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O CARISMA CRIANÇAS DE
DAS RUAS TERREIRO
Entenda melhor a tradi- A vivência de
ção de distribuir doces crianças na religião
nas ruas no dia de São ajuda no combate
Cosme e Damião à intolerância
Crianças
de Oxalá
EXPEDIENTE
GABRIEL SORRENTINO
Diretor-geral CRIANÇAS 04 UMBANDA
EU CURTO 40 DENÚNCIA DE
INTOLERÂNCIA
DE OXALÁ
NAÍSE DOMINGUES
Diretora de conteúdo
DAVID BARBOSA
Repórter (editorial)
Eu nasci em uma família cristã. Por parte de pai, todos católicos -
06 DOCES
PROMESSAS 44 TERREIRO E
SOCIEDADE
LAURA BLESSMANN
com uma imensa devoção a São Sebastião. Por parte de mãe, todos
Repórter (conteúdo de marca)
46
evangélicos. Tentaram com que eu fizesse catequese algumas
QUANDO IDADE
vezes. Precisei, inclusive, frequentar a escolinha dominical no Centro
FLÁVIA PROENÇA
É SÓ UM NÚMERO
Diretora de marketing Evangelístico Internacional, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio,
durante anos. Contudo, eu sentia desde pequeno que aquelas fés não
FABIO MATEUS eram para mim. Me sentia incompleto. Mais ainda: me sentia deslocado.
Diretor de arte
09
Aos oito anos de idade, pisei pela primeira vez em um terreiro. Quando
VANESSA ALVES minha madrinha de batismo na Igreja Católica me convidou para PENSAMENTOS
Designer sênior ir “a uma festa de crianças”, achei que fôssemos a um aniversário
comum. Realmente, balões de encher, doces e guaraná não faltaram.
DE ABIAN
TATIANE FALHEIRO Confesso, por causa da minha criação cristã, me assustei com as
Diretora comercial
50
imagens reunidas em um altar e ao ver todos os presentes vestidos de
10 BABA
branco. Durou pouco. Antes mesmo da gira começar já me sentia em
FÁRIDA MARTINS
casa. Olhava com atenção as imagens de santos católicos, caboclos, LUGAR DE CRIANÇA
Executiva de vendas
boiadeiros e pretos-velhos. “Macumba é algo ruim”, frase que ouvia RESPONDE É NO TERREIRO
constantemente em minhas idas à igreja, ecoava na minha cabeça.
BRENO LOESER
Como aquele lugar totalmente acolhedor poderia danificar a alma de
Ilustrador
13
alguém? E não danifica. Pelo contrário. Alimenta. E o grande divisor de
águas, para mim, foi o primeiro toque de atabaque. Ali era o meu lugar.
HIBISCO
MARCO ALCÂNTARA
Fotógrafo Batia palmas, cantava, dançava - e nem ao menos sabia realmente o
que estava acontecendo ali.
RONALDO GOMEZ
Diretor audiovisual Desde então, nunca mais passei um mês sem frequentar o Centro Espírita
14 54
Estrela do Congo, em Itaboraí, também na Região Metropolitana do Rio.
Acompanhe: Ali descobri o que era orixá. O que ele simboliza, o que ele significa e o
CRIANÇAS RECONEXÃO COM
@kobaexu
que ele representa. Pensando na importância que a vivência de terreiro
teve para o “eu-criança” e para minha criação, é com muita alegria que
DE OXALÁ A NATUREZA
te apresento a segunda edição da revista KOBÁ. Nas próximas páginas,
56 YORUBÁ
você verá conteúdos focados em infância e afrorreligiosidade: seja pela
34
Assine gratuitamente a revista:
O CARISMA
www.kobaexu.com presença dos pequenos nas casa de santo, seja pela atuação dos erês,
seja pelas lendas e simbolismos de Ibeji.
A revista KOBÁ é uma publicação on-line DAS RUAS
e gratuita, venda totalmente proibida. Juntos, roguemos às crianças de Oxalá que nos auxiliem na luta contra
a intolerância religiosa.
59
Envie sua pauta:
CONTOS
koba.pauta@gmail.com
Anuncie na revista:
koba.comercial@gmail.com Gabriel Sorrentino Diretor-geral
DE ORIXÁ
Alexandre Negrini
por: A partir daí não há um momento sequer que não seja uma descoberta. A
relação com os pais, com a alimentação, com a casa, com os animais, só
pra ficar com as primeiras relações. E à medida que a criança cresce e se
desenvolve, vai deixando um pouquinho por vez de ser criança. E vai per-
dendo uma visão simples e ao mesmo tempo mágica de tudo que a cerca. É
a razão em lugar de emoção. A conformidade em lugar das possibilidades.
Maturidade em lugar da ingenuidade.
Na Umbanda, a linha das Crianças é tida como Natural ou Encantada. São
NA UMBANDA:
uma encarnação anterior é uma simplificação.
Uma visão mais coerente dá conta de que são espíritos puros, sem vín-
culos com o mundo terreno, daí sua manifestação infantilizada, digamos,
EMOÇÃO A
por proximidade energética e espiritual. São alegres sim, emotivos, muitos
falam alto, gostam de brincar e exercer uma liberdade sem freios, algo que
SERVIÇO DA FÉ
encanta. Podemos pedir-lhes ajuda para os nossos filhos, auxílio para re-
solver problemas cotidianos e outras aflições. São ótimos conselheiros e
curadores (daí sua associação a São Cosme e São Damião, curadores que
trabalhavam com a magia dos elementos).
