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Reiner Hildebrandt-Stramann

Marli Hatje
Luciana Erina Palma
Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira

Ijuí
2020
2020, Editora Unijuí
Editor
Rua do Comércio, 3000
Fernando Jaime González
Bairro Universitário
Diretor Administrativo 98700-000 – Ijuí – RS – Brasil
Anderson Konagevski
Capa
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Editora Unijuí da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul editora@unijui.edu.br
(Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
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• Vania Lisa Cossetin

Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí

C976
Currículo modularizado à formação inicial em educa-
ção física [recurso impresso e eletrônico]: uma proposta em
discussão / Reiner Hildebrandt-Stramann ...[et al.]. – Ijuí: Ed.
Unijuí, 2020. – 220 p. -
Formato impresso e digital.
ISBN: 978-65-86074-26-0 (impresso)
ISBN: 978-65-86074-25-3 (digital)
1. Currículo. 2. Educação Física. 3. Pedagogia. 4. Estu-
dantes de Educação Física. I. Hildebrandt-Stramann, Reiner.
CDU: 37:796

Bibliotecário Responsável
Ginamara de Oliveira Lima
CRB10/1204
SUMÁRIO

PREFÁCIO........................................................................ 9

APRESENTAÇÃO................................................................ 13

CAPÍTULO 1
O CURRÍCULO DO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA UNIVERSIDADE
TÉCNICA DE BRAUNSCHWEIG (TU-BS) — ALEMANHA...................... 17
Desenvolvimento histórico.................................................. 17
O desenvolvimento estrutural da formação
de professores de Educação Física......................................... 18
A estrutura curricular do curso de Educação Física da TU-BS.......... 19
A profissionalização na formação universitária
de estudantes de Educação Física.......................................... 20
Os módulos do curso de Educação Física
— etapa Bacharelado......................................................... 22
Os módulos do curso de Educação Física
— etapa do Mestrado......................................................... 24

CAPÍTULO 2
COMPETÊNCIAS PEDAGÓGICAS BÁSICAS PARA ESTUDANTES DE
EDUCAÇÃO FÍSICA............................................................. 31
Competências gerais......................................................... 31
A dimensão da competência de ação
pedagógica de movimento .................................................. 33
A dimensão da competência de ação de ensino.......................... 34
A dimensão da competência de ação esportiva crítica................. 34
A dimensão da competência da ação científica.......................... 35
A dimensão da competência de ação política............................ 35

CAPÍTULO 3
PROPOSTA DE CURRÍCULO MODULARIZADO AO CURSO
DE EDUCAÇÃO FÍSICA LICENCIATURA DO CEFD DA UFSM................. 37
Desenho da proposta curricular modularizada........................... 39
Descrição de módulos ..................................................................................46
Módulo 1 (B e L):
O assunto do estudo — Teorias de Movimentar-se....................... 47
A visão científica natural do movimento............................. 48
A visão fenomenológica do movimento............................... 49
Módulo 2 (B e L): Movimento, educação e inclusão .................... 53
Inclusão por meio de relações de movimento....................... 54
O que é uma relação de movimento e como ela funciona?........ 56
Inclusão no âmbito do raciocínio didático de movimento......... 57
“Juntos solitários”. Referente à desqualificação do desporto
e da Educação Física para processos de inclusão.................... 57
Comunhão bem-sucedida por
“heterogeneidade praticada”.......................................... 59
O que existe de comum nesses exemplos?............................ 62
Princípios para o êxito de relações de movimento................. 63
Conteúdos apropriados para uma didática da
heterogeneidade praticante............................................ 65
Da diferenciação interna à autônoma................................. 65
Da diferença igualitária à igualdade diferente...................... 66
O que significa mais uma vez comunhão bem-sucedida
numa perspectiva fenomenológica corporal?........................ 67
Inclusão, movimento humano e deficiência: diferentes
contextos de aprendizagem e experiências na UFSM............... 68
A formação para a Inclusão no CEFD-UFSM
por intermédio do Naeefa.............................................. 69
Inclusão por meio das relações de movimento:
experiências no Naeefa/CEFD/UFSM.................................. 72
Concluindo... porém não finalizando!!!!............................. 81
Módulo 3 (B e L): Movimento e saúde ..................................... 82
As concepções científicas de saúde.................................... 82
A relação entre salutogênese e movimento.......................... 85
A compreensão de movimento numa definição
de saúde salutogenética................................................. 87
O conceito de uma prática de movimento salutogenético......... 89
Competências que os alunos devem adquirir
neste módulo.............................................................. 97
Módulo 4 (B e L): Movimento e sociedade................................ 98
O esporte como fenômeno social...................................... 99
Análise do sistema de esporte sob a teoria de sistema...........100
Análise do sentido de uma modalidade esportiva:
o atletismo...............................................................102
O jogo com as regras constitutivas da realidade
esportiva no exemplo do correr.......................................106
Módulo 5 (L) — Aprendizagem digital, educação e movimento.......109
Mídias digitais no contexto social e educacional...................109
A controvérsia envolvendo a mídia digital na escola..............111
A mídia digital na formação de estudantes do curso
de Educação Física — Licenciatura....................................114
Mídia digital, educação e movimento nas aulas de Educação
Física no Ensino Fundamental — Campo de
movimento:“Movimentar-se com e sem aparelhos”...............118
A experiência desenvolvida em uma escola alemã.................118
A experiência desenvolvida em uma escola brasileira............130
Reflexões sobre as competências didático-pedagógicas...........144
Reflexões teóricas sobre movimento
e mídias pedagógicas...................................................147
Módulo 5 (B e L): Movimento e desenvolvimento infantil,
juvenil, humano e aprendizagem motora................................153
A concepção do desenvolvimento.....................................154
A concepção de movimentar-se.......................................155
Criança, movimentar-se e desenvolvimento........................155
Tarefas de desenvolvimento ..........................................156
Jovens, movimentar-se e desenvolvimento.........................158
Quais são as consequências resultantes
daí para uma educação?................................................160
Módulo 9 (B) e módulo 4 (L ):
Abordagens, métodos e técnicas de pesquisa...........................160
Métodos qualitativos e quantitativos
na pesquisa empírica...................................................160
Caraterização dos métodos qualitativos
para o levantamento dos dados.......................................162
Módulo 6 (B) e Módulo 3 (L):
Campos de experiência e de aprendizagem.............................167
Módulo 6 (B e L):
Campo de experiência e de aprendizagem .............................168
Seminário 6 (B e L):
Campo de movimento “Correr, saltar, lançar”..........................168
Possibilidades elementares de movimento..........................168
O movimento saltar como tema na formação
inicial em Educação Física.............................................170
A atual discussão didática sobre o saltar
na Educação Física......................................................172
Saltar como uma ação de movimento................................173
Como o saltar deve ser ensinado.....................................177
Capacidades que estudantes adquirem durante
uma Oficina de Movimento............................................187
Módulo 6 (B e L):
Campo de experiência e de aprendizagem .............................188
Seminário 1 (B e L):
Campo de movimento “Movimentar-se com e sem aparelhos”.............188
Competências no campo de experiência e aprendizagem
“se-movimentar com e sem aparelhos” .............................189
“Reversão para a frente”
— um exemplo para uma transformação didática..................191
Resenha didática........................................................192
Módulo 6 (B e L):
Campo de experiência e de aprendizagem .............................195
Seminário 5 (B e L):
Campo de Movimento “Movimentar-se na água”.......................195
Sentido de movimento na água — para o núcleo do
campo de movimento “movimentar-se na água” ..................195
Etapas do encontro do movimentar-se com
o elemento da água ....................................................196
Noções básicas para um conceito de mediação.....................202
Exemplo: “Homem e água”
— um exemplo para uma transformação didática..................204

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................209

REFERÊNCIAS.................................................................213
PREFÁCIO
Escrever um prefácio para um livro é uma tarefa de certa respon-
sabilidade que me causa uma sensação de alegria e angústia, ao mesmo
tempo. Também não deixa de ser uma honra, pois se resume em confron-
tar-se e conhecer uma obra em sua versão primeira, antes de ser sociali-
zada mediante sua devida publicação. Ainda mais quando os autores são
colegas e amigos, e os temas desenvolvidos na obra são próximos de meus
interesses de estudo e das minhas “crenças” acadêmicas.
Como anuncia o título da obra: é uma proposta em discussão, um
outro olhar sobre os caminhos da formação inicial em Educação Física,
centralizada nas questões e em propostas para a organização e estruturação
do currículo.
Há um tema geral, que se faz presente praticamente em todos os
capítulos, que é a questão da estrutura curricular. Os assuntos específicos
de alguns capítulos procuram exemplificar, analisar e refletir sobre ques-
tões que impactam na sistematização dos diferentes caminhos a serem
percorridos, como: competências pedagógicas, modularização do currí-
culo, movimento, educação e inclusão, movimento e saúde, movimento
e sociedade, aprendizagem digital, educação e movimento, entre outros.
Também são tratados, no contexto da obra, os diferentes métodos e téc-
nicas em pesquisas na área em questão e os campos de experiências e de
aprendizagens.
Diferentes autores em diferentes áreas de estudos estão e se
colocam a favor de uma necessária e profunda revisão nas estruturas da
educação, do ensinar e do aprender. Há no ensino uma clara mudança de
paradigmas (ver outros lados) em curso, que coloca a necessária atualiza-
ção do conhecimento, e mais, uma atualização para toda a vida (formação
permanente). Essa mudança requer mais ênfase à importância das meta-
cognições (aprender a aprender) e o fim das disciplinas curriculares fixas,
ou seja, será inevitável outro tipo de formação dos futuros profissionais
da educação.
10 We n c e s l a u L e ã e s F i l h o

Para outros autores, não basta apenas reformar a pedagogia, é


necessária uma superação. Torna-se imperioso reinventar outra pedago-
gia. Uma pedagogia que venha a responder às atuais necessidades das
diferentes sociedades.
Nesse momento em que o mundo na sua grande totalidade enfren-
ta uma forte crise epidemiológica e com consequências em praticamente
todos os setores das sociedades, parece ser imperativo a busca por novos
caminhos em diversos campos, entre eles a educação em toda sua estru-
tura.
Na verdade, vivemos num vácuo, não temos muitas explicações, os
desafios que temos pela frente estão sem respostas confirmadas. Estamos
quase sem saber o caminho a ser tomado. Importante é nos darmos conta
de que não somos uma unidade, mas sim uma pluralidade de conheci-
mentos e de oportunidades.
Diante desse contexto, surgem novos desafios relativos à formação
de professores. Isso porque, em tempos nos quais parte significativa da
produção e reprodução do conhecimento ocorre cada vez de forma mais
rápida, torna-se gradativamente mais oportuna e relevante a discussão e
reflexão crítica sobre as influências da necessária e permanente atualização
curricular no processo de formação de professores. São tempos em que os
diálogos acadêmicos buscam alcançar outros planos, haja vista o fato de
que o desenvolvimento de novos recursos e arranjos didáticos e pedagógi-
cos que promovem as necessidades de novas posturas para serem utilizadas
e desenvolvidas em quaisquer tempos e espaços da formação de professo-
res. Daí a importância desta obra, que determina modificações profundas
nas visões epistemológicas e nas práticas pedagógicas dos docentes.
As mudanças deverão ser significativas em aspectos como: escola,
aula, aprendizagem, metodologias educacionais, avaliações, os próprios
conteúdos e suas sistematizações, o que significará ser professor, as novas
tecnologias, teorias e práticas, políticas educacionais para todos, etc.
Assim, com o objetivo de construir reflexões sobre as transforma-
ções decorrentes do processo de reorganização curricular, a obra oferece
diversas possibilidades para que essa meta seja alcançada.
O presente livro surge em momento delicado e ao mesmo tempo
desafiador, oportuniza a construção de uma porta de entrada para uma
discussão aprofundada e construtiva para essas questões fundamentais da
atualidade no campo pedagógico, com suas teoria e prática pedagógica
no âmbito da educação e da Educação Física.
Prefácio
11

Em toda a obra aparecem as inquietações dos autores em opor-


tunizar reflexões e proporcionar metas para a formação profissional do
professor de Educação Física no contexto vital da escola, com o objetivo
central de garantir uma inovação constante, tanto no campo do ensino
quanto na maneira como vê e se relaciona com a escola e suas peculia-
ridades.
Outro ponto que vale salientar são as possibilidades que as pro-
postas apresentadas na obra oportunizam para a área da Educação Física
dialogar com outras áreas de interesses nos campos da cultura, da socio-
logia e das políticas públicas, oportunizando desta forma uma formação
profissional mais dilatada e mais completa e complexa.
Por fim, os autores expõem várias considerações importantes sobre
a necessidade de um trabalho coletivo entre docentes, estudantes e técni-
cos administrativos nos assuntos educacionais, fato esse que pode deter-
minar a construção de novas subjetividades pedagógicas e, por que não
apostar, em um novo cenário ético educacional.
Agradeço a oportunidade de poder colaborar modestamente com
o trabalho de vocês, caros amigos e colegas: Reiner, Marli, Luciana e
Amauri. Não tenho dúvida de que a obra que ora vocês apresentam ao
mundo acadêmico e aos demais interessados será uma colaboração signifi-
cativa para a constituição e a invenção de “outras visões” sobre a formação
de professores no campo da Educação Física. Parabéns!

Wenceslau Leães Filho


Santa Maria, Outono de Dois mil e Vinte.
APRESENTAÇÃO
Este livro é o resultado do terceiro projeto acadêmico desenvolvi-
do pelo professor doutor Reiner Hildebrandt-Stramann em universidade
brasileira, financiado pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico
(DAAD). Foi desenvolvido no Centro de Educação Física e Desportos
(CEFD) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com apoio
da Instituição e da Capes, no período de 2019 a 2020, com o objetivo
de assessorar a elaboração de uma proposta de currículo modularizado
à formação de profissionais de Educação Física, no CEFD/UFSM, RS,
Brasil, fundamentado na Pedagogia de Movimento (Hildebrandt-Stra-
mann; Taffarel, 2007, p. 25 et seq.). É a segunda vez que o professor
Reiner desenvolve atividades acadêmicas no CEFD/UFSM. No período
de 1983 a 1986 contribuiu com o desenvolvimento do curso de Mestrado
em Educação Física – área de Pedagogia do Esporte – constituindo-se esta
sua primeira experiência no desenvolvimento de projetos acadêmicos em
universidades brasileiras.
O professor Reiner, que por muitos anos foi docente da Technis-
che Universität Braunschweig (TU-BS), sempre manteve vínculos com
universidades brasileiras, desde 1983, especialmente na Bahia. No Depar-
tamento de Educação Física da Universidade Federal de Bahia (DEF-
-Ufba), entre 2006 e 2017, em parceria com a professora doutora Celi
Taffarel, desenvolveu o segundo projeto numa instituição de ensino supe-
rior brasileira, financiado pelo DAAD. Este também teve como objetivo
a elaboração de uma proposta de currículo modularizado à formação de
profissionais de Educação Física para atuação na escola.
O terceiro projeto do professor Reiner no Brasil foi desenvolvi-
do no CEFD da UFSM em parceria com a Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Além da professora doutora Marli Hatje e da professora
doutora Luciana Erina Palma Viana, da UFSM, participou das atividades
o professor doutor Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira (UEM), coauto-
res desta obra. Com a aprovação do projeto pelo DAAD, que culminou
no Acordo de Cooperação Internacional entre a Universidade Federal de
Santa Maria e a Technische Universität Braunschweig, pelo período de
14 Os Autores

cinco anos, o professor Reiner dedicou-se ao assessoramento de docen-


tes do CEFD na estruturação de uma proposta curricular baseada em
módulos (currículo modularizado) para a formação inicial em Educação
Física, durante o 1º Simpósio Internacional de Educação Física: Currículo
e Didática, promovido pelo CEFD e Centro de Educação da UFSM, em
agosto de 2019.
Antes, porém, no sentido de ampliar o entendimento sobre currí-
culos modularizados na formação inicial e conhecer atividades decorrentes
dessa proposta de currículo, em maio de 2019 os três docentes brasileiros
visitaram, além da Universidad de Valladolid (Espanha), o Instituto Poli-
técnico Castelo Branco (Portugal) e a TU-BS, as universidades alemãs de
Hildesheim, Osnabrück e Hannover.
O projeto financiado pelo DAAD teve quatro objetivos principais:
1. Conhecer modelos de currículos de universidades em países
da Europa.
2. Analisar o currículo tradicional (estruturado em disciplinas)
em vigor nos cursos de Educação Física – Licenciatura e
Bacharelado da UFSM,1 desde 2005 e 2006.
3. Estruturar uma proposta de currículo modularizado para a
formação de estudantes no curso de Educação Física Licen-
ciatura.
4. Desenvolver conteúdos de módulos da proposta curricular, a
fim de exemplificar as competências que estudantes precisam
ter, ao concluírem a formação inicial, que os capacitem a rea-
lizar projetos de movimento em escolas, que contribuam para
o desenvolvimento de uma “boa escola” e um “bom ensino”.
Este livro, embora retome fundamentações teóricas e reflexões con-
tidas nas obras (Hildebrandt-Stramann, 2013c; Hildebrandt-Stramann;
Taffarel, 2007; Hildebrandt-Stramann; Taffarel, 2017) e de outras publi-
cações do professor Reiner no Brasil, traz conteúdos e resultados de uma
experiência pioneira desenvolvida no CEFD da UFSM nos anos de 2019
e 2020, em parceria com a UEM e a TU-BS. O foco central da obra é,
portanto, a apresentação da proposta de currículo modularizado ao Curso
de Educação Física Licenciatura (com um Núcleo Comum voltado ao
Bacharelado), resultado de muitas reuniões com docentes do CEFD, no
mês de agosto de 2019, e reflexões sobre sua viabilidade no contexto bra-

1
Universidade Federal de Santa Maria.
Apresentação
15

sileiro atual, inclusive em relação à nova legislação. Durante o 1º Simpósio


Internacional, vários conteúdos que integram a proposta formulada ao
CEFD foram desenvolvidos por meio de oficinas e seminários e avalia-
dos por estudantes e docentes da UFSM, para ampliar a discussão para
a formação na universidade e sua transformação (transposição) didática
para o ensino em escolas.
A obra inicia-se com a apresentação do currículo do Instituto da
Ciência do Esporte e da Pedagogia de Movimento da Technische Univer-
sität Braunschweig. A apresentação do currículo à comunidade do CEFD
deu-se por dois motivos: 1) por que os docentes brasileiros, coautores
deste livro, visitaram a universidade alemã, analisaram o currículo para
a formação dos estudantes, que serão no futuro professores da Educação
Física nas escolas alemãs e vivenciaram atividades em escolas e na própria
universidade; 2) por que a formação inicial na Alemanha possui aspectos
importantes que podem servir de referência à elaboração de uma proposta
de currículo modularizado ao curso de Educação Física do CEFD/UFSM.
Na sequência são mencionadas as competências pedagógicas
básicas aos estudantes de Educação Física que desejam atuar em escolas,
bem como a proposta do currículo modularizado ao Curso de Educa-
ção Física Licenciatura, com 7 módulos específicos e 10 módulos que
compõem o núcleo comum com o Curso de Educação Física Bacharelado.
Em razão do limite de páginas ao livro, foram fundamentados teorica-
mente alguns módulos propostos, listados a seguir, e descritos três campos
de movimento do Módulo Campo de Experiência e de Aprendizagem, a
título de exemplos (“Correr, saltar e lançar”; “Movimentar-se com e sem
aparelhos” e “Movimentar-se na água”). Os módulos são:
• Módulo 1 (B e L): O assunto do estudo: Teorias de Movi-
mentar-se
• Módulo 2 (B e L): Movimento, Educação e Inclusão
• Módulo 3 (B e L): Movimento e Saúde
• Módulo 4 (B e L): Movimento e Sociedade
• Módulo 5 (B e L): Aprendizagem digital, educação e movi-
mento
• Módulo 5 (B): Movimento e desenvolvimento infantil,
juvenil, humano e aprendizagem motora
• Módulo 9 (B) e Módulo 4 (L): Abordagens, métodos e téc-
nicas de pesquisa
• Módulo 6 (B) e Módulo 3 (L): Campos de Experiência e de
Aprendizagem
16 Os Autores

Embora não seja objeto de estudo desta obra, em virtude de ainda


estar em fase de elaboração e discussão, o Núcleo Docente Estruturante
do CEFD está sugerindo às propostas dos novos Projetos Pedagógicos
de Curso um Módulo a título de experiência, a ser desenvolvido a partir
de 2021. Esse Módulo, constituído de três seminários (disciplinas) será
ofertado aos cursos de Educação Física Licenciatura e Bacharelado, na
etapa de formação comum, conforme a Resolução nº 4 CNE/CP/2018
de 17 de dezembro de 2018.
Com o desenvolvimento do projeto no CEFD da UFSM (2019-
2020) e a publicação desta obra, o professor Reiner encerra formalmente
suas atividades acadêmicas no Brasil (iniciadas em 1983), financiadas pelo
DAAD, em razão de sua aposentadoria, que ocorreu em fevereiro de
2019.

Boa leitura!
CAPÍTULO 1

O CURRÍCULO DO CURSO DE EDUCAÇÃO


FÍSICA DA UNIVERSIDADE TÉCNICA DE
BRAUNSCHWEIG (TU-BS) — ALEMANHA

Desenvolvimento histórico
Exercícios físicos têm uma tradição de séculos em universidades
alemãs. Nos séculos 17 e 18 foram empregados nas antigas universidades
mestres de equitação, de esgrima e de jogos de bola, alguns dos quais
possuíam escolas de balé, instalações em sítios para trabalhos equestres
de formação e torneios.
Na esteira do movimento ginástico de Jahn (1778-1852), a linha
elitista foi substituída ou completada, no início da década de 20 do século
19, pelas “praças de ginástica” (Turnplätze), que eram ocupadas pelos estu-
dantes. Na década de 30 foram fundados centros de ginástica ou centros
universitários de ginástica. Uma intenção foi – entre outras – controlar
melhor os estudantes rebeldes. Nessa época também foram empregados os
primeiros mestres universitários de ginástica. Uma formação acadêmica,
porém, tanto para mestres na universidade quando para professores nas
escolas, não existiu, nem mesmo durante o regime nazista. Com a fun-
dação da Universidade do Esporte Alemão em Colônia, na Alemanha,
começou a institucionalização da ciência do esporte, e com ela a oficiali-
zação da formação dos estudantes de Educação Física.
O reconhecimento da ciência do esporte como disciplina aca-
dêmica e com ela o reconhecimento da formação dos estudantes de
Educação Física como formação acadêmica só ocorreu no final dos anos
1960. Isso, no entanto, mudou na década de 60, quando começou a
expansão das universidades e com ela o restabelecimento dos institutos
de ciência do esporte. Houve duas razões principais para o fato: 1ª) O
esporte tornou-se um fenômeno de massa; 2ª) A instrumentalização
política do esporte como resultado do conflito Leste-Oeste levou à
promoção de esporte de rendimento usando praticamente todos os
18 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira

recursos, incluindo os de ciência do esporte. O fornecimento de ins-


talações de pesquisa científica desportiva foi, portanto, acima de tudo,
uma questão política.
O resultado da criação de instituições e instalações de pesquisa
em ciências do esporte nas universidades era uma profissionalização cada
vez maior de ensino, de formação e de treino no desporto. Assim, neces-
sitava-se de profissionais qualificados, especialmente os graduados. Um
grupo de professores de Educação Física especialistas foi formado para as
escolas, assim como para o esporte extraescolar.
Desde o final dos anos 60, a formação de professores de Educação
Física tornou-se parte integrante de qualquer universidade que forma
professores na Alemanha.

O desenvolvimento estrutural da formação


de professores de Educação Física
Após a Segunda Guerra Mundial as forças de ocupação da Alema-
nha tinham imposto uma estrutura federal do sistema político. A estrutura
federal do sistema político da Alemanha foi uma resposta política para
uma estrutura educacional, que foi organizada de maneira central, como
no Terceiro Reich (na ditatura nazista). Foram constituídos 11 Estados
(depois da reunificação o número dos Estados aumentou para 16). Uma
consequência dessa estrutura política foi, e é, que cada Estado é respon-
sável, entre outros aspectos, pela política educacional, isto é, cada Estado
tem autonomia na configuração do sistema escolar e universitário. Isso
significa que em cada um deles existe uma estrutura escolar e uma estru-
tura universitária diferente. Cada Estado tem sua própria estrutura de
formação universitária de professores. E, em cada Estado, as universida-
des têm certa autonomia na configuração dos seus currículos. Isso vale
tambem para a formação dos estudantes de Educação Física.
No Estado da Baixa Saxônia, por exemplo, existem oito universi-
dades que formam professores de Educação Física. Para todas as universi-
dades há uma estrutura formal pré-organizada pelo governo estadual que
determina a carga horária dos cursos e um quadro para os conteúdos. Esse
quadro predeterminado contém, por exemplo, quatro campos teóricos:
“movimento e educação”, “movimento e sociedade”, “movimento e saúde”
e “movimento e desenvolvimento humano”. Cada universidade, para cada
curso, tem a liberdade de preencher os campos teóricos com conteúdos
ou temas específicos.
CAPÍTULO 1
O Currículo do Curso de Educação Física da Universidade Técnica de Braunschweig (TU-BS) – Alemanha
19

Para a formação de professores na Alemanha deve ser considerado


o seguinte:
1. Os estudantes, que no futuro querem ser professores nas
escolas, devem cursar duas áreas de formação, por exemplo:
Educação Física e Matemática, Língua Alemã e Biologia, Edu-
cação Física e Inglês, etc.
2. Os estudos são organizados em duas etapas: uma etapa de seis
semestres, que termina com a qualificação do Bacharelado
(“Bachelor”) e uma segunda etapa de quatro semestres, que
termina com a quailificação do Mestrado (“Master of Educa-
tion”). Isso significa que os estudantes terminam seus estudos
na Alemanha com duas qualificações de Mestrado (em duas
áreas distintas). Só é possível ensinar na escola quando a
pessoa adquiriu estas duas qualificações.
3. O ensino universitário é seguido por mais uma etapa da for-
mação de dois anos sob a supervisão do governo estadual.
Essa formação termina com um exame que é um pré-requisito
para conseguir um emprego como professor em uma escola.
Sem os dois exames (o Master da universidade e o do Estado)
ninguém pode ter uma vaga na escola.
A seguir apresentamos a estrutura de formação dos estudantes de
Educação Física no Instituto da Ciência do Esporte e da Pedagogia de
Movimento, da TU-BS, no Estado da Baixa Saxônia. Importante destacar
que os cursos de Educação Física das universidades do Estado da Baixa
Saxônia formam apenas estudantes que no futuro serão professores em
escolas públicas.

A estrutura curricular do curso de Educação Física da TU-BS


A formação universitária de estudantes tem dois pontos de refe-
rência:
1º) A Educação Física na escola.
2º) Movimento no âmbito escolar, entendido como integração de
movimento, jogo e esporte em toda a escola.
Para que os professores de Educação Física possam agir profissio-
nalmente em ambas as áreas, eles necessitam de qualificações e compe-
tências no âmbito da formação universitária.
20 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira

A profissionalização na formação universitária


de estudantes de Educação Física
O objetivo geral do estudo da ciência do esporte com o núcleo da
Educação Física escolar é a profissionalização dos estudantes desse com-
ponente. O que significa profissionalização? Para a resposta, três questões
são fundamentais:
1ª) A tarefa básica do professor da escola é estimular
processos educacionais (Bildungsprozesse) no aluno.
Neste contexto, a profissionalização significa:
1º nível: tornar-se um especialista em seu campo. Para ser um
especialista, o futuro professor precisa realizar estudos científicos inten-
sivos;
2º nível: desenvolver a capacidade de refletir sobre os próprios
conteúdos e assuntos e sobre as abordagens metodológicas. Isto é, o estu-
dante deve adquirir a capacidade de questionar o conteúdo especializado
e as abordagens metodológicas de seus pré-requisitos epistemológicos e
sua intermediação e estudar mentalmente. Esse processo é fundamental
porque integra a tarefa original da didática da Educação Física: os estudan-
tes precisam de conhecimentos didáticos que vão além dos conhecimentos
científicos.
3º nível: distanciar-se da própria biografia esportiva e profissional
e colocar à disposição o que pensou até agora (as aulas são assim! o ensino
é assim; o esporte é assim!) – ver a descrição da dimensão da competência
de ação esportiva crítica no Capítulo 2. Nos seminários teórico-didáticos,
os três níveis têm seu lugar, mas o foco está no terceiro nível, que implica,
em certo sentido, os dois primeiros níveis. O terceiro nível contém um
“processo de transformação”, explicitado na segunda resposta.
2º) Um curso de Licenciatura é configurado como um
“processo de transformação”
Quais são as “estações” de um processo de transformação?
No estudo universitário o estudante do curso de Licenciatura deve
ter como objetivo central a capacidade de transformar todos os fenôme-
nos do esporte em temas didáticos, que podem ser ensinados nas aulas
de Educação Física. Essa capacidade de transformação baseia-se em uma
configuração do curso como um “processo de transformação”. Este pro-
cesso contém as seguintes estações:
CAPÍTULO 1
O Currículo do Curso de Educação Física da Universidade Técnica de Braunschweig (TU-BS) – Alemanha
21

1ª Estação: Reflexão sobre o assunto de estudo da Educação Física


(escolar): esporte ou movimento? (1º e 3º níveis).
2ª Estação: Do esportista/atleta ao professor de Educação Física = realizar
um primeiro olhar da pedagogia de movimento, portanto,
transformador, no futuro papel de professor (3º nível).
3ª Estação: foco no movimento:
a) análise de movimento qualitativo (1º nível).
b) análise de movimento social (1º nível).
c) análise de movimento dialético (a teoria de diálogo do
movimento) (1º nível).
4ª Estação: questionamento crítico da prática bem conhecida (2º e 3º
níveis).
5ª Estação: Consolidação da mudança de perspectivas do atleta/aluno
para o de estudante, que estuda na universidade para ser, no
futuro, um professor de Educação Física na escola/para ser
um professor de movimento por intermédio de uma admis-
são sistematicamente estruturada e guiada para o mundo
exterior (universidade), que é caraterizada por meio das refle-
xões baseadas em teorias.
a) Conceitos didáticos (abordagens didáticas orientadas para
o esporte versus concepções didáticas abertas às experiên-
cias) (1º, 2º, 3º níveis).
b) Conceitos e teorias de aprendizagem de se movimentar
(abordagens dialógicas, perceptuais-teóricas, genéticas) (1º,
2º, 3º níveis).
c) Suas consequências para a encenação das aulas de movi-
mento/da Educação Física (análise de movimento orienta-
da à função, experiências diferenciadas) (1º, 2º, 3º níveis) e
d) Consequências didáticas nos campos educativos (não dire-
tamente ligados com a Educação Física, mas pode e têm de
ser ligados), como:
– concepções didáticas sobre mídias digitais na escola/nas
aulas da Educação Física e sobre o contexto mídias digi-
tais e movimento;
– inclusão por meio das relações de movimento.
22 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira

3º) Módulos do currículo de formação dos estudantes


de Educação Física
O cerne da formação de professores de Educação Física no Insti-
tuto da Ciência do Esporte e da Pedagogia de Movimento, da TU-BS, é
a organização do currículo em módulos, tanto na etapa do Bacharelado
quanto na do Mestrado. Cada módulo contém diferentes seminários com
carga horária específica e cada um possui um número de créditos que
se forma pela soma dos créditos de cada seminário. Um módulo pode
ser aprovado somente quando todos os seminários, que pertencem ao
módulo, são realizados de maneira sequencial.
A base teórica para a configuração do conteúdo dos módulos é
a teoria dialógica de movimento, que entende o movimento como um
diálogo entre o homem e o mundo (Hildebrandt-Stramann, 2013a;
Trebels, 1992, 2010; Tamboer, 1979). A seguir apresentamos os módulos
dos cursos de Educação Física – Bacharelado e Mestrado – da Universi-
dade alemã.

Os módulos do curso de Educação Física


— etapa Bacharelado
O curso de Educação Física, etapa do Bacharelado, contém quatro
módulos “teóricos” e um módulo “prático”. A maneira de caraterizar os
módulos como “teóricos” e “práticos” significa que os teóricos contêm
componentes práticos e os módulos práticos contêm componentes teó-
ricos. Com isso, pretende-se trabalhar teoria e prática e vice-versa, isto é,
ligar o “pensar e fazer” (Hildebrandt-Stramann, 2016b).
Módulos “teóricos” na pedagogia de movimento
Módulo 1: Movimento e educação I
Módulo 2: Movimento e saúde
Módulo 3: Movimento e desenvolvimento da criança e jovens
Módulo 4: Campos de experiência e de aprendizagem
Módulo 5: Movimento e sociedade

Nesses módulos busca-se ensinar as competências científicas de


ação (ver Figura 1).
CAPÍTULO 1
O Currículo do Curso de Educação Física da Universidade Técnica de Braunschweig (TU-BS) – Alemanha
23

Figura 1 — Módulos “teóricos e práticos” do curso de Educação Física


— etapa do Bacharelado

M 1: Movimento
e ed ucação I

M 2: Movimento M 5: Movimento
e saúd e e sociedad e
Competências
científicas
d e ação

M 3: Movimento e M 4: Campos d e
d es envolvimento das experiência e d e
crianças e jovens ap rendizagem

Fonte: Reiner Hildebrandt-Stramann.

Os seminários do Módulo 1 “Movimento e educação” são:


1. Trabalhar, cientificamente na Pedagogia de Movimento, a
tese/o trabalho de conclusão do curso de “Bacharelado”
2. Atuar de maneira educacional e pedagógica de movimento
– uma introdução
3. Bases pedagógicas de movimento da educação do movimento
4. Estruturação e desenvolvimento de aulas de movimento na
escola
Os seminários do Módulo 2 “Movimento e saúde” são:
1. Movimento e treinamento
2. Bases biológicas e anatômicas de movimento
3. Programas de fitness e testes de fitness
4. Treinamento, fitness e mundo da vida
5. As concepções científicas de saúde (as concepções da salutogê-
nese e da patogênese e suas consequências para a configuração
das aulas de movimento na escola).
Os seminários do Módulo 3 “Movimento e desenvolvimento das
crianças e jovens” são:
1. Aprendizagem motora e desenvolvimento humano
2. Movimento e aprendizagem
24 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira

Os seminários do Módulo 4 “Campos de Experiência e de Apren-


dizagem” são:
1. Pequenos jogos
2. Jogar em equipes
3. Movimentar-se sem e com aparelhos
4. Expressar-se e interpretar por meio do movimento
5. Correr, saltar, lançar I e II
6. Movimentar-se na água
7. Propulsão na água/impulsionar-se na água
Os seminários do Módulo 5 “Movimento e sociedade” são:
1. A encenação social de movimento
2. A vida diária de movimento das crianças e jovens
3. Movimento e urbanização
4. Movimento e ecologia

Os módulos do curso de Educação Física


— etapa do Mestrado
O curso de Educação Física, etapa do Mestrado, contém três
módulos teóricos, dois módulos práticos, um módulo de estágio e um
módulo para a dissertação. O objetivo central nesta etapa é qualificar os
estudantes para saber ensinar Educação Física na escola e refletir teori-
camente sobre o próprio ensino. Outro objetivo central é qualificar os
estudantes para escrever uma dissertação.
No curso de Educação Física – etapa do Mestrado – são oferecidos
os seguintes módulos:
Módulo 1: Movimento e Educação II: Movimento, aula, escola
Módulo 2: Oficina de Movimento
Módulo 3: Campos de Experiência e de Aprendizagem
Módulo 4: Estágio
Módulo 5: Dissertação de Mestrado (ver Figura 2)
Os seminários do Módulo 1 “Movimento e Educação II: Movi-
mento, aula, escola” são:
1) Escola móvel/movimento, jogo e esporte nas escolas integrais
(do período integral)
2) Projeto de investigação sobre um tema da escola móvel
O seminário do Módulo 2 “Oficina de Movimento” é denomi-
nado de:
1) Teoria e prática da oficina de movimento
CAPÍTULO 1
O Currículo do Curso de Educação Física da Universidade Técnica de Braunschweig (TU-BS) – Alemanha
25

No Módulo 3, “Campos de Experiência e de Aprendizagem”, os


estudantes são obrigados a escolher um entre aqueles que ainda não rea-
lizaram durante a etapa do Bacharelado. Esse módulo está vinculado ao
Módulo 2 “Oficina de Movimento”, no qual os estudantes constroem os
aparelhos e as situações de movimento.
O módulo 4 “Estágio” não tem seminários. Neste módulo os
estudantes são obrigados a ficar um semestre na escola, quando ensinam
conteúdos das duas disciplinas em cujos cursos vão se formar na univer-
sidade. Nesse período são supervisionados/orientados pelos professores
da Universidade (responsável) e por um professor da escola, que tem a
função de mentor. Os professores universitários, das duas áreas às quais
o estudante está vinculado, visitam cada estudante uma vez por semana
de forma intercalada.
No módulo 5, “Dissertação de Mestrado”, os estudantes podem
escolher e decidir em qual das duas áreas de formação querem escrever
sua dissertação.
Figura 2 — Módulos teóricos e práticos no curso de Educação Física
— Etapa do Mestrado

Mód ulo 1: Movimento e


Ed ucação II: Movimento,
aula, escola

Mód ulo 5:
Mód ulo 2: O ficina Diss ertação
d e Movimento d e Mest rado
Competência d e ação
pedagógica d e movimento
e competência d e ação
d e ensino

Mód ulo 3: Campos Mód ulo 4:


d e Experiência e d e Estágio
Ap rendizagem

Fonte: Reiner Hildebrandt-Stramann.

A seguir descrevemos, sucintamente, os conteúdos dos Módulos


1, 2 e 3 da etapa do Mestrado.
26 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira

Conteúdos do Módulo 1:
Movimento e Educação II: movimento, aula, escola
Neste módulo os estudantes devem aprender que movimento não
deve ser restringido ao ensino da Educação Física, pois é parte funda-
mental da configuração da escola e do ensino. Na teoria, esta concepção
é chamada de concepção das escolas móveis.2 Na escola móvel o movi-
mento tem papel significativo na aprendizagem interdisciplinar. Assim,
por exemplo, as disciplinas de Matemática, Língua, Filosofia ou Física
são combinadas com movimento. Na teoria, esse tipo de aprendizagem
é denominado também como “aprendizagem por meio do movimento”.
O movimento também ganha importância em relação à configuração
dos espaços escolares como áreas de movimento. Isso atinge a sala de
aula,3 os corredores, a área do pátio e do ginásio. Nesse sentido, a função
central deste módulo é aperfeiçoar o entendimento e a compreensão de
movimento por parte dos estudantes.4
Quais as capacidades que os estudantes de Educação Física neces-
sitam para participar na configuração de uma escola móvel?
1) Capacidade de adquirir conhecimentos por meio da literatura cien-
tífica/pedagógica. Para legitimar uma reforma escolar por meio do
movimento o professor de Educação Física necessita de conhecimen-
tos fundamentais sobre teorias antropológicas, fenomenológicas e
pedagógicas de movimento e conhecimentos sobre a relação entre
movimento e aprendizagem. Esses conhecimentos ele adquire com
estudos da literatura científica na área da Educação Física e de áreas
interdisciplinares ou afins.
2) Capacidade de inovação ligada a um conhecimento específico. Exemplo:
a uma escola móvel pertence uma “sala de aula móvel”. Para cons-
truir, por exemplo, móveis removíveis ou aparelhos de movimento,
os estudantes devem ter a capacidade de construir uma conexão entre
pensar e fazer (Hildebrandt-Stramann, 2016b). Os estudantes têm
de pensar no modo da construção de móveis que correspondam às
exigências teóricas e didáticas. Além disso, necessitam da capacidade

2
Ver o artigo do Hildebrandt-Stramann (2009a, p. 57-76).
3
Ver a proposta da configuração da sala de classe como uma sala móvel com um inventário
móvel (Hildebrandt-Stramann, 2009a, p. 62-63).
4
Ver o projeto científico sobre escolas integrais (Hildebrandt-Stramann; Laging; Teubner,
2014; Hildebrandt-Stramann; Faustino, 2013).
CAPÍTULO 1
O Currículo do Curso de Educação Física da Universidade Técnica de Braunschweig (TU-BS) – Alemanha
27

de construir os móveis (fazer). Na introdução dos móveis na sala de


aula, compete aos estudantes (futuros professores) a capacidade didá-
tica de relacionar esta introdução com temas do corpo e da postura
(a capacidade da transformação didática) (Fotos 1 e 2). No plano da
formação, isso é considerado nas disciplinas chamadas “Oficinas de
movimento”. Ligadas a elas está a Oficina de Pesquisa, na qual os
estudantes aprendem métodos de avaliação.
Fotos 1 e 2 — Móveis móveis — “meias-luas”

Fonte das fotos 1 e 2: Reiner Hildebrandt-Stramann.


28 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira

3) Capacidade de cooperação. Tanto a aprendizagem interdisciplinar quanto


o desenvolvimento de um programa escolar são caracterizados pela
necessidade de cooperação entre os professores das diferentes áreas.
Isso diz respeito à cooperação dos professores de Educação Física entre
si como também à cooperação destes com os docente de outras disci-
plinas e de outras áreas de aprendizagem. Os professores de Educação
Física devem procurar superar seu isolamento, causado muitas vezes
por eles mesmos, e buscar uma participação ativa em um conceito
abrangente de educação.
4) Capacidade de avaliação. Processos de inovação têm de ser avaliados.
São necessárias informa- ções sobre o efeito das inovações, se foi alcan-
çado o que se imaginou. Para tanto é necessário formular claramente
as expectativas, ou seja, o problema, constatar o estado atual e escolher
métodos correspondentes por meio dos quais se obtém conhecimen-
tos sobre o processo. É de considerar que tais processos de avaliação
devem ser realizados como processos autônomos de avaliação, basea-
dos no conceito teórico da pesquisa-ação (Altrichter; Posch, 1994).
Neste aspecto existe uma relação com o Módulo 5 – “Dissertação de
Mestrado”.
Conteúdos do Módulo 2: Oficina de Movimento
A Oficina de Movimento é entendida como um laboratório
pedagógico. Quais capacidades os estudantes de Educação Física podem
conseguir em um seminário “Oficina de Movimento”? Com base em
experiências em universidades alemãs e brasileiras, os estudantes adquirem
quatro competências centrais quando participam deste módulo:
A capacidade de experimentar: alunos, estudantes e professores de
Educação Física experimentam o movimento em situações de autocons-
trução de movimento.
A capacidade de construir: estudantes e professores de Educação
Física inventam (criam) aparelhos e materiais de movimento e os cons-
troem. Com isso, eles oportunizam uma reflexão crítica quanto à atitude
de consumo (comprar), que prevalece, particularmente, entre crianças e
adolescentes no desporto.
A capacidade de ensinar e cooperar: para os estudantes e professores
de Educação Física, a Oficina de Movimento pode ter a função de ser
um lugar de aprendizagem didática ou uma instituição de aperfeiçoa-
mento profissional na área da didática. A Oficina de Movimento assume
essas funções quando os professores e estudantes têm a possibilidade
de experimentar com a encenação do ensino e com diferentes tipos de
CAPÍTULO 1
O Currículo do Curso de Educação Física da Universidade Técnica de Braunschweig (TU-BS) – Alemanha
29

aprendizagem. Um exemplo aos professores são as aulas livres durante


o dia escolar, nas quais eles têm a possibilidade de observar os alunos e
planejar, junto com colegas, projetos em comum. Para os estudantes, a
prática com crianças pode ter o significado de um laboratório pedagógico,
no qual podem treinar relações pedagógicas com crianças. É importante
que nas Oficinas de Movimento os estudantes tenham a possibilidade
de aprender de maneira diferente, isto é, de maneira ativa, pesquisando,
descobrindo, criando. Os futuros professores devem aprender dessa forma
para que possam ensinar na escola e nas aulas de Educação Física dessa
maneira também.
Capacidade de refletir teoricamente: estudantes e professores de
Educação Física refletem sobre uma Oficina de Movimento com base
nas diferentes teorias de movimento (por exemplo, teorias da fenomeno-
logia e da Gestalt – conexão entre movimento e percepção), teorias de
desenvolvimento infantil e adolescente, teorias didáticas, como a teoria da
aprendizagem aberta à experiência, e teorias sociais ecológicas.
Conteúdos do Módulo 3: Campos de Experiência
e de Aprendizagem — “correr, saltar e lançar”
Na área “prática” de movimento”, o Instituto da Ciência do
Esporte e da Pedagogia de Movimento, da TU-BS, substituiu, nos últimos
15 anos, as disciplinas esportivas por “Campos de Experiência e Aprendi-
zagem”. Com isso, o estudante deve cursar (escolher), obrigatoriamente,
sete “Campos de Experiência e Aprendizagem“ entre os listados a seguir:
1) Pequenos jogos – Módulos 4 (Bacharelado) e 3 (Mestrado) – Obri-
gatório
2) Jogar em equipes – Módulos 4 (Bacharelado) e 3 (Mestrado) – Obri-
gatório
3) Movimentar-se sem e com aparelhos – Módulos 4 (Bacharelado) e 3
(Mestrado) – Obrigatório
4) Expressar-se e interpretar por meio do movimento – Módulos 4
(Bacharelado) e 3 (Mestrado) – Obrigatório
5) Correr, saltar, lançar I e II – Módulos 4 (Bacharelado) e 3 (Mestrado)
– Obrigatório
6) Movimentar-se na água – Módulos 4 (Bacharelado) e 3 (Mestrado) –
Obrigatório
7) Propulsão na água/Impulsionar-se na água – Módulos 4 (Bacharelado)
e 3 (Mestrado) – Obrigatório
8) Locomover-se com rodas – Módulos 4 (Bacharelado) e 3 (Mestrado)
– Facultativo
30 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira

9) Locomover-se na neve e no gelo – Módulos 4 (Bacharelado) e 3 (Mes-


trado) – Facultativo
10) Aspectos fenomenológicos das lutas – Módulos 4 (Bacharelado) e 3
(Mestrado) – Facultativo
11) Luta de capoeira – Módulos 4 (Bacharelado) e 3 (Mestrado) – Facul-
tativo
Nesses “Campos de Experiência e de Aprendizagem” são ministra-
das, especialmente, as competências de ação pedagógica de movimento e
a competência de ação científica. A condição para tal, todavia, é o estreito
relacionamento entre a teoria e a prática. Nesse sentido, a área prática
do movimento poderia assumir a função de “instância de integração”
(Thierer, 1996, p. 13). Em tais campos de experiência e de aprendizagem
não se trata, em primeira linha, de melhorar a autorrealização, porém
saber mais das capacidades, das condições de aquisição de capacidade de
movimento e de sua transformação didática no ensino da Educação Física.
Ao concluir a descrição do currículo de formação de professores
de Educação Física do Instituto da Ciência do Esporte e da Pedagogia
de Movimento, da Universidade Técnica de Braunschweig, é importante
destacar que um currículo é sempre reflexo da sociedade em que vivemos.
Da mesma forma que as condições sociais da vida mudam continua-
mente, também os currículos precisam ser mudados e adaptados. A esse
respeito, um currículo não é algo fixo, estático, mas sim uma proposta
de ensino flexível, que deve ser redesenhada sempre com a participação
dos estudantes.
CAPÍTULO 2

COMPETÊNCIAS PEDAGÓGICAS BÁSICAS


PARA ESTUDANTES DE EDUCAÇÃO FÍSICA
A formação universitária de estudantes de Licenciatura1 tem dois
pontos de referência, entre outros, que constituem a base teórica exigida
para o ensino da Educação Física, quais sejam:
– A educação Física na escola
– O esporte escolar, entendido como integração de movimento,
jogo e esporte em toda a escola.
Para que os professores de Educação Física possam agir profissio-
nalmente em ambas as áreas, eles necessitam de qualificações e compe-
tências humanas (não apenas aquelas exigidas pelo mercado de trabalho),
que devem adquirir no âmbito da formação universitária.
Nesse sentido, definimos competência como a capacidade humana
decorrente do domínio do profundo conhecimento teórico, científico,
que alguém tem sobre um assunto, em nosso caso a Educação Física e o
esporte e seu ensino (transmissão-assimilação) na escola.

Competências gerais
Resumimos essas qualificações e competências com o conceito de
uma “competência para a ação pedagógica de movimento”. Por “compe-
tência para a ação pedagógica de movimento” entendemos a capacidade
de poder constatar, sistematizar, analisar, compreender, refletir teorica-
mente e planejar, executar e avaliar, de maneira educativa e pedagógica
de movimento a Educação Física, o esporte escolar e o mundo de vida
das crianças e adolescentes brasileiros. Seguindo essa determinação do

1
Nosso foco, nesta obra, está na configuração de um currículo modularizado completo
para o curso de Educação Física Licenciatura. Considerando, no entanto, a legislação
brasileira atual, que exige um “núcleo comum” à formação em Educação Física nos dois
primeiros anos, sugerimos 10 módulos ao núcleo comum, cujos conteúdos formam
a base da formação profissional, tanto do licenciado quanto do bacharel. Propor um
currículo completo modularizado e fundamentado ao Bacharelado demanda mais
estudos e pesquisas, o que neste momento não é possível.
32 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

conceito, durante o estudo trata-se, então, de desenvolver a competência


de ação pedagógica de movimento do futuro professor de Educação Física
referente a cinco dimensões de ação:
1. a competência de ação pedagógica de movimento
2. a competência de ação de ensino
3. a competência de ação esportiva crítica,
4. a competência de ação política e
5. a competência de ação científica2
Figura 3 — Dimensões da Competência
de Ação Pedagógica de Movimento

Competência d e Competência d e
ação científica ação política

Ação Pedagógica
nas aulas
e fora das
aulas d e
Ed ucação Física

Competência d e ação Competência d e ação


esportiva crítica pedagógica d e movimento
e competência
d e ação d e ensino
Fonte: Reiner Hildebrandt-Stramann.

Essas dimensões apresentam coincidências e interdependências.


Elas se relacionam entre si. Não podem ser vistas isoladamente. Como
central, é evidenciada a capacidade da ação pedagógica de movimento.
Isso significa que a dimensão do se movimentar humano é tratada peda-
gogicamente. A Figura 3 elucida essa importância central.
Tais dimensões de ação não são livres de valor, isto é, estão sujei-
tas a diversas ideias diretivas, podendo ser interpretadas diferentemente.
Nós relacionamos essa dimensão de ação às concepções didáticas de um
“ensino aberto baseado na experiência” e de uma “transformação didático-

2
Em comparação com a proposta elaborada na Universidade Federal da Bahia (Hilde-
brandt-Stramann; Taffarel, 2017, p. 25), as Dimensão da Competência de ação ética
e da Competência de ação estética não integram a proposta da UFSM em forma de
dimensões específicas. Esses conteúdos integram a Dimensão da ação pedagógica das
aulas de Educação Física, em função da realidade local.
CAPÍTULO 2
Competências Pedagógicas Básicas Para Estudantes de Educação Física
33

-pedagógica do esporte”. A ideia diretiva dos dois conceitos é a emancipa-


ção, isto é, a libertação do sujeito de tudo que limita a sua racionalidade
e seu desenvolvimento de movimento, por exemplo a timidez. Livrar-se
da timidez, ou seja, conscientizar-se dela, é um processo de formação.
Segundo Habermas (1968, p. 261), um processo de desenvolvimento
rumo à emancipação é, em última análise, também um processo de for-
mação.
Nossas demais considerações referem-se às seguintes questões:
1. O que se entende com as dimensões de ação, anteriormente mencio-
nadas, com referência à ideia diretiva “emancipação”?
2. Quais as competências ligadas a isso?
3. Quais as consequências resultantes daí para um currículo?

