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IJUÍ-RS
2012
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IJUÍ-RS
2012
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ORIENTADORA:
BANCA EXAMINADORA:
RESUMO
A modificação corporal, com frequência cada vez maior entre as mulheres e ao mesmo tempo
enaltecida significativamente pela mídia e pelo contexto social têm se configurado atualmente
um novo modo de expressão para o corpo feminino. Nesse trabalho busco responder aos
questionamentos sobre a imagem do corpo que é buscada através das intervenções cirúrgicas,
e em especial a cirurgia plástica. Investiguei também acerca das razões que levam tantas
mulheres a participar do culto ao corpo, entregando-o aos cirurgiões plásticos. Este trabalho
foi subsidiado teoricamente pela via do referencial psicanalítico, que permite entender como
se dá a constituição do corpo e da imagem do sujeito e quais as questões do universo feminino
se fazem presentes em um processo de modificação corporal, assim como os elementos da
cultura e do social, que influenciam o sujeito.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 05
CONCLUSÃO................................................................................................................... 44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 48
5
INTRODUÇÃO
É importante que uma estudante de Psicologia se aprofunde neste tema, uma vez que
essa ênfase no cuidado centrado no corpo vem aumentando em nossa cultura. Isso
desencadeia problemas em relação à saúde física e psíquica. Além dos riscos físicos de
qualquer operação, na cirurgia plástica, problemas psíquicos podem ser atribuídos ao corpo
físico. Cabe então, aos profissionais da psicologia, se interrogar sobre a cultura de seu tempo
e de outras épocas, o homem com a cultura em que vive, uma vez que a constituição subjetiva
está articulada ao Outro e a sociedade.
7
Portanto, o sujeito constitui sua imagem corporal a partir de suas relações da primeira
infância, de como a mãe delimita seu corpo, ao cuidar de sua higiene e tratando de forma
diferenciada cada parte do corpo de seu bebê. A mãe apresenta a criança a sua imagem
corporal, da qual o sujeito se apropria. É a imagem que passa pelo Outro 3, que neste momento
é encarnado pela mãe.
1
BRASIL, 2002, p.34
2
Sujeito: ser humano submetido às leis da linguagem que o constituem, e que se manifesta de forma privilegiada
nas formações inconsciente (CHEMAMA, 1995, p.208)
3
Outro: lugar onde a psicanálise situa, além do parceiro imaginário, aquilo que, anterior e exterior ao sujeito,
não obstante o determina (CHEMAMA, 1995, p.156) .
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braços, pernas, peso, medidas; entretanto, o corpo é representado pelo sujeito, não sendo este,
o real da carne. A esse respeito, nos esclarecemos:
O esquema corporal é uma realidade de fato, sendo de certa forma nosso viver carnal
no contato com o mundo físico; reporta o corpo atual no espaço à experiência
imediata. Ele pode ser independente da linguagem, é inconsciente, pré-consciente e
consciente. O esquema corporal é, em principio, o mesmo para todos os indivíduos
(aproximadamente da mesma idade, sob o mesmo clima) da espécie humana. A
imagem do corpo, em contrapartida, é peculiar a cada um: está ligada ao sujeito e à
sua história. Ela é especifica de um tipo de relação libidinal. A imagem do corpo é a
síntese viva de nossas experiências. Ela pode ser considerada como a encarnação
simbólica inconsciente do sujeito desejante. A imagem do corpo é, a cada momento,
memória inconsciente de todo o vivido relacional e, ao mesmo tempo, ela é atual,
viva, em situação dinâmica, simultaneamente narcísica e inter-relacional: camuflável
ou atualizável na relação aqui e agora, por qualquer expressão linguareira, desenho,
modelagem, invenção musical, plástica, assim como mímica e gestos. É graças à
nossa imagem do corpo sustentada por – e que se cruza com – nosso esquema
corporal que podemos entrar em comunicação com outrem. (DOLTO, 1984, p.14-
15).
A mãe é trabalhada como função, ou seja, a pessoa que cuida, e não necessariamente a
mãe biológica. O conceito de função é importante, pois remete a alguém ou a várias pessoas
que fazem o papel de mãe, significando o corpo da criança. Antes de a criança nascer os pais
imaginam como será seu corpo, seus olhos, escolhem um nome, imaginam como será sua
personalidade, sua futura profissão, enfim, já há um sujeito que participa da vida familiar.
Esses sentimentos fazem parte de uma gravidez que não é apenas biológica, mas que envolve
os desejos dos pais. A mãe ocupa-se de sua função e aos poucos esses momentos inserem a
criança na linguagem, o que faz um sujeito diferenciar-se de um animal.
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A mãe oferece seu seio à criança, que recebe com extrema satisfação; ela toma o corpo
da criança e cuida-o com carinho e dedicação, do seu pequeno corpo toma os orifícios, seu
xixi, seu cocô. A mãe então, devolve à criança o que cada uma dessas partes significa,
fazendo um papel de espelho, espelho que passa pelo Outro primordial, a mãe.
1.2 O Narcisismo
maneira diferente, pois seus sentimentos amorosos e demandas vêm a partir de lugares
diferentes.
Para a criança esse processo é vivido com extrema angústia, fazendo-se necessário que
ela simbolize a ausência. Isto é possível por meio de brincadeiras. Freud denominou este
processo de „Fort-da‟. Nele a criança joga os objetos que então desaparecem de seu campo de
visão e alguém os devolve; quando a criança volta a ver o objeto, ou em jogos de esconde-
esconde com outras pessoas, que se escondem e voltam a aparecer depois de um tempo. Este
momento é de suma importância para a simbolização da ausência, posto que a criança consiga
perceber que mesmo quando o objeto não pode ser visualizado, ele existe. Disso, aprendemos
que:
Ocorre que nesta criança o Outro operou uma separação que o distanciou de seu
corpo real: sua mãe tomou seu cocô como um presente mas não o reteve; a canção e
a modulação de sua voz fizeram ausência em seus ouvidos; a sustentação fez fatal
em seu equilíbrio; o peito trouxe saudade na sua boca, e assim em cada dobra de seu
corpo. Neste corte, seu corpo passou a residir, como imagem, muito mais no olhar
do outro do que em sua própria acepção (JERUSALINSKI, 1999, p.27).