Imagine uma criança com menos de sete anos possuir a experiência e a vi-
vência de uma pessoa mais velha e ainda ter a inocência, doçura e encanto
A primeira impressão para quem participa de uma gira de Crianças ou
por tudo e por todos. Assim é a Linha das Crianças na Umbanda, sempre
Erês (ou ainda Ibejis) num terreiro de Umbanda é a alegria. Alguns po-
pronta a prestar grandes aconselhamentos de forma simples e rápida. E
dem até se perguntar se não estou confundindo gira de atendimento com
ainda há muito a descobrir!
festa das Crianças ou Erês. Afinal, esta linha costuma aparecer em boa
parte dos terreiros apenas no mês de setembro, quando se comemora o
dia de Cosme e Damião (e atenção mães e pais de santo: vamos deixar
esta linha trabalhar mais!).
Então, puxei pela memória para checar se não estou exagerando. Tal-
vez sim. Mas para as Crianças tudo é maior, exagerado, passional, não
é mesmo?
Agora complicou. Estou falando de crianças encarnadas ou de uma linha
de Umbanda? Da Linha de Umbanda, é claro! Mas é impossível não rela-
cionar com as características básicas que as crianças manifestam, não Alexandre Negrini Turina
é jornalista e cientista social
importa onde tenham nascido.
formado pela Universidade de São
Criança é sinônimo de alegria, dizem. Mas é importante ir além do este- Paulo (USP). É cofundador do Umbanda Eu
reótipo e lembrar que elas são seres humanos que falam, sentem, ficam Curto, maior portal agregador de conteúdo
tristes e têm expectativas, tal qual os adultos. Então, porque será que umbandista na internet. Criado em 2011 como
uma fanpage, hoje está presente nas principais
a espiritualidade permitiu que, na Umbanda, se manifestasse uma linha redes sociais (@umbandaeucurto) e conta com o apoio de
infantil? O que elas teriam a nos ensinar? colaboradores como Alexandre Cumino, Adriano Camargo, Engels
Vamos voltar ao básico. Como espécie, somos seres complexos: neces- de Xangô, David Dias, David Veronezi, Rodrigo Queiroz, Taiane
Macedo e Rubens Saraceni (in memorian).
sitamos de cuidados, desenvolvimento físico, cognitivo e intelectual. Por
alguns anos somos crianças, aprendizes por natureza, por necessidade
biológica mesmo. Precisamos crescer, aprender, desenvolver o corpo e
a mente para encarar o mundo. E, neste processo, a característica mais
importante é o aprendizado. A criança começa a aprender no segundo em
04 SETEMBRO/OUTUBRO 2020 PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO ILUSTRADOR SIGA @BRENOLOESER SETEMBRO/OUTUBRO 2020 05
DOCES PROMESSAS
12 ou 27, dia de doce era dia de madrugar. Cedo a casa outro entregava os cachorros-quentes, quando havia.
despertava: saquinhos para um lado da mesa, farinha
David Barbosa
e ovos para o outro; bolo logo ia para o forno e, mal — Era uma linha de produção, e nós éramos os estagi-
se piscava, já se ouviam chamamentos no portão. A ários — brinca Hellen.
por: trabalheira nunca era em vão, nem obrigada — era um
carinho com os santos milagrosos, atenciosos aos Depois do “expediente”, a alegria era dos de casa. Dona
pedidos dos fiéis que, ano após ano, distribuíam gulo- Marina entregava os saquinhos dos netos e, em se-
seimas e repassavam aos mais novos o ensinamento: guida, os soltava nas ruas de Sepetiba, na Zona Oeste
De geração em geração, famílias repassam a tradição dos Cosme e Damião ajudam a quem pedir. Basta ter fé. do Rio de Janeiro, acompanhados de uma vizinha. Só
voltavam no final da tarde, entulhados de mais doces.
saquinhos como agradecimento aos santos gêmeos Na casa da estudante Hellen Barbosa, hoje com 26 Dava briga?
anos, os preparativos de dona Marina, sua avó, come-
çavam dias antes. Se sobrasse dinheiro das contas — Pior que não — conta Hellen — Cada um marcava o
do mês, a semana de 27 de setembro era voltada às seu porque nós vínhamos pelo caminho comendo. Eu
compras: caixas e caixas de pirulitos, marias-moles, mesma detonava os suspiros ainda na rua.
pipoquinhas, e todos os ingredientes necessários para
o bolo da mesa. Quando o nono mês era apertado, o Hoje, a jovem é filha de Umbanda e também pretende
primeiro destino do pagamento seguinte eram as gos- começar a distribuir guloseimas. Afinal, seu primeiro
tosuras. Avó de mais de trinta netos, dos quais criava contato com a religião se deu através dos saquinhos.
quatro, dona Marina não faltava nunca com as pro-
messas feitas aos santos gêmeos em troca de pro- — Minha avó era católica, mas a gente ia pegar doce no
teção para seus meninos. terreiro. Era o melhor lugar: voltávamos com brinquedo,
comida e até roupa, às vezes — lembra.
— Ela saía às compras cedo, sozinha, e meus
sava fazer uma última cirurgia. Eu já tinha cumprido as te. E era sempre assim: seis anos dava os saquinhos;
promessas, mas rezamos juntos e, quando ele voltou no sétimo, uma festa. Tem tempo que não dou, mas
ao hospital, o médico disse que não havia mais ne- talvez esse ano eu faça. É muito bom ver a alegria das
cessidade: estava curado. Dali em diante ele também crianças — diz, emocionada.
EU ESTOU NO COMEÇO.
passou a dar — vibra a moradora de São Gonçalo, na
Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
AS CRIANÇAS, NÃO.