A dimensão da competência de ação


pedagógica de movimento
A ideia central é a diretiva da “qualificação do aluno3 para a auto-
determinação e maturidade” (DSB, 1977, p. 38). O movimento é, aqui,
o meio de qualificação. Isto significa que os jovens têm, por princípio,
a possibilidade de desenvolver uma variedade de modalidades de movi-
mento em relação ao mundo. Na Educação Física e no esporte escolar
trata-se de tematizar e influenciar pedagogicamente essa possibilidade
da variedade de relações de movimento. O esporte escolar tem, no caso,
uma dupla função: ele deve educar por intermédio do movimentar-se e
educar para o movimentar-se (Dieckert; Hildebrandt-Stramann, 2004).
A competência de ação pedagógica de um professor de Educação Física
está em cumprir essa dupla missão. Educar pelo movimentar-se com-
preende a tarefa de contribuir para a formação da maturidade por meio
do estímulo de energias autoeducativas. Educação para o movimentar-se
compreende a tarefa de fomentar o desenvolvimento do movimento de
crianças e jovens. Segundo Funke-Wieneke (2004, p. 192), o desenvol-
vimento do movimento das crianças e jovens pode ser fomentado em
quatro áreas do movimentar-se:

3
Esta denominação inclui sempre igualmente ambos os sexos, contanto que estes não sejam
considerados explicitamente separados. Correspondentemente, isto vale também para as
denominações “professor” e “colega”.
34 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

a) na função instrumental (p. ex., poder movimentar-se com domínio da


forma de executar);
b) na função social (poder entender-se com outros por meio do movi-
mento);
c) na função simbólica (poder expressar-se com outros por intermédio do
movimento ou representar algo com o movimento);
d) na função sensível (poder perceber-se e sentir-se com o movimento).
O movimentar-se significa para a criança e o adolescente uma
forma de conhecer o mundo, que por nada é substituível. Pelo movi-
mentar-se eles deduzem o significado do movimento do mundo. “A isso
está ligada uma idéia de emancipação. A formação de movimento liberta
o homem da timidez devido ao seu corpo emperrado e desajeitado e do
aperto de um mundo insuficiente e oculto à vontade. O incremento da
liberdade de movimento abre esse mundo” (Funke-Wieneke, 2004, p.
243).

A dimensão da competência de ação de ensino


Estreitamente ligada à competência de ação pedagógica está a
competência de ação de ensino. Com a competência de ação de ensino o
professor tem condições de combinar a encenação de processos de ensi-
no-aprendizagem entre orientação-aprendiz (orientado nas necessidades
da criança = orientação subjetiva) e a orientação-conteúdo (orientado
no valor do conteúdo = orientação objetiva), isto é, intermediar entre a
criança e o objeto. Emancipação significa, aqui, livrar os alunos parcial-
mente da dependência do professor por intermédio do envolvimento em
tais processos de ensino (Hildebrandt; Laging, 1986).

A dimensão da competência de ação esportiva crítica


Um aspecto essencial da competência pedagógica de movimento
é a competência de ação esportiva. Com isso, o conceito-DSB entende a
capacidade de poder examinar as próprias experiências feitas e as experi-
ências a fazer na Educação Física sob o ponto de vista de sua validade e
condições de realização na Educação Física. Blotzheim (2005) e Maraun
(1981) denominam essa aptidão, mais exatamente, como competência
biográfica. Com isso entende-se a aptidão de poder distanciar-se, por
exemplo, da própria biografia esportiva, para romper com a própria com-
preensão, muitas vezes estreita, do esporte e assim poder estudar, pessoal-
mente, aberto à experiência (cf. também Klinge, 2000). Essa capacidade
CAPÍTULO 2
Competências Pedagógicas Básicas Para Estudantes de Educação Física
35

de controle e autorreflexão é, muitas vezes, o pressuposto para o ensino


aberto à experiência, pela capacidade de a crítica tomar decisões para dar
ou alterar os rumos da ação.

A dimensão da competência da ação científica


O desenvolvimento da capacidade de controle e autorreflexão,
porém, é apoiado pela constituição de uma competência de ação científica.
O professor de Educação Física deve adquirir uma competência científica
“para poder examinar criticamente os resultados científicos relativos à apli-
cação na Educação Física” (DSB, 1977, p. 41). Ou seja, os instrumentos
de pensamento e de pesquisa devem ser desenvolvidos com os futuros
professores em sua formação acadêmica.
Com isso entende-se principalmente o seguinte: o professor deve,
de um lado, adquirir a capacidade de questionar o programa dos tipos
de esporte, referente à sua base teórica educativa e de movimento com
sua imagem humana. De outro lado ele deve ter condições de desenvol-
ver estratégias didáticas contrárias na teoria e na prática, cientificamen-
te fundamentadas (em teoria educativa, de movimento e de ensino) e
prestar auxílio prático de orientação baseado na Pedagogia do Movimento
para uma transformação pedagógica do esporte no âmbito da Educação
Física. Para isso o professor necessita de conhecimentos da Pedagogia do
Movimento sobre o ensino e a aprendizagem do movimento na base das
relações de movimento entre o homem e o mundo e conhecer conceitos
de determinações genéticas, determinações histórico-sociais e sobre pos-
sibilidades de orientação, com base nos problemas.

A dimensão da competência de ação política


Sobre a competência de uma ação política entende-se a capacidade
de poder assumir responsabilidade política em sua área profissional e,
com referência à própria competência pedagógica e científica, impor-se
contra exigências e expectativas irresponsáveis e desenvolver alternativas
próprias (DSB, 1977, p. 41). No Brasil cabe a essa competência um signi-
ficado especial. Trata-se, basicamente, de, como responsável por crianças,
lutar por elas e seu direito a uma vida humana digna. Isso significa, por
exemplo, lutar contra a fome, por moradia, por espaço de movimen-
to, assim como lutar pelo direito de formação escolar, que compreende,
também, o direito à Educação de Movimento, o direito às aulas de Edu-
cação Física na escola.
CAPÍTULO 3

PROPOSTA DE CURRÍCULO MODULARIZADO


AO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA
LICENCIATURA DO CEFD DA UFSM
A instituição de uma proposta de currículo modularizado em
qualquer curso de Educação Física de universidade brasileira requer a
superação de diversas barreiras externas e internas, sejam elas de ordem
legal, acadêmica ou mesmo pessoal da comunidade universitária envol-
vida. O maior desafio em relação à cultura curricular tradicional brasi-
leira é ainda compreender que as bases teóricas, e suas implicações, dos
cursos de Licenciatura e de Bacharelado, possuem diferentes caracterís-
ticas. Enquanto a Licenciatura está ligada e subordinada “aos códigos da
pedagogia” (Bracht, 1999), o Bacharelado busca apropriar-se das diferen-
tes áreas constituídas no âmbito das ciências do esporte, ou seja, há um
investimento em uma formação específica para o “campo esportivo” e suas
diversidades. Em resumo: a Licenciatura busca a formação de professores,
com uma forte ligação com a escola, enquanto o Bacharelado envolve uma
formação para atuação em diferentes ramos e instituições não formais.
No caso da Licenciatura, isso tem uma implicação fundamen-
tal, ou seja, a construção necessária de uma “legitimidade no interior do
campo pedagógico, enquanto prática e disciplina acadêmica” (Bracht,
1999), do contrário corre o risco de poder ser substituída, na escola, pelos
e somente por esportes.
Essas questões são de grande valor na construção e estabelecimento
de propostas curriculares.
Uma proposta envolvendo a formação de professores para a escola
nunca estará concluída, pois é um caminho e não um ponto de chegada.
Isso implica a construção e adaptação permanente do currículo (e suas
diferentes estruturas em relação aos conteúdos) e todas as questões refe-
rentes à formação continuada de professores.
Quando essa discussão fundamentar reformas curriculares nas uni-
versidades, a substituição de disciplinas esportivas, dos currículos tradicio-
nais, pelos Campos de Experiência e de Aprendizagem, característica fun-
damental de uma proposta de currículo modularizado, a consolidação de
38 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

uma nova formação profissional em Educação Física poderá se concretizar


efetivamente. No caso da Licenciatura, é importante que os estudantes
sejam estimulados, constantemente, a elaborar perguntas pedagógicas para
adquirirem autonomia teórica e didática, afastando, assim, a compreensão
comportamentalista presente na área.
A estruturação da formação prática em Campos de Experiência e
de Aprendizagem significa não determinar o mundo de se-movimentar
desde o início para o significado esportivo. O mundo de se-movimentar
contém uma multiplicidade de significados que podem e devem ser des-
cobertos pelos estudantes e, nas escolas (no caso da Licenciatura), pelos
alunos. Isto quer dizer, também, que o significado esportivo não pode ser
eliminado do ensino.
O significado esportivo de movimento que se documenta por
meio da competição, da comparação do rendimento e do sobrepujar do
rendimento, é um significado importante, mas é apenas um significado
entre outros. Ao mesmo nível do significado esportivo de se-movimentar
estão os significados expressivos, explorativos, sensitivos, comunicativos
e produtivos (Hildebrandt-Stramann; Funke-Wieneke, 2007, p. 59-66).
Também por esse motivo é importante que os procedimentos didáticos
orientem-se na concepção didática das aulas “abertas à experiência”, que é
caracterizada mediante um procedimento didático orientado ao problema.
Por acreditarmos que uma formação profissional nessa concepção
é viável, para que a Educação Física cumpra com seu real papel social,
iniciamos um debate no CEFD da UFSM em 2019 que culminou no
desenho curricular explicitado nas Tabelas 2 e 3. O cerne da proposta
para um “novo” currículo à formação dos estudantes do curso de Edu-
cação Física – Licenciatura no CEFD da UFSM é a modularização do
currículo. Como, no entanto, há exigência legal de núcleo comum aos
quatro semestres iniciais para os cursos de Licenciatura e Bacharelado,
planejamos os módulos de 1 a 10 para esse núcleo comum, como base
teórica. Após o quinto semestre, quando os conteúdos são específicos,
optamos, nesta fase do projeto de assessoramento, elaborar módulos
apenas para o curso de Licenciatura, do 5º ao 8º semestres (Tabelas 1 a
4). Cada módulo contém diferentes seminários e carga horária e possui
um número de créditos que se forma por meio da soma dos créditos
de cada seminário. Um módulo só pode ser concluído pelo estudante
quando todos os seminários, que pertencem ao módulo, forem realizados
de maneira integral.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
39

Desenho da proposta curricular modularizada


Tabela 1 - Módulos 1 a 10: Núcleo comum aos cursos de Educação Física
Licenciatura e Bacharelado (1º ao 4º semestre)
Módulo 1 O Assunto de Estudo: Módulo 2 Movimento, Educação
BeL Teorias de movimentar-se BeL e Inclusão

1. Teorias de movimentar-se: as perspectivas da ciência 1. Teorias de Educação


natural, da fenomenologia e da antropologia. 2. Educação, sociedade e movimentar-se
2. Teorias da Profissionalização 3. Educação e inclusão através das relações de movimento
3. C. M. (Definir 1 – ver. Tab. 5) 4. C. M. (“caring, shared e against”)

Competências Competências

Módulo 3 Movimento e Saúde Módulo 4 Movimento e Sociedade


BeL BeL
1. Fundamentos da Ciência da Saúde 1. Fundamentos teórico-sociais
2. Educação e Saúde 2. História da Educação Física brasileira
3. Fundamentos biológicos, anatômicos e fisiológicos 3. Sociedade, Educação Física, esporte e lazer
4. Políticas públicas de educação, saúde, esporte e lazer 4. C. M.; e/ou
5. C. M. (Definir 1 – verTab. 5) 5. C.M.M. (Definir – 1 e/ou 2 – ver Tab. 5)
6. Movimento e nutrição/alimentação

Competências Competências

Módulo 5 Movimento e Desenvolvimento Módulo 6


Infantil, Juvenil, Humano e Campos de Experiência
BeL Aprendizagem Motora BeL e de Aprendizagem
1. C.M : A;
1. Fundamentos de desenvolvimento infantil, juvenil, 2. C.M.: B;
humano e de aprendizagem motora 3. C.M.: C;
2. Diagnóstico do movimentar-se 4. C.M.: D;
5. C.M.: E;
3. C. M (Definir 1 – ver Tab. 5) 5. C.M.: F;
6. C.M.: G;
7. C.M.: H.
(Definir – ver Tab. 5)
Competências Competências

Módulo 7 Movimento e Treinamento Módulo 8 Movimento e Fisiologia


BeL BeL
1. Fundamentos teóricos da ciência do treinamento 1. Movimento sob a perspectiva da ciência natural
2. Teorias subjetivas do treinamento 2. Fundamentos biológicos
3. Fundamentos da Biologia, Anatomia, Saúde e Fisiologia 3. Fundamentos fisiológicos
4. Treinamento e sociedade 4. C.M. (Definir 1 – ver Tab. 5)
5. C.M. (Definir 1 – ver Tab. 5)

Competências Competências

Módulo 9 Abordagens, Métodos Módulo 10 Estágio 1 e 2 para


BeL e Técnicas de Pesquisa BeL a Licenciatura
1. Planejamento das aulas de Educação Física
1. Fundamentos do trabalho científico
2. Métodos de pesquisa 2. Realização das aulas de Educação Física na escola
3. Pesquisas nos contextos: 3. Análise do ensino da Educação Física
– Movimento e Escola
– Movimento e a capacidade de rendimento motor das
crianças e jovens
– Movimento nos âmbitos extra escolares (no dia a dia das
crianças e jovens)
Competências Competências

Módulo 10 Estágio 1 e 2
BeL
1. Descrição da instituição
2. Planejamento Das atividades de movimento
3. Realização das atividades de movimento
4. Análise das atividades de movimento

Competências

Fonte: Os autores.
40 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Tabela 2 - Módulos 1 a 7: Núcleo específico ao Curso de Educação Física


Licenciatura (5º ao 8º semestre)

Módulo 1L Movimento, Módulo 2L Didática da


Escola e Ensino Educação Física

1. Oficina de Movimento 1. Métodos de Ensino


2. Escola móvel 2. Medidas e Avaliação
3. Movimento e aprendizagem 3. Análise de ensino
4. C. M. Definir 1 – ver Tab. 5) 4. Planejamento de Ensino
5. Realização/Transformação pedagógica do esporte, ligado
com um C. M. (Definir 1 – ver Tab. 5)

Competências Competências

Módulo 3L Campos de Experiência Módulo 4L Abordagens, Métodos e


e de Aprendizagem Técnicas de Pesquisa

1. C. M.: A; 1. Fundamentos da pesquisa escolar e de ensino da Educação


2. C. M.: B; Física
3. C. M.: C; 2. Métodos de pesquisa escolar e de ensino da Educação Física
4. C. M.:D;
5. C. M.: E; 3. Pesquisas no contexto:
6. C. M.: F; – Movimento e Escola;
7. C. M.: G. – Movimento e Educação Física
(Definir – ver Tab. 5)
Competências Competências

Aprendizagem Digital: Monografia


Módulo 5L Módulo 6L
Educação e Movimento de Base
1. Escolha do tema
1. Fundamentos da Aprendizagem digital e o ensino da
2. A estruturação do tema
Educação Física 3. O método da investigação
2. Competências Midiáticas, Educacionais e pedagógicas 4. O método da exposição
3. Pesquisas no contexto:
– Movimento e escola;
– Movimento e Educação Física

Competências Competências

Módulo 7L Estágio

1. Planejamento do ensino;
2. Execução dos planos de ensino na escola;
3. Avaliação do ensino e do processo/atividades

Competências

Fonte: Os autores.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
41

A proposta prevê que os 10 Módulos da Tabela 1 sejam oferta-


dos nos dois primeiros anos (4 semestres) dos cursos de Educação Física
Licenciatura (L) e Bacharelado (B), na chamada fase comum, conforme
prevê a Resolução nº 4 de 2018. Somente os estágios serão diferenciados.
Enquanto os estudantes da Licenciatura realizam o estágio em duas ins-
tituições, um na escola e outro em espaço não formal, os do Bacharelado
cumprem a carga horária em duas instituições não formais.
A seguir explicamos a estrutura de um módulo usando o exemplo
do Módulo 1 (B e L): “O assunto de Estudo: Teorias de movimentar-se”,
em que “M” significa Módulo e os números significam os seminários que
pertencem ao Módulo. Por exemplo: M 1/1 significa Módulo 1 e o semi-
nário “Teorias de movimentar-se: as perspectivas da ciência natural, da
fenomenologia e da antroplogia”; M 1/2 significa Módulo 1 e o seminário
“Teorias da Profissionalização” e M 1/3 significa Módulo 1 e o seminário
“Campos de Movimento” (CM). Pelo Plano de Estudo, os acadêmicos
devem cursar o Módulo 1 nos primeiros dois semestres do curso.
O CM não é flexível, isto é, não pode ser escolhido pelo estudante.
Ele precisa ser planejado de forma que o professor responsável o desen-
volva baseado nas teorias de movimentar-se. Se o professor, por exemplo,
selecionar o CM “correr, saltar, lançar”, ele deve planejá-lo didaticamente
de maneira que os estudantes aprendam as teorias de movimentar-se na
práxis; que eles aprendam e reflitam sobre as diferenças didáticas entre
uma configuração didática de “correr, saltar e lançar” segundo a teoria da
Ciência Natural; entre a configuração de um processo de aprendizagem
de salto segundo a teoria da sensomotricidade ou da teoria da morfologia
de Meinel e Schnabel (1984), ou segundo a teoria fenomenológica (teoria
da Gestalt ou a teoria dialógica de movimento, segundo Tamboer (1979),
Trebels (2010), Kunz (2010) e Hildebrandt-Stramann (2013c)).
O estudante deve ter a possibilidade de vivenciar, refletidamente,
que a praxis do dia a dia (a aula na escola) é completamente diferente
quando se planeja uma aula com base em distintas teorias. Ele vivencia
a relação entre teoria e prática e vice-versa. Nos seminários teóricos do
Módulo 1, por exemplo, o professor sempre pode conectar e confrontar os
conteúdos teóricos com as experiências práticas dos estudantes. Esse prin-
cípio vale para todos os módulos. Vale também para os módulos “Campos
de experiências e de aprendizagem” (Módulos 6 (B e L) e 3 (L). A grande
diferença entre a tematização dos CM em cada módulo e nos Módulos
6 (B e L) e 3 (L) é que nesses cada CM (por exemplo correr, saltar e
42 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

lançar) é tematizado sob diferentes perspectivas teóricas, especialmente


teorias didáticas (por exemplo, a diferença entre uma concepção didática
orientada ao problema, um procedimento genético e uma concepção de
métodos específicos do esporte que devem criar uma realidade esportiva
aceitável também para as crianças). Como exemplo temos as apresentações
metódicas de exercícios de aproximação para formas finais dos modelos
fixos de movimento (do minivoleibol para chegar ao voleibol).
Todas essas reflexões, além de outras, devem se replicadas em
todos módulos, mantendo-se fiel ao que cada um propõe (ao objetivo).
O Módulo 2 (B e L) “Movimento, educação e inclusão”, por exemplo,
contém teorias da inclusão e um CM chamado “Caring, shared, against”.
Esse seminário não pode ser substituído por outro CM, porque deve estar
conectado com teorias da educação, do movimento e da inclusão (Ver
exemplo no módulo 2 B e L).
Com o objetivo de descrever, didaticamente, um módulo específi-
co, a título de exemplo, utilizaremos o Módulo 1 “Movimento, Escola e
Ensino”, do curso de Educação Física Licenciatura, que inicia no quinto
semestre com o Seminário 1, “Oficina de Movimento”, seguido do Semi-
nário 2, “Escola Móvel”, do Seminário 3, “Movimento e Aprendizagem”
e por fim um Campo de Movimento, predeterminado pelo professor
que fica responsável por este módulo, e que deve ser definido, planejado
e realizado na base dos conhecimentos dos seminários anteriores.1. Nos
Seminários 2 e 3 os estudantes aprendem sobre o papel do movimento
humano para a configuração de uma escola e para a configuração didá-
tica de um processo de aprendizagem com e através de movimento.2
Seminário 1: “Oficina de Movimento” – uma Oficina de Movimen-
to deve ser entendida como um laboratório pedagógico. Três aspectos
caracterizam o trabalho pedagógico nas oficinas de movimento:

1
Também seria possível trocar a ordem dos seminários deste módulo: Os estudos no quinto
semestre podem começar com um seminário titulado “Escola Móvel” e “Aprendizagem
Móvel” e depois os estudantes realizam o seminário “Oficina de Movimento”, vinculado
a um Campo de Movimento. Isto é, a ordem dos seminários poderia ser flexível, pois
altera a ordem de oferta.
2
Possibilidades de conteúdos e as teorias dos seminários “Oficina de Movimento”, “Escola
Móvel” e “Movimento e Aprendizagem” são descritos detalhadamente no livro Hilde-
brandt-Stramann; Taffarel, 2017. “Oficina de Movimento” (p. 51-65), “Escola Móvel”
(p. 35-51) e “Movimento e Aprendizagem” (p. 66-79).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
43

1º) Os estudantes, e depois os alunos nas escolas, inventam e constro-


em aparelhos e materiais de movimento. Neste livro mostramos um
exemplo no qual estudantes e alunos de uma escola pública de Ensino
Básico constroem aparelhos de lançar (ver o texto no Módulo 6 (B) e
Módulo 3 (L): Campos de Experiência e de Aprendizagem). Em outro
exemplo do Campo de Movimento, “Movimentar-se na água”, os estu-
dantes constroem, durante uma oficina, “barbatanas” (ver Módulo 6
(B) e Módulo 3 (L): Campos de Experiência e de Aprendizagem).
2º) Os estudantes e os alunos nas escolas experimentam as situações de movi-
mento autoconstruídas. Como material de construção eles podem utilizar
objetos do dia a dia, como câmaras de ar de caminhão, tábuas, pneus de
carro, cordas, etc. (cf. Grupo de trabalho pedagógico, 1991, p. 54-62).
3º) Para os estudantes de Educação Física, a Oficina de Movimento pode
ter a função de um local de aprendizagem ou de aperfeiçoamento profis-
sional. Essas funções ocorrem quando os estudantes têm a possibilidade
de vivências com a encenação e com os diferentes tipos de aprendiza-
gens. A práxis com crianças pode ter o significado de um laboratório,
que lhes possibilita treinar relações pedagógicas de movimento (Módulo
6 (B e L): Campo de Experiência e de Aprendizagem – Seminário 6
(B e L): Campo de Movimento “Correr, saltar, lançar” – Exemplo
12). Durante uma Oficina de Movimento assim, os estudantes têm a
possibilidade de aprender de maneira diferente, isto é, aberta à experi-
ência, ativa e criativamente, pesquisando e descobrindo. Como futuros
professores, esses estudantes devem assimilar essa atitude com a intenção
de também praticá-la na escola, nas aulas de Educação Física.
Seminário 2: “Escola Móvel” – no desenvolvimento desse Seminário
os estudantes aprendem como uma escola pode ser vista sob a perspectiva
da pedagogia de movimento. Sob esse ponto de vista, a escola é interpre-
tada como um lugar para movimentar-se, onde movimento é entendido
como um princípio geral na organização e configuração da escola. O
movimento deve transformar-se numa parte construtiva de aprendiza-
gem e de vivência na escola. Temas para esta configuração pedagógica
da escola, sob a perspectiva de movimento, são, por exemplo, “a sala
de aula móvel”, “temas voltados ao corpo e à postura”, “aprendizagem
interdisciplinar”, etc. A uma escola móvel pertencem salas móveis. E salas
móveis são caracterizadas por meio de um inventário móvel, que pode
ser construído numa oficina de movimento (cf. Hildebrandt-Stramann,
2009c, p. 62; ver fotos 1 e 2).
44 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Seminário 3: “ Movimento e Aprendizagem” – aqui são tematiza-


dos teoricamente as relações entre “fazer e pensar” no sentido de uma
aprendizagem total. Os estudantes analisam nesse seminário as Teorias de
Aprendizagem Móvel, como os tipos de “aprendizagem com movimento”
e “aprendizagem por meio de movimento” (cf. Hildebrandt-Stramann;
Taffarel, 2017, p. 70). No decorrer do desenvolvimento dos conteúdos os
estudantes também aprendem a aplicar esses tipos de aprendizagens em
diferentes disciplinas, como na Matemática ou no Português, baseadas
nas teorias da aprendizagem, teorias neurocientíficas e teorias fenome-
nológicas.
Seminário 4: “Campo de Movimento” (CM) – o professor respon-
sável desenvolve um CM no qual os estudantes aprendem a construir,
por exemplo, assentos e mesas para experimentar temas do corpo e da
postura (por exemplo: “tensionar e relaxar”).

Para concluir um Módulo é fundamental que o professor respon-


sável retome os conteúdos teóricos dos seminários anteriores e os relacione
com o CM. Neste livro, como exemplo, mostramos a conexão entre teoria
e prática (CM) na descrição dos Módulos 2 (B e L) “Movimento, educa-
ção e inclusão”, 3 (B e L) “Movimento e saúde” e 4 (B e L) “Movimento
e sociedade”.

Tabela 3 — Núcleo comum: plano de estudos aos cursos de


Educação Física Licenciatura e Bacharelado

8.

7.

6.

5.
escola

-escolar
M10 /

extra-
M10 /
M9 / 1, 2, 3

4.
M5 / 1, 2, 3

M8 / 1, 2, 3
M7 / 1, 2, 3, 4, 5
M6 / 1, 1, 2
M3 / 1, 2, 3, 4, 5, 6
M2 / 1, 2, 3, 4

M4 / 1, 2, 3, 4

3.
M1 / 1, 2, 3

2.

1.

Fonte: Os autores.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
45

Tabela 4 — Plano de estudos para o curso de Educação Física


Licenciatura (5º ao 8º semestre)

M6 / 1, 2, 3, 4
M4 / 1, 2, 3
M3 / 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7,..
M1L /2, 3
ou 1, 4

8.
M2L / 1, 2, 3, 4, 5

M7 / 1, 2,
3, 4, 5
7.

M5 / 1, 2, 3
M1L / 1, 4
ou 2, 3

6.

5.

4.

3.

2.

1.

Fonte: Os autores.

Os planos de estudo (Tabelas 3 e 4) mostram a distribuição dos


módulos durante dois anos do curso (quatro semestres). Os seminá-
rios, nos diferentes módulos, são numerados. Campo de Movimento
(CM) (voltado mais à prática) é também denominado de Seminário
por conter reflexões teóricas e práticas. Reflexões teóricas não somente
no sentido da teoria esportiva, mas sim das teorias gerais, como da
Teoria de Aprendizagem, da Teoria da Gestalt, da Teoria da Percepção,
etc. Todos essas teorias são necessárias para compreender, por exemplo,
a aprendizagem motora.
Como os seminários, geralmente, baseiam-se uns nos outros em
termos de conteúdo, os estudantes devem participar dos seminários na
sequência, no entanto a ordem deles é apenas uma recomendação. Os
estudantes podem escolher uma ordem diferente, dando assim a eles a
liberdade de planejar as atividades que pretendem realizar ao longo do
curso.
46 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Nesta proposta sugere-se que os seminários do Módulo 6 sejam


realizados nos primeiros quatro semestres e também do 5º ao 8º. Para isso
é importante que o Núcleo Docente Estruturante (NDE)3 defina os CM
a serem oferecidos nos primeiros quatro semestres e quais nos semestres
seguintes. Uma possibilidade é ofertar todos os CM, de forma obrigató-
ria, a todos os estudantes nos quatro primeiros semestres, e nos semestres
seguintes alguns como aprofundamento. A mesma estrutura pode ser
aplicada ao Módulo 7, “Movimento e treinamento”.
Campos de Movimento dos Módulos Campos
de Experiência e de Aprendizagem
Tabela 5 — Campos de movimento
Campos de Movimento Oferta
Correr, saltar e lançar Obrigatória
Movimentar-se com e sem aparelhos (ginástica) Obrigatória
Movimentar-se na água Obrigatória
Lutar (Artes Marciais) Obrigatória
Cultura urbana de movimento: Capoeira Obrigatória
Jogar Obrigatória
Jogar em equipes Obrigatória
Pequenos jogos Opcional
Expressar-se e interpretar por meio do movimento Obrigatória
Relações de Movimento de Mutualidade, em Conjunto e em Obrigatória
Oposição (Caring, shared, against)
Esporte de aventura Opcional
Esporte de risco Opcional
Locomover-se com rodas Obrigatória
Outros Definir
Fonte: Os autores.

Descrição de módulos
A seguir, a título de exemplo, descreveremos os conteúdos dos
seguintes módulos dos cursos de Educação Física – Licenciatura e Bacha-
relado – estruturados durante o desenvolvimento do projeto em agosto

3
O Núcleo Docente Estruturante (NDE) de um curso de Graduação foi instituído por
meio da Resolução nº 01 de 17/06/2010, e constitui-se de um grupo de docentes com atri-
buições acadêmicas de acompanhamento, atuante no processo de concepção, consolidação
e contínua atualização do projeto pedagógico de curso. Acesso em: 26 de maio de 2020.
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=6885-
-resolucao1-2010-conae&Itemid=30192
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
47

de 2019, no CEFD da UFSM: Módulo 1 (B e L): O assunto do estudo:


Teorias de Movimentar-se; Módulo 2 (BA e L): Movimento, Educação
e Inclusão; Módulo 3 (B e L): Movimento e Saúde; Módulo 4 (B e L):
Movimento e Sociedade ; Módulo 5 (L): Aprendizagem digital, educação
e movimento; Módulo 5 (B e L): Movimento e desenvolvimento infantil,
juvenil, humano e aprendizagem motora; Módulo 9 (B) e Módulo 4 (L):
Abordagens, métodos e técnicas de pesquisa; Módulo 6 (B) e Módulo 3
(L): Campos de Experiência e de Aprendizagem (Como exemplos serão
descritos três “Campos de Movimento”: “Correr, saltar e lançar”; “Movi-
mentar-se com e sem aparelhos (ginástica)”; “Movimentar-se na água”.4

Módulo 1 (B e L):
O assunto do estudo — Teorias de Movimentar-se
Os estudantes geralmente optam por um curso universitário de
Educação Física devido a sua própria prática esportiva bem-sucecida.
Para a maioria dos estudantes o objeto de estudo é claro: vão estudar
“esportes” e em muitos cursos universitários de Educação Física real-
mente o fio condutor é o “esporte”. Um curso universitário de Educação
Física, no entanto, deve tratar menos da melhoria do rendimento atléti-
co individual (que a maioria dos estudantes busca), e focar a formação
na ciência do esporte, que vai prepará-los, de forma teórica e prática,
para a função de professor de Educação Física escolar e de treinador.
O professor de Educação Física e o treinador devem adquirir a capaci-
dade de configurar o processo de treinamento e das aulas de Educação
Física cientificamente fundamentadas e autônomas. Em outras palavras,
trata-se do desenvolvimento da competência de ação pedagógica de
movimento e da competência de ação de ensino.
Nesse contexto pedagógico o objeto de estudo não é mais o
esporte, mas sim o movimento humano. Segundo Buytendijk (1956),
na teoria de movimento são identificados dois paradigmas:
1) o das Ciências Naturais e
2) o da Reflexão Fenomenológica de Movimento (Trebels, 1992, p. 338-
344).

4
A fundamentação teórica de outros módulos e seminários podem ser encontrados em
Hildebrandt-Stramann e Taffarel (2017).
48 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

A seguir vamos descrever os dois paradigmas e justificar por que


definimos o movimento humano como o objeto de estudo num curso
universitário de Educação Física.

A visão científica natural do movimento


A reflexão científica natural do movimento define o movimen-
to como o deslocamento de um corpo físico no espaço e no tempo.
Movimento é visto no aspecto externo de sua execução visível e passível
de descrição analítica. O aspecto interno do movimento não é consi-
derado, justamente porque esse aspecto não pode ser pesquisado de
forma empírico-analítica. Nesse paradigma é diferenciada uma análise
morfológica e biomecânica do movimento. Do ponto de vista de Meinel
e Schnabel (1984), a análise morfológica tem um status pré-científico
em virtude da falta de objetividade das pesquisas sobre movimento. Na
compreensão biomecânica, resolve-se o problema da falta de objetivi-
dade. Nessa mesma perspectiva realizam-se esforços para conseguir pes-
quisar movimentos esportivos de forma empírico-analítica, assim como
para adquirir sua descrição objetiva. Desse modo, segue-se pesquisando,
com a ajuda das teorias mecânicas da Física e dos conhecimentos sobre
o sistema biológico do homem, as particularidades do movimento e
questões relacionadas com a sua otimização, conforme as predetermi-
nações do sistema esportivo. Essa visão contém implicações normativas
que gostaríamos de ressaltar:
1ª) Essa visão de movimento tem um pré-conhecimento do que é um
“movimento correto”. Esse pré-conhecimento depende, de um lado,
das predeterminações dos desportos; de outro lado, é produzido pela
própria teoria que segue o objetivo estipulado para a otimização do
movimento (como a minimização do tempo e a maximização da dis-
tância). O modelo desses movimentos “corretos” é encontrado nos
movimentos dos esportistas de alto nível.
2ª) O auxílio para cada pessoa no processo de aprendizagem motora pren-
de-se ao objetivo de capacitá-la a chegar bem perto daqueles modelos
de movimento legitimados biomecanicamente. Nessa implicação, o
movimento é reduzido à sua perspectiva científica natural apreensível.
A individualidade de cada um, como pessoa, não existe. O
homem aparece na perspectiva biomecânica como corpo físico, com
articulações ideais. Ele manifesta-se como sistema biológico, cujas
conduções e funções são determinadas por meio de regras fisiológicas
(Trebels, 1992, p. 339; Kunz, 1991, p. 174 et seq.). Também o mundo
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
49

de movimento se reduz ao mundo do espaço e dos aparelhos que são


objetivados fisicamente. Nessa visão, o sentido de movimento, conforme
o significado configurado pelo homem, não é discutido.
Apresentamos a seguir uma questão fundamental nessa perspec-
tiva: Que relevância pedagógica tem essa maneira de observação para
a promoção da vida de movimento das crianças e jovens? A pergunta
parece-nos mais importante quando é afirmada sem uma legitimação
pedagógica, em que as análises biomecânicas ou morfológicas teriam
a função de instrução e ajudariam a identificar erros na execução do
movimento.
O que legitima, a priori, o uso de uma análise biomecânica como
norma de uma correta execução de movimento? Com quais argumentos
pedagógicos legitima-se o uso de pesquisas empírico-analíticas?
Sabemos que esse paradigma tem consequências concretas para
a configuração do ensino de movimento. Quem entende o movimento
como um comportamento predeterminado e imposto, deve construir
situações como estímulos, que trazem seus alunos do estado de repouso
para o de movimento. Nessa posição, monólogos são preferidos em
razão do possível controle. Um diálogo não é necessário, pois o profes-
sor, baseado no seu conhecimento biomecânico, dá aos seus alunos o
movimento ideal como um objetivo.
Baseado na comparação da situação atual do movimento com a
situação em que deveria estar, o professor fornece informações verbais
definidas ou oferece uma programação de aprendizagem a seus alunos.
Nós conhecemos as teorias da sensomotricidade ou as teorias da infor-
mática, que são os fundamentos teóricos para um tipo de ensino baseado
no monólogo. A aprendizagem do movimento não é mais uma ação do
aluno, mas, sim, do professor. O aluno está alheio ao seu movimento
e, consequentemente, ao seu corpo. Ele é um objeto no qual deve ser
estabelecida uma forma estranha de movimento.

A visão fenomenológica do movimento


Uma concepção de movimento contraditória é apresentada pelo
paradigma fenomenológico de movimento. O núcleo dessa visão é que,
quando nós, por exemplo, observamos crianças numa aula de Educação
Física, não podemos observar movimentos, mas, sim, pessoas se movi-
mentando. Não podemos observar um salto, mas, sim, pessoas saltando.
Temos aqui um sujeito que se movimenta e um mundo (uma situação)
com o qual esse movimento está relacionado. Gordijn, pedagogo holan-
50 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

dês, compreende movimento como uma metáfora. Ele diz: “O movimen-


to humano é um diálogo entre homem e mundo” (citado por Tamboer,
1979, p. 14).5 Com isso, Gordijn quer destacar: cada homem conversa
com seu mundo e, nesse caso, sua língua é o movimento.
O homem coloca, enquanto se movimenta, perguntas de movi-
mento para seu mundo e recebe respostas de movimento. Mundo não
é somente meio ambiente (no sentido físico), mas também os outros
homens. O homem entra em contato com as coisas ou com os homens
pelo movimento. Um exemplo: uma criança está sentada em um
balanço. Gordijn diria: o balanço estaria falando para a criança: “O
que você está fazendo?”. A criança responderia com seu movimento. A
partir disso, o brinquedo balança para a frente e responde dessa forma:
“Estou te amortecendo”. A criança diz: “Estou te seguindo” e, novamen-
te, flexiona o corpo para a frente. Assim resulta, de uma pergunta de
movimento, um diálogo permanente, um diálogo de movimento entre
a criança e o aparelho, que leva, finalmente, para um balançar constante
ou para uma interrupção de balançar, quando a criança não consegue
balançar constantemente. Nesse caso, muitas vezes o balanço recebe um
pontapé e a criança diz: “Balanço estúpido!”
De forma semelhante, também podemos imaginar uma criança
jogando com seu pai. Ela corre contra o pai; talvez ele recue em alguns de
seus movimentos, tornando-se, então, para a criança, um companheiro
para as atividades. Assim, resulta também um tipo de diálogo de movi-
mento e podemos ver que essas duas pessoas estão configurando o movi-
mento. O movimento, portando, é compreendido como não sendo do
homem e nem do mundo, mas, sim, somente do seu relacionamento.
Com isso Gordijn quer expressar que ele não aceita uma separação das
instâncias diferentes dentro do acontecimento; por exemplo, uma separa-
ção do corpo e do espírito, do motriz e da intenção. A intenção, o sentido,
que preconfiguramos em relação à avaliação do resultado final, não pode
e não deve ser separada do que acontece nas modificações da posição do
corpo pelo movimento.
O se movimentar sempre está cheio de intenções, sempre é um
homem que se movimenta. Esse movimento tem um produto individual
e especial. Dentro do diálogo, dentro desse jogo de pergunta e de resposta,

5
Tamboer chama esta concepção do corpo como “relacional” (Ver Trebels, 1992, p. 341).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
51

o homem identifica significados motrizes das coisas e dos outros homens.


Ele projeta os significados na pergunta: “O que poderia ser isso?”, e recebe
o significado na resposta e no processo global do diálogo.
Movimentar-se é só uma forma de disputa do homem com o
seu mundo, do qual ele recebe os significados. Gordijn expõe mais duas
formas: pensar e falar. Exemplo: É possível observar a água numa piscina
e pensar sobre ela. Também é possível falar algo sobre uma piscina. E
também é possível jogar-se na água. Por isso, o homem vive em diferentes
mundos de significados que são cada vez mais determinados pela forma
de acesso que ele pode escolher. Assim, o ambiente tem para os homens
significados diferentes, como o significado do movimento.
Voltemos para o exemplo que envolve uma piscina. Somente
quando ultrapassamos o limite entre a beira da piscina e a água e entra-
mos na água é que podemos descobrir e testar os significados do movi-
mento que ela possui. Estes são, por exemplo, os significados que a
água carrega ou que precisamos nos afastar dela para propulsionar. O
fato é que o ambiente tem para os homens significados diferentes. No
dia a dia podemos exemplificar da seguinte forma: uma cadeira, por
exemplo, tem, para uma pessoa que estava andando há muito tempo,
o significado de um banco de descanso. Para uma criança, a cadeira
tenha talvez o significado de um aparelho de subir, possivelmente para
abrir uma porta. Uma pedra pode ter o significado de um objeto para
ser carregando, mas quando a lançamos, identificamos o significado de
movimento desse objeto.
O mundo não pode ser identificado somente pelo pensar, mas,
também, pelo movimentar. Movimento é um meio de conhecimento e
com isso identificamos o seu significado.
Assim como o paradigma científico-natural tem suas consequ-
ências na configuração do ensino, o paradigma fenomenológico tem
também suas consequências. O exemplo do balanço mostra a condição
para a experiência do movimento como exata, como certa, baseia-se
num jogo dialético conjunto entre forças estimuladas e forças ativadas.
Essas forças determinam as possibilidades e os limites da ação correta.
A forma especial de movimento configura-se somente no pro-
cesso dialógico com as coisas no mundo. A forma nunca está presente,
mas resulta do processo desse diálogo. No processo de aprendizagem,
isto é, no desenvolvimento de uma forma adequada, desenvolve-se um
sentido para uma execução de movimento correto ou errado. Entende-
mos que nós, como professores de Educação Física, temos a tarefa de
52 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

tornar nossos estudantes na universidade e nossos alunos nas escolas


responsáveis pela procura de informações que só podem ser encontradas
mediante a experimentação. Eles devem buscar características de movi-
mentos que são determinadas pelas sensações.
A partir da teoria da aprendizagem motora, que se fundamenta
na teoria da Gestalt ou na teoria da percepção, sabemos que ninguém
pode tirar dos aprendizes a procura por esse tipo de informação. Exa-
tamente aqui encontra-se a fundamentação teórica do movimento para
uma aula aberta às experiências de educação física (Hildebrandt-Stra-
mann, 2009c; Kunz, 1991, p. 190).
Essas teorias não se orientam na configuração de processos de
ensino-aprendizagem em uma estrutura técnica objetiva de movimento,
mas, sim, consideram a estrutura subjetiva de ação e a relação de troca
entre os seres humanos e o meio ambiente. Chamamos a essa concepção
de “global” ou “total”, porque relaciona o homem com o mundo e vice-
-versa. Isso é um fundamento caraterístico da existência humana, que
Merleau-Ponty (1966) denomina de “estar para o mundo”.
Também encontramos essa relação indissolúvel no modelo circu-
lar da Gestalt (Weizsäcker, 1966), em que perceber e movimentar é uma
unidade. Na teoria morfológica de movimento de Meinel e Schnabel
(1984) existe uma separação entre aspectos sensitivos (dos analisadores)
e motores (os centros motrizes efetores). Segundo Meinel e Schnabel, os
dois estão num contexto causal (apud Trebels, 1992, p. 340).
Em contraposição a isso, a teoria da Gestalt não fala em um
contexto causal do sistema sensitivo e do sistema motor, mas, sim, de
uma coincidência. Coincidência significa – e isso é o que caracteriza a
Gestalt – que o perceber acontece ao mesmo tempo em que ocorre o
movimentar e vice-versa. O perceber influencia o movimentar e vice-
-versa.
Essa unidade de movimentar e perceber corresponde, no proces-
so de treinamento, ao contexto significativo do “sentir” e “conseguir”.
Na teoria de aprendizagem motora fala-se hoje de uma “aprendizagem
de movimento controlado por efeito”. De acordo com isso, as chamadas
“stimulus-response-effect-relations” (estímulo-resposta-efeito-relações) são
a base do controle motor e da aprendizagem motora (Scherer, 2018, p.
197). Na combinação do sentir e conseguir será evidenciada a relação do
contexto interno com o externo do sujeito, do movimento nas suas per-
cepções e da situação de movimento na sua própria ação de movimento.
O problema da aprendizagem motora consiste em aprender o “se sentir”
CAPÍTULO 3
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53

na execução do movimento, crescentemente, da forma mais diferenciada


e em relação à situação, iniciando o processo de movimentação de modo
que o excesso e a falta de energia possam ser equilibrados passo a passo.
O paradigma fenomenológico apresentado aqui, que na literatu-
ra também é referido como uma compreensão dialógica do movimento
(Tamboer, 1979; Trebels, 2010; Kunz, 2010, Hildebrandt-Stramann,
2013a), é a base da teoria do movimento para a configuração e discussão
dos conteúdos dos outros módulos. Por isso, a tematização e problemati-
zação da questão do assunto é um conteúdo básico no início de um estudo
acadêmico na Educação Física. Encontra-se, acima de tudo, nos módulos
dos Campos de Experiência e de Aprendizagem (Módulos 6 (B) e 3 ( L).

Módulo 2 (B e L): Movimento, educação e inclusão


Educação é uma parte da socialização geral, isto é, aquele setor de
interações conscientes e socialmente regulamentadas, nas quais o jovem,
no seu processo de desenvolvimento, é qualificado a aprender maneiras
culturais de uma sociedade e prosseguir no seu desenvolvimento e nesse
processo de qualificação tornar-se uma pessoa independente e responsável.
Essa introdução pode ser descrita em duas dimensões relacionadas:
a) como processo da socialização, pelo qual crianças e jovens se desenvol-
vem como seres sociais;
b) como processo da individualização, pelo qual crianças e jovens se
desenvolvem como indivíduos únicos e inconfundíveis.
No contexto dessa socialização geral, a educação representa um
campo organizado, planejado, sistematizado e intencional, pelo qual, na
nossa sociedade, agências sociais e instituições específicas, por exemplo, a
família ou a escola, são as responsáveis pela construção cotidiana.
Como ideia básica, temos o desenvolvimento da capacidade de
ação (Capítulo 2), considerando que a educação visa sempre ao indivíduo,
ao educando. O seu interesse, entretanto, não pode ser reduzido a uma
concepção individualista, mas, sim, deve permanecer claro o seu sentido
histórico-social, sem, contudo, renunciarmos ao seu aspecto individu-
al. A educação deve ser colocada na amplitude normativa que vai da
autorrealização individual à emancipação da sociedade. Esses aspectos
fundamentam o ideal pedagógico de um sujeito capaz de se tornar atuante
por intermédio da educação; um indivíduo que pode atuar nos diversos
setores existentes da sociedade, mas, ao mesmo tempo, está interessado no
desenvolvimento de uma sociedade democrática e é capaz de participar
54 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

racionalmente dessa mudança. Participação na sociedade como ela é, a


problematização das suas estruturas enrijecidas e suas novas perspectivas,
constituem as duas dimensões dialeticamente limitadas de um conceito
pedagógico de capacidade de ação.
A educação, que está interessada em um indivíduo capaz de atuar,
realiza-se como uma ação comunicativa. Com isso, entende-se uma ação
que não tem por objetivo transmitir significado, mas que visa muito mais
à compreensão das diretrizes e objetivos de ação. Mediante a atuação na
prática e a reflexão, deve ser possibilitada ao educando uma compreensão
do “seu mundo” e da realidade social, uma conscientização das condições,
possibilidades e consequências de seu agir – explicação e reflexão pró-
prias, em vez da manipulação. Para isso é necessário encarar seriamente as
crianças e os jovens como sujeitos que são capazes de agir no seu mundo.
Educar, em princípio, deveria significar promover a autoeduca-
ção. Autoeducação nos designa o cerne do modo de entender a educa-
ção (Hildebrandt-Stramann, 2004, p. 72). “Significa dizer que o jovem
se relaciona com pessoas, coisas, termos e acontecimentos, disposto a
mudanças, na pretensão de ampliar sua vida” (Hildebrandt-Stramann,
2004, p. 72). Este objetivo não vale somente para as aulas da Educação
Física nas escolas, mas para a formação universitária também. Na forma-
ção universitária os estudantes precisam de certa liberdade para organizar
e realizar seus estudos. A diferença, porém, em relação à escola, é que o
estudante deve aprender certa atitude perante o objetivo da autoeduca-
ção. Para que a capacidade da autoeducação possa se desenvolver, além
da atitude é necessário um “meio ambiente” educativo correspondente.
Por “meio ambiente” (Milieu) entende-se as relações pessoais entre estu-
dante e professor baseadas na compreensão e no método de ensino, que
é determinado por meio da intermediação entre estudante e a matéria.
Neste módulo nós desenvolvemos um projeto com o título “Inclu-
são por meio de relações de movimento”. Neste projeto criamos um “meio
ambiente” no qual os estudantes tiveram a tarefa de estudar e experimen-
tar uma atividade educativa, que coloca no seu centro as “relações de
movimento”. Por meio das relações de movimento eles se educam para
mais tolerância e compreensão em relação aos seus colegas.

Inclusão por meio de relações de movimento


O tema implica o direito de inclusão, no qual o aspecto da relação
social, realizada por meio de movimento, entra no primeiro plano. Na
prática atual de inclusão as relações de movimento têm pouco peso. Aqui
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
55

trata-se principalmente da promoção de crianças com deficiência no con-


texto regular escolar na aprendizagem das técnicas de cultura. A partir das
nossas experiências de assistir aulas nós caracterizaríamos a situação das
crianças a serem incluídas como “juntos solitários”. “Relacionamento”
e “movimento” quase não ocorrem na prática da Pedagogia de Inclusão
e tampouco em debates. A seguir apresentaremos o relacionamento e o
movimento como elementos centrais da nossa compreensão de inclusão.
Inicialmente compilamos nossa compreensão pedagógica de movimento
de inclusão nas seguintes cinco afirmações:
1. Somente por meio de um adequado encontrar e treinar rela-
ções de movimento entre alunos com e sem deficiência,6 pode
ser alcançada uma ideia de inclusão no ensino escolar, que
faz jus ao direito de um agir comum de todos os alunos.
Como se dá isto?
2. Agir em comum só tem sentido em direção à inclusão de
pessoas/crianças/jovens com deficiência com as demais pessoas
se surgirem daí relações sociais que vão além do arranjo de
ensino e da própria situação de aula. Como o ensino pode
estimular isto?
3. Somente por meio das experiências feitas por meio de um agir
cooperativo bem-sucedido entre alunos com e sem deficiência
no âmbito escolar, pode, em nossa cultura, ser conseguida
uma inclusão também no âmbito extraescolar, que vai além
de um simples lado a lado e dedicação caritativa.
4. O âmbito escolar: enquanto a didática da Pedagogia de
Inclusão fornece poucos exemplos concretos de verdadeira
comunhão bem-sucedida e é orientada em medidas de dife-
renciação interna, haverá pouca mudança no ensino de movi-
mento. Faz-se necessária uma didática da “heterogeneidade
praticante”.

