). O Propiciatório era o lugar da presença de Deus (cf. Ex
25,22; Lv 16,2; Nm 7,89; Hb 9,5). Quando São Paulo diz de Jesus que Deus O
"apresentou como Aquele que expia os pecados, pelo Seu Sangue derramado"
(Rm 5,25), significa que, na humanidade d'Este, "era Deus que em Cristo
reconciliava o mundo Consigo" (2Co 5,19) [n.° 433 - destaques propositais] / "A
Morte de Cristo é, ao mesmo tempo, o sacrifício pascal que realiza a redenção
definitiva dos homens (cf. 1Co 5,7; Jo 8,34-36) por meio do "Cordeiro que tira o
pecado do mundo" (Jo 1,29) (cf. 1Pe 1,19), e o sacrifício da Nova Aliança (cf. 1Co
11,25) que restabelece a comunhão entre o homem e Deus (cf. Ex 24,8),
reconciliando-o com Ele pelo "sangue derramado pela multidão, para remissão dos
pecados" (Mt 26,28; cf. Lv 16,15-16) [n.° 613 - negritos a propósito].
"(1) Falou o Senhor a Moisés e a Aarão, dizendo-lhes: Dizei aos filhos de Israel:
Estes são os animais que podereis comer dentre todos os animais que há sobre a
terra ...(...)... Os seguintes, contudo, não comereis...(...)... (8) Da sua carne não
comereis, nem tocareis nos seus cadáveres; esses vos serão imundos ...(...)... (44)
Porque eu sou o Senhor vosso Deus; portanto santificai-vos, e sede santos,
porque eu sou santo; e não vos contaminareis ...(...)... porque eu sou o Senhor,
que vos fiz subir da terra do Egito, para ser o vosso Deus, sereis pois santos,
porque eu sou santo. Esta é a lei sobre os animais e as aves, e sobre toda criatura
vivente que se move nas águas e toda criatura que se arrasta sobre a terra; para
fazer separação entre o imundo e o limpo, e entre animais que se podem comer
e os animais que não se podem comer" (Lv 11,1-4.8.44-47).
15. AS LEIS DE SANTIDADE
Até aqui foram narrados os ritos para uma comunhão com Iahweh pelo
Sacrifício e para se manter ou se recuperar a "pureza legal", sem o que não
há Santidade. De agora em diante serão apresentadas normas de conduta e
comportamento que também e por sua vez a favorecem ou a comprometem,
nos termos da Aliança. São normas de moral religiosa buscando-se atingir
uma Santidade interior, mais ampla e perfeita, que não se exaure em uma
Pureza Legal, nem em uma Santificação Ritual, nem se identifica apenas com
a exteriorização rotineira e apenas física. Desde o tempo da promulgação do
Decálogo se lançaram as bases para a vida religiosa plena do Povo de Israel,
o Código da Aliança, erigindo-se imediatamente um Santuário. Além disso,
estabeleceu-se uma série de observâncias para a participação na vida em
comunidade, nos Sacrifícios e para tornar Israel "a minha propriedade
peculiar dentre todos os povos", e "um reino de sacerdotes e uma nação
santa":
"Vós tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águias, e
vos trouxe a mim. Agora, pois, se atentamente ouvirdes a minha voz e se
guardardes a minha Aliança sereis a minha propriedade peculiar dentre
todos os povos, porque minha é toda a terra; e vós sereis para mim um reino
de sacerdotes e uma nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos
de Israel (...) Disse mais Iahweh a Moisés: Vai ao povo, e santifica-o hoje e
amanhã; lavem eles os seus vestidos (...) Então Moisés desceu do monte ao
povo, e santificou o povo que lavaram os seus vestidos (...) Ora, santifiquem-
se também os sacerdotes, que se chegam a Iahweh, para que Iahweh não se
lance sobre eles" (Ex 19,4-6.10.14.22).
"...não adorarás os seus deuses, nem lhes prestarás culto, imitando seus
costumes. Ao contrário derrubarás e quebrarás as suas colunas. Servireis
a Iahweh o vosso Deus (...) Não farás aliança com eles nem com seus
deuses. ..." (Ex 23,23-33) / "Guardareis, pois, todos os meus estatutos e
todos os meus preceitos, e os cumprireis; a fim de que a terra, para a qual
eu vos levo, para nela morardes, não vos vomite. E não andareis nos
costumes dos povos que eu expulso de diante de vós (...): Herdareis a sua
terra, e eu vo-la darei para a possuirdes, terra que mana leite e mel. Eu
sou o Senhor vosso Deus, que vos separei dos povos. (...) E sereis para mim
santos; porque eu, Iahweh, sou santo, e vos separei dos povos, para serdes
meus" (Lv 20,22-26).
"Não vos contamineis com nenhuma dessas coisas, porque com todas elas se
contaminaram as nações que eu expulso de diante de vós;(...) Vós, pois,
guardareis os meus estatutos e os meus preceitos, e nenhuma dessas
abominações fareis (...) guardareis o meu mandamento, de modo que não
caiais em nenhum desses abomináveis costumes que antes de vós foram
seguidos, e para que não vos contamineis com eles. Eu sou Iahweh o vosso
Deus" (Lv 18,24-30).
Assim é que, desde o alvorecer bíblico, tal como com Adão e Eva que "se
esconderam da presença de Deus" (Gn 3,8), se usa a expressão "andou
com Deus" (cfr. Gn 5,21.24; 6,9) ou "andar na presença de Deus e ser
perfeito" (Gn 17,1) ou outras equivalentes tais como "guardar os caminhos
de Iahweh praticando o direito e a justiça" (Gn 18,19), para se exprimir e
traduzir a Santidade de vida, e vinculando-a ao dever de "observar os
meus preceitos e os meus estatutos guardareis, para andardes neles",
mantendo-se uma estreita comunhão com Iahweh:
"Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Eu sou Israel o vosso Deus. Não fareis
segundo as obras da terra do Egito, em que habitastes; nem fareis segundo
as obras da terra de Canaã, para a qual eu vos levo; nem andareis segundo
os seus estatutos. Os meus preceitos observareis, e os meus estatutos
guardareis, para andardes neles. Eu sou Israel o vosso Deus" (Lv 18,2-4).
Facilmente se percebe a já referida e estreita ligação do conceito de "santo"
com um sentido claro do que "é separado", daquilo que não se mistura com o
que for "profano", até mesmo no comportamento. Esse conceito de Santo em
"guardar os caminhos de Iahweh praticando o direito e a justiça" (Gn
18,19), é ainda bem claro nas palavras do Salmista muitos séculos depois,
pela união que se almeja com Iahweh, seja "habitando no teu tabernáculo"
seja "descansando no teu santo monte":
"Guardai os meus estatutos, e cumpri-os. Eu sou Iahweh, que vos santifico" (Lv
20,7-8).
E tudo isso vai então ecoar como um grito solene de Iahweh e em torno do
qual gira a Santidade, na narrativa levítica:
"Sede Santos, porque eu Iahweh vosso Deus Sou Santo" (Lv 19,2).
"Disse mais Iahweh a Moisés: Fala a Aarão e aos seus filhos, e aos Israelitas, e
dize-lhes: Isto é o que Iahweh tem ordenado: Qualquer Israelita que imolar
boi, ou cordeiro, ou cabra, dentro ou fora do acampamento, e não o
trouxer à porta da tenda da reunião, para o oferecer como oferta a Iahweh
diante do tabernáculo de Iahweh, a esse homem será réu do sangue;
derramou sangue, pelo que será extirpado do meio do seu povo. Por isso os
filhos de Israel tragam as vítimas que oferecem no campo, isto é, tragam-nas a
Iahweh, à porta da tenda da reunião, entregando-as ao sacerdote para que as
ofereça por sacrifícios pacíficos a Iahweh. E o sacerdote espargirá o sangue
sobre o altar de Iahweh, à porta da tenda da reunião, e queimará a gordura em
suave fragrância a Iahweh" (Lv 17,1-6).
"A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis.
Certamente pedirei satisfação do vosso sangue, do sangue das vossas vidas;
de todo animal a pedirei; como também do homem..." (Gn 9,4-5).
"Então haverá um lugar que Iahweh o vosso Deus escolherá para ali fazer
habitar o seu nome; a esse lugar trareis tudo o que eu vos ordeno: os
vossos holocaustos e sacrifícios, os vossos dízimos, a vossa contribuição e tudo
o que de melhor oferecerdes ao Senhor em cumprimento dos votos que
fizerdes. E vos alegrareis perante Iahweh o vosso Deus, vós, vossos filhos e
vossas filhas, vossos servos e vossas servas (...) Guarda-te de ofereceres os
teus holocaustos em qualquer lugar que vires; mas no lugar que Iahweh
escolher (...) ali oferecerás os teus holocaustos, e ali farás tudo o que eu te
ordeno" (Dt 12,11-14).
"...a esse homem será imputado o sangue; derramou sangue, pelo que
será extirpado do seu povo" - é a violação da Lei do Respeito à Vida, seja
humana seja animal, pois a vida pertence só a Iahweh, pelo que Ele mesmo
punirá o culpado, pois "contra essa pessoa voltarei o meu rosto" (Lv
17,10), "extirpando-a do meio do povo" (Lv 17,4), numa espécie de
excomunhão. Esse respeito pelo sangue vai vigorar ainda nos primórdios do
Cristianismo:
"Porque pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo
além destas coisas necessárias: Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos
ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da prostituição; e destas coisas
fareis bem de vos guardar. Saudações" (At 15,28-29). / "Todavia, quanto aos
gentios que têm crido já escrevemos, dando o parecer que se abstenham do que
é sacrificado aos ídolos, do sangue, das carnes dos animais sufocados e da
prostituição" (At 21,25).
15.2 A Lei do Amor ao Próximo e a Santidade dos Costumes (Lv
18-20)
A narrativa vem a ser impregnada de refrãos, que fazem dos versículos que
separam, episódios de uma formulação moral. São como que chamadas de
atenção para o princípio ordenador da Santidade a que Israel está
comprometido e a sua fonte em Iahweh, para se distinguir dos outros povos
pagãos de costumes reprovados:
"Não fareis segundo as obras da terra do Egito, em que habitastes; nem fareis
segundo as obras da terra de Canaã, para a qual eu vos levo; nem andareis
segundo os seus estatutos. Os meus preceitos observareis, e os meus estatutos
guardareis, para andardes neles. Eu sou Iahweh o vosso Deus. Guardareis, pois,
os meus estatutos e as minhas ordenanças, pelas quais o homem, observando-
as, viverá. Eu sou Iahweh" (Lv 18,3-5; cfr. tb. 18,24-30).
"...Sereis santos, porque eu, Iahweh vosso Deus, sou santo" / "Portanto
santificai-vos, e sede santos, pois eu sou Iahweh vosso Deus. Guardai os meus
estatutos, e cumpri-os. Eu sou Iahweh, que vos santifico" (Lv 19,2 / Lv 20,7-
8; cfr. tb.: Ex 22,30a / Lv 11,45c).
"Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás
o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou Iahweh. Guardareis as minhas
leis" (Lv 19,18-19a).
"E eis que se levantou certo doutor da lei e, para o experimentar, disse: Mestre,
que farei para herdar a vida eterna? Perguntou-lhe Jesus: Que está escrito na
lei? Como lês tu? Respondeu-lhe ele: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o
teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu
entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. Tornou-lhe Jesus:
Respondeste bem; faze isso, e viverás. Ele, porém, querendo justificar-se,
perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo? Jesus, prosseguindo, disse: Um
homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de salteadores, os
quais o despojaram e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto.
Casualmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e vendo-o, passou
de largo. De igual modo também um levita chegou àquele lugar, viu-o, e
passou de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou perto dele e,
vendo-o, encheu-se de compaixão; e aproximando-se, atou-lhe as feridas,
deitando nelas azeite e vinho; e pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para
uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao
hospedeiro e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que gastares a mais, eu to pagarei
quando voltar. Qual, pois, destes três te parece ter sido o próximo daquele
que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu o doutor da lei: Aquele que
usou de misericórdia para com ele. Disse-lhe, pois, Jesus: Vai, e faze tu o
mesmo" (Lc 10,25-37).
"Não vos contamineis com nenhuma dessas coisas, porque com todas elas se
contaminaram as nações que eu expulso de diante de vós; e, porquanto a terra
está contaminada, eu visito sobre ela a sua iniqüidade, e a terra vomita os seus
habitantes. Vós, pois, guardareis os meus estatutos e os meus preceitos, e
nenhuma dessas abominações fareis, nem o natural, nem o estrangeiro que
peregrina entre vós. Porque todas essas abominações cometeram os homens da
terra, que nela estavam antes de vós, e a terra ficou contaminada. Para que a
terra não seja contaminada por vós e não vos vomite também a vós, como
vomitou a nação que nela estava antes de vós. Pois qualquer que cometer
alguma dessas abominações, pois aqueles que as cometerem serão extirpados
do seu povo. Portanto guardareis o meu mandamento, de modo que não
caiais em nenhum desses abomináveis costumes que antes de vós foram
seguidos, e para que não vos contamineis com eles. Eu sou Iahweh o vosso
Deus" (Lv 18,24-30).
"Fala aos sacerdotes (...) Santos serão para seu Deus, e não profanarão o nome
do seu Deus; porque oferecem as ofertas queimadas de Iahweh, que são o pão
do seu Deus; portanto serão santos. (...) Portanto o santificarás; porquanto
oferece o pão do teu Deus, santo te será; pois eu, Iahweh, que vos santifico,
sou santo" (Lv 21,1a.6.8).