Quando os nenês ganham nome de santo
A promessa feita há mais de oito décadas pela bisavó — conta Rafael.
do estudante Rafael Bahia, de 21 anos, virou ‘causo’ na
família de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Grávida, Hoje filho de um terreiro de Umbanda, o jovem também dá
dona Ana passava muito mal, até descobrir que a ges- testemunho de graças recebidas pelos santos gêmeos. Lembro que, quando criança, a maior animação era chegar setembro e fazer os saquinhos de Cosme e Damião. Sempre
tação era de gêmeos. Certa de que eram dois meninos, sobrava uma mariola, um pirulito, um suspiro. Por causa da minha família, eu ganhava um monte - vovó e mamãe faziam
prometeu que, se os bebês vingassem, se chamariam — Eu tinha uma prova para fazer e tia Cosma aconselhou muitos sacos todos os anos.
Cosme e Damião. Na verdade, vieram moças, e a home- prometer doces se eu passasse. Consegui, e ela foi com Também me vem à memória quando minha mãe nos levava em um terreiro de Umbanda. Lá havia uma senhora sentada
nagem teve que ser adaptada. Damiana, hoje, é evangé- a gente para a rua, mesmo já bem idosa, ajudar a distri- em um banquinho e com um pito na boca. Sempre ia até ela, tomava passe com folhas, me rezava e, depois disso, um
lica, mas Cosma manteve a tradição de fazer a festa das buir — recorda. monte de crianças e erês, comendo doces e correndo para lá e para cá, tomavam o ambiente.
crianças até morrer, no ano passado. O tempo passou e, com minha chegada oficial à religião, descobri que toda simbologia tem um porquê. Cosme, Damião
e Doum não são apenas sinônimos de doces. São os protetores das crianças, guardiões, com um grande significado
— Minha família veio da Paraíba e, naquela época, não para as religiões de matriz africana. Como médicos que foram, também são responsáveis pela cura, então sempre que
tinha muitas umbandas nem candomblés por lá, mas precisar de alegria, proteção e cura, peça a eles.
temos ligações com o Catimbó. Minha tia-avó não só Penso, inclusive, que algo muito importante a ser refletido é que, apesar deles serem crianças - e, para o senso comum,
dava doces todo ano como também carregava um erê com pouca sabedoria devido à pouca idade -, são seres com uma
carga de conhecimento enorme. E estão sempre à disposição
para compartilhar. Eu, enquanto isso, sigo na minha
caminhada de abian. Eu, sim, estou no começo. Eu,
sim, ainda preciso aprender. Eles, não. Eles apenas
ensinam.
AS CRIANÇAS DA
em uma praça ou fazer uma festa e oferecer às crianças. São Damião também existe no Candomblé?
As oferendas podem ser feitas em qualquer lugar. O culto BABALAWÔ IVANIR | No Candomblé, tem muito o caruru.
de EgbeOrun, no Candomblé, ficou conhecido como culto Na Bahia, se faz muito o chamado caruru de Cosme. No
AFRORRELIGIOSIDADE
ao Erê. O EgbeErê é uma sociedade infantil do Orun. dia de Cosme e Damião se faz uma festa com o caruru,
doces, cana, etc. Normalmente, em alguns candomblés
KOBÁ | Existe alguma reza para Ibeji que possa ser feita tem a Quitanda do Erê, momento de festa com trocas de
por qualquer pessoa? brinquedos e doces.
BABALAWÔ IVANIR | Não existe uma reza específica. O
que é possível fazer são pedidos, por qualquer pessoa e KOBÁ | A criança já nasce com seus “orixás de cabeça”?
em qualquer lugar de culto. Como acontece?
BABALAWÔ IVANIR | No Candomblé no Brasil, todo mundo
tem orixá. Às vezes pode ser até um orixá de família. A
iniciação vai acontecer de quando o orixá pede, no nosso
O professor doutor Babalawô Ivanir
país é que a prática é diferente.
dos Santos é coordenador de área de
pesquisa no Laboratório de História
das Experiências Religiosas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
(LHER/UFRJ), membro da Associação
Brasileira de Pesquisadores Negros
(ABPN) e conselheiro de estratégia do
Centro de Articulação de Populações
Marginalizadas (CEAP). Em 2019, recebeu
um prêmio do Departamento de Estado
do Governo dos Estados Unidos pela sua
atuação na luta contra a intolerância às
religiões de matrizes africanas no Brasil.
Em toda edição, o professor irá responder
dúvidas sobre Candomblé e religiosidade
de matriz africana.
Clara Nery
BABALAWÔ IVANIR | São diversas situações que podem
por:
DE OXALÁ
ocasionar a iniciação ainda crianças. Na família Bangboxé KOBÁ | Se uma mulher é recolhida grávida, a criança já nas-
já é um caso em que a tradição prevê essa iniciação. Mas ce feita?
é uma questão tradicional da família de axé. Não podemos BABALAWÔ IVANIR | Isso vai variar. Não tem uma regra
nos esquecer que alguns ritos foram readaptados ou geral. Vai depender muito da tradição da casa.
recriados aqui no Brasil, então em casas de Candomblé
mais tradicionais, com uma herança iorubá bem arraigada, KOBÁ | Para o senhor, qual é a importância da presença de
esses ritos são feitos cedo. crianças nos xirês?