6
Pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo Relatório Mundial sobre Deficiência
(2011) e adotada pela Lei Brasileira de Inclusão (2015), a definição de Pessoa com
Deficiência é: “Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com
uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas.” Por isso, aquelas que não possuem tais
impedimentos são denominadas de Pessoas sem Deficiência.
56 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

5. Relações de movimento entre pessoas se movimentando com


condições muito heterogêneas só podem ser bem-sucedidas se
o âmbito ideal da tradicional prática de desportos (atração por
meio da constatação da diferença igualitária) é abandonado
em benefício de um movimentar e jogar mais orientado na
solidariedade e em normas individuais (diferente igualdade).
O que significa “diferente igualdade” nesse conjunto?

O que é uma relação de movimento e como ela funciona?


Definimos relação como uma ligação, como uma coesão que pode
surgir entre pessoas e coisas.
Na língua alemã a palavra “relação” (Beziehung) contém também
o verbo puxar (ziehen). Independentemente se a gente puxa algo para
si ou atrás de si, se a gente faz alguém acompanhar (mitziehen) ou faz
algo passar ao lado da gente (vorbeiziehen), o verbo sempre descreve uma
dinâmica de movimento entre dois polos que de qualquer maneira estão
ligados entre si e se influenciam mutuamente.
No sentido mais restrito, uma ação comum de pessoas sustentada
pelo movimento e orientada em movimento é uma relação de movimento
se ele influencia mutuamente os envolvidos. O meio do movimento gera
no caso a troca da correlação. Nisso surge uma tensão na interação, cujo
elemento primário mantido é o movimento, com o qual as relações de
movimento de um lado se distinguem (como amizade ou relações eróti-
cas), mas por outro lado mostram semelhantes características de estrutura
(p. ex., simpatia, atração social positiva, contato físico).
Exemplo: a capoeira pode ser descrita como um jogo de movi-
mento mútuo entre dois parceiros. Uma pessoa sozinha não pode reali-
zar capoeira. É um jogo de movimento em que duas pessoas estão num
constante diálogo de movimento. Um parceiro executa um movimento
e o outro responde, abaixando-se, desviando-se e por sua vez inicia um
movimento para que o outro parceiro responda por meio do seu se-mo-
vimentar.
Uma relação de movimento pode ser estabelecida por meio de
diferentes “canais sensoriais”, que transportam a “mensagem de movimen-
to”. No passe de uma bola de voleibol para o parceiro, o movens (o meio
de movimento) é a bola que põe os parceiros de movimento em relação.
Na dança de pares a música é o movens, ou seja, o ritmo comum, que por
intermédio do contato dos membros do corpo é estendido a uma relação
de movimento. Assim, a observação da direção do movimento e da velo-
CAPÍTULO 3
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57

cidade da bola no passe de voleibol dá a informação central ao parceiro


de movimento, que procura encontrar uma correspondente resposta de
movimento, contudo também o ruído do toque de bola e a observação
do movimento de correr e bater do parceiro têm muita importância na
antecipação da reação de movimento. Basicamente estão à disposição os
seguintes canais físicos para estabelecer relações de movimento: ótico,
acústico, corporal (tátil), cinestésico e o analisador estático-dinâmico.
Importante para o êxito de uma relação de movimento é dar atenção
“com todos os sentidos” aos sinais de movimento do ou dos parceiros de
movimento e um adequado assimilar cognitivo na construção de uma
figura (Gestalt) de movimento em comum, que pode ser sentido como
bem-sucedido.

Inclusão no âmbito do raciocínio didático de movimento


A realidade de uma didática de movimento inclusiva é caracteri-
zada por dois pontos de vista, que só podemos apresentar sucintamente.
Denominamos o primeiro raciocínio de “juntos solitários”. Nesse modo
de pensar o desporto e a Educação Física são vistos como excelentes para
processos de integração e inclusão. O outro conceito didático denomi-
namos como “comunhão bem-sucedida por meio da heterogeneidade
praticada”.

“Juntos solitários”. Referente à desqualificação do


desporto e da Educação Física para processos de inclusão
Investigações empíricas na Alemanha,7 por exemplo de Scheid
(1995), comprovam que o desporto é extraordinariamente apropriado
para diminuir preconceitos e distâncias sociais em relação às pessoas
com deficiência. Na Educação Física a aceitação aumenta e em geral se
constata mudanças de atitudes positivas nas pessoas sem deficiências.
Estes resultados foram obtidos num momento em que as pessoas com
e sem deficiência, em regra:
a) movimentavam-se em dois mundos completamente separados, a saber,
no mundo dos desportistas e no mundo dos desportistas com defi-
ciência;

7
Não conhecemos estudos semelhantes no Brasil. Por isso referimo-nos a investigações
feitas na Alemanha.
58 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

b) movimentavam-se em dois mundos de escola totalmente separados,


o da escola regular e da escola especial (na Alemanha por exemplo,
existem escolas especiais para pessoas com deficiência).
Neste contexto, quando se movimentavam juntos, em regra era
a psicomotricidade o conteúdo “ideal” e como eram oferecidos cenários
com aparelhos para a livre descoberta pelas crianças e resumindo que
“no ensino do movimento psicomotor, as deficiências nem se manifes-
tavam porque cada criança encontrava algo correspondente às suas capa-
cidades” (Destenay, 1995, p. 78; Eggert, 1994). Por isso também parecia
não serem mais necessárias outras medidas de diferenciação, porque as
crianças com deficiência participavam tão bem como podiam, de acordo
com suas capacidades.
Investigações empíricas do grupo de trabalho em torno de
Lühmann e Weichert (2008) mostram, contudo, evidentes diferenças
entre crianças com e sem deficiência, que resumimos a seguir:
1. As crianças com deficiência mal ou pouco se movimentam.
2. As crianças com deficiência mal ou pouco estão incluídas em
atividades dialógicas de movimento com outras crianças. Isto
vale também para os anteriormente mencionados cenários de
movimento. Também nessa Educação Física de argumentação
explícita psicomotora os alunos/alunas com deficiência são
“juntos solitários”.
O princípio metódico-didático, ao qual os representantes desse
conceito da psicomotricidade se referem, é a diferenciação interna. Dife-
renciação interna refere-se aqui às coisas em comum no grupo, quando
se entendem um com o outro na sala e há uma participação no processo
de aprendizagem do outro.
É uma situação de integração respectivamente de inclusão que
observamos sempre em tais processos de aprendizagem escolar, em que
se trata das técnicas de cultura da leitura, da escrita e da Matemática.
Sempre quando as diferenças entre crianças sem deficiência e crianças com
deficiência se tornam demasiado significativas, as pedagogas especiais, os
educadores ou os voluntários nas classes de inclusão geralmente realizam
atividades separadamente.
Supomos que isto é como sempre a prática de integração usual,
também e precisamente na Educação Física. Esta prática igualmente não
mudará, enquanto na relevante didática especial são sugeridas medidas
de diferenciação interna para lidar com a heterogeneidade e então, como
o exemplo do “cenário de aparelhos” mostra, também são praticadas.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
59

A alternativa consistiria no aprender das crianças uma com a outra em


situações de aprendizagem complementares ou cooperativas precisamente
ali, onde existem grandes diferenças de desempenho.
Assim, podemos citar dois exemplos quando se tem alunos com e
sem deficiência nas turmas: 1) em uma aula, em que o objetivo é melho-
rar a escrita (por exemplo, ditado), o professor poderá sugerir que em
duplas um colega faça o relato sobre como foi seu final de semana, e o
outro colega escreve, depois fazem a leitura para todos. Caso o aluno
com deficiência tenha dificuldade em escrever ou falar, o colega da dupla
auxiliará na interpretação; 2) em um jogo de badminton, em que tenha a
participação de um aluno em cadeira de rodas, as regras podem ir sendo
modificadas (por exemplo, acertar um alvo ou rebater, etc.) para que todos
possam jogar. Os efeitos de aprendizagem seriam para ambos de múltipla
espécie e iriam além do aprender como objetivo, a uma aprendizagem
social sobre outras pessoas e, sobretudo, compreender sobre o método
de aprendizagem (como eu aprendo e procedo e como aprendem e pro-
cedem os outros?). Apenas contatos entre as crianças não são suficientes
(vide a hipótese de contato de Cloerkes, 2001), depende da qualidade do
contato. Enquanto a didática da Pedagogia de inclusão fornecer poucos
exemplos concretos de verdadeira comunhão bem-sucedida e for orienta-
da em medidas de diferenciação interna, haverá também pouca mudança
na Educação Física.

Comunhão bem-sucedida por


“heterogeneidade praticada”
O segundo conceito didático parte da ideia de uma comunhão
bem-sucedida, ou melhor, ele a toma em foco. Nós o denominamos de
“didática da heterogeneidade praticada”, por que se “joga” com as dife-
renças.8 Isto é, as diferenças são aproveitadas e tematizadas para a iden-
tificação específica do movimento e jogo: antes, durante e/ou depois
da atividade. Este princípio parte consequentemente da ideia de que
a aula de movimento é apropriada para a inclusão se a qualidade da
comunhão for melhorada. À procura de um conceito que toma como
foco as relações de movimento e o acontecer de forma satisfatória, que,

8
Este conceito vale não só para a Educação Física, mas para a escola toda. É um critério
fundamental da escola móvel, por que “estar em movimento” é um direito de todas as
crianças (com e sem deficiência) (Hildebrandt-Stramann, 2005, 2011).
60 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

portanto, pratica heterogeneidade, deparamo-nos com o princípio de


uma “pedagogia de movimento orientada no relacionamento”, como ela
foi apresentada por Funke-Wieneke (2004) e Sherborne (1998) e que
é um aspecto fundamental da concepção didática das aulas abertas à
experiência (Hildebrandt-Stramann, 2009c). A seguir será apresentado
o princípio da heterogeneidade praticada de Sherborne.
Sherborne distingue entre três dimensões de relacionamento:
1. Relacionamento cuidadoso ou “mutualidade” – Caring –
Relações “Caring” significam o lidar cuidadoso com uma ou
mais pessoas.
2. Relacionamento “conjunto” – Shared – Relações “Shared” são
caracterizadas por mútuos contatos relacionais.
3. Relacionamento “um contra o outro” – Against – Relações
“Against” dizem respeito a empregar a força (de um executan-
te) contra a força ou a resistência de um parceiro.
Na configuração didática de uma aula de relação de movimen-
to cada dimensão de relação pode ser tematizada individualmente, ou
também todas as dimensões de relação juntas numa aula. Nesse caso é
mais conveniente iniciar uma aula de movimento com relação de cuidado,
na qual o aluno sem deficiência, em grupos de aprendizagem e de idades
heterogêneas, transmite ao aluno com deficiência um sentido de segurança
e com isso um sentimento de confiança.
Exemplos com explicações pedagógicas de movimento:
– Caring: Temas de movimento são: deitar (foto 3), rolar (foto 4), apoiar
(foto 5), deslizar, equilibrar (sobre ou/e em cima do parceiro), etc.
Foto 3 Foto 4 Foto 5
CAPÍTULO 3
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61

– Shared: equilíbrio de parceiros (foto 6 e 7), remo (foto 8), balanço (foto 9)
Foto 6 Foto 7

Foto 8 Foto 9

– Against: relações against são muitas vezes a única configuração de relação


para atingir crianças, por exemplo, hiperativas, e/ou que apresentam
comportamentos um tanto agressivo, para as quais experiências de
ternura e de cuidado são muitas vezes ameaçadoras e que inicialmente
admitem apenas relações lúdicas excitantes e animadas. Em relações
“against” a criança testa sua força diante do outro.
Foto 10 Foto 11 Foto 12

Este adapta a sua força ao parceiro, alcançando com isso uma


controlada aplicação de forças nessa atividade (fotos 10, 11 e 12).
62 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

O objetivo das relações “against” é o desenvolvimento da cana-


lização, focalização e determinação das forças da criança. Resultados de
pesquisa mostraram que as crianças preferencialmente estão em condi-
ções de se relacionar entre si e orientar a sua atenção nas tarefas de aula
se tiverem antes uma aula de movimento, na qual este foi encenado sob
essas dimensões de relação.

O que existe de comum nesses exemplos?


Em todos os exemplos as ações de movimento dos atores são corre-
lacionadas. Trata-se de relações de movimento entre “desiguais”, também
ou precisamente na aula de movimento. Tais relações de movimento entre
“desiguais”, se forem vivenciadas como atrativas, podem ser “focos de
inclusão”, que podem desencadear na escola uma “fogueira alastrada” que
enfraquece a ideologia da homogeneidade e dá lugar a uma valorização
da heterogeneidade.
Outras características para a atratividade das relações de movi-
mento são:
Movimentar-se juntos é mais satisfatório do que sozinho – a gente
se comunica mutuamente, o agir em conjunto adquire, na ação recíproca,
a sua qualidade.
Quanto mais movimentada uma ação de movimento é, tanto mais
ela deveria ser procurada no âmbito das possibilidades individuais. O
rolar para a frente por sobre os ombros do parceiro é um movimento de
corpo inteiro, que representa uma complexa exigência à coordenação de
movimento, à confiança e coragem de ambos os participantes.
Quanto mais parcelas ativas na ação de movimento ou de jogo
forem possíveis para cada um, tanto mais alegria cada participante tem.
Em todos os exemplos as ações de movimento são mutuamente
relacionadas. Cada um tem a chance der dar um impulso de movimento
que provoca a reação do outro. A reciprocidade aumenta a chance de
atividade para cada participante.
Nos exemplos anteriores, em que se trata de uma relação de movi-
mento bem-sucedida, uma relação “conjunta” (a dimensão “shared”),
identifica-se os seguintes elementos:
– Quanto mais próximo do limite da capacidade individual de movimen-
to na realização de uma tarefa de movimento, tanto maior é a satisfação
no domínio da tarefa.
– Quanto mais parcelas ativas de movimento acontecerem na realização
do movimento ou do jogo, tanto mais alegria terá cada participante.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
63

– As ações de movimento são mutuamente relacionadas.


– Quanto maiores forem as chances de decisões próprias relacionadas com
a liberdade de movimentação na realização de movimento, tanto mais
atrativa é a ação de movimento associada a ele.
– Onde houver poucas condições de estímulo, o desenvolvimento
humano acontece de forma mais lenta. Isto vale para todas as condições
de estímulos materiais, sociais, emocionais e motores.
– Falar bem se aprende onde se fala bem e muito. Movimentamo-nos
onde outros se movimentam bastante. E jogar bem só se pode onde
se joga muito.
É preciso, contudo, estar ativamente envolvido na realização da
conversa, do jogo e do movimento.

Princípios para o êxito de relações de movimento


Num nível geral abstrato, os princípios para o êxito de relações de
movimento podem ser formulados como segue:
1. Uma homogeneidade estrutural e parcial é possível e necessá-
ria para chegar a uma participação de chances iguais no agir
de movimento comum.
2. A atividade necessita de uma alta intensidade e qualidade da
relação de movimento no diálogo de movimento para tudo
sair bem. Na intensidade do diálogo encontra-se um elemen-
to essencial de atratividade. Os movimentos dos atores são
diretamente dependentes um do outro.
3. A diferença tem de encontrar sua expressão em diferentes
funções de movimento com distintas tarefas e exigências de
movimento, porém no mesmo tema. As condições motoras
são extremamente divergentes em virtude das diferentes capa-
cidades, mas tematicamente iguais.
4. A temática de movimento com suas regras ou aparelhos espe-
ciais tem de oferecer a possibilidade da compensação das dife-
rentes condições de rendimento. Nos exemplos, a capacidade
de um mais habilidoso compensa a reduzida capacidade de
outro.
5. A diferença tem de verdadeiramente se tornar o tema do
movimento, respectivamente, do jogo, para aumentar assim
a atratividade. Referente a isso, outro exemplo da Educação
Física da 11ª série na Alemanha: uma criança em uma cadeira
64 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

de rodas, com baixo nível de capacidade, joga badminton


com um colega experiente na modalidade. O colega procura
fazer o passe para a criança que está na cadeira de rodas, de
forma que ela receba facilmente as bolas; a criança pode jogar
todas as bolas à vontade, de frente e de lado de sua cadeira.
Depois de alguns minutos eles combinam uma competição:
cada bola jogada pela criança que o colega não alcançar dará
um ponto para a criança, e para cada bola do colega rebatida
de baixo, que acertar a cadeira ou a criança e que não poderá
ser rebatida por ela, dará um ponto para o colega experien-
te . Surge um jogo dinâmico, equilibrado e interessante que
ambos não querem terminar, apesar do pedido do professor
para trocar os parceiros.
Que características tornam o jogo atrativo?
1. De ambos os jogadores são exigidas suas capacidades de ren-
dimento até os limites, necessitando se esforçar.
2. A capacidade de um é diretamente desafiada pela capacidade
do outro e pode compensar as dificuldades de ambos.
3. Para ambos a atividade de movimento intensivo é ótima.
4. Por meio do movimento surge para ambos um diálogo
muito interessante, no qual a iniciativa de movimento de um
influencia diretamente a resposta de movimento do outro.9
5. A atividade de ambos torna-se um jogo, que recebe por meio
da competição tensão adicional.
6. Para ambos é necessária a ativa participação do outro; sem ela
a atividade em sua forma social nem aconteceria.
7. Na base de premissas fechadas (trata-se do jogo de rebater)
existe tanta abertura nas regras e na execução do movimento
que são requeridas criatividade e capacidade inventiva.
8. Pela necessidade de se envolver com o outro, surge algo seme-
lhante ao relacionamento pessoal com o direito e a consequ-
ência de uma mútua empatia.

9
Trata-se de um exemplo clássico da teoria dialógica de se-movimentar, que é uma base
da concepção didática das aulas abertas às experiências (Hildebrandt-Stramann, 2009c).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
65

Conteúdos apropriados para uma didática da


heterogeneidade praticante
Os conteúdos são adequados e ganham atratividade na diferença
dos envolvidos. Aqui, é possível lidar com as diferenças da seguinte forma:
1. A diferença é utilizada para a tomada de diferentes papéis
que só fazem atrativo o movimentar-se comum (por exemplo,
combinação de movimentos de rolar e passos de dança em
cadeira de rodas, personagem inferior e superior na acrobá-
tica).
2. A diferença é compensada estruturalmente (por exemplo, for-
mação de pares homogêneos para a luta, Korfbal,10 etc., ou
por aparelhos como bicicleta do tipo tandem, barcos a remo).
3. A diferença é superada pela mudança e nova construção do
conteúdo com variação da regra e construção de aparelhos,
que contêm igualdade de chances, mas diferentes exigências
de níveis (por exemplo, todos os jogos de rebater com um
raio de ação estreito respectivamente amplo; todos os tipos
de desporto de condução e de deslizar com corresponden-
tes construções de aparelhos interativos, pequenos e grandes
jogos com funções especiais).

Da diferenciação interna à autônoma


O critério essencial das relações de movimento é – diante da
maioria das formas da diferenciação escolar – a autonomia dos parceiros
de movimento na espécie da diferenciação de sua atividade comum: você
faz isso, eu faço aquilo. As decisões sobre as respectivas exigências de
movimento não dependem dos padrões, por exemplo, de um professor,
que define as diversas exigências de fora e geralmente estáticas, mas os
parceiros de movimento podem determinar autonomamente o seu nível
de exigência no diálogo de movimento e adaptá-lo permanentemente às
mudanças de condições. Diante da diferenciação interna anteriormen-
te considerada menos adequada, poder-se-ia denominar essa forma de

Korfball é um jogo de bola desenvolvido na Holanda na virada do século passado (1900).


10

A ideia do jogo: Duas equipes, meninas e meninos jogam juntos em uma equipe. Um
ponto é marcado por qualquer pessoa que arremessa a bola pela cesta de cima. No final,
o time com mais cestas vence. A palavra “Korf” é holandesa e significa cesta.
66 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

diferenciação num processo dialógico de movimento como diferenciação


autônoma. Consideramos essa forma de diferenciação autônoma como a
forma adequada para o processo de inclusão.
Para que essa diferenciação autônoma seja bem-sucedida, a relação
de adaptação tem de estar correta. A relação de adaptação refere-se aos
seguintes três níveis:
– Adaptação pessoa – pessoa (simpatia, interesse, capacidade).
– Adaptação pessoa – objeto (capacidade e exigências nos limites da capa-
cidade, regras e aparelhos).
– Adaptação – pessoa – objeto – pessoa (diálogo, troca de relação, graus de
liberdade do movimento e das decisões, participação ativa, tematização
das diferenças).
O nível pessoa – pessoa tem de ser caracterizado pela mútua sim-
patia, aceitação e o querer do diálogo. No nível pessoa – objeto o aparelho
e regras com as suas exigências diferenciadas harmonizam mutuamente
a capacidade individual e as exigências do conteúdo. No terceiro nível
eles deixam no diálogo negociado entre os alunos/alunas espaço para
ações ativas no movimento, abrem a chance da liberdade e da variação
de movimento, providenciam relações mútuas por meio do movimento,
impõem exigências nos limites da capacidade e permitem a compensação
de deficiências, sem diminuir a atratividade do movimento.

Da diferença igualitária à igualdade diferente


A procura de conteúdos e métodos apropriados para o estabele-
cimento de relações de movimento é necessária, mas não é suficiente.
Conteúdos e métodos por si sós não estabelecem relações nem promovem
inclusão. Necessária é uma mudança de mentalidade sobre o entendi-
mento de que o “homogêneo é atrativo” para, também, “a diferenciação
é atrativa”.
Na compreensão tradicional de desporto a referência de rendimen-
to sempre é orientada numa norma social, no rendimento dos outros.
Diante de si próprio e para outros é bem-sucedido quem for melhor do
que os demais. A orientação de sucesso é individual e dirigido de maneira
egocêntrica, à custa dos outros (por exemplo, a derrota deles). Para que
isso funcione e o comparar e ganhar de fato sejam atrativos, tem de acon-
tecer entre pessoas de igual rendimento (com chances iguais). Para este fim
se homogeneíza e a pequena diferença, então, é desvendada novamente
como diferença igualitária.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
67

Se quisermos sair dessa lógica da diferença igualitária rumo à acei-


tação da heterogeneidade, à inclusão, então as referências têm de exata-
mente se inverter, rumo a uma igualdade diferente. Em vez da norma
social de referência (ser melhor do que os outros na competição), tem de
valer a norma de referência pessoal (ser melhor do que antes) e em lugar
da satisfação egoísta do sucesso (eu ou nós ganhamos) teria de entrar a
orientação solidária de sucesso (eu me alegro pela melhora dos outros,
pelo domínio da questão). Nós nos confrontamos com a tarefa do movi-
mento e num processo dialógico nos encontramos.

O que significa mais uma vez comunhão bem-sucedida


numa perspectiva fenomenológica corporal?
Quando crianças na aula de movimento se movimentam em
comum, elas entram numa relação de movimento e estabelecem uma relação
corporal umas com as outras. Funke-Wieneke (1997) fala nesse conjunto da
formação de uma “corporeidade social” (p. 34). Comunhão bem-sucedida
significa logicamente o “cultivo do corpo social” (p. 34). Inclusão do ponto
de vista de uma Pedagogia de movimento significa que alunos/alunas devem
aprender a realizar relações de movimento mais ou menos exigentes, tema-
ticamente variadas, não se comunicar primeiro verbalmente, mas em ação.
Comunicar-se em ação acontece sempre com a participação do corpo. Com
isso a sociabilidade, ou seja, aquilo que une as pessoas, é remetido fundamen-
talmente como pertencimento ao meio comum da corporeidade.
A expressão “entre corporeidade” estabelece uma esfera de comu-
nhão, definida como aquilo de que se trata primordialmente no movi-
mentar-se em comum. De acordo com isso “movimentar-se em comum
como cultivo do corpo social” significa aprender a se entender por meio de
processos de ação, em que os alunos/alunas promovem entre si relações de
movimento e podem adquirir ou aprofundar as suas capacidades de ação
social. Na perspectiva fenomenológica a distinção entre “compreender”11
e “comunicar” feita aqui significa o seguinte: normalmente na Educa-
ção Física é exigido para a aprendizagem social comum que os partici-
pantes devem aprender a se entender entre si e nisso consiste o social,
o comum. Eles devem poder se relacionar compassivos e intuitivos
com a interioridade dos outros. Do ponto de vista fenomenológico,
no entanto, o diálogo objetivo forma propriamente o ponto de partida
correto para a análise e explicação de relações sociais comuns.

11
Na língua alemã compreender significa “verstehen” = um ato mais cognitivo.
68 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Com isso, entram no pano de fundo problemas como o da


empatia e apresentação. Como posso compreender/entender o outro
não é a primeira questão a ser respondida, mas qual é a tarefa que
temos de cumprir aqui e agora no nosso mundo? Primeiro vem a prática
comum e depois a descoberta, e nesse agir também chegamos mais
próximos uns dos outros. Por isso, o entender aparece na primeira ins-
tância apenas como atuante e não como intencionalidade temática. “(...)
Em vez de ‘compreender’, agora se fala de ‘comunicar’, um termo que
expressa bem o caráter trabalhador desse processo (...)” (Coenen 1979b,
p. 248, citado por Funke-Wieneke, 1997, p. 34-35). O movimentar-se
é o meio dessa comunicação (Tamboer, 1979).

Inclusão, movimento humano e deficiência: diferentes


contextos de aprendizagem e experiências na UFSM
Partindo do entendimento sobre uma Pedagogia de Movimento
orientada no relacionamento por meio de uma didática da heterogenei-
dade praticada pela comunhão, pela mutualidade, podemos afirmar que
a inclusão se faz pelo reconhecimento e respeito à diversidade humana.
Reafirmamos o conceito de Hildebrandt-Stramann (2016a) sobre
inclusão por meio das relações de movimento como uma concepção didática
para uma educação heterogênea de movimento, tendo como ponto central
o aspecto do relacionamento realizado por intermédio do movimento.
Utilizamos e nos apropriamos também do conceito de inclusão de
Sassaki (2010, p. 172) que afirma:
Uma sociedade inclusiva vai bem além de garantir apenas
espaços adequados para todos. Ela fortalece as atitudes de acei-
tação das diferenças individuais e de valorização da diversidade
humana e enfatiza a importância do pertencer, da convivência,
da cooperação e da contribuição que todas as pessoas podem
dar para construírem vidas comunitárias mais justas, mais sau-
dáveis e mais satisfatórias.
Falar sobre inclusão, sociedade e educação inclusivas torna-se rele-
vante, pois são temas e espaços em que se deve reconhecer a diversidade de
todos os envolvidos (no caso da escola e da Educação Física – professores
e alunos), em que diferentes especificidades, dificuldades e potencialida-
des se encontram nas diferentes formas de agir e sentir, e aqui de forma
especial abordamos o movimento humano e a deficiência como pontos
centrais neste contexto.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
69

Ao nos reportarmos aos espaços sociais e educacionais que as


pessoas com deficiência estão conquistando, nos diferentes tipos de ati-
vidades e nas diversas redes de relacionamentos, de forma específica nas
aulas de Educação Física, destacamos que a compreensão sobre deficiência
não deve ser entendida como um problema individual, mas como uma
questão eminentemente social e cultural, transferindo a responsabilidade
pelas desvantagens e limitações corporais da pessoa para a incapacidade
da sociedade de prever e ajustar-se à diversidade (Mantoan, 2005; Sassaki,
2006). Isso também cabe a educação física.
Pedrinelli e Verenguer (2008, p. 18) definem a importância do
processo de inclusão nesses contextos como “estar predisposto a considerar
e a respeitar as diferenças individuais, criando a possibilidade de aprender
sobre si mesmo e sobre cada um dos outros em uma situação de diversi-
dade de idéias, sentimentos e ações.”
Tendo o movimento humano como ponto central para a efetiva-
ção da inclusão, trazemos a realidade da criança/pessoa com deficiência
que, historicamente, por questões de preconceito, apresentam (aos nossos
olhos/olhar) restrições e/ou limitações em seu se-movimentar. Então nos
perguntamos: Como agir na Educação Física? O mais importante é enten-
der que a criança com deficiência, assim como todas as outras, se relaciona
com os diferentes conteúdos culturais com os quais ela interage, convive,
se apropria, reproduz, aprende e ressignifica à sua maneira. Dessa forma,
as práticas inclusivas em Educação Física sempre devem partir da singu-
laridade de cada criança, com foco em suas potencialidades, reconhecer
e valorizar as diferenças, promovendo a autonomia e a independência.
Entendemos inclusão de forma ampla, não somente direcionada
às pessoas com deficiência, porém descreveremos aqui experiências de
movimento em aulas de Educação Física com essas pessoas em diferentes
contextos de aprendizagem: projetos da/na Universidade, Associações e
Instituições Especiais de Ensino e escolas regulares, estabelecendo relações
com a teoria de Hildebrandt-Stramann (2016a) sobre o tema Inclusão por
meio das relações de movimento.

A formação para a Inclusão no CEFD-UFSM


por intermédio do Naeefa
A formação de estudantes de Educação Física para a inclusão no
Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM), teve início com a criação do Núcleo de Apoio
e Estudos da Educação Física Adaptada (Naeefa), em 1994. Hoje esse
70 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Núcleo tem papel importante, sendo um potencializador educacional e


social atuando em diferentes espaços formativos. Além dos projetos de
extensão, pesquisa e ensino realizados dentro da Universidade, destacamos
a atuação perante as instituições especiais de ensino e escolas públicas
do município de Santa Maria (RS). Além disso, na atualidade, além de
disciplinas ofertadas nos cursos de Educação Física do CEFD, outros
grupos e professores têm se preocupado e contribuído na formação para
a inclusão de todas as pessoas.
Salienta-se com isso que a formação deve proporcionar aos estu-
dantes e professores sensibilização e promover mudanças, para que se
sintam responsáveis e participantes efetivos da inclusão escolar dos alunos
com deficiência, mas para isso devem ser oportunizados momentos de
reflexão entre ambos, para que compartilhem experiências e discutam
sobre a prática docente (Freitas; Araújo, 2014).
Estudantes e professores são aliados para uma escola inclusi-
va, tendo em vista que são os mediadores para a formação dos alunos,
atuando com o ensino-aprendizagem, orientando-os na valorização e no
respeito da individualidade de cada um, além de desenvolver um trabalho
pedagógico a fim de potencializar sua ação como agente de mudanças no
contexto social(Menezes, 2012; Silva; Arruda, 2014).
Embora ainda seja necessário superar diversos obstáculos, a Base
Nacional Curricular Comum (Brasil, 2018) brasileira traz na sua intro-
dução um item sobre a igualdade, diversidade e equidade e que as escolas
devem levar em consideração a necessidade de superação das desigual-
dades e promover a equidade; salienta que se deve reverter a situação de
exclusão histórica e para isso “requer o compromisso com os alunos com
deficiência, reconhecendo a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas
e de diferenciação curricular, conforme estabelecido na Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015)” (Brasil, 2015).
No paradigma da inclusão “cabe ressaltar que a deficiência é con-
siderada como uma diferença que faz parte dessa diversidade e não pode
ser negada, porque ela interfere na forma de ser, agir e sentir das pessoas”
(Brasil, 2006, p. 7).
Em concordância com estas questões o Naeefa, ao longo dos seus 26
anos de existência, sempre esteve presente na formação inicial e continuada
em Educação Física, desenvolveu (e desenvolve) diferentes projetos e eventos
em parceria com as escolas e instituições da cidade, sempre destacando a sua
importância e relevância na concretização dos objetivos que este Núcleo tem
em relação à educação, à inclusão e à qualidade de vida de todos.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
71

Na linha de formação inicial em Educação Física e na inclusão


social, o Núcleo sempre procurou desenvolver atividades nas escolas
visando à interação e inclusão de todos (alunos, professores, familiares,
comunidade escolar em geral), procurando levar para as mesmas vivências
e experiências práticas na área da Educação Física.
Ainda com o objetivo de contribuir na formação em Educação
Física, o Naeefa oportuniza nas disciplinas obrigatórias dos cursos de
Educação Física que os estudantes vivenciem nos projetos de extensão,
nas visitas e interações nas escolas, associações e instituições especiais de
ensino, observar e experienciar a Educação Física tendo crianças/alunos
com deficiência nas turmas/aulas, fazendo com que reconheçam a impor-
tância de uma prática orientada para a educação e inclusão social. Além
disso, visando a colaborar para o conhecimento e com o objetivo de arti-
cular a pesquisa, o ensino e a extensão, são realizados cursos, palestras,
seminários, em que é discutida a importância da Educação Física inclu-
siva. O Núcleo ainda oportuniza o aperfeiçoamento complementar pro-
fissional e aprendizados constantes aos estudantes e professores que nele
atuam e que atuarão, por meio dos projetos de extensão, de orientação
em trabalhos de iniciação cientifica, Trabalhos de Conclusão de Curso
(TCCs) e de estudos e pesquisas em âmbito de Pós-Graduação.
Destaca-se, ainda, que o trabalho desenvolvido pelo Núcleo pro-
porciona visibilidade e espaço social para a pessoa com deficiência, estimu-
la a sua participação social,, estabelece relações de mutualidade e coopera-
ção com e entre as famílias das pessoas com deficiência e seus professores
e profissionais, bem como disponibiliza espaços de práticas de atividades
físicas e esportivas, além de contribuir para a formação profissional em
Educação Física, visando sempre à efetivação da inclusão.
E neste processo de formação tem-se a preocupação e a respon-
sabilidade de que cada um compreenda que estudar sobre o processo de
inclusão e do movimento humano voltados para a escola provoca sempre
grandes mudanças a quem se propõe esse desafio. É preciso introduzir-se
na realidade desses alunos, para somente assim compreender a sensibilida-
de e os desafios a serem superados. Da mesma forma, permite ao professor
mudanças ao ver a inclusão na escola, pois não vai apenas da simples adap-
tação dos espaços físicos, tampouco das atividades. É entender quais são
as necessidades de cada aluno, quais as suas potencialidades que podem e
devem ser exploradas, e quando necessário que sejam feitas mudanças e
adaptações, compatíveis com o objetivo que se deseja alcançar (Gaspary;
Palma, 2019)
72 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Inclusão por meio das relações de movimento:


experiências no Naeefa/CEFD/UFSM
Antes de tudo, e considerando a teoria sobre inclusão de Hilde-
brandt-Stramann (2016a), queremos destacar também como princípio
norteador o que Pedrinelli e Verenguer (2008) destacam:
Há um universo de possibilidades definidas pelas necessidades,
pelos desejos e pelas potencialidades do praticante. O planeja-
mento de um programa deve contemplar o desenvolvimento
do saber, do saber fazer, do saber ser e do saber conviver, o que
pressupõe considerar o ser humano na sua totalidade, incluí-
dos os domínios cognitivo, motor, emocional e social (p. 17).
Isso se dá pelo movimento, em que cada um traz consigo ao esta-
belecer relações a sua identidade ou a sua biografia de/do/pelo movimento.
A biografia de movimento significa considerar as experiências e vivências já
adquiridas em diferentes contextos de movimento e em uma nova relação
de movimento somar as outras biografias, ressignificando e aprenden-
do novas formas de movimento com as diferentes relações vivenciadas.
Ou seja, significa que ao demonstrar as possibilidades de movimento já
experimentadas em outros contextos de vida e ao trazê-las para as aulas
de Educação Física, é uma oportunidade de tematizá-las de maneira a
retroagirem no mundo e nas próprias aulas, provocando uma ampliação
das possibilidades de movimento de todos os envolvidos (Hildebrandt-
-Stramann, 2013c). Isso se somará a sua biografia de movimentos.
O reconhecimento das biografias individuais que se somam no
coletivo, aliado ao princípio da diversidade humana, acrescido a estratégias
para a efetivação da inclusão por meio do movimento e somado à experi-
ência de mais de 20 anos de atuação em trabalhos de extensão na UFSM,
coordenando o Núcleo de Apoio e Estudos da Educação Física Adaptada
(Naeefa), grupos de estudos e pesquisa na área, permitem afirmar a rele-
vância e importância da apresentação, do colocar “em jogo”, do expor as
diversas maneiras de se movimentar, as diferentes biografias de movimen-
to, mostrando que essas maneiras e formas diferenciadas nos modificam
e transformam a experiência e a convivência entre todos os envolvidos.
Sendo assim, considerando o conhecimento e as experiências
vividas por meio do Naeefa, e resgatando e reconhecendo a relevância da
Pedagogia do Movimento orientada nas relações para a inclusão ou a inclusão
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
73

através das relações de movimento, neste momento faremos a relação dos


tópicos desta teoria descrita neste módulo com as experiências em projetos
do Naeefa/CEFD/UFSM.
O primeiro ponto importante a ser destacado nesta teoria é que a
Inclusão acontece, se faz por meio das relações de movimento, por intermé-
dio das relações de mutualidade, cooperação e respeito. Neste ponto, o
importante é entender que a ação de movimento (o agir) deverá acontecer
em conjunto como primeiro passo para a efetivação da inclusão. Que
somente pelas experiências trocadas conjuntamente, de forma cooperati-
va, poderá ter êxito a inclusão, e reconhecer, nesta relação, que cada um
se movimenta de formas diferentes, e nesta inter-relação pela diferença,
podemos concretizar a inclusão. Aqui resgatamos vários exemplos que
contribuíram nestas relações e consequentemente para a aprendizagem,
tanto dos estudantes em formação como das crianças/alunos com defici-
ência, vivenciadas em aulas e projetos na UFSM.
Para exemplificar mostramos algumas imagens (Fotos 13, 14, 15
e 16) que representam esta relação de movimento, a mutualidade e a
cooperação.
Fotos 13, 14, 15 e 16
Mutualidade e cooperação para realizar o movimento/atividade
74 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Destacamos também, a Inclusão no âmbito do raciocínio didático


de movimento, partindo do “juntos solitários” para a efetivação do conceito
didático da “comunhão bem-sucedida”. A realidade do “Juntos solitários”
ainda é muito percebida em alguns contextos de Educação Física, porém
em tantos outros a “comunhão bem-sucedida” se faz, se torna, se modifica
e ressignifica o movimento e as pessoas que participam deste processo.
Com este sentido, nos projetos e nas aulas, estamos continuamente
caminhando da individualidade das ações – do fazer solitário – mesmo
estando juntos, para a união, para o “com-junto”. As imagens a seguir
(Fotos 17, 18 e 19) representam isso.
Fotos 17, 18 e 19
Do fazer solitário para a união, para o “com-junto”

Outro ponto central e de relevância, e considerado o segundo


conceito didático de movimento para a inclusão, é a “comunhão bem-
-sucedida por heterogeneidade praticada”, e como já descrito anteriormente
neste módulo, neste conceito “se joga com as diferenças”. Neste conceito é
reforçado o princípio de uma Pedagogia de Movimento orientada no rela-
cionamento. As relações de movimento devem ser convidativas, atraentes
e alegres para todos, pois estar e movimentar-se juntos é mais agradável do
que sozinho, e que quanto mais movimentos tiver uma atividade, maiores
as possibilidades de visualização da individualidade de cada um que é
trocada nesta relação. Assim sendo, muitas e novas parcerias se mostram,
interagem e se tornam ativas na ação de movimentos de cada um, trocadas
com muito mais prazer e alegria por todos.
Para também abordar a “comunhão bem-sucedida por heterogeneida-
de praticada”, resgatamos as três dimensões descritas por Sherborne (1998),
que são: 1) relacionamentos cuidadosos ou “mutualidade” – caring; 2) rela-
ções “conjuntas” – shared; 3) relações “um contra o outro” – against. Refor-
çamos a importância de considerar e promover a experimentação e a vivên-
cia nas aulas de Educação Física destas três dimensões, pois elas trazem, no
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
75

“jogo de movimentos” entre os alunos, a mutualidade e a reciprocidade de


movimentos e as ações que se comunicam e estão relacionadas nesta troca
de movimento. Isso é de máxima importância para a inclusão.
Nas aulas, nos projetos desenvolvidos na UFSM, pode-se obser-
var essas dimensões e as relações que o movimento “provoca”. A seguir
imagens (Fotos 20 a 27) que representam a “comunhão bem-sucedida por
heterogeneidade praticada”.
Fotos 20 e 21
Representam os relacionamentos cuidadosos ou “mutualidade” — caring

Fotos 22 e 23
Representam os relacionamentos cuidadosos ou “mutualidade” — caring

Fotos 24 e 25
Representam as relações “conjuntas” — shared
76 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Fotos 26 e 27 — Representam as relações “um contra o outro” — against

Outro destaque é sobre os conteúdos para uma didática da hetero-


geneidade praticante, que nos alerta para a importância de considerarmos
a diferença dos envolvidos, isto é, a diferença deve ser utilizada para a
combinação dos diferentes “papéis” que o conteúdo desempenhará nas
atividades de movimento, sendo atrativo para a sua realização, e aqui a
diferença irá “aparecer” como algo positivo, nessa troca de relações por
meio do movimento. Ao considerar a diferença de todos, acaba por gerar
mudanças e uma nova construção do conteúdo a ser disponibilizado,
experimentado, apreendido e aprendido por todos, seja na variação das
regras na atividade, seja na construção de materiais, nas exigências para
a realização da atividade de movimento ou na aprendizagem que pela
diferença aprendemos e mostramos que o movimento ou o movimentar-
-se humano é diferente para cada um, e se somarmos isso tudo como
uma grande diversidade, teremos a concretização da inclusão por meio
do movimento em nossos conteúdos de Educação Física.
Por isso que os conteúdos, as atividades e o agir dos professores
deverão ser motivadores, propor desafios, permitir a participação de todos,
propiciar autonomia, respeitar as limitações, enfatizar as capacidades,
adequar as atividades, adaptar os alunos à atividade; dar oportunidade
para atingir níveis/metas mais complexas, adaptar os recursos materiais
com o objetivo de oferecer maior número de experiências de movimento
e dar conhecimento do sucesso obtido por todos. Isso buscamos na for-
mação acadêmica, que possa se refletir na atuação futura, e que percebam
e reconheçam em seus alunos.
Outro item, “Da diferenciação interna à autônoma”, é destacado
como um ponto essencial nas relações de movimento, que cada um
tenha a oportunidade de experimentar, à sua maneira, a atividade, os
objetos, tendo autonomia de movimentos para realizar a atividade, que
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
77

será desenvolvida por todos, em que cada um colocará/mostrará dife-


rentes formas de adaptação e diversos níveis de exigência para realizar,
conforme a sua especificidade, a sua característica, estabelecendo um
diálogo autônomo de movimentos e que posteriormente poderá se somar
com os dos outros.
Destacamos que no processo de formação dos estudantes nos
cursos de Educação Física da UFSM, nos projetos do Naeefa e nas aulas
nas escolas e instituições de ensino especial em que atuamos, ressaltamos
sempre o quanto é importante deixar cada um mostrar-se, realizar a seu
modo, experimentar e reconhecer os objetos disponibilizados para a aula
(e de forma especial é imprescindível, nesse caso, se tivermos alunos cegos
ou com baixa visão). O fazer e experimentar à maneira de cada um o
movimento é importantíssimo e relevante que os professores considerem
em suas aulas, pois quando falamos das diferentes condições com que a
deficiência pode se apresentar, estamos falando de uma mesma atividade
ser realizada por um aluno em uma cadeira de rodas, ou por um aluno
cego, ou por outro com dificuldades de compreensão, e que cada um irá
desenvolver a mesma atividade e que poderá ser utilizada, feita por todos,
pois a diferença de movimentos chamará a atenção, e nesse caso, devemos
aproveitar de forma positiva.
A seguir imagens (Fotos 28 a 41) dos projetos do Naeefa com
crianças/pessoas com deficiências que mostram “Da diferenciação
interna à autônoma”, representada por uma frase que simplifica este
ponto, descrita neste módulo, que é “eu faço isso e você faz aquilo”, con-
siderando as adaptações entre Pessoa-Pessoa; Pessoa-Objeto e Pessoa-
-Objeto-Pessoa.

Fotos 28, 29 e 30 — Representam “eu faço isso e você faz aquilo”,


considerando as adaptações entre Pessoa-Objeto
78 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Fotos 31, 32 e 33 — Representam “eu faço isso e você faz aquilo”,


considerando as adaptações entre Pessoa-Objeto

Fotos 34, 35 e 36 — Representam “eu faço isso e você faz aquilo”,


considerando as adaptações entre Pessoa-Pessoa

Fotos 37 e 38 — Representam “eu faço isso e você faz aquilo”,


considerando as adaptações entre Pessoa-Objeto-Pessoa
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
79

Fotos 39, 40 e 41 — Representam “eu faço isso e você faz aquilo”,


considerando as adaptações entre Pessoa-Objeto-Pessoa

Outro ponto de relevância é “Da diferença igualitária à igualdade


diferente”, que traz o reconhecimento da diversidade humana. Compre-
ender e considerar que a diferença é atrativa, que a diversidade é atrativa
e que ser diferente faz parte da condição humana, é ponto essencial. O
destaque neste item é entender que em uma relação de movimento deve-se
buscar “ser melhor do que antes”, e não ser melhor do que o outro, jus-
tamente por sermos diferentes e que o movimento não será o mesmo.
Nas atividades dos projetos do Naeefa na UFSM, nas instituições
e escolas, buscamos atuar dessa forma, seja na formação dos estudantes
ou junto aos alunos nas aulas, mostrar que a diferença de cada um deve
ser somada, estar em “com-junto”, na busca e tentativa de ser sempre
melhor do que antes, com cooperação, solidariedade e alegria pelo sucesso
do outro.
Em seguida as imagens (Fotos 42 a 45) representam “Da diferença
igualitária à igualdade diferente”.
Fotos 42 e 43 — Representam a alegria em conseguir fazer
melhor do que antes, todos vibram e se alegram
80 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Fotos 44 e 45 — Representam a alegria em conseguir fazer


melhor do que antes, todos vibram e se alegram

As imagens a seguir (Fotos 46 a 51) mostram o quanto é necessá-


ria e importante a participação de todos na execução da atividade, e que
cada um a sua maneira e com a união de todos consegue fazer melhor
do que antes. É importante que individualmente cada um avalie o seu
movimento, e tente refazê-lo da melhor forma, para que em conjunto
possam atingir o objetivo desejado (erguer o paraquedas em um determi-
nado tempo para que os balões se espalhem e atinjam uma certa altura,
cuidando para que nenhum saia do espaço do paraquedas. Isso necessita
de diferentes movimentos que cada um “coloca” nesta atividade). Nestes
momentos a diferença de cada um torna-se importante para a realização
do movimento e da atividade.

Fotos 46 e 47 (...)
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
81

e (...) Fotos 48, 49, 50 e 51 — Mostram a solidariedade, a alegria pelo


sucesso do outro. O estar com o outro é atrativo e agradável

Fonte das fotos 3 a 51: Naeefa/UFSM.

Concluindo... porém não finalizando!!!!


Nos mais de 20 anos de experiência com a extensão, o ensino e a
pesquisa, nos mais diferentes projetos voltados às práticas em Educação
Física junto a pessoas com deficiência, de todas as idades e em diversas ins-
tituições e situações, como relatados no decorrer do texto, nos permitem
afirmar que esses encontros, experiências e vivências de movimento e entre
diferentes pessoas, grupos e gerações, foram e serão fundamentais como
experiência de vida, conhecimento e trocas, tanto para os profissionais que
neles atuaram quanto para as pessoas com deficiência.
Oportunizar a experiência pelo movimento, seja por meio de
momentos formais ou informais, “misturando” movimento, práticas,
conversas, trocas, auxílios, conceitos e desmistificando preconceitos, é
sempre de importância ímpar para todos.
82 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Isso nos faz entender que na inclusão, e nos apropriando das pala-
vras de Gil (2005), deve-se “considerar a deficiência de uma criança ou
de um jovem como mais uma das muitas características diferentes que os
alunos podem ter”, e que a efetivação da inclusão por meio das relações de
movimento acontecerá quando considerarmos a diferença humana como
identidade, reconhecendo que cada pessoa é única, com seus limites, com
suas possibilidades e necessidades, como também com grandes potencia-
lidades.
Em relação à formação em Educação Física, é necessário com-
preender que a inclusão se faz pela mutualidade, pela cooperação. Que
a inclusão por si só é um processo e que necessita de remoção de muitas
barreiras (pedagógica, atitudinal, arquitetônica, etc.), mas para acontecer a
inclusão por meio das relações de movimento na Educação Física é indis-
pensável a participação de todos. Independentemente de suas condições,
deve-se seguir descobrindo e ampliando as possibilidades de movimento
de todos, pois não existem limites quando as pessoas estão dispostas a
descobrir juntas a melhor forma de alcançar o que desejam.
Entender que formar e educar não é somente ensinar e ajudar a
fazer um movimento (Teixeira, 1993), mas entender e compreender a
necessidade e a importância do movimento para a aprendizagem e para a
vida e que todos têm o direito de conviver e participar juntos.