"Aquele que é sumo sacerdote entre seus irmãos, sobre cuja cabeça foi
derramado o óleo da unção, e que foi consagrado para vestir as vestes
sagradas, não descobrirá a cabeça nem rasgará a sua vestidura; e não se chegará
a cadáver algum; nem sequer por causa de seu pai ou de sua mãe se
contaminará; não sairá do santuário, nem profanará o santuário do seu Deus;
pois a coroa do óleo da unção do seu Deus está sobre ele. Eu sou Iahweh. E ele
tomará por esposa uma mulher na sua virgindade. Viúva, ou repudiada, ou
desonrada, ou prostituta, destas não tomará; mas virgem do seu povo tomará
por mulher. E não profanará a sua descendência entre o seu povo; porque eu
sou Iahweh que o santifico" (Lv 21,10-15).
"Depois disse Iahweh a Moisés: Fala aos sacerdotes, filhos de Aarão, e dize-
lhes: O sacerdote não se contaminará por causa dum morto entre o seu povo,
salvo por um seu parente mais chegado: por sua mãe ou por seu pai, por seu
filho ou por sua filha, por seu irmão, ou por sua irmã virgem, que lhe é
chegada, que ainda não tem marido; por ela também pode contaminar-se. (...)
Não tomarão mulher prostituta ou desonrada, nem tomarão mulher repudiada
de seu marido; pois o sacerdote é santo para seu Deus" (Lv 21,1-7).
"E não profanará a sua descendência entre o seu povo; porque eu sou o
Senhor que o santifico" (Lv 21,15).
"Disse Moisés a Aarão: Isto é o que Iahweh declarou quando disse: "Serei
santificado naqueles que se chegarem a mim, e serei glorificado diante de todo
o povo". O que ouvindo Aarão, se calou" / "...para que não morrais, nem venha
a ira de Iahweh sobre todo o povo..." (Lv 10,3.6c).
"... serei glorificado diante de todo o povo" e "...para que não morrais, nem
venha a ira de Iahweh sobre todo o povo..."- Assim se resumia relação de
reciprocidade entre ambos, em que a Santidade do Sacerdote refletia sobre o
Povo. E, tamanha era a suntuosidade que ornava o Culto Israelita, que se
rejeitava no cerimonial toda a imperfeição possível, até mesmo humana, como
uma homenagem à majestade de Iahweh:
"Comerá do pão do seu Deus, tanto do santíssimo como do santo; contudo, não
entrará até o véu, nem se chegará ao altar, porquanto tem defeito; para
que não profane os meus santuários; porque eu sou Iahweh que os santifico.
Moisés, pois, assim falou a Aarão e a seus filhos, e a todos os filhos de Israel"
(Lv 21,22-24).
"Dize a Aarão e a seus filhos que se abstenham das coisas sagradas dos filhos
de Israel, as quais eles a mim me santificam, e que não profanem o meu santo
nome. Eu sou Iahweh. Dize-lhes: Todo homem dentre os vossos descendentes
pelas vossas gerações que, tendo sobre si a sua imundícia, se chegar às coisas
sagradas que os filhos de Israel santificam ao Iahweh, aquela alma será
extirpada da minha presença. Eu sou Iahweh (...) seja qual for a sua imundícia,
o homem que tocar em tais coisas será imundo até a tarde, e não comerá das
coisas sagradas, mas banhará o seu corpo em água e, posto o sol, então
será limpo; depois comerá das coisas sagradas, porque isso é o seu pão (...)
Guardareis os meus mandamentos, e os cumprireis. Eu sou Iahweh. Não
profanareis o meu santo nome, e serei santificado no meio dos filhos de
Israel. Eu sou Iahweh que vos santifico, que vos tirei da terra do Egito para
ser o vosso Deus. Eu sou Iahweh " (Lv 22,2-4.5b-7.31-33).
Isso ao lado de algumas aparentes superstições tais como deixar a cria com a
mãe no mínimo sete dias e somente então a imolar, bem como não matar a
mãe e sua cria no mesmo dia (Lv 22,27), sob pena de não ser aceita a oferta,
bem como qualquer sacrifício, mesmo o de Ação de Graças, deveria ser alvo
de fidelidade a todos os detalhes rituais, "de modo a serdes aceitos":
"...e serei santificado no meio dos filhos de Israel" - Não é possível passar
adiante sem se questionar: como é possível "ser santificado" aquele que
santifica, ou seja, "Iahweh que vos santifico"? É que desde "que vos tirei da
terra do Egito para ser o vosso Deus", indicou-lhes como adquirir a Santidade
que oferecia, pelo que, exteriorizada na conduta e no comportamento de
todos e de cada um, o nome de Iahweh, um Deus Santo, seria glorificado e
reconhecido, tal como no Egito onde assim se impôs pelos prodígios
praticados. Jesus vai incluir isso na Oração do Pai Nosso (Mt 6,9-10 e Lc
11,2), vinculando o "santificado seja o teu nome" com o "venha o teu reino" e
"seja feita a tua vontade":
"Portanto, orai vós deste modo: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja
o teu nome; venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra
como no céu..." (Mt 6,9-10). / "Ao que ele lhes disse: Quando orardes, dizei:
Pai, santificado seja o teu nome; venha o teu reino;..." (Lc 11,2).
O que ratificará dizendo ainda que as obras praticadas pelos seus discípulos
devem brilhar para que os homens, vendo-as, glorifiquem a Deus (Mt 5,14-
16):
"Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um
monte; nem os que acendem uma candeia a colocam debaixo do alqueire, mas
no candelabro, e assim ilumina a todos que estão na casa. Assim resplandeça a
vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e
glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus" (Mt 5,14-16).
"Depois disse Iahweh a Moisés: Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: As festas
fixas de Iahweh, que convocareis como santas assembléias, são estas: Seis dias
se fará trabalho, mas o sétimo dia é o sábado do descanso solene, uma santa
assembléia; nenhum trabalho fareis; é sábado de Iahweh em todas as vossas
habitações" (Lv 23,1-3, cfr. tb. Ex 16,23; 20,8-11; 31,12-17; 35,2).
16.1 Inicialmente a Festa da Páscoa e a dos Pães Ázimos
"Três vezes no ano todos os teus homens aparecerão diante de Iahweh teu
Deus" (Ex 23,17 / Ex 13,6) era a regra básica em vigor para as três festas
principais transcritas, na dos Ázimos, na de Pentecostes e na das Tendas.
Nos termos da sua instituição no Sinai, todos os homens deveriam
comparecer ao Santuário nas celebrações correspondentes, prevendo então
dois dias solenes, o primeiro e o sétimo, quando não haveria nenhum trabalho
(Ex 12,15-17).
"Disse mais Iahweh a Moisés: Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando
houverdes entrado na terra que eu vos dou, e fizerdes a ceifa das searas,
trareis ao sacerdote um molho das primícias da vossa colheita; e ele
moverá o molho perante Iahweh, para que seja aceito em vosso favor. No dia
seguinte ao sábado o sacerdote o moverá. E no dia em que moverdes o molho,
oferecereis um cordeiro sem defeito, de um ano, em holocausto a Iahweh. Sua
oferta de cereais será dois décimos de efá de flor de farinha, amassada com
azeite, para oferta queimada em cheiro suave a Iahweh; e a sua oferta de
libação será de vinho, um quarto de him. E não comereis pão, nem trigo
torrado, nem espigas verdes, até aquele mesmo dia, em que trouxerdes a
oferta do vosso Deus; é estatuto perpétuo pelas vossas gerações, em todas as
vossas habitações" (Lv 23,9-14).
Essa oferenda das Primícias tem um sentido bem mais amplo que aqui
aparenta e para apreendê-lo será necessário antecipar pelo menos
superficialmente algumas noções do Instituto das Oferendas, a partir, por ora,
de dois trechos onde se destacam algumas noções do significado que tinham
para os Israelitas, dentre elas destacando-se:
"Os sacerdotes levitas, e toda a tribo de Levi, não terão parte nem herança com
Israel. Alimentar-se-ão das oferendas queimadas a Iahweh e do patrimônio
dele. Não terão herança no meio de seus irmãos; Iahweh é a sua herança, como
lhes tem dito. Este, pois, será o direito dos sacerdotes, a receber do povo, dos
que oferecerem sacrifícios de boi ou de ovelha: o ofertante dará ao sacerdote a
espádua, as queixadas e o bucho. Ao sacerdote darás as primícias do teu grão,
do teu mosto e do teu azeite, e as primícias da tosquia das tuas ovelhas. Porque
Iahweh teu Deus o escolheu dentre todas as tribos, para assistir e ministrar em
nome de Iahweh, ele e seus filhos, para sempre" (Dt 18,1-5).
Neste trecho se vê que elas eram a herança dos integrantes da Tribo de Levi,
que não receberam nenhuma possessão em terras, a não ser aquele mínimo
para se estabelecer e se fixar com independência pessoal e familiar. Assim
sendo, as Primícias eram um direito deles e a citação delas é apenas
exemplificativa, pois abrangiam todos os produtos que se produzissem.
Também, mais adiante, ainda se estabeleceu:
"Também, quando tiveres entrado na terra que Iahweh teu Deus te dá por
herança, e a possuíres, e nela habitares, tomarás das primícias de todos os
frutos do solo que trouxeres da terra que Iahweh teu Deus te dá, e as porás
num cesto, e irás ao lugar que o Iahweh teu Deus escolher para ali fazer habitar
o seu nome. E irás ao sacerdote que naqueles dias estiver de serviço, e lhe
dirás: Hoje declaro a Iahweh teu Deus que entrei na terra que o senhor com
juramento prometeu a nossos pais que nos daria. O sacerdote, pois, tomará o
cesto da tua mão, e o porá diante do altar de Iahweh teu Deus (...) o Iahweh
nos tirou do Egito com mão forte e braço estendido, com grande espanto, e
com sinais e maravilhas; e nos trouxe a este lugar, e nos deu esta terra, terra
que mana leite e mel. E eis que agora te trago as primícias dos frutos da terra
que tu, ó Iahweh, me deste. Então as porás perante o Iahweh teu Deus, e o
adorarás; e te alegrarás por todo o bem que o Iahweh teu Deus te tem
dado a ti e à tua casa, tu e o levita, e o estrangeiro que está no meio de ti" (Dt
26,1-5.8b-11).
Neste segundo trecho vai se observar que eram elas levadas num cesto e
entregues ao Sacerdote, que dispunha uma parte no Altar, de outras partes se
alimentando e entregando aos Sacerdotes a sua herança, para a Santificação
geral da colheita. A palavra cesto em latim é "sportula", donde o costume da
Igreja em receber espórtulas de alguns atos. É direito dela que nos
primórdios do cristianismo era levada num cesto durante o Ofertório da
Cerimônia Eucarística e entregue ao Sacerdote que recolhia o conteúdo e
depois se lavava para poder manusear e distribuir a Comunhão, donde o rito
do Lava - Mãos.
"E não comereis pão, nem trigo torrado, nem espigas verdes, até aquele
mesmo dia, em que trouxerdes a oferta do vosso Deus; é estatuto perpétuo
pelas vossas gerações, em todas as vossas habitações" (Lv 23,14).
"Contareis para vós, desde o dia depois do sábado, isto é, desde o dia em que
houverdes trazido o molho da oferta de movimento, sete semanas inteiras; até o
dia seguinte ao sétimo sábado, contareis cinqüenta dias; então oferecereis uma
oblação nova de cereais a Iahweh" (Lv 23,15-16).
"Das vossas habitações trareis, para oferta de movimento, dois pães de dois
décimos de efá; serão de flor de farinha, e levedados se cozerão; são primícias
a Iahweh. Com os pães oferecereis sete cordeiros sem defeito, de um ano, um
novilho e dois carneiros; serão holocausto a Iahweh, com as respectivas ofertas
de cereais e de libação, por oferta queimada de cheiro suave a Iahweh.
Também oferecereis um bode para oferta pelo pecado, e dois cordeiros de um
ano para sacrifício de ofertas pacíficas. Então o sacerdote os moverá,
juntamente com os pães das primícias, por oferta de movimento perante
Iahweh, com os dois cordeiros; santos serão a Iahweh para uso do sacerdote. E
fareis proclamação nesse mesmo dia, pois tereis santa convocação; nenhum
trabalho servil fareis; é estatuto perpétuo em todas as vossas habitações pelas
vossas gerações" (Lv 23,17-21).
"Das vossas habitações trareis, para oferta de movimento, dois pães de dois
décimos de efá, de flor de farinha e cozidos com levedo, como primícias a
Iahweh" - a oferenda desses dois pães levedados caracterizam
especificamente a solenidade, por causa do fermento que se vedava nos
sacrifícios (Lv 2,11s), motivo por que não seriam queimados no Altar, mas
junto com dois cordeiros da oferta pacífica, destinar-se-iam ao Sacerdote e
seus familiares (Lv 23,20), após o holocausto de sete cordeiros, um novilho e
dois carneiros, com as libações do ritual, e o bode do oferenda de expiação
(Lv 23,18-19). O nome de Oferta de Movimento se origina do "movimento"
feito pelo ofertante empunhando a oferenda junto com o celebrante em
direção do Altar, pelo que a entregava e ao recebê-la de volta, de Iahweh,
deixava-a nas mãos do sacerdote.
"Quando fizeres a sega da tua terra, não segarás totalmente os extremos do teu
campo, nem respigarás as espigas caídas que ficarem; para o pobre e para o
estrangeiro as deixarás. Eu sou Iahweh vosso Deus" (Lv 23,22).
Assim era conhecida a festa que tinha início no primeiro dia do sétimo mês
religioso, em que se anunciaria mais tarde o começo do ano civil com o toque
delas:
"Disse mais Iahweh a Moisés: Fala aos filhos de Israel: No sétimo mês, no
primeiro dia do mês, haverá para vós descanso solene, em memorial, com
toque de trombetas e uma santa assembléia. Nenhum trabalho servil fareis, e
oferecereis sacrifícios pelo fogo a Iahweh" (Lv 23,23-25).