BABALAWÔ IVANIR | É uma presença pedagógica. O que não
KOBÁ | Existe alguma idade mínima para que crianças pos- é permitido é presença durante o orô, a não ser as que são
sam entrar em transe com o orixá? iniciadas. Mas cada sacerdote sabe como conduzir essas
BABALAWÔ IVANIR | Quem determina essas questões é o questões. Vem Setembro aflorando Só as crianças ditam a lei:
orixá. Não existe uma determinação cronológica. os caminhos tão vazios. Na mesa,
KOBÁ | O que o senhor poderia nos contar sobre abikú? Jujuba, paçoca, mariola,
KOBÁ | De onde vêm os nomes dos erês? BABALAWÔ IVANIR | Significa aquele que nasceu da mor- Céu estrelado. Pé de moleque...
BABALAWÔ IVANIR | Normalmente, está ligado a algum te. Tem toda uma cerimônia específica para abiku que vai Três estrelas chamam atenção, Moleque vem cá!!
símbolo do orixá que o iaô pertence. Por exemplo, o erê de depender como cada casa compreende essas práticas. Eu Todas três em carreirinha.
um iaô de Ogum ter o nome de “Espadinha”, o de Oxóssi ter prefiro não pensar em uma regra geral, mas sim na definição Já era.
o nome de “Flechinha”, o de Iemanjá ser chamado de “Pingo do que é abiku. Era guaraná esparramado pelo chão.
Deixa Ibejada brincar.
12 SETEMBRO/OUTUBRO 2020
PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO ILUSTRADOR SIGA @BRENOLOESER
Crianças
Hoje, é impossível não relacionar o dia 27 de setembro às crianças, doces, brincadeiras
e brinquedos. Ainda mais que, duas semanas depois, comemora-se o 12 de outubro
- data consagrada a todos os pequenos. Portanto, nesta edição, o fotógrafo Marco
Alcântara deixou seu erê comandá-lo e produziu esta galeria de fotos para homenagear
de Oxalá
Cosme, Damião, Doum, Ibeji e todas as criancinhas, tanto do Orun quanto do Ayê.
Fotos por:
Marco Alcântara
26 SETEMBRO/OUTUBRO 2020 PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO FOTÓGRAFO SIGA @BENDITO_BENEDITO SETEMBRO/OUTUBRO 2020 27
28 SETEMBRO/OUTUBRO 2020 SETEMBRO/OUTUBRO 2020 29
PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO FOTÓGRAFO SIGA @BENDITO_BENEDITO
PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO FOTÓGRAFO SIGA @BENDITO_BENEDITO
32 SETEMBRO/OUTUBRO 2020 PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO FOTÓGRAFO SIGA @BENDITO_BENEDITO SETEMBRO/OUTUBRO 2020 33
PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO FOTÓGRAFO SIGA @BENDITO_BENEDITO
O CARISMA
DAS RUAS
Gabriel Sorrentino
por:
34 SETEMBRO/OUTUBRO 2020
À ESQUERDA,
BABAQUEQUERÊ
LUIS DO OGUN JÁ
Cosme e Damião no
COM CRIANÇAS DO
AXÉ: VITÓRIA DE
dando doce, compartilhando a localização em tempo
OXÓSSI E YAN DE real, fotografam e postam nas redes quantos doces
JAGUM, FILHOS DO
ILÊ ASÈ DO OGUN século XXI pegaram ao final do dia — revela o especialista.
JÁ. À DIREITA, MÃE
JUÇARA DE IEMANJÁ. Por outro lado, Mãe Juçara de Iemanjá, ialorixá do Ilê Asè
Da mesma forma que as cidades se transformaram, a do Ogun Já, na cidade de São Gonçalo, no Rio de Janeiro,
tradição de Cosme, Damião e Ibejis também passou acredita que, hoje, devido à violência, as crianças não
por metamorfoses desde o seu surgimento. Antes, mais dominam as ruas - mesmo no dia 27. Para ela, as
as ruas eram dominadas por crianças de janeiro a crenças pentecostais também contribuíram para afastar
janeiro: elas brincavam e comandavam as avenidas, os pequenos das ruas. Na ocasião, a iá, cuja tradição
alamedas e vias da mesma forma que hoje fazem no dia religiosa é de Nação Efon, oferece caruru, acarajés e
27 de setembro. Lucas Bártolo afirma que, na data, os abarás, e ainda acrescenta:
pequenos assumem uma autonomia que provavelmente
só venham a ter quando se tornarem adultos e, enquanto — O povos tradicionais de matriz africana estão mais
isso, os crescidos que distribuem doces se conectam consciente do sincretismo religioso e, com isso, perdendo
com suas memórias de infância e à sua criança interior. o costume de distribuir doces no 27 de setembro.
Algumas casas até distribuem, mas pela visão social
— Se a modernidade e as novas tecnologias ameaçam para agregar à comunidade ao redor da Casa de Axé.
a simbolizar a infância no universo religioso brasileiro mais doce. Se olharmos pelos circuitos da festa, vamos
as antigas brincadeiras, elas também são incorporadas Contudo, nada impede que nossas crianças os recebam.
e, com isso, a distribuição de doces como forma de ver um mapa afetivo da cidade delimitado por lugares
à tradição de correr atrás de doce. Muitas crianças hoje, As Igrejas Evangélicas é que impedem suas crianças de
festejá-los foi perpetuada. Essa tradição, por sua vez, fortes ou fracos de doce, perto ou longe de casa, onde
por exemplo, usam o WhatsApp para avisar onde estão receber e, com isso, a tradição vai se perdendo.
com suas maneiras de louvar, brincar e cultuar, podem tem saquinho bom ou ruim.
ser consideradas definidoras da identidade da cidade,
ou de uma parte dela, como é no subúrbio. É o que Lucas Para o professor Júlio César Tavares Dias, Doutor em
Bártolo, pesquisador do Laboratório de Antropologia do Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de
Lúdico e do Sagrado (Ludens), do Museu Nacional da Fora (UFJF) e autor do livro “A Reinvenção do Demônio:
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita. As Religiões Afro-brasileiras no discurso da Igreja
Universal do Reino de Deus”, a tradição possibilita aos
— Entendemos que os saberes envolvidos na tradição seus participantes uma forma muito mais afetiva de se
de celebrar Cosme e Damião são um patrimônio cultural relacionar com a cidade.
do Rio de Janeiro. No calendário festivo, setembro e
outubro são meses em que celebramos as crianças. — Hoje, muitas pessoas não sabem os nomes das ruas.
