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“It may be devil, it may be the Lord, you´re gonna have to serve somebody”
Bob Dylan
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posição simétrica a quem troca” (Dal Poz 2004:156). Ora, o modelo lévi-
straussiano não pode ser reduzido à equivalência nem à simetria (e
talvez mesmo Dal Poz tenha enfatizado desnecessariamente a demanda
da simetria na perspectiva dos trocadores de primas cruzadas, mas isto
já seria assunto para outra ocasião).
Como afirma Fausto, “para Clastres, a lógica do dom é uma lógica
da identidade, enquanto a lógica da guerra é uma lógica da diferença, de
recusa da identificação do um ao outro” (Fausto 1999:260). Mas as refle-
xões de Lévi-Strauss (1949) sobre a troca generalizada evidenciam uma
compreensão do dom como articulador lógico de identidades e diferen-
ças, assim como o artigo “Guerra e comércio entre os índios da América
do Sul” mostra que Lévi-Strauss (1976[1942]) não exclui a presença na
guerra de uma lógica da identidade, muito pelo contrário. A meu ver, é a
partir desta ótica que devemos compreender o fato de que o princípio de
reciprocidade “tem o valor de verdadeiro princípio transcendental no es-
truturalismo, isto é, ele enuncia uma condição geral e a priori de toda
experiência humana, inclusive da guerra” (Fausto 1999:260).
Mas isto não é tudo. Se o princípio lévi-straussiano da reciprocidade
aparece inconscientemente na definição do “Estado” de Clastres (logica-
mente através da dívida e institucionalmente como figura capaz de tribu-
tar), e conscientemente na de “sociedade” (neste caso, não o princípio
exatamente, mas uma interpretação particular que o aproxima excessiva-
mente da igualdade e da simetria), ele surge ainda uma vez em outro
momento decisivo de sua obra, na organização da “esfera política como
exterior à estrutura do grupo” tornando impotente “a região do poder ”
(Clastres 2003a:63); isto porque tanto esta “esfera política” primitiva quanto
a “sociedade” (ou, sempre nas palavras de Clastres, “a estrutura do gru-
po”) definem-se, diferentemente em cada caso, como universos de circu-
lação de bens, mulheres e palavras. No primeiro caso, da “esfera políti-
ca”, esta circulação é uma “não-troca”, ou melhor, para usar termo de
Clastres que revela influência marxista, uma “troca aparente”: “por refe-
rência imediata a estes três tipos de sinais se constitui a esfera política”
(Clastres 2003a:55). Já no segundo caso, “a sociedade” se constituiria,
como vimos, por uma troca igualitária. Em Clastres, o princípio de reci-
procidade determinaria a constituição do termo “sociedade”, mas não
“a relação entre poder e sociedade” (Clastres 2003a:55, ênfase mi-
nha). Esta se caracterizaria pelos fluxos supostamente unidirecionados
(e por isto por ele entendidos como “não-troca”) de bens e palavras da
“região do poder ” para a “sociedade”, e de mulheres da “sociedade”
para aquela:
428 AS SOCIEDADES CONTRA O ESTADO EXISTEM?
[...] uma relação original entre a região do poder e a essência do grupo se desven-
da então aqui: o poder mantém uma relação privilegiada com os elementos cujo
movimento recíproco funda a própria estrutura da sociedade; mas esta relação,
negando-lhes um valor que é de troca no nível do grupo, instaura a esfera política
não apenas como exterior à estrutura do grupo, mas bem mais como negando
esta: o poder é contra o grupo e a recusa da reciprocidade como dimensão ontológica
da sociedade é a recusa da própria sociedade (Clastres 2003a:59).
mais como um nódulo que desvia mulheres, bens e palavras de sua fun-
ção de comunicação, uma vez que a via que cada um destes termos per-
corre, entre o chefe e o grupo, é unidirecionada. Note-se que “a institui-
ção política primitiva” se expressa, neste momento do argumento, mais
no termo da chefia do que na relação entre ela e a “sociedade”; note-se
ainda que não estamos falando da “instituição política” em geral, mas
sim da “primitiva”. Ora, seria mesmo tal via unidirecionada, como quer
Clastres? E caso positivo, um circuito unidirecionado ou unilateral qual-
quer excluiria a reciprocidade? Clastres deriva sua conclusão de unidire-
cionalidade do fato, demonstrado por inúmeras etnografias, de que o
chefe tem o “privilégio” da poliginia (de novo, o termo “privilégio” é de
Clastres 2003a:53;56), mas esta já havia aparecido em uma análise inicial
de Lévi-Strauss da chefia Nambikwara, como “privilégio do chefe” (Lévi-
Strauss 1943:399); na análise da chefia Bororo, Lévi-Strauss fala em “pri-
vilégios sociais” (1936:278) ou “de clãs” (1936:287, como adornos e objetos)
e o “dever” da generosidade e da oração, da palavra. Clastres generaliza
assim, não sem boa base etnográfica a respeito de outros continentes, fatos
ameríndios para uma teoria da “sociedade contra o Estado” ou, até mesmo
como sugiro aqui, desta figura em sua relação com o “Estado”. Insiste em
que não está propondo uma troca de mulheres por bens e palavras, mas
sim uma não-troca, tripla por sinal, de bens, mulheres e palavras, ou
ainda como vimos, uma “ relação aparentemente de troca” (Clastres
2003a:54).
