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A.F.

OLIVEIRA
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Copyright© ANDREIA OLIVEIRA

Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita referência a eventos históricos reais ou locais
existentes, os nomes, personagens, lugares e incidentes são o produto da imaginação da autora ou são
usados de forma fictícia, e qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, estabelecimentos
comerciais, eventos, ou localidades é mera coincidência.

CAPA: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA


DIAGRAMAÇÃO: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA
ASSESSORIA DE MARKETING: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA
REVISÃO: ANDREIA OLIVEIRA

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UMA BABÁ PERFEITA: https://amzn.to/3f8IxDh
UM AMOR PARA O CEO: https://amzn.to/3ytAp7X
A VIRGEM COMPRADA PARA O CEO: https://amzn.to/3u74Bmc
SUMÁRIO
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
EPÍLOGO
PRÓLOGO

Gerânios. Eram suas flores favoritas.


Eu costumava gostar de lhe dar flores. Gostava, porque ela sorria do
mesmo jeito como uma garotinha sorriria ao ganhar o presente mais
aguardado de Natal. O combinado era sempre às sextas, quando podíamos
sair para jantar depois de eu chegar da empresa, ou quando apenas ficávamos
em casa, aproveitando as coisas que íamos conquistando conforme a empresa
do meu tio, onde eu trabalhava, ia ascendendo no mercado.
Era uma pena que não estivesse mais ao meu lado para ver tudo o que eu
tinha conquistado.
Fazia cinco anos que ela partira. Tão jovem, tão bonita. Eu ainda me
lembrava de como recebi a notícia, de como jurei que meu coração nunca
mais bateria novamente.
Eu estava na empresa, é claro. Como sempre acontecia nos últimos
tempos, e nosso maior motivo de brigas. Não exatamente brigas, mas
discussões. Ísis não queria um marido rico, ela queria um homem presente.
Quando nos conhecemos, éramos apenas estudantes de Direito, idealistas e
querendo um mundo melhor. Na verdade, ela se decepcionara um pouco
quando abandonei a ideia de ser defensor público para ajudar meu tio em sua
empresa de material de construção, que começara com algumas lojinhas e se
tornara uma das maiores marcas do ramo.
Nunca foi o meu sonho, mas eu era um recém-formado e recém-casado,
querendo formar uma família. Morávamos em um apartamento de trinta e
cinco metros quadrados, todo caindo aos pedaços, e eu era ambicioso. A
proposta do meu tio, para que eu o ajudasse, caiu do céu, enquanto eu
estudava para concursos.
Ísis passou no dela, e eu fiquei para trás, porque nunca tinha tempo para
estudar. Mais do que isso, eu fui gostando do que fazia com meu tio e
querendo ficar. Ajudava-o nos contratos com parceiros, fornecedores, em
quase tudo. Ele não tinha filhos, apenas dois sobrinhos de exata mesma idade
– eu, que era filho de seu irmão mais velho, e meu primo, que era filho de sua
irmã –, e nós dois passamos a ser seu braço direito.
E foi exatamente para o sonho de Ísis que eu a perdi. Ela realmente
entrou na defensoria pública, pegou o caso de um homem pobre, que foi
acusado de matar seu patrão, e foi assassinada porque o venceu. Um tiro no
peito foi o que a tirou de mim.
Assassinada. A palavra ainda parecia irreal demais para mim.
Não era o tipo de coisa que acontecia com duas pessoas normais. Com
duas pessoas que se amavam e tinham planos de um futuro. Que estavam
planejando ter filhos e...
Não – eu mesmo interrompi meus pensamentos. Poderíamos conversar
sobre o assunto, mas sabia que ainda iria demorar. Por mais que nós dois já
tivéssemos trinta e dois anos, minha vida era focada demais no trabalho para
ter espaço para qualquer outra coisa que não fosse Ísis. E mesmo ela, eu sabia
que estava negligenciando.