Além da importância econômica, aquecendo o circuito As ruas são conhecidas a partir do pensamento no
das lojas de doce e artigos religiosos, é um período em capital: é a rua da loja tal, a rua onde tem a loja de tal
que os terreiros se abrem à sociedade em geral, não só franquia. Nós que somos de uma geração mais antiga
nas festas, mas em ações de caridade voltadas para as falávamos das ruas de forma diferente: é a rua de Dona
crianças e suas famílias — explica o especialista, que Fulana, a rua do pé de baobá, a rua do Marquinhos... —
também é mestre em Antropologia Social pela UFRJ. argumenta o professor.
Reforçando ainda mais a relação da tradição com as Lucas lembra que, apesar de o grande dia ser o 27
ruas, Morena Freitas, também pesquisadora do Ludens, de setembro, a festa, na verdade, começa nos dias
analisou que, normalmente, as crianças costumam sair anteriores com a compra dos doces em grandes lojas
em grupos, liderados pelo mais velho, ou até mesmo atacadistas e a montagem dos saquinhos - atividades
por um adulto, e passam o dia andando pelas ruas, que geralmente envolvem toda a família.
percorrendo lugares que não costumam frequentar no
dia-a-dia, enchendo suas mochilas de doces. — Mesmo não sendo um feriado, o dia suspende o
cotidiano em boa parte do Rio e do Grande Rio. É um dia
— Nas praças, param para descansar, brincar e contar festivo com tempo e dinâmica próprios — explica.
os saquinhos, competindo para ver quem conseguiu
DIRIGENTE
vídeos deste site aparecem como resultado na busca.
DE UMBANDA
levamos na brincadeira. Começamos a procurar e vimos que era mais
sério. Isto está ligado à religião e não a mim especificamente ou à
minha casa de caridade, e sim à Umbanda — comenta o pai de santo,
que chegou a alertar familiares de outros envolvidos a fim de evitar um
DENUNCIA
impacto emocional nos mais velhos: — Há sacerdotes com muito mais
idade do que eu. Estamos falando de zoofilia, pedofilia, de orgia. Então,
para uma pessoa que é um octagenário é ainda mais complicado.
ATAQUES NA
Após a descoberta, pai Denisson procurou autoridades para tentar
retirar o site do ar, mas se deparou com outro obstáculo: a dificuldade
de rastrear a origem do conteúdo. A polícia informou o impedimento de
INTERNET
dar continuidade à investigação devido à falta recursos, já que se trata
de um crime internacional.
Naíse Domingues
— Após conversar com filhos espirituais que também são
por: programadores, descobrimos que os sites estão hospedados fora do
Brasil e que é muito difícil encontrar o autor. Os sites estão hospedados
no Panamá, então, a polícia brasileira precisa de recursos, disposição
de todas as formas para que isso avance. Caso contrário, ficará lá,
infelizmente — lamenta.
40 AGOSTO/SETEMBRO 2020 PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO ILUSTRADOR SIGA @BRENOLOESER SETEMBRO/OUTUBRO 2020 41
Ordem de despejo por intolerância religiosa
Esta não é a primeira vez que o CEU enfrenta o essa finalidade tenham proteção da lei contra o despejo.
preconceito religioso. Em fevereiro deste ano o centro No dia seis de fevereiro deste ano, o desembargador
ganhou na Justiça o direito de permanecer no galpão Marcondes D’Angelo negou o recurso e autorizou a
onde está alocado, após tentativa de despejo por parte permanência da instituição religiosa no local.
dos proprietários. O imbróglio teve início quando os
sacerdotes sinalizaram interesse em alugar o segundo Segundo Pai Denisson, as pessoas presentes na
andar do galpão. Os proprietários não permitiram as audiência ficaram surpresas com os argumentos
alterações necessárias no imóvel e entraram na justiça apresentados pela advogada para a retomada do imóvel.
pedindo o despejo do grupo religioso num prazo de
quinze dias. — Foi a primeira vez na história da Umbanda e das
religiões de matriz africana que se ganha em segunda
— Minha esposa é engenheira civil e assina pelo instância uma causa como esta. A advogada alegava
Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São que Umbanda não era religião, que não era como o
Paulo (CREA/SP) as responsabilidades do imóvel, por Catolicismo ou o Budismo, e que era desprezível, em
conta dele ser legalizado. Conforme nos deparamos com outras palavras.
a legislação que exigia a adequação de acessibilidade,
os proprietários falaram que não queriam e que “pouco Enquanto o processo se desenrolava, o CEU sofreu duas
importa se as pessoas têm dificuldade de acessibilidade invasões na mesma semana. No dia 28 de janeiro, o
ou não” — lembra o sacerdote, que teve sentença terreiro foi invadido e teve seus cabos de energia cortados.
favorável após o julgamento. — Eles perderam e pediram Três dias depois, o espaço foi novamente invadido e,
a revisão, falando que o juiz não havia se atentado que [o desta vez, teve as câmeras de segurança roubadas. O
centro] não era tão grande assim e que nós poderíamos crime foi registrado na 16ª DP, da Vila Clementino, mas
estar em qualquer lugar. os responsáveis nunca foram identificados.