Módulo 3 (B e L): Movimento e saúde


As concepções científicas de saúde
A Educação Física e, consequentemente, o processo de formação
dos profissionais de Educação Física, sempre teve o assunto saúde como
um dos temas centrais de suas atividades. De toda forma, sempre ao sopro
das interpretações e significações temporais que o tema teve ao longo da
História.
De acordo com Devide (2002), temos duas formas de entendi-
mento de saúde na área da Educação Física, ou seja, a da Aptidão Física
Relacionada à Saúde (Health Related Fitness) – que estabelece uma relação
entre Educação Física e a saúde pela via da aptidão, priorizando parâ-
metros fisiológicos – e a da Promoção da Saúde (Health Promotion) –
que amplia a relação da Educação Física com a saúde, interpretando esta
última de forma crítica, reconhecendo seus diversos fatores influenciado-
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
83

res, além da prática de exercícios físicos. Obviamente que nossa posição


vincula-se ao entendimento de que saúde é muito mais do que se exercitar
e ser ativo.
Desde o ano de 1986 a Organização Mundial da Saúde vem pro-
movendo importantes discussões para reflexões sobre o Ideário da Pro-
moção da Saúde. Tais reflexões tomam como base as questões de saúde
emergentes em localidades com diferentes níveis de desenvolvimento
socioeconômico, buscando aprofundar diálogos e compartilhamento de
estratégias que visem ao desenvolvimento da saúde das pessoas. Entre as
estratégias consideradas coerentes com o Ideário da Promoção da Saúde,
importante destaque tem sido dado à prática educacional participativa,
que se utiliza do diálogo para o entendimento da sua realidade, e que cria
mediações capazes de levar as pessoas envolvidas nas práticas à identifica-
ção dos seus problemas e estimulando o desenvolvimento de visões críticas
sobre os contextos de vida das pessoas (Guimarães; Neira; Velardi, 2015).
Nós vivemos em um sistema social complexo e de múltiplas inter-
faces, nas quais as ações e suas relações, mesmo que não explícitas, têm
reflexos no todo do sistema.12 Vivemos diferentes realidades e situações,
com as quais precisamos aprender a conviver e, no processo de desenvol-
vimento, superar as forças estressoras que nos assolam continuamente.
Nesse sentido, temos como certo que muitos dos fatores que
degradam a saúde são provenientes de hábitos inadequados e que podem
ser controlados se conseguirmos entendê-los e evitarmos sua constitui-
ção como hábito em nossas vidas. É aqui que entra a importância de um
processo formativo que consiga ensinar os preceitos de saúde para além
do entendimento simples de que ter saúde é não ter doença.
Obviamente que para o trato dessa temática com a amplitude
adequada faz-se necessário que o profissional de Educação Física, na
escola ou fora dela, domine os conhecimentos anatômicos básicos do
corpo humano, suas funções biológicas, fisiológicas e cinesiológicas,
pois a partir deles é que se poderá ampliar o olhar para além da visão do
homem biológico e transcender para uma visão mais ampliada e relacio-
nada ao mundo em que vivemos e suas exigências, a do homem social.
Defendemos a ideia de se pensar no homem social porque enten-
demos que as exigências do cotidiano possuem influência direta no
modus vivendi dos sujeitos. O meio ambiente e a forma de o homem

12
Ver aqui o texto sobre o Módulo 4 (B) “Movimento e sociedade”.
84 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

se relacionar com ele tem interferência direta na constituição de seus


hábitos, costumes, ações e reações. Para tanto, precisamos ampliar o
olhar da visão de saúde para uma visão que transcenda a visão patoge-
nética para a visão salutogenética (Antonovsky, 1987).
Antonovsky questionou como as pessoas conseguem superar os
fatores estressores da vida, mudando por completo a ideia básica e a
relação com os termos saúde e doença. Em seus estudos e trabalhos criou
o que denominou de “modelo salutogenético da saúde”, no qual associou
um grande número de constructos com a origem e manutenção da saúde.
No centro deste modelo tem o que denominou de Senso de Coerência.
O Senso de Coerência é a orientação global que expressa nosso
sentimento de confiança de que (1) os estímulos que derivam de ambien-
tes internos e externos de alguém, no curso da vida, são estruturados, pre-
visíveis e explicáveis; (2) os recursos estão disponíveis para alguém encon-
trar as demandas apresentadas por estes estímulos e (3) estas demandas são
desafios nos quais vale a pena investir e empenhar-se (Antonovsky, 1987).
O autor trata o tema saúde como sendo algo muito maior do
que simplesmente estar sem doença. Nas considerações e proposições de
Antonovsky (1987) este estado de saúde, inconstante por toda a vida, deve
ser trabalhado e fundamentado de forma a contribuir na consolidação de
um Senso de Coerência positivo.
A saúde, todavia, é insuficientemente compreendida se for deter-
minada apenas como um estado que pode ser objetivado e medido com
parâmetros medicinais habituais. Uma pessoa, cujos órgãos funcionam
dentro da escala de valores dessa medida, pode ser considerada corporal-
mente sã, mas será que ela, só por isso, é uma pessoa sã? Notoriamente a
saúde é mais do que “somente” o funcionamento do corpo. E esse “mais”
chama a atenção se não perguntarmos, como de costume: “Por que as
pessoas adoecem?” (patogênese), mas se convertermos radicalmente o
modo de pensar e perguntarmos: “Por que as pessoas (apesar disso) per-
manecem sãs?” (salutogênese).
A razão da inversão do modo de pensar pode ser observada diaria-
mente: existem pessoas que estão expostas às mesmas cargas, aos mesmos
fatores de estresse, mas algumas adoecem e outras, não! Nessa perspectiva,
vale a pena refletir sobre as causas que apoiam a gênese, ou seja, a manu-
tenção da saúde, apesar dos fatores estressores. Com isso se descobre que
as pessoas que permanecem sãs dispõem de recursos, capacidades e com-
petências para vencer individual e adequadamente sua vida no dia a dia.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
85

A saúde se faz sentir e se confirma por meio da capacidade de


vencer e de organizar adequadamente a vida cotidiana profissional e
privada com suas alegrias, desafios, cargas e decepções. Para o domínio
da vida diária é importante conhecermos a influência do meio ambiente,
pois todos já sentiram “no próprio corpo” que adoecer ou permanecer
doente são dependentes, de modo considerável, das circunstâncias sociais
e psíquicas da vida.
Resumindo: na ciência da saúde realizou-se uma mudança na
problematização e compreensão de saúde. A questão não é mais o que
faz uma pessoa adoecer, mas, sim, o que faz a pessoa se manter sadia. A
mudança refere-se a uma alteração do ponto de vista: da compreensão
patogenética para a salutogenética de saúde (Oliveira, 2004).

A relação entre salutogênese e movimento


Se a saúde estiver ligada à capacidade de vencer as tarefas do coti-
diano, então uma habilidade esportiva não pode ser considerada como
seu único indicador. O esporte, como conceito superior, é muito restrito
para ser apto a representar, em geral, um indicador para a saúde. Por isso
utilizamos o termo movimento, porque o movimento humano compreen-
de e se aplica a muitas funções e representações, e não apenas à esportiva.
O movimento compreende, além do melhoramento das capaci-
dades físicas, muitos outros aspectos. Por ora constatamos o seguinte:
propostas de movimento orientadas na saúde não devem ser direcionadas
a promessas gerais de saúde, mas sim orientadas especificamente para
temas e grupos-alvo, setorizando a saúde. Isso só será possível se a discus-
são da relação esporte-saúde, no sentido de uma compreensão biológico-
-funcional de saúde e de movimento, for ampliada para uma compreensão
mais complexa. Uma compreensão biológico-funcional de saúde e de
movimento é muito limitada. Por este motivo é necessário diferenciar
as possíveis contribuições de movimento para a saúde individual. Isso
acontece na convicção de que o movimento pode apoiar, além da capa-
cidade do funcionamento corporal, também outros aspectos essenciais
da saúde. Nesse sentido deve-se mencionar três áreas de relacionamento
entre movimento e saúde:
1. O movimento contribui para a manutenção e o melhoramen-
to geral de uma capacidade de rendimento corporal, psíquico
e social, que, ao mesmo tempo, se faz notar na disposição e
86 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

capacidade de rendimento no trabalho e na vida particular.


Para isso contribuem propostas de movimento fundamenta-
das na ciência pedagógica e de treinamento.
2. O movimento contribui para o domínio (na área da reabi-
litação), para evitar doenças (na área da prevenção) ou para
adoecer, por meio do qual surgiram ou surgirão danos consta-
táveis por meio de um diagnóstico. Conteúdos funcionais das
propostas de esporte e de movimento correspondentes colabo-
ram para o restabelecimento, manutenção ou melhoramento
da capacidade funcional orgânica e para o melhoramento na
área psicossocial e da qualidade de vida.
3. O movimento contribui para o desenvolvimento da “capaci-
dade de realização individual”. Esta abrange a capacidade de
vencer as situações cotidianas da vida, portanto, de assumir
responsabilidade por si próprio. Os conteúdos adequados
devem partir de temas do dia a dia (por exemplo, alimen-
tação, envelhecimento, postura ou estresse). No centro deles
estão experiências relacionadas aos temas, acessíveis por meio
do corpo e do movimento.

Figura 4 — Contribuições do movimento para a saúde

Manu tenção
e melhoramento das
capacidad es físicas,
psíquicas e sociais

Manu tenção, Des envolvimento


restabelecimento da capacidad e
e melhoramento d e realização
da capacidad e individ ual
da função
biológica

Fonte: Os autores.

Para ampliação da “vida saudável” devem ser considerados os três


aspectos citados. O esforço para manter a capacidade funcional orgânica
tem, sem dúvida, uma importância indiscutível, mas com vista à saúde
que se comprova pelo domínio das atividades diárias isto abrange apenas
parcialmente a área.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
87

Assim, os programas atuais, muitas vezes orientados acentuada-


mente na “capacidade funcional biológica”, atingem apenas um aspecto
da saúde. Importa, muito mais, desenvolver um conceito amplo para
propostas de movimento, orientadas à saúde, em que as concepções
tradicionais com sua orientação funcional têm seu espaço, bem como
novas concepções, que consideram, também, conhecimentos psicológicos,
sociais e individuais sobre a manutenção e a perda da saúde.
Por esse motivo é necessário uma diferenciação das possíveis pro-
postas de movimento para a saúde individual. Propostas de movimento
correspondentes poderão, no âmbito de promoção da saúde, promover a
capacidade funcional orgânica ou a capacidade psíquica e social. Trata-se,
contudo, também, de colocar no centro do tema o “lidar com o corpo”,
o que é, no esporte, tão evidente (infelizmente, porém, quase sempre
somente no sentido funcional). Com isso se entende que aqui devem ser
consideradas as formas de sentimento e expressão corporal (individuais).
Nessa valorização da experiência corporal e do movimento, assim como
na promoção de desenvolvimento da percepção, está a chance de uma
formação de saúde, que se apresenta por meio do movimento humano.
A partir disso, avançamos explicando a compreensão do movi-
mento, anteriormente iniciada. A compreensão de movimento que será
abordada a seguir coloca-se como a base da compreensão de saúde salu-
togenética.

A compreensão de movimento numa definição


de saúde salutogenética
Com base no entendimento de que a saúde é ligada ao domínio
bem-sucedido da vida cotidiana, as medidas de promoção da saúde devem
visar ao fortalecimento das capacidades individuais no domínio das situa-
ções cotidianas da vida para estabelecer harmonia entre o querer, o poder
e o dever. Essas competências, nesse conceito, são denominadas “capa-
cidades individuais de configuração”, que só serão atingidas se os cursos
se relacionarem com temas do dia a dia e a situação dos participantes for
colocada no centro. Por isso deve-se partir de situações da vida cotidia-
na que representam um motivo individual de confronto com a própria
conduta.
Sem dúvida, a autoconduta sempre é marcada por regras, normas
e modelos. Para refletir sobre a autoconduta é necessário antes, conscien-
tizar-se das regras, normas e modelos que a determinam em vista dos
temas de propostas de movimento. Tais regras, normas e modelos guiam,
88 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

também, a percepção, o pensar e o sentir. Elas são transmitidas pelo pro-


cesso de educação e de socialização e cumprem uma função importante:
dão segurança e orientação na conduta cotidiana.
Modelos, no entanto, também podem tornar-se fatores negativos.
Por exemplo, modelos de esporte existentes determinam o trato com o
corpo. O ideal juvenil e a boa forma física (atualmente muito propagada)
é um desses modelos. A esse modelo corresponde, muitas vezes, o esforço
desesperado de pessoas para corresponder a um ideal de elegância que,
por natureza, nunca será atingido. Existem motivos bem variados para
apoiar-se em tais formas de conduta interiorizada:
• Pode-se: querer corresponder a um modelo, sem podê-lo mais
(por exemplo, ser juvenil).
• Pode-se: dever corresponder a um modelo, sem o querer (por
exemplo, a elegância).
• Pode-se: dever corresponder a um modelo, sem podê-lo (por
exemplo, o exigir de- mais).
O “segredo” da saúde consiste em conseguir harmonizar o querer,
o poder e o dever, portanto conciliar aquilo que se quer com o que ainda
se pode e aquilo que se deve. Isso refere-se tanto a aspectos físicos quanto
aos aspectos psíquicos e sociais. Se essa combinação falhar surgem danos
que podem apresentar-se nas mais variadas formas patológicas.
Reconhecer modelos de conduta individual pode, portanto,
indicar se e onde existe uma diferença entre o querer, o poder e o dever, o
que pode ser a causa de descontentamento ou, até, de distúrbios. A partir
disso os cursos devem, então, propor exemplos de experiência, com os
quais podem ser desenvolvidos e experimentados outros modelos que
talvez sejam mais apropriados para obter concordância entre o querer, o
poder e o dever.
É evidente que nesse conceito o corpo e o movimento assumem
um significado especial: o corpo representa a linha de contato entre o
Eu e o meio ambiente. Assim, também, todos os modelos de conduta
aprendidos e interiorizados durante a vida são memorizados no corpo e
requeridos por ele. Por meio do movimento esses modelos de conduta
podem tornar-se conscientes. No movimento e por intermédio dele
podem, então, ser experimentadas outras atitudes de conduta, que em
determinadas circunstâncias, em vista das possibilidades individuais ou
de condições alteradas, são mais indicadas. Trata-se, portanto, do “expe-
rimentar no próprio corpo”. Visto assim, não existe mestre mais enérgico
do que o próprio corpo.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
89

O movimento e a percepção são uma unidade inseparável. Sob


o aspecto da saúde, o “movimentar-se” não tem apenas um significa-
do motor-funcional, mas oferece, também, a possibilidade de chegar ao
conhecimento sobre si próprio e seu corpo. A (re)descoberta da consciên-
cia corporal pode proporcionar a muitas pessoas – que em parte viveram
sem consciência corporal ou cujo relacionamento com seu corpo foi dese-
quilibrado por doenças e pelo sentido de perda – uma nova experiência
enriquecedora.
Por intermédio do movimento pode-se, também, estabelecer
contatos com outras pessoas. Nesse sentido o movimento é compre-
endido como diálogo (Ver texto do Módulo 1 (B e L): O assunto do
estudo – Teorias de movimentar-se). Assim, fica evidente a função
comunicativa e social do movimento. Movimento tem, também, uma
função expressiva. Pelo movimento pode-se expressar e interpretar. São
exemplos dessa possibilidade: o teatro em movimento, a dança ou a
expressão corporal.
Resumindo: o movimento não tem somente uma função espor-
tiva, mas também uma função sensitiva, exploratória, comunicativa e
expressiva. Estas funções reunidas promovem a autocompetência, a
competência material e a competência social. Isso, porém, só acontece
se as propostas de movimento forem configuradas de tal forma que os
participantes consigam encontrar um equilíbrio entre as exigências que
a respectiva situação requer (dever) e as possibilidades ou necessidades
individuais (poder e querer).

O conceito de uma prática de movimento salutogenético


A meta central do movimento salutogenético é melhorar a qualida-
de de vida das pessoas por meio do movimento. Isto significa desenvolver
propostas de movimento que contribuem para:
1. A manutenção e o melhoramento das capacidades físicas, psíquicas e
sociais.
2. A manutenção, a recuperação e a melhora da capacidade biológica.
3. O desenvolvimento da capacidade individual de configuração.
Trata-se, portanto, de desenvolver propostas de movimento com
diversos eixos temáticos, entre os quais, contudo, devem existir pontos
em comum, sobretudo na estrutura didática e no procedimento metodo-
lógico. A estrutura didática consta de três fases:
90 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

1ª. Fase da informação e do conhecimento.


A partir das próprias experiências, suplementadas por informações
da disciplina ministrada no curso, os participantes têm a possibilidade de
identificar seus modelos típicos de conduta, por meio do movimento e
de formas de jogos.
2ª. Fase da procura e da experimentação de alternativas de ação.
As formas de jogos são, especialmente, apropriadas para experi-
mentar “brincando” outros modos de conduta no lidar com fenômenos
cotidianos sem consequências diretas, que, possivelmente, são mais ade-
quados para atender o querer, o poder e o dever.
3ª. Fase da configuração da situação de vida individual.
As alternativas de configuração, assim experimentadas ou amplia-
das, devem, num próximo passo, integrar a vida diária dos participantes,
com a finalidade de uma configuração da vida individualmente adequada
e, com isso, o domínio “mais saudável” do cotidiano.

Figura 5 — Estrutura didática das propostas de movimento


para uma prática de movimento salutogenético

Perceber e reconhecer modos d e cond u ta típicos individ uais


(p rejudiciais à saúd e)

Procu rar e experimentar modos d e cond u ta

Integ rar modos d e cond u ta que p romovam a saúd e


na sit uação da vida individ ual.

Fonte: Os autores.

O terceiro passo, mais difícil, refere-se, ao mesmo tempo, à finalida-


de essencial dos cursos, a saber, a transmissão para a vida cotidiana indivi-
dual. É decisivo experimentar algo que possa ajudar a vencer o dia a dia de
cada um. A questão é, portanto: Como explorar positivamente o vivenciado
nos cursos de forma que as experiências ajudem no dia a dia? Essa possibi-
lidade apresenta-se, sobretudo, por meio da reflexão, e esse fato esclarece o
porquê de ser atribuído tanto significado à reflexão desse conceito.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
91

O treinamento da percepção corporal e o confronto com os


próprios hábitos de movimento e de conduta pressupõem a reflexão. A
autoconscientização de modelos próprios de conduta modelada pode ser
apoiada pelos docentes, mediante perguntas com objetivo específico e da
proposta de uma conversação individual. Para tanto é importante que
os docentes observem os participantes em suas condutas de movimentos
e jogos, com a finalidade de encontrar pontos de referência para uma
eventual conversa individual.
Os temas das propostas de movimento:
1. O jogo de pega-pega
2. O indivíduo como parte do grupo – a experiência com outros
3. Respirar para viver
4. Movimentar-se em vários ritmos
5. Experienciar a natureza conjuntamente
6. Resguardo da coluna vertebral no dia a dia e no esporte
7. “Isso me derruba” – perder o equilíbrio e procurar reencontrá-lo
8. Treinamento da força na terceira idade – experimentar, cons-
cientemente o uso da força no dia a dia
9. Na corrida, o meu coração pulsa mais rápido – observação do
sistema cardiorrespiratório
10. O perceber das funções do próprio corpo em situações de
esforço físico e psíquico
11. Todas as articulações em movimento
12. A experiência consciente da contração e do relaxamento cor-
poral
13. Sentir-se bem na água
14. Expressar-se através do movimento – o jogo de mímicas e
representações.
A seguir apresentamos um esboço de ensino com os alunos do
Ensino Fundamental.

Reflexões didáticas num exemplo de ensino com o tema


“Respirar para viver”
A escola é um dos locais básicos no qual podemos fazer uso dos
“saberes” relacionados ao tema saúde, contribuindo no estímulo à adoção
de hábitos saudáveis que sejam significativos e que possam ser incorpora-
dos à vida dos alunos, contribuindo para o crescimento pessoal e social,
evitando digressões fúteis e momentâneas.
92 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Tendo o movimento como ponto central das aulas da Educação


Física, obviamente que é a partir dele que os professores e alunos precisam
tematizar e organizar suas ações. No processo formativo dos futuros pro-
fessores, a abordagem precisa partir das conceituações e conhecimentos
básicos, mas não superficiais, das áreas que suportam ampliações futuras
das ações na escola e fora dela. Como já referido, os conhecimentos
relacionados ao corpo humano e suas funções são imprescindíveis para os
avanços. A partir desses conhecimentos faz-se necessária a visualização de
como esses conhecimentos e saberes podem ser utilizados no cotidiano da
profissão de forma a suportar os seus ensinamentos para serem aplicados
ao longo da vida.
Ao termos a ideia central de que a escola é o local no qual se
prepara as pessoas para que sejam autônomas, é imperioso que o trato
com os conhecimentos ocorra de forma reflexiva, possibilitando que haja
interpretações que fujam do corriqueiro e que possam atender às deman-
das de interesses e necessidades dos participantes.
A Bundeszentralle für Gesundheitliche Aufklärung (BZGA, 2001,
p. 8) indicou que para que essa concepção de saúde possa ser viabilizada
faz-se necessário que a escola e sua estrutura possam ter objetivos e prin-
cípios claros, tais como:
Objetivos:
• Capacitar o escolar para tomar decisões que promovam a
saúde e a ter responsabilidade por si próprio e seu ambiente;
• Contribuir para tornar o estudante consciente de seu próprio
comportamento e valores e do comportamento e valores dos
outros;
• Transmitir para o estudante os conhecimentos e ferramentas que
promovam o desenvolvimento de um modo ou estilo de vida
saudável;
• Auxiliar e promover o desenvolvimento da consciência no aluno
de seu próprio valor.
Princípios:
• Diz respeito ao comportamento e trabalho dentro do mundo
e experiências do estudante;
• É orientada em direção à ação, tornando possível a expan-
são da consciência por meio da descoberta e exploração e
preparando para a prontidão (presteza) para agir e para tomar
decisões;
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
93

• Deve buscar a cooperação de pais e outros envolvidos;


• É baseada no conceito de saúde, o qual diz respeito à pessoa
em seu estado de existência física, mental, social, econômica
e ecológica.
Já no documento oficial brasileiro – a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) (Brasil, 2018) – são citadas as competências a serem
promovidas na Educação Básica, das quais destacamos algumas que têm
relação direta com o tema abordado neste módulo:
• Compreender a origem da cultura corporal de movimento e
seus vínculos com a organização da vida coletiva e individual.
• Refletir, criticamente, sobre as relações entre a realização das
práticas corporais e os processos de saúde/doença, inclusive
no contexto das atividades laborais.
• Identificar a multiplicidade de padrões de desempenho,
saúde, beleza e estética corporal, analisando, criticamente, os
modelos disseminados na mídia e discutir posturas consumis-
tas e preconceituosas.
• Usufruir das práticas corporais de forma autônoma para
potencializar o envolvimento em contextos de lazer, ampliar
as redes de sociabilidade e a promoção da saúde.
• Reconhecer o acesso às práticas corporais como direito do
cidadão, propondo e produzindo alternativas para sua reali-
zação no contexto comunitário.
Ainda como complemento importante dessa orientação o docu-
mento indica as dimensões do conhecimento, a saber:
Experimentação
Uso e apropriação
Fruição
Reflexão sobre a Ação
Construção de valores
Análise
Compreensão
Protagonismo Comunitário

Nesse sentido, os conhecimentos ensinados precisam destacar os


vínculos que têm com o cotidiano dos participantes. Algumas questões
precisam ser refletidas ao se ensinar conceitos e práticas de saúde, tais
como:
94 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

1) Por que é importante conhecer o corpo humano (anatomia, fisiologia,


biologia, cinesiologia)? Que relações esses conhecimentos têm com a
sua vida?
2) De que forma as funções fisiológicas vinculam-se com as atividades
que realizamos no nosso dia a dia?
3) Podemos nos preparar fisicamente para o enfrentamento de esforços
mais intensos? O que devemos considerar?
4) Como podemos utilizar os conhecimentos da saúde para nos cuidar-
mos diariamente e enfrentarmos os fatores estressores que a vida nos
impõe?
5) O que significa ser responsável pela minha saúde?
6) Como ter uma visão positiva diante de todos os fatores estressores que
a vida nos impõe?
Estas questões superam o simples fato de dominar o nome de
músculos, órgãos e suas funções, elas exigem que as reflexões sejam con-
textualizadas e adaptadas ao cotidiano dos alunos.
Na universidade o professor, ao tratar dos temas de saúde, deve
partir dos conceitos básicos e indicar em que situações e práticas os alunos
deverão utilizar esses ensinamentos. Exemplificando: em uma lógica orga-
nizacional, o professor ao ensinar sobre o sistema respiratório precisa escla-
recer ao futuro docente em que momento esse conhecimento deve ser
ensinado na escola e quais relações ele pode estabelecer para aproximar o
tema do cotidiano dos futuros alunos.
Partindo desse exemplo o professor deverá ter mapeado o currículo
escolar e ter a clareza de que esse tema (sistema respiratório) é ensinado na
escola entre o terceiro e o quarto anos da Educação Básica. Com isso, criar
estratégias de como ele pode ser abordado considerando as dimensões
de abordagem indicadas pela BNCC. Vamos exemplificar uma possível
situação de vivência com o tema:
a. O conhecimento ensinado na forma conceitual. Os princípios
e dados referentes ao sistema respiratório. Aqui, o professor
de Educação Física deve estabelecer vínculo direto por meio
de uma ação interdisciplinar com a professora de sala de aula,
pois quando ela tratar o tema em Ciências deverá fazer relação
ao que se trabalha na Educação Física de forma a potencializar
a consolidação do conhecimento.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
95

b. Tendo uma ação interdisciplinar com a professora de sala, o


professor de Educação Física organiza estratégias metodoló-
gicas e arranjos que possam contribuir para o entendimento e
consistência do conhecimento. Como exemplo para abordar
o tema “Respirar para viver!”:
1. os alunos ainda em sala de aula verificam o ritmo cardí-
aco. Contam 15 segundos a pulsação na carótida e mul-
tiplicam por quatro para terem a frequência cardíaca em
semirrepouso. É o momento em que o professor reforça
e amplia o conhecimento conceitualmente. Esclarece o
ritmo cardíaco nos vários momentos do dia e da vida.
2. os alunos vão para a quadra e o professor estimula
algumas atividades de forma a provocar alterações no
ritmo cardíaco. Os alunos verificam várias vezes os diver-
sos ritmos cardíacos e anotam em uma folha de papel
para terem os dados e relacionarem com as atividades que
realizaram. São feitas rápidas reflexões sobre as alterações
provocadas e como podem ser controladas de acordo com
as percepções dos alunos.
3. o professor esclarece, aproveitando os ensinamentos da
professora de sala, sobre o que acontece com o coração
e respiração quando sofrem variações de estímulos. Aqui
entram os conceitos sobre os aspectos fisiológicos dos
órgãos e suas funções, assim como suas respostas aos
diferentes estímulos. O que acontece quando dormimos,
quando acordamos, quando estamos andando, correndo,
trabalhando, praticando esporte, como devemos cuidar
do nosso coração e outras tantas questões que possam
enriquecer a visão dos alunos sobre o sistema respiratório.
4. apesar de se ter uma ideia de como os estímulos provocam
alterações, com certeza os alunos ainda terão dificulda-
des em entender como o sistema realmente acontece e
tem influência em nossas vidas. Nessa perspectiva, nada
melhor do que uma experiência cinestésica, por meio da
expressão corporal. Aqui pode ser experimentada uma
vivência muito rica e agradável para os alunos, ou seja,
representarem com seus corpos o sistema respiratório por
completo. Para tanto, todos deverão ter o esquema de
como funciona o sistema em forma de desenho. Pulmões
96 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

para a troca gasosa, coração com suas divisões que empur-


ram o sangue, sistema para a absorção e troca gasosa que
alimentam todo o corpo e todo o esquema de circulação
sanguínea. A turma deve ser separada de acordo com esse
esquema, ou seja, quatro grupos – um grupo coração, um
grupo pulmões, um grupo sistema e outro grupo sangue.
Cada grupo deverá representar o que o órgão faz durante
o exercício respiratório. O grupo do sangue deve repre-
sentar a circulação passando por todos os órgãos, sendo
conduzido ao seguinte. Nesse trajeto fará a devida troca
gasosa nos pulmões, deixando o CO2 e pegando o O2,
voltando ao coração e dele ao sistema e refazendo a troca,
deixando o O2 e pegando o CO2. A representação ficará
a cargo de cada grupo, devendo ser discutida ao final da
encenação. Os grupos alteram de posições depois de expe-
rimentarem a função correspondente de cada órgão. A
expressão corporal deve ser estimulada de forma a que
os alunos se dediquem a representar adequadamente as
funções representadas.13
Ao término dessa vivência deve-se problematizar com os alunos
sobre a importância da respiração e os cuidados em relação a ela. Os
alunos terão, a partir da vivência, uma noção muito mais clara de como
o sistema se desenvolve e o quanto é importante para vivermos. Assim,
abre-se a possibilidade para aprofundamentos nas reflexões, tais como:
“Eu sei me cuidar, controlo a minha respiração, o que a atividade faz com
o meu corpo e a respiração, como o ar interfere na minha respiração, o
que é poluição” e tantas outras questões que poderão demandar do tema
vivenciado.
Aqui é importante verificar que o tema deu possibilidade para a
experimentação, fruição, análise, compreensão, uso e apropriação, cons-
trução de valores e reflexão com possibilidade de protagonismo comu-
nitário. Os professores precisam enxergar as múltiplas possibilidades dos
temas que selecionarão de forma a enriquecê-los e ensiná-los dentro da
complexidade possível aos níveis de escolaridade, não simplesmente sim-
plificar e deixar o aprendizado numa base insignificante.

13
Ver o exemplo com o tema “Saber treinar a si mesmo” em (Hildebrandt-Stramann;
Taffarel, 2017, p. 217-238).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
97

O tema exemplificado para um 3º e/ou 4º ano vem de uma sequên-


cia de ações dos primeros dois ou três anos escolares, pois nos anos ante-
riores os alunos terão as vivências relacionadas às percepções e sensações
do corpo e dos diversos ritmos de exigência. Nessa etapa eles passam a
entender os conceitos dessas sensações e percepções de forma a entendê-las
significativamente e relacioná-las com a vida e suas exigências (Hildebran-
dt; Oliveira, 1994). A partir desse ponto poderão aprofundar o tema com
formas variadas de exigências motoras e chegar ao Ensino Médio com
ensinamentos que os levem à autonomia sobre como se preparar/treinar
suas capacidades aeróbia e anaeróbia para o enfrentamento das demandas
diárias e/ou então para exigências esportivas.
O movimentar-se ganha sentido e significado sendo vivenciado e
estimulado dessa forma, pois transcende o simples uso dentro de formas
e esquemas padronizados. Há a chance de os alunos criarem e utilizarem
o mundo do movimento para entendimentos muito mais complexos que
envolvem a vida e suas demandas. Esta forma de proporcionar vivências
fortalece a chance de se atender aos preceitos da salutogenética, conforme
apresentado no Módulo 6, pois possibilita as interpretações individuais
sobre o tema e suas relações com ações que possam ser prejudiciais à
saúde, aponta encaminhamentos que podem superar o quadro de debili-
dade e chances de superação.
Com isso, esperamos poder contribuir na constituição do que
Antonovsky denominou de Recursos Generalizados de Resistência, pois
por meio deles e das experiências cotidianas estaremos viabilizando a con-
solidação de um forte senso de coerência nos participantes do processo
ensino-aprendizagem para uma tomada de posição positiva para a vida
saudável.

Competências que os alunos devem adquirir


neste módulo
Por fim, elencamos algumas das competências que os alunos do
processo de formação de professores precisam dominar ao término de
suas graduações para que possam atuar dentro da perspectiva apresentada
neste módulo:
Os futuros professores precisam:
a. Dominar os conhecimentos básicos das teorias das ciências
da saúde.
98 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

b. Desenvolver o tema saúde tendo como com foco central a


questão sobre o que leva as pessoas a se manterem saudáveis
e, assim, arranjar situações de ensino e aprendizagem que for-
taleçam essas estratégias, empoderando os participantes em
suas capacidades de resistência (senso de coerência) diante dos
fatores estressores da vida nas suas diversas realidades.
c. Centrar o procedimento metodológico na perspectiva proble-
matizadora visando à exploração complexa dos temas e não a
sua simplificação e empobrecimento temático (competência
da transformação didática).
d. Ter clareza sobre a possibilidade de experimentação e vivências
do mundo do movimento para além dos modelos padroniza-
dos e estandardizados do esporte.
e. Utilizar o movimento como elemento pedagógico de for-
mação e ampliação da visão e possibilidades de tradução e
interpretação do mundo físico e social, ampliando as suas
possibilidades de intervenção e autonomia.

Módulo 4 (B e L): Movimento e sociedade


Um aspecto fundamental na proposta de um currículo modulari-
zado é sua ligação entre teoria e prática. No exemplo a seguir é apresentado
um seminário intitulado “Análise crítica do sistema social ‘esporte’”. Esse
seminário teórico está vinculado ao campo de movimento “correr, saltar,
lançar”. No seminário teórico analisamos o sistema social do “esporte” sob
o ponto de vista da Teoria do Sistema (Luhmann, 1984). No seminário
prático tematizamos um aspecto fundamental da Teoria do Sistema, que
são as regras constitutivas do convívio humano. Como exemplo utiliza-
mos o tema “correr”, da disciplina esportiva do “Atletismo”.
A Teoria do Sistema, de acordo com Niklas Luhmann, é uma
teoria sociológica por meio da qual a sociedade é descrita e explicada
como um “sistema social abrangente que inclui todos os outros sistemas
sociais” (Luhmann, 1984). O abrangente sistema social “sociedade” é
diferenciado em outros sistemas sociais (incluindo: Economia, Direito,
ciência, política, religião, educação, esporte). Luhmann coloca o proces-
so evolutivo da diferenciação funcional do sistema social em diferentes
sistemas sociais como um componente central de sua teoria sociológica
e se refere, neste contexto, às sociedades históricas e à história dos desen-
volvimentos sociais. A diferenciação em sistemas sociais ocorre com base
no sentido específico do sistema.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
99

Como a função da teoria dos sistemas é meramente fornecer


descrições estruturais/funcionais dos sistemas, seu autoentendimento
também segue como uma teoria não orientada criticamente no sentido
da teoria crítica (Habermas; Luhmann, 1971). A teoria crítica resulta em
perguntas sobre o sentido do sentido e como ele ocorre, seja determinado
ou negociado entre indivíduos.14
De acordo com a argumentação inicial apresentada, o seminá-
rio introdutório do módulo teve por base essa argumentação. Em uma
primeira etapa os alunos devem usar o exemplo de textos selecionados
com a teoria do sistema de Luhmann e a controvérsia entre a teoria do
sistema e a teoria crítica. Numa segunda etapa as considerações teóricas
foram transferidas para o sistema esportivo. O objetivo aqui era descrever
o esporte como um exemplo de sistema social e analisá-lo criticamente
no contexto do sentido do sistema. Em um terceiro passo, a referência ao
campo de movimento “correr, saltar, lançar” foi criada. O sistema esporti-
vo é baseado em “regras constitutivas” muito específicas, como o atletismo
e, por exemplo, a corrida no sentido do atletismo. Os estudantes devem
elaborar essas regras constitutivas e dar um sentido diferente ao correr,
alterando gradativamente as regras constitutivas. Teoricamente acontece
exatamente isso que Habermas teve de expor como representante da teoria
crítica na teoria do sistema.
Os estudantes desenvolveram o sentido sistêmico da corrida no
atletismo, problematizaram sobre o sentido desse sentido do sistema e,
em um nível discursivo e prático, baseando-se na teoria da ação comuni-
cativa, de acordo com Habermas, buscaram outras dimensões de sentido
da corrida. Em um seminário da práxis baseada em teoria, eles alcançaram
dimensões de sentido completamente novas para a corrida, que deverão
ser posteriormente transformadas didaticamente para a prática da Edu-
cação Física na escola.

O esporte como fenômeno social


Falar sobre o esporte como fenômeno social e fazer uma análise
social crítica do esporte parece-nos, num primeiro momento, um tema
mais adequado ao sociólogo. Nós, entretanto, somos pedagogos do
esporte, sendo perfeitamente possível uma abordagem deste tema, porque

14
A controvérsia de Niklas Luhmann com Jürgen Habermas é conhecida neste contexto
(1971).
100 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

o esporte é um conteúdo ensinado nas instituições educativas (nas aulas


de Educação Física) e na formação dos estudantes de Educação Física nas
universidades.
A utilização do esporte nas aulas de Educação Física (sem qualquer
exercício de reflexão) é o que questionamos nesse momento, problemati-
zando-o no contexto de uma visão pedagógica.
Dentro de uma determinada concepção de esporte, seja na confec-
ção de planos ou na própria realização de atos de movimento em processos
de ensino-aprendizagem, quando não se quer seguir cegamente uma ide-
ologia, temos de, primeiramente, descobrir e analisar as decisões prévias
inerentes ao movimento e quais as consequências que isso poderá acarretar
para as experiências motoras e sociais dos participantes.
Isso posto, deve-se proporcionar a reflexão das questões a seguir:
1. Quais as decisões prévias que a aula de Educação Física recebe
quando copia, irrefletidamente, o conceito de esporte?
2. Para os participantes da aula, quais serão as consequências
motoras e sociais que resultarão da adoção de uma cópia do
conceito do esporte?

Análise do sistema de esporte sob a teoria de sistema


Podemos iniciar analisando a determinação que o sistema do
esporte exerce sobre a realidade. As formas do esporte (ginástica artística,
jogos esportivos, atletismo, etc.) são fatos da realidade social e, em conse-
quência, somente poderão existir à medida que os seres humanos compar-
tilhem e aceitem o sentido destas formas. Mandelbaum (1971) caracteriza
o “social” neste modelo de fato da seguinte forma: “Nenhum tipo de fato
existiria se não houvesse indivíduos que pensassem e agissem desta forma
específica”. Isto é, deverá haver para os participantes, sempre, uma rede
de concordância para possibilitar os ajustes produzidos por essas formas.
Nós podemos afirmar, também, que determinadas regras caracte-
rizam, uma a uma, as formas do esporte e as diferenciam umas das outras
em suas constituições típicas. Assim, reconhecemos rapidamente o tipo de
jogo por meio da percepção das semelhanças estruturais das formas espor-
tivas. Além das regras que constituem a respectiva disciplina do esporte,
deverão existir regras de princípios superiores e gerais que são comuns ao
esporte institucionalizado. A questão deverá, portanto, dirigir-se para as
relações referentes às regras superiores e gerais que determinam o sistema
do esporte e lhes atribui um sentido.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
101

Quando determinamos o esporte como um sistema, estamos


reportando-nos à teoria do sistema funcional estrutural de Luhmann
(1970). Torna-se necessário, aqui, esclarecer quais são as caraterísticas
fundamentais dessa teoria que sustenta nossas colocações.
Segundo a teoria do sistema funcional-estrutural, o sistema social é
entendido como uma conexão de ações sociais que se relacionam reciproca-
mente e que se diferenciam do ambiente das ações ao qual não pertencem
(Luhmann, 1970). A formação do sistema realiza-se, portanto, no sentido
da construção e da conservação de uma diferença em relação ao ambiente.
O problema básico é, na base dessa teoria, a disputa do sistema com o
ambiente. Sendo o ambiente sempre mais complexo do que o sistema, o
rendimento deste (formulado abstratamente) é a “redução da complexida-
de” (Luhmann, 1971). A maneira de efetivar essa redução da complexidade
é dirigida por meio do “sentido no sistema social”. Isso significa que:
a. A diferenciação de outros âmbitos de ações acontece pela
determinação de regras, normas e preferências que caracte-
rizam o sistema.
b. Tudo o que pertence a este sistema e que corresponda às
normas tem sentido, isto é, cumpre o sentido deste sistema.
c. Tudo o que não pertence a este sistema, portanto, tudo o que
não lhe corresponde, não tem sentido.
Retornemos ao esporte, trazendo essas reflexões da teoria de
sistema esportivo.
O sistema do esporte dá uma resposta específica ao problema de movi-
mento do ser humano. O mundo do ser humano é complexo e apresenta
vários níveis. As possibilidades de vivência de movimento dos seres humanos
no seu mundo são, portanto, complexas e têm vários níveis. O sistema do
esporte, entretanto, reduz estas complexas possibilidades de movimento.
Conforme expusemos anteriormente, a forma de reduzir a comple-
xidade é dirigida pelo sentido. Assim, pergunta-se: Segundo qual sentido e
princípios, no sistema do esporte, é reduzida a inimaginável complexidade
das ações de movimento?
Quais são as regras superiores (gerais) que o sistema do esporte
segue e que tornam clara a lógica intrínseca desse sistema?
O sistema do esporte caracteriza-se por duas regras básicas (que
são as superiores) e por determinados princípios:
• a regra do sobrepujar (no sentido de vencer);
• a regra da comparação objetiva.
102 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

A típica redução da complexidade que produz o sistema do esporte


torna-se clara somente no inter-relacionamento destas duas regras. Para
podermos comparar objetivamente os rendimentos, as condições sob as
quais os rendimentos deverão ser atingidos precisam ser padronizadas.
Isso torna-se claro com as seguintes questões:
a. Da arquitetura dos locais esportivos (locais para jogo e movi-
mento; possibilidades para nadar em piscinas oficiais para
competição, etc...);
b. Das regras de cada disciplina de esporte (futebol, voleibol,
etc.);
c. Das regras motoras que determinam a realização do movi-
mento.
Com a ajuda das duas regras básicas – a do sobrepujar e a da
comparação objetiva – encontramos a pista do conceito de movimento
do sistema do esporte no seu sentido para a problemática do movimento
humano. O esporte institucionalizado favorece a função comparativa do
movimento. No sentido do sistema trata-se, principalmente, do aumento
de rendimento do movimento humano. Todos os esforços são dirigidos ao
objetivo de sobrepujar e chegar em primeiro lugar (vencer). Isto é válido
tanto para os esforços para melhorar as condições esportivas (otimização
dos locais e aparelhos) quanto para a elevação do rendimento dos próprios
esportistas (empenho para adquirir conhecimentos acerca do processo de
treinamento e os esforços do próprio treinamento).
Para melhor exemplificar as consequências motoras e sociais que
resultam da adoção dessa cópia do conceito de esporte analisaremos este
sentido utilizando um exemplo concreto. Nossa análise dirige-se para o
atletismo como uma das modalidades do sistema do esporte.

Análise do sentido de uma modalidade esportiva:


o atletismo
Primeiramente apresentaremos as regras que regem o atletismo. A
seguir tentaremos reconstruir seus princípios fundamentais, ou seja, a sua
relação com as duas regras básicas. A partir da análise do sentido descre-
veremos as consequências que isto acarreta para as experiências corporais
e de movimento dos sujeitos.
No atletismo, os movimentos de correr, saltar e lançar são rigida-
mente predeterminados. Em primeiro lugar, os locais para a realização das
provas são definidos por meio de regras.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
103

a. Corridas: a distância a ser percorrida, a largura da pista, o


nível horizontal do solo, a direção, o ponto de partida e a
linha de chegada, etc.
b. Salto em distância: a corrida em linha reta sobre um solo
horizontal, o ponto de impulsão sobre uma marca medida e
fixa, a zona de aterrissagem no solo macio, etc.
c. Lançamentos: a delimitação do local, a direção e o setor de
lançamento, etc.
Embora os movimentos de corrida não sejam regulados na sua
execução, existem regras motoras tanto para os movimentos de saltar
quanto para os de lançar (limitantes da livre-iniciativa de realização).
Assim, também são determinadas as técnicas de realização do salto em
altura e em distância com uma só perna e, no lançamento de dardo, os
giros não são permitidos.
A ação de competir é determinada não apenas pelas regras de local
e normas motoras, mas também pela regra básica do sobrepujar. Sob
as condições básicas de locais e as condições motoras predeterminadas,
o correr, o saltar e o lançar significam percorrer uma distância o mais
rápido possível, saltar o mais alto ou mais longe possível ou, ainda, lançar
o mais longe possível. Dessa forma, para o participante, o correr implica
diminuição do tempo e, no saltar e no lançar, um aumento da altura e da
distância a ser alcançado, respectivamente.
É difícil explicar a relação entre a exatidão, com a qual o local
de competição é definido, e a regra do sobrepujar. Ambas constituem a
ação da competição quando o sistema do atletismo não é decidido em
conjunto, mediante uma regra superior.
Correr, saltar e lançar um contra o outro (no sentido de competi-
ção) parece possível, também, sem a exigência formal de uma determina-
ção exata do local. Somente torna-se compreensível a configuração típica
do sistema do atletismo quando a segunda regra básica é considerada:
a regra da comparação objetiva. Esta deve ser observada na sua relação
com a regra do sobrepujar. A padronização dos locais e a exata fixação das
formas de movimento são, então, urgentemente necessárias quando um
rendimento deve ser comparado com outros rendimentos.
Para determinar a igualdade nas condições de competição, garan-
tindo medidas objetivas do rendimento, torna-se necessário utilizar locais
com medidas exatas, construir instalações análogas para a competição e
empregar os mesmos métodos de verificação do rendimento.
104 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

As consequências resultantes da redução no sentido do sistema só


podem ser esclarecidas quando se analisa esta redução diante do cenário
de sua elaboração. O princípio da comparação objetiva, que está ligado
ao pensamento no sentido de recorde, exige que a definição do local e sua
utilização sejam inequívocas. Consequentemente, ficam excluídas desde
o princípio as outras formas de correr, saltar e lançar.
O que significa a determinação do tema do atletismo, em especial
o atletismo na Educação Física Escolar, para os participantes? Esta per-
gunta orienta e centra o interesse pedagógico no próprio sujeito. Quais
interpretações do esporte e do movimento são oferecidas e qual compre-
ensão do movimento é determinada aqui?
A tematização do correr, do saltar e do lançar no sentido do sistema
do atletismo desportivo compromete os participantes com os aspectos
formais das experiências corporais e do movimento que o sistema, orien-
tado para a competição, exige. A avaliação do rendimento na corrida,
no salto e no lançamento orienta-se pelos padrões objetivos (standards)
que são fixados pelos resultados em forma de listas (por exemplo: uma
hierarquização dos resultados segundo os recordes mundiais, regionais ou
a categoria de participação relativa à faixa etária).
A avaliação acontece, por outro lado, pela aferição do rendimento
visando à respectiva concorrência e à classificação obtida. Se o rendimento
é suficiente no âmbito do sistema ou não, os sujeitos obterão a experiên-
cia de como é ser “bem-sucedido” ou “não ser bem-sucedido”. Assim, o
“bom” corredor ou arremessador confirma perante si mesmo a sua capaci-
dade de rendimento por meio de certificado e pela classificação exitosa; o
“mal” denomina-se ou é denominado pelos outros de “fracassado”. Desta
forma, a orientação do atletismo pelos critérios de rendimento quase obje-
tivos traz consequências problemáticas para os sujeitos, especialmente para
os que são definidos como fracos. Para estes resta somente a possibilidade
de se retirar do sistema como incapazes de se movimentar ou retomar
o processo de treinamento no qual podem reafirmar sua incapacidade
para altos rendimentos. Por outro lado, eles poderão tentar satisfazer a si
próprios por progressos individuais de rendimento.
Participar do atletismo, no sentido aqui descrito, significa para
os sujeitos subordinar-se àquela avaliação de rendimento que traz uma
diferença social. As vivências de movimento dos sujeitos são orientadas,
primeiramente, para o êxito a ser obtido. São caracterizadas, portanto,
pelo sucesso ou pelo fracasso. Neste caso, a qualidade do movimento e a
diversidade das experiências de movimento (que caracterizam o correr, o
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
105

lançar e o saltar) são totalmente perdidas. Estas qualidades e diversidades


dos movimentos de correr, saltar e lançar encontramos, por exemplo,
tematizadas nos exemplos práticos da concepção didática das aulas abertas
às experiências (Hildebrandt-Stramann, 2009c).15
A análise torna clara que a função comparativa do movimento
é enfatizada no sistema do atletismo. Isso corresponde a diferenciações
inequívocas entre locais de movimento e locais de competição (que têm
formas específicas). Isso quer dizer, portanto, que a necessidade de diver-
sificação das experiências de movimento fica reduzida às normas de movi-
mentos esportivos.
Esta análise de uma disciplina esportiva institucionalizada, realiza-
da neste caso com o atletismo, é um exemplo para o sistema desportivo.
Com isso é possível supor que outras modalidades do sistema do esporte
também são construídas, segundo o sistema do esporte aqui desenvolvido.
Isto pode ser inferido por que os outros âmbitos do sistema desportivo
seguem da mesma forma as regras básicas do sobrepujar e a da compara-
ção objetiva. Outras análises realizadas em diversas modalidades (ginástica,
natação, futebol, etc.), locais, aparelhos e formas de movimento poderiam
demonstrar que elas também estão submetidas às reduções do sistema
desportivo.
Entendemos que este tipo de redução não pode ser apoiado nas
aulas de Educação Física, ou seja, o esporte não pode ser transportado
desta forma nem para as aulas nas escolas nem nas universidades. Quando
esta forma desportiva é dominante na formação dos estudantes (o que na
realidade é feito), então esta maneira da formação necessita ser modifi-
cada. Tanto a Educação Física escolar quanto a formação dos estudantes
têm de abolir a redução da complexidade. Elas têm a tarefa de desenvol-
ver a complexidade, isto é, tem a tarefa de possibilitar uma grande gama
de experiências diversificadas de movimentos, mas somente aumentar as
formas de movimentos no atletismo não é suficiente. Uma mudança deve
ser acompanhada de um processo de análise crítica do sistema esportivo.
Em outras palavras, a tematização do correr, do saltar e do lançar deve
sempre ser baseada em um processo dialético de pensar e fazer, em um
processo da reflexão teórica da prática.

15
Também encontramos exemplos práticos em relatórios das Oficinas de Movimento
(comp. Beckmann; Hildebrandt-Stramann, 2009c, p. 45-56; Hildebrandt-Stramann;
Taffarel, 2017, p. 51-65; neste livro ver o texto sobre a Oficina de Movimento no Campo
de Movimento “lançar”).
106 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

A seguir apresentamos um exemplo de uma aula realizada na for-


mação dos estudantes no campo de movimento correr, saltar, lançar.