Todos os meses do ano e por ocasião da lua nova havia uma solenidade em
que se ofereciam holocaustos e um bode em expiação (Nm 28,11-15). Neste,
porém, assumia um caráter especial de Santidade por ser o sétimo, o mês
sabático, coincidindo ainda nele a Grande Festa de Expiação e a Festa das
Tendas (Lv 23,27-43). Tudo isso faz com que seja distinguido com uma
comemoração especial inicialmente de regozijo ao som das Trombetas (Nm
10,1-2a.10), completando-se com mais Holocaustos e Sacrifício Pelo Pecado,
aos que já se celebravam mensalmente (Nm 28,11-15):
"No sétimo mês, no primeiro dia do mês, tereis uma assembléia santa; nenhum
trabalho servil fareis; será para vós dia de toque de trombetas. Oferecereis um
holocausto em cheiro suave a Iahweh: um novilho, um carneiro e sete cordeiros
de um ano, todos sem defeito; e a sua oferta de cereais, de flor de farinha
misturada com azeite, três décimos de efá para o novilho, dois décimos para o
carneiro, e um décimo para cada um dos sete cordeiros; e um bode para oferta
pelo pecado, para fazer expiação por vós; além do holocausto do mês e a sua
oferta de cereais, e do holocausto contínuo e a sua oferta de cereais, com as
suas ofertas de libação, segundo a ordenança, em cheiro suave, oferta queimada
a Iahweh" (Nm 29,1-6).
"Disse mais Iahweh a Moisés: Ora, o décimo dia desse sétimo mês será o dia
da expiação; tereis santa assembléia, e mortificareis as vossas almas
('jejuareis'); e oferecereis oferta queimada ('holocausto') a Iahweh. Nesse dia
não fareis trabalho algum; porque é o dia da expiação, para nele fazer-se
expiação por vós perante Iahweh o vosso Deus Pois toda alma que não se
afligir (jejuar) nesse dia, será extirpada do seu povo. Também toda alma que
nesse dia fizer algum trabalho, eu a destruirei do meio do seu povo. Não fareis
nele trabalho algum; isso será estatuto perpétuo pelas vossas gerações em todas
as vossas habitações. Sábado de descanso vos será, e afligireis as vossas almas;
desde a tarde do dia nono do mês até a outra tarde, guardareis o vosso sábado"
(Lv 23,26-32).
"Disse mais Iahweh a Moisés: Fala aos filhos de Israel, dizendo: Desde o dia
quinze desse sétimo mês haverá a festa dos tabernáculos a Iahweh por sete
dias. No primeiro dia haverá santa assembléia; nenhum trabalho servil fareis.
Por sete dias oferecereis sacrifícios pelo fogo a Iahweh; ao oitavo dia tereis
santa assembléia, e oferecereis sacrifício pelo fogo a Iahweh; será uma
assembléia solene; nenhum trabalho servil fareis" (Lv 23,33-36).
Ratifica-se então, sem se descuidar dos sábados, todas as comemorações do
ano, cada qual com suas oferendas apropriadas e seus Sacrifícios
específicos, finalizando-se a sua descrição. Realça-se pelo destaque da
repetição a importância da Festa das Cabanas, como fora o encerramento de
todas elas exatamente por ser a última do ano. Daí a sua celebração bem
mais solene, tal como descrito em Nm 29,12-38, com o oferecimento de
Holocaustos, Sacrifícios, Oblações e Libações todos os dias da semana
festiva, sem prejuízo do Holocausto Cotidiano, também oferecido (Nm
29,16.19.22.25.28.31.34.38) e dos dons, votos, ofertas voluntárias, oferendas
diversas, primícias, primogênitos, dízimos etc. (Dt 12,5-7), como se deduz da
nomeação genérica então feita:
"Desde o dia quinze do sétimo mês, quando tiverdes colhido os frutos da terra,
celebrareis a festa de Iahweh por sete dias; no primeiro dia haverá descanso
solene, e no oitavo dia haverá descanso solene. No primeiro dia tomareis para
vós o fruto de árvores formosas, folhas de palmeiras, ramos de árvores
frondosas e salgueiros de ribeiras; e vos alegrareis perante Iahweh vosso Deus
por sete dias. E celebrá-la-eis como festa a Iahweh por sete dias cada ano;
estatuto perpétuo será pelas vossas gerações; no mês sétimo a celebrareis. Por
sete dias habitareis em tendas de ramos; todos os naturais em Israel habitarão
em tendas de ramos, para que as vossas gerações saibam que eu fiz habitar em
tendas de ramos os filhos de Israel, quando os tirei da terra do Egito. Eu sou
Iahweh vosso Deus" (Lv 23,39-43).
"Assim promulgou Moisés aos filhos de Israel as festas fixas de Iahweh " (Lv
23,44).
"Disse mais Iahweh a Moisés: Ordena aos filhos de Israel que te tragam, para o
candelabro, azeite de oliveira, puro, batido, a fim de manter uma lâmpada acesa
continuamente. Aarão a conservará em ordem perante Iahweh, continuamente,
desde a tarde até a manhã, fora do véu do testemunho, na tenda da reunião; será
estatuto perpétuo pelas vossas gerações. Sobre o candelabro de ouro puro
conservará em ordem as lâmpadas perante Iahweh continuamente" (Lv 24,1-
4).
"Também tomarás flor de farinha, e dela cozerás doze pães; cada pão será de
dois décimos de efa. E pô-los-ás perante Iahweh, em duas fileiras, seis em cada
fileira, sobre a mesa de ouro puro. Sobre cada fileira porás incenso puro, para
que seja sobre os pães como memorial, isto é, como oferta queimada a Iahweh.
Em cada sábado, colocar-se-ão regularmente perante Iahweh para sempre,
como uma aliança perpétua da parte de Israel. Pertencerão os pães a Aarão e a
seus filhos, que os comerão em lugar santo, por serem coisa santíssima para
eles, das ofertas queimadas a Iahweh por estatuto perpétuo" (Lv 24,5-9).
Em vários locais recebe também o nome de "Pão da Face", qual seja, o "Pão
da Presença" (Ex 25,30; 35,13; 39,36; 40,23; Nm 4,7; 1Sm 21,5-7; 1Rs 7,48;
2Cr 4,19) ou o "Pão da Pilha", isto é "partido em fileiras ou pilhas" (1Cr 9,32;
23,29; Ne 10,34; 2Cr 13,11). Eram Pães que se dispunham em mesa a eles
destinada (Ex 25,23-30) "na minha presença (de Iahweh - Ex 29,30)" em
número de doze, representando logicamente as tribos de Israel, seis em cada
fileira, sobre os quais se deitava Incenso a ser queimado em oblação (Lv 2,2).
Por se integrar num cerimonial de sacrifício eram "coisa santíssima para os
sacerdotes, das oferendas no fogo a Iahweh", devendo ser por eles comidos
cada semana ao se substituir por novos e no momento de se queimar o
Incenso" como memorial" perene da Aliança. Além do pão há ainda resquícios
do uso de libações de vinho, eis que se fala em "copos e taças de ouro" (Ex
25,29; 37,16; Nm 4,7), o que lembra a Ceia Eucarística. Jesus menciona que
Davi e seus soldados comeram desse Pão quando em fuga de Saul estando
com fome, para mostrar aos fariseus que existem necessidades do homem
que permitem o descumprimento de determinadas prescrições legais (Mt 12,4
e par.).
"Respondeu Moisés a seu sogro: É por que o povo vem a mim para consultar
a Iahweh. Quando eles têm alguma desavença, vêm a mim; e eu julgo entre
um e outro e dou-lhes a conhecer os estatutos de Deus e as suas leis" (Ex
18,15-16).
"Então disse Iahweh a Moisés: Tira para fora do arraial o que tem blasfemado;
todos os que o ouviram porão as mãos sobre a cabeça dele, e toda a
congregação o apedrejará. E dirás aos filhos de Israel: Todo homem que
amaldiçoar o seu Deus, levará sobre si o seu pecado. E aquele que blasfemar o
nome de Iahweh, certamente será morto; toda a congregação certamente o
apedrejará. Tanto o estrangeiro como o natural, que blasfemar o nome de
Iahweh, será morto" (Lv 24,13-16).
"E aquele que blasfemar o nome de Iahweh, será morto; toda a comunidade o
apedrejará. Tanto o estrangeiro como o natural, que blasfemar o nome de
Iahweh será morto" (Lv 24,16) / "Disse mais Iahweh a Moisés: Também dirás
aos filhos de Israel: Qualquer dos filhos de Israel, ou dos estrangeiros
peregrinos em Israel, que der de seus filhos a Moloc, será morto; o povo da
terra o apedrejará. Eu porei o meu rosto contra esse homem, e o extirparei do
meio do seu povo; porquanto deu de seus filhos a Moloc, assim contaminando
o meu santuário e profanando o meu santo nome. E, se o povo da terra de
alguma maneira esconder os olhos para não ver esse homem, quando der de
seus filhos a Moloc, e não o matar, eu porei o meu rosto contra esse homem, e
contra a sua família, e o extirparei do meio do seu povo, bem como a todos os
que forem após ele, prostituindo-se após Moloc" (Lv 20,1-5).
Alguns fatos chamam a atenção a começar com a imposição das mãos das
testemunhas sobre a cabeça dele, tal como no holocausto são colocadas na
cabeça do animal oferecido em expiação. Tal ato tem essa dimensão apoiado
na afirmação de que "o blasfemador levará sobre si o seu pecado". As
testemunhas e principais acusadoras e executoras (Dt 17,7) declaram assim
solenemente a culpa dele apurada no julgamento, e as testemunhas
isentavam-se de qualquer solidariedade com o blasfemo sofrendo este a
plena responsabilidade do que fizera . Além disso, retiram o infrator para "fora
do acampamento" para não contaminá-lo tal como ao Santuário com essa
impureza ou profanação, tal como se fazia com as oferendas da Festa da
Expiação que contaminadas com as iniqüidades de Israel eram queimadas
fora da mesma forma ( Lv 16,27; 24,14; Nm 15,35; Dt 17,2-7; At 7,57).
"Todo homem que amaldiçoar o seu Deus, levará sobre si o seu pecado. E
aquele que blasfemar o nome do Senhor, certamente será morto; toda a
congregação certamente o apedrejará. (...) Então falou Moisés aos filhos de
Israel. Depois eles levaram para fora do arraial aquele que tinha blasfemado e o
apedrejaram. Fizeram, pois, os filhos de Israel como Iahweh ordenara a
Moisés" (Lv 24,15-16.23).
No Novo Testamento tanto São Estevão (At 7,57) como Jesus são vítimas do
mesmo tratamento, de que Hebreus tira uma sutil conclusão:
"Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas
cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de
modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido.
Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e
assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele,
porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus. Pois
eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de
modo nenhum entrareis no reino dos céus" (Mt 5,17-20).
"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo
que não resistais ao homem mau; mas, a qualquer que te bater na face direita,
oferece-lhe também a outra; e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica,
larga-lhe também a capa; e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai
com ele dois mil. Dá a quem te pedir, e não voltes as costas ao que quiser que
lhe emprestes" (Mt 5,38-42).
"Portanto vos digo: Todo pecado e blasfêmia se perdoará aos homens; mas a
blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Se alguém disser alguma
palavra contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; mas se alguém falar
contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no
vindouro" (Mt 12,31-32).
"Seis anos semearás tua terra, e recolherás os seus frutos; mas no sétimo ano a
deixarás repousar, para que os pobres do teu povo possam comer, e do que
estes deixarem comam os animais do campo. Assim farás com a tua vinha e
com o teu olival" (Ex 23,10-11).
"Disse mais Iahweh a Moisés no monte Sinai: Fala aos filhos de Israel e dize-
lhes: Quando tiverdes entrado na terra que eu vos dou, a terra guardará um
sábado em honra de Iahweh. Seis anos semearás a tua terra, e seis anos podarás
a tua vinha, e colherás os seus frutos; mas no sétimo ano haverá sábado de
descanso solene para a terra, um sábado em honra de Iahweh; não semearás o
teu campo, nem podarás a tua vinha. O que nascer de si mesmo da tua sega não
segarás, e as uvas da tua vide não tratada não vindimarás; ano de descanso
solene será para a terra. Mas os frutos do sábado da terra vos serão por
alimento, a ti, e ao teu servo, e à tua serva, e ao teu jornaleiro, e ao estrangeiro
que peregrina contigo, e ao teu gado, e aos animais que estão na tua terra; todo
o seu produto será por mantimento" (Lv 25,1-7).
"Disse mais Iahweh a Moisés no monte Sinai: Fala aos filhos de Israel e dize-
lhes: Quando tiverdes entrado na terra que eu vos dou, a terra guardará um
"cessar" em honra de Iahweh. Seis anos semearás a tua terra, e seis anos
podarás a tua vinha, e colherás os seus frutos; mas no sétimo ano haverá
"um cessar" solene para a terra, um "cessar" em honra de Iahweh; não
semearás o teu campo, nem podarás a tua vinha. O que nascer de si mesmo
da tua sega não segarás, e as uvas da tua vide não tratada não vindimarás; ano
de "retorno ao estado anterior" solene será para a terra. Mas os frutos do
"cessar" da terra vos serão por alimento, a ti, e ao teu servo, e à tua serva, e ao
teu jornaleiro, e ao estrangeiro que peregrina contigo, e ao teu gado, e aos
animais que estão na tua terra; todo o seu produto será por mantimento" (Lv
25,1-7).
"Se disserdes: Que comeremos no sétimo ano, visto que não havemos de
semear, nem fazer a nossa colheita? então eu mandarei a minha bênção sobre
vós no sexto ano, e a terra produzirá fruto bastante para os três anos. No oitavo
ano semeareis, e comereis da colheita velha; até o ano nono, até que venha a
colheita nova, comereis da velha" (Lv 25,20-22).