A motivação intolerante ficou explícita quando, em — Na primeira invasão, a pessoa que roubou deixou
segunda instância, a advogada dos donos alegou que camuflado um cabo bem grosso de 750 volts para matar
Umbanda não era religião, e por isto a ordem de desocupar quem estivesse próximo. Poderia ser eu, minha esposa,
o local poderia ser aplicada. A Lei do Inquilinato prevê que uma criança, mas não aconteceu isso.
hospitais, escolas e entidades religiosas registradas com
42 AGOSTO/SETEMBRO 2020 PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO ILUSTRADOR SIGA @BRENOLOESER SETEMBRO/OUTUBRO 2020 43
TERREIRO E É indiscutível como esse episódio se configura como mais um caso de
SOCIEDADE
racismo religioso. São nossos saberes, concepção de mundo, rituais,
preceitos, nosso modo de vida, criminalizados. É nossa tradição
Lucas Obalera
cultural religiosa como alvo deste Estado Racista que, para agravar
por:
nossa situação, vem sendo aparelhado por “facções religiosas” que
declaradamente têm a violência como um ato sagrado de fé.
RACISMO RELIGIOSO
caso também representa um ataque à potência espiritual-política de
Ibeji.
E A POTÊNCIA DA
O itan citado anteriormente expressa elementos que são sentido de
vida dos terreiros. Um simples olhar atento de um visitante é capaz de
BRINCADEIRA EM IBEJI
captar a grande importância e agência que as nossas crianças têm em
nosso cotidiano. Lembremos dos erês que também demarcam o valor
e poder da brincadeira e de sua alegria.
44 SETEMBRO/OUTUBRO 2020 PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO ILUSTRADOR SIGA @BRENOLOESER SETEMBRO/OUTUBRO 2020 45
QUANDO IDADE AS PESSOAS QUE PRATICAM A VIOLÊNCIA NÃO SE IMPORTAM COM
A IDADE DA CRIANÇA E MUITO MENOS COM AS CONSEQUÊNCIAS
É SÓ UM NÚMERO
QUE ELA LEVARÁ PARA A VIDA, APÓS A AGRESSÃO.
Flávia Proença
- Anna Luiza Diakakis
por:
racismo religioso na vida Uma das sequelas apontadas por Anna é a vergonha da
religião, fator presente no relato de Lucas* que, quando
46 SETEMBRO/OUTUBRO 2020 PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO ILUSTRADOR SIGA @BRENOLOESER SETEMBRO/OUTUBRO 2020 47
Segundo Anna, todo praticante da religião de matriz onde o professor disse sobre as faltas escolares de — O racismo é uma estratégia de opressão que é formamos um ambiente de pessoas que compactuam
africana conhece ou conheceu algum irmão de santo um aluno: “Quem mandou esse aluno fazer o santo?”. ensinada. Os primeiros passos e as primeiras lições com esse sistema de opressão, em todas as classes
que teme que seus familiares ou colegas de trabalho Isso mostra total falta de respeito com as obrigações racistas são ministradas em casa. Ali está a base da sociais.
fiquem sabendo das suas práticas, e isso, infelizmente, religiosas. A escola é o espelho de sua comunidade, e se formação racista, vinda obviamente dos pais. Para que
reforça o preconceito. Para ela, quanto mais esse é o comportamento de um educador dentro de um possamos criar uma geração saudável é imprescindível Mas, então, como combater o racismo religioso dentro
escondermos quem somos e o que praticamos, mais ambiente que precisa formar cidadãos, que cidadãos olhar para os pais e entender o que está sendo falado, dos ambientes de terreiro? Para David, a resposta é
seremos oprimidos. Mas para que isso não ocorra, é teremos futuramente? Um cidadão completamente para que essa geração não reproduza mais este tipo clara: educação e auto responsabilidade.
preciso empoderar essas crianças desde cedo, nos preconceituoso e que massacra a minoria, sendo que de violência. Para mim, o que falta são pautas anti
anos escolares. E é aí que entra outra problemática: a já notamos esse tipo de comportamento atualmente racistas reais e não oportunistas — explica. — São poucas as lideranças que estão dispostas
postura dos educadores. e precisamos combater! O reforço de práticas a discutir fatores como este dentro dos terreiros.
discriminatórias, por parte dos professores, só ajuda a Para David, a comunidade umbandista ainda é, A maioria dos sacerdotes de umbanda foram
— Em pesquisas feitas por mim, vi que um desses aumentar o número de crianças, e adultos, que sentem infelizmente, muito desligada de pautas sociais. epistemologicamente construídos para ensinar sobre
casos de intolerância foi em uma reunião de classe medo e vergonha de dizer sua religião — completa fundamentos, mas não sobre história da cultura
de professores de uma rede pública do Rio de Janeiro, Anna. — Quando falamos sobre racismo, misoginia, africana. Então, não podemos discutir educação
machismo, política, o umbandista pode ser religiosa no Brasil, se esta ainda é uma questão para
considerado semi-analfabeto. Porque a Umbanda os adultos.
é uma religião nova, onde a maioria dos que fazem
parte não precisam pensar nestas questões porque *Alguns nomes foram alterados visando preservar a
a maioria dos umbandistas são brancos, a maioria identidade dos depoentes.