Gostaria de salientar que Clastres dá uma contribuição fundamental
tanto em sua ambição generalizadora como, talvez mais importante, ao
especificar a existência do que denomina “circuitos próprios”, de bens,
mulheres e palavras. O que me parece criticável é a idéia de que a presen-
ça da unidirecionalidade implique ausência de reciprocidade. Minha su-
gestão, já mencionada, desenvolvida alhures (Lanna 1992, 1994, 1995,
1996), é a de substituir a noção de troca pela de circulação de dívidas-
dádivas: importa exatamente a reciprocidade gerada pela unidirecio-
nalidade, por um movimento unilateral, que sempre se acompanha por
movimentos em sentido contrário, ou em sentidos diversos (além de outros
no mesmo sentido do inicial). Assim, por exemplo, a gratidão é um senti-
mento gerado por uma prestação e que em si mesmo já configura recipro-
cidade; ela pode ou não dar origem a uma contraprestação e esta pode ou
não ser material, implicar o recebimento de algo (pessoa, palavra, bem
material ou imaterial ou sinal, como um gesto).
Em um certo sentido, toda circulação é unidirecionada e todas as
prestações e contraprestações, ainda que possam ser mais ou menos ime-
430 AS SOCIEDADES CONTRA O ESTADO EXISTEM?
tenotã mõ; estas sociedades não seriam apenas sem um centro, mas
“pluricêntricas” (Viveiros de Castro 1992:101). Em todos os casos, naque-
les onde há poliginia ou não, seja ela privilégio de chefe(s) ou não, a
análise etnográfica dos casamentos revelaria circuitos (como os da socieda-
de kachin, por exemplo, descritos por E. Leach) regidos pelo princípio de
reciprocidade, sempre assimétrica, desequilibrada. A poliginia do chefe,
4
quando houvesse, seria apenas um momento desse(s) circuito(s) .
Em resumo, aqui haveríamos de recorrer às etnografias. Há casos,
como o dos Cinta-Larga, em que a poligamia é menos privilégio do chefe
do que generalizada entre os homens e até mesmo entre as mulheres
(Dal Poz 2004:155). Para os casos africanos, de Heusch (1987:45) aproxi-
ma os Nuer dos Shilluk como exemplos de “sociedades contra o Estado”,
interpretando o reth dos segundos como “fora do circuito das alianças:
ele não dá suas filhas em casamento; estas têm relações sexuais com
parentes próximos, mas devem permanecer estéreis”. O rei é isolado do
tecido do parentesco por não poder ter nem sobrinhos uterinos nem filhos
de filhas, por não poder se encontrar em posição nem de tio nem de avô
materno. Trata-se aqui de uma circulação diferenciada das filhas do reth,
mas este não deixa de dá-las, ainda que não àqueles de quem recebeu
esposas; como “possui um harém considerável”, está assim dentro do
jogo das alianças, mas este jogo não implica apenas um “circuito”, como
quer de Heusch, e sim vários, que precisariam ser melhor descritos neste
como em tantos outros casos.
De certo modo, ao contrário do que pensa de Heusch, o reth Shilluk
não é tão distinto de outros reis africanos mais sagrados; ele tem seu
privilégio ampliado não só pelo seu direito ao harém como pelo fato de o
5
círculo real Shilluk ter o privilégio do incesto . Aqui há separação entre
as funções guerreira e político-ritual, o reth não indo a combate, mas
tendo o controle da natureza. Já o ambiente bantú se caracterizaria por
diversos tipos de sacralidade do poder e organizações linhageiras, mas
os Tetela do Zaire se aproximariam dos nilóticos, pois “o poder é definido
pela estrutura familiar ” e por noções como a de primogenitura (de Heusch
1987:46). Dádivas do rei alimentam “o circuito dos bens matrimoniais”
(1987:47), mas ainda aqui, apesar de falar em primogênitos com direitos
a pedaços de cada animal caçado e sendo concebidos como “mestres da
terra”, de Heusch não vê capacidade para tributar, pois o primogênito
não tem nunca a função ritual dos adivinhadores/curadores. Ao contrário
das realezas sagradas clássicas, aqui “a separação entre a esfera ritual e
a política é completa, comparável, mutatis mutandis, àquela que opõe o
chefe amazônico ao xamã” (1987:47).