"Também contarás sete semanas de anos, sete vezes sete anos; de maneira que
os dias dos sete sábados de anos serão quarenta e nove anos. Então, no décimo
dia do sétimo mês, farás soar fortemente a trombeta; no dia da expiação fareis
soar a trombeta por toda a vossa terra. E santificareis o ano qüinquagésimo, e
apregoareis liberdade na terra a todos os seus habitantes; ano de jubileu será
para vós; pois tornareis, cada um à sua possessão, e cada um à sua família.
Esse ano qüinquagésimo será para vós jubileu; não semeareis, nem segareis o
que nele nascer de si mesmo, nem nele vindimareis as uvas das vides não
tratadas. Porque é jubileu; santo será para vós; diretamente do campo
comereis o seu produto. Nesse ano do jubileu tornareis, cada um à sua
possessão" (Lv 25,8-13).
"Nenhum de vós oprimirá ao seu próximo; mas temerás o teu Deus; porque eu
sou Iahweh o vosso Deus. Pelo que observareis os meus estatutos, e guardareis
os meus preceitos e os cumprireis; assim habitareis seguros na terra. Ela dará o
seu fruto, e comereis a fartar; e nela habitareis seguros. Se disserdes: Que
comeremos no sétimo ano, visto que não havemos de semear, nem fazer a
nossa colheita? então eu mandarei a minha bênção sobre vós no sexto ano, e a
terra produzirá fruto bastante para os três anos. No oitavo ano semeareis, e
comereis da colheita velha; até o ano nono, até que venha a colheita nova,
comereis da velha. Também não se venderá a terra em perpetuidade, porque a
terra é minha; pois vós estais comigo como estrangeiros e peregrinos. Portanto
em toda a terra da vossa possessão concedereis que seja remida a terra. Se teu
irmão empobrecer e vender uma parte da sua possessão, virá o seu parente mais
chegado e remirá o que seu irmão vendeu. E se alguém não tiver redentor, mas
ele mesmo tiver enriquecido e achado o que basta para o seu resgate, contará os
anos desde a sua venda, e o que ficar do preço da venda restituirá ao homem a
quem a vendeu, e tornará à sua possessão. Mas, se as suas posses não bastarem
para reavê-la, aquilo que tiver vendido ficará na mão do comprador até o ano
do jubileu; porém no ano do jubileu sairá da posse deste, e aquele que vendeu
tornará à sua possessão" (Lv 25,17-28).
"Se alguém vender uma casa de moradia em cidade murada, poderá remi-la
dentro de um ano inteiro depois da sua venda; durante um ano inteiro terá o
direito de a remir. Mas se, passado um ano inteiro, não tiver sido resgatada,
essa casa que está na cidade murada ficará, em perpetuidade, pertencendo ao
que a comprou, e à sua descendência; não sairá o seu poder no jubileu. Todavia
as casas das aldeias que não têm muro ao redor serão consideradas como o
campo da terra; poderão ser remidas, e sairão do poder do comprador no
jubileu. Também, no tocante às cidades dos levitas, às casas das cidades da sua
possessão, terão eles direito perpétuo de resgatá-las. E se alguém comprar dos
levitas uma casa, a casa comprada e a cidade da sua possessão sairão do poder
do comprador no jubileu; porque as casas das cidades dos levitas são a sua
possessão no meio dos filhos de Israel. Mas o campo do arrabalde das suas
cidades não se poderá vender, porque lhes é possessão perpétua" (Lv 25,29-
34).
"Se teu irmão ficar pobre ao teu lado, e lhe enfraquecerem as mãos, ampará-lo-
ás como estrangeiro e peregrino para que possa viver contigo. Não tomarás
dele juros nem lucro, mas temerás o teu Deus, para que teu irmão viva contigo.
Não lhe darás teu dinheiro a juros, nem os teus víveres por usura. Eu sou
Iahweh o vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito, para vos dar a terra de
Canaã, para ser o vosso Deus. Também, se teu irmão empobrecer ao teu lado e
vender-se a ti, não o farás servir como escravo. Como assalariado e como
peregrino trabalhará contigo até o ano do jubileu. Então sairá do teu serviço, e
com ele seus filhos, e tornará à sua família, à possessão de seus pais. Porque
são meus servos, que tirei da terra do Egito; não serão vendidos como
escravos. Não dominarás sobre ele com rigor, mas temerás o teu Deus. E
quanto aos escravos ou às escravas que tiveres serão comprados das nações que
estiverem ao redor de vós. Também os comprareis dentre os filhos dos
estrangeiros que habitarem entre vós, bem como dentre as suas famílias que
vivem convosco, que nascerem na vossa terra; serão vossa propriedade. E
deixá-los-eis por herança aos vossos filhos depois de vós, para os herdarem
como propriedade perpétua. Desses tomareis os vossos escravos; mas sobre
vossos irmãos, os filhos de Israel, não os oprimireis com poder" (Lv 25,35-
46).
"Eu sou Iahweh o vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito, para vos dar a
terra de Canaã, para ser o vosso Deus"..."Porque são meus servos, que tirei
da terra do Egito; não serão vendidos como escravos. Não dominarás sobre
ele com rigor, mas temerás o teu Deus" - O temor de Iahweh é o fundamento
religioso de todas as Instituições Israelitas, do que não se isentaria o Jubileu.
Esse temor não era propriamente falando um medo de Deus, mas de não
mais gozar das Bênção de Iahweh. A generosidade de Deus deveria ser
partilhada por todos os povos que se abrigassem em Israel. É a soberania de
Iahweh que se traduz em atos de seus súditos, distinguindo-os dos demais
que os tornava "santos", cuja santidade vai se comemorar na Festa do Ano
Jubileu que se inicia no Dia da Expiação. Assim, a generosidade de Deus
"que não faz acepção de pessoas" vai se reproduzir tanto no trato do
estrangeiro como no do escravo Israelita, dispensando igual tratamento de
Iahweh desde o libertação do Egito. É claro que somente fora dos domínios
de Iahweh, junto dos demais povos, é que poder-se-ia adquirir escravos nos
moldes vigentes de propriedade perpétua, objeto até mesmo de herança. Tal
como no cristianismo o objeto fundamental do tratamento aos irmãos e
estrangeiros ali residentes e reduzidos à miséria era o que se denomina
atualmente caridade, no sentido de que tudo se faria para a sua recuperação
de justiça. Buscava-se ampará-los no infortúnio restituindo-lhes os bens
quando os pudessem administrar. Daí a proibição da usura e dos meios de
proventos de qualquer espécie em toda a legislação da Aliança (cfr. Ex 22,25
e Dt 23,20-21) e o tratamento especial dispensado ao escravo hebreu, que
nem poderia ser vendido a outrem. A essa Lei do Jubileu sujeitava-se até
mesmo o estrangeiro, no caso do infortúnio do Israelita (Lv 25,47-55), pela
mesmo fundamento:
"Porque os filhos de Israel são meus servos que tirei da terra do Egito. Eu sou
Iahweh o vosso Deus" (Lv 25,55).
(...)
(...)
11. Neste contexto, torna-se compreensível o costume dos jubileus, que tem
início no Antigo Testamento e reencontra a sua continuação na História da
Igreja. Um dia Jesus de Nazaré, tendo ido à sinagoga da sua Cidade, levantou-
se para ler (cf. Lc 4,16-30). Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías, onde leu
o seguinte trecho: "O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu,
para anunciar a Boa-Nova aos pobres: enviou-Me a proclamar a libertação dos
cativos e, aos cegos, o recobrar da vista; a andar em liberdade os oprimidos, a
proclamar um ano de graça do Senhor" (61,1-2).
18. EXORTAÇÕES
"E, ouvindo a voz do Senhor Deus, que passeava ('andava') no jardim..." (Gn
3,8).
"Não fareis para vós ídolos, nem para vós levantareis imagem esculpida, nem
coluna, nem poreis na vossa terra pedra com figuras, para vos inclinardes a
ela; porque eu sou Iahweh o vosso Deus. Guardareis os meus sábados, e
reverenciareis o meu santuário. Eu sou Iahweh" (Lv 26,1-2) / "Mas, se não me
ouvirdes, e não cumprirdes todos estes mandamentos, e se rejeitardes os meus
estatutos, e desprezardes os meus preceitos não cumprindo todas as
minhas leis, mas violando a minha aliança, então eu vos tratarei assim: porei
sobre vós..." (Lv 26,14-16).
"...eu, com efeito porei sobre vós o terror, a tuberculose e a febre ardente, que
consumirão os vossos olhos e farão definhar a vida; em vão semeareis a vossa
semente, pois os vossos inimigos a comerão. Porei o meu rosto contra vós, e
caireis diante de vossos inimigos; os que vos odiarem dominarão sobre vós, e
fugireis sem que ninguém vos persiga" (Lv 26,16-17).
"Se nem ainda com isto me ouvirdes, prosseguirei em castigar-vos sete vezes
mais, por causa dos vossos pecados. Pois quebrarei a soberba do vosso poder, e
vos farei o céu como ferro e a terra como bronze. Em vão se gastará a vossa
força, porquanto a vossa terra não dará o seu produto, nem as árvores da terra
darão os seus frutos" (Lv 26,18-20).
"Se nem ainda com isto me ouvirdes, prosseguirei em castigar-vos sete vezes
mais, por causa dos vossos pecados" - esta frase mostra o caráter
pedagógico da conversão que Iahweh lhes imporá "sete vezes", até a
exaustão em que "quebrarei a soberba do vosso poder" (o vosso orgulho). A
terra nada produzirá por causa do calor excessivo e a seca decorrente.
"Se nem ainda com isto me ouvirdes, mas continuardes a andar contrariamente
para comigo, também eu andarei contrariamente para convosco com furor; e
vos castigarei sete vezes mais, por causa dos vossos pecados. E comereis a
carne de vossos filhos e a carne de vossas filhas. Destruirei os vossos lugares
altos, derrubarei as vossas imagens do sol, e lançarei os vossos cadáveres sobre
os destroços dos vossos ídolos; e a minha alma vos abominará. Reduzirei as
vossas cidades a deserto, e assolarei os vossos santuários, e não cheirarei o
vosso cheiro suave. Assolarei a terra, e sobre ela pasmarão os vossos inimigos
que nela habitam. Espalhar-vos-ei por entre as nações e, desembainhando a
espada, vos perseguirei; a vossa terra será assolada, e as vossas cidades se
tornarão em deserto" (Lv 26,27-33).
A devastação será de tal envergadura que não mais se conterá nem o amor
natural pelo filhos em busca da própria sobrevivência, em que o instinto de
conservação da espécie vai falar mais alto a ponto de "comereis a carne de
vossos filhos e a carne de vossas filhas", o que acontecia às vezes naquele
tempo, pela crueldade dos cercos militares de conquista (cfr. 2Rs 6,28-29; Jr
19,9; Lm 2,20; 4,10; Ez 5,10). Outra conseqüência de envergadura da
"maldição" que atingiria os idólatras, além da destruição dos lugares de culto,
seria a privação da sepultura (Jr 14,10-13; Jr 22,18-19; Tb 4,3s), o que era
considerado uma irreparável tragédia, ficando os mortos expostos ao relento
tal e qual as imagens ou ídolos destruídos, igualando-os. Os lugares altos de
culto eram usados antigamente eis que quanto mais alto se ficasse mais perto
dos céus estar-se-ia. Ali erguiam-se as várias imagens ou ídolos,
mencionando-se aqui especificamente uma imagem do "Deus - Sol", que
deveria ser uma das idolatrias de então.
"Então a terra repousará nos seus sábados, todos os dias da sua desolação, e vós
estareis na terra dos vossos inimigos; nesse tempo a terra descansará, e
repousará nos seus sábados. Por todos os dias da desolação descansará, pelos
dias que não descansou nos vossos sábados, quando nela habitáveis. E, quanto
aos sobreviventes, eu lhes infundirei pavor no coração nas terras dos seus
inimigos; e o ruído de uma folha agitada os porá em fuga; fugirão como quem
foge da espada, e cairão sem que ninguém os persiga. E, embora não haja quem
os persiga, tropeçarão uns sobre os outros como diante da espada; e não
podereis resistir aos vossos inimigos. Assim perecereis entre as nações, e a
terra dos vossos inimigos vos devorará; e os que de vós ficarem apodrecerão
pela sua iniqüidade nas terras dos vossos inimigos, como também pela
iniqüidade de seus pais" (Lv 26,34-39).
"Disse mais Iahweh a Moisés: Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando
alguém fizer a Iahweh um voto especial que envolva pessoas, o voto será
cumprido segundo a tua avaliação das pessoas. Se for de um homem, desde a
idade de vinte até sessenta anos, a tua avaliação será de cinqüenta siclos de
prata, segundo o siclo do santuário. Se for mulher, a tua avaliação será de trinta
siclos. Se for de cinco anos até vinte, a tua avaliação do homem será de vinte
siclos, e da mulher dez siclos. Se for de um mês até cinco anos, a tua avaliação
do homem será de cinco siclos de prata, e da mulher três siclos de prata. Se for
de sessenta anos para cima, a tua avaliação do homem será de quinze siclos, e
da mulher dez siclos. Mas, se for mais pobre do que a tua avaliação, será
apresentado perante o sacerdote, que o avaliará conforme as posses daquele
que tiver feito o voto" (Lv 27,1-8).
"Ela, pois, com amargura de coração, orou a Iahweh, e chorou muito, e fez um
voto, dizendo: Iahweh dos exércitos! se atentares para a aflição da tua serva, e
de mim te lembrares, e da tua serva não te esqueceres, mas lhe deres um filho
varão, a Iahweh o darei por todos os dias da sua vida, e pela sua cabeça
não passará navalha" (1Sm 1,10-11).
"Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo e me guardar neste
caminho que vou seguindo, e me der pão para comer e vestes para vestir, de
modo que eu volte em paz à casa de meu pai, e se Iahweh for o meu Deus,
então esta pedra que tenho posto como coluna será casa de Deus; e de tudo
quanto me deres, certamente te darei o dízimo" (Gn 28,20-22 / Gn 31,13).