NÃO PODEMOS DISCUTIR EDUCAÇÃO das lideranças são brancos, homens e héteros. Então,
Há alguns anos a discussão entre os dois termos tem Um dos defensores desta causa é David Dias que, além Contos de Òrun Àiyé
chamado a atenção. Há quem diga que a reivindicação de sacerdote de Umbanda é pesquisador e mestrando de Hugo Canuto
não por tolerância e, sim, respeito. Mas também há em Ciência da Religião pela Pontifícia Universidade
quem afirme que esta forma de preconceito é um Católica de São Paulo (PUC/SP). Para ele, o termo Para Educar Crianças
reflexo várias formas de racismo exercidas pela intolerância religiosa só serve para representar o que Feministas
sociedade desde a colonização do país e, por isso, não é este preconceito, porque o termo racismo religioso de Chimamanda Ngozi Adichie
há como separar a religião do fator racial dos povos ainda é pouco compreendido no Brasil e, mesmo
que originaram o culto. quando aparece, ainda é um tabu. Intolerância Religiosa
de Sidnei Nogueira
48 SETEMBRO/OUTUBRO 2020 PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO ILUSTRADOR SIGA @BRENOLOESER SETEMBRO/OUTUBRO 2020 49
LUGAR DE CRIANÇA
É NO TERREIRO
Naíse Domingues
por:
Dentro de uma casa de axé, o cotidiano leva os filhos do local a lidar frequentemente
com as forças infantis. Seja no culto a Ibeji ou na presença dos erês, esta energia
também é essencial na rotina de muitos terreiros. Mas para além das manifestações
espirituais, a vivência das crianças nas casas de santo é um complemento educativo
e produz ferramentas de empoderar os pequenos na luta contra o racismo religioso.
52 SETEMBRO/OUTUBRO 2020 PARA CONFERIR MAIS TRABALHOS DO FOTÓGRAFO SIGA @BENDITO_BENEDITO SETEMBRO/OUTUBRO 2020 53
RECONEXÃO COM
A NATUREZA
Laura Blessmann
por:
Com dias tão difíceis, pensamentos ruins, tanta energia de São Paulo, encontrou uma solução para que essas Para o mês de outubro, a pedido da Vovó Maria Conga que existe dentro de você: o banho dos erês vai fazer com
negativa rondando os planos e projetos de vida, tudo o magias atendam à necessidade específica de cada e do Caboclo Feiticeiro, entidades de Umbanda que que a fé nos domine nesse momento, e não vai deixar com
que buscamos, na verdade, é reenergização. Estar de cliente. Hoje, a empresa trabalha com banhos naturais acompanham os sócios da Botica do Feiticeiro, foi feito que a tristeza tome conta de nossas vidas — acrescenta
alma limpa, com boas energias e longe de tudo aquilo produzidos de forma limitada e ritualisticamente. o banho dos erês, que é consagrado exclusivamente à Jacqueline.
que pode nos impedir de seguir em frente e com bons A pedidos de consumidores, os banhos surgiram para energia dos pequenos. Para utilizar o banho, Jacqueline explica que, de acordo
fluídos. que as pessoas se sentissem bem e com energias — Esse banho foi pensado principalmente por causa com as entidades da casa, basta seguir duas alternativas:
Contudo, uma dúvida é onipresente: como preparar potencializadas. Para isso, são utilizadas diversas do momento difícil no qual vivemos. No momento de aproveitá-lo durante a higienização pessoal ou como
banhos espirituais para que essa renovação de energias plantas e ervas naturais para que os produtos sejam reclusão, ele tem como finalidade trazer toda a alegria dos escalda pés.
aconteça? A Botica do Feiticeiro, loja situada na cidade ideais para cada cliente. erês que existe dentro de cada um de nós. E não se engane — Todas essas maneiras vão fazer com que a sua vida se
— As plantas ajudam a reaproximar as pessoas da se você pensa que não precisa cuidar da espiritualidade encha de paz — conclui.
natureza, trazendo a energia dos quatro elementos: a
terra, o fogo, água e o ar. Os produtos são consagrados
por esses elementos e também podem ser consagrados
por uma entidade específica. O banho de geração, por
exemplo, é consagrado a Iemanjá — explica Jacqueline
Kirszenblatt, uma das proprietárias da marca.
Tudo que é utilizado nos banhos espirituais é produzido AS PLANTAS AJUDAM
A REAPROXIMAR AS
pela própria loja. A equipe consagra os produtos nas
linhagens dos orixás e das deusas montando um altar
quando o banho está pronto. Lá, ele permanece por 21 PESSOAS DA NATU- BOTICA DO FEITICEIRO
Rua Samambaia, 402, Bosque
REZA, TRAZENDO A
dias para que ocorra toda a energização.
— Tudo é feito por ordem das entidades da casa. da Saúde, São Paulo/SP
Inclusive, antes de embalar os produtos, a equipe ENERGIA DOS QUATRO @boticadofeiticeiro
ELEMENTOS: A TERRA,
confirma por radiestesia, sensibilidade a determinadas
011 94541-8034
radiações como energias emitidas por seres vivos e
elementos da natureza. Até a fita e o nó da embalagem O FOGO, ÁGUA E O AR SAIBA MAIS
têm um significado na energização.