Esta falta, que é instaurada neste momento, não é uma falta biológica, mas se mostra
necessária à constituição do sujeito faltante, é uma ferida narcísica. Uma vez que o narcisismo
é constituinte do sujeito, no qual, perante a insuficiência de sustentação do bebê a mãe (Outro)
possibilita ser um sujeito à criança. Este momento narcísico é vivido pela dualidade mãe/bebê
com a sustentação do pai. A criança num primeiro momento, encontra-se em lugar de Eu
Ideal, pois é neste momento que os lugares na cadeia familiar se ordenarão, com a instauração
da falta.
O pai é trabalhado como uma função, não estando ligado ao biológico, mas à função
que é apresentada pela mãe, pois é ela que introduz o pai na díade mãe/filho. Função Paterna,
na qual o pai ocupa lugar no registro do real, imaginário e simbólico. O primeiro diz respeito
ao imaginável, pois quando representado já não é no real, é muitas vezes encarnado pelo pai
que convive com a criança, mas não necessariamente o pai biológico. O pai no registro do
imaginário é aquele que suporta as relações entre os semelhantes, que sente temor em certos
momentos e não está ligado à realidade propriamente dita de seu pai, é o pai que a criança
imagina, com demandas e desejos.
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“É aquele com que lidamos o tempo todo. É a ele que se refere, mais comumente, toda
a dialética, a da agressividade, a da identificação, a da idealização pela qual o sujeito tem
acesso à identificação com o pai” (LACAN, 1957, p. 225).
Já o pai no registro simbólico é aquele que instaura a lei, que passa pela linguagem, a
lei simbólica que está para além da mãe, mas que é ela que o apresenta. “Pode materializar-se
sob diversas formas culturais, mas não depende como tal da forma cultural, é uma
necessidade da cadeia significante” (LACAN, 1958, p.187). Este pai não tem uma forma
definida, mas é importante que exista alguém que esteja presente no real para fazer esta
função, para que seja referência à criança.
Freud expõe que o narcisismo faz parte da constituição do sujeito e divide-se em dois
momentos, ou seja, o narcisismo primário e o secundário. O primeiro diz respeito ao tempo da
dualidade mãe/filho, na qual o bebê não tem interesse no mundo externo, a libido é auto-
erótica, pois tem pulsões parciais; é quando o sujeito encontra-se na posição de Eu Ideal, sem
falta, um tempo de completude. É o momento em que o pai se encontra fora dessa relação,
4
Relação fantasmática: representação implicando um ou vários personagens, que coloca em cena um desejo, de
forma mais ou menos disfarçada. (CHEMAMA, 1995, p.70)
5
Em favor da criança, ocorre uma suspensão do funcionamento de todas as aquisições culturais que seu próprio
narcisismo foi forçado a respeitar.
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posto que a mãe ainda não apresentou o filho a seu pai ou ao mundo. Mãe e filho se
completam, o olhar da mãe esta voltado totalmente ao bebê. Citando Freud:
Se prestarmos atenção à atitude dos pais afetuosos para com seus filhos, temos de
reconhecer que ela é uma revivência e reprodução do seu próprio narcisismo, que de
há muito abandonaram... Ela será mais uma vez realmente o centro e o âmago da
criação – „Sua Majestade o Bebê‟ (FREUD, 1914, p.98).
O ego surge com o narcisismo, ele não é natural ao sujeito, pois este constitui
estruturas psíquicas durante seu percurso que são únicas, mas de certo modo universais ao se
pensar em estruturas diferenciadas. São nestes momentos constitutivos que a estrutura
psíquica de um sujeito se define, e estamos trabalhando pensando na constituição de um
sujeito neurótico.
Lacan, em 1949, retoma a obra de Freud e propõe que o conceito de narcisismo seria,
em seu estudo, dividido em três tempos, formulando uma nova teoria denominada “Estádio do
Espelho”. Lacan afirma que “basta compreender o estádio do espelho como uma
identificação” (1949, p.97), não se refere ao espelho propriamente dito, mas sim às pessoas
que fazem espelhamento ao sujeito. Retornando a Lacan: é “a transformação produzida no
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sujeito quando ele assume uma imagem” (LACAN, 1949, p.97), a qual passa pelo Outro, que
será refletida no espelho, para então o sujeito assumir sua imagem.
O Estádio do espelho inaugura o Complexo de Édipo, sendo que o sujeito, com sua
imagem própria constituída, faz sua entrada no social, sendo que a mãe fez função de imago e
a apresentou a seu pai e ao mundo externo. A criança, então, inicia a se relacionar
6
Identificação: processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do
outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro (LAPLANCHE; Pontalis, 1998,
p.226).
7
Imago: Designa uma representação tal como o pai (imago paterna) ou a mãe (imago materna), que se fixa no
inconsciente do sujeito e ulteriormente oriente sua conduta e seu modo de apreensão do outro. (CHEMAMA,
1995, p.105)
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socialmente. Lacan esclarece que este momento tem sua culminância, geralmente aos 18
meses de idade.
O Estádio do Espelho é uma estruturação que vai acompanhar o sujeito a vida inteira,
ou seja, a imagem do corpo é estruturante para a identidade do sujeito, através dela este
realiza sua identidade primordial. O bebê para construir seu espaço, seu corpo, não só deverá
identificar-se com a imagem especular, mas também deverá separar-se dela. Para isto terá que
gerar um espaço e um corpo diferentes do materno.
Esse algo mais, que é preciso que exista, é exatamente a existência, por trás dela, de
toda ordem simbólica de que ela depende, e a qual como está sempre mais ou menos
presente, permite um certo acesso ao objeto de seu desejo, o qual já é um objeto tão
específico, tão marcado pela necessidade instaurada pelo sistema simbólico, que é
absolutamente impensável de outra maneira quanto á sua prevalência. Esse objeto
chama-se falo... (LACAN, 1958, p.189)
O falo é o significante8 do ter, este que diz da satisfação vivida nos primeiros
momentos da criança, quando a falta ainda não estava instaurada. Significa a satisfação que
nunca será alcançada. O falo na realidade é algo que não existe no real, mas é o que mantém o
sujeito vivo, desejante. Os objetos fálicos da cultura são vários, como um corpo bonito, um
8
Significante: elemento do discurso, referível, tanto ao nível consciente como inconsciente, que representa e
determina o sujeito (CHEMAMA, 1995, p.197)
15
trabalho, um carro, uma pessoa, mas sempre referenciando o registro simbólico, no qual o falo
é o significante simbólico do ter, que representa o objeto que traria satisfação.