"Se for animal dos que se oferecem em oferta a Iahweh, tudo quanto der dele a
Iahweh será santo. Não o mudará, nem o trocará, bom por mau, ou mau por
bom; mas se de qualquer maneira trocar animal por animal, tanto um como o
outro será santo. Se for algum animal imundo, dos que não se oferecem em
oferta a Iahweh, apresentará o animal diante do sacerdote; e o sacerdote o
avaliará, seja bom ou seja mau; segundo tu, sacerdote, o avaliares, assim será.
Mas, se o homem, com efeito, quiser resgatá-lo, acrescentará a quinta parte
sobre a tua avaliação" (Lv 27,9-13)
Também não pode ser vendido ou resgatado o que for objeto de consagração
por interdito a Iahweh, de que nada era reservado para o ofertante que dava
tudo a Iahweh, irrevogavelmente, de forma pacífica ou na guerra . "...toda
coisa consagrada será santíssima a Iahweh" (Lv 27,28) - por essa fórmula
se percebe que o princípio dessa operação era religioso, e era santíssimo
por ter sido subtraído ao profano, não podendo ser resgatado, tal como não se
comiam as oferendas dos holocaustos, contaminadas pelo pecado. Assim,
não se resgata o que se denomina aqui de interdito ou anátema, que são
tanto os despojos ou as prendas advindas dos inimigos e eles mesmos,
conquistados ou destroçados por Israel, contaminados pela idolatria (Dt 20,10-
20), como as pessoas ou bens que alguém oferece a Iahweh em caráter
solene e irrevogável. É que, entre os compromissos da Aliança, há a "Missão
de Israel", várias vezes ratificada (cfr. Ex 34,13; Lv 18,3.24-30; Nm 33,52; Dt
7,5; 12,3.29-31):
"...não adorarás os seus deuses, nem lhes prestarás culto, imitando seus
costumes. Ao contrário derrubarás e quebrarás as suas colunas. Servireis a
Iahweh o vosso Deus (...) Não farás aliança com eles nem com seus deuses. ..."
(Ex 23,23-33 / Nm 33,50-56 / Dt 12,1-3) / "Quando Iahweh teu Deus te houver
introduzido na terra a que vais a fim de possuí-la, e tiver lançado fora de diante
de ti muitas nações, (...) e quando Iahweh o teu Deus as tiver entregue em tuas
mãos, e as ferires, totalmente as destruirás; não farás com elas aliança alguma,
nem terás piedade delas..." (Dt 7,1-2)
Com base nela, tal como se elaborou as leis atinentes ao "puro e impuro",
para se evitar principalmente as práticas dos pagãos que os rodeavam (Os
9,3; Ez 4,13; Tb 1,10-12; Dn 1,8-12; Jdt 12,2-4; Lv 18,2-5) é que se institui o
interdito ou anátema, principalmente na Guerra contra pagãos:
Dois anos e dois meses depois da saída do Egito, ainda no Deserto do Sinai e
antes da partida, algumas providências são tomadas em preparo para a
Conquista e a posse da Terra Prometida:
O primeiro passo foi uma organização militar com todos os homens aptos para
a guerra, tirados das várias tribos dos Filhos de Israel:
Pelo que vem narrado em seguida observa-se facilmente que era essa a
disposição das tribos de Israel em torno do tabernáculo: no centro a tribo de
Levi, contornando-o e protegendo-o diretamente, sabendo-se já que eram os
transportadores do Santuário desmontado, ficando as demais tribos chefiadas
pelos representantes escolhidos (Nm 1,4-16 / 2,1-34) acampadas ao redor:
"Mas os levitas, segundo a tribo de seus pais, não foram contados entre eles;
porque Iahweh dissera a Moisés: 'Não recensearás a tribo de Levi, nem a
contarás entre os filhos de Israel; mas incumbe-os de cuidar do tabernáculo
do testemunho, de todos os seus móveis, e de tudo o que lhe pertence. Eles
levarão o tabernáculo e todos os seus móveis, exercerão nele o seu ministério e
acamparão ao seu redor. Quando o tabernáculo houver de partir, os levitas o
desarmarão; e quando o tabernáculo se houver de assentar, os levitas o
armarão; e o estranho que dele se aproximar será morto. Os filhos de Israel
acamparão, cada um no seu acampamento, e cada um junto ao seu estandarte,
segundo os seus regimentos. Mas os levitas acamparão ao redor do
tabernáculo do testemunho, para que não se manifeste a Ira contra a
congregação dos filhos de Israel. E os levitas terão a seu cuidado a guarda
do tabernáculo do testemunho." (Nm 1,47-53).
"Então partirá a tenda da reunião com o quartel dos levitas no meio dos demais
quartéis. Marcharão na mesma ordem em que acamparem, cada um em seu
lugar e sob as suas insígnias." (Nm 2,17).
A escolha da Tribo de Levi para a guarda do Tabernáculo não pode ter outro
motivo que a defesa de Iahweh, por ocasião da episódio do "Bezerro de Ouro"
(Ex 32), quando demonstraram sua coragem e bravura, podo fim à sedição
ensejada. Ao ocidente Efraim, Manassés e Benjamim, os filhos de Raquel,
com os seus comandantes Elisão, Gamaliel e Abidã, respectivamente (Nm
2,18-24). No lado norte estariam acampados ou em marcha as tribos de Dã,
com o comandante Aiezer, de Aser com Fegiel e a de Neftali com a chefia de
Aíra, que "entrarão em marcha por último" (Nm 2,25-31). Ficava assim
estabelecida a formação do exército de Israel, que nessa disposição acampar-
se-ia e movimentar-se-ia, em obediência a Iahweh (Nm 2,1-33):
"Então disse Iahweh a Moisés: Faze chegar a tribo de Levi, e põe-na diante de
Aarão, o sacerdote, para que o sirva; eles cuidarão do que é necessário a ele e a
toda a comunidade, diante da tenda da reunião, fazendo o serviço do
tabernáculo. Cuidarão de todos os utensílios da tenda da reunião, e zelarão pelo
cumprimento dos deveres dos filhos de Israel, fazendo o serviço da habitação.
Darás, pois, os levitas a Aarão e a seus filhos; como oblatos ser-lhe-ão
dedicados pelos filhos de Israel. Mas a Aarão e a seus filhos ordenarás que
desempenhem o seu sacerdócio mas todo estranho que se aproximar será
morto. Disse mais Iahweh a Moisés: Eu, eu mesmo tomei os levitas do meio
dos filhos de Israel, em lugar de todos os primogênitos, que abrem o útero
materno, entre os filhos de Israel; e os levitas serão meus, porque todos os
primogênitos são meus. No dia em que feri a todos os primogênitos na
terra do Egito, consagrei para mim todos os primogênitos em Israel, tanto
dos homens como dos animais. Eles me pertencem, eu sou Iahweh" (Nm
3,5-13).
"Todos os que foram recenseados dos levitas, aos quais contaram Moisés e
Aarão e os príncipes de Israel, segundo as suas famílias, segundo as casas
patriarcais, da idade de trinta anos para cima até os cinqüenta, todos os que
estavam no serviço do ministério do tabernáculo e do transporte da tenda da
reunião, os que deles foram contados eram oito mil quinhentos e oitenta.
Conforme o mandado de Iahweh a Moisés foram recenseados, cada qual
segundo o seu serviço, e segundo o seu cargo; assim foram recenseados como
Iahweh lhe ordenara" (Nm 4,46-49).
Distribuída a função de cada uma das tribos e das respectivas famílias, antes
da partida para a Guerra Santa de Conquista, impunha-se uma "purificação
geral". Não poderia participar do acampamento nada que não fosse "sagrado",
por assim dizer o "puro", "santo", em condições de estar na Habitação de
Iahweh, o Santuário:
"Disse mais Iahweh a Moisés: 'Ordena aos filhos de Israel que lancem para
fora do acampamento todo leproso, e todo o que padece fluxo, e a todo o
que está imundo por ter tocado num morto; tanto homem como mulher os
lançareis para fora do acampamento. Dessa maneira não contaminarão o seu
acampamento, no meio do qual eu habito'. Assim fizeram os filhos de Israel,
lançando-os fora do acampamento. Como Iahweh falara a Moisés, assim
fizeram os filhos de Israel" (Nm 5,1-4).
Parte então Moisés para uma "purificação mais ampla", indispensável em face
das normas impostas pela Aliança, pelo que alia-se à "pureza legal", a "pureza
moral", a conduta ou comportamento quanto ao "próximo", tratadas com a
mesma seriedade quanto à Santificação que se exigia (Lv 5,20-26):
"Disse mais Iahweh a Moisés: Dize aos filhos de Israel: Quando homem ou
mulher pecar contra o seu próximo, transgredindo os mandamentos e tornando-
se assim infiel a Iahweh, confessará o pecado cometido por sua culpa e fará a
restituição integral com o acréscimo da quinta parte; e a dará àquele a quem
prejudicou" (Nm 5,5-7).
Aqui se esbarra com uma das práticas que soa como uma preparação para a
equidade e justiça na distribuição da Terra Prometida entre as várias tribos.
Nada recebendo em propriedades a de Levi, separada para o Sacerdócio e
dele devendo viver, ficará com tudo o que for consagrado bem como com as
vítimas dos sacrifícios (cfr. Nm 18,8-32), como se fossem entregues a Iahweh.
Aqui, no caso de não se conseguir restituir ao lesado, entregar-se-á ao
sacerdote:
"Mas, se esse homem não tiver parente chegado, a quem se possa fazer a
restituição pelo dano, esta será feita a Iahweh, e será do sacerdote, além do
carneiro da expiação com que se fizer expiação por ele. Semelhantemente
todas primícias das coisas consagradas dos filhos de Israel, que estes
trouxerem ao sacerdote, será dele. Enfim, as coisas consagradas de cada
um serão do sacerdote; tudo o que alguém lhe der será dele" (Nm 5,8-10).
"Mas, se esse homem não tiver parente chegado, a quem se possa fazer a
restituição pelo dano, esta será feita a Iahweh..." - Aqui aparece o direito
familiar comunitário nos bens (Lv 25,25), inexistindo parentes vivos do morto e
refletindo-se a soberania de Iahweh em toda essa regulamentação. Não tendo
"herdeiros" para se restituir o dano fá-lo-á a Iahweh entregando-o ao
Sacerdote. Também o "carneiro de expiação" pertencerá ao Celebrante do
Sacrifício, na mesma perspectiva e como entrega da "herança" da tribo (Nm
18,8-10), conforme a proporcionalidade da distribuição de propriedades.
"Disse mais Iahweh a Moisés: Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Se a mulher
de alguém se desviar pecando contra ele, e algum homem se deitar com ela,
sendo isso oculto aos olhos de seu marido e conservado encoberto, se ela se
tiver contaminado, e contra ela não houver testemunha, por não ter sido
apanhada em flagrante; se o espírito de ciúmes vier sobre ele (...) e de sua
mulher tiver ciúmes, mesmo que ela não se tenha contaminado; o homem trará
sua mulher perante o sacerdote, e juntamente trará a sua oferta por ela, (...)
oferta comemorativa, que traz a iniqüidade à memória...(...)...Esta é a lei dos
ciúmes, no tocante à mulher que, violando o voto conjugal, se desviar e for
contaminada; ou no tocante ao homem sobre quem vier o espírito de ciúmes, e
se enciumar de sua mulher; ele apresentará a mulher perante Iahweh, e o
sacerdote cumprirá para com ela toda esta lei. Esse homem será livre da
iniqüidade; a mulher, porém, levará sobre si a sua iniqüidade" (Nm 5,11-
15.29-31).
"Disse mais Iahweh a Moisés: Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando
alguém, seja homem ou mulher, fizer o voto de nazireu, a fim de se consagrar a
Iahweh, abster-se-á de vinho e de bebida fermentada; não beberá vinagre de
vinho nem de bebida fermentada, nem suco algum de uvas, nem comerá uvas
frescas nem secas. Durante os dias do seu nazireato não comerá de coisa
alguma da videira desde os caroços até as cascas. Durante os dias do seu voto
de nazireato, navalha não passará sobre a sua cabeça; até que se cumpram os
dias de sua consagração a Iahweh será santo e deixará crescer o cabelo da sua
cabeça. Durante a sua consagração a Iahweh, não se aproximará de um
morto; não se contaminará nem por seu pai, nem por sua mãe, nem por seu
irmão, nem por sua irmã, quando morrerem; porque traz na sua cabeça a
consagração do seu Deus. Durante o tempo do seu nazireato estará consagrado
a Iahweh" (Nm 6,1-8)
"Mas o anjo de Iahweh apareceu à mulher e lhe disse: Eis que és estéril, e
nunca deste à luz; porém conceberás, e terás um filho. Agora pois, toma
cuidado, e não bebas vinho nem bebida fermentada, e não comas nenhuma
coisa impura porque conceberás e terás um filho. Sobre a sua cabeça não
passará navalha, porque o menino será nazireu de Deus desde o ventre de
sua mãe; e ele começara a livrar a Israel das mãos dos filisteus...(...)...
Respondeu o anjo de Iahweh a Manoé: De tudo quanto eu disse à mulher se
absterá ela. De nenhum produto da vinha comerá; não beberá vinho nem
bebida fermentada, nem comerá coisa impura; tudo quanto lhe ordenei
observará" (Jz 3-5.13-14) / "Ela, pois, (...) fez um voto, dizendo: Ó Iahweh dos
exércitos! se deveras atentares para a humilhação da tua serva, e de mim te
lembrares, e da tua serva não te esqueceres, e lhe deres um filho homem, o
consagrarei a Iahweh por todos os dias da sua vida, e pela sua cabeça não
passará navalha" (1Sm 1,10-11) / "... o anjo lhe disse: Não temas, Zacarias;
porque a tua oração foi ouvida, e Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho, e
lhe porás o nome de João; (...) ele será grande diante do Senhor; não beberá
vinho, nem bebida forte; e será cheio do Espírito Santo já desde o ventre de
sua mãe..." (Lc 1,13-15).