O jogo com as regras constitutivas da realidade


esportiva no exemplo do correr
Se a teoria do sistema de Luhmann explica a organização do
mundo por meio de sistemas e sua função de abandonar os indivíduos,
mesmo que a seletividade possa ser entendida, a teoria dos sistemas exclui
a questão de como as pessoas podem se distanciar das soluções do sistema
num mundo organizado pelo sistema. Embora os sistemas não sejam
dispensáveis em nosso mundo, eles só cumprem uma função racional se
nos conscientizarmos de suas definições, avaliações e efeitos, quando os
abrirmos para uma crítica da experiência pelos sujeitos. Para conhecer
essas orientações sistêmicas é necessário expor o sentido dos sistemas,
para que possam ser confrontados e discutidos com as próprias ideias dos
estudantes.
O exemplo a seguir mostra como um “jogo”, com as regras da
realidade esportiva pode levar a novas formas de ação com diferentes sig-
nificados. O tema da aula é “correr”. A aula durou 4 horas e é estruturada
em 4 passos. Da aula participaram 40 estudantes.
No primeiro passo identificamos as regras constitutivas do sistema
de atletismo no exemplo do “correr” (Tabela 6):
Tabela 6 — As regras constitutivas no sistema esportivo de “atletismo”
Regras constitutivas Regras constitutivas do sistema do atletismo no
exemplo do “correr”
Regras de espaço Trecho normatizado 100m, 400 m
Regras de inventário Blocos de partida, corda de chegada, cronômetros,
obstáculos
Regras da pessoa Cada corredor corre por si mesmo, diferenciado pela
idade e sexo
Regra de tempo Tão rápido quanto possível
Regra de ação
relacionada ao
– ator Individualidade – cada um por si
– tempo Partida simultânea – ao mesmo tempo
– espaço – inventário Um trecho de corrida predeterminado, cada corredor
na sua raia/faixa
Vestimenta adequada
Fonte: Os autores
CAPÍTULO 3
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107

No segundo passo os estudantes descobriram novas formas de correr


por meio da mudança das regras
1ª Tarefa: Correr até encontrar (alteração da regra da pessoa)
Dois corredores formam um grupo. O trecho é predeterminado.
Os dois partem ao mesmo tempo, mas os dois se posicionando um de
frente para o outro com certa distância. Mede-se o tempo até que haja o
encontro (toque entre os dois).
2ª Tarefa: Linha móvel da chegada (alteração da regra da pessoa)
Dois corredores são ligados com uma corda (mais ou menos de
dois a três metros de comprimento). Mais dois corredores estão atrás deles
(3 ou 4 metros). As duas duplas partem ao mesmo tempo. A dupla de trás
tenta chegar até a dupla da frente. Depois as duplas mudam de posição.
Mede-se o tempo até a dupla de trás chegar até a corda da dupla da frente.
Qual dupla precisa de menos tempo?
3ª Tarefa: Estafeta de corrida (alteração da regra da pessoa)
Os alunos formam grupos de corrida. Eles devem correr um trecho
definido, mas mais longo. O grupo define os trechos para cada um e
a quantidade das corridas de cada corredor. Os tempos são tomados e
comparados para cada estafeta.
4ª Tarefa: reflexão em relação à questão das mudanças das regras e suas con-
sequências
O princípio da construção das três tarefas de correr é uma modi-
ficação da regra da pessoa, que tem consequências também para a regra
da ação. Todas as modificações, no entanto, contêm ainda o significado
comparativo de correr, que é articulada por meio da regra do tempo:
correr tão rápido quanto possível.
A modificação da regra da pessoa, porém, mostra uma mudança
decisiva em comparação ao sistema esportiva do atletismo: não é avalia-
do o rendimento de cada um, mas são medidos os resultados realizados
nas ações cooperativas. Os corredores têm de compensar um rendimento
fraco do parceiro por um rendimento melhor do outro (tarefas 1, 2, 3).
Na tarefa 4 os alunos devem desenvolver uma estratégia para alcançar o
melhor resultado de grupo possível.
5ª Tarefa: O “relógio interno” (alteração da regra do tempo)
Cada corredor escolhe uma distância de corrida mais longa e
tenta prever o tempo em que ele pensa que irá cobrir a distância.
108 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

6ª Tarefa: Correr com restrições para os movimentos (alteração da regra do


inventário)
Uma deficiência poderia ser a cegueira – correr “cego” ou então
com aparelhos como muletas (Stelzen).
7ª Tarefa: Modificar a “paisagem de correr” (alteração da regra do espaço)
Esta tarefa não foi realizada. Uma oferta de espaço com diferentes
estruturas do solo: areia, lama, montanhas, curvas, água, etc.
8ª Tarefa: reflexão em relação à questão das mudanças das regras e suas con-
sequências
Na 5ª tarefa a regra de tempo foi alterada, na 6ª tarefa, a regra
de inventário e na 7ª tarefa, a regra do espaço.
Todas as tarefas não tratam mais dos princípios de minimização
do tempo e da comparação objetiva. O contexto de correr é determina-
do por referência ao sujeito em movimento. Nas diferentes situações os
alunos podem explorar sua corrida e criar experiências ambientais que
não são mais possíveis na corrida do atletismo.
Com este exemplo os alunos podem aprender:
• modificar o significado comparativo de correr, isto é, modifi-
car os princípios da minimização do tempo e da comparação
objetiva;
• como construir novos sentidos para a corrida por meio de
uma análise das regras do sistema esportivo;
• lidar criticamente com o esporte, sem negá-lo;
• o que significa transformar o esporte didaticamente.
Eles também:
• desenvolvem a competência para encenar uma aula da Edu-
cação Física com base no conceito didático das aulas abertas
às experiências e
• conhecem teorias sociais da Sociologia como a Teoria de
Sistema (Luhmann) e a Teoria Crítica da Escola de Frank-
furt (Habermas).
Eles aprenderam:
• que o esporte pode ser explicado, entre outras coisas, usando
teorias das Ciências Sociais e que o esporte pode ser alterado
racionalmente com base nessas teorias;
• que, com base em uma mudança racional e teoricamente
justificada do esporte, o se-movimentar chega a outros ele-
mentos de significado.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
109

Módulo 5 (L) — Aprendizagem digital, educação e


movimento

Mídias digitais no contexto social e educacional


Nos últimos 20 anos, a mídia digital tornou-se uma palavra-chave
da “escola do futuro”. O objetivo é criar novos “mundos de aprendiza-
gem”, baseados no conceito de “educação digital”. Imagens das “futuras
escolas” são facilmente encontradas na Internet: crianças com “óculos
realidade virtual 3D”, em frente a computadores, manuseando um kindle
(leitor de livro digital) ou celulares de última geração, em casa, na rua
ou mesmo na escola. Embora a oferta de “aulas virtuais” ainda seja um
processo relativamente novo no Brasil, muitas universidades (públicas e
privadas) e escolas, especialmente as de ensino particular, oferecem aulas
em ambientes virtuais de aprendizagem, por meio do sistema e-learning.
Está em curso uma profunda transformação digital no âmbito educacio-
nal, que vai repercutir, inclusive, nas escolas de Educação Básica.
A crise mundial envolvendo a pandemia da Covid-19 está afetan-
do e alterando, sem precedentes, os sistemas de ensino básico e universi-
tário no Brasil, desde março de 2020, quando as universidades públicas e
privadas e as escolas de Educação Básica suspenderam, por tempo inde-
terminado, todas as atividades presenciais. Com isso, muitas aulas estão
sendo ministradas de forma on-line, a partir de diferentes plataformas
de experiências digitais. Mesmo com todas as facilitades da tecnologia
on-line, a educação brasileira vive hoje um estresse “didático-metodológi-
co” sem precedentes. Os docentes de universidades estão sendo obrigados,
de uma hora para outra, a ministrar as aulas através de Ambientes Virtuais
de Aprendizagem (AVA) (como o Classroom, o Remind, o Moodle e o Meet,
por exemplo), sem nunca terem sido preparados, técnica e pedagogica-
mente, para tais funções ao longo de suas carreiras. Para essa imersão
digital muitos docentes, inclusive, não dispõem, pessoalmente, das ferra-
mentas necessárias para aulas exclusivamente virtuais.
Na outra ponta desse estresse “didático-metodológico” estão os
estudantes e alunos que, de uma hora para outra, estão sendo obrigados
a se adaptarem às “aulas virtuais”, ministradas por professores não capaci-
tados para tal. Mesmo que em disciplinas dos cursos de Educação Física
Licenciatura e Bacharelado do CEFD/UFSM alguns conteúdos sejam
desenvolvidos por meio do ambiente virtual de aprendizagem Moodle, a
110 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

maioria das aulas é presencial. Por mais que integrem a “geração digital”,
os estudantes ainda preferem as aulas presenciais, especialmente pela pos-
sibilidade de contato professor-aluno.
O mesmo ocorre nas escolas de ensino básico, que neste
período de crise humanitária também passaram a ofertar aulas on-line
aos alunos, sem que houvesse um preparo didático-pedagógico, tanto
por parte do professor quanto por parte do aluno.16 Em reportagens
veiculadas pela televisão sobre “inovações virtuais” no processo de
ensino e aprendizagem, desde que as escolas cancelaram as aulas pre-
senciais é comum ouvir depoimentos de crianças e adolescentes implo-
rando pela volta das aulas presenciais. Além de não disporem de toda
tecnologia necessária em casa (Internet), de espaços adequados às aulas
e/ou de pessoas que lhes auxiliem em tarefas virtuais, sentem falta,
sobretudo, do contato pessoal com os professores, colegas e amigos
da escola.17
Quando, porém, falamos em mídias digitais no processo edu-
cacional, temos de ter em mente que elas podem ser empregadas como
recurso educacional, sem a necessidade de vinculação com a Internet,
embora conectados a ela, as mídias digitais cumprem de forma mais
abrangente seu papel social e educacional. Se integradas ampliam os recur-
sos comunicacionais por intermédio de dispositivos móveis e oportunizam

16
No RS duas situações, em particular, chamam atenção em relação ao uso das mídias
digitais nas escolas estaduais, considerando o contexto atual: a primeira refere-se à Lei nº
12.884, de 3 de janeiro de 2008, que determina: “Fica proibida a utilização de aparelhos
de telefonia celular dentro das salas de aula, nos estabelecimentos de ensino do Estado do
Rio Grande do Sul. Os telefones celulares deverão ser mantidos desligados, enquanto as
aulas estiverem sendo ministradas”; a segunda diz respeito a normas internas das escolas
que possuem Internet: “proibido veicular a senha da Internet aos alunos”.
17
Entre as inúmeras consequências que a pandemia da Covid-19 deverá trazer à sociedade
está uma alteração profunda na formação profissional nas universidades brasileiras. As
mídias e tecnologias deverão ganhar novo e definitivo protagonismo em todas as áreas.
A tendência será de um maior aproveitamento das diferentes ferramentas, inclusive nas
escolas de ensino básico. Por isso, a formação de professores, por exemplo, deverá estar
centrada em dois aspectos principais: a) na formação técnica (domínio das ferramentas)
para utilizar os diferentes recursos da informática no desenvolvimento dos conteúdos;
b) na criatividade (no sentido de o professor se tornar autônomo – para pensar a partir
de seus referenciais e situações reais – na criação de propostas afins). É fundamental que
o professor aprenda a “dominar” as ferramentas tecnológicas, no âmbito pedagógico,
conforme as seguintes realidades: equipamentos disponíveis, espaços escolares e sociais
e níveis de aprendizagem.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
111

várias possibilidades de registro e difusão de informações sob diferentes


formatos: vídeo, texto, som, imagem, e diversas formas de combinação,
que dão origem às linguagens multimodais.
As mídias digitais se forem utilizadas na sociedade e, sobretudo,
na educação para fomentar um ensino participativo e emancipatório,
elas se tornarão essenciais ao processo crítico-refletivo que permeia esse
conceito de educação. O uso crescente de mídias digitais para interação,
para gerar, divulgar e acessar conteúdos é uma prática cada vez mais
presente na sociedade. De acordo com França, Rabello e Magnago
(2019, p. 109), “(...) as mídias e as plataformas não são mais apenas
mediadores ou espaços separados do cotidiano; elas integram a vida e
são atores sociais importantes que participam ativamente das ações coti-
dianas”. Nesse sentido, as mídias digitais tornaram nossa vida cada vez
mais complexa e nos colocaram num cenário ora presencial ora virtual,
mas ambos reais.
Vinculada a esse cenário, a escola também vem sendo pensada
a partir da possibilidade e necessidade da utilização das mídias digitais
como recurso educacional, especialmente após a edição da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018), que traz a cultura digital
como um dos pilares do processo de ensino e aprendizagem, ampliando
o processo de formação humana. A orientação corrobora Fantin (2012,
p. 269), quando afirma que a utilização das mídias digitais na educação
torna possíveis novas “(...) formas de ver e sentir; implica renúncia ao
previsível e nos permite ousar outras possibilidades que sugerem novos
significados”.

A controvérsia envolvendo a mídia digital na escola


Na discussão atual sobre o uso da mídia digital na escola há duas
posições: a tecnocrática e a educacional. No contexto escolar a posição
tecnocrática é inaceitável, considerando que entre os argumentos está
que quanto mais a tecnologia digital for usada em sala de aula, mais bem
as crianças estarão preparadas para o futuro mercado de trabalho. Nessa
perspectiva, a educação torna-se, então, um processo de treinamento
para o “mundo digital”. Para representantes da posição educacional,
como Irion (2020, p. 15) e Peschel e Irion (2016), educação significa
capacitar os jovens para saber viver uma vida plena e satisfatória. Todos
os objetivos educacionais que colocam o mercado de trabalho acima do
desenvolvimento pessoal são limitados. Especuladores financeiros, donos
112 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

de “grandes grupos de educação”, estrelas do Youtube e influenciadores,


por exemplo, não combinam com um contexto educacional que privi-
legia o “ser” em detrimento do “ter”.
O rápido desenvolvimento da Internet e, por consequência, das
mídias digitais, causou uma revolução nos sistemas de comunicação e
interação, afetando não apenas o desenvolvimento social e o mundo do
trabalho, mas também as situações individuais e sociais da vida de crian-
ças, jovens, adultos e idosos. Do ponto de vista pedagógico, na Educação
Básica, inclusive na Educação Infantil, entendemos que a escola atua na
contramão do sistema ao transmitir “habilidades digitais básicas” como
algo fundamental. A mídia digital na escola, assim como no processo de
aprendizagem, é necessária, mas no Ensino Fundamental, por exemplo,
quando os educadores tratam com crianças de 6 a 10 anos, eles devem
observar o que as crianças nessa idade realmente precisam, isto é, devem
falar sobre as exigências da escola em relação ao processo de educação.
Atualmente a questão da mídia digital nas escolas está sendo
discutida, principalmente, do ponto de vista tecnocrático, quando na
verdade deveria ser discutida do ponto de vista pedagógico e da psico-
logia do desenvolvimento. Existe, em muitos casos, uma inversão no
processo educacional. No debate atual a mídia digital não deveria con-
trolar ou orientadar a pedagogia, mas a discussão envolvendo a mídia
digital deveria ser determinada ou orientada pela pedagogia. A “primazia
da pedagogia” não pode ser discutida apenas sob o aspecto do uso da
mídia digital na escola, mas deve ser perguntado como o uso da mídia
digital pode apoiar a aprendizagem das crianças. Como as mídias podem
apoiar o trabalho didático e pedagógico dos professores na mediação do
conteúdo de ensino?
Por entendermos que a escola de Educação Básica é uma insti-
tuição da sociedade para as crianças, a discussão sobre o papel da mídia
digital na escola não pode ser separada do discurso sobre o “futuro da
sociedade” e a “escola do futuro”. Uma tarefa fundamental da escola é
a educação das crianças18 (Hildebrandt-Stramann; Taffarel, 2017, p.
34-51).

18
Como a tarefa fundamental da escola é a educação, também a tarefa fundamental da
Educação Física é educar e ensinar (comp. Dieckert; Hildebrandt-Stramann, 2004, p.
15, 21).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
113

O que significa, no entanto, Educação Básica no contexto atual?


Cinco aspectos são essenciais nessa definição: a) o apoio ao desenvolvi-
mento do conceito de si próprio/senso de “eu” de cada criança no contex-
to da convivência social; b) educação de valores como o fortalecimento
da confiança, da comunicação e a aquisição de formas democráticas de
comportamento; c) desenvolvimento de diversas experiências culturais
nos campos da arte, literatura, música e movimento; d) desenvolvi-
mento de bases sólidas para a aprendizagem em relação a todas as áreas/
disciplinas, fortalecendo a aprendizagem autônoma e cooperativa; e)
garantir às crianças a alimentação básica.
A escola de Educação Básica deve ser configurada para que
os cinco aspectos sejam garantidos na sala de aula e fora dela. Nesse
sentido, a escola de Educação Básica deve ser entendida como uma “casa
de educação básica”. O currículo escolar das crianças é o encontro com
imagens e eventos do cotidiano e a reflexão sobre os eventos vivencia-
dos. Se entendermos a compreensão do mundo como um processo que
é acompanhado pelo desenvolvimento físico, cognitivo, linguístico e
socioemocional das crianças, então surgem três questões educacionais
decisivas: 1ª) como o ambiente de aprendizagem deve ser configurado
para que as crianças possam experimentar algo novo de acordo com
sua idade?; 2ª) as novas experiências podem ser entrelaçadas com o
conhecimento já adquirido?; 3ª) Quais são os critérios pedagógicos para
responder a essas perguntas?
As respostas perpassam várias questões. Em relação ao ambiente
de aprendizagem, chega-se à conclusão de que as crianças precisam de
um ambiente de aprendizagem que as desafie a explorar e descobrir.
Explorar e descobrir são processos que envolvem movimento. É por
isso que as crianças precisam de “salas de aula móveis” (Hildebrandt-
-Stramann; Taffarel, 2017, p. 41). Aprender não é apenas um processo
cognitivo, mas também um processo holístico. Assim sendo, as crianças
precisam da configuração dos processos de ensino e aprendizagem como
“aprendizagem móvel” (Hildebrandt-Stramann; Taffarel, 2017, p. 43).
Elas precisam espaços de comunicação e de silêncio, assim como de
oficinas para fabricar e projetar produtos, de livros e de bibliotecas.
Nesses ambientes de aprendizagem, que atendem às necessidades das
crianças, a mídia digital tem seu lugar garantido e deve ser utilizada de
forma produtiva pelas crianças.
114 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Uma tarefa tradicional e, também, importante da escola, é pos-


sibilitar para as crianças encontros presenciais com pessoas, seres vivos e
coisas, bem como visitar locais de aprendizagem extracurricular. Mídias,
de todos os tipos, podem ajudar na assimilação dessas experiências, mas
elas não podem substituí-las.
Professores do ensino fundamental sabem que quando as crianças
trabalham com materiais, cores e tecidos, quando um tópico é discutido
e explorado, uma história é narrada e apresentada em uma peça cênica,
quando as crianças fazem e tocam música, quando chegam ao conhe-
cimento com o movimento – elas podem não se interessar tanto pelo
smartphone, pelo tablet ou pelo computador. Dependendo da situação e
do contexto (como mencionado na introdução deste módulo), as mídias
digitais ainda podem ser “chatas” ou “dispensáveis” para os alunos da
Educação Infantil e da Educação Básica.
As crianças não aprendem de maneira holística na sala de aula,
portanto a maneira de usar a mídia digital na sala de aula não é a de
consumir, mas de produzir. Produzir, em vez de consumir, é o lema da
educação para a mídia digital sustentável. Isso vai muito além do que
simplesmente inserir e usar a tecnologia digital na Educação Infantil e
no Ensino Fundamental. Esse mesmo cenário também se apresenta na
formação dos professores nas universidades.
Para mudar a realidade escolar precisamos primeiro investir na
formação de professores, no que tange às tecnologias de informaçção e
comunicação. Os futuros professores precisam adquirir competências
midiáticas (pedagógicas) para poder modificar e alterar o processo peda-
gógio escolar. Ferres e Piscitelli (2012) indicam algumas delas: a lingua-
gem; a tecnologia; os processos de interação; os processos de produção e
difusão; a ideologia e valores e a estética, organizadas em dois indicadores:
a) âmbito da análise (voltado ao receptor/público); b) âmbito da expres-
são (voltado ao produtor/emissor). Essas competências serão descritas no
decorrer do texto quando analisadas as experiências práticas realizadas em
escolas de Ensino Fundamental.

A mídia digital na formação de estudantes do curso


de Educação Física — Licenciatura
O hábito profissional e a formação clássica do estudante de Educa-
ção Física estão fortemente ligados com a performance dos movimentos,
do esporte e sua vivência. Essa prática ainda hoje repercute nas aulas de
Educação Física escolar e traz consequências negativas aos alunos. A dis-
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
115

ciplina de Educação Física dá pouca ênfase à cognição de temas da área


e as aulas, de modo geral, patrocinam uma função compensatória em
relação a várias cargas cognitivas de aprendizagem escolar, por um lado, e
um aumento do consumo de mídia no mundo de crianças e adolescentes,
por outro. O contínuo desenvolvimento das mídias digitais e o pouco
estímulo cognitivo para os assuntos “movimento” e “esporte” vão trazer
conseqüências de longo prazo à vida dos alunos por que:
a. o núcleo formativo do professor de Educação Física atua, basi-
camente, na ativação do movimento físico, que não inclui
elementos reflexivo-cognitivos ou discursivos – no sentido
de “aprendizagem compreensível” (Hildebrandt-Stramann;
Taffarel, 2017, p. 43);
b. essa biografia do estudante de Educação Física leva a déficits
de reflexão na atuação profissional e inibe desenvolvimen-
tos didáticos. Inseridas nesse contexto, as mídias digitais de
ensino e de aprendizagem não cumprem com suas funções
pedagógicas.
Como as mídias digitais não são um fim em si mesmas, elas têm
a função de apoiar o trabalho didático e pedagógico dos professores na
transmissão de conteúdo de aprendizagem. A mídia usada no ensino deve
ser didática e metodologicamente apropriada à idade do aluno. Somente
então a pedagogia pode manter sua primazia (Irion, 2020, p. 15; Peschel;
Irion, 2016) e o aluno pode aprender: a) a integrar a mídia de maneira
segura e reflexiva em sua vida cotidiana; b) a avaliar eticamente as pró-
prias ações de mídia e as dos outros, usando-a para a configuração do
próprio mundo de vida e seus próprios processos de aprendizagem; c) a
participar crítica e reflexivamente da sociedade da mídia; d) a adquirir
competência crítica e reflexiva da mídia nesta discussão.
Alinhados às funções das mídias digitais, no sentido didático-
-pedagógico, muitos projetos de formação de professores de Educação
Física, no Brasil trazem em sua estrutura conteúdos envolvendo a Tec-
nologia de Informação e Comunicação (TIC), inclusive por força de lei.
No CEFD da UFSM, por exemplo, o conteúdo é ministrado sob três
perspectivas: a) educar para a mídia – como a perspectiva está na crítica
ao objeto de estudo, ela oportuniza a educação para a cidadania; implica
a adoção de uma postura crítica e criadora de capacidades comunicativas e
expressivas; o objetivo pedagógico é interagir com as produções e também
produzir mídias. b) educar pelas mídia – refere-se à perspectiva produtiva/
forma de expressão (produção) de informações com sentido pedagógico
116 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

(produção de jornais, áudios, vídeos, blogs, etc); c) educar com as mídias


– refere-se à perspectiva metodológica-instrumental (ferramenta peda-
gógica) e surge para substituir ou ampliar a chamada “tecnologia educa-
cional”. A mídia funciona como instrumento e recurso para reinventar
a didática (auxilia na didática transmissiva) (Fantin; Rivoltella, 2013).
Essas perspectivas atuam no sentido de uma educação para a
cidadania, apoiada pela “mídia-educação” (Belloni, 2005),19 que vem
a ser um processo que envolve a participação ativa dos sujeitos, a cola-
boração e o compartilhamento de experiências, a produção de novas
linguagens e interpretações, a partir da TIC e seus discursos. No campo
teórico-metodológico interdisciplinar permite estabelecer mediações
pedagógicas no âmbito educacional com a TIC e a cultura, contri-
buindo para o desenvolvimento de capacidades críticas e autônomas
de comunicação, expressão e interação diante dos meios tecnológicos.
O grande desafio dos docentes que trabalham nessa direção em
cursos de formação de professores de Educação Física no Brasil é ela-
borar conhecimentos e produzir experiências na área do “movimento”
e do “esporte”, integrando as três perspectivas da “mídia-educação” no
âmbito da mídia-educação (física), e as três dimensões de conteúdo
implicadas nos projetos pedagógicos de curso: a) Conceitual (saber sobre
– ênfase no conteúdo/informações); b) Procedimental (saber fazer –
ênfase na prática esportiva) e c) Atitudinal (saber ser – ênfase no desen-
volvimento de atitudes e valores).
Numa tentativa de mostrar resultados práticos nessa perspectiva
de formação de professores, este módulo traz duas experiênicas, uma
realizada na Alemanha e outra no Brasil, que envolvem a formação
acadêmica do futuro professor de Educação Física e aulas de Educação
Física escolar, orientadas no princípio didático de “aprender por meio
da investigação” e no princípio didático “da práxis refletida”. Buscou-
-se nos exemplos, realizados e planejados pelos estudantes, combinar as
perspectivas e as dimenssões do conteúdo, no sentido de o movimento
ser configurado pedagogicamente como problema reflexivo-organizado,
que permite analisar e explicar as práticas desportivas mediante o uso
estratégico de ensino digital (também multidisciplinar).

19
A partir do conceito de “mídia-educação” surge a “mídia-educação (física)”, criada ao
contexto específico da Educação Física, com o objetivo de pensar questões da mídia na
área, escolar e não escolar, por pesquisadores do Laboratório e Observatório da Mídia
Esportiva (LaboMidia), da Universidade Federal de Santa Catarina (Pires; Lazzarotti
Filho; Lisboa, 2012).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
117

Com relação aos objetivos das aulas (produzir um vídeo de apren-


dizagem em ginástica), os estudantes do curso de Educação Física pri-
meiro tiveram de tomar as medidas que mais tarde esperavam dos alunos
em aula: 1º) tiveram de lidar com diferentes abordagens analíticas do
movimento: análises descritivas do movimento baseadas nos chamados
modelos de fase (Meinel; Schnabel, 1984) e análises fenomenológicas do
movimento (Tamboer, 1979); 2º) tiveram de lidar com a estruturação
didática da ginástica (estruturação de acordo com o equipamento de
ginástica ou de acordo com as ações do movimento); 3º) compreender
que uma análise fenomenológica do movimento segue necessariamente
a decisão de uma estruturação de acordo com as ações do movimento.
Nessa fase os estudantes tiveram de aprender como o tema é transfor-
mado didaticamente – para que os alunos, utilizando a mídia digital,
também pudessem transformar o tema e produzir um vídeo.
Produções e análises de audiovisuais (vídeos) devem ser usadas
com os seguintes objetivos no contexto da formação profissional:
1. refletir criticamente sobre a própria biografia e sobre a
análise reconstrutiva do próprio habitus dos estudantes
de Educação Física e sua relação de aprendizagem com o
objeto “esporte, movimento e corpo”, de um lado, e sobre
a mudança da perspectiva do papel do atleta para o papel
de professor de Educação Física escolar, de outro lado. A
“disputa” entre as duas instâncias ocorre por meio de vídeos
das aulas de Educação Física ou de cenas dessas aulas;
2. desenvolver audiovisuais (vídeos) sobre aulas de Educação
Física e os processos de aprendizagem, tanto do campo
de estudo quanto do escolar. Nesses vídeos os estudantes
devem explicar princípios didáticos, como a pessoa aprende
o movimentar-se ou como a pessoa configura e encena aulas
segundo o princípio didático da concepção de “aulas abertas
à experiência” e “aulas orientadas ao problema”.20 Os estu-
dantes ao experimentarem as concepções didáticas devem ser
estimulados à reflexão da ação e da utilização das tecnologias
no ensino escolar.

20
Essas concepções didáticas estão descritas nos livros “Concepções abertas no ensino da
Educação Física” (Hildebrandt-Stramann, 2009c) e “Textos pedagógicos sobre ensino da
Educação Física” (Hildebrandt-Stramann, 2013c).
118 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Nos semináros previstos no Módulo “Aprendizagem digital, edu-


cação e movimento” (Módulo 5 – L), por exemplo, os estudantes de
Educação Física desenvolvem audiovisuais explicativos que – indo além
do nível motor técnico – possibilitam uma análise reflexiva para práticas
desportivas nos horizontes social e pedagógico.
A seguir apresentamos o resultado dos dois projetos acadêmicos
cujo objetivo foi a produção de audiovisuais durante aulas de Educa-
ção Física, em duas escolas, uma na Alemanha e outra no Brasil. O
estudo permitiu várias reflexões, no âmbito escolar e universitário, sobre
a importância da midia digital na formação de estudantes nos cursos de
Educação Física, principalmente Licenciatura, e suas repercussões no
contexto escolar, especialmente no Ensino Fundamental.

Mídia digital, educação e movimento nas aulas de


Educação Física no Ensino Fundamental — Campo de
movimento:“Movimentar-se com e sem aparelhos”

A experiência desenvolvida em uma escola alemã21


Uma descoberta fundamental do Estudo DSB Sprint (Estudo
Anual da Federação Esportiva Alemã sobre a situação atual da Educação
Física nas escolas alemãs, 2006) é de que as crianças em idade escolar atri-
buem grande importância à disciplina de Educação Física e têm um alto
nível de prontidão em relação ao desempenho e motivação, no entanto
essa avaliação, geralmente positiva, não é unânime, por que não se aplica
a todos os conteúdos do movimento da mesma maneira. A ginástica,
por exemplo, faz parte de uma das áreas de movimento menos populares
(DSB Sprintstudie, 2006, p 116 et seq.) e WDR (Rádio e Televisão do
Oeste da Alemanha, 2017). Essa realidade também se aplica ao 4º ano da
Escola Fundamental Diesterwegstraße (Braunschweig – Alemanha) com
o qual se realizou o projeto aqui descrito.

21
Este projeto integra as atividades desenvolvidas pela professora titular Marli Hatje,
do Centro de Educação Física e Desportos da UFSM, durante seu Pós-Doutorado
no Institut für Sportwissenschaft und Bewegunspädagogik da Technische Universität
Braunschweig, Alemanha, em 2017.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
119

Uma vez que o professor não queria abandonar a ginástica como


um campo de movimento em suas aulas e não pôde desistir por motivos
curriculares,22 a questão “como um professor pode motivar seus alunos
a fazer ginástica, na área do movimento” foi definida como ponto de
partida ao estudo, que consistia em desenvolver um projeto com alunos
durante aulas de Educação Física, nas quais, em grupos de trabalho,
fizessem vídeos de ensino-aprendizagem sobre determinados temas
de movimento. Nas aulas seguintes o vídeo de ensino e aprendizagem
destinava-se a retratar cada tema de ginástica e a apresentar a base para
o aprendizado dos respectivos movimentos de ginástica. Por meio desse
caminho de aprendizagem baseado na mídia, o professor também espe-
rava motivar os alunos para uma discussão, com base em interesse por
temas da ginástica. A seguir será descrita a sequência pedagógica das aulas
e realizada uma reflexão sobre os aspectos de movimento e pedagogia de
mídia inerentes ao processo.

A sequência pedagógica das aulas


A sequência das aulas foi realizada em um 4º ano do ensino primá-
rio, com um total de 24 alunos. A sequência consiste em sete aulas de dois
períodos cada uma e de uma aula de uma hora. O objetivo da sequência
pedagógica foi produzir um vídeo de ensino/aprendizagem sobre um tema
de movimento pelos alunos, divididos em grupo de trabalho, previamente
discutido e escolhido, da área de movimento ginástica. Para a realização
do objetivo pressupunha-se que os alunos:
a. pudessem estabelecer um tema de ginástica;
b. pudessem determinar as características essenciais do movi-
mento do tema;
c. fossem capazes de projetar um caminho de aprendizagem com
base nessas características de movimento;
d. fossem capazes de testar e avaliar este caminho de aprendizagem
(de observar movimentos e compará-los com um valor-alvo);
e. filmassem esse caminho de aprendizagem com uma câmera
de vídeo digital;
f. f ) fossem capazes de editar as gravações em um curto vídeo
de aprendizagem.

22
A área de experiência e aprendizagem “Ginástica e artes do movimento” é um conteúdo
de aula obrigatório no currículo básico da Baixa Saxônia (Niedersächsisches..., 2006).
120 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

O vídeo de aprendizagem, uma vez criado, deveria, num objetivo


seguinte, servir a todos os alunos como uma referência de aprendizagem
para a discussão relacionada ao movimento dos temas.
Primeira aula: geração de temas
De acordo com os objetivos do estudo, esta aula, de um período
de 50 minutos, aconteceu na sala de aula da turma e o professor explicou
o projeto e os planos de aulas. Na sequência foram definidos os temas dos
grupos de trabalho. Em resposta à questão de quais movimentos ocorrem
na ginástica, os alunos responderam com termos de movimento que já
sabiam de lições de esportes anteriores. O professor anotou no quadro:
• Saltar (por exemplo, sobre uma caixa)
• Rolar (por exemplo, em uma esteira)
• Balançar e oscilar (por exemplo, nas argolas)
• Apoiar-se sobre as mãos e/ou ficar de cabeça para baixo
• Equilibrar-se (por exemplo, sobre um banco) (Foto 52).

Foto 52 — Temas de ginástica

Como resultado, os alunos escolheram um desses temas do movi-


mento, levados pelo interesse/gosto e conhecimento,23 de modo que um
total de cinco grupos de trabalho foram formados.

23
Os grupos se formaram a partir das respostas de duas perguntas básicas: o que você mais
gosta de fazer?; e o que você mais sabe fazer?
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
121

Segunda aula: testagem dos temas e desenvolvimento


de intenções de movimento
A aula ocorreu no ginásio de esportes. Os grupos de trabalho
receberam a tarefa de elaborar importantes características de movimento
que são necessárias para o sucesso dos movimentos mencionados. “O
que o ginasta tem de fazer para poder realizar bem esses movimentos?”
– era a questão específica com a qual os alunos deveriam lidar. Todos
os grupos decidiram, antes de tudo, criar situações de movimento, nas
quais eles queriam seguir a questão do “o quê” de uma maneira orien-
tada para o tema.
O grupo “Saltar” montou uma caixa e um “cavalo” para saltar,
por cima dos dois materiais ou a partir deles, para baixo. Um aluno
também pulou por cima do cavalo, com as pernas estendidas (Foto 53).
Foto 53 — Saltar por cima do “cavalo”

O grupo “Rolar” montou uma passarela com tapetes. Os alunos


queriam fazer o movimento de rolar para a frente, sobre a passarela, mas
nem todos conseguiram.
O grupo “Balançar” decidiu-se, primeiramente, pelo tomar
impulso. Instalaram duas argolas e um trapézio, colocaram uma caixa
a uma distância do trapézio, de modo que pudessem se colocar em pé
sobre a caixa e subir no trapézio para saltar e ficar dependurados, de pé
ou sentados, balançando para a frente e para trás (Foto 54).
122 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Foto 54 — De pé sobre um trapézio, oscilando de um lado para outro

O grupo “Apoiar-se sobre as mãos” ou fazer “headstand” (“Apoiar-se


sobre a cabeça”) estendeu tapetes de ginástica e tentou equilibrar-se sobre
as mãos, com auxílio de um ou dois colegas. Como todas as tentativas de
apoiar-se sobre as mãos não deram certo, decidiu-se pela posição “Apoiar-se
sobre a cabeça”.
O grupo “Equilibrar-se” virou o banco de ginástica para baixo,
de maneira que a parte estreita ficou para cima, sobre a qual todos os
participantes do grupo puderam se equilibrar, sem esforço, de um lado
para outro, com ou sem auxílio (Foto 55).

Foto 55 — Equilibrar-se com auxílio de um colega


CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
123

As reflexões, após as atividades, sobre as intenções de se mover


foram, obviamente, difíceis para os alunos, de modo que o professor teve
de conduzir as discussões por meio de perguntas específicas e demonstra-
ções repetidas de alguns movimentos. Na sequência o professor anotou
em uma tabela os tópicos mais importantes que resultaram da reflexão
com os grupos (Tabela 7).
Tabela 7 — Resultados da primeira discussão em aula
Grupo Intenção de movi- Características do Aparelhos
mento movimento
Saltar * vencer distâncias * salto com as duas pernas * “cavalo”
* saltar acima ou sobre
ao mesmo tempo * caixas
um aparelho * apoio com os dois braços
Rolar * rolar como uma bola
* virar como uma esfera * esteira
* pressionar o queixo inclinada
contra opeito * esteira plana
* apoiar-se com as mãos
no chão
Balançar * balançar-se de um * sentado em trapézio, de * cordas
lado para outro, pé, apoiando-se * trapézio
sentado, de pé, * ficar dependurado em * argolas
apoiado em um apare- uma corda
lho suspenso
* tomar impulso,
manter, aumentar,
finalizar
Apoiar-se * Cabeça para baixo, * estender as pernas, retas, * esteira
sobre a * pés para cima para o ar (também com
cabeça ajuda)
* corpo estendido
Equilibrar-se * manter o equilíbrio * andar sobre um banco * banco
* recuperá-lo para a frente,
* mudar a direção
Fonte: Albert; Hatje; Hildebrandt-Stramann.

Os grupos apresentaram como resultado, a partir da experiência:


• O Grupo “Saltar” concluiu que é intenção do saltador superar
uma distância, ao saltar por cima, ou sobre, ou de um apare-
lho. No salto por cima ou sobre, as mãos são frequentemente
utilizadas para apoio, a fim de prolongar o voo. Para saltar
sobre ou em cima do aparelho, o ginasta deve tomar impulso
e pular.
124 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

• O grupo “Rolar” concluiu que o ginasta gira em torno de si


mesmo e que ele deve ter a forma de uma bola. Isso acontece
quando ele pressionar o queixo no peito e ficar curvado. O
rolar fica mais “fácil” quando se rola em um plano inclinado.
• O grupo “Balançar” concluiu que este movimento é fruto da
utilização de um aparelho suspenso, sentado ou de pé, e de
se movimentar de um lado para outro. Nisso, deve-se tentar
ganhar força com sua própria energia e/ou energia de terceiro,
continuar em movimento, aumentar o impulso e finalizar o
movimento.
• O grupo “Apoiar-se sobre a cabeça” percebeu que são necessá-
rios dois pré-requisitos para ficar de cabeça para baixo: primei-
ro, o ginasta precisa de assistência para conseguir estender as
pernas para o ar, sem cair; segundo, o ginasta deve trabalhar
a tensão do corpo para que não perca o equilíbrio.
• O grupo “Equilibrar-se” constatou que se trata de não perder
o equilíbrio ou recuperá-lo toda vez que isso acontece. Isso
se consegue mais facilmente sobre uma base firme e baixa do
que sobre uma base estreita, balançante e alta.

Terceira aula: treinar em grupos, discussão


sobre roteiro de gravação
A terceira aula começou com um treino intensivo em cada grupo
de trabalho, seguido de conversas sobre as características para a elaboração
de um roteiro para a gravação do vídeo de ensino/aprendizagem. O que
precisa ser filmado para que os outros grupos possam praticar ativida-
des a partir desse vídeo, como fundamento?, foi a pergunta central. Os
resultados das conversas foram apresentados e discutidos durante uma
reunião pedagógica com os outros grupos. Os seguintes roteiros foram
estabelecidos ao final da conversa (Tabela 8):
Tabela 8 — Tarefas de aprendizagem e roteiros
Tema de movi- Tarefa de aprendizagem Roteiro
mento
Saltar Salte com as duas pernas ao 1. Saltar com as duas pernas
mesmo tempo, do chão. Salte 2. Exemplo: Saltar acima de
sobre ou acima da caixa ou do um cavalo
“cavalo”. Pense em escorar as 3. Exemplo: saltar em cima de
mãos na caixa ou no “cavalo”. uma caixa
Ao alcançar a caixa ou o 4. Exemplo: saltar de uma
cavalo, pule dali para o chão. caixa para o chão
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
125

Rolar Foram sugeridas duas situações


1. Role para a frente sobre
ao exercício: uma esteira plana
uma esteira plana.
e outra inclinada. Ao rolar,
2. Role para a frente sobre
deve-se encostar o queixo no
uma esteira inclinada (Foto
peito e rolar como uma esfera.
56).
3. Role para a frente, de
uma parte da caixa para uma
esteira.
Balançar Sugerimos balançar-se em um 1. Balançar-se sentado, com
trapézio, sentado ou de pé. um impulso dado por um
Para o impulso, você precisa se colega do grupo.
mover de uma caixa para o tra- 2. Balançar-se de pé, com um
pézio ou pedir que um colega impulso através de um salto
o empurre. Quando estiver se da caixa sobre o trapézio.
balançando sozinho, você deve
se manter em movimento.
Para finalizar, deve saltar para
o outro lado da caixa, numa
superfície macia.
Parada de Mãos Vocês podem trabalhar em 1. Trabalho a dois, com
grupo de dois ou sozinhos auxílio.
junto a parede do ginásio. No 2. De cabeça para baixo,
trabalho a dois, um auxilia o encostado na parede.
outro a estender as pernas retas
para cima. Junto a parede,
é ela que será o auxiliar. O
importante no exercício é
estender o corpo e mantê-lo
ereto (Foto 57).
Equilibrar Equilibre-se sobre o banco de 1. Equilibrar-se sobre o banco
ginástica virado para cima. de ginástica virado para cima.
Se conseguir, sem cair, pode 2. Equilibrar-se sobre o
tentar se equilibrar com um banco virado para cima,
saquinho de areia na cabeça. com um saquinho de areia
sobre a cabeça.
Fonte: Albert; Hatje; Hildebrandt-Stramann.
Foto 56 — Rolar para frente sobre um plano inclinado
126 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Foto 57 — “Plantar bananeira” com auxílio

Quarta aula: Gravações do vídeo ensaio


Nesta aula ocorreram as filmagens, a partir da estrutura e percurso
pedagógicos elaborados pelos pesquisadores e respondido pelos alunos
(Foto 58). Os alunos foram orientados no manuseio de câmeras de vídeo
(Foto 59). Havia duas câmeras disponíveis que os grupos tiveram de
trocar entre si. Descobriu-se que muitos alunos conseguiam lidar com
uma câmera de vídeo com habilidade técnica. Mesmo assim, eles refle-
tiram e testaram, com qual perspectiva eles queriam filmar (de lado, de
frente, de cima) (Foto 60) e como eles queriam acentuar certas caracte-
rísticas de movimento com o “zoom” (como o salto com as duas pernas
juntas, no movimento “Saltar”). A sequência deu-se de maneira que dois
grupos sempre filmavam e os outros três treinavam, seguindo seus roteiros,
a fim de oferecerem execuções de movimento o mais perfeitas possíveis a
quem estava filmando.
CAPÍTULO 3
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127

Foto 58 — Estrutura e percurso pedagógico para o vídeo

Foto 59 — Introdução ao uso Foto 60 — Aluna testando


de câmera de vídeo perspectivas de filmagem

Quinta aula: Avaliação dos vídeos de aprendizagem-teste


A avaliação dos vídeos de ensino-aprendizagem pelos alunos
aconteceu após assistirem às filmagens e participarem das discussões no
ginásio de esportes (Foto 61). A base da avaliação da qualidade foram os
critérios “estrutura e percurso de um vídeo de aprendizagem”, “lingua-
gem” e “ambiente de aprendizagem”, elaborados com os alunos durante
a primeira demonstração dos vídeos (Tabela 9). Ao final ficou definido
que todos os grupos deveriam atentar aos seguintes aspectos, em relação
aos três critérios, para a gravação do vídeo final:
128 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Tabela 9 — Critérios para avaliação dos testes de gravação


Estrutura e percurso pedagógico Linguagem/áudio Ambiente de
do vídeo aprendizagem
Cena 1: O grupo de alunos se *Falar em voz alta; *durante a grava-
apresenta; *Falar de forma pausada; ção dos
*Entonação para realçar vídeos fazer o
Cena 2: Exposição dos temas e aspectos importantes máximo
objetivo do trabalho; de silêncio;
*gravar um grupo
Cena 3: Demonstração do de cada
movimento com explanação das vez;
respectivas características; *Orientar os atores
em
Cena 4: Relacionar as característi- relação à câmera
cas com a situação correspondente (por ex.,
do movimento (por ex. no falar em direção ao
“Rolar”: equipamento).
* Característica do movimento:
“apoio com ambos os braços”.
* Situação: rolar da parte mais
alta para a mais baixa de uma
esteira inclinada);

Cena 5: Encerramento – cada


grupo pode “criar” o encerramen-
to do seu vídeo.
Fonte: Albert; Hatje; Hildebrandt-Stramann.

Foto 61 — Avaliação da qualidade dos vídeos


CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
129

Três últimas aulas: Aprender com o vídeo de aprendizagem


Nas três últimas aulas os vídeos de ensino/aprendizagem foram utili-
zados como base para as situações e sequências de aprendizagem pretendidas,
bem como para as reflexões finais (Foto 62). Na reunião inicial com todos os
alunos no ginásio, sentados em círculo (a exemplo da Foto 62), eles decidiram
que as atividades de cada movimento, retratado no vídeo, seriam pratica-
das em forma de estações e em cada estação o aluno teria um tempo de 25
minutos para treinar. Esse treino, no entanto, só ocorreria após a exibição do
vídeo disponível em cada uma das estações. Além disso, em cada estação estava
um aluno do grupo de trabalho como especialista no tema do movimento.
Ele dava sugestões para o movimento e o corrigia. Assim, na sexta aula, foram
praticados os temas “saltar”, “rolar” e “balançar” e na sétima as atividades
envolvendo os temas “parada de mãos” e “equilibrar”. Na oitava aula ocorreu
um reexame do objetivo de aprendizagem envolvendo todos os alunos, em
uma roda de conversa no ginásio, bem como uma avaliação das atividades
realizadas nas últimas semanas (Foto 63 e 64) na sala de aula.

Foto 62 — Reunião para reflexões e decisões do trabalho

Fotos 63 e 64 — Avaliação do trabalho final com a apresentação dos vídeos

Fonte das Fotos 52 a 64: Marli Hatje.


130 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

A experiência desenvolvida em uma escola brasileira


A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola,
é componente curricular obrigatório da Educação Básica brasileira. Os
conteúdos programáticos que devem ser trabalhados em todos os anos
escolares, da Educação Infantil ao Ensino Médio no país, estão detalhados
na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018) e, no caso
do Rio Grande do Sul, também no Referencial Curricular Gaúcho (Rio
Grande do Sul, 2018). Embora o conteúdo da ginástica faça parte desses
documentos, como conteúdo obrigatório às aulas, nem todos os profes-
sores trabalham a modalidade durante as aulas, especialmente nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, período em que os alunos são atendidos
pelo pedagogo no sistema de unidocência.
O interesse ou gosto por atividades envolvendo o conteúdo da
ginástica não é unanimidade entre alunos do Ensino Fundamental no
Brasil. Se por um lado os resultados da pesquisa de Lima et al. (2015)
apontam que 72,4% dos escolares do Ensino Fundamental gostam das
aulas de ginástica e 19% detestam ou não gostam, por outro, os dados
do estudo de Pereira et al. (2010) mostram que entre 25% e 27,6% dos
alunos dos anos finais do Ensino Fundamental detestam ou não gostam
das atividades de ginástica que tiveram na escola. Nessa mesma pesquisa,
40% dos escolares disseram que jamais realizaram exercícios ginásticos.
Os resultados de ambas as pesquisas mostram que o método utilizado e
os conteúdos selecionados e desenvolvidos pelo professor na escola são os
fatores principais para os resultados encontrados.
Em relação à pesquisa realizada em Santa Maria, os alunos do 3º
e 4º anos que participaram do estudo não têm professor de Educação
Física, por isso as atividades físicas, de uma hora semanal, são ministra-
das pelas pedagogas e têm por objetivo desenvolver movimentos, jogos e
brincadeiras, em diferentes espaços da escola e com a utilização de variados
recursos pedagógicos (cordas, bolas, jogos de memória).24 A prática das

24
De acordo com o Regimento Escolar da Escola Estadual de Educação Básica Irmão José
Otão, o objetivo da Educação Física do 2º ao 5º anos do Ensino Fundamental (anos iniciais),
é desenvolver atividades que proporcionem aos alunos uma maior compreensão das atividades
desportivas, enfatizando a sua importância como atividade permanente, respeitando a cultura
e o meio em que vivem. São objetivos específicos do 3º e 4º anos, público-alvo da pesquisa,
a promoção de diferentes atividades corporais, estimulando atitudes cooperativas e solidárias
sem discriminação; desenvolver qualidades físicas básicas; conhecer possibilidades e limitações
corporais; proporcionar o conhecimento do próprio corpo e da necessidade de movimentos
adequados ao desenvolvimento harmônico e reconhecer a agilidade, a destreza, a força e a
atenção como elementos necessários para uma vida saudável.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
131

pedagogas aproxima-se da metodologia evidenciada na pesquisa de Lima


et al. (2015), que propõe aulas na “perspectiva lúdica”, com o objetivo de
“aprender brincando”. Foi nessa perspectiva que desenvolvemos o projeto.
Uma vez que a ginástica não pode ser negligenciada, como um
campo de movimento em aulas do ensino básico brasileiro, e não se
pode desistir por questões curriculares (Brasil, 2018), o grupo de pes-
quisadores25 propôs um projeto para motivar alunos a praticar dife-
rentes movimentos da ginástica, com a inserção de mídias digitais ao
desenvolvimento dos planos de ensino. A proposta foi desenvolvida no
decorrer das aulas semanais em grupos de trabalho, com o objetivo de
elaborar um “caminho de ensino/aprendizagem” e produzir um vídeo
sobre movimentos da ginástica. Ao propor o projeto percebemos que os
alunos ficaram muito motivados e interessados, especialmente por duas
razões: realizar atividades práticas no pátio/ginásio e manusear mídias
digitais para a produção de audiovisuais.
As cinco sequências de aulas foram montadas e gravadas pelos 28
alunos, divididos em cinco grupos, durante sete (7) aulas duplas de 110
minutos cada. O objetivo foi produzir um vídeo de ensino/aprendiza-
gem sobre um tema de movimento da ginástica, previamente discutido e
escolhido pelos alunos. A realização deste objetivo pressupunha que eles:
a. pudessem estabelecer um tema de ginástica;
b. pudessem determinar as características essenciais do movi-
mento do tema;
c. fossem capazes de projetar um caminho de aprendizagem com
base nessas características de movimento;
d. fossem capazes de testar e avaliar o caminho, observar movi-
mentos e compará-los com um valor-alvo;
e. filmassem esse caminho de aprendizagem com mídias digitais;
f. fossem capazes de juntar as gravações de filmes em um curto
vídeo de aprendizagem.
O vídeo de ensino/aprendizagem, uma vez produzido, deveria,
num objetivo seguinte, servir a todos os alunos como referência de apren-
dizagem para discussão e reflexão relacionada aos movimentos da ginás-
tica.

25
O desenvolvimento do projeto teve a participação dos acadêmicos do CEFD/UFSM e
profissionais de Educação Física Geovana Júlia Mundt, Carlos Miguel Moreira Iensen,
Juliana de Fátima Ienssen Sortica, André de Mello Azevedo e Elean Matias Dumke.
132 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

A SEQUÊNCIA DE AULAS
Primeira aula: geração de temas
A primeira aula foi teórica (Foto 65), sendo ministrada em uma
sala de aula, quando foram reunidos os alunos do 3º e 4º anos (Foto 66).
Os pesquisadores explicaram o plano de aula, apresentaram e dialoga-
ram sobre os movimentos da ginástica e mostraram pequenos vídeos de
ensino/aprendizagem sobre a modalidade, considerando que os alunos
não possuíam um conhecimento sistematizado da ginástica.
Em resposta à questão de quais movimentos ocorrem na ginásti-
ca, os alunos geralmente respondem com termos de movimento que já
conhecem pelas brincadeiras que fazem no dia a dia ou mesmo de ações
envolvendo atividades esportivas vivenciadas na escola (Alberts; Hatje;
Hildebrandt-Stramann, 2019). Uma das pesquisadoras anotou (Foto 67)
no quadro:
Fotos 65 e 66 — Aula teórica sobre os movimentos da ginástica

Foto 67 — Temas mencionados pelos alunos durante a aula


CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
133

Movimentos que ocorrem na ginástica, segundo os alunos:


1. Saltar: sobre objetos como barreiras, cones, cadeiras e mesas.
2. Rolar: em uma esteira improvisada com colchonetes, porta
de armário e escada.
3. Balançar: entre duas classes ou duas estruturas de ferro ou em
cordas amarradas em pilares.
4. Parada de mãos: ficar com a cabeça para baixo apoiada em
uma superfície.
5. 5) Equilibrar (se) sobre um banco ou estrutura de ferro,
inclusive de olhos vendados.
Como resultado, os alunos se organizaram em torno de um desses
temas levados pelo interesse (gosto) e conhecimento (Foto 68), mediante
duas perguntas: Qual desses movimentos você sabe fazer melhor? e Qual
desses movimentos você mais gosta?
Na sequência, individualmente, cada aluno respondeu às cinco
questões da “Sequência de Ensino Aprendizagem”: 1) Qual movimen-
to você vai apresentar?; 2) Qual a característica desse movimento?; 3)
Quais dificuldades existem nesse movimento?; 4) Quais estações você vai
construir (montar) para ensinar o movimento?; 5) O que você gostaria
de comentar sobre as estações (Foto 69). Como os alunos apresentaram
dificuldades para realizar a tarefa, cada grupo foi auxiliado por um aca-
dêmico. Após, as respostas foram discutidas em grupo e estabelecido um
primeiro roteiro de atividades.