O menino abandona o Complexo de Édipo quando percebe que pode perder seu pênis,
decorrente do fato de que pensa que as mulheres já possuíram um pênis e o perdeu por algum
motivo, certamente uma punição. Então, de forma narcísica, escolhe permanecer com seu
órgão e ser portador do falo, como seu pai. Nos meninos, há a questão da identificação com o
pai, um pai detentor do falo, da lei, então o menino possui “esse título de virilidade”
(LACAN, 1958, p.202).
Nas meninas o terceiro tempo do Complexo de Édipo ocorre de maneira diferente, ela
não se identifica com o pai, mas com a mãe, que como ela é castrada. Então a menina vai à
busca do falo, “sabe onde ele está, sabe onde deve ir buscá-lo, o que é do pai, e vai em direção
àquele que o tem” (LACAN, 1958, p. 202).
É nessa medida que o terceiro tempo do complexo de Édipo pode ser transposto, isto
é, a etapa da identificação, na qual se trata de o menino se identificar com o pai
como possuidor do pênis, e de a menina reconhecer o homem como aquele que o
possui (1958, p.203).
Posteriormente a menina percebe que seu órgão genital é diferente dos meninos, e
igual ao das outras mulheres, inclusive sua mãe. A menina sente-se inferiorizada e toma sua
mãe como objeto de ódio, por não ter lhe dado um pênis; então se sente incompleta, tomando
o pai como objeto de amor e esperando que este lhe dê um filho. Freud dizia que há, neste
momento constitutivo, um deslizamento que vai do desejo de ter um pênis, para o desejo de
ter um filho de seu pai, que será recalcado no período de latência, assim como as experiências
sexuais vividas na primeira infância.
Depois da passagem pelo Complexo de Édipo, o sujeito passa a buscar este objeto
rompido pela castração, apesar de nunca tê-lo tido, o qual dizia de uma relação de completude
entre mãe e bebê.
O ser humano está sempre na tentativa de resgatar este objeto perdido defrontando-se
com a falta de algo recalcado impossível de se ter, mas que o impulsionará a buscar SER.
Portanto, é a partir de sua relação com a mãe que nasce o sujeito, e é nas relações
familiares que o sujeito castrado constitui-se. Por meio da imago materna, fazendo a relação
entre o mundo interno e externo à criança, é que esta poderá identificar-se no espelho,
juntamente com o Complexo de Édipo, no qual há a entrada de um terceiro na díade, ou seja,
o pai fazendo sua função é o que permite à criança identificar-se com um de seus pais; no
caso a menina irá identificar-se com a mãe, que é do mesmo sexo. Sabe-se que esta
identificação não se resume a este momento, mas o sujeito continua reelaborando por toda a
vida, e o Outro desliza para a cultura.
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Portanto, o corpo é visto com uma história única e inserido na sua cultura, história esta
que segue as demandas sociais e se modifica com o passar do tempo, pois a sociedade está em
constante transformação, e os indivíduos, ao mesmo tempo em que demandam algo da
sociedade, respondem também à demanda social.
A afirmação de Del Priore (2000, p. 13), por exemplo, reforça esse argumento quando
diz que “a história das mulheres passa pela história de seus corpos”. Nesse percurso, um cem
números de rituais, artifícios, truques, adereços, objetos, dentre muitos outros elementos que
implicassem em reiterar certa aparência feminina apenas transformaram-se ao longo das
épocas e das especificidades culturais de cada lugar. Porém, de um modo ou de outro, sempre
nomearam ou renomearam algo muito próprio da mulher.
Isso quer dizer que as associações que envolvem a mulher, sua feminilidade e seu
corpo não são inéditas. Muito pelo contrário, até os dias de hoje são extremamente exploradas
pelos discursos histórico, antropológico, sociológico, médico, ou por qualquer outro, no qual
se queira descrever ou analisar sobre o que é ser mulher. Sem esquecer, sobretudo, o próprio
discurso feminino. Segundo Del Priore (2000, p. 14) “as noções de feminilidade e
corporeidade sempre estiveram, portanto, muito ligadas em nossa cultura”.
9
SANTAELLA, 2004, p.141.
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configuração feminina da imagem do corpo tem uma importante referência. Segundo Mattos
(2003 apud SOUZA, 2007, p.36), aquele discurso com objetivos sanitaristas “criou um
conjunto de prescrições que deveriam orientar e ordenar a vida, nos seus mais variados
aspectos: na cidade, no trabalho, no comércio de alimentos, no domicílio, na família, nos
corpos”.
No higienismo o papel da mulher era preponderante, uma vez que ela era a principal
responsável por colocar em prática todos os preceitos exigidos pelos parâmetros médicos-
sanitaristas do começo do século XX. Estes preceitos afirmavam, implícita e explicitamente,
que as normas e definições de funções, papéis e, principalmente, a sexualidade de homens e
mulheres precisavam se adequar ao desenvolvimento de uma sociedade ideal: moral e
sexualmente voltada para a saúde e o bem-estar da família.
De maneira geral, podemos dizer que os cuidados corporais eram, ao mesmo tempo,
um meio e uma resultante de um modo de vida em que o corpo deveria refletir, por seu
aspecto saudável, uma questão de conduta ética. Nesse espaço a mulher era a representante
maior da moral e dos bons costumes da época, bem como considerada, sob a tutela médica
sanitarista, a agente familiar de higiene social. Estando em suas mãos a manutenção desses
aspectos. Em função disso, a sexualidade feminina nessa época era indissoluvelmente
associada à maternidade e, conseqüentemente, à constituição da família. Segundo Matos
(2003 apud SOUZA, 2007, p. 37),
De fato, na primeira metade do século XX, a beleza, ainda que associada fortemente a
uma dádiva divina, residia preponderantemente no bom funcionamento do aparelho
reprodutor feminino e a saúde do corpo era atrelada significativamente, as questões de
higiene. Segundo Sant‟Anna (1995), assim, nos cuidados corporais, era comum recorrer às
prescrições médicas, sem considerar a devida preocupação para não invadir o campo da moral
duvidosa, no qual os excessos femininos com a beleza significavam um risco.