AS SOCIEDADES CONTRA O ESTADO EXISTEM? 433
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Notas
1
Analisaremos a seguir o sentido que Clastres dá ao termo “sociedade”.
2
A pretensão de Lévi-Strauss de fazer análises do político foi gradualmente enfraquecida.
Este enfraquecimento deve ser colocado no contexto de sua experiência no Brasil e envolvimento
com a própria etnologia, tendo dado início a um processo de gradual distanciamento e
relativização do fenômeno da política em geral. Mas logo após ter escrito sobre a chefia
Nambikwara é que este processo se aprofunda e ganha outra importante motivação de cunho
pessoal: Lévi-Strauss vê-se acometido por profunda desilusão consigo mesmo, pouco conheci-
da, talvez porque raramente mencionada por ele mesmo: “Acrescentarei ainda aqui algo que
talvez seja essencial: eu fora pacifista antes da guerra e me enganara; e quando se é tão
gravemente enganado, não há mais do que uma conclusão a tirar: é que não se tem queda
para a política. Não se pensa mais em dar lições” (Lévi-Strauss 1987:1).
3
Como vimos, poderíamos acomodar a tese de Clastres ao reconhecimento de
que o próprio Estado estaria presente nas sociedades primitivas, ainda que sem neces-
sariamente se manifestar ou se desenvolver institucionalmente; esta interpretação
teria a dupla vantagem de excluir a dicotomia com/sem “Estado” e de nos permitir
abandonar a noção de “uma necessidade inerente ao processo” que nos levaria a
“procurar no nível da intencionalidade sociológica o lugar de elaboração do modelo” e
a “postular uma racionalidade inerente a esta escolha” (Clastres 2003a:60, itálico do
original); isto é, excluiríamos um finalismo que leva Clastres (quem diria?) a falar em
escolha racional. Abordaremos com mais vagar, a seguir, a presença neste autor de um
psicologismo funcionalista.
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Clastres afirma que, sendo o cargo hereditário (o que não ocorre em todo o contexto
ameríndio que inspira suas reflexões), o privilégio da poliginia o seria também, e isto supos-
AS SOCIEDADES CONTRA O ESTADO EXISTEM? 445
tamente anularia possíveis efeitos da dádiva das irmãs do jovem chefe. Não vejo como, e a
questão aqui nos remete necessariamente ao estudo etnográfico de caso particular, o que
não posso apresentar aqui, assim como não pôde ser feito por Clastres, tanto pelo desenvol-
vimento dos estudos etnográficos em sua época, muito aquém do atual, como pela sua morte
prematura. Outra (falsa) saída de Clastres para não enfrentar esta questão da retribuição das
mulheres dada ao chefe é afirmar, de novo a partir de uma interpretação das idéias de Lévi-
Strauss que me parece errônea — ainda que corrente na época em que Clastres escrevia —
interpretação esta que privilegiava excessivamente a sincronia: “não é sobre o plano diacrônico
das gerações sucessivas que se desenrola o plano do poder, mas sobre o plano sincrônico da
estrutura do grupo” (Clastres 2003:57).
5
De Heusch fala em “estabelecimento de contra-ordem familiar”; por exemplo,
nas realezas sagradas de Ruanda e da Zwazilândia, “o rei, mestre da ordem social e
cósmica, era autorizado também a ter relações sexuais com as irmãs de linhagem.
Entre os Bugana, os Bunyoro e os Ankole a realeza aparece como uma tríade com-
preendendo o rei, sua mãe e uma meia-irmã”, esta última sendo a esposa principal do
soberano Bunyoro. Entre os matrilineares Kuba, o rei tem relações sexuais com uma
irmã e se casa com uma sobrinha de seu próprio clã, ainda que perca sua filiação clânica
ao ser entronizado (de Heusch 1987:49); aliás, este último rei incestuoso tem a capaci-
dade de se transformar em leopardo para vingar seus inimigos (de Heusch 1987:51).