Foto 68 — Grupo “Saltar” Foto 69 — Alunas estruturam a


sequência de ensino/aprendizagem
134 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Segunda e terceira aulas: testagem dos temas e desenvolvimento


de intenções de movimento
As aulas seguintes ocorreram no ginásio de esportes e no pátio da
escola, onde os grupos de trabalho receberam a tarefa de montar e testar
as atividades elaboradas na sequência de ensino e aprendizagem, além de
elencar e refletir sobre características importantes do movimento escolhi-
do, necessárias para o sucesso da atividade. “O que o ginasta precisa fazer
para realizar bem esses movimentos?” – era a questão específica, com a
qual os alunos deveriam lidar. Todos os grupos decidiram, antes de tudo,
criar situações de movimento, nas quais eles queriam seguir a questão do
“o quê” de uma maneira orientada para o tema.
O grupo “Rolar” (Foto 70) improvisou uma estrutura com col-
chonetes, escada e uma porta de armário, pois os alunos queriam fazer
o movimento de rolar para a frente, e perceberam que apenas rolar no
chão seria muito difícil. Como, porém, nem todos conseguiram realizar o
movimento, a atividade foi dividida em dois estágios: o primeiro foi rolar
na plataforma com o queixo pressionando o peito com a ajuda do colega,
que segurava as pernas elevando-as até o aluno completar o rolamento; o
segundo estágio foi realizar individualmente o rolamento na plataforma
utilizando o impulso das próprias pernas.
Foto 70 — Rolar para a frente sobre a “passarela”
CAPÍTULO 3
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135

Como a escola não dispõe de aparelhos de ginástica para a execu-


ção dos movimentos, o grupo “Saltar” montou sua primeira experiência
utilizando cones como obstáculos a serem transpostos. Em seguida uti-
lizaram uma barra de ferro com dois cones de suporte, a fim de testar
o salto básico. Conforme o andamento das atividades se desenrolava, a
barra de ferro foi substituída por barreiras de canos de água, produzidas
para a tarefa, com o objetivo de tornar a prática mais segura. Aparelhos
para apoiar as mãos também foram improvisados com cadeiras e bancos.
O grupo “Balançar” utilizou duas estruturas de ferro para balan-
çar as pernas para a frente e para trás, equilibrando o peso do corpo nos
braços, para saltar com os dois pés juntos dentro de um bambolê. Depois
amarraram cordas em pilares para balançar para a frente e para trás, pri-
meiro tomando impulso sozinhos, após com o auxílio de uma cadeira e
depois um colega empurrando (Fotos 71 e 72).

Foto 71 — Em pé com as mãos Foto 72 — Tomar impulso com o


apoiadas oscilar para a frente e auxílio de uma cadeira
para trás e saltar nos bambolês

O grupo “Parada de Mãos” estendeu colchonetes pelo ginásio, ten-


tando manter-se sobre as mãos. Muitos dos alunos demonstraram medo
ou dificuldade pra realizar o movimento, logo optou-se pela posição de
três apoios com auxílio dos colegas e da parede.
O grupo “Equilibrar” utilizou diferentes estratégias e equipamen-
tos (traçado no chão, bancos, escadas, olhos vendados, etc.) sobre os quais
todos os participantes do grupo puderam se equilibrar, de forma estática
ou com movimento; ocorreram tarefas individuais e coletivas, com ou
sem auxílio dos colegas (Foto 73).
136 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Foto 73 — Equilibrando-se sobre as pernas do colega

A conversa sobre as intenções de se mover, após os alunos realizarem


as atividades, foi difícil, de modo que os pesquisadores tiveram de fazer,
constantemente, perguntas dirigidas com demonstrações repetidas dos
movimentos para que os alunos compreendessem a intenção dos movi-
mentos. Na sequência os pesquisadores anotaram os principais tópicos do
diálogo envolvendo todos os grupos na Tabela 10.
• O grupo “Balançar” destacou que “balançar” trata-se de se
apoiar em um aparelho suspenso, sentado ou em pé, e de se
movimentar de um lado para outro. Deve-se tentar ganhar
força com sua própria energia e/ou energia de terceiro, conti-
nuar em movimento, aumentar o impulso e finalizar o movi-
mento.
• O grupo “Parada de mãos” definiu o movimento como apoiar
as mãos no chão e impulsionar as pernas para o ar, buscando
manter-se em equilíbrio, utilizando-se para isso também a
cabeça.
• O Grupo “Saltar” constatou que a intenção do saltador é
alcançar a maior distância possível partindo de uma corrida
com impulso para a frente, caindo com os dois pés no solo.
O grupo elaborou outra intenção de salto, que parte do saltar
sobre uma estrutura ou aparelho sem utilizar a corrida como
impulso, mas sim partindo de uma posição estática.
• O grupo “Rolar” concluiu que o ginasta deve usar a cabeça
e as mãos como apoio e a força nas pernas como impulso.
Ele deve ter a forma de uma bola, isso funciona quando os
CAPÍTULO 3
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137

pés estão o mais próximo possível da cabeça e o queixo pres-


sionando o peito. O rolar fica “fácil” quando se rola em um
plano inclinado.
• O grupo “Equilibrar” constatou que essa capacidade física está
presente em todas as atividades que realizamos no cotidiano;
alguns sentidos, como a visão, por exemplo, auxiliam no equi-
líbrio, que pode ser realizado por meio de exercícios parados
ou dinâmicos, com ou sem auxílio de colegas e ainda com
os olhos vendados. Para não perder o equilíbrio é necessário:
paciência, habilidade, força, atenção e concentração.
Tabela 10 — Resultados da primeira discussão envolvendo todos os
grupos após as atividades

Grupo Intenção de Características do Aparelhos


movimento movimento
Saltar – Transpor barreiras. – salto com as duas Barreiras pro-
– Vencer distâncias. pernas ao mesmo duzidas com
– Saltar acima ou tempo canos de água;
sobre uma estrutu- – Queda com os Cones; bambolês;
ra a partir de um dois pés no espaço bancos/cadeiras.
impulso. determinado.
– Corrida como base
para o impulso.
Parada de Cabeça para baixo, Apoiar as mãos no – colchonetes
mãos pernas para cima, chão, impulsionar – parede
corpo reto. as pernas para cima
buscando manter se
em equilíbrio.
Equilibrar Testar e manter o Andar e manter o – banco de sentar
equilíbrio equilíbrio em dife- – estrutura de
rentes superfícies. ferro retangular
– escada
Rolar Rolar para a frente – Usar a cabeça e as – plataforma
mãos como apoio inclinada
– pressionar o montada
queixo contra o com uma escada,
peito porta do armário
– manter os pés o e colchonetes
mais próximo da
cabeça e utilizá=los
como impulso
138 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Balançar – balançar-se de – sentado em tra- – cordas


um lado para outro, pézio; – almofadas e
sentado, de pé, – em pé em uma panos para apoiar
apoiado em um corda com um nó; as mãos.
aparelho suspenso – em pé com as – estruturas de
– tomar impulso, mãos e braços apoia- ferro dispostas
manter, aumentar, dos em estruturas de lado a lado.
finalizar. ferro.
Fonte: NEP-Comefe/UFSM.

Quarta aula: treino, discussão e filmagem


A quarta aula começou com um treino, em cada grupo de traba-
lho, para que a sequência pedagógica, organizada em estações nas aulas
anteriores, fosse assimilada por todos os alunos. Em seguida, conversou-
-se sobre o roteiro do vídeo: O que precisa e como precisa ser filmada a
sequência de movimentos para que os outros grupos consigam praticar
os fundamentos da ginástica, a partir do audiovisual?, e realizada uma
filmagem-teste das sequências pedagógicas de ensino aprendizagem (Fotos
74 e 75). O resultado do diálogo sobre o roteiro de vídeo e as tarefas de
aprendizagem foram anotados na Tabela 11
Foto 74 — Filmagem teste Foto 75 — “Estratégia
com mídias digitais midiática” para a filmagem
CAPÍTULO 3
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139

Tabela 11 — Tarefas de aprendizagem e roteiros

Tema de Tarefa de aprendizagem Roteiro


movimento
Saltar Salte sobre uma barreira, 1. Inicie correndo saltando por
produzida com canos de cima do primeiro obstáculo,
água, caindo com os dois vencendo a distância fácil.
pés dentro do bambolê. 1.2: Inicie correndo saltando
por cima do primeiro e segundo
obstáculo, vencendo a distância
média.
1.3: Inicie correndo saltando por
cima do primeiro, segundo e
terceiro obstáculo, vencendo a
distância difícil
2. Inicie em uma posição corporal
de frente e estática, e, em seguida,
salte por cima da barreira de cano,
caindo com os dois pés dentro
do bambolê.
3. Inicie em uma posição corporal
de lado e estática, e em seguida
salte por cima da barreira de cano,
caindo com os dois pés dentro do
bambolê.
Rolar Sugerimos duas situa- 1. Role para a frente sobre
ções de exercício: uma uma plataforma plana;
plataforma plana e outra 2. Role para a frente sobre uma
inclinada. Ao rolar, encos- plataforma inclinada;
tar o queixo no peito e 3. Como podemos utilizar a ajuda
rolar utilizando o impulso do colega para realizar o movi-
das pernas, para facilitar mento?
o movimento, deixando
os pés o mais próximos
possível da cabeça.
140 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Balançar Subir na corda com um 1. Balançar-se em pé em uma


pé encaixando-o no “nó” corda com apenas um dos pés
feito na corda buscando apoiado em um “nó”; atividade
o equilíbrio para tomar requer muita força, equilíbrio;
impulso para “voar o mais ganhar impulso é mais fácil
longe possível”. com o auxílio de um colega.
2. Para se balançar em um
Balançar-se sentado, com trapézio sentado: para o impulso,
um impulso próprio ou você deve buscá-lo nos próprios
impulso dado por um pés/pernas ou se mover de uma
colega do grupo ou através cadeira ou pedir que um colega
de uma cadeira. lhe empurre. Quando estiver se
balançando sozinho, você precisa
Balançar-se de pé tentan- se manter em movimento. O
do impulsionar os pés/ movimentar das pernas (estendi-
pernas entre duas estru- das/flexionadas) ajuda a ganhar
turas de ferro retangular impulso, permitindo que você
com o peso do corpo voe mais alto e mais longe. Para
distribuído sobre mãos e finalizar, você vai diminuindo os
braços. Acertar um alvo movimentos que geram o impulso
com os pés unidos. até parar completamente e com
segurança descer do balanço.
3. Para se balançar entre duas
estruturas de ferro retangulares
paralelas é preciso apoiar as mãos/
braços e equilibrar o peso do
corpo sobre eles. Tomar impulso e
jogar as pernas para a frente e para
trás e saltar dentro de um bambolê
com as pernas/pés unidos.
Parada de – Estender os braços 1. Trabalho a dois, com auxílio.
Mãos acima 2. De cabeça para baixo, encosta-
da cabeça, posicionando do na parede.
as pernas na largura dos
ombros, dando um passo
à frente com a perna
dominante inclinando o
corpo para a frente
impulsionando a perna de
trás ao apoiar as mãos no
colchonete, juntando as
duas pernas contra a
parede, onde deve se
manter o corpo reto.
CAPÍTULO 3
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141

Equilibrar Realizar as atividades 1. Dificultar o equilíbrio sobre o


inicialmente com o auxílio banco de ginástica com e sem
dos colegas e no solo para venda nos olhos.
memorizar a forma correta 2. Equilibrar-se parado e cami-
de executar as movimen- nhando em uma estrutura de ferro
tações retangular com uma base bem
menor.
3. Testar o equilíbrio sendo o
ponto de apoio a perna do colega.
Fonte: NEP-Comefe/UFSM.

Quinta aula: Análise das gravações ensaio e filmagem do vídeo


Nesta aula foi realizada a análise das filmagens ensaio, na sala de aula
com os 28 alunos, e na sequência as gravações finais dos vídeos (Fotos 76,
77 e 78). Os alunos também foram orientados sobre o manuseio da câmera
de vídeo, do celular e da câmara fotográfica digital. As mídias digitais dispo-
níveis, os grupos tiveram de trocar entre si. Descobriu-se na conversa com o
grupo que muitos alunos gostaram de manusear as mídias digitais e alguns
deles tinham habilidade técnica. Em duplas (Foto 74) refletiram e testaram
com qual perspectiva que poderiam filmar (de lado, de frente, de cima) e
como queriam acentuar determinadas características de movimento com o
“zoom” (como o salto com as duas pernas juntas, no movimento “Saltar”).
Para a avaliação das filmagens teste foram definidos os seguintes
critérios: a) “estrutura e transcorrer de um vídeo de aprendizagem”; b)
“linguagem”; c) “ambiente de aprendizagem”. Em relação ao primeiro
critério os alunos chegaram às seguintes conclusões após assistirem as
imagens de cada grupo: todas as filmagens devem ter como a primeira
cena a apresentação do grupo de alunos; na segunda cena devem explicar
o objetivo do vídeo, bem como informar o movimento que será traba-
lhado; a terceira cena deve exibir concomitantemente a prática do movi-
mento (a partir das estações criadas) e as explicações das características.
Em relação à linguagem, os grupos perceberam muitos proble-
mas neste critério, especialmente quanto ao áudio. Decidiram então que
precisariam falar mais alto, de forma pausada, utilizar entonação para
reforçar algum aspecto que consideram importante na aprendizagem do
movimento, utilizar uma linguagem mais formal e de conteúdo, diferente
de quando falam assuntos do dia a dia com os colegas.
Quando analisaram o ambiente de aprendizagem, perceberam
que algumas dificuldades do segundo critério estavam relacionadas ao
local onde desenvolviam as atividades, como muito barulho, circulação
142 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

de pessoas que não as do grupo, os materiais disponíveis não eram os


mais adequados, mas conscientes da necessidade de criar outros materiais
ou atividades com os mesmos objetivos. Por fim, observaram que para a
filmagem final ter mais qualidade pedagógica do que o ensaio, os atores
deveriam falar em direção à câmera, ao lado da ação de movimento, de
modo a sincronizar a fala com o movimento em execução.
Fotos 76, 77 e 78
Avaliação das filmagens teste em sala de aula

Após concluída a avaliação das filmagens, os grupos voltaram ao


ginásio e ao pátio para reorganizar as tarefas, com o objetivo de fazer a
gravação final. Para essa filmagem os alunos definiram os papéis de cada
um no grupo (Fotos 79 e 80). Enquanto um filmava de acordo com o
roteiro, outro assumiu o áudio (texto/fala) e os demais executavam o
movimento da ginástica, de modo a oferecer execuções de movimento o
mais perfeitas possível a quem estava filmando.
Foto 79 — Tomadas de decisão Foto 80 — Filmagem
para a filmagem final da “parada de mãos”
CAPÍTULO 3
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143

Sexta e sétima aulas: assistir aos vídeos e aprender com eles


Na sexta e sétima aulas foram exibidos e comentados os vídeos
em sala de aula para todos os grupos, inclusive para os alunos do 5º
ano, convidados para realizar as estações a partir dos vídeos de ensino/
aprendizagem (Foto 81). Enquanto eles realizavam o movimento “Parada
de Mãos”26 (Foto 82) no auditório da escola, os alunos do 3º e 4º anos
estruturaram no centro de convivência da escola as estações dos cinco
movimentos da ginástica para a prática de todos.

Foto 82 — Execução da
Foto 81 — Exibição dos vídeos ao 5º ano “parada de mãos” pelo
5º ano

Em cada estação foi exibido o audiovisual (Fotos 83 e 84) corres-


pondente em um laptop, para que todos os alunos pudessem praticar, de
forma independente, as atividades em cada estação, quando um aluno do
grupo de trabalho atuava como o “especialista” no tema do movimento.
Ele dava sugestões para o movimento, auxiliava e corrigia, enquanto outro
fazia filmagens ou fotos do processo educativo (Foto 85).

26
Embora os estudantes tenham mencionado a correta sequência pedagógica do movimento
“Parada de Mãos” no vídeo sobre os passos para chegar ao objetivo (ficar de cabeça para
baixo), a maioria deles executou corretamente a atividade pela experiência que já tinham
com este movimento, ou seja, conseguiriam realizar a atividade mesmo sem o vídeo.
144 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Foto 83 — Uso das mídias digitais para Foto 84 — Antes da prática,


registro do processo pedagógico compreender a sequência
pelo vídeo

Foto 85 — Assistindo ao vídeo para


a execução do movimento

Reflexões sobre as competências didático-pedagógicas


Os alunos alemães e brasileiros não estruturam a ginástica de
acordo com as especificações da ginástica competição, demonstração,
condicionamento físico, conscientização corporal e reabilitação (Souza,
1997), mas de acordo com as atividades básicas, que eles chamaram de
“saltar”, “rolar”, “balançar”, “parada de mãos” e “equilibrar”, de acordo
com as experiências pessoais e aquelas vivenciadas na escola.
Tomando como base a estrutura da superação didática de Tamboer
(1979), ficou claro que os alunos, nos vários grupos de trabalho, estão
em diferentes níveis de aprendizado. Uns tentam os arranjos de apren-
dizagem no sentido de superação direta, outros ao nível de superação de
aprendizado. Isso acontece quando se trata de compreender as intenções
de movimento de atividades básicas individuais dos grupos de movimen-
tos. Assim, a posição inclinada da esteira provoca a intenção de fazer o
corpo rolar.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
145

Dessa forma, eles experimentam uma tensão entre o “corpo como


objeto” e o “corpo como sujeito” (Tamboer, 1979, p. 18), de maneira
que, apenas por meio do aprendizado e da prática apropriada chegarão
ao consenso. Poucos alunos estão, em matéria de organização pedagógica
dos temas de ginástica, ao nível da apresentação inventiva para lidar com
o que foi aprendido. Um exemplo são os alunos que dificultam o “equi-
líbrio” sobre uma superfície estreita colocando uma venda nos olhos ou
criando uma sequência de movimento no banco de ginástica estreito em
que um estudante se equilibra nos pernas de outro. Por “apresentação
inventiva” entende-se, portanto, o gerenciamento estético e criativo da
nova capacidade de se mover.
Com as duas experiências, realizadas em contextos escolares e
culturais bem distintos, inclusive em relação a materiais e infraestrutura
para a realização dos movimentos, é possível afirmar que, na medida que
as atividades foram sendo desenvolvidas, os alunos conseguiam realizar
as tarefas de forma cada vez mais independente, inclusive a montagem
das estações com diferentes materiais. Aos poucos eles assimilavam as
intenções, bem como as características de cada movimento, ampliando
sua percepção subjetiva da sequência de atividades proposta. Com isso,
aprendiam a praticar por si mesmos.
Desde a primeira aula (teórica) os alunos estavam motivados para
as discussões que culminaram na definição dos temas de ginástica, que
todos conhecem por praticarem durante as aulas de Educação Física na
escola alemã ou fora da escola e durante as atividades ministradas pelas
pedagogas, no caso da escola brasileira.
Para responder às questões e refletir sobre a sequência de ensino
e aprendizagem, os alunos alemães não apresentaram dificuldades. Já em
relação aos brasileiros, que têm dificuldade nas habilidades de leitura e
escrita, a tarefa foi difícil para a maioria deles, o que demandou maior
auxílio dos acadêmicos e das pedagogas. Embora todos tenham respon-
dido às perguntas de forma sucinta e por meio de desenhos, as respostas
serviram de base para o início do trabalho dos grupos. A primeira tarefa
dos acadêmicos foi estimular e ampliar a reflexão sobre as características
e as dificuldades do movimento, para depois aumentar as sugestões de
atividades para a montagem das estações.
Com constantes intervenções dos acadêmico nos grupos, os alunos
conseguiram traçar e filmar um caminho de ensino/aprendizagem com
base nas características dos movimentos. Os alemães conseguiram filmar
toda a sequência, sem interrupções. Os alunos brasileiros gravaram as
146 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

cenas separadamente e depois os acadêmicos realizaram a montagem da


sequência. A dificuldade maior não foi técnica, mas de concentração e
foco no que estavam fazendo.
As características e as dificuldades do movimento foram compre-
endidas pelos alunos brasileiros somente ao final do processo, quando foi
realizada uma avaliação em sala de aula (Foto 86). Percebeu-se avanços
dos alunos, tanto do 3º quanto do 4º ano em relação ao conhecimento e
compreensão do trabalho realizado ao longo das oito aulas. Eles citaram,
inclusive, uma série de atividades (estações) que iriam “montar agora se
pudessem fazer o trabalho novamente”.
O trabalho pedagógico que exigia uma sequência de ensino/
aprendizagem para ser filmado, a partir de um valor-alvo, não foi de
fácil assimilação pelos alunos das duas escolas, nas primeiras aulas, mas
conseguiram desenvolver a atividade por que se sentiram desafiados a pro-
tagonizar “um filme de ação” no qual eles seriam os atores (protagonistas).
Igualmente não foi fácil para eles protagonizar e filmar todo o processo
na sequência, observando a simetria necessária entre áudio e imagens,
mas a habilidade técnica de alguns com as mídias digitais, aliada ao perfil
de liderança e de comunicação de outros, tornaram o trabalho possível.
Foto 86 — Avaliação das dificuldades do movimento pelo 4º ano

Fonte das Fotos 65 a 86: NEP-Comefe/UFSM.

O processo de produção dos audiovisuais, no entanto, diferenciou-se


entre os grupos, inclusive em relação ao tempo. Das fases do processo:
a) escolha do tema; b) delimitação das atividades/estações; c) experimen-
tação/testagem; d) avaliação/reorganização; e) protagoniza- ção do vídeo
(filmagem/ roteiro) e f ) ambiente de aprendizagem, a tarefa de maior
dificuldade consistiu na comunicação e expressão por meio do vídeo,
CAPÍTULO 3
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147

considerando que essa experiência é pouco estimulada nas duas escolas.


Em razão de dificuldades de alguns grupos, o roteiro tornou-se um ele-
mento fundamental, pois auxiliou na organização e desenvolvimento das
etapas do trabalho.

Reflexões teóricas sobre movimento


e mídias pedagógicas
Os alunos alemães e brasileiros estruturaram a ginástica por inter-
médio de atividades básicas, denominadas por eles como “pular”, “rolar”,
“balançar” e “dar impulso”, “ficar de cabeça para baixo” e “equilibrar-se”.
Sem saber, a partir desse entendimento estão sistematizando as possibili-
dades básicas de aprendizagem e experiência sobre a ginástica. Por meio
da orientação para ações ou atividades com movimento, não são especi-
ficadas as competências para essas ações, mas são formuladas intenções
de movimento para a interpretação variada e individual sobre o mundo
dos aparelhos (Laging, 1990, p. 18). Com a pergunta “o quê?”, o profes-
sor está se orientando em uma observação basicamente funcional sobre
o movimento. Todas as ações de movimento “enraízam-se em funções
do movimentar-se, que se caracterizam pelo meio primordial da ação
humana” (Scherer; Bietz, 2013, p. 24; Scherer, 2008, p. 26).
Pelo aspecto pedagógico das mídias, ao trabalharmos dessa forma o
fio condutor das aulas baseia-se em uma “aula que educa”. Funke-Wieneke
(1999) descreve uma aula educativa com base em cinco princípios: refle-
xão, entendimento mútuo, orientação para a experiência e ação, perspec-
tivas múltiplas e orientação de valores. Esses princípios encontram-se nas
aulas aqui apresentadas pelos seguintes aspectos: os alunos refletem sobre
ações básicas do movimento na ginástica, características do movimento,
situações com exercícios inerentes, um roteiro e perspectivas próprias de
gravação e articulações linguísticas (reflexão). As aulas baseiam-se em uma
sequência didaticamente fundamentada: primeiramente foram testados
os temas sobre movimento para depois desenvolver as intenções de movi-
mento, ligadas aos temas (orientação sobre experiência e ação).
No emprego das mídias é encenado, principalmente, o aspecto
comunicativo e cooperativo (fazer-se compreender). Em relação a uma
aproximação ao mundo do movimento das crianças e adolescentes,
baseada na mídia, consegue-se uma continuidade e apoio a diversas
experiências de movimento (perspectividade múltipla). Basicamente, o
emprego das mídias nas aulas de Educação Física pode levar a uma com-
preensão crítica da mídia como tema de aula (orientação de valores).
148 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Quando se utiliza a mídia para produzir audiovisuais pedagógicos,


determinadas competências midiáticas são fundamentais ao processo em
relação ao domínio de conhecimentos, destrezas e atitudes, que por sua
vez, estão relacionados a seis dimensões básicas (Ferres; Piscitelli, 2012):
linguagem; tecnologia; processos de interação; processos de produção e
difusão; ideologia e valores e estética. Essas dimensões, segundo os autores,
estão organizadas em dois indicadores: a) âmbito da análise (pessoas
que recebem e interagem com as informações); b) âmbito da expressão
(pessoas que produzem mensagens). Em razão do objetivo dos projetos
(produzir vídeos), elegeu-se o “âmbito da expressão” como referência para
a análise das atividades envolvendo a ginástica, a luz das competências
midiáticas (Tabela 12).
Tabela 12 — As Competências midiáticas e os resultados
das experiências alemã e brasileira

Competência “Valor-alvo” Campo de Aprendizagem

Linguagem *Capacidade de *Os alunos brasileiros apresen-


expressar-se mediante taram maior dificuldade para
um amplo sistema de entender a sincronia necessária
representação e entre áudio e imagens/ cenas,
significação; durante as atividades práticas, para
*Capacidade de eleger a filmagem;
diferentes sistemas de *Demonstraram também maior
representação e estilo, dificuldade de comunicação entre
em função da situação eles (quanto à decisão do que
comunicativa fazer, como fazer) e de expressão
envolvendo o tipo de diante da câmera;
conteúdo a ser *As dificuldades de expressão no
transmitido e do tipo de vídeo, pelos alunos brasileiros,
interlocutor; podem estar relacionadas à ausên-
*Capacidade de cia do hábito da leitura, do estí-
Modificar produtos mulo a outras formas de expressão
existentes, conferindo- em sala de aula que não a escrita e
lhes novo sentido e ao limitado vocabulário,
valor. tornando o momento explicativo
do vídeo básico e rápido. *Por
outro lado, os grupos alemães e
brasileiros possuíam muita faci-
lidade em modificar e adaptar as
atividades do vídeo à realidade
escolar. Todos eram muito criati-
vos e engajados no processo de (re)
construção do conhecimento que
já possuíam da ginástica.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
149

Tecnologia *Capacidade de manusear *Os alunos das duas escolas


corretamente ferramentas gostam e sabiam manusear as
comunicativas num mídias digitais, inclusive, em
contexto multimídia e relação aos ângulos de filmagem.
multimodal; Muitos tinham habilidade técnica
*Capacidade de adequar para as mídias oferecidas;
as ferramentas tecnológi- *Durante todo processo estiveram
cas aos objetivos comuni- focados no objetivo do trabalho,
cativos que se pretende; ou seja, filmar na perspectiva
*Capacidade de elaborar e que lhes possibilitasse acentuar
manipular imagens e sons, determinada característica de
a partir da consciência de movimento, com o “zoom”, para
como se constroem as facilitar a aprendizagem do movi-
representações da reali- mento por outros colegas.
dade.
Processos de *Atitude ativa de inte- *A interação dos alunos de ambas
Interação ração com o processo, as escolas foi muito boa, pois cada
entendida como oportu- um entendeu seu papel no grupo
nidade para construir uma e a importância do trabalho.
cidadania mais plena, um Na escola brasileira, em alguns
desenvolvimento integral, momentos o trabalho colaborativo
para uma autotrans-for- ficava prejudicado em função do
mação e a transformação perfil agitado e dos desentendi-
do contexto; mentos entre os alunos;
*Capacidade de realizar *Houve, por parte dos pesquisa-
um trabalho colaborativo dores, preocupação em obter a
mediante a conectividade autorização do uso de imagem de
(...). todos os alunos envolvidos e de
*Capacidade de interação seguir normas e regras previamen-
com pessoas e coletivos te estabelecidas pelas escolas,
diversos em contextos especialmente na brasileira, posto
cada vez mais plurais e que muitos alunos vivem em situ-
multiculturais; ação de vulnerabilidade social;
*Conhecimento das *Buscou-se favorecer e estimular a
normas legais vigentes performance coletiva, necessária à
em matéria de produção produção de vídeos de ensino/
de audiovisuais e atitudes aprendizagem, a partir da supera-
responsáveis em situações ção individual, sem limitações à
dessa natureza. prática envolvendo gênero, idade,
experiências anteriores ou utiliza-
ção de materiais.
150 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Processos de Pro- *Conhecimento das fases. *A produção dos vídeos permitiu a


dução e Difusão do processo de produção seleção, (re)elaboração e ressigni-
de infraestrutura neces- ficação de (novos) conhecimento
sária para produções de sobre a modalidade;
caráter pessoal, coletivo *Estimulou e favoreceu o desen-
ou corporativo; volvimento de múltiplas lingua-
*Capacidade de trabalhar, gens (corporal, áudio, imagem,
de maneira colaborativa, texto e animação);
na elaboração de produtos *A possibilidade de compartilhar
multimídia ou multimo- os vídeos com outros colegas da
dais; escola motivou os alunos a intera-
*Capacidade de selecionar girem no processo de produção;
mensagens significativas, *Como a produção dos vídeos
apropriar-se delas e trans- exigiu uma sistematização peda-
formá-las para produzir gógica, inclusive do conteúdo,
novos significados; durante todo processo, os alunos
*Capacidade de com- vivenciaram e compreenderam a
partilhar e disseminar necessidade de planejar, organizar,
informação, por meio dos executar, avaliar e refletir sobre
meios tradicionais (...); atividades em que estavam
*Capacidade de conduzir inseridos.
a própria identidade *Em alguns grupos, houve a
on-line/off-line e ter necessidade de elaborar roteiros
atitudes responsáveis para a produção de vídeos, especi-
quanto ao controle de ficando tema, imagens/cenas e
dados privados, próprios texto (conteúdo). A gravação
ou de outros; ocorreu após decorarem as falas ou
*Capacidade de gestionar ensaiarem a leitura pelo papel.
o conceito de autoria, Alguns não conseguiram esta-
individual ou coletiva (...); belecer, de forma espontânea, a
simetria necessária entre áudio e
cenas (imagens).
*De modo geral os alunos das
duas escolas tinham entendimento
de como se faz um vídeo e alguns
demonstraram grande capacidade
de gestão, comunicação, organiza-
ção e liderança em grupo.
*O trabalho oportunizou refle-
xões sobrea “edição” de conteúdos
nas mídias, pois durante as filma-
gens perceberam que filmaram
muito mais do que utilizaram nos
vídeos; que houve edição de falas e
imagens; que nem tudo que viven-
ciaram no “campo de aprendiza-
gem” aparece na produção final.
CAPÍTULO 3
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151

Ideologia e *Capacidade de aproveitar *Desde o começo do processo


Valores as novas ferramentas de produção dos audiovisuais os
comunicativas para alunos entenderam a importância
transmitir valores como do trabalho colaborativo. Embora
cooperação e respeito e com algumas dificuldades,
contribuir com a melhoria perceberam que o objetivo final
do contexto, desde uma somente seria alcançado se todos
atitude de compromisso colaborassem e observassem
social e cultural; valores como respeito, iniciativa,
*Capacidade de elaborar comprometimento e colaboração,
produtos e de modificar além de dedicação às funções
os existentes, estimulando escolhidas por eles (filmar, falar ou
o questionamento e a executar).
reflexão sobre aquilo que
a mídia veicula.
*Capacidade de aproveitar
as ferramentas de um
novo contexto
comunicativo,
comprometendo-se como
cidadãos e cidadãs de
maneira responsável no
que tange à cultura e à
sociedade.
Estética *Capacidade de produzir *Os grupos reconheceram o tra-
mensagens balho como muito importante e
compreensíveis, em desafiador e ao avaliar a qualidade
âmbito individual ou dos vídeos perceberam que eles
coletivo, e que não possuem qualidade estética
contribuam com a semelhante àquela que assistem
criatividade, a pela TV, por exemplo – por isso é
originalidade e a importante valorizar não apenas o
sensibilidade; que se comunica, mas também a
*capacidade de apropriar- maneira como se comunica.
se e transformar *No decorrer do processo, os
produções artísticas, alunos tinham noção de que as
enfatizando a criatividade, mensagens a serem produzidas
a inovação, a deveriam seguir determinados
experimentação e a critérios de qualidade, de modo
sensibilidade estética. que outros colegas pudessem
aprender com os vídeos. A
avaliação das filmagens-teste foi
fundamental no meio do
processo. O grupo “Balançar”, da
escola brasileira, por exemplo,
recebeu o seguinte retorno:
“Precisa melhorar tudo: lingua-
gem, áudio e movimento”. Ao
assistir às outras filmagens, o
grupo teve uma noção clara dos
ajustes necessários para melhorar a
qualidade.
152 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

*Ao final do processo e ao assistir


aos vídeos, os grupos entenderam
que mais importante do que a
“qualidade estética” do vídeo foi
o “conteúdo”, em que puderam
perceber o quanto evoluíram no
movimento executado, conside-
rando os primeiros treinos. Alguns
alunos, inclusive, comentaram
que o vídeo é uma “boa ideia para
avaliar o crescimento na atividade”.
Fonte: NEP-Comefe/UFSM.

Os projetos desenvolvidos na Escola Estadual de Educação Básica


Irmão José Otão, em Santa Maria (Brasil) e na Grundschule Diesterwe-
gstrasse, em Braunschweig (Alemanha), foram desenvolvidos a partir
da concepção didática de ensino aberto às experiências (Hildebrandt-
-Stramann, 2009c). Com base nas concepções de educação, movimento
e mídia digital, desenvolveu-se valores como a autonomia, a autorres-
ponsabilidade, bem como a problematização dos conteúdos de ginástica,
no sentido de oportunizar a construção da subjetividade-objetividade
humana, a partir de uma sequência pedagógica organizada e desenvol-
vida em estações. Os pesquisadores trabalharam com alunos do 3º e 4º
anos do Ensino Fundamental conhecimentos básicos essenciais sobre os
movimentos da ginástica – “rolar”, “balançar”, “equilibrar”, “parada de
mãos” e “saltar” – estimulando-os a assimilar o conteúdo, criar estações,
treinar, gravar e avaliar as atividades.
Constatamos que tanto na escola alemã quanto na brasileira os
alunos conseguiram estabelecer temas de ginástica e apontaram as carac-
terísticas essenciais do movimento, embora os alunos brasileiros apresen-
tassem mais dificuldade. Os estudantes alemães também tiveram mais
facilidade para projetar o caminho de aprendizagem (sequência) baseado
nas respectivas características. Acredita-se que isso esteja relacionado à
proposta de ensino da escola, que oferece o conteúdo “ginástica” desde
os anos iniciais do Ensino Fundamental (e ministrado por um professor
de Educação Física), e também pela facilidade em organizar e vivenciar
as atividades, considerando a infraestrutura esportiva e a quantidade de
material disponível na escola alemã.
Na testagem e na avaliação do caminho de aprendizagem –
baseado em um valor-alvo – não houve diferença significativa entre
os alunos, embora se tenha percebido nos estudantes brasileiros maior
CAPÍTULO 3
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153

criatividade e inovação. Acredita-se que essas características, mais evi-


denciadas no Brasil, estejam relacionadas à necessidade de se adaptar as
ações do projeto à realidade escolar. Para executar as atividades o espaço,
os materiais e os equipamentos tiveram de ser adaptados e improvisados
para todos os movimentos. No período em que foram desenvolvidas as
atividades na escola, muitas delas também não puderam ser realizadas
conforme programadas em razão das altas temperaturas e/ou tempo
instável, problemas que na escola alemã não existiram. Importante
destacar que os projetos foram desenvolvidos nas duas escolas com
sucesso, o que demonstra que é possível independentemente da reali-
dade pedagógica.
As filmagens revelaram que tanto os alunos alemães quanto os bra-
sileiros têm intimidade com a técnica da mídia digital, pois manusearam
com propriedade os equipamentos para a captação de imagens. Por outro
lado, percebeu-se bastante dificuldade na interação pedagógica entre a
mídia digital e o conteúdo da disciplina.
Por fim, é importante destacar que os dez (10) vídeos de ensino/
aprendizagem produzidos, com cerca de dois (2) minutos cada um,
servem como referência de aprendizagem para os movimentos da ginásti-
ca, não tanto para aqueles que não participaram do processo de produção
(como os alunos do 5º ano da escola brasileira), mas para os autores que
protagonizaram o processo.

Módulo 5 (B e L): Movimento e desenvolvimento infantil,


juvenil, humano e aprendizagem motora
O movimentar-se apoia o desenvolvimento do homem em cada
fase da vida, mas com diferentes significados. Na fase da infância o movi-
mentar-se é uma base para o desenvolvimento de um conceito do “eu-
-próprio”, para a capacidade da “percepção de si mesmo e de seu meio
ambiente”, na fase juvenil o movimentar-se é a base para o desenvolvi-
mento da “ego-identidade” e nas fases adulta e idosa o movimentar-se
ganha mais significado para uma “vida harmoniosa”. Em todos os casos
podemos perceber a ligação entre o desenvolvimento humano e o movi-
mentar-se. Esta ligação é o foco deste módulo. Inicialmente explicaremos
a compreensão de desenvolvimento e de movimentar-se. Na sequência
será analisada a ligação entre estas concepções em cada fase da vida. No
centro destas explicações estão as tarefas de desenvolvimento que devem
ser realizadas, especialmente por meio do movimentar-se.
154 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

A concepção do desenvolvimento
Na Psicologia do Desenvolvimento existem posicionamentos e
pontos de vista bem distintos sobre este tema. Eram e ainda são divulga-
das as chamadas teorias das fases de desenvolvimento. Elas partem amiúde
da suposição de que o decurso do desenvolvimento seja conduzido por
meio de programas biogenéticos e que se realizam, por assim dizer, como
crescimento natural e num processo de amadurecimento em determinadas
sequências. Nisso o desenvolvimento psíquico está estreitamente ligado ao
desenvolvimento físico, tanto assim que o nível de desenvolvimento psi-
cofísico, em suma, parece ser determinado sobretudo biogeneticamente.
Outras interpretações partem da energia marcante da influência
do meio ambiente. De acordo com isso, o desenvolvimento do corpo e
do movimento realiza-se, sobretudo, como um processo de socialização,
portanto dependente e também como resultado das respectivas condições
de vida real e social em que o indivíduo se desenvolve.
Nossa posição é intermediária e ao mesmo tempo sobreposta.
Partimos da suposição antropológica-social de que o indivíduo gera seu
desenvolvimento no próprio agir, isto é, no confronto com a realidade
interior, biopsíquica, de um lado, e com a realidade externa, ecológica-
-social, de outro. Segundo essa posição, o desenvolvimento realiza-se
como história de ação além do currículo de vida. E no currículo de vida
o desenvolvimento da pessoa e o desenvolvimento de suas situações de
vida estão mutuamente relacionados entre si.
Em relação ao ensino, isso significa: crianças e jovens acolhem
ofertas de aprendizagem não apenas receptivamente, porém apropriam-se
da matéria de aprendizagem ativamente e produzem, assim, sua própria
realidade de aprendizado. Os permanentes processos de busca, de experi-
mentação e de exploração de espaços e possibilidades de conduta, busca de
ressonância e da influência do meio ambiente social e ecológico, são con-
dições e ao mesmo tempo objetivos de promoção do empenho educativo.
No conceito das tarefas de desenvolvimento é levada em conta
a relação dialética entre o currículo e as condições de vida. As tarefas de
desenvolvimento encontram-se na área de tensão entre a capacidade indi-
vidual e as exigências socioculturais. Em geral elas podem ser relacionadas
a três fases de vida: infantil, juvenil e a fase do adulto. Inicialmente entra-
remos em pormenores de algumas tarefas essenciais de desenvolvimento
destas fases de vida questionando: Como o movimento pode influenciar e
apoiar a realização das tarefas de desenvolvimento? Para tanto precisamos
explicar a compreensão de movimento.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
155

A concepção de movimentar-se
A concepção de movimentar-se está fundamentada teoricamente
no paradigma fenomenológico de movimento. Movimento é visto como
um meio para ganhar conhecimento. Neste sentido o movimento tem uma
função epistemológica. Para ganhar conhecimentos sobre o mundo o ser
humano entra em contato com o mundo por meio de movimento. Este
contato tem o caráter de um diálogo, a linguagem é o movimento. Deno-
minamos o papel de contatar o mundo como diálogo. Por isso entendemos
o movimento humano como um diálogo entre o homem e o mundo.

Criança, movimentar-se e desenvolvimento


O movimento representa para as crianças o acesso fundamental ao
mundo (Hildebrandt-Stramann, 2009c). As crianças vão ao encontro do
mundo, daquilo que as cerca, com curiosidade, elas querem conquistar
seu mundo de vida de forma ativa, isto é, conquistar por meio do movi-
mento e descobrir e sondar as coisas que as cercam. Com isso elas pre-
tendem, constantemente, sentir, apalpar, cheirar e compreender as coisas.
Por meio de tais experiências sensoriais elas formam algo semelhante a
imagens do mundo. Elas compreendem que esta ou aquela coisa é um
objeto com determinadas qualidades e princípios, que deixa vestígios na
afetividade, no saber e pensar e na coordenação motora.
O movimento é uma forma de confronto com o mundo social
e material. O lidar lúdico com as possibilidades físicas de movimento
constitui uma ponte a caminho da realidade. Poder movimentar-se, expe-
rienciar o corpo por meio do movimento, são passos decisivos para a
autonomia da criança.
Assim como “falar” e “pensar”, também o “movimentar-se” é um
meio fundamental para a mediação entre a criança e o mundo, entre o
interior e o exterior. Movimentar-se é uma forma de vida da criança e
significa para a maioria delas a apresentação do ser. Suas experiências são
acompanhadas de muitas sensações cinestésicas: pesado e leve, velocidade
e ritmo, combinação de energias exteriores e interiores, troca de posição
física no espaço e no tempo. Essas sensações realizam-se quando as crian-
ças correm, pulam e saltam, vibram e balançam, giram e dançam, no fazer
cambalhotas ou balançar.
As crianças adquirem experiências sociais e estéticas de movi-
mento quando em pantomimas representam algo ou alguém numa
cena, quando mergulham no grupo e realizam com ele um processo e
156 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

se separam novamente dele, ao ganhar uma relação com o espaço explo-


dindo, por meio do ritmo criam uma ordem temporal. Nesses casos,
as crianças fazem múltiplas experiências sociais, materiais, cinestésicas e
estéticas, que são insubstituíveis para o processo da autopercepção e da
percepção do mundo.
O desenvolvimento e a formação do movimento são, de acordo
com isso, elementos importantes para o desenvolvimento global da
criança. “No desenvolvimento e diferenciação do movimento, a criança
desenvolve também sua capacidade de percepção, pois o movimentar-se e
o perceber-se estão em contínua ação recíproca. As crianças experimentam
seu meio ambiente com o uso da boca, mãos, olhos, ouvidos, pele e nariz.
Tais experiências sempre se realizam na ação recíproca de movimento e
percepção, ambos estão ligados um ao outro e mutuamente dependentes”
(Bannmüller, 1987, p. 6).

Tarefas de desenvolvimento
A autopercepção e de seu meio ambiente a criança obtém por meio
de seus sentidos, destacando-se que ao sentido próximo (tato, sentido do
movimento) compete inicialmente um significado prioritário em relação
aos sentidos distantes (ouvir, ver). Por meio do tato e do movimento é
criada a condição de assimilar o som e a visão e consolidá-los como expe-
riência. As experiências corporais formam o fundamento para as apren-
dizagens de relacionamento pessoal e com o mundo real. A confiança
emocional básica constrói-se por meio de experiências positivas por parte
das pessoas nos relacionamentos pessoais e no domínio das exigências
do meio ambiente. Para o desenvolvimento do seu próprio “eu”, emo-
cionalmente fortalecido, a autoeficiência experimentada é de significado
decisivo, portanto de ressonância positiva às atividades próprias.
O desenvolvimento infantil realiza-se gradualmente na prospecção
e controle do mundo próximo ao corpo até o meio ambiente social-real e,
ao mesmo tempo, também sua fundamentação emocional é intermediada
por movimento e corporalmente assimilado.
Já Piaget (1982) elucidou a maneira inteligente como crianças
e jovens apropriam-se de seu meio ambiente. Para isso são básicos os
processos mutuamente complementares de assimilação e de acomoda-
ção. Se uma pessoa procura dominar uma tarefa ou exigência, ela pode
recorrer também ao seu patrimônio de experiências, a esquemas de ações
comprovados. Ela vai encarar, portanto, as tarefas à luz das possibilida-
des de solução disponíveis e tentará resolvê-las. Com isso ela adapta a
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
157

estrutura do meio ambiente aos esquemas de ação e cognição existentes


(assimilação). Se esses forem insuficientes ou se a pessoa, por qualquer
motivo, procurar outras possibilidades de solução, ela terá de reorganizar
e ampliar os planos existentes com vista às estruturas de exigência (acomo-
dação). Brincando ou imitando desenvolvem-se, assim, planos de ações
que formam o patrimônio de experiências e tornam-se, ao mesmo tempo,
a condição para novos processos de acomodação (adaptação).
As experiências adquiridas na confrontação com o mundo mate-
rial são denominadas por Scherler (1975) de “Experiências Materiais”.
Elas determinam essencialmente a estrutura do mundo interno e, com
isso, também a “inteligência sensório-motora”. Por conseguinte as ações
motoras formam a base decisiva para o desenvolvimento cognitivo dos
adolescentes. Para a sua promoção é importante preparar experiências
desafiantes e resolúveis, que podem ser solucionadas por meio da assimi-
lação e acomodação.
Mediante experiências materiais, porém, não se reconhece apenas
características reais e a possibilidade de manipular o meio ambiente, mas
também, simultaneamente, seu significado social como artigo de uso
(posse, valor). Não são apenas as experiências materiais feitas ao se-mo-
vemintar que influenciam o desenvolvimento pessoal das crianças. São
também as experiências sociais, simbólicas e sensíveis que contribuem
decisivamente para o desenvolvimento pessoal (Hildebrandt-Stramann;
Taffarel, 2017, p. 150).
As experiências materiais são desenvolvidas, por exemplo, em
situações nas quais as crianças podem configurar seus próprios eventos
de movimento com muitos e diferentes materiais e aparelhos de movi-
mento e materiais cotidianos. Uma “oficina de movimento” é um
exemplo no qual as crianças podem obter experiências materiais e sociais
(Hildebrandt-Stramann; Taffarel, 2017, p. 51-65). A função sensível do
movimento é promovida quando as crianças podem ter experiências cor-
porais básicas no contexto do movimento. A isso pertence a percepção
consciente das diferentes reações do corpo a cargas, a tensões e descon-
trações, o sentir de solos diferentes no caminhar, a luta contra a força da
gravitação no balançar etc. (Hildebrandt-Stramann; Taffarel, 2017, p.
157). A função simbólica do movimento é promovida, por exemplo, por
dança, pantomima ou peças cênicas (Hildebrandt-Stramann; Taffarel,
2017, p. 158). O desenvolvimento social das crianças é promovido se
elas podem entrar em relações de movimento social.
158 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Jovens, movimentar-se e desenvolvimento


Na fase juvenil, quais tarefas de desenvolvimento podem ser apoia-
das pelo movimento no jogo e no esporte?
Na juventude as tarefas de desenvolvimento adquirem uma nova
qualidade em comparação com a infância, pois essa fase compreende a
primeira chance e desafio histórico de vida, mediante o equilíbrio entre
a identidade pessoal e social, de desenvolver uma ego-identidade. Típico
para essa fase de vida são as situações de tensão vivenciadas, especialmente
intensivas, e os muitas vezes observados movimentos de busca e orientação
dos jovens.
Começa o crescente desprendimento das relações familiares mais
ou menos estáveis, um desligamento – não raro constatável no experi-
mentar mais intenso com determinadas estilizações do corpo – que pode
ocorrer relativamente sem atritos, como também ser altamente dramá-
tico. Ele é acompanhado da crescente dedicação a grupos relativamente
homogêneos da mesma idade, cujos membros muitas vezes vão atrás de
atividades específicas de grupo. Como exemplo, servem aqui o aproveita-
mento de áreas asfaltadas de grandes cidades por jovens “skateboardartis-
tas” e “inlineskater” e os próprios estilos de grupo, muitas vezes realçados
fisicamente no contexto de subculturas juvenis. Como que na proteção
desses grupos, surge o relacionamento com o outro sexo. Geralmente
emergem amizades heterossexuais, acontecem prospecções e experimen-
tações sexuais, continua o desenvolvimento do processo de assumir o
papel do sexo.
No corpo e através do corpo, as maneiras de se apropriar e realizar
as exigências de vida bem-sucedidas, perturbadas ou fracassadas, interme-
diadas pela sociedade, tornam-se virulentas. Se até a segunda metade do
século 20 ainda era o desenvolvimento sexual, até à sua maturidade, que
podia vir a ser um motivo para duradouros problemas de desenvolvimento
biopsicossociais, assim parece hoje, no início do século 20, o contexto de
referência, em parte, aparente ter-se invertido: a consciente e acentuada
configuração em relação ao próprio corpo serve à autocertificação em
tempos de difícil orientação.
Adolescentes veem-se confrontados com novos desafios do mundo
dos adultos: o desprendimento de formas e ligações sociais historicamente
estabelecidas, a perda de seguranças tradicionais em vista das normas,
diretrizes e do saber de ação, assim como uma nova maneira de integração
social, caracterizam um processo de individualização, que, da parte dos
sujeitos, conduz a novas e especiais exigências e maneiras da formação de
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
159

identidade. A variabilidade e a mobilidade de modernas formas de vida


exigem não só mais trabalho de identidade, como também trabalhos mais
difíceis de integração, com menor perspectiva de durabilidade.
O mundo de vida, em especial também dos jovens, é progressiva-
mente disseminado e determinado pela mídia e pela técnica de comuni-
cação. Experiência material encontra-se com experiência virtual, não se
pratica surfe apenas no mar, mas sempre se navega também na Internet.
Jogos de futebol podem ser ganhos em pessoa no campo, porém mais
cômodo e igualmente muito interessante, por exemplo, é ser diretor de
futebol no PC. Poder e fantasias praticáveis são produzidos e disponibi-
lizados. Os efeitos que partem dessa realidade mundialmente enrique-
cida manifestam-se de diversas formas: a imediata experiência corporal,
especialmente por meio do tato e do olfato, é mais e mais suplantada,
enquanto os tele- sentidos, portanto, olhos e ouvidos, são revalorizados.
Emocionalmente existe uma espécie de “prazer da distância” (Bei-
senherz, 1994) que, semelhante ao prazer do medo, ao mesmo tempo
exige aproximação e distância, ou seja, discrição. Cognitivamente são
adquiridos amplos conhecimentos, de conexões táticas até a organização
total; como exemplo o futebol com todos os seus fatores de influência,
sem que esses conhecimentos sejam compreendidos, portanto baseados
em experiências práticas. Daí resultam, por exemplo, para a Educação
Física escolar, novas tarefas: de um lado, é necessário considerar a crescente
discrepância entre a experiência material e a virtual, entre as capacidades
físicas adquiridas e as abstratas fantasias de praticabilidade e onipotência,
e encontrar caminhos de tratamento dessa discrepância. De outro lado,
as novas capacidades e conhecimentos dos jovens podem e devem ser
aproveitados, por exemplo, para projetos relacionados à Educação Física
no sentido da educação de mídia, para desenvolver competências de auto-
nomia do sujeito, em vez de autonomia a serviço da sedução.
A orientação para o futuro, acentuada no conceito das tarefas de
desenvolvimento, deve, contudo, ser equilibrada com uma orientação ao
presente, pois a experiência de um presente realizado, o permanecer no
agir do presente realizado, o experienciar da autoeficácia, significa um
pressuposto para fundamentar empenhos de aprendizagem relacionados
ao futuro. O potencial de desenvolvimento do movimento, no jogo e no
esporte, pode ser explorado quando crianças e jovens têm ou lhes é ofere-
cido, também, espaço para um agir com sentido de realização no esporte
e também na Educação Física relacionada ao presente.
160 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Quais são as consequências resultantes


daí para uma educação?27
Partindo da premissa de que um indivíduo sempre é, também, o
configurador de seu desenvolvimento, e esse desenvolvimento se realiza
no confronto ativo com o meio ambiente em mudança, deve-se con-
cluir daí que o desenvolvimento humano por princípio é aberto e não
previsível. A educação e a formação podem regular, apoiar e fomentar
esse caminho, mas não, de certo modo, forçá-lo tecnologicamente. Não
obstante, o educar não pode ser desorientado, deve ser dirigido com
consequência e responsabilidade. Em relação ao desenvolvimento, trata-
-se de fomentar a competência de realização e configuração dos indi-
víduos, em vista de uma sociedade caracterizada por grande dinâmica
e diferenciação.