"Paulo, tendo ficado ali ainda muitos dias (...) havendo rapado a cabeça em
Cencréia, porque tinha feito um voto" (At 18,18) / "Faze, pois, o que te
vamos dizer: Temos quatro homens que fizeram voto. Toma-os contigo, e
santifica-te com eles, e faze as despesas deles para que rapem a cabeça.
Saberão todos que é falso tudo aquilo que ouviram a teu respeito, mas que
também tu te comportas como cumpridor da lei. (...) Então Paulo, no dia
seguinte, tomando consigo aqueles homens, purificou-se com eles e entrou no
templo, e anunciou a duração dos dias da purificação, quando seria feita a
oferta de cada um deles" (At 21,23-26).
"E dentre vossos filhos suscitei profetas e dentre os vossos jovens nazireus.
Acaso não é isso assim, filhos de Israel? Oráculo de Iahweh. Mas vós fizestes
os nazireus beber vinho, e ordenastes aos profetas: 'Não profetizeis'. Eis
que eu vos esmagarei no lugar como esmaga um carro cheio de feixes. Assim
será impossível a fuga ao ágil, nem ao forte valerá a sua força, nem o valente
salvará a sua vida. E não ficará em pé o arqueiro, nem o corredor se livrará,
nem tampouco se salvará o cavaleiro e o mais corajoso entre os valentes
fugirá nu naquele dia, diz Iahweh" (Am 2,11-16).
Iahweh reclama que Israel fizera "os nazireus beber vinho e impedira os
profetas de profetizar" o que motiva o castigo descrito a ponto de "ser
impossível a fuga ao ágil, nem ao forte valerá a sua força, nem o valente
salvará a sua vida, nem ficará em pé o arqueiro, nem o corredor se
livrará, nem tampouco se salvará o cavaleiro e o mais corajoso entre os
valentes fugirá nu naquele dia, diz Iahweh". Nem poderia ser diferente uma
vez que Iahweh quando "suscitou nazireus", o fez para alguma missão
especial e um verdadeiro testemunho de fidelidade pela austeridade e
penitência de toda uma vida consagrada. Da mesma forma agiam os que
faziam o voto voluntário de duração temporária pelas renúncias e
mortificações que a si mesmos impunham. Assumiam o compromisso solene
de, durante o tempo da consagração:
É essa a Bênção proferida por Aarão quando de sua consagração (Lv 9,22) que aqui
se insere:
"Disse mais Iahweh a Moisés: Fala a Aarão, e a seus filhos, dizendo: Assim abençoareis
os filhos de Israel; dir-lhes-eis:
Assim porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei" (Nm 6,22-27).
Três vezes se repete o nome de Iahweh, numa evocação gloriosa de sua majestade e
poder, que vai jorrar sobre o Povo de Israel em forma de Bênção. Proporcionar-lhe-á
fecundidade e abundância de todos os bens então aspirados de fartas colheitas,
numeroso rebanho e manada, além de feliz e numerosa posteridade. Também para o
Povo de Israel atingir os desígnios a que Iahweh o prepara, tornava-se indispensável a
união entre ambos numa comunhão de vidas a que somente os atributos de Deus
poderia promover com a Bênção. Os próprios pais também tinham este poder de
abençoar em nome de Iahweh como já se viu quando Isaac abençoou Jacó (Gn 27,27-
29), assim como Jacó abençoou José (Gn 49,25-26). As Bênçãos em Nome de Iahweh
continham em germe o teor de toda a fecundidade que por ela se outorgava:
Gn 27,27-29 Gn 49,25-26
"Por esse tempo Iahweh separou a tribo de Levi, para levar a Arca da Aliança de
Iahweh, para estar diante de Iahweh, servindo-o, e para abençoar em seu nome até o
dia de hoje. Pelo que Levi não tem parte nem herança com seus irmãos; Iahweh é a sua
herança, como Iahweh teu Deus lhe disse" (Dt 10,8-9) / "Então se achegarão os
sacerdotes, filhos de Levi; pois Iahweh teu Deus os escolheu para o servirem, e para
abençoarem em nome de Iahweh..." (Dt 21,5) / "Se obedeceres a voz de Iahweh teu
Deus, tendo cuidando de guardar todos os seus mandamentos que eu hoje te ordeno,
Iahweh teu Deus te exaltará acima de todas as nações da terra; e todas estas bênçãos
virão sobre ti e te alcançarão, se ouvires a voz de Iahweh teu Deus: Bendito serás na
cidade, e bendito serás no campo. Bendito o fruto do teu ventre, e o fruto do teu
solo...(...)... E Iahweh te porá como cabeça e não como cauda; e estarás sempre por cima,
e não por baixo; se ouvires os mandamentos de Iahweh teu Deus, que eu hoje te
ordeno guardar e cumprir... (Dt 28,1-14).
"Os príncipes fizeram também oferta para a dedicação do altar, no dia em que
foi ungido; e os príncipes apresentaram as suas ofertas perante o altar. E disse
Iahweh a Moisés: Cada príncipe oferecerá a sua oferta, cada qual no seu dia,
para a dedicação do altar" (Nm 7,10-11).
A cada um dos doze escolhidos caberá a entrega das oferendas, todas elas
iguais, correspondentes à Tribo que representa. Mencionam-se os vários
utensílios para o culto (Ex 25,29; 37,16; 38,3), com quase nenhuma diferença
de narrativa e mudando-se apenas o nome, a descendência e a tribo do
ofertante (Nm 7,12-83):
"No (primeiro, segundo etc.) dia apresentou a sua oferenda (...), filho de (...),
da tribo de (...) que. A sua oferenda foi uma bandeja de prata do peso de cento
e trinta siclos, uma bacia de prata de setenta siclos, segundo o siclo do
santuário; ambas cheias de flor de farinha amassada com azeite, para a
oblação; um vaso de ouro de dez siclos, cheio de incenso; um novilho, um
carneiro, um cordeiro de um ano, para holocausto; um bode para o sacrifício
pelo pecado; e para o sacrifício pacífico dois bois, cinco carneiros, cinco
bodes, cinco cordeiros de um ano; esta foi a oferenda de (...), filho de (...)"
(Nm 7,12-17).
"Quando Moisés entrava na tenda da reunião para falar com Iahweh ouvia a
voz que lhe falava de cima do propiciatório, que está sobre a arca do
testemunho entre os dois querubins; assim ele lhe falava" (Nm 7,89).
Era só Moisés que ouvia a voz de Iahweh, ninguém mais, donde se dizer que
essa informação ´s prestada por ele mesmo, e conforme o que acreditava com
o risco da própria vida. E a sua autoridade continuava sendo tutelada pelo
próprio Iahweh, que sempre o atendia tal como previa o seu servo. Esse
versículo traz à baila a Arca do Testemunho, evocada também nos utensílios
oferecidos pelos príncipes das Tribos de Israel na Dedicação. "Estas foram as
oferendas para a dedicação do altar dos príncipes de Israel, no dia em que foi
ungido: doze bandejas de prata, doze bacias de prata, doze vasos de ouro..."
(Nm 7,84), e ao mencioná-las lembra aqueles da descrição dela a Moisés no
Sinai, para a edificação do Santuário, qual seja:
"O nome de Deus salvador era invocado apenas uma vez por ano, pelo sumo
sacerdote, para expiação dos pecados de Israel, depois de ter aspergido o
propiciatório do 'santo dos santos' com o sangue do sacrifício (cf. Lv16,15-16;
Sir 50,20; Nm 7,89; Hb 9,7). O propiciatório era o lugar da presença de
Deus (cf. Ex 25,22; Lv 16,2; Nm 7,89; Hb 9,5). Quando S. Paulo diz de Jesus
que 'Deus o expôs como instrumento de propiciação, por seu próprio sangue'
(Rm 3,25), quer afirmar que na humanidade d'Ele 'era Deus que em Cristo
reconciliava consigo o mundo' (2Cor 5,19)" (Catecismo da Igreja Católica
n.º 433, negritos inexistentes no original).
Neste ato da purificação dos levitas forma-se uma unidade entre o sacerdócio
e toda a congregação dos Filhos de Israel uma vez que, pela oferta de
movimento ou de apresentação são consagrados a Iahweh, estabelecendo-se
então a comunhão de todos. Iahweh recebe pela imposição das mãos e a
oferta de movimento, feitos por toda a comunidade, o Sacerdócio Levita e o
entrega de volta a Aarão, tratando-se assim os levitas como uma verdadeira e
plena oferenda de um sacrifício (cfr. Lv 1,4 / Ex 29,24-28 / Lv 7,30):
"O povo eleito foi constituído por Deus como "um reino de sacerdotes e uma
nação santa" (Ex 19,6) (cf. Is 61,6). Mas, dentro do povo de Israel, Deus
elegeu uma das doze tribos, a de Levi, separando-a para o serviço litúrgico
(cf. Nm 1,48-53); o próprio Deus é a sua porção da herança (Jos 13,33). Um
rito próprio consagrou as origens do sacerdócio da Antiga Aliança (cf. Ex 29,1-
30; Lv 8). Nele os sacerdotes "são constituídos para intervir em favor dos
homens no que se refere as suas relações com Deus, a fim de oferecer dons
e sacrifícios pelos pecados" (Hb 5,1) (Catecismo da Igreja Católica n.º 1539).
Tal como antes da saída do Egito celebra-se então a Páscoa, no momento antes da
partida para a Conquista da Terra Prometida:
"Iahweh falou a Moisés no deserto de Sinai, no primeiro mês do segundo ano depois
que saíram da terra do Egito, dizendo: 'Celebrem os filhos de Israel a páscoa a seu
tempo determinado. A celebrareis no dia catorze deste mês, no tempo determinado,
ao crepúsculo, segundo todos os seus estatutos, e segundo todos as seus ritos a
celebrareis'. Disse, pois, Moisés aos filhos de Israel que celebrassem a páscoa. Então
celebraram a páscoa no dia catorze do primeiro mês, à tardinha, no deserto de Sinai;
conforme tudo o que Iahweh ordenara a Moisés, assim fizeram os filhos de Israel" (Nm
9,1-5).
Assim, da mesma forma que antes da saída do Egito e após a Páscoa (Ex 12) se dá
a consagração dos primogênitos (Ex 13), também, aqui e agora, com a celebração da
Páscoa (Nm 9,1-3 - no primeiro mês do segundo ano) se dá a consagração dos
levitas (Nm 8,5-26 - em lugar dos primogênitos, após o recenseamento no
segundo mês), repetindo-se o ritual da instituição. No curso da narrativa surgem
alguns casos fortuitos que exigiram de Moisés a regulamentação de maneira geral e
previsível para aplicação atual e futura, demandando dele a habitual "consulta a
Iahweh". É o caso da celebração dela pelo impuro por contato com um morto, ou por
causa do contato profano de longa viagem, ou ainda pelos forasteiros:
"Ora, havia alguns que se achavam imundos por causa de um morto... (...) ...e aqueles
homens disseram-lhes: 'Estamos imundos por causa de um morto; por que seríamos
privados de trazer a oferenda de Iahweh a seu tempo no meio dos filhos de Israel?'
Respondeu-lhes Moisés: 'Esperai, para que eu saiba o que Iahweh ordenará acerca de
vós'. Então disse Iahweh a Moisés: 'Fala aos filhos de Israel, dizendo: Se alguém de
vós, ou dos vossos descendentes estiver imundo por causa de um morto, ou achar-se em
longa viagem, celebrará a páscoa a Iahweh. No segundo mês, no dia: catorze... (...)
...conforme com todo o estatuto da páscoa. Mas o homem que, estando limpo e não se
achando em viagem, deixar de celebrar a páscoa, será extirpado do seu povo;
porquanto não ofereceu a oferenda de Iahweh a seu tempo determinado, levará a
pena do seu pecado. Também se um estrangeiro (...) a celebrará segundo o estatuto e
costumes da páscoa. Haverá um só estatuto, quer para o estrangeiro, quer para o natural
da terra'" (Nm 9,6-14).
Ex 40,33b-38 Nm 9,15-23
"Disse mais Iahweh a Moisés: Faze para ti duas trombetas de prata; de metal
batido as farás, e te servirão para convocares a assembléia e para dar o sinal da
partida dos acampamentos. Quando se tocarem ambas as trombetas, toda a
assembléia se reunirá a ti à porta da tenda da reunião. Mas quando se tocar uma só, a ti
se reunirão os príncipes, os chefes dos milhares de Israel. Quando se tocar retinindo,
partirão os acampamentos da banda do oriente. Mas quando se tocar retinindo, pela
segunda vez, partirão os acampamentos da banda do sul. Tocar-se-á retinindo para as
partidas dos acampamentos, mas sem retinir quando se houver de reunir a
assembléia. Os filhos de Aarão, os sacerdotes, tocarão as trombetas; e isto será para
vós estatuto perpétuo nas vossas gerações. Ora, quando na vossa terra sairdes à
guerra contra o inimigo que vos estiver oprimindo, fareis retinir as trombetas; e
perante Iahweh vosso Deus sereis lembrados e sereis salvos dos vossos inimigos.
Semelhantemente, no dia da vossa alegria, nas vossas festas fixas, e nos princípios
dos vossos meses, tocareis as trombetas sobre os vossos holocaustos, e sobre os
sacrifícios de vossas ofertas pacíficas; e eles vos serão por memorial perante vosso
Deus. Eu sou Iahweh vosso Deus" (Nm 10,1-10).