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Sant‟Anna (1995) diz, ainda, que os cuidados com o corpo incluíam, não mais os
objetivos sanitaristas em si, mas, principalmente, o prazer de se cuidar e escutar as demandas
do próprio corpo, sobremaneira, no ato de embelezar-se. Além disso, afirma a autora que o
desnudamento progressivo do corpo feminino descobriu não apenas suas curvas e formas, mas
fez nascer uma demanda de produtos e atitudes para que ele pudesse aparecer em público
devidamente cuidado e em boa forma.
Entretanto, Del Priore (2000) resume esse contexto, fazendo uma observação sobre o
modo que considera submisso, em relação ao modo como a mulher se volta para seu corpo.
De toda forma, como quer que tenha sido o fato é que ao longo da história do discurso
higienista, a mulher foi sendo conclamada ao olhar seu próprio corpo de uma outra forma:
passa a investi-lo estética e emocionalmente, não mais exclusivamente para o homem ou tão
somente para as questões da maternidade, mas para si mesma.
Assim, ainda que possamos afirmar que os investimentos corporais hoje sejam
avaliados nos espaços públicos e o quanto isso se deve a um desdobramento histórico-cultural
específico, existe uma dimensão importante a se destacar aí. É preciso pensar o modo como o
corpo passa a ser investido pela mulher e para ela mesma, o modo como a mídia interfere na
percepção do corpo feminino e da subjetividade da mulher na contemporaneidade.
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O termo “mídia” refere-se aos meios de comunicação em geral, que atingem a grande
massa, abrigando pois, os grandes veículos com reconhecida influência sobre as pessoas. Está
vinculado aos processos de produção, circulação e recepção de mensagens. Na
contemporaneidade, a mídia engloba os veículos de notícias, o campo da publicidade, a
produção de filmes, novelas e minisséries. Aparece ainda no campo da rede virtual, sobretudo
na internet.
Segundo Betti e Pires (2005, apud LIMA 2009, p.19) a mídia se refere aos meios de
comunicação de massa “em que um número relativamente pequeno de pessoas emite suas
mensagens para um número relativamente grande de pessoas”. Daí a certeza que valores
sociais distintos podem ser e são manipulados por uma minoria, influenciando toda a
sociedade.
Para além da intenção responsável dos produtores, temos as influências contínuas nos
modos de vestir, de se comportar e de se relacionar. Os dramas dos personagens das novelas
oferecem padrões de relacionamento e comportamento. Temos ainda, a questão das
propagandas que, alimentadas pela sociedade de consumo, parecem objetivar uma
manipulação direta das subjetividades. Neste sentido é que podemos afirmar que a mídia é,
atualmente, um dos mais importantes instrumentos sociais, pois seu poder produz esquemas
dominantes de significação e interpretação do mundo, ou seja, a mídia define o conteúdo e a
forma de pensamento e da ação do sujeito.
Desta forma, o modo de viver imposto e seguido pela sociedade acarreta frustrações e
problemáticas. Todos estão sujeitos ao consumo desnecessário motivado pela mídia. Os
modos de subjetivação hoje existentes, partem da equação ser = ter, decorrentes de uma
sociedade que legitima o valor dos bens, da materialidade. Dentro desse novo contexto o
homem, sob cerrado ataque da mídia e do consumismo, é transformado em cidadão
consumidor; seduzido pelas novidades do mercado, ele compra compulsivamente e almeja
adquirir produtos socialmente cobiçados em busca de ser aceito no meio em que vive.
Da mesma forma os sujeitos buscam consumir um modelo de corpo que é exposto pela
mídia. O corpo atualmente passou a ser um valor cultural que integra o indivíduo a um grupo,
e ao mesmo tempo o destaca dos demais. Ou seja, privilegia-se a aparência como um fator
fundamental para o reconhecimento social do indivíduo.
[...] nas mídias, aquilo que dá suporte às ilusões do eu são, sobretudo, as imagens do
corpo, o corpo retificado, fetichizado, modelizado como ideal a ser atingido em
consonância com o cumprimento da promessa de uma felicidade sem máculas. São,
de fato, as representações nas mídias e publicidade que têm o mais profundo efeito
sobre as experiências do corpo. São elas que nos levam a imaginar, a diagramar, a
fantasiar determinadas existências corporais, na forma de sonhar e desejar que
propõem. (p. 125)
Bucci; Kehl (2004) enfatizam que os publicitários perceberam que é possível fazer o
inconsciente do consumidor trabalhar em favor do lucro, ou que o inconsciente não é ético e
nem antiético. Que o inconsciente é amoral e funciona de acordo com a lógica da realização
imediata dos desejos que na verdade não é tão individual como pensamos. Diz que o desejo é
social, que desejamos o que os outros desejam, ou que nos convidam a desejar. Uma imagem
publicitária considerada ideal é a que apela aos desejos inconscientes, ao mesmo tempo em
que se oferece como objeto de satisfação. A imagem determina então, quais são os objetos
imaginários de satisfação do desejo, e assim faz o inconsciente trabalhar para o capital. Mas o
inconsciente nunca encontra toda a satisfação prometida no produto que lhe é oferecido e
nesta operação quem goza10 é o capitalista.
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Gozo: Diferentes relações com a satisfação que um sujeito desejante e falante pode esperar e experimentar, no
uso de um objeto desejado (CHEMAMA, 1995, p.90).
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não significa que o ser humano tenha um estado de satisfação plena, pois o ser humano não é
somente corpo. Existem outras dimensões que estão constantemente se transformando,
evoluindo, modificando. O que é importante hoje, tido como um valor pessoal, amanhã pode
não ser mais. Amanhã pode ser outro totalmente diferente. Evoluímos em todos os sentidos.