Módulo 9 (B) e módulo 4 (L):


Abordagens, métodos e técnicas de pesquisa
Seguindo as propostas de currículos modularizados dos cursos de
Educação Física Licenciatura e Bacharelado e os planos de distribuição
dos módulos ao longo dos cursos, no Módulo 9 (B) e no Módulo 4 (L)
os estudantes devem adquirir conhecimentos básicos sobre métodos de
pesquisa em ciências do esporte e aplicá-los aos projetos de pesquisa cor-
respondentes, relacionados aos trabalhos de qualificação. É o momento
de os estudantes conhecerem e aprenderem as bases do procedimento
científico de pesquisas quantitativas e qualitativas.

Métodos qualitativos e quantitativos


na pesquisa empírica
Na ciência trata-se basicamente de adquirir conhecimentos. Fun-
damentalmente são discutidas duas maneiras de adquirir conhecimen-
tos: a empírica e a hermenêutica. Adquirir conhecimento de maneira
hermenêutica significa ler, analisar e interpretar textos. O caminho

27
Estas reflexões têm também consequências para uma configuração pedagógica da escola
e da Educação Física escolar. Uma consequência é a configuração da escola como uma
“Escola Móvel” (Hildebrandt-Stramann, 2009a, p. 57-76). Um aspecto fundamental de
uma “Escola Móvel” são as aulas da Educação Física, que devem ser configuradas didati-
camente como “aulas abertas à experiência” (Hildebrandt-Stramann, 2009c).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
161

empírico leva aos dados de duas maneiras diferentes: por um lado, com
a ajuda de métodos quantitativos e, por outro, com métodos qualita-
tivos.
Tradicionalmente, a Psicologia e as Ciências Sociais tomaram
como modelo a exatidão das Ciências da Natureza, dando atenção espe-
cial ao desenvolvimento de métodos quantitativos e padronizados.
Foram definidos princípios orientadores da investigação e do seu
planejamento, tendo em vista os seguintes objetivos: isolar claramen-
te causa e efeitos, operacionalizar adequadamente as relações teóricas,
medir e quantificar os fenômenos, conceber planos de investigação que
permitam a generalização dos resultados e formular leis gerais. São esco-
lhidas, por exemplo, amostras aleatórias da população para garantir a sua
representatividade. As proposições gerais são formuladas com a maior
independência possível em relação aos casos concretos que se estudaram.
Os fenômenos observados são classificados em termos de frequência e
distribuição.
As situações em que os fenômenos e as relações estudadas
ocorrem são controladas até o limite do possível, a fim de determinar
com o máximo de clareza as relações casuais e sua validade. Os estudos
são desenhados de forma a excluir, na medida do possível, a influência
do investigador (entrevistador, observador, etc.). Essas medidas deve-
riam assegurar a objetividade do estudo, uma vez que são, em larga
medida, eliminadas tanto a visão subjetiva do investigador como as dos
sujeitos do estudo. Foram formulados padrões gerais obrigatórios para
a realização e avaliação da pesquisa empírica nas Ciências Sociais e pro-
cedimentos como a produção de questionários, a elaboração dos planos
de pesquisa, a análise estatística dos dados ganharam um refinamento
crescente (Flick, 2002, p. 2-3).
As ideias centrais orientadas à investigação qualitativa são dife-
rentes das da investigação quantitativa. Segundo Flick (2002, p. 4),
os seus traços essenciais são: “a correta escolha de métodos e teorias
apropriadas; o reconhecimento e análise de diferentes perspectivas; a
reflexão do investigador sobre a investigação, como parte do processo
de produção do saber; a variedade dos métodos e perspectivas”.
Obviamente, a decisão de fazer uma investigação quantitativa
ou qualitativa depende, fundamentalmente, da colocação da questão
e da reivindicação de representatividade. Atualmente os pesquisadores
162 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

estão cada vez mais tentando relacionar os dois tipos de pesquisa e


triangular os dados, mesmo que no processo de coleta sejam usados
métodos diferentes.
A seguir enfocaremos o tipo de investigação qualitativa, no que
respeita à descrição dos métodos qualitativos de pesquisa mais impor-
tantes. Isso é feito por três razões:
1ª) Do nosso ponto de vista, na ciência do esporte brasileiro
ainda predomina uma visão científica natural e, portanto, as investiga-
ções ainda estão centradas basicamente na pesquisa quantitativa.
2ª) Os métodos qualitativos são mais adequados para a investiga-
ção da realidade do mundo da vida, porque com eles as perspectivas dos
participantes, na sua diversidade, podem ser levantadas com mais rigor;
3ª) Os autores deste livro desenvolvem, principalmente, pesqui-
sas qualitativas nas universidades em que atuam, conforme exemplos
já descritos nesta obra. Outros exemplos podem ser encontrados em
Hildebrandt-Stramann e Taffarel (2017).

Caraterização dos métodos qualitativos


para o levantamento dos dados
Entrevista semiestruturada
Uma entrevista semiestruturada (com perguntas abertas, inclusive)
permite que os pontos de vista dos sujeitos a serem entrevistados sejam
mais facilmente expressos do que numa entrevista estruturada ou num
questionário. Isso vale, especialmente, para investigações que possuem
caráter de estudo de caso, como os já realizados por Hildebrandt-Stra-
mann e Taffarel (2017, p. 160-216) nos contextos escolar e de ensino.
Flick (2002, p. 77) apresenta diversos tipos de entrevista semies-
truturada: a entrevista focalizada, a entrevista semipadronizada, a entre-
vista centrada no problema, a entrevista de especialistas e a entrevista
etnográfica.
Nos projetos conduzidos ou liderados por Hildebrandt-Stramann,
especialmente na Universidade Federal da Bahia, foi utilizada a entrevista
centrada no problema. Uma entrevista centrada no problema adota um
guia que inclui perguntas específicas e estímulos narrativos. “O guia da
entrevista é concebido para apoiar o fio da narrativa do próprio entre-
vistado” (Flick, 2002, p. 89). Nos estudos que envolviam a comunidade
escolar, por exemplo, cada roteiro de entrevista foi estruturado em três
etapas gerais: o início com perguntas gerais, a fase principal com pergun-
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
163

tas específicas para os campos de investigação e para a última fase foram


elaboradas questões de modo que as respostas ou o conteúdo da conversa
pudessem ser sistematizados (Hildebrandt-Stramann; Taffarel, 2017).
Observação participante
Em nossos projetos, a observação participante foi combinada
com outros métodos de levantamento dos dados. Isso é comum, con-
forme Flick (1995, p. 157): “A observação participante é uma estraté-
gia de campo, que combina ao mesmo tempo os métodos de análise de
documentos, entrevistas e observações”. Uma cena de jogo informal pode
esclarecer essa definição. A observação envolve não somente a participação
direta na cena, para descrever o decurso do jogo e as ações dos jogadores,
mas também outras atividades de pesquisa, como um estudo sobre as
regras de comportamento dos alunos no recreio, sobre o material ofereci-
do, sobre os diferentes locais para jogar, etc.
No entendimento de Flick, a observação participante deve ser
entendida como um processo. De um lado, o investigador deve tornar-se
cada vez mais um participante; de outro, a observação deve percorrer
um processo que visa ao foco nos aspectos essenciais para a elaboração
da pergunta (Flick, 1995, p. 158). Este processo pode ser dividido em
diferentes fases, nas quais podem ser registrados uma vez a complexidade
do campo da investigação e outra vez os aspectos importantes em relação
à pergunta (Flick, 2002, p. 139).
Em estudo de Hildebrandt-Stramann e Taffarel (2017, p.167-171)
foram realizadas cinco observações diferentes: em três delas foram obser-
vadas as atividades dos alunos durante os recreios em diferentes locais do
pátio e nas outras duas foi observado o ensino durante o dia com o foco
(pergunta) centrado nas possibilidades de movimento dos alunos durante
as aulas. Com as observações durante do recreio procuramos saber como
os alunos interpretam o meio ambiente escolar pelo movimento e com
isso procuramos entender algo sobre o significado do movimento em
diferentes espaços escolares.
As observações das aulas podem produzir dados sobre os
conhecimentos, sobre a configuração do ensino, sobre a consideração
do movimento como um meio do conhecimento, sobre a questão da
ritmização do ensino e de aulas em dia integral. Para cada âmbito da
observação (recreio – ensino) foram desenvolvidos roteiros de observação,
164 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

que dirigem a atenção para a colocação de perguntas. Isto é, a tarefa do


observador foi protocolar suas observações em cada uma das perguntas
do roteiro de observação.
Discussões em grupos
Patton (1990, p. 335 apud Flick, 2002, p. 116) define a entrevista
de grupo como “uma entrevista realizada com um pequeno grupo de
pessoas, sobre um tema específico”. O procedimento está estruturado e é
mediado por um entrevistador. Ele deve poder contar com a flexibilidade
e objetividade quando necessário, ter empatia, ser persuasivo e ser um
bom ouvinte.
A objetividade significa “o equilíbrio em relação aos diversos par-
ticipantes” (Flick, 2002, p. 116). O aspecto decisivo deste método é a
comunicação entre os participantes em relação ao tema central, que é
predeterminado pelo interesse do pesquisador. Segundo Lamnek (1998,
p. 27), as intenções de uma discussão em grupos podem ser resumidas
da seguinte maneira:
• recolher as opinões dos participantes singulares na situação
do grupo;
• recolher as opinões do grupo todo;
• pesquisar os comportamentos dos grupos específicos (por
exemplo, de diferentes escolas);
• pesquisar as estruturas das conscientizações que determinam
as opiniões e os comportamentos dos participantes;
• recolher dos grupos informações que conduzem para a for-
mação de uma determinada opinião individual ou do grupo.

Análise dos documentos


Documentos são textos escritos, que servem como documentação
de processos ou circunstâncias. Eles aparecem em formas específicas para
contextos típicos como instituições, famílias, juízo, apontamentos, relatos
de caso, contratos, protocolos de reuniões, programas, testemunhos, etc.
Documentos dirigem-se a um grupo definido de receptores. Na pesquisa
qualitativa documentos são entendidos como textos ativos que represen-
tam com suas categorias e descrições acontecimentos complexos, ligados
a imagens e expectativas de ação. O autor de um documento sempre
tem em vista o receptor. Com isso, a liberdade é limitada. Esse é o caso
quando o diretor de uma escola escreve uma carta para os membros da
CAPÍTULO 3
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165

instituição (professores, alunos, pais, etc.) na qual ele informa sobre o


plano de construir um novo pátio e ao mesmo tempo pede aos membros
cooperação e doação de materiais.
Professores nas escolas são muitas vezes autores e receptores de
um documento. Eles escrevem, por exemplo, um programa escolar para
si próprios e ao mesmo tempo para os pais e os alunos. Por meio de um
programa escolar eles recebem a informação sobre o que podem esperar da
escola. Às vezes os pais, os alunos e o diretor participam da configuração
de um programa escolar. Um outro tipo de documento escolar são os pro-
tocolos ou atas das reuniões (pedagógicas, do Círculo de Pais e Mestres).
Esses protocolos são escritos com a intenção de informar uma clientela
específica, por exemplo, os alunos, os pais e os colegas.
Alguns documentos, como programas escolares ou protocolos das
reuniões, mostram de um lado o status quo da discussão pedagógica na
escola, as consequências e as decisões necessárias; de outro lado, não expli-
citam a forma como os documentos nasceram, que papel desempenham
no contexto atual ao processo do desenvolvimento, e como os documen-
tos devem ser tratados quando comparados com outros. Resumindo,
podemos dizer que documentos escolares podem ter um alto valor de
informação sobre a cultura pedagógica da escola e também sobre o signi-
ficado do movimento. Quando um pesquisador, por exemplo, faz análise
dos conteúdos dos protocolos das reuniões dos professores ele é capaz de
perceber ou identificar que o movimento nunca foi tematizado naquela
instituição de ensino. O “não tematizado” mostra que o movimento tem
“baixo valor” na escola.
Triangulação
Triangulação é a palavra-chave na pesquisa qualitativa. Triangu-
lação significa “a combinação de diferentes métodos, grupos de estudo,
enquadramentos de espaço e de tempo, e diferentes perspectivas teóricas,
no tratamento de um fenômeno” (Flick, 2002, p. 231).
Segundo Flick (2002, p. 231-232), “a triangulação pode ser um
processo de enraizar melhor o conhecimento obtido com métodos quali-
tativos. Enraizar não significa, aqui, testar resultados, mas ampliar e com-
pletar sistematicamente as possibilidades de produção do conhecimento”.
Em pesquisas escolares é possível se obter, por meio da triangu-
lação dos dados, um texto sobre a escola investigada, que denominamos
“texto científico de fonte”. Esse texto contém somente dados organizados
segundo os temas importantes (os campos da investigação) de escolas
166 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

integradas. Esse agrupamento, segundo os temas (os campos da investi-


gação), oferece uma imagem mais clara e sistemática sobre o significado
do movimento nessas escolas de tempo integral. O texto de base científica
é o fundamento para o retrato escolar (Hildebrandt-Stramann; Taffarel,
2017, p. 174-210).

Registro dos dados


Entrevistas devem ser gravadas e depois transcritas. As observações,
segundo um roteiro ou guia preestabelecido, devem ser registradas em
notas em um diário de campo. Independentemente dos problemas ligados
às transcrições (Flick, 2002, p. 174) e com as notas do diário de campo
(2002, p. 171), o pesquisador recebe, por intermédio das transcrições e da
organização textual (a adição) das notas, um novo texto e com este uma
nova realidade (p. 176). Estes textos são a base para o desenvolvimento
do texto científico de fonte.
Como já referido, esse texto configura-se por meio dos dados orga-
nizados segundo os temas dos campos da investigação. Flick denomina
esse processo da transformação do texto original para um texto científico
de fonte como “codificação teórica” (2002, p. 180). “A codificação teórica
é o procedimento usado para analisar os dados colhidos, com o objectivo
de elaborar uma teoria enraizada”.
Na teoria existem diversos procedimentos ao tratamento do
texto no processo de interpretação. “São designados pelos termos ‘codi-
ficação aberta’, ‘codificação axial’, ‘codificação selectiva’ e ‘codificação
temática’”(Flick, 2002, p. 180). São procedimentos não claramente dis-
tintos uns dos outros e também não são fases separadas do processo. São
diferentes maneiras de tratar o material textual, “entre as quais o investi-
gador se move e combina, se necessário” (Flick, 2002, p. 180).
Em diferentes estudos liderados por Hildebrandt-Stramann foi
utilizado especialmente o procedimento denominado “codificação temá-
tica” (Flick, 2002, p. 188). Os dados transcritos e adicionados foram
codificados segundo os temas dos campos da investigação e reunidos num
novo texto, o texto de fonte científica. Este procedimento é chamado de
“triangulação dos dados” (Flick, 2002, p. 231).
O texto de fonte científica, contudo, não é somente uma adição
dos dados agrupados tematicamente, mas também um texto que reduz
o material original, parafraseando e resumindo os textos do material ori-
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
167

ginal. Esse texto entendemos como um novo tipo de dado, que é a base
para a interpretação. “A interpretação dos dados é o cerne da investigação
qualitativa” (Flick, 2002, p. 179).

Módulo 6 (B) e Módulo 3 (L):


Campos de experiência e de aprendizagem
Para exemplificar e fundamentar como podem ser desenvolvidos
os módulos denominados “Campos de Experiência e de Aprendizagem”,
constituídos de diferentes “Campos de Movimento”, na Licenciatura
e no Bacharelado, optamos pelo Módulo 3 do curso de Licenciatura
“Campo de Experiência e de Aprendizagem” e os seguintes Campos de
Movimento desse módulo: a)“Se-Movimentar com e sem aparelhos”, que
deveria ser desenvolvido com carga horária de duas horas/aulas; b) “Jogar
em Equipes”, ministrado com carga horária de seis a oito horas.28 Para
desenvolver o campo de movimento “Jogar em Equipes” inicia-se por
um seminário obrigatório, em que os jogos em equipes seriam temati-
zados de maneira interdisciplinar e, na sequência, serão ofertados mais
dois campos de movimento. Para cumprir todos os créditos o estudante
poderá optar por mais dois ou três jogos esportivos (futebol, handebol,
voleibol, basquetebol, hockey, etc.). É importante, no entanto, que esses
jogos esportivos sejam ensinados de maneira problematizadora ou gené-
tica29 (Hildebrandt-Stramann, 2013c, p. 149-168).
Além das competências específicas que os estudantes adquirem
em cada campo de movimento, eles também obtêm competências gerais,
pois nos campos é estabelecida uma relação estreita entre teoria e prática
envolvendo temas básicos do se-movimentar. Quatro objetivos estão rela-
cionados a esse contexto:
1º) Os estudantes devem ser capacitados para refletir, teoricamente, seu
próprio movimentar e o de outras pessoas.

28
Ministrar duas horas/aulas por semana, significa uma carga horária de 30 horas por
semestre, considerando que um semestre letivo na UFSM dura 15 semanas.
O aprender genético tem três princípios:
29

1. Os aprendizes trabalham num problema e desenvolvem, autonomamente, soluções.


2. O professor apoia e guia o processo autônomo da solução do problema dos aprendizes,
dando impulsos, por meio de perguntas específicas (a gente chama este procedimento
também como um procedimento socrático)
3. A aprendizagem se realiza em tais exemplos selecionados, pelos quais podem ser
adquiridos conhecimentos básicos (a gente chama este passo também de procedimento
exemplárico).
168 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

2º) Os estudantes devem adquirir competências básicas de movimento


e de demonstração em relação aos temas básicos do se-movimentar.
Essa capacidade só é alcançada por meio do movimentar ativo nas
correspondentes promoções de ensino.
3º) Os estudantes devem adquirir competências básicas de ensino para
refletir, teoricamente, suas ações de ensino.
4º) Superar as restrições habituais da teoria em Metodologia e Didática
das disciplinas esportivas, na prática do movimento da formação de
professores de Educação Física e recorrer aos campos de teoria.
Com o objetivo de explicar, como cada campo de movimento
(Tabela 5) pode ser organizado e desenvolvido em um currículo modula-
rizado, na sequência será descrito o Módulo Campo de Experiência e de
Aprendizagem e os seguintes “Campos de Movimento”:
a. “Correr, saltar e lançar”
b. “Movimentar-se com e sem aparelhos (ginástica)”
c. “Movimentar-se na água”.

Módulo 6 (B e L):
Campo de experiência e de aprendizagem
Seminário 6 (B e L):
Campo de movimento “Correr, saltar, lançar”
Possibilidades elementares de movimento
Correr, saltar e lançar são possibilidades elementares de movimen-
to do homem e são a base de muitas disciplinas esportivas e da cultura
diária de movimento e de jogo. Nesse sentido, as diferentes formas de
correr, saltar e lançar não devem ser ensinadas somente como disciplinas
esportivas de atletismo, mas sim em suas múltiplas possibilidades para
um se-movimentar orientado à saúde e também para o rendimento. Os
movimentos de correr, saltar e lançar devem ser ensinados, na formação
universitária, nas seguintes perspectivas:
1ª) Histórica: os estudantes devem reconhecer e entender que as formas de
movimento de correr, saltar e lançar, assim como a modalidade espor-
tiva de atletismo no seu desenvolvimento histórico, tiveram diferentes
sentidos e foram realizadas em distintos tipos de movimento. A refle-
xão sobre esses processos históricos devem elucidar uma compreensão
para os desenvolvimentos culturais e, assim, para a complexidade das
possíveis definições de sentido – também para atuais habilidades de
movimento/movimentos técnicas (Coletivo de Autores, 1992).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
169

2ª) Cultural: os estudantes devem reconhecer e entender que as formas


de movimento de correr, saltar e lançar possuem, nos diferentes con-
textos culturais, variadas definições de sentido.
3ª) Movimento Técnico: os estudantes devem reconhecer e entender que
os diferentes movimentos técnicos de correr, saltar e lançar são solu-
ções funcionais para determinados objetivos. A funcionalidade de um
movimento técnico depende, de um lado, do objetivo (que não tem
de ser automaticamente o objetivo de mais rápido, mais alto, mais
longe) e, de outro lado, dos pressupostos fisiológicos, condicionais e
coordenativos dos estudantes. Para saltar mais longe, por exemplo,
deve-se considerar diferentes pressupostos de coordenação e condi-
ções físicas dos aprendizes.
4ª) Orientada ao espaço de movimento: os estudantes devem reconhecer
e entender que os diferentes movimentos técnicos de correr, saltar e
lançar não são fixos para espaços/áreas esportivas, mas podem ser rea-
lizados no mundo de movimento do dia a dia das crianças e jovens.
Para reconhecer e entender os diferentes movimentos técnicos, os
estudantes devem:
no movimento de correr:
a) conhecer os diferentes sentidos de correr, desde o sentido orientado
à saúde até o sentido voltado ao rendimento. Eles devem reconhe-
cer e entender, que aos diferentes sentidos estão ligados diferentes
concepções de ensino e de treinamento;
b) saber praticar diferentes tipos de correr (corridas com e sem obs-
táculos, de diferentes distâncias, etc.);
c) conhecer e entender que aos diferentes tipos de correr estão vin-
culadas diferentes adaptações fisiológicas e, com isso, diferentes
possibilidades de treinamento;
d) ter a capacidade de mostrar os diferentes tipos de correr.
no movimento de saltar:
a) conhecer e praticar diferentes possibilidades de saltar (alto, longe,
com diferentes tipos de varas, com e sem barreiras, etc.);
b) conhecer e praticar diferentes concepções de ensino e de treina-
mento;
c) ter a capacidade de mostrar os diferentes tipos de saltar.
no movimento de lançar:
a) saber manejar os diferentes equipamentos (aparelhos) de lançar;
b) ter a capacidade de ensinar o manejo dos diferentes equipamentos
(aparelhos) de lançar;
170 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

c) entender e demonstrar os diferentes princípios de aceleração dos


diferentes equipamentos (aparelhos) de lançar (aceleração giratória
e retilínea) (Foto 87);
d) ter a capacidade de mostrar os diferentes tipos de lançar;
e) ter a capacidade de construir diferentes aparelhos/equipamentos
de lançar (Foto 88).
Foto 87 — Construção de um Foto 88 — Construção de um
martelo com barbante dardo com cabo de vassoura
e saco de areia e garrafa pet

Fonte das Fotos 87 e 88: NEP-Comefe/UFSM.


Na sequência vamos descrever experiências realizadas com alunos
e estudantes com os movimentos de saltar e lançar.

O movimento saltar como tema na formação


inicial em Educação Física
As pessoas sempre foram fascinadas por voar, e o anseio de voar
como pássaros é um antigo sonho humano. Este sonho encontrou seu
caminho na mitologia grega: Ícaro é aquele que tenta voar como um
pássaro e acaba morrendo.
Saltar, em nossa opinião, é, portanto, uma ação de movimento em
que podemos vivenciar a experiência de voar por um breve momento.
Nessa ocasião deixamos o terreno de apoio e realizamos a experiência de
estarmos livres da gravidade terrena, destacando-nos do chão, mas logo a
Terra volta para nós, a gravidade nos puxa de volta ao chão.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
171

Por mais que sejamos fascinados por voar, sempre associamos


essa experiência a um momento de possível perigo: fases longas de voo,
durante o salto, podem nos perturbar, causar medo e até pânico. Ao
saltar – com uma longa fase de voo – muitas vezesvivenciamos experiên-
cias arriscadas. Por iso, temos de aprender, por meio da experiência do
movimento, a dominar cada vez mais os perigos. O voo bem-sucedido,
no entanto, pode – especialmente por causa do risco latente – também
transmitir um senso especial de movimento. Com a experiência aumen-
tando, aprendemos a desfrutar de longas fases de voo.
Nesse contrexto de risco é importante considerar a necessida-
de de segurança de cada pessoa, para que ela não se sinta subjugada
pelo perigo, não apenas em razão da gravidade, mas pelo medo que a
mantém no chão. Especialmente na Educação Física há vários exem-
plos. Aquele que ensina sabe que as experiências com salto – positivas
ou negativas – chegam à sala de aula, que elas influenciam o processo
de aprendizagem de maneira sustentada. Experiências de salto bem-
-sucedidas podem ser viciantes, saltos malsucedidos podem bloquear o
processo de aprendizagem.
Saltar é a expressão da alegria e da felicidade. As crianças que são
felizes saltam e pulam, dificilmente conseguem ficar quietas, paradas.
Na dança, por exemplo, aquelas com saltos e passos de saltos são, geral-
mente, consideradas como expressões de alegria.
Em um curso de formação de professores de Educação Física,
fundamentado na teoria pedagógica de movimento, é fundamental que
no Campo de Experiência e de Aprendizagem “saltar, correr, lançar”,
seja tematizada a ação de movimento saltar e não o salto, por que, entre
outros fatores, os estudantes devem aprender a ensinar “saltar”, princi-
palmente para a Educação Física escolar. A partir disso surgem alguns
questionamentos:
1) Quais experiências de movimento podem ser transformados em expe-
riências individuais dos alunos?
2) É possível tematizar expressamente tais experiências nas aulas de
Educação Física?
3) Faz sentido, na disciplina da Educação Física, falar em saltar de modo
subjetivo e experimental?
4) Como esse modo subjetivo e experimental de saltar pode ser, dida-
ticamente, transformado de maneira que se torne um assunto de
ensino da Educação Física factualmente substanciado?
172 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

A questão crucial aqui é saber o quão significativas podem ser


as experiências e as vivências de saltar no ensino da Educação Física. É
importante identificar se são efeitos que vêm naturalmente ou são os
elementos centrais da Educação Física?

A atual discussão didática sobre o saltar


na Educação Física
Se examinarmos a literatura brasileira sobre a metodologia do
saltar, nota-se que na Educação Física devem ser ensinados os saltos e
não o “saltar”. As formas de saltos típicos da cultura esportiva são os
assuntos das aulas. No atletismo, o salto em altura, o salto em distân-
cia, o salto triplo, o salto com vara (etc.); na ginástica, os saltos livres,
saltos com apoio de mãos, saltos como cambalhotas, reversões à frente,
agachamentos e assim por diante; no salto de trampolim um repertório
fixo de habilidades de salto bem definidas; formas de salto integradas
nos jogos esportivos, como o salto de lançar no handebol, o salto para
o smash ou o bloqueio no jogo de vôlei e o salto de cabeceio no futebol;
na ginástica rítmica esportiva, os saltos com e sem aparelhos.
Em razão dessa prática acadêmica, na metodologia de ensino
aparecem dois problemas, quais sejam: a) é negligenciada a luta
(Auseinandersetzung = separação) autônoma e independente com a ação
de movimento do saltar; b) devido à orientação prioritária nas formas de
salto desenvolvidas no esporte e nas técnicas atuais de saltos de esportis-
tas como especialistas, o problema real do movimento do salto muitas
vezes não é mais reconhecido pelo aluno.
Infelizmente, uma variedade de possibilidades de saltar, sob dife-
rentes condições e significados, não é mais acessível ao aluno. Trata-se
do fenômeno da “exclusão motora” descrita por Hildebrandt-Stramann
(2013c, p. 29-40). Formas de salto, que podem resultar no engajamento
da atuação com diferentes situações de movimento, não são mais per-
mitidas no ensino de Educação Física. Elas são excluídas (ou negligen-
ciadas) em nome de outras formas “corretas” de saltos esportivos. Esse
processo de “exclusão motora” pode ser demonstrado com uma breve
retrospectiva histórica.
A discussão pormenorizada dos temas históricos do salto não
cabe neste momento, mas algumas reflexões fazem-se necessárias para a
compreensão do contexto em questão. Para Jahn e Eiselen (1985), fun-
dadores da ginástica alemã, o salto significava explodir-se por meio de
um impulso (Abdruck) de um ou ambos os pés. Com essa compreensão,
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
173

eles caracterizaram o saltar, como uma possibilidade básica de movimen-


to humano, que implica múltiplas intenções: saltar a distância, para o
alto, em profundidade, em diferentes modalidades, etc.
Saltar, no entanto, pode ser interpretado de maneira subjetiva.
Gasch, outro professor alemão que influenciou muito o desenvolvimen-
to da ginástica alemã, em 1920, não falou mais sobre saltar, mas sim
sobre o salto. Para ele, o salto foi uma “mudança do local do corpo”.
O corpo é “levantado do chão como uma massa estranha e jogado em
uma certa direção” (Gasch, 1920). Essa descrição corresponde à visão
científica natural do movimento, que predomina atualmente na ciência
do esporte: o salto não é mais descrito como linguagem de ação (empur-
rando, no ar), mas como linguagem passiva: mudança de localização
do corpo.
Esses termos da biomecânica, para serem entendidos pelo apren-
diz, precisam ser trazidos de volta à linguagem do movimento. Eles
precisam ser transportados, como argumenta Leist (1983), em uma “lin-
guagem de sentido e de lembrança”. Hildebrandt-Stramann e Taffarel
(2017, p. 105-112) chamam esse processo de “transformação didática”.
A transformação didática é uma capacidade que os estudantes devem
adquirir durante sua formação universitária, especialmente nos módulos
número 6 (B e L) e número 3 (L).
Torna-se claro que a orientação de saltar, para formas de salto,
também inclui uma perspectiva alterada na interpretação do movimento
humano.

Saltar como uma ação de movimento


Se na experiência de saltar – voar bem – os riscos e medos asso-
ciados à pessoa em movimento são importantes, como eles podem ser
incluídos em uma análise de saltar e como podem ser tematizados no
ensino de uma maneira apropriada? Como pode ser considerado, nesta
análise, o lado objetivo dos movimentos de salto vinculados às leis da
biomecânica?
Para discutir adequadamente essa questão devemos nos remeter
ao conceito da “teoria do movimento dialógico”, desenvolvido pelo
holandês Gordijn e introduzido no Brasil por Hildebrandt-Stramann
(2013a, p. 109-116) e Kunz (2010), por meio da teoria pedagógica do
movimento. O primeiro e mais importante ponto de vista de Gordijn
diz respeito a sua compreensão do movimento: “Ao observar as crianças
numa aula de Educação Física, é preciso tentar vê-las como corpos em
174 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

movimento. Mas isso não acontece. Não são corpos que correm, saltam,
lançam. São crianças que fazem isso” (Tamboer, 1985, p. 389). Assim,
não enxergamos nenhuma forma de movimento como Fosbury Flop,
reversão para a frente, salto de lançamento, etc., mas pessoas que se
movem de uma maneira específica. Este se movimentar, para o obser-
vador, faz sentido. Uma teoria do movimento útil deve referir-se ao se
movimentar, para a ação do movimento, e não ao “movimento” abstrato.
A tentativa de compreender pessoas em movimento, principal-
mente como corpos no entendimento anatômico-fisiológico (Tamboer,
1985, p. 389) do ponto de vista da mecânica do movimento, deve
falhar. Já Buytendijk (1956) debruçou-se sobre um conceito de movi-
mento humano. Para ele, o movimento humano não deve ser entendido
como uma modificação local de um corpo no espaço e no tempo. É
sempre um sujeito que se movimenta, uma situação em que há movi-
mento e um significado que é seguido pelo movimento.
Com base nessas considerações, Gordijn desenvolveu seu concei-
to de movimento humano, seu conceito de “compreensão dialógica do
movimento”. O movimento humano é um diálogo entre o homem e o
mundo. O termo “mundo” significa a totalidade de pessoas e coisas e
como elas se relacionam umas com as outras. De acordo com Gordijn,
a pessoa pode falar sobre comportamento quando um sujeito responde
para algo que está fora dele e assim responde ao que ele aborda (anspre-
chen) no mundo externo. Essa resposta é perceptível como uma resposta
de movimento, tem uma forma (Gestalt) e configura uma “forma de
significados subjetivos e objetivos” (Tamboer, 1985, p. 392).
O movimento, portanto, é compreendido como não sendo do
homem e nem do mundo, mas sim somente do seu relacionamento. Com
isso Gordijn quer expressar que ele não aceita uma separação das instân-
cias diferentes dentro do acontecimento; por exemplo, uma separação
do corpo e do espírito, do motriz e da intenção. A intenção, o sentido,
que preconfiguramos em relação à avaliação do resultado final, não pode
e não deve ser separada do que acontece nas modificações da posição do
corpo pelo movimento. O se movimentar sempre está cheio de inten-
ções, sempre é um homem que se movimenta. Esse movimento tem um
produto individual e especial. Dentro do diálogo, dentro desse jogo da
pergunta e resposta, o homem identifica significados motrizes das coisas
e dos outros homens. Ele projeta os significados na pergunta: “O que
poderia ser isso?”, e recebe o significado na resposta e no processo global
do diálogo (ver textos sobre o módulo 1 (B e L).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
175

O saltar é reconhecido como uma ação de movimento em:


a) uma pessoa que salta;
b) uma situação que quer ser entendida como saltar;
c) uma tipificação de maneira de saltar em termos de comportamento
espaçotemporal: saltar alto, saltar distante.
Isso, todavia, não é suficiente para determinar completamente
uma ação de movimento. É necessário ir ao contexto do significado em
que a ação de movimento de saltar está relacionada. Isso pode ser bem
ilustrado pela comparação de saltar no contexto de sentido do atletis-
mo e no contexto de sentido da ginástica. No atletismo saltar significa
“liberar-se do solo em relação a alcançar uma distância ou altura”. Saltar
na ginástica significa libertar-se do chão. O saltar na ginástca e o saltar
no atletismo podem ser claramente distinguidos: a intenção de saltar na
ginástica é “prolongar a fase de voo”; no atletismo se quer alcançar ou
superar um certo resultado, no sentido do olímpico altius, citius, fortius.
Ambas as perspectivas de sentido baseiam-se numa convenção
social. Elas são predefinições para aqueles que querem trabalhar com a
ginástica ou o atletismo. Se pretendemos descobrir as áreas de signifi-
cado do salto – e é isso que deve acontecer na Educação Física escolar
– então deve-se atentar para a ação de movimento de saltar no contexto
de quatro elementos:
1º elemento: a pessoa com a intenção de saltar. Assim, considera-se três
perspectivas subjetivas da ação de saltar: a) o saltar efetivo
como um problema de movimento para libertar-se do
chão, com a intenção de “explodir” no chão; b) o voar
como um problema de movimento distante do terreno
seguro, a dificuldade de equilibrar o corpo durante a flu-
tuação no ar; c) o pouso seguro como um problema de
movimento, aterrisar de forma eficaz mediante uma mini-
mização da energia do voo durante a aterrissagem no chão.
A essas perspectivas pertencem a vivência do saltar, o prazer
e os medos em voo livre ou na aterrissagem.
2º elemento: nos exemplos, esta perspectiva subjetiva de saltar sempre está
ligada com o mundo de movimento, que deve ser enten-
dido por intermédio do saltar. É o mundo no qual a ação
do movimento ocorre como um diálogo entre o homem
e o mundo. Essas são as situações determinadas pelas cir-
cunstâncias e coisas em que o saltar ocorre: o muro do
176 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

qual a pessoa salta para baixo; o fosso sobre o qual a pessoa


salta; o trampolim a partir do qual a pessoa salta para a
água. Nesse processo, o mundo e as coisas neste mundo são
experimentados como algo, ou seja, sua aptidão, para fazer
algo, para saltar de uma certa maneira: o trampolim como
uma ajuda para saltar para cima, permitindo longas fases de
voo; o plinto como obstáculo e apoio aos braços em saltos
ginásticos; a areia, o colchão macio e a água como área de
pouso, e assim por diante.
O mundo do movimento também inclui a diferença de altura
entre o ponto de partida e a água ou solo, a distância entre o trampo-
lim e o plinto – o que pode fazer com que saltar para baixo ou saltar
para cima signifique um risco ou um desafio. Movimentar-se, portanto,
sempre é relacionado ao mundo percebido.
3º elemento: em estreita relação com esse mundo do movimento, esco-
lhe-se uma modalidade particular de saltar, que é frequen-
temente descrita em termos espaçotemporais. Essa modali-
dade de saltar é perceptível como saltar de cima para baixo,
saltar para a distância e para a altitude, como um salto no
handebol ou como um salto para a frente, para trás ou um
salto giratório.
4º elemento: Não é apenas a combinação da intencionalidade subjetiva
com a adequação do mundo do movimento (os aparelhos
e objetos que determinam este mundo) que determina a
modalidade do salto, mas também o contexto do significa-
do como prescrição normativa. Esse contexto de significa-
do é decisivo para a atribuição e seleção das ações de saltar.
Para o “saltar” no atletismo são adequadas aquelas moda-
lidades de saltar que correspondem ao sentido de alcançar
ou exceder um resultado. Em contrapartida, na ginástica, o
salto em altura ou o salto com vara não se referem a longas
fases de voo, mas à racionalidade desses movimentos de
salto, para alcançar ou exceder as alturas claramente defi-
nidas. Especialmente para o ginasta, voar sem fim é uma
experiência decisiva ao seu salto. Para o atleta de atletismo,
essa experiência é um significado secundário, mas pode ser
muito importante para a motivação para saltar.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
177

Como mostrado aqui, os quatro elementos de saltar se relacio-


nam mutuamente. Para os professores, eles também fornecem categorias
de referência, com as quais eles podem reduzir e/ou reconduzir a prática
tradicional do saltar e as formas de movimento encontradas aos seus
determinantes e, assim, reconstruí-los.
Ao mesmo tempo, eles também dão indicações para a confi-
guração didática às ofertas de saltar nas aulas de Educação Física, por
exemplo:
a) acentuar certas fases da estrutura de ação (partir, voar, aterrissar);
b) auxiliar no planejamento específico da situação de movimento,
mediante predeterminados arranjos, por exemplo, uma seleção dos
aparelhos, determinação de distâncias, etc.
c) sugerir determinadas maneiras para saltar, propor ajuda para a condu-
ção do movimento no tipo de orientações espacial (para cima, para
baixo, lateral, a distância) e temporais e dinâmicas;
d) estimular o uso de significados abrangentes à ginástica e ao atletismo.

Como o saltar deve ser ensinado


Se movimentar é entendido como um diálogo vivo entre o
homem e o mundo, então é necessário evitar que alunos sejam obriga-
dos a aprender/executar padrões de movimento prontos. Se o padrão
de movimento é prescrito como obrigatório, então, em vez do diálogo,
ocorre a obrigação. Aprendizagem viva é substituída por modificação
comportamental. Para iniciar uma aprendizagem viva, isto é, dialógica,
seria necessário configurar uma aula a partir do processo de aprendiza-
gem aberto às experiências.
Ao fazer isso, nós nos orientamos nas três etapas de aprendiza-
gem de movimento, de acordo com Tamboer (1979). Este autor deno-
mina essas etapas como “transcendência de limites”. Ele diferencia entre
a forma“direita” de transcender limites, a forma “aprendida” e a forma
“criativa” ou “inventiva” (apud Kunz, 2010, p. 123).
A “forma direita” é a maneira livre de problemas de entrar no
mundo dos significados motores e das respostas livres que o corpo já
conhece pré-reflexivamente. É uma interação não perturbada entre
o sujeito e o mundo do movimento. Nesta interação, a relação entre
sujeito e o mundo do movimento é vivenciada holisticamente. Para
tanto, são necessárias situações de aprendizagem abertas, que garantam a
diversidade de experiências. O professor organiza situações de movimen-
178 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

to e confia no seu caráter de solicitação. Ele, por exemplo, preconfigura


um arranjo de aparelhos e permite que os alunos adquiram experiência
em relação a saltar de um plinto para uma colchão macio, saltar de uma
parede para o chão, saltar para cima, saltar de um colchão para outro,
saltar da borda da piscina para a água, saltar com uma vara no terreno
(ver exemplo prático de saltar com a vara a seguir). O professor evita
interferir na atividade, a menos que ela se torne perigosa. Ele deve estar
aberto a diferentes respostas de movimento dos alunos.
A “forma aprendida” é a maneira problemática de lidar com o
mundo do movimento, que exige explicitamente um processo de apren-
dizagem. O corpo não pode mais responder satisfatoriamente ao que
já sabe. A experiência de unidade do homem e do mundo, do primeiro
nível, é perturbada. Para superar essas dificuldades os alunos recebem
sugestões de aprendizagem, que incluem intenções de movimento e
nenhuma solução envolvendo determinados padrões de movimento.
Além das sugestões de aprendizagem, é organizado um arranjo
de aparelhos ou um arranjo de situações que ajudam o aluno a chamar
certos significados de movimento. O meio pelo qual o problema do
movimento pode ser resolvido é praticar ou treinar. A aprendizagem
acontece aqui por meio da imitação da intenção de movimento e não
como uma imitação de padrão de movimento. Essa aprendizagem cor-
responde a um conceito de movimento aberto, no qual os alunos são
sempre mantidos livres para encontrar respostas aos movimentos indi-
viduais, como soluções para os problemas.
Gostaríamos de ilustrar isso com um exemplo envolvendo o salto
com vara durante uma aula. Os alunos foram confrontados com a seguin-
te pergunta: É possível voar mais alto e mais distante com a ajuda de uma
vara? Com essa pergunta são destacadas duas intenções de movimento:
mais alto e mais distante, e as soluções de movimento não são predeter-
minadas. Para trabalhar com essa pergunta o professor solicitou que os
alunos utilizassem situações conhecidas dos saltos, das fases anteriores da
aula. Os alunos mediram seus resultados nos saltos em distância e altura,
com e sem vara, e os compararam. A diversidade de ideias dos alunos
foi grande. (veja o exemplo na sequência). Eles trabalharam em grupos e
começaram praticar e treinar saltar com a vara para resolver a tarefa; com
isso experimentaram e verificaram que ao se saltar com uma vara pode-se
saltar mais alto e mais distante do que saltar sem vara.
A “forma “inventiva” está conectada com o atributo “criativo”.
É o ponto no processo de aprendizagem que se baseia nas experiências
de aprendizagem dos níveis anteriores. Ao praticar no nível anterior,
CAPÍTULO 3
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179

a experiência de unidade do homem e do mundo é recuperada. Isso


abre para o aluno a possibilidade de criar. Por exemplo, ao saltar com
a vara, ele inventa que pode saltar sobre algo com os pés primeiro. Na
ginástica, o aluno inventa voltas no ar em torno do corpo transversal
ou longitudinal. Nesse nível do processo de aprendizagem, um ensino
programado e planejado, no sentido de um procedimento passo a passo,
dificilmente é possível.
Com o exemplo a seguir pretendemos ilustrar como o tema
“Saltar – experiências de movimento de saltar e voar” pode ser desenvol-
vido em uma turma de alunos do Ensino Fundamental – anos iniciais
(5º ano), cuja escola tem poucos recursos ou materiais pedagógicos.
Exemplo 1: Saltar com vara para entender a teoria
Um dos fenômenos mais sensíveis e interessantes no salto é a fase
do voo. A fase do voo só pode ser aproveitada e vivenciada quando se tem
a possibilidade de se ausentar do solo, de forma a alcançar uma altura e/
ou uma grande distância. Além do salto pelas próprias forças, há meios,
como o trampolim, que elevam o efeito do salto.30 As escolas públicas
com as quais interagimos em Santa Maria (RS), seja na década de 80
ou em 2019, não possuíam e não possuem trampolins. Assim, como
na década de 80, ainda hoje somente é possível desenvolver a atividade
com a autoconstrução de um trampolim (recurso pedagógico), com uma
câmara de pneu de trator/caminhão e de restos de câmaras cortadas em
tiras. Uma outra possibilidade de experimentar ou prolongar a fase de
voo é a utilização de varas de bambu, encontradas em grande quantidade
em meio à natureza. Com uma vara de bambu é possível fazer os alunos
sentirem “a sensação de voar”, um prolongamento da fase de voo (Fotos
89 e 901). Por isso, uma aula que tem por objetivo oportunizar essa expe-
riência aos alunos, deve iniciar as atividades com duas questões centrais:31
1ª) Como podemos saltar com uma vara (de bambu)?
2ª) É possível voar mais alto e mais distante com a ajuda de uma vara
(de bambu)?

30
Para entender o processo de aprendizagem motora, recomenda-se a Teoria do “stimulus-
response-effect-relations” (estímulo-resposta-efeito-relações), que é a base da explicação
científica do controle motor e da aprendizagem motora (Scherer, 2018, p. 197)
31
Ao procedimento didático nos guiamos pela concepção problematizadora (Beckmann;
Hildebrandt-Stramann; Wichmann, 2009, p. 31-44).
180 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Fotos 89 e 90 — Estudantes vivenciando a “sensação de voar”


com uma vara de bambu

Fonte das Fotos 89 e 90: NEP-Comefe/UFSM.

Com o objetivo de oportunizar a experiência a um grupo de


alunos do 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Santa
Maria (RS), o professor pediu para que os alunos se ocupassem, aos pares,
com a primeira questão (Como podemos saltar com uma vara?). Depois
de alguns minutos, todos se reuniram para apresentar as soluções encon-
tradas. Na sequência, foi abordada a segunda questão (É possível voar
mais alto e mais distante com a ajuda de uma vara?). A conversa, depois
de cerca de 10 minutos, trouxe várias possibilidades, posteriormente expe-
rimentadas na prática:
a. a vara pode ser usada como ajuda para saltar sobre um fosso
ou uma poça (Foto 91);
b. a vara, quando segurada na horizontal por colegas, serve como
obstáculo a ser vencido no salto (Foto 92);
c. na maioria das tentativas, a vara é apoiada no solo (Foto 93);
d. durante o voo segura-se a vara com ambas as mãos (Foto 94);
e. durante o voo a pessoa se afasta e se aproxima da vara para
voar mais alto e mais distante;
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
181

f. a vara também pode ser um obstáculo que mais prejudica do


que ajuda;
g. a vara pode ser solta durante o voo ou segura com apenas
uma das mãos.
Para desenvolver o segundo problema o professor pediu que os
alunos usassem as situações conhecidas de salto ou desenvolvessem novas
ideias. Eles deveriam medir seus resultados nos saltos em distância e altura,
com e sem vara, e compará-los. A variedade das ideias dos alunos foi
muito interessante. Vejamos alguns exemplos:
a. Situação de salto – Salto em distância: um grupo escolheu um
local com terra, no qual podiam marcar bem a posição de
saída e de chegada. A marca de saída serviu para cravar a vara
de bambu, e não podia ser ultrapassada. Um outro grupo
escolheu o gramado e marcou os pontos de saída e de chegada
com varas de bambu.
b. Situação de salto –- Salto em altura: uma vara de bambu, segu-
rada por dois alunos, serviu de obstáculo. A altura individual,
após o salto, foi medida com o aluno se posicionando em
frente à trave e fazendo uma marcação com giz no corpo.
c. Situação de salto – Terreno inclinado com diferentes alturas: os
dois grupos que treinaram uma altura específica haviam alte-
rado o problema proposto para uma competição. Consistia
em: salto em distância, com vara, a partir do barranco (sem
corrida) para baixo, e salto em altura para cima do barran-
co. Ambos os grupos foram aumentando, gradativamente, a
altura ao longo do terreno, que possuía diferentes alturas em
virtude da inclinação.
d. Situação de salto – Árvore: a altura das árvores era uma norma
predeterminada pela natureza de onde o aluno podia voar
mais alto e mais distante.
Para finalizar a aula o problema em questão foi novamente discu-
tido. A maioria dos alunos não obteve uma altura ou uma distância maior
com a vara. Na verdade, segundo relataram, ela os atrapalhou durante a
corrida e o salto. Alguns alunos, porém, não concordaram com a conclu-
são dos colegas porque conseguiram vivenciar situações de movimento
em que a vara foi fundamental para conseguirem maior altura e maior
distância.
182 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

No terreno inclinado, entretanto, tiveram outra experiência, pois


ao saltarem sem correr, com a vara apoiada no solo, puderam concen-
trar-se totalmente ao “serem levados pelo impulso no ar”. Para eles, foi
importante não ter medo durante o exercício de salto com a vara. Um
dos grupos de salto em altura observou que é possível saltar mais alto
segurando a vara mais acima. Argumentaram que dessa forma “pode-se
puxar melhor a vara para cima e se afastar dela”.
Ao final da experiência com os alunos do 5º ano concluímos que:
a. quase metade dos alunos respondeu negativamente ao proble-
ma proposto. Assim, discordaram da suposição de que a vara é
uma ajuda adequada às crianças desta idade, para prolongar a
fase de voo e, com isto, dar mais ênfase ao ato de voar;
b. numa sala de aula há opiniões divergentes sobre um mesmo
assunto;
c. alguns alunos têm condições de tematizar diferentes opini-
ões para si próprios. No salto em distância em um terreno
plano, a vara tornou-se um obstáculo e foi encarada como
um recurso pedagógico que dá medo. No salto em distância,
no barranco, a vara foi tematizada como amparo/auxílio de
aventura, isto é, como apoio para o ato de saltar;
d. para alguns alunos a vara foi um auxílio para a altura e/ou
para a distância do voo. Eles até argumentaram que “segu-
rando-se a vara mais acima, é possível saltar mais alto”. Nesse
caso, leis da Física (o princípio da alavanca) fazem parte da
experimentação dos alunos.
Em todas as experiências aconteceu o que denominamos de
“diálogo de movimento”. Os alunos comentaram que, em aulas anteriores,
nunca haviam tido a possibilidade de experimentar o salto com o auxílio
de uma vara. Por conseguinte, eles não tinham conhecimento sobre como
manejar uma vara. Conseguiram, contudo, resolver o problema por meio
da experimentação, pelo fazer, pelo vivenciar. Durante o processo ocorreu
um “diálogo” entre as crianças e o recurso pedagógico – a vara – de acordo
com as várias situações criadas por eles. Nesse diálogo o aluno descobriu
os segredos do manejo da vara, pois a experiência mostrou a ele a melhor
forma de saltar com esse recurso. A vara e as situações criadas substituíram
o professor.
Por fim, é importante frisar que é imprescindível o professor pos-
sibilitar condições de “coparticipação” no processo ensino-aprendizagem
para que as experiências possam ser vivenciadas plenamente. Os estudan-
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
183

tes de Educação Física devem aprender, durante sua formação acadêmica,


que o mundo de movimento nas aulas de Educação Física não pode ser
reduzido à reprodução de modelos motores preconfigurados. A criança,
no seu processo de desenvolvimento, necessita de estímulos motores aos
quais possa “dedicar-se valorativamente” e, nesse processo, transferir os
conhecimentos e experiências para o seu mundo diário.
Foto 91 — Saltar sobre o fosso Foto 92 — Colegas seguram
ou poça de água a vara na horizontal

Foto 94 — Salto em altura:


durante o voôo as duas mãos
seguram a vara na maioria das
Foto 93 — Vara apoiada no solo tentativas

Fonte das Fotos 91 a 94: Reiner Hildebrandt-Stramann.