"..., e os filhos de Israel, gemendo sob o peso da servidão, clamaram; e... o seu clamor
subiu até Deus; Deus 'lembrou'-se de sua Aliança..." (Ex 2,23-25). "Eu vi, eu vi a
miséria do meu povo que está no Egito... Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos
egípcios..." (Ex 3,7-8). "... Iahweh... Este é o meu nome para sempre, e esta será a
minha lembrança (lit.: "memória") de geração em geração" (Ex 3,15).
"As tuas orações e as tuas esmolas subiram em memorial diante de Deus, e ele se
lembrou de ti." (At 10,4). / "Cornélio, tua oração foi ouvida e tuas esmolas foram
rememoradas diante de Deus" (At 10,31).
"Eis o sinal da Aliança que instituo entre mim e vós e todos os seres vivos que estão
convosco, para todas as gerações futuras: porei meu arco na nuvem e ele se tornará um
sinal da aliança entre mim e a terra. (...) Quando o arco estiver na nuvem, eu o verei
e me lembrarei da aliança eterna que há entre Deus e os seres vivos..." (Gn 9,12-
17).
"E ouvi o gemido dos filhos de Israel, aos quais os egípcios escravizavam, e me
lembrei da minha aliança. Portando, dirás aos filhos de Israel: Eu sou Iahweh, e vos
farei sair debaixo das cargas do Egito, vos libertarei da sua servidão... Tomar-vos-ei
por meu povo e serei vosso Deus" (Ex 6,5-7).
Iahweh "se lembrou" da Aliança e libertou os Filhos de Israel. Não é outro sentido que
Jesus quis dar quando usou a mesma terminologia na Instituição da Eucaristia:
"Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite
em que foi traído, tomou pão; e, havendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu
corpo que é por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também,
depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é a nova Aliança em meu sangue;
fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque todas as
vezes que comerdes deste pão e beberdes do cálice estareis anunciando a morte do
Senhor, até que ele venha" (1Cor 11,23-26).
Pode-se então compreender que o memorial da Eucaristia tem essas conotações, a
começar por aquela que reflete a libertação do Egito e, agora, a da escravidão do
pecado, como um ato de extremo amor do Filho Unigênito do Pai. Antes, com o
sangue "derramado" nos portais dos israelitas e, agora, com o "sangue derramado
em favor de muitos", "cumprindo" (Mt 5,17) assim a Nova Aliança. Esse memorial
é a repetição da Morte de Cristo na Cruz, pois "a proclama até que ele venha" (não
se pode proclamar o que não acontece) e "aquele que comer do pão ou beber
do cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor", e
ainda "aquele que come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe a própria
condenação" (1Cor 11,26-28). Não se trata, portanto, de uma simples lembrança do
gesto de Jesus entregando-se à morte, "e morte de Cruz" (Flp 1,8), mas da presença
real do Corpo e do Sangue de Jesus, separados antecipadamente como na Cruz,
pela imolação. Também, "derramado" o sangue, tal como no cerimonial da Páscoa
Judaica; agora, porém, no ritual da Páscoa Cristã, no altar da Mesa da Cerimônia
Eucarística, tal como na Cruz, "em favor de muitos". Não fora assim seria impossível
ser "réu do corpo e do sangue do Senhor", ou "comer e beber a própria condenação".
Assim, pode-se até mesmo concluir que o uso do toque das trombetas também torna
"presente" o vínculo unitivo de Israel com Iahweh, "pelo memorial" da Aliança e os
seus compromissos de fidelidade, formando desde já "...um reino de sacerdotes e
uma nação santa" (Ex 19,6) com o objetivo da Conquista da Terra Prometida,
cumprindo a Promessa a Abrão:
"Ali Iahweh apareceu a Abrão e disse-lhe: 'Eu darei esta terra a tua descendência'"
(Gn 12,7).
NÚMEROS
Segunda Parte
Do Sinai às planícies de Moab
O nome pelo qual este "rolo" era denominado e conhecido em hebraico,
"bemidbhar" = "no deserto", é mais adequado ao seu conteúdo. Entretanto,
não se pode analisá-lo desligado das informações constantes do Êxodo, do
Levítico e mesmo do Deuteronômio. Sem isso, muitas vezes, limitar-se-á a um
desconexo amontoado de fatos e regulamentações, além de isolados do
contexto bíblico. Principalmente, ao se considerar que o apreciável tempo de
quarenta anos de peregrinação no deserto deveria propiciar uma narrativa
mais abrangente. Como ao tempo de sua composição não havia essa divisão
atual em livros, a Bíblia toda era um só "rolo". O uso no cotidiano forçou a se
repartir em cinco rolos, que se tornaram os cinco livros iniciais. Ocorre então
que, em virtude dessa divisão, muitas vezes, a um dos livros falta unidade de
assunto e abordagem, quando não se considera o complemento dos demais.
Por isso, somente quando se leva em conta a cultura dos Israelitas de então,
se consegue vislumbrar alguma ordem e compreender o seu sentido. Ideal
para a análise deste livro de Números é fazer uma divisão que facilite as
conclusões ou ofereça alguma ordem de temas, e favoreça uma compreensão
coerente com toda a Escritura. Não se trata de uma divisão lógica e
concatenada, mas apenas de uma ordem pedagógica, e mesmo geográfica,
apresentando-se aspectos narrativos e legislativos, que se oferecem aqui e
acolá, dispersos pelo tempo de peregrinação no deserto. Principalmente
algumas modificações e aperfeiçoamentos, ou novas instituições de estruturas
cultuais ou disciplinares, que mostram a predominância do objetivo religioso
da exposição.
O Povo dos Filhos de Israel tornou-se uma nação organizada com suas
próprias leis e costumes, codificados na Escritura Sagrada, a "Torah". Tem
ainda o culto a Iahweh, o seu Deus e Senhor, a quem serve, e com quem se
uniu por uma Aliança perene. O próprio Iahweh "habita entre eles", no
Santuário que mandou edificar, onde é mediado por um Sacerdócio por Ele
mesmo constituído, verdadeiro ponto de união do Israelita ao seu Deus.
"No segundo ano, no segundo mês, aos vinte do mês, a nuvem se elevou sobre
o tabernáculo da congregação. Partiram, pois, os filhos de Israel do deserto de
Sinai para as suas etapas, e a nuvem parou no deserto de Faran. Assim
iniciaram a primeira caminhada, à ordem de Iahweh por intermédio de
Moisés: partiu primeiro o estandarte do acampamento dos filhos de Judá (...)
o dos filhos de Issacar (...) e o dos filhos de Zabulon (...) Então o tabernáculo
foi desarmado, e os filhos de Gérson e os filhos de Merari partiram,
levando o tabernáculo. Depois partiu o estandarte do acampamento de Rúben
(...) o da tribo dos filhos de Simeão (...) o da tribo dos filhos de Gad (...) Então
partiram os caatitas, levando o santuário; e erigiu-se o tabernáculo antes da
chegada deles. Depois partiu o estandarte do acampamento dos filhos de
Efraim (...) o da tribo dos filhos de Manassés (...) e o da tribo dos filhos de
Benjamim (...) Partiu o estandarte do acampamento dos filhos de Dã, que era a
retaguarda de todos os acampamentos (...) o da tribo dos filhos de Aser (...) e o
da tribo dos filhos de Neftali (...) Tal era a ordem de partida dos filhos de
Israel segundo os seus exércitos, quando partiam" (Nm 10,11-28).
É bom aqui observar uma maneira de narrar muito usada nas Escrituras. Por
primeiro se apresenta uma espécie de título (p. ex.: "...no segundo ano, no
segundo mês, aos vinte do mês, a nuvem se alçou de sobre o tabernáculo da
congregação e os filhos de Israel partiram do deserto de Sinai por etapas...")
seguido imediatamente da conclusão do assunto ("...a nuvem parou no
deserto de Faran"). Depois é que se apresentam os detalhes intermediários e
se mencionam os locais Tabera, Cibrote-ataava, Haserot, por onde o povo
passou, antes do deserto de Faran ser atingido:
"Assim Maria esteve fechada fora do acampamento por sete dias; e o povo não
partiu, enquanto Maria não se recolheu de novo. Mas depois o povo partiu de
Haserot, e acampou no deserto de Faran" (Nm 11,2-3.33-35 / Nm 12,15-16).
"Disse então Moisés a Hobab, filho de Raguel, o seu sogro madianita: Partimos
para aquele lugar que Iahweh disse: 'Eu vo-lo darei. Vem conosco, e te será
bom; porque Iahweh prometeu boas coisas acerca de Israel'. Respondeu ele:
'Não irei; antes irei à minha terra e à minha parentela'. Tornou-lhe Moisés:
'Ora, não nos deixes, eis que conheces os lugares onde podemos acampar no
deserto; serás os nossos olhos. Se, pois, vieres conosco, o bem que Iahweh
nos fizer, também nós faremos a ti'. Assim partiram do monte de Iahweh
caminho de três dias; e a Arca da Aliança de Iahweh ia adiante deles
buscando-lhes um lugar de descanso. A Nuvem de Iahweh ia por cima
deles durante o dia, quando partiam do acampamento" (Nm 10,29-34).
"...Moisés era homem muito manso, mais do que todos os homens que havia
sobre a terra" (Nm 12,3).
Ocorreu grande mudança nas condições de vida do povo em geral, que troca
uma situação definida, sedentária, a ela conformado e culturalmente aceita,
por outra nômade e incerta. A passagem abrupta para uma vida assim, com
as famílias, homens, mulheres e crianças, em terras estranhas, inóspitas e
desertas, o mais das vezes ao relento e no desconforto das barracas, não lhe
é fácil pela insegurança ensejada. Vários acontecimentos surgem desde a
saída do Egito, com um colorido novo, agigantado por desencontros de
proporções então graves. Além disso, mais graves ainda se tornam pelas
conseqüências que poder-lhe-iam advir ao se fixar na Terra Prometida:
"O povo se tornou queixoso, falando do que lhe era amargo aos ouvidos de
Iahweh; Iahweh ouviu e acendeu-se a sua ira. O fogo de Iahweh irrompeu entre
eles e devorou as extremidades do acampamento. Então o povo clamou a
Moisés, e Moisés orou a Iahweh, e o fogo se apagou. Pelo que se chamou
aquele lugar Tabera, porque o fogo de Iahweh se acendera entre eles" (Nm
11,1-3).
"O povo se tornou queixoso, falando do que lhe era amargo aos ouvidos de
Iahweh; Iahweh ouviu e acendeu-se a sua ira" - ofensivamente colocaram-se
contra Iahweh, que reage. Quando se lêem as Escrituras, não se pode perder
de vista a necessidade de se separar na narração a opinião do narrador e a
sua cultura, mescladas as mais das vezes até mesmo com uma presumida
vontade de Deus. Na mentalidade Israelita de então, tudo o que acontecia
tinha por origem e centro os desígnios de Iahweh, mesmo provocando os
piores fatos e até as piores calamidades, tal como acima narrado, de que
"Iahweh ouviu e acendeu-se a sua ira; o fogo de Iahweh irrompeu entre eles,
e devorou as extremidades do acampamento". Um exame mais atento vai
demonstrar que, ao lado de tudo isso, está embutido na narrativa o que
realmente aconteceu. Aqui também os fatos são narrados na forma já
mencionada de se completar numa frase o assunto abordado, antes das suas
minúcias em seguida:
"Ora, a turba que estava no meio deles teve grande cobiça; e os próprios
filhos de Israel também se puseram a chorar, e disseram: Quem nos dará
carne a comer? Lembramo-nos dos peixes que no Egito comíamos de
graça, e dos pepinos, dos melões, das verduras, das cebolas e dos alhos. Mas
agora a nossa vida definha; e nada vemos além deste maná. E era o maná
como a semente do coentro, e a sua aparência como a aparência de bdélio. O
povo espalhava-se e o colhia, e, triturando-o em moinhos ou pisando-o num
pilão, em panelas o cozia, e dele fazia bolos; e o seu sabor era o de pão
amassado com azeite. E, quando o orvalho descia de noite sobre o
acampamento, sobre ele descia também o maná" (Nm 11,4-9).
Destaca o narrador o início de uma sedição dos Israelitas que parece ter por
causa a escassez de alimentos, provocando a recordação do passado.
Dizendo que "lembramo-nos dos peixes que no Egito comíamos de graça, e
dos pepinos, dos melões, das verduras, das cebolas e dos alhos" - fazem uma
grosseira comparação entre a vida anterior e a que suportavam na
peregrinação. Estabelecem um paralelo entre uma falsificada fartura de então
com a escassez alimentar advinda, pelo que "...agora a nossa vida definha;
coisa nenhuma há senão este maná..." Ao trazerem à baila o Egito e
estarem já enfastiados com o Maná (Ex 16,9-35), bem como ao reclamar por
"quem lhes daria carne a comer", evidenciam a rejeição de Iahweh, do "pão
do céu" que lhes deu (Ex 16,4) e de Seu Poder em alimentá-los. Começa
então a se manifestar uma apostasia incipiente, e o início da tentação de
abandonar Iahweh e retornar à idolatria. Pela gravidade da atitude que
ameaçam tomar, demonstram a ocorrência de crise religiosa bem maior do
que a falta de alimentos por que afirmavam passar. Essa apostasia, à qual se
incorporam alguns israelitas, se inicia por incitamento dos pagãos ou
estranhos que acompanharam o povo quando saíram do Egito (Nm 11,4 / Ex
12,38). A receita que completa a descrição do Maná mostra a variedade de
modos que a rotina impunha, quando não dispunham de outra coisa para
comer. Só lhes restava, diziam, aquele semelhante "à semente do coentro, e
a sua aparência como a aparência de bdélio" que "o povo recolhia, e,
triturando-o em moinhos ou pisando-o num pilão, em panelas o cozia, e dele
fazia bolos; e o seu sabor era o de pão amassado com azeite". Não deixa de
ser uma0 situação muito contrastante com a grande quantidade de gado que
trouxeram:
"Subiu com eles uma inumerável multidão de toda sorte de gente, com
rebanhos e manadas, uma grande quantidade de gado" (Ex 12,38 / cfr. Nm
20,8c.11d).