Que corpo você está usando ultimamente? Que corpo está representando você no
mercado de trocas imaginárias? Que imagem você tem oferecido ao olhar alheio
para garantir seu lugar no palco das visibilidades em que se transformou o espaço
público no Brasil? (p. 174).
Os autores citados enfatizam que as mensagens que a mídia nos passa nos afetam de
forma sutil, inclusive no campo do trabalho: “fique atento, pois o corpo que você usa e ostenta
vai dizer quem você é. Pode determinar oportunidades de trabalho. Pode significar a chance
de uma rápida ascensão social” (p.174).
Vivemos uma época em que tudo gira em torno da imagem. Segundo Bucci; Kehl
(2004), os mitos, hoje, são muito olhados. “São pura videologia” (p.16). Está sempre
atendendo aos interesses do poder, mas segundo os autores, este poder não é o poder político,
como imaginamos, nem o poder de um grupo. O poder, segundo Debord, citado pelos autores,
“é a supremacia do espetáculo - a nova forma de modo de produção capitalista - sobre todas
as atividades humanas” (p.20). Enfatizam que o capitalismo contemporâneo é um modo de
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produção de imagens. Que no século XIX o objetivo era desmascarar o caráter burguês do
estado, mas, no século XXI, devemos compreender e decifrar os mecanismos pelos quais a
política, a religião, a ciência, a cultura e as formas de representação que convergem para a
imagem, circulam e adquirem existência como imagem, que a tudo subordinam.
O culto ao corpo não é algo novo; no entanto, observa-se que há alguns anos, vem se
tornando um fenômeno crescente, quase um dever para a construção de uma identidade social.
Podemos dizer que se misturou “aos preceitos de higiene e às novas necessidades de conforto;
tornou-se a essência de muitos lazeres”. (CASTRO apud FARIA, 2010, p.02). Encontramos
comprovação para esta citação nas academias, por exemplo, que foram transformadas em
verdadeiros clubes paradisíacos; santuários de beleza, onde há sempre diversão e
encantamento entre pessoas bonitas. Além disso, observamos também uma proliferação de
spas, centros estéticos, clínicas de embelezamento, diferentes tratamentos fisioterápicas e
diversas outras novidades que não param de surgir.
As relações entre imagem, corpo, beleza e cultura tornam-se, assim, um campo cada
vez mais vasto e complexo e que reflete diretamente a sociedade de consumo. Podemos
afirmar que a mídia e, mais especificamente a propaganda, estimula e reforça a prática do
culto ao corpo na sociedade hoje.
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Assim, da mesma forma, o poder que a exibição e glorificação do corpo humano ali
representado passou a assumir na atualidade, é efetivado por meio de diferentes
comportamentos de estimulação, exaltação e excessiva preocupação com a beleza do corpo.
Assim, desenvolve-se uma cultura do narcisismo que encontra no culto ao corpo sua forma de
expressão.
Para Castro (2003, p. 15), o culto ao corpo é “um tipo de relação dos indivíduos com
seus corpos que tem como preocupação básica seu modelamento, a fim de aproximá-lo o mais
possível do padrão de beleza estabelecido”. Padrão esse constituído na difusão de imagens na
mídia e na propaganda, grandes responsáveis que são pela capitalização desse culto ao corpo.
Maria Rita Kehl, em seu artigo Com que corpo eu vou? (2005, p.174) afirma que o
corpo é a primeira condição para que você seja feliz. O corpo-imagem que o indivíduo
apresenta ao espelho da sociedade vai determinar a sua felicidade não por despertar o desejo
27
Fazer-se ser olhado pelo outro é o de que se trata hoje em dia na chamada Sociedade
do Espetáculo, onde para ser, é preciso aparecer. Guy Debord (1997) escreveu, em 1967, o
livro A sociedade do espetáculo, onde cita várias teses que poderiam muito bem ter sido
escritas nos dias de hoje, visto a atualidade das mesmas. Ele afirma, por exemplo, que “a raiz
do espetáculo está no terreno da economia que se tornou abundante, e daí vemos os frutos que
tendem afinal a dominar o mercado espetacular” (p.11). Desta forma, espetáculo está
estreitamente vinculado à economia de mercado, capitalismo tardio. Por isso, quando falamos
de corpo como espetáculo, não há como negligenciar a dimensão de mercadoria e objeto de
consumo que este comporta.
Debord (1997) começa suas teses afirmando que as sociedades nas quais reinam
modernas condições de produção se apresentam como um imenso acúmulo de espetáculos;
tudo que é vivido tornou-se representação. Para ele, essa representação é determinada por um
conjunto de imagens. No entanto, é importante frisar que o espetáculo não é esse conjunto de
imagens. Segundo o autor, o espetáculo é uma relação social entre pessoas, mediada por
imagens; a imagem sendo a própria mediação. É ela que promove o laço social, muito mais do
que o discurso ou a palavra.
O espetáculo é ainda uma visão de mundo. Sendo assim, vários são os exemplos que
poderiam nos confirmar, só para citar um deles, vemos o imenso sucesso brasileiro e mundial
dos reality-shows, onde uma “pessoa comum” é “vigiada”, filmada 24 horas por dia,
28
ganhando fama, status de artista. No entanto, essa fama dura o tempo de sua exposição, o
tempo de vinculação de sua imagem na mídia.
Debord (1997) entende a imagem como aquilo que media as relações sociais. Isso, no
entanto, tem relação, com a produção do capitalismo tardio, que incentiva o indivíduo a obter
mais informações, mais poder, mais saber, e mais prazer, num hedonismo sem limites, onde
quanto mais se tem, mais se quer. Este mesmo capitalismo tardio produz cada vez mais
objetos de consumo, todos prometendo aos consumidores prazer e felicidade eterna. E como
um absoluto de prazer e felicidade é impossível, os consumidores são lançados, pela lógica do
consumo, numa busca infinita e incessante por objetos de consumo e de gozo.
Segundo Loeb (1993), a Cirurgia Plástica brasileira pode ser dividida em três períodos
bem distintos: anterior a 1842; de 1842 até 1940; e posterior a 1940. O critério utilizado está
baseado no número de publicações dos cirurgiões. Não existem documentos que possam
comprovar a existência ou prática da Cirurgia Plástica antes de 1842, apenas suposições de
que era praticada.