- Jacqueline Kirszenblatt
A IMPORTÂNCIA
para alguém, seja ela através do obi, orogbo, erindilogun¹ orixá do pai ou do avô materno, garantindo assim a per-
ou ikin/opele ifá, pode aparecer “Ire Omo” como um prog- petuidade de culto.
nóstico. Temos dezenas de poemas dedicados à prospe-
ridade e com direta ligação com ter filhos. Faz parte da No decorrer de sua infância, a criança vai participar ativa-
DAS CRIANÇAS NA
cultura yorubá o entendimento que ter filhos é tão prós- mente de todos os ritos dos orixás, lembrando que, para
pero quanto ter dinheiro, vida longa ou a capacidade de os yorubás, a religião é inerente à vida, à existência de-
superar inimigos. les. Quando são pequenas, elas são as últimas na cadeia
hierarquia. Ganharão reconhecimento quando mostrarem
CULTURA YORUBÁ
Isso porque Esin Orisa Ibile tem em seu pilar a ancestra- todo o aprendizado que tiveram com os mais velhos, não
lidade. Ter herdeiros é garantir a continuidade e, assim, somente anciãos, elas também terão o auxílio dos ado-
fazer com que uma pessoa viva hoje seja lembrada pelas lescentes.
suas gerações futuras.
Nas comunidades onde se usa os Ese⁴, o treinamento in-
Um recém-nascido já é introduzido ao culto dos orixás clui repetir inúmeras vezes até que as crianças memori-
logo nos primeiros dias de vida. A primeira vez em que zem. São membros ativos, participam de tudo e aprendem
os pés da criança tocam o solo faz parte de um rito - o a viver com orixá.
chamado Esentaye. Fazendo uma comparação, é como se
fosse a cerimônia de batismo, porém yorubá. Neste pri- Alguns orixás possuem mais ligações com crianças que
meiro rito, os sacerdotes irão apurar os pré-desígnios que os outros. Como Osun, Yemoja, Kori Koto (às vezes rela-
aquela criança trouxe do Orun² para o Aye³. cionada ao culto de Egbe Orun) e Oyá. São particularmen-
te conhecidas por amparar crianças. O culto de Egbe Orun
poderá cuidar de aspectos ainda profundos como abiku
e problemas que a família ou as crianças possam estar
enfrentando.
A RELIGIÃO DE ORIXÁ
É BOA - EM TODOS OS ¹Erindilogun: Jogo de 16 búzios
ASPECTOS - PARA TODAS ²Orun: Céu
AS IDADES, JÁ QUE TODOS ³Aye: Terra
OS MEMBROS FORMAM A
⁴Ewe: Poemas de oráculos
SOCIEDADE.
- Renata Barcelos
OLHOU PARA O
Os gêmeos são considerados uma grande prosperidade
nas comunidades yorubá. As mães podem adotar uma
estátua de madeira para cada um dos filhos gêmeos e
cultuá-la. Alguns dizem que, quando um dos gêmeos
IRMÃO E VIU A SI
morre, a estátua que estava sendo cultuado pela mãe
passa a ficar junto com o irmão sobrevivente, a fim de não
Omironke e Alake, devotas
interromper a conexão e que continue a haver harmonia e de Yemoja, aprendendo o
prosperidade. jogo dos 16 búzios Oem Oyo
Foto: Renata Barcelos.
Aprendi, então, que as crianças precisam participar das
atividades que envolvem a religião. A religião de orixá é
boa - em todos os aspectos - para todas as idades, já que
todos os membros formam a sociedade. Deitado, o rosto afrouxava, o sono apaziguado que ter- se haviam invertido. Quem era silêncio era o irmão; ele
mina. Tão bonito. A pele cor de canela, olhos negrís- abundava nas sentenças, todas engolidas. Sem ter mais
simos, que já não se viam mais, porta fechada. Umas por que e a quem dizer. Vinte e sete anos eram muito.
poucas rugas dos sorrisos – pés de galinha e longos A vó, o dobro só de santo, lhe chamou de tarde. “Ibeji
parênteses guarnecendo a boca, cofre sempre aberto também perdeu seu outro”. Olhos. “Abriu a terra e se
de dentes largos e língua ferina, aquela que lhe atalhou amarrou ao par”.
O texto é baseado na prática de Orixá a noite quando atravessou resposta a um qualquer Olhos desentendidos. A mão se estende à mão com um
seguindo a tradição Yoruba - Esin Orisa Ibile numa mesa de bar. barbante.
(Òyó, Nigéria), e pensamentos e análises pessoais Olhou para o irmão e viu a si pois desde a mãe jamais Um metal com assinatura. Vítor – e até na letra eram
da autora. Renata Barcelos, Yemojagbemi Otan- se separaram. Saíram juntos, ele um bocadinho antes: a iguais. A velha mesma pôs em seu pescoço.
monle Arike, foi iniciada em Yemoja em Òyó e está mesma cor, dentes, olhos – diferiam no volume de sor- “Não tinha fio de prata”, desculpou, sempre dedos com
há mais de 30 anos no culto de orixá no Brasil. É risos. Ele muito menos, assim como as palavras. Ria e o neto diplomado. Ele, um só murmúrio de olho d’água,
criadora do canal Orisa Brasil (@orisabrasilofi- amava pra dentro. O outro vinha por trás e o assustava, não tinha problema.
cial), que fala sobre a tradição Yoruba. fazia carinho à cabeça, beijava-lhe a testa, copo de cer- Nem de terno tirava, sempre pra fora. No sol, o nome
veja desde cedo, e ele, de alegria, se queixava. Brigavam luzia, e alguns perguntavam. “Meu par”, explicava ele.
na hora dos conselhos: quem muito fala não ouve. Agora Alisava o ferro. Fazia bom tempo no Rio. Doía menos.
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