6
Note-se aqui que, para de Heusch, as realezas divinas seriam casos interme-
diários entre as “sociedades contra o Estado” e o Estado propriamente dito. Já outros
autores, como M. Sahlins (1985), confundem as duas primeiras figuras — erroneamen-
te, se assumirmos a perspectiva do próprio Clastres. Ironicamente, em artigo dedicado
à memória de Clastres, Sahlins (1985) interpreta como “contra o Estado” algumas
sociedades, entre elas as polinésias, explicitamente classificadas pelo primeiro como
“com Estado”. Uma atenuante deste tipo de interpretação é que a identificação entre
incesto real e atos naturais presente nas realezas divinas nos lembra realmente a
exterioridade proposta por Clastres, “revelando na cultura selvagem uma identidade
entre a [suposta] recusa da natureza e a [suposta] recusa do poder”, e concluindo daí
“que a cultura é de uma vez negação de uma e do outro na medida em que apreende
o poder como ressurgência mesmo da natureza” (Richir 1987:63).
7
É neste sentido que o próprio de Heusch cuida de valorizar a análise de J. C. Muller
dos Rukuba da Nigéria central, na qual o regicídio, por exemplo, é tomado em sua dimen-
são social e cosmológica. Nesta sociedade, o chefe é eleito no clã dominante e morre
simbolicamente antes de tomar posse bebendo a cerveja no crânio de um predecessor. Não
haveria descontinuidade alguma entre a região do poder e a aldeia, que se identifica ao
chefe, denominado por Muller “regulador econômico”, distribuidor de excedentes e de
palavras, “que maneja com facilidade e autoridade” (de Heusch 1987:54). Ainda que
recuse o rótulo de evolucionista, de Heusch não explora o fato de que tais transformações
são de ordem lógica antes de serem históricas, sendo tentado a ver esta chefatura como
“estado primitivo da evolução da realeza sagrada” (de Heusch 1987:55). O chefe Rukuba
trabalha com “seus administrados” na agricultura, sua casa é uma unidade de produção
como as outras e sua produção não excede a dos outros agricultores; entretanto, ele tem
“algumas vantagens econômicas” (de Heusch 1987:55), como receber o botim de guerra e
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pedaços de grandes animais caçados, que Muller não interpreta como tributos, ainda que
reconheça que há “prestações que lhe são devidas”, que ele é o “maior consumidor da
aldeia” e que “os Rukuba dizem claramente que os grãos depositados no celeiro do chefe
são dele em primeiro lugar” (citado por de Heusch 1987:56); ora, só assim ele poderia
redistribuir excedentes “de maneira suntuária” (citado por de Heusch 1987:56).
8
Assim como na teoria da gratidão de G. Simmel, que nisto antecede Mauss,
como notou Dal Poz (2004:156;281-282).
9
Clastres tem enorme mérito em sugerir que “o campo da troca matrimonial
pode muito bem ser mais restrito do que o campo da aliança política”, mas foi Viveiros
de Castro (1993) quem posteriormente mostrou, para casos amazônicos em geral, que
se trata não de relação funcional, mas hierárquica entre estruturas e práticas matrimo-
niais e princípios cosmológicos.
10
Cf. Lanna (1994), para uma análise da manifestação do pensamento aqui
rotulado como “liberal” em alguns antropólogos da chamada escola “britânica”, como
B. Malinowski, R. Firth e M. Douglas, entre outros.
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AS SOCIEDADES CONTRA O ESTADO EXISTEM? 447
Resumo Abstract
Este artigo avalia criticamente a contri- This article critically evaluates P. Clastres’s
buição de Pierre Clastres para o entendi- contribution to our understanding of
mento do poder, enfatizando sua noção power, with particular emphasis on his
de “sociedade contra o Estado”. Mostra notion of “society against the State”. It
que a crítica de Clastres a Lévi-Strauss demonstrates that Clastres’s critique of
não exclui uma proposta particular de Lévi-Strauss does not exclude a particu-
atualização daquilo que o primeiro deno- lar understanding of what he calls
mina “troca recíproca” e indica que sua ‘reciprocal exchange’ and also indicates
reflexão depende de uma concepção da the extent to which the author’s reflec-
reciprocidade que a confunde simulta- tions are based on an understanding of
neamente com simetria, equivalência e the notion of reciprocity which mistakes it
igualdade. Mostra ainda que a noção de simultaneously for symmetry, equivalence
“sociedade contra o Estado” não deixa de and equality. The article likewise shows
se fundamentar, em última análise, na pro- that the notion of “society against the
posição de um modo específico de relação State” depends on a specific kind of exch-
de troca entre os termos “sociedade” e ange relationship between ‘society’ and
“Estado”. Esta troca, cuja existência é ‘the State’. The existence of this exchange
negada por Clastres, é implícita e incons- — explicitly denied by Clastres — is at once
cientemente afirmada por ele. implicitly and unconsciously presumed by
Palavras-chave: Pierre Clastres, Estado, him.
Reciprocidade, Claude Lévi-Strauss Key words: Pierre Clastres, State, Reci-
procity, Claude Lévi-Strauss