11
COSTA, 2004, p.73
30
período até 1928, a especialidade obteve apenas 59 espaças publicações, muitas abordando
queimaduras e rinoplastia.
O professor e cirurgião plástico Ivo Pitanguy (1925) ganhou destaque com o seu
trabalho de Cirurgia Plástica Reparadora em queimados, em 1949, dentro do período
contemporâneo. Foi nessa mesma data que fundou a primeira Clínica de Cirurgia da Mão e de
Cirurgia Plástica no Brasil.
Em 1952, criou na Santa Casa a oitava enfermaria, na qual realiza Cirurgia Plástica até
os dias atuais. Atualmente, o professor-doutor Ivo Pitanguy faz parte do grupo dos cirurgiões
plásticos mais famosos e competentes do mundo, sendo citado inclusive em filmes
internacionais. Por conseqüência, é um dos especialistas mais procurados para treinamentos e
pesquisas diversas, pela sua reconhecida perícia na área. Ainda assim desenvolve trabalhos
junto à Casa de Misericórdia, onde atende, gratuitamente, pacientes carentes do mundo todo.
Realiza tanto a cirurgia reparadora como estética.
Várias técnicas cirúrgicas são aqui desenvolvidas pelo fato de a legislação brasileira
não ser tão rigorosa como a de outros países, por exemplo, da Inglaterra ou dos EUA.
Também há grande procura mundial pelos cirurgiões plásticos brasileiros. Existem pacotes
turísticos internacionais que, entre outras atividades, oferecem a possibilidade de o turista
passar em consulta com um cirurgião plástico brasileiro e, se acertada a cirurgia, fazê-la ainda
em passeio.
Mas afinal, o que é a cirurgia plástica? Segundo Gonçalvez (apud Novaes, 2006,
p.137) podemos ver as seguintes definições de cirurgia plástica: instrumento de autonomia do
indivíduo em relação ao próprio corpo; agir para alcançar felicidade e harmonia; fim do
sofrimento de não possuir o corpo desejado; alívio do sofrimento causado pela auto-
imposição de padrões sociais de aparência; solução dos problemas de baixa auto-estima;
tecnologia a favor das tecnologias do self; alívio para o sofrimento internalizado de não
corresponder às expectativas corporais ideais da sociedade. Estas são afirmações
contraditórias entre si, mas cada uma é, em si, plausível para definir a cirurgia plástica.
Segundo a medicina, de acordo com a sua finalidade, a cirurgia plástica pode ser tanto
reparadora quanto estética.
A Cirurgia Plástica Reparadora tem como objetivo corrigir os mais variados tipos de
lesões, desde aquelas causadas por tumores ou cânceres de pele, como a reconstrução
mamária após a cirurgia de câncer de mama; até mesmo a reparação de defeitos congênitos ou
adquiridos, como seqüelas causadas por acidentes, fratura de ossos da face, queimaduras
graves, e na correção de malformações da face, como o lábio leporino.
As mãos de um cirurgião plástico não se prestam apenas para lidar com a beleza. As
técnicas avançadas desses profissionais são capazes de trazer novas expectativas aos que
sofreram com queimaduras, venceram o câncer, sofreram tentativa de homicídio ou suicídio,
acidentes automobilísticos, entre outros.
De um modo geral, no entanto, não se pode pensar que não há riscos: cuidados
essenciais, como buscar médicos reconhecidos pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
e com registro no Conselho Federal de Medicina, são sempre recomendados. Muitas pessoas
deixam-se levar pelas famosas fotos “antes e depois”, mas não levam em consideração que
cada organismo reage diferentemente a uma intervenção estética tão invasiva.
Além disso, o impacto de um resultado negativo - que sempre deve ser levado em
conta como um risco a ser assumido - pode trazer conseqüências sérias para a própria imagem
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Segundo pesquisa realizada pelo Ibope12, no ano de 2009 foram realizadas no Brasil
645.464 cirurgias plásticas, sendo deste total, 69% estéticas e 31% reparadoras. Entre os 10
tipos de cirurgias plásticas mais feitas em mulheres no Brasil estão:
Outro dado importante a ser destacado é de que no Brasil, de 100 casos de pessoas que
recorrem à cirurgia plástica pelo SUS, 80% delas são submetidas à cirurgias reparadoras e
apenas 20% estéticas. Nos consultórios privados, a realidade é outra, 73% das cirurgias são
com finalidade estética e 23% são cirurgias reparadoras 13.
12
Dados disponíveis em: http://lista10.org/miscelanea/as-10-cirurgias-plasticas-mais-relizadas-em-homens-e-
mulheres-no-brasil/ . Acesso em: 15/10/2011.
13
Dados disponíveis em: http://operacaosorriso.org.br/novo/noticias-a-imprensa/noticias/188-presidente-da-
sociedade-brasileira-de-cirurgia-plastica-regional-sao-paulo-destaca-trabalho-da-osb. Acesso em: 25/10/2011.
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Sabemos que a linguagem tem grande importância para a constituição do sujeito, posto
que as partes do corpo e suas manifestações, não são vistas pela psicanálise de uma maneira
tão simples como o senso-comum as percebe, segundo Levin (1991) é a significação que é
determinada pelo desejo do Outro, que irá transformá-lo em um corpo pulsional.
Para Nasio (1993) Lacan concebe o corpo como falante, não porque ele fala como
poderíamos pensar, „ao pé da letra, mas sim, porque ele só existe se for atravessado pela
ordem do simbólico, ou seja, das palavras, posto que, só há existência de um corpo na medida
em que alguém se certifica dessa existência e passa a falar sobre o mesmo, isto quer dizer, que
ele é composto por elementos significantes.
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É o mapeamento erógeno que faz o corpo ter a certeza de uma presença, e ganhar uma
permanência narcísica, sedimentando então, o traço que desenha a sua forma. O corpo toma
para si a imagem da forma do Outro, e ao mesmo tempo em que essa imagem do Outro é
objeto de identificação, ela demonstra em sua formação, certa instabilidade. Esse processo de
oscilação faz com que o sujeito busque sempre uma imagem que confirme a sua forma.