184 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Exemplo 2: Oficina de Movimento


— produzir e lançar uma “bola cometa”
Durante o 1º Simpósio Internacional de Educação Física: cur-
rículo e didática, ocorrido na UFSM em 2019, foi realizada a “oficina
de movimento” com o tema lançar, como atividade-exemplo ao desen-
volvimento de um dos módulos denominados Campos de Experiência
e de Aprendizagem, da “proposta curricular modularizada” ao curso de
Educação Física – Licenciatura (ver Tabelas 2 e 3).
Uma oficina de movimento baseia-se num conceito de apren-
dizagem prática que vincula, de maneira bastante estreita, o “pensar e
o fazer” (Hildebrandt-Stramann, 2016b).32 Para que ela aconteça de
forma efetiva, devem existir aparelhos e materiais como escadas, cordas,
pranchas de madeira, pneus de caminhão e de retroescavadeira, bolas
de tênis, diferentes tipos de fitas, etc., com os quais os participantes
possam realizar experiências com o movimento; construir e modifi-
car, autonomamente, situações de movimento para escalar, balançar,
equilibrar, saltar, lançar, se movimentar na água, etc.; criar, inventar e
montar, autonomamente, materiais e aparelhos simples para o movi-
mento.
A aprendizagem prática significa possibilitar aos estudantes (da
universidade) e aos alunos (das escolas) a aquisição de experiências e
conhecimentos com os materiais, para que possam criar e inventar, com
eles, novas situações de movimento. Assim, eles podem aprender não
somente a se movimentar com segurança, mas também a desenvolver
um sentido prático adequado aos materiais, o que, consequentemente,
os levará a utilizar esses materiais com controle e confiança.
A filosofia antropológica básica do conceito de aprendizagem
prática parte do princípio de que as crianças não têm apenas necessi-
dade de conhecimentos escolares, mas também de experiências sobre
suas próprias capacidades de ação. Rauschenberger (1993) relaciona a
essa filosofia da ação autônoma uma certa imagem do ser humano em
crescimento. Esse ser é visto como alguém que procura e aprende por
meio do experienciar geral e que, nos seus primeiros passos, se aproxima
dos objetos de maneira descoordenada e espontânea.

32
Sobre a teoria da “oficina de movimento” ver Hildebrandt-Stramann e Taffarel (2017,
p. 51-66).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
185

Uma oficina de movimento deve permitir a espontaneida-


de e, como destaca Rauschenberger (1993, p. 237), deve mostrar
ao ser humano em crescimento as possibilidades de sua própria
realização prática, por intermédio da satisfação, do brincar e do
experimentar.
Um objetivo da formação universitária no campo de movimen-
to “correr, saltar e lançar” é oportunizar a autoconstrução dos materiais
e aparelhos pelos estudantes. No exemplo que descreveremos a seguir
os estudantes que participaram da Oficina de Movimento com o tema
“lançar” aprenderam a construir diferentes aparelhos/equipamentos de
lançar, como flechas, varas de arremesso (Foto 95), bolas em diferentes
tamanhos e bolas com caudas. Entre as bolas com caudas, os participantes
foram desafiados a construir e lançar uma “bola cometa” (bola com cauda
que voa) (Fotos 96 a 98), atividade que será descrita aqui.
Para construir a “bola cometa” são necessários os seguintes mate-
riais: a) bolas de tênis usadas; b) fita plástica; c) tesoura. A construção
inicia-se com a abertura de um furo na bola de tênis (uma fenda); na
sequência corta-se a fita plástica em tiras de 80 centímetros até 1 metro
de comprimento e em uma das pontas da fita faz-se um nó, que é intro-
duzido no furo (na fenda) da bola de tênis.

Foto 95 — Autoconstrução de uma Foto 96 — Seleção de materiais à


“vara de arremesso” autoconstrução de “bola cometa”
186 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Foto 97 — O comprimento da fita Foto 98 — A fita plástica deve ser


plástica deve ter 80cm a 1m inserida na fenda aberta na bola

Tanto na oficina da UFSM (Foto 96) quanto na oficina realizada


na escola pública, na qual os alunos também produziram e lançaram
“bolas cometas” (Fotos 97 e 98), é importante destacar:
A) lançar a bola com força, de forma aleatória, muito longe e/ou muito
alta, fez com que ela voasse por muito tempo. Nessa atividade a estu-
dante, que conduziu a aula na escola não estimulou reflexões sobre os
resultados e suas consequências, assim como não configurou outras
situações, a partir de outros materiais, como uma corda, por exemplo.
Segundo o professor Reiner, que acompanhou as atividades, se a aula
tivesse sido conduzida na base da reflexão, tanto os estudantes de Edu-
cação Física quanto os alunos teriam observado o seguinte: a) que se
pode colocar outros desafios e configurar outras situações no desen-
volvimento da tarefa, de modo que eles compreendam outras relações
entre o objeto – como uma corda esticada numa determinada altura,
por exemplo – e a fase do voo da bola; b) que quando lançam a bola
embaixo da corda o tempo de voo é menor do que quando lançam
a bola acima da corda; que há dependência entre a altura do lance, o
tempo de voo e a realização técnica do lance; c) que para lançar a bola
o mais longe possível é necessário o levantamento do braço para trás
e uma tensão de arco do corpo. As diferentes possibilidades de movi-
mentos e de tempo de voo da “bola cometa” permitiriam, por exemplo,
reflexões sobre os resultados biomecânicos básicos, como os princípios
da aceleração dos objetos e a relação entre o ângulo de lançamento e
a trajetória do objeto.
B) experimentaram, não só com a aceleração depois de um lance direto,
mas também com lances de rotação em torno do eixo longitudinal do
corpo e começaram a comparar as consequências dos diferentes tipos
de aceleração do objeto para a duração do voo.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
187

C) em duplas ou pequenos grupos desenvolveram diferentes jogos e ati-


vidades, incluindo regras preestabelecidas ou que foram sendo criadas
na medida em que desenvolviam a atividade (Fotos 99, 100 e 101).
D) os estudantes desenvolveram competências didáticas quando cons-
truíram, com os alunos da escola, as “bolas cometa” durante aulas de
Educação Física.
Foto 99 — Jogo com Foto 100 — Lança- Foto 101 — Jogo sin-
a “bola cometa” em mento, em pares, de crônico com quatro
pequenos grupos uma “bola cometa” “bolas cometa”

Fonte das Fotos 95 a 101: NEP-Comefe/UFSM.

Capacidades que estudantes adquirem durante


uma Oficina de Movimento
Os estudantes que participam de uma oficina de movimento,
como a proposta neste capítulo, adquirem quatro competências centrais:
1ª Competência: A capacidade de experimentar – os participantes expe-
rimentam o movimento em situações de movimento
autoconstruídas.
2ª Competência: A capacidade de construir – os participantes criam ou
inventam aparelhos e materiais de movimento e os
constroem.
3ª Competência: A capacidade de ensinar e cooperar – para os participantes,
a oficina de movimento pode ter a função de um lugar
de aprendizagem didática ou uma instituição de aper-
feiçoamento profissional na área da didática. A oficina
de movimento assume essas funções quando professo-
res e estudantes têm a possibilidade de experimentar
com a encenação de ensino e com diferentes tipos de
aprendizagem. Para professores, aulas livres durante o
dia escolar, quando eles têm a possibilidade de obser-
var os alunos e planejar com colegas projetos comuns,
pode ser um exemplo. Para os estudantes, a prática
188 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

com crianças pode ter o significado de um laboratório


pedagógico, em que podem treinar relações pedagógi-
cas com crianças. Em uma oficina de movimento os
estudantes devem ter a possibilidade de aprender de
maneira diferente, isto é, aberta, ativa, pesquisando,
descobrindo e criando. Eles precisam aprender dessa
forma para poderem ensinar nas aulas de Educação
Física desta maneira (capacidade de ensinar e cooperar).
4ª Competência – A capacidade de refletir teoricamente – os participantes
refletem sobre uma oficina de movimento com base
em diferentes teorias de movimento, por exemplo, nas
teorias da fenomenologia e da Gestalt (conexão entre
movimento e percepção), nas teorias de desenvolvimen-
to infantil e adolescente e nas teorias didáticas (como a
teoria da aprendizagem aberta à experiência e as teorias
sociais ecológicas).

Módulo 6 (B e L):
Campo de experiência e de aprendizagem
Seminário 1 (B e L):
Campo de movimento “Movimentar-se com e sem aparelhos”
A ginástica tradicional é dividida em cinco áreas olímpicas: barra
paralela, barra fixa, ginástica de argola, ginástica de solo e cavalo. Em
contraste, há uma classificação de tais movimentos que são caracterís-
ticos da ginástica: saltar, balançar, oscilar, escalar, girar, dobrar e equili-
brar. Na linguagem da fenomenologia, esses movimentos também são
denominados como “áreas de significado da ginástica”. Na Educação
Física é importante ensinar essas áreas de significado para que os alunos
também possam “chamar” os significados em termos de atividade física.
Para que isso seja bem-sucedido o professor deve ser capaz de transfor-
mar as áreas de significado didaticamente. Isso será explicado usando o
exemplo do campo de significado “balancar/oscilar”. Para que os alunos
explorem a área do significado “balançar/oscilar” eles devem:
– iniciar a balançar/oscilar
– ficar balançando/oscilando
– saber aumentar o balançar/oscilar
– saber terminar o balançar/oscilar.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
189

A tarefa do professor é oferecer aos alunos, em cada uma dessas


áreas de significado, situações de movimento nas quais possam invocar
esses significados de oscilação e, assim, preencher o campo de significado
“balançando/oscilando” com suas experiências de movimento. Partindo
destas reflexões introdutórias é possível formular as seguintes competên-
cias que os alunos devem adquirir.

Competências no campo de experiência e aprendizagem


“se-movimentar com e sem aparelhos”
Diferenciamos entre três níveis das competências:
1. Manusear aparelhos/materiais no sentido de se adaptar nos
aparelhos móveis.
2. Manusear aparelhos/materiais no sentido de construir situa-
ções de movimento.
3. Manusear aparelhos/materiais no sentido da cooperação, da
ajuda e da segurança.
1) Manusear aparelhos/materiais no sentido de se adaptar nos aparelhos móveis
Os estudantes devem:
• conhecer, apreender e entender o balançar, o saltar e o equili-
brar como os significados principais de ginástica;
• realizar tarefas de movimentos preestabelecidas com os temas
balançar, saltar e equilibrar com o objetivo de se adaptar nos
aparelhos móveis;
• realizar tarefas de movimentos construídas de maneira autô-
noma com os temas balançar, saltar e equilibrar com o obje-
tivo de se adaptar nos aparelhos móveis;
• estudar exemplos práticos apresentados na literatura e analisá-
-los sob os aspectos metódicos e didáticos do relacionamento
entre aluno e professor, da compreensão de movimento e de
ensino;
• desenvolver exemplos próprios de ensino para um dos signifi-
cados e refletir sobre os aspectos metodológicos e didáticos do
relacionamento entre aluno e professor e sobre a compreensão
de movimento e de ensino.
190 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

2) Manusear aparelhos/materiais no sentido de construir situações de movimento


Os estudantes devem:
• apreender e entender o desenvolvimento, modificação e rea-
lização das intenções de movimento por meio da construção
das próprias situações de movimento e entender isso como
um caminho metodológico na ginástica escolar;
• apreender e entender a ação recíproca entre atividades da
construção e de movimento e as possibilidades para uma
aprendizagem consciente nesta ação recíproca;
• estudar exemplos práticos apresentados na literatura e analisá-
-los com a intenção de utilizá-los nas próprias tentativas de
ensino no contexto escolar;
• desenvolver exemplos próprios de ensino e realizá-los na
forma de seminário com os estudantes ou no ensino escolar
com alunos.
3) Manusear aparelhos/materiais no sentido da cooperação, da ajuda e da
segurança
Os estudantes devem:
• apreender e entender que conhecimentos sobre segurança são
necessárias e são uma possibilidade da formação social;
• estudar exemplos práticos apresentados na literatura e analisá-los
com a intenção de utilizá-los para as próprias tentativas de
ensino no contexto escolar;
• desenvolver exemplos próprios de ensino e realizá-los na
forma de seminário com os estudantes ou no ensino escolar
com alunos.33

O próximo processo de transformação didática é descrito como


um exemplo concreto com o tema “Reversão para a frente”.

33
Todas as competências dos pontos 1, 2 e 3 podemos resumir sob a competência da
“transformação didática”.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
191

“Reversão para a frente”


— um exemplo para uma transformação didática
O tema da aula é salto de mãos ou reversão para a frente. O profes-
sor, no planejamento de sua aula, parte do conhecimento, fundamentado
na teoria da percepção, de que movimentos sempre refletem as experiên-
cias biográficas. Isto é, situações de movimento são consideradas, enten-
didas e respondidas sensivelmente na forma de pensamento e de motri-
cidade própria pelos homens levando em conta suas experiências prévias.
Por isso, o professor considera necessário começar com uma análise de
movimento na qual o aspecto biográfico é seguido.
No início da aula, os alunos (nas escolas) recebem uma cópia com
uma sequência de figuras com a tarefa de copiá-las em forma de croquis
simples (Figura 7). Então eles devem expressar em palavras o objetivo
do movimento, por exemplo, “saltar sobre as mãos e aterrissar em pé”.
Assim, eles devem estruturar o movimento em sequências e avaliar qual
é a sequência central de movimento para chegar ao objetivo formulado.
Os alunos começam a discutir, descobrem conexões e não estão todos de
acordo com a interpretação de uma sequência.
A próxima pergunta é sobre o nível funcional de análise de movi-
mento. Aqui trata-se do nível biográfico da motricidade. Os alunos devem
tentar colocar-se na posição na qual se encontra o movimento reconhe-
cido por eles como central. O professor pergunta: “O que vocês pensam,
o que sentem e o que isso lembra a vocês?”. O professor quer tornar
consciente esquemas da percepção existentes.34 Na maioria das vezes os
alunos lembram de três situações:
1) Carrinho de mão: os braços me apoiam e me transportam com segu-
rança.
2) Parada de cabeça, parada de mãos, entrada na água (“biquinho”): pés
para cima, cabeça para baixo.
3) Rolamento para a frente, salto em extensão: giro para a frente.

34
A base teórica para este procedimento didático são as teorias da aprendizagem motora e
aqui as teorias da percepção com as explicações de assimilação e acomodação e na base da
teoria sobre Ação – Efeito – Realizações (Scherer; Bietz, 2013, p. 129-147).
192 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Considerando sob o ponto de vista funcional, existem tanto lem-


branças positivas quanto negativas. O esquema de rolamento não é fun-
cional. Partindo dessas experiências biográfico-motrizes, o professor pode
oferecer aos alunos situações de movimento que:
1. possibilitem permanecer sobre a cabeça, estando esta baixa;
2. permitam aos alunos achar confiança na sua força de braços
e ombros;
3. deem condições aos alunos de fazer novas experiências de
extensão e hiperextensão. Importante é que tais experiências
de extensão sejam feitas, as quais vão contra as experiências
de rolamento.
A seguir, a prática mostra-se assim:
1) O professor coloca tarefas de descobrimento:
• uma pessoa completamente contraída deve ser colocada
de diferentes maneiras na parada de mãos;
• a elevação à parada de mãos deve ocorrer de formas dife-
rentes com o apoio do colega;
• com o auxílio do colega chegar à ponte/arco.
2) O professor oferece situações diversas de aparelhos:
• trapézio, barra fixa e corda grossa suspensa: tentar se
embalar suspensos pelos joelhos. Tentar sair dessa situação
de movimento com um apoio de mãos;
• colchões empilhados: tentar aterrissar com o corpo esten-
dido, da parada de mãos até a posição em pé;
• uma pista de corrida com elevação e com um lugar de
aterrissagem mais profundo;
• uma fileira de colchões com um lugar elevado de impulso
para as mãos;
• uma fileira de colchões com um lugar de aterrissagem mais
elevado.
Os alunos podem movimentar-se de forma autônoma, para lá e
para cá, entre estas situações de experiências.

Resenha didática
A característica para esta aula não é uma forma linear de procedi-
mento, mas sim uma maneira concêntrica. Um exemplo típico para um
procedimento linear são séries metódicas de exercícios que devem levar o
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
193

aprendiz a um objetivo predeterminado pelo professor. Em nossa área os


objetivos são muitas vezes padrões de movimento esportivo, pré-descrito
na forma de uma instrução inequívoca. Por outro lado, existe um pro-
cedimento didático holístico que, da perspectiva da teoria da Gestalt, é
denominado maneira concêntrica.
Figura 6 — A maneira concêntrica no procedimento didático

T = Tarefa

M = meta, objetivo
TT1
T1

Fonte: Os autores.

Nesta teoria didática cada tarefa apresenta por si mesma uma


experiência significativa e valiosa de movimento. Ela não é parte de um
todo, mas, sim, ela é o todo. Cada experiência de movimento, possibi-
litada pela tarefa, já é o objetivo. Deveria ser claro que este objetivo é
particularmente muito diferente, justamente porque as experiências dos
alunos seriam diferentes. Neste exemplo o aluno torna-se responsável pela
procura de informações, as quais recebe somente pelo experimentar. Dessa
forma, a tarefa do professor é:
a) configurar situações de movimento nas quais os alunos podem se referir
às experiências funcionais;
b) configurar situações de movimento que ajudam o aprendiz na modi-
ficação das percepções disfuncionais para percepções funcionais. Por
exemplo: o esquema de rolamento é disfuncional e tem de ser modifi-
cado para um esquema da extensão.
Esta modificação pode ser feita somente pelo próprio aprendiz. Ele
busca características de movimento que são determinadas pelas sensações.
A partir da teoria de aprendizagem motora, que se fundamenta na teoria
da Gestalt ou na teoria de percepção, sabemos que ninguém pode tirar
dos aprendizes esta procura a esse tipo de informações. Exatamente aqui
encontra-se a fundamentação teórica de movimento para a concepção
194 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

didática das aulas abertas às experiências. Infelizmente este fundamento


básico não é considerado pela maioria dos professores. Não é a forma
física de como obter conhecimento que nos auxiliará a ir adiante, mas
sim a forma filosófica e psicológica. Sobre isso, em 1956, Buytendijk já
chamava a atenção em sua obra sobre a teoria geral do posicionamento
corporal e movimento humano.
Retornando ao exemplo da aula: Como podemos avaliar didatica-
mente este exemplo sob o aspecto da concepção das aulas abertas à expe-
riência? No âmbito temático podemos constatar uma predeterminação.
O tema geral é ginástica em aparelhos, o tema especial é salto de mãos.
A intenção é de que os alunos devem aprender algo. Também é prede-
terminada uma organização de aprendizagem. Há, no entanto, também
uma abertura temática a qual diz respeito à forma do movimento. O
movimento não é dado de uma forma regulamentada, mas sim na forma
de descrição de um problema e de uma intenção. Fica em aberto como o
problema deve ser solucionado. Não há predeterminações das soluções,
não há predeterminações das formas do movimento. Há simplesmente
uma descrição do que devemos fazer.

Figura 7 — (Tradução) Reversão para a frente segundo Mitsukuri, Japão

Fonte: Hildebrandt-Stramann.
CAPÍTULO 3
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195

Módulo 6 (B e L):
Campo de experiência e de aprendizagem
Seminário 5 (B e L):
Campo de Movimento “Movimentar-se na água”
As aulas de natação na escola auxiliam as crianças e adolescentes
no processo de aprender a nadar e de usar a água de várias maneiras. O
objetivo é que as crianças e jovens desenvolvam neste processo confiança
na e com a água.
Crianças e jovens devem vivenciar o “se-movimentar na água”
como uma ação prazerosa. No ponto central desse objetivo está o desen-
volvimento do “sentimento de movimento na água” (Lange; Volck, 1999,
p. 21). Refere-se à capacidade de “reagir apropriadamente às condições da
água, percebê-la com sensibilidade no movimento e aprimorar o movi-
mento” (Lange; Volck, 1999, p. 21). Este objetivo vale para todos os
estágios do processo da disputa motora do homem com o elemento água.
A seguir serão discutidas as condições pedagógicas e didáticas fun-
damentais para o desenvolvimento do “sentimento de movimento na
água”. Para esse fim, dividimos nossas considerações da seguinte maneira:
em um primeiro passo é esclarecida a compreensão do “sentimento de
movimento na água”. No segundo passo o campo de movimento “Movi-
mentar-se na água” é dividido didaticamente em três etapas do confronto
motor com a água, ou seja: o confronto exploratório (1º nível), o con-
fronto de nadar (2º nível) e o confronto criativo (3º nível). Na terceira são
apresentadas as principais características de um conceito de mediação.35

Sentido de movimento na água para o campo


de movimento “movimentar-se na água”
Uma habilidade tão complexa como a “sensação de movimento
na água” só pode ser desenvolvida a partir de experiências elementares de
movimento que crianças e adolescentes adquirem ao lidar com a água,
suas ambivalências e suas características especiais. Tais experiências ele-
mentares de movimento são, por exemplo, que:

35
Este procedimento didático foi a base para o curso na CM “Movimentar se na água”
com os estudantes de Licenciatura. Um dos objetivos era que os alunos adquirissem a
“capacidade de transformação didática”.
196 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

• Podemos ser carregados pela água.


• Podemos afundar na água.
• A água provoca resistência aos movimentos.
• Podemos deslizar sobre e sob a superfície da água como uma
“flecha”.
• Podemos empurrar a água e sermos puxados por ela.
• Temos de nos reorientar na água devido às mudanças que ela
provoca no nosso sentido de equilíbrio.
• Podemos entrar na água de diferentes maneiras.
• Nadar em grupos pode ser uma forma especial de relaciona-
mento social de movimento na água (Figura 8).

Figura 8 — Experiências de movimento para o desenvolvimento


do sentido de movimento da água
7. Vivenciar e experimentar q
ue a gente pod e respirar
8. Vivenciar e experienciar calma e uniformemente 6. Vivenciar e experimentar
que a gente pod e ent rar na ág ua d u rante atividad es como a gente pod e
na ág ua com diferentes d e movimento emp u rrar a ág ua e
tipos d e movimento s er p uxado pela ág ua

1. Vivenciar e experimentar 5. Vivenciar e experimentar


que a gente pod e s er Sentidos d e movimentos que a gente pod e d eslizar
levada pela ág ua e na ág ua sob re e sob a
que a gente pod e su perfície da ág ua
flu t uar, afundar e reflu t uar

2. Vivenciar e experimentar 4. Vivenciar e experimentar


como a s ensação d e 3. Vivenciar e experimentar que a ág ua f reia os
equilíb rio muda na ág ua e que a gente pod e afundar movimentos e como
como a gente tem d e s e na ág ua e que pod emos lidar com
orientar d e maneiras diferentes o mundo d ebaixo este fenômeno
d'ág ua é diferente

Fonte: Hildebrandt-Stramann.

Todas as experiências referem-se às forças e efeitos especiais do


elemento água: experiências de flutuabilidade, da pressão da água, da
resistência, da gravidade, da hidrodinâmica. Ao mesmo tempo, esses
fatos transmitem experiências corporais: a água pressiona o corpo e
desacelera os movimentos rápidos, quando mergulhamos sentimos a
falta de peso do corpo, enquanto no banho de mar a gente sente a força
das ondas.

Etapas do encontro do movimentar-se com o elemento da água


O processo de aprendizagem do movimentar-se é diferenciado sob
uma perspectiva fenomenológica entre três “formas de transcendência de
limites”: A forma correta de “transcender limites”, a forma aprendida e a
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
197

forma inventiva (Tamboer, 1979; Kunz, 2010, p. 123). O que isso signi-
fica no contexto do campo da experiência e aprendizagem “movimentar
se na água” é esclarecido na sequência.
1. A forma correta de “transcender limites”
ou a transcendência exploratória
As mencionadas condições físicas da água, por um lado, e as
experiências corporais ligadas com estas condições físicas, por outro, são
circunstâncias importantes para a estruturação dos processos de aprendi-
zagem nesta etapa do encontro exploratório com o elemento água. Ilus-
tramos isso com o seguinte exemplo: muitas vezes observamos crianças
que se movem nadando peito, fazendo uma forte inclinação do corpo na
água. Uma das principais causas nos parece ser que essas crianças ainda
não ganharam confiança na carga da flutuação da água e, portanto, levam
a cabeça contraída no pescoço e colocam a cabeça bem contraída sobre
a água, bem como procuram com os pés um contato seguro com o solo.
Para aqueles que ainda não tiveram qualquer experiência de flutuação
(veja o ponto 1 na Figura 8) a água não tem o significado de ser um
elemento de suporte de carga.
Então ela não perceberá a água como tal elemento, pelo menos
não até que tenha tido essas experiências. As ações nas quais percepções
transmitem diretamente significados estão sob a influência de sistemas
psíquicos superiores de motivação e emoção. Por isso, para os alunos
observados não é possível entregar-se pela capacidade de suporte da água,
por que têm medo de afundar nesse elemento. O quadro de referência
superordenado “afundandar na água e estar sem ar” marca o fato para
possíveis percepções. Em tais casos, primeiramente é necessário mudar
o sistema de referência superordenado, a fim de abrir caminho para o
aprendiz ter percepções relevantes. Deve ser considerado, no entanto, que
as capacidades de flutuação da água só podem ser percebidas na interação
ativa com ela. Para essas crianças, assim como para aqueles que não preci-
sam voltar a esse quadro de referência, oferecemos situações experienciais
nas quais elas podem experimentar fisicamente a capacidade de suporte/
carga da água com tais materiais para que possam se sentar, ficar em pé,
deitar sem afundar. Somente uma reestruturação fundamental dos esque-
mas de percepção existentes – no exemplo dos esquemas disfuncionais
– leva à realização do objetivo deste passo: mover-se livremente na água e
ser capaz de desenvolver as primeiras formas de movimento do nadador.
198 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Outros conteúdos deste passo são as experiências elementares de


movimento descritas anteriormente para o desenvolvimento do sentido de
movimento na água. O ensino visa, precisamente, ao que Tamboer (1979,
p. 17) denomina de experiência do sentido de “transformação direta”.
Assim, uma aula de natação pode começar com o desenvolvimento de
um amplo espectro de movimentos para a permanência na água. Movi-
mentos em, para entrar na e sob a água são experimentados sob o aspecto
de diferentes maneiras de lidar com esse elemento (correr, nadar, saltar,
esguichar, mergulhar, pairar, criar ondas, etc.).
A partir destas situações de livre exploração, via de regra, resultam
situações de movimento de “mover-se na água”, “não afundar na água”,
“afundar na água”, “mover-se debaixo d’água” e “entrar na água “. Nós
pegamos esses eventos de movimento e os transformamos em perguntas
problemas, tais como: “Como se propulsiona na água?”, “Como sentir a
força da água?”, “Como afundar na água ou evitar afundar?”, “Como se
mover debaixo d’água?”, “Como você pode tornar os momentos debaixo
da água mais interessantes?” (Ver também Frankfurter Arbeitsgruppe,
1982, p. 104; Hildebrandt-Stramann, 2001b, p. 9-11).

Foto 102 — Experi- Foto 103 — Como Foto 104 — Meios de


mentos com colchões andar no solo da ajuda para ampliar a
para sentir a força da piscina? propulsão
flutuação da água

Fonte das Fotos 102 a 104: Reiner Hildebrandt-Stramann.

Ao lidar com essas questões os alunos experimentam as leis fisicas


da água e como podem infuenciá-las. Tal procedimento permite perce-
ber fenômenos como flutuação, propulsão, pressão da água, etc., de um
ponto de vista subjetivo, de modo que o contexto original de fenômenos
e descobertas torna-se o foco dos pensamentos e ações dos aprendizes.
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
199

2. A forma aprendida de transcender limites ou a


transcendência para aprender a nadar
O problema fundamental nesta etapa “explorar nadando” da situa-
ção do movimento na água é o uso do contexto sobre o efeito entre a
flutuação, o impulso e a resistência para o aumento da propulsão (Lange;
Volck, 1999, p. 21). Partindo de uma compreensão funcional de movi-
mento, surge a questão para o nadador: O que ele precisa fazer para garan-
tir a flutuabilidade, gerar propulsão e não apenas superar a resistência, mas
também usá-la economicamente?
Em resposta a essa questão, Lange e Volck (1999, p. 22) propõem
o seguinte padrão de solução tridimensional: o nadador se move deitado
(numa posição horizontal na água), se traciona pela água e se empurra
na água. Esse padrão de solução vale para todos os tipos de locomoção
do nadador.
Sob a perspectiva da flutuabilidade, é importante que o nadador
encontre uma posição corporal favorável ao fluxo de água. Para obter a
maior propulsão possível, as mãos e braços são colocados em uma posição
adequada para a tração. Quando o nadador sentir a resistência da água, ele
se puxa por ela e simultaneamente avança de maneira acelerada. Torna-se
claro que no segundo passo de lidar com a água trata-se de uma “passagem
aprendida” (Tamboer, 1979), por que tais padrões de solução o aprendiz não
consegue realizar imediatamente, mas devem ser treinados intensivamente.
Figura 9 — Habilidades básicas do nadador para
desenvolver um sentido de movimento da água

Sentido d e movimento da ág ua

Capacidad e

Saber adap tar d e forma


Reagir sit uacionalmente Perceber s ensivelmente s ensível os movimentos
ap rop riada às condições as condições da ág ua na ág ua às condições
da ág ua da ág ua

Mover-s e d eitado
Puxar-s e at ravés
na ág ua/numa Emp u rr ar-s e da ág ua
da ág ua
posição horizontal

Fonte: Hildebrandt-Stramann.
200 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

O sentido necessário para essas soluções de movimento requer


uma alta qualidade da interação entre percepção e movimento: uma
interação que flui da ação e reação, de sentir e efetuar, ajustar e
modelar... a percepção de constantes mudanças nas relações entre o
nadador e as condições da água (Hildebrandt-Stramann, 1990). Assim
o nadador modifica as forças da pressão e do fluxo de água enquanto
ele, por exemplo, nada crawl e puxa seu braço através da água, aumen-
tando a velocidade. Para ganhar uma boa propulsão ele deve ser capaz
de ajustar simultaneamente o movimento do braço à mudança dinâmica
da água. O objetivo deste passo é o desenvolvimento de uma ampla base
de experiências e soluções coordenadas do padrão básico funcional com
a expressão de uma forma sucinta de movimento (prägnante Bewegun-
gsgestalt), no sentido de uma técnica individual básica.
Na configuração de situações de ação dentro e com a água tra-
ta-se da aplicação e consolidação dos adquiridos padrões funcionais
de solução e “da diferenciação das soluções de acordo com diferentes
contextos de utilização e significados” (Lange; Volck, 1999, p. 23). As
tarefas de coordenação são adequadas para a aplicação e consolidação
dos padrões funcionais de solução adquiridos. Isso, no entanto, pressu-
põe que as exigências coordenativas sejam baseadas nos padrões funcio-
nais de solução de deslizar/estender, puxar e empurrar.
É sempre importante, do ponto de vista metodológico, lembrar
que os alunos têm a oportunidade de projetar e variar movimentos bem
conhecidos baseados em critérios. Assim, pode ser colocada a tarefa, por
exemplo, de testar diferentes variações de empuxe na resistência à água
(nadar crawl com os dedos unidos/afastados ou com a mão fechada,
ou nadar crawl com as mãos e braços tracionados pela água de maneira
lenta ou rápida) ou explorar a influência de diferentes posições corporais
na água para o deslizamento.
Outro requisito altamente coordenativo para o aprendiz são as
tarefas de coordenação, nas quais o nadador estende os padrões funcio-
nais de solução adquiridos para as técnicas dos quatro estilos de natação
e as combina. Destes exercícios resultam combinações como nadar de
peito com a braçada do estilo crawl e pernada do peito, o golfinho com
pernas do golfinho e braços do peito e assim por diante em várias com-
binações (Frank, 2002).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
201

3. A forma inventiva ou criativa de transcender limites


Nós definimos o passo da configuração de situações de ação
em e com a água de acordo com o conceito dialógico de movimento
de Tamboer (1979), como a “passagem inventiva ou criativa de habi-
lidade”. Estes incluem – como descrito anteriormente – a aplicação
e consolidação de padrões funcionais de soluções adquiridos e a dife-
renciação das soluções de acordo com distintos contextos de uso e
significados.
Por exemplo, os movimentos do nadador mudam quando a
orientação de sentido da natação muda. Natação relaxante e medita-
tiva, por exemplo, no estilo de peito, exige uma fase de deslizamento
muito pronunciada, enquanto essa direção de sentido no estilo de costas
requer o uso de material de flutuação. Para natação orientada para fitness,
podem ser criados com os alunos planos individuais de treinamento
que, por exemplo, estão alinhados a um nadar no estilo crawl lento e
perseverante.
Uma diferenciação exigente nas aulas de natação na escola é
nadar em figuras ou imagens. A natação em figura só pode ser realizada
em grupos. Imagens na água referem-se às figuras formadas pelos alunos
por meio dos movimentos de seus corpos na água. Essas figuras podem
ser variações de círculo, estrela, cruz e linha que os alunos não podem
criar sozinhos, mas apenas em grupos. Os critérios de realização são
movimentos equilibrados e harmoniosos com simultaneidade ou com
mudanças rítmicas de movimentos de todos os alunos. Diferenciação
adicional ocorre quando os alunos conectam as figuras individuais para
formar uma coreografia (ver Figura 10).
Além disso, neste nível a configuração de situações de ação dentro
e com a água faz parte de um ensino interdisciplinar. Em tal ensino trata-
-se do desenvolvimento dos assuntos relacionados ao movimento, no qual
o princípio de fazer e pensar/discutir é fundamental. Um exemplo desse
ensino interdisciplinar (aulas de natação/ensino da disciplina “matérias”
no Ensino Fundamental) é o estudo do tema “sentir a força da água” (Ver
Hildebrandt-Stramann, 2009b, 2010).
202 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Figura 10 — Situações de ação para a diferenciação


do sentido de movimento da água

Sentido d e movimento da ág ua

Config u rar sit uações d e ação na e com ág ua

Aplicação e consolidação Diferenciação das soluções


d e adquiridos pad rões d e acordo com diferentes
funcionais d e solução contextos d e uso e significados

Combinação
Natação Natação Nadar Config u rar
dos
orientada Natação orientada Natação
diferentes em saltar
para d esportiva para a meditativa
estilos g ru pos na ág ua
fitness avent u ra
d e nadar

Fonte: Hildebrandt-Stramann.

Noções básicas para um conceito de mediação


Numa aula de natação que tem como objetivo transmitir o
sentido de movimento na água, o propósito é oferecer aos alunos situa-
ções de ação que “animam” o conteúdo de ensino por meio da configu-
ração e do treino autodeterminado (Lange, 2001, p. 269) e que dessa
forma os participantes sejam capazes de gerar os temas de movimento de
maneira independente. Em termos de teoria educacional, isso significa
duas coisas, ou seja, configuramos com eles um ambiente de ensino que
1) faz contribuições para a autoeducação por meio da prática autode-
terminada e
2) contribui para o desenvolvimento de competências de movimento
(Ver Hildebrandt-Stramann; Laging, 2005).
Tal ambiente educacional é caracterizado por situações de expe-
riência que desafiam o encontro e o confronto com o elemento água.
Princípio é o conhecimento pedagógico do movimento que a instrução
não ensina, mas a situação sim. Situações de experiência colocam exigên-
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
203

cias diferentes. Por meio de sugestões de aprendizagem com sentido de


tarefas de movimento36 exige-se ações de movimento e não padrões de
movimento.
Sua qualidade consiste em conciliar as condições subjetivas dos
alunos com as exigências objetivas (por exemplo as condições da água) e
provocar novas soluções e experiências. Tais soluções individuais podem
ser discutidas com os alunos a partir requisitos funcionais comparativos.
“A diretriz não pode ser ‘certa’ ou ‘errada’, mas sim a adequação das solu-
ções sob as respectivas condições (subjetivas e objetivas)” (Lange; Volck,
1999, p. 24). Com base na funcionalidade de diferentes comportamentos,
este tipo de ensino e aprendizagem descrito aqui também deve desenvol-
ver estilos atuais de natação. A orientação prematura para tais padrões de
movimento é um obstáculo ao desenvolvimento de ações de movimento
funcionais, ao desenvolvimento de esquemas diferenciados de percepção
e ação, à coleta de experiências de movimento e ao desenvolvimento do
sentido de movimento.
Estas considerações aplicam-se ainda que uma técnica de natação
seja desenvolvida no sentido da natação esportiva. Atribuir o preconceito
generalizado de que a mediação, que não é orientada para técnicas ideais
de movimento, leva à aprendizagem de padrões errados de movimento, é
se opor ao raciocínio anteriormente explicado sob o aspecto da funciona-
lidade em conexão com uma “consciência de valor ao fazer” (Christian,
1963; Leist; Loibl, 1990). Nesse sentido, um estudo empírico sobre os
efeitos de uma mediação orientada nas experiências de movimento e não
nas técnicas formais não apresentou déficits de rendimento em relação aos
tempos de natação medidos, mas fornece justificativa para a suposição,
por exemplo, de chegar a um amplo espectro de experiências e um pro-
cessamento cognitivo mais profundo dos problemas descritos em termos
das inter-relações das ações, variações das ações e efeitos correspondentes”
(ver Oesterle, 1992 apud Loibl, 1992, p. 31).
As considerações apresentadas para este módulo baseiam-se em
uma teoria do movimento, que o entende como um diálogo entre o
homem e o mundo (Tamboer, 1979). Partindo dessa base de referência,

36
“Tarefa de movimento” é um método para encenar processos de ensino/aprendizagem.
Uma “tarefa de movimento” descreve claramente o que a gente deve fazer, mas não como,
isto é, não determina a ação motora do aprendiz, como ele deve realizar o movimento.
Em contraste com isso está a instrução de movimento, que descreve exatamente como
o aluno deve se mover. Na concepção didática das aulas abertas à experiência a “tarefa
de movimento” é um método básico para encenar processos de aprendizagem.
204 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

o movimentar-se na água deve ser entendido como um processo de


disputa relacionado ao movimento do sujeito com o elemento água.
No diálogo do movimento com as forças dinâmicas e ambivalências da
água, o sujeito desenvolve e aprende as formas adequadas de lidar com
esse elemento e traz à tona seus significados subjetivos de movimento
da água. “No diálogo do movimento, o indivíduo projeta sua relação
com a água e desenvolve em um diálogo bem-sucedido um sentido de
movimento na água” (Lange; Volck, 1999, p. 20).

Exemplo: “Homem e água”


— um exemplo para uma transformação didática
Ponto de partida para um curso de movimentar-se na água com
estudantes é a decisão didática para um procedimento orientado ao pro-
blema (Beckmann; Hildebrandt-Stramann; Wichmann, 2009). O tema
“homem e água” como ponto de partida num curso deste “campo de
movimento” implica uma visão filosófica existencial: quando as pessoas
entram na água, elas precisam sobreviver nesse elemento. Para sobre-
viver, elas devem garantir que não afundem e que tenham oxigênio.
Todo ser humano é confrontado com essa questão existencial quando
entra no elemento “água”. Imediatamente surge a pergunta: O que os
humanos devem fazer para não afundar e também garantir o abasteci-
mento de oxigênio? Antes, contudo, que o homem esteja na água, ele
deve primeiro entrar na água. Um problema inicial surge: Como entrar
na água como um ser humano?
Do ponto de vista do desenvolvimento, a questão deve ser exami-
nada e testada no processo de desenvolvimento da criança para o idoso.
O tópico de ensino atual é: Como eu entro na água? Para crianças e ado-
lescentes, no entanto, o mundo subaquático é pelo menos tão interessante
quanto o mundo acima da superfície da água. Na mitologia, as pessoas
estão interessadas no que pode ser descoberto no misterioso mundo suba-
quático. Todos conhecem as histórias sobre o monstro do Lago Ness ou
sobre os caçadores de tesouros, como barcaças de ouro perdidas, entretan-
to nossas piscinas hoje são clinicamente limpas, nas quais você pode olhar
para o fundo e enxergar o piso. Na verdade não há nada para descobrir na
piscina sob a superfície da água. Neste contexto, surgem duas questões:
1ª) O que tenho que fazer para ficar debaixo da água?
2ª) O que podemos fazer para tornar o mundo submarino novamente
interessante, para que valha a pena ir até lá?
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
205

Como referido, o ser humano, como depende do oxigênio, não


é feito para uma estadia subaquática longa. Assim, surge o problema
de fornecer oxigênio embaixo da água, caso você queira estender sua
estadia subaquática. O problema posto é: O que posso fazer para pro-
longar minha permanência embaixo d’água? Uma perspectiva de sentido
decisiva para permanecer na água é o movimento na água. Uma solução
de movimento é a locomoção do nadador. A questão-chave é: O que o
nadador precisa fazer para se locomover na água? A resposta pode ser
encontrada na visão fenomenológica do movimento:
1) Mover-se horizontalmente na água.
2) Puxar-se na água.
3) Empurrar-se na água (ver a Figura 9).

A aula de natação tradicional reduz as soluções de movimen-


to para as habilidades de natação de nado crawl, costas, peito e gol-
finho. Propomos uma mediação baseada nas funções do movimento:
o que fazer para tomar uma posição horizontal na água, puxar-se na
água, empurrar na água, aumentar a propulsão e assim por diante.
Por exemplo, para aumentar a propulsão, os nadadores devem sentir
a pressão da água.
Para este propósito soluções adequadas podem ser barbatanas
de mãos e pés autoconstruídas. Coletes salva-vidas autoconstruídos
são ideais para prevenir mergulhos na natação e ajudar a guiar seus
braços sobre a água para trás e para a frente. Importante é que os alunos
tenham a oportunidade de experimentar com seus movimentos as solu-
ções subjetivamente apropriadas para solucionar o problema da loco-
moção.
Além disso, neste ponto de um curso de natação, diferentes pers-
pectivas de sentido podem ser discutidas e testadas. A natação orientada
para a saúde exige um estilo de natação e velocidade diferentes daquela
baseada na competição. Resumidamente: um curso universitário de
natação deve tematizar as seguintes perspectivas:
1) Para dentro da água.
2) Não afundar na água.
3) Afundar-se na água.
4) Locomover-se na água.
5) Locomover-se na superfície da água.
206 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

Temas para a perspectiva “para dentro da água” podem ser:


– Como podemos penetrar na superfície da água sem perigo?
– A posição e a condição (elasticidade) do corpo.
– Entrar na água com grande resistência?
– Entrar na água sem resistência?
– Saltar e rolar para dentro da água.
– Saltos de cabeça.

Temas para a perspectiva “não afundar-se na água” podem ser:


– Como não afundar na água?
– A gente pode andar sobre a água?
– Eu sou mais leve/mais pesado do que água?
– Movimentar-se é uma solução para não afundar?

Temas para a perspectiva “afundar-se na água”


– O que a gente precisa fazer para afundar na água?
– Como a gente pode alongar a permanência abaixo da superfície da água?
– Eu sou mais pesado ou mais leve do que a água?
– De onde vem a flutuação?
– Como a gente pode aprender a mergulhar?
– A gente pode andar abaixo da superfície da água? (ver foto 105)
– Como a gente pode receber ar abaixo da superfície da água?
– A gente pode levar ar para baixo da superfície da água?
– Como a gente pode depositar ar abaixo da superfície da água?
– Como a gente pode configurar o mundo aquático abaixo da superfície
da água de forma mais interessante? (Foto 105).

Temas para a perspectiva “locomover-se na água”


– Como a gente pode mover-se na água?
– Quais possibilidades de propulsão nós temos?
– Como a gente pode mover-se rapidamente/resistente na água (com
facilidade)?
– O que o nadador tem de fazer para nadar crawl, peito?
– Movimentos diferentes de braços, pernas.
– Quais ajudas da propulsão existem?
– Como podemos construir pés de pato?
– Como podemos construir formas de auxílio para a flutuação? (Foto
106).
CAPÍTULO 3
Proposta de Currículo Modularizado ao Curso de Educação Física Licenciatura do CEFD da UFSM
207

Foto 105 — Andar abaixo Foto 106 — A autoconstrução


da superfície da água de barbatanas
com pesos na mão

Fonte das Fotos 105 e 106: Reiner Hildebrandt-Stramann.


CAPÍTULO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de formação em Educação Física e, portanto, a reestru-
turação curricular, é um processo teórico complexo que requer a partici-
pação efetiva de docentes, estudantes, técnicos em assuntos educacionais
(TAEs) e das instituições receptoras, por intermédio de um diálogo acadê-
mico-científico. Embora, historicamente, essa aproximação nunca tenha
sido tarefa fácil no Brasil e o processo de formação tenha sempre estado
longe de uma unanimidade teórica, o CEFD da UFSM se propôs, a partir
de um Acordo de Cooperação Internacional entre a UFSM e a Univer-
sidade Técnica de Braunschweig (Alemanha) – 2019 a 2024 – discutir a
possibilidade de uma formação profissional diferenciada da atual, a partir
da Base Nacional Curricular Comum (Brasil, 2018) e da Resolução nº 4
de 2018, considerando a proposta de currículo modularizado, elaborado
pelo professor Reiner Hildebrandt-Stramann e um grupo de docentes do
CEFD. Com a reforma curricular em curso no CEFD, está em discus-
são a incorporação de um Módulo nos novos projetos pedagógicos dos
cursos de Educação Física – Licenciatura e Bacharelado (2019-2020), na
chamada fase de formação comum (Res. nº 4, 2018), como experiência,
a ser acompanhada e avaliada pelo Núcleo Docente Estruturante (NDE).
O processo de formação no Brasil esteve imobilizado por muito
tempo, contudo, com o clamor da área consubstanciado pelo processo
de formação continuada dos profissionais em atividade na década de 80
do século 20, ensejou-se uma revolução que culminou com a decretação
da Resolução 03/87 CES/CFE/MEC. Foi então que a formação passou
a ganhar um novo patamar, assim como estreou um novo modelo de
formação acadêmica no país, um processo que não mais exigia currículo
mínimo e abria possibilidades para que as diversas instituições pudessem
elaborar seus desenhos curriculares.
A Educação Física foi a primeira área a ter essa liberdade de elabo-
ração curricular sem a exigência de se cumprir um currículo mínimo esti-
pulado pelo Ministério da Educação. Esta Resolução determinava apenas
210 Reiner Hildebrandt-Stramann – Marli Hatje – Luciana Erina Palma – Amauri Bassoli de Oliveira

três grandes áreas: Conhecimento do Homem e Sociedade, Conhecimen-


to Técnico e Aprofundamento. Os diversos cursos poderiam rechear essas
áreas com as mais diversas propostas.
Obviamente que essa seria uma tarefa difícil de ser atendida com
muita variabilidade de temas e/ou disciplinas, uma vez que por mais de
meio século os profissionais responsáveis pelo processo formativo seguiam
cartilhas institucionais e governamentais. Assim, o que se viu foi a orga-
nização de arranjos curriculares muito similares aos existentes até então,
com incrementos de novas áreas trazidas pelos profissionais que recém
haviam chegado de suas Pós-Graduações na América do Norte e Europa,
obviamente com linhas e áreas distintas, uma mais técnica e a outra mais
pedagógica e filosófica, respectivamente. A partir de então podemos
afirmar que a Educação Física não mais parou de discutir seu processo
formativo, incrementando substancialmente os conhecimentos tratados
no processo formativo e ampliando as possibilidades de intervenções no
campo profissional.
Com o passar do tempo muitas outras alterações nos quesitos
legais de formação no Brasil aconteceram. Em 1996 foi aprovada a nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/96) e a
partir dela todas as demais legislações deveriam ser alteradas para o pleno
atendimento do que se estipulava nessa nova Lei. Com isso, muitas outras
mudanças ocorreram e vêm ocorrendo até o momento. Isso tem se mos-
trado interessante, uma vez que não se tem mais um engessamento das
propostas de formação por meio de currículos mínimos.
Assim sendo, é possível concluir que avançamos significativamen-
te, contudo, aquém do que é possibilitado, mesmo com todo esse tempo
de liberdade organizacional. Se levantarmos as propostas curriculares exis-
tentes nos diversos cursos no país (hoje perto de 2 mil ou mais) teremos
um quadro muito próximo entre todos eles, com uma estrutura curricular
atrelada a disciplinas compartimentadas em grandes áreas e com uma
proposta de desenvolvimento que recorda muito o início da década de
90, cada uma tratando de uma especificidade e sem conexão e/ou vínculo
maior com o todo da formação. Não houve, por parte dos profissionais da
área, o arrojo na apresentação de propostas mais ousadas e que significas-
sem uma inovação curricular estrutural. Sim, como mencionado, a área
avançou, mas o seu processo formativo ainda remonta o século passado.
Nesse sentido, o material aqui exposto ousa em apresentar uma
proposta que visa a estimular os diversos profissionais da área envolvidos
com o processo formativo a refletirem sobre uma possibilidade de orga-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
211

nização e desenvolvimento curricular para a formação do profissional


da Educação Física. Trata-se de uma proposta em módulos que agregam
conhecimentos que conversam entre si e o todo da formação. O modelo
exige comprometimento e um envolvimento docente para além da espe-
cificidade, ou seja, é necessário que se enxergue o todo da formação.
Por fim, é oportuno destacar a importância do Serviço Alemão
de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), que em parceria com a Capes e
o CNPq financiaram o projeto que culminou nesta obra, e que integra
o Acordo de Cooperação Internacional Brasil x Alemanha, reunindo a
Universidade Federal de Santa Maria e a Universidade Técnica de Brauns-
chweig (TU-BS).
CAPÍTULO

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