"...ele te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que nem tu
nem teus pais conhecíeis; para te dar a entender que o homem não vive só
de pão, mas de tudo o que sai da boca de Iahweh, disso vive o homem"
"...que no deserto te alimentou com o maná, que teus pais não conheciam; a fim
de te humilhar e te provar, para nos teus últimos dias te fazer bem. E não digas
no teu coração: A minha força, e a fortaleza da minha mão me adquiriram estas
riquezas. Antes te lembrarás de Iahweh teu Deus, porque ele é o que te dá
força para adquirir a prosperidade; a fim de confirmar a sua aliança, que
jurou a teus pais, como hoje se vê" (Dt 8,3.16-18).
"...o homem não vive só de pão, mas de tudo o que sai da boca de
Deus..." com essas mesmas palavras Jesus repetirá essa tentação que os
Israelitas sofreram no deserto e a repelirá. Afasta Satanás que o desafiara a
transformar "as pedras em pão para se alimentar" (Mt 4,1-4), quando, da
mesma forma que eles, "teve fome" (Mt 4,2). Também, quando fez o milagre
da Multiplicação dos Pães, "para alimentar a multidão" (Jo 6,6), os seus
opositores afirmaram que prodígio maior fizera Moisés "ao alimentar todo um
povo no deserto durante quarenta anos". Jesus lhes mostra as diferenças
"Perguntaram-lhe, então: Que sinal, pois, fazes tu, para que o vejamos e
creiamos em ti? Que operas tu? Nossos pais comeram o maná no deserto,
como está escrito: Deu-lhes a comer pão do céu. Respondeu-lhes Jesus: Em
verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do céu; mas
meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu. (...) Eu sou o pão da vida. Vossos pais
comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu,
para que o que dele comer não morra. Eu sou o pão vivo que desceu do céu;
se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu darei pela vida
do mundo é a minha carne" (Jo 6,30-33.48-51).
"Então Moisés ouviu o povo chorar nas suas famílias, cada qual à porta da sua
tenda e a ira de Iahweh inflamou-se fortemente. Moisés sentiu enorme
desgosto e disse a Iahweh: Por que fizeste mal a teu servo, e por que não achei
graça aos teus olhos, pois que me impuseste o encargo de todo este povo?
Porventura fui eu que concebi este povo? Dei-o à luz, para que me dissesses:
'Leva-o em teu regaço, como a ama leva a criança no colo, para a terra que com
juramento prometi a seus pais'? Onde encontrarei carne para dar a todo este
povo que chora diante de mim, dizendo: Dá-nos carne a comer. Sozinho não
posso conduzir todo este povo, porque me é pesado demais. Se tu me hás de
tratar assim, dá-me antes a morte, peço-te, se encontrei graça aos teus olhos;
para eu não ver a minha miséria" (Nm 11,10-15).
"Onde encontrarei carne para dar a todo este povo que chora diante de mim,
dizendo: 'Dá-nos carne a comer'" - Pela reclamação de Moisés a Iahweh,
pode-se afirmar, sem medo de errar, que a situação era grave e se alastrava.
A fome e a revolta eram grandes, necessitando-se de uma solução eficaz e
urgente, que Moisés confessa não estar ao seu alcance ao dizer "concebi eu
porventura este povo? Dei-o à luz, para que me dissesses: 'Leva-o em teu
regaço, como a ama leva a criança no colo...'" - Moisés não está desistindo de
sua missão, apenas entende que a obrigação de alimentar e apaziguar o povo
só poderia ser satisfeita por Iahweh, por estar muito além de sua aptidão.
Chega às raias do desespero, pois o problema escapa ao controle humano, já
que se trata de uma sedição contra o próprio Iahweh, e a solução apresentada
não o convence:
"Então Jesus, levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão vinha ter
com ele, disse a Filipe: Onde compraremos pão, para estes comerem? Mas
dizia isto para o experimentar; pois ele bem sabia o que ia fazer. Respondeu-
lhe Filipe: Duzentos denários de pão não lhes bastam, para que cada um
receba um pouco" (Jo 6,5-7)
"Naqueles dias, havendo de novo uma grande multidão, e não tendo o que
comer, chamou Jesus os discípulos e disse-lhes: Tenho compaixão da
multidão, porque já faz três dias que eles estão comigo, e não têm o que
comer. Se eu os mandar em jejum para suas casas, desfalecerão no caminho; e
alguns deles vieram de longe. E seus discípulos lhe responderam: Donde
poderá alguém satisfazê-los de pão aqui no deserto?" (Mc 8,1-4).
"Duzentos denários de pão não lhes bastam, para que cada um receba um
pouco" (Jo 6,7)
"Donde nos viriam num deserto tantos pães, para saciar tamanha
multidão?" (Mt 15,33)
Matar-se-á para eles quantidade de ovelhas e bois para que lhes bastem?
Se se ajuntassem para eles todos os peixes do mar dariam para saciá-los?"
(Nm 11,22).
"Sozinho não posso conduzir todo este povo, é pesado demais para mim. (...)
Disse então Iahweh a Moisés: 'Reúne setenta anciãos de Israel, que sabes serem
os anciãos e mestres do povo; e os trarás perante a tenda da reunião...'. (...)
Saiu, pois, Moisés, e relatou ao povo as palavras de Iahweh; e reuniu setenta
anciãos do povo e os colocou ao redor da tenda. Iahweh desceu na nuvem e lhe
falou. Tomou do espírito que repousava sobre ele e o colocou nos setenta
anciãos. Quando o espírito repousou sobre eles, profetizaram, porém, nunca
mais o fizeram. Mas no acampamento ficaram dois homens; chamava-se um
Eldad, e o outro Medad; e repousou sobre eles o espírito, porque estavam entre
os inscritos, ainda que não tenham ido à tenda; e profetizavam também. Correu
um jovem e o anunciou a Moisés... Então Josué, filho de Num, que servia a
Moisés desde a juventude, tomou a palavra e disse: "Moisés, meu senhor,
proíbe-os". Moisés, porém, lhe disse: "Tens ciúmes por minha causa? Oxalá
que todo o povo de Iahweh profetizasse, que Iahweh pusesse o seu espírito
sobre eles!" Depois Moisés se recolheu ao acampamento, ele e os anciãos de
Israel" (Nm 11,14-17.24-30).
"Ora, falaram Maria e Aarão contra Moisés por causa da mulher cuchita que
este tomara; porquanto tinha tomado uma mulher cuchita" (Nm 12,1)
Não é assim porém, eis que a mulher de Moisés, aqui qualificada de cuchita
ou cusita, era descendente de Madiã (Ex 2,18), filho de Abraão com Cetura
(Gn 25,1-2). Sendo da mesma origem, não ocorria o motivo para o pretenso
impedimento. Tudo foi ocasionado mais por ciúme ou despeito ou inveja, por
causa de sua estreita ligação com Iahweh, tão bem comprovada e tal como se
nota das próprias palavras que pronunciam e da resposta que tiveram:
"E disseram: Porventura falou Iahweh somente por Moisés? Não falou
também por nós? E Iahweh os ouviu (...) E logo Iahweh disse a Moisés, a
Aarão e a Maria: Saí vós três à tenda da reunião. E saíram eles três. Então
Iahweh desceu em uma coluna de nuvem, e se pôs à porta da tenda; depois
chamou a Aarão e a Maria, e os dois acudiram. Então disse: Ouvi agora as
minhas palavras: se entre vós houver profeta, eu, Iahweh, a ele me farei
conhecer em visão, em sonhos falarei com ele. Mas não é assim com o meu
servo Moisés, que é fiel em toda a minha casa; boca a boca falo com ele,
claramente e não em enigmas; pois ele contempla a forma de Iahweh. Por
que, pois, não temestes falar contra o meu servo, contra Moisés?" (Nm 12,2.4-
8).
"'O Senhor falava com Moisés frente a frente, como quem fala com um amigo"
(Ex 33,11). A oração de Moisés é o tipo da oração contemplativa, graças à
qual o servo de Deus se mantém fiel à sua missão. Moisés "conversa" muitas
vezes e demoradamente com Iahweh, subindo à montanha para O ouvir e Lhe
dirigir súplicas, descendo depois até junto do povo para lhe repetir as palavras
do seu Deus e o guiar. "O mais fiel em toda a minha casa, falo-lhe boca a boca,
claramente" (Nm 12,7-8), porque "Moisés era homem muito humilde, o mais
humilde de todos os homens sobre a face da terra" (Nm 12,3)" (Catecismo da
Igreja Católica n.º 2576; v. tb. ns.º 2575 e 2577, negritos propositais).
"O mais fiel em toda a minha casa, falo-lhe boca a boca, claramente" -
Moisés, inflexível e coerente na sua fé, recebia o que deveria transmitir de
maneira direta, certa, determinada e muito íntima. Essa intimidade era a ponto
de antecipar acontecimentos as mais das vezes comuns, mas de forma
incomum, tal como esse das codornizes. É um fenômeno que sói ocorrer na
região, se bem que imprevisivelmente e nunca em igual volume ao de então
nem com as conseqüências advindas da apostasia (Nm 11,18-20.22-23.31-
33). Então, "...o que colheu menos, colheu dez ômeres..." (Nm 11,32) =
cerca de 3640 litros, uma quantidade bem discutível mesmo para uma família
inteira, e ainda "...deixou cair junto ao acampamento quase a extensão do
caminho de um dia, de um e de outro lado, em volta do arraial, com a
altura de cerca de dois côvados da terra..." (Nm 11,31) - parecendo
medidas muito exageradas e bem maiores do que se conhece. Não é de bom
alvitre aqui discutir a possibilidade ou não de ter isso acontecido. Melhor é
acatar a intenção do narrador em assim destacar a quantidade, enorme e
suficiente, enviada por Iahweh em resposta à sedição, conforme ansiava
Moisés. Isso excita a ira dos irmãos e os conduz também à revolta. Então,
voltando-se ao remate da disputa fraterna, é de se observar que somente
Maria foi alvo do castigo de Iahweh, por não ter respeitado o Seu Servo: "Por
que não temestes falar contra o meu servo, contra Moisés?":
"Então disse Iahweh a Moisés: 'Envia homens que explorem a terra de Canaã,
que darei aos filhos de Israel. De cada tribo patriarcal enviarás um homem, que
seja príncipe entre eles.' Moisés, pois, enviou-os do deserto de Faran, segundo
a ordem de Iahweh e eram todos eles príncipes dentre os filhos de Israel. E
estes são os seus nomes: (... um de cada tribo)... A Oséias, filho de Num,
Moisés chamou Josué" (Nm 13,1-16) / "Iahweh teu Deus te entregou esta
terra; sobe, apodera-te dela, como te falou Iahweh, Deus de teus pais. Não
temas, e não te assustes." Então todos vós vos chegastes a mim, e dissestes:
"Mandemos homens adiante de nós, para que nos explorem a terra, nos
ensinem o caminho pelo qual devemos subir e as cidades a que devemos ir".
Isto me pareceu bem; de modo que dentre vós tomei doze homens, de cada
tribo um homem. Partiram e subindo a montanha chegaram até o vale de Escol
explorando-o" (Dt 1,21-24).
"Enviou-os, pois, Moisés a espiar a terra de Canaã, e disse-lhes: "Subi por aqui
para o Neguebe, e penetrai nas montanhas; e vede a terra, que tal é; e o povo
que nela habita, se é forte ou fraco, se pouco ou muito; que tal é a terra em
que habita, se boa ou má; que tais são as cidades em que habita, se campos
ou fortalezas; e que tal é a terra, se fértil ou estéril; se nela há matas ou
não. Sede corajosos e trazei produtos da terra." Ora, a estação era a das uvas
temporãs. Assim subiram, e espiaram a terra desde o deserto de Sin, até Roob,
na Entrada de Emat. (...) Depois chegaram ao Vale de Escol onde cortaram um
ramo com um cacho de uvas que dois homens transportaram sobre uma vara;
trouxeram também romãs e figos. Chamou-se aquele lugar o Vale de Escol, por
causa do cacho que dali cortaram os filhos de Israel" (Nm 13,17-24).
"Ora, seja-me permitido cantar para o meu bem amado uma canção de amor a
respeito da sua vinha. O meu amado possuía uma vinha num outeiro
fertilíssimo. E, revolvendo-a com enxada e limpando-a das pedras, plantou-a de
excelentes vides, e edificou no meio dela uma torre, e também construiu nela
um lagar; e esperava que desse uvas, mas deu uvas bravas. (...) Pois a vinha do
Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta
das suas delícias; e esperou que exercessem juízo, mas eis aqui derramamento
de sangue; justiça, e eis aqui clamor"
"Naquele dia haverá uma vinha deliciosa; cantai a seu respeito. Eu, Iahweh,
a guardo, e a cada momento a regarei; para que ninguém lhe faça dano, de noite
e de dia a guardarei. (...) Dias virão em que Jacó lançará raízes; Israel
florescerá e brotará; e eles encherão de fruto a face do mundo" (Is 5,1.7 / Is
27,2-6).
Por sua vez, Jesus Cristo usará essa imagem da Vinha várias vezes, para
caracterizar a universalidade da salvação e trazer sua referência ao Reino de
Deus que se inaugurava [(Mt 20,1-8; 21,28-31); (Mt 26,29 e paralelos)]; além
de instituir a Eucaristia com o "fruto da vinha" [e o "Pão" (Lc 22,18.19-20)]:
"Ouvi ainda outra parábola: Havia um homem, proprietário, que plantou uma
vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar, e edificou uma torre;
depois arrendou-a a uns lavradores e ausentou-se do país. E quando chegou o
tempo dos frutos, en