Portanto, somos dependentes de um Outro, que com o seu olhar nos certifica nossa
existência. Isso nos possibilita pensar que há um desejo de ser olhado pelo Outro,
considerando que, a partir das modificações corporais, pode-se estar buscando provocar nesse
Outro os mais diversos tipos de reação.
Diante disso, percebe-se a todo instante, um exacerbado culto ao corpo, e como diz
Kehl (2004), o corpo que mostramos e exibimos é o que vai nos apresentar diante do olhar do
Outro, portanto, deve estar bem cuidado para que possa agradar esse Outro, o qual
consideramos tão importante. Mas, este olhar também pode ser provocador dos nossos
temores, pois ao mesmo tempo em que pode glorificar e exaltar, ele pode também nos rejeitar,
criticar e menosprezar. Ainda segundo Guimarães,
O olhar que incide sobre o corpo feminino funciona muitas vezes como um veredito
que engendra a experiência subjetiva de ver-se sendo vista como objeto – seja objeto
de encantamento ou objeto de desejo, que pode facilmente resvalar para o valor de
objeto degradado e descartável. (GUIMARÃES, 2000, p.201)
E este olhar de admiração e recriminação do Outro, faz com que o sujeito busque se
adequar aos padrões de beleza, visto que, é dessa forma que ele irá fantasiar a idéia de que
será sempre aceito, e principalmente, terá de volta aquele olhar que foi perdido na sua
infância, do grande Outro materno.
Por exemplo, os sujeitos que transformam o seu corpo, passando muitas vezes por
procedimentos dolorosos, na busca de um ideal narcísico estipulado, gozam a todo o
momento para conseguir atingir este ideal, enchendo seu corpo de traços para que assim
obtenha o objeto (olhar) perdido de volta. Ou seja, buscamos no olhar do Outro aquilo da
infância que está para sempre perdido. Desta forma, a imagem corporal fascina, atrai o outro
para olhar o seu corpo, buscando preencher esse vazio deixado na infância.
corporal. Entra em questão o fato de que, quando as pessoas buscam essas técnicas, elas
fantasiam o fato de que podem alcançar o seu ideal de corpo. Esse corpo da fantasia, que em
um primeiro momento é encarnado como um objeto externo é tomado para si, transformando-
se no corpo do sujeito, sendo que tais modificações nunca vão ser concluídas e sempre estarão
sujeitas a novas adaptações.
As pessoas vão mudando seus corpos, com o intuito de que dessa forma estarão
mudando sua identidade, como se fôssemos o que mostramos, como se o corpo biológico
definisse nosso Eu.
deseja e reconhece é o corpo belo, o que resta à mulher senão reconhecer seu desejo a partir
desse desejo social?
Outro ponto a ser discutido é o fato de que faltam significantes no campo simbólico
que nomeiem o que é ser mulher. Neste caso, a pregnância da imagem toma privilégio,
funcionando como uma tentativa de recobrimento dessa falta (o que é ser mulher). Na
ausência do que a defina como uma mulher no campo simbólico, o sujeito feminino recorre à
mascarada feminina (termo utilizado por Lacan para se referir aos semblantes que portam a
aparência da feminilidade). Através da mascarada feminina, as mulheres desenvolvem
maneirismos, “caras e bocas”, cobrem-se e recobrem-se, despem-se e voltam a se recobrir, no
ritmo vertiginoso da moda dos vestuários e adereços, em constante mutação.
Olhar os detalhes da imagem de outra mulher, traz uma interrogação sobre os detalhes
da sua própria imagem, ou seja, o que ela vê na imagem da outra é o que em sua própria
imagem corresponde a um ponto de falta. Por exemplo, ver a presença do batom na imagem
da outra mulher remete, imediatamente, à ausência do batom na sua própria imagem. O que
está em questão é um ponto de falta que diz respeito a uma falta estrutural. Segundo Cabeda
(2000, p.219)
Quando o sujeito feminino não suporta conviver com essa falta estrutural, poderá vir a
localizar no seu corpo o lugar mesmo onde essa falta se situa. Dentre as modalidades de
inserção da falta no corpo, destacamos duas modalidades extremas: a busca desesperadora de
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um corpo perfeito e o desinteresse pela estética corporal, o qual pode resultar numa
resignação em manter o corpo como um emblema da falta de ser mulher.
A imagem de mulher na cultura confunde-se com a da beleza. Ou seja, ela pode ser
bonita, deve ser bonita, do contrário não será totalmente mulher. A mulher torna-se
responsável pelo seu corpo, suas formas de envelhecimento, e os cuidados consigo mesma
passarão a ser vistos como um dever e responsabilidades seus.
Hoje com essa urgência, o processo antes de se constituir em uma trajetória para se
atingir uma meta, é vivido como obstáculo a ser superado. Por isso, apela-se às intervenções
cirúrgicas, pois o tempo que se espera para a transformação é curto comparando com aquele
que exige certo esforço do sujeito (ex: a malhação).
Tudo isso nos leva a crer que o corpo passou a ocupar um novo lugar em nossa
sociedade, e conseqüentemente em nossa estruturação psíquica, cultivar a beleza, a boa forma
e a saúde apontam para uma nova ideologia que se impõe como um verdadeiro estilo de bem
viver.
trabalho, ser reconhecidas pelo outro. E, para isso, numa conversa sustentada pelo imaginário,
acham que a cirugia estética é uma resposta à dificuldade que têm, dificuldade com o corpo
ou uma parte do corpo, dificuldade na relação com o semelhante.
A autora Kathy Davis (apud Novaes 2006, p.137) tem uma visão diferente da prática
da cirurgia plástica e das razões que levam as mulheres a submeterem-se a essas intervenções.
A autora não utiliza chavões para falar da figura do médico. Também não o vê como o
representante da perversão dos padrões de beleza vigente. Sua compreensão é no sentido de
interpretar a cirurgia plástica como uma escolha feminina, embora dentro de padrões
determinados, as mulheres não são tidas como vítimas submissas; ao contrário, são vistas
como livres para escolher a aparência que bem desejam.
Segundo Amorim (2007) é preciso diferenciar uma demanda legítima de uma demanda
contaminada demais pela fantasia, pela obsessão ou pelo delírio. Esclarece:
O que “chamo demanda contaminada pela fantasia” diz respeito a essas demandas
cirúrgicas que visam, por exemplo, nutrir uma imagem do corpo onde nenhum rastro
do tempo é visível. Materializar essa fantasia pela cirúrgia estética dá concretamente
rostos sem expressão humana, pois o significante não está ali. O que chamo
“demanda contaminada pela obsessão” diz respeito ao paciente que crê que, após a
intervenção cirúrgica, sua agressividade para com o outro vai desaparecer. O que
chamo “demanda contaminada pelo delírio” diz respeito ao paciente que quer mudar
o nariz porque todos na rua o observam (AMORIM, 2007, p. 208).
Outra questão a ser levantada aqui é quanto aos excessos de cirurgias plásticas
realizadas por um sujeito em seu corpo. Pois, ao mesmo tempo em que a plástica pode
embelezar, pode também, se feita em excesso trazer resultados terríveis. Um exemplo é a
socialite naturalizada americana Jocelyn Wildenstein. Para salvar seu casamento, acreditou
que, realizando cirurgias plásticas, seu esposo não a deixaria. O que seria, apenas, uma forma
de continuar com seu matrimônio, tornou-se um vício. A milionária passou a realizar
inúmeras plásticas em seu corpo, gastando mais de dois milhões de Euros em cirurgias.
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Já a mulher que mais fez cirurgia plástica no mundo é Cindy Jackson de 55 anos. É a
recordista do Guiness na categoria “maior número de cirurgias plásticas”. Ela já admitiu que
nunca superou sua obsessão de parecer uma Barbie. Com 21 anos, ela era uma cantora de
punk rock – mas a vontade de parecer uma boneca loira ainda permanecia.
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Com 33 anos, ela recebeu a herança de seu falecido pai e pôde investir em uma
cirurgia plástica – que seria a primeira de muitas. Ela pediu que os médicos deixassem seus
olhos mais “abertos”, depois passou a fazer lipoaspiração e injeções de colágeno.
Ela já fez plástica nos seios, no nariz e remodelou seu maxilar. Suas experiências todas
estão descritas em seus dois livros. Cindy também lançou uma linha de cremes para o rosto e,
depois de alguns anos, voltou a investir em sua carreira como cantora.
Até hoje ela passou por 52 procedimentos, incluindo botox, cirurgias mais complexas
e até mesmo injeção de colágeno nas mãos, para evitar rugas. Estima-se que ela gastou mais
de 100 mil dólares com sua aparência.
Esses dois exemplos demonstram que mudar algo no corpo ainda não é suficiente.
Esse é um processo que nunca termina, pois, depois de conquistar uma modificação já está se
pensando na próxima. É comum escutarmos pessoas que realizaram algum procedimento e
assim percebem a possibilidade de mudança nesta mesma parte do corpo já modificada, como
também passam a perceber outros “defeitos”.
Freud (apud Lacan, 1956-57) fala da busca do objeto perdido, objeto este que
corresponde um estágio avançado da maturação dos instintos, um objeto reencontrado do
primeiro desmame, objeto que foi o ponto de ligação das primeiras satisfações da criança, é
por meio da busca de uma satisfação passada e ultrapassada que o novo objeto é procurado,
instaurado pelo simples fato de repetição. A repetição é sempre procurada, mas nunca
satisfeita, é sempre impossível de saciar.
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CONCLUSÃO
Mas, por outro lado, a extensa literatura sobre o corpo em psicanálise nos possibilitou
andar em nosso primeiro capítulo. Autores, como Freud e Lacan, contribuíram para embasar a
questão da constituição do corpo e da sua imagem, assim como a constituição do sujeito,
através da abordagem de conceitos como Narcisismo, Estádio do Espelho e Complexo de
Édipo. É evidente que outros autores contemporâneos foram igualmente importantes para
discutirmos as questões que nesse sentido, surgiam ao longo deste trabalho.
Mas, durante a escrita desta pesquisa surgiram grandes dificuldades, uma delas era,
como articular a modificação corporal, cirurgia plástica, culto ao corpo e o sujeito feminino?
Foi preciso recortar, delimitar idéias, resumir posicionamentos e admitir que foram deixadas
de fora tantas outras idéias, que poderiam ter sido igualmente importantes e interessantes.
Portanto, aquilo que poderia ter sido acrescentado e discutido, permanece destinado a
possíveis novas investigações; como um mestrado. Neste caso, uma pesquisa de campo seria
fundamental, a coleta e análise de dados serviriam para aprofundarmos mais o assunto.
Assim, como senti a necessidade de aprofundar mais a questões ligadas ao feminino.
Portanto, o corpo é visto com uma história única e inserido na sua cultura, história esta
que segue as demandas sociais e se modifica com o passar do tempo, pois a sociedade está em
constante transformação.
Esses elementos considerados até aqui podem justificar a grande procura pela cirurgia
plástica, em especial a estética. Porém, quando falamos em mulheres que procuram por este
tipo de procedimento, outros fatores podem estar relacionados, principalmente os da ordem da
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As modificações corporais são realizadas para o Outro, aquele do qual supomos que
nos demande alguma coisa, que neste caso pode ser o Outro da cultura, do social. Porém, é
importante destacar que essas modificações nunca vão ser concluídas, e sempre estarão
sujeitas a novas adaptações, pois à medida que o social se transforma, as demandas também se
modificam.
Outra questão que se coloca para o feminino é: O que é ser mulher? Isso porque faltam
significantes que a nomeiem no campo simbólico. Isso faz com que se mantenham num
estado de vigilância constante da imagem, que se projeta do seu corpo e do corpo de outras
mulheres. Ela busca na sua semelhante o traço de feminilidade que lhe falta, e muitas vezes,
faz isso através da cirurgia plástica.
Como podemos perceber, são muitos fatores que podem estar presentes na demanda
pela cirurgia plástica; tanto culturais como subjetivos. Um dos intuitos desta pesquisa era
propiciar uma discussão, que levasse a reflexão sobre esta prática tão atual.
14
CABEDA, S. 2005; NOVAES, J. 2006.
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