Nunca tive chance de lhe pedir desculpas por isso. Nunca tive chance de
dizer adeus.
Diante de sua lápide, com os malditos gerânios nas mãos, eu não
conseguia sequer chorar. Fazia algum tempo que minhas lágrimas pareciam
ter secado. E também fazia algum tempo que eu não ia até o cemitério, mas
era aniversário dela, e nessa data eu nunca faltava.
Trinta de Abril. Há cinco anos era o pior dia do ano para mim.
O da morte dela também, mas seu aniversário... ela adorava. Gostava de
comemorar, fosse com todos os amigos – e ela tinha muitos – ou só comigo,
em um jantar romântico. No dia de sua morte, ele caíra em uma sexta-feira.
As flores que comprei, como nossa tradição, nunca foram entregues, porque
ela foi morta no estacionamento subterrâneo de um prédio, onde fora visitar a
esposa de um cliente.
Assim terminara sua história. A nossa história.
Pousei as flores sobre a sepultura, em silêncio. O que eu poderia dizer?
Ela não estava ali. Era apenas uma sepultura, com os restos do que minha
esposa um dia foi. Agachei-me, apenas para tocar seu nome, fechando os
olhos e respirando fundo.
Passei alguns instantes ali e já estava caminhando para a saída quando
meu telefone tocou no bolso. Era Fernando, meu primo, ligando para mim.
— Eu sei onde você está — foi a primeira coisa que ele falou, assim que
percebeu que eu atendi.
— O que quer? Uma salva de palmas por ser tão inteligente? Não é algo
muito óbvio, sabendo que dia é hoje.
— Ah, o humor do cão. Típico. Vamos lá, Mau, não vá para casa para se
embebedar sozinho. Estou saindo da empresa agora e já avisei Luana que não
vou chegar cedo hoje porque iria te levar para algum lugar.
— Volte para sua esposa. Não vai ganhar nada me servindo de
companhia esta noite.
— Vou sim. Meu lugarzinho no céu. — Meu primo sabia ser um pé no
saco quando queria. — Estou indo para aquele bar que costumávamos
frequentar; aquele em Copa, de frente para a praia. É isso que você está
precisando.
— Estou precisando dormir. Tenho trabalhado muito.
— Pode dormir amanhã, que é feriado. Se não aparecer lá, vou jogar
uma nota na imprensa bem mentirosa sobre você. — Meu primo era
jornalista. Assim como eu, trocara de carreira por pura conveniência, mas ele
ainda tinha seus contatos.
Eu sabia que ele não iria fazer isso de verdade. Já me chantageara
daquela forma mil vezes, mas naquela noite havia algo de diferente. Não
queria ir para casa. Por mais que não morasse mais na mesma onde vivia com
Ísis quando ela morreu, ainda havia um pedaço dela em cada coisa que eu
possuía. Cada coisa que conquistei, cada sonho que alcancei.
— Mau, você acha que Ísis seria feliz te vendo assim? Do jeito que ela
te amava? Ela ia querer que seguisse em frente, que vivesse sua vida,
conhecesse outra pessoa. Não é justo com a memória dela que se enterre
dessa forma.
Não era a primeira vez que Fernando fazia um discurso como aquele,
mas, de alguma forma, surtiu um pouco mais de efeito. Parei no mesmo lugar
onde estava, congelando meus passos e olhando por cima do ombro, na
direção de sua sepultura.
Cinco anos. Eu nunca a esqueceria, mas talvez estivesse na hora de me
desenterrar também.
— Ok, Nando. Te encontro lá no bar.
Meu primo comemorou do outro lado da linha, mas eu não estava tão
animado. Seria um processo, é claro. Sair, tomar algumas bebidas, ver
pessoas, ouvir uma música. Ainda não me sentia pronto, mas poderia tentar.
Poderia tentar...
CAPÍTULO UM

QUATRO MESES DEPOIS

Tinha pipoca no meu cabelo.


Pipoca!
A que ponto eu tinha chegado?
Fazia quantos dias que estava jogada naquele sofá, acabando com todo o
catálogo da Netflix e comendo uma quantidade insana de besteiras? Dois?
Três? Meu Deus... cheguei a perder a conta. Que patético!
Logo eu, que sempre jurei que nunca iria me acabar por causa de um
homem, estava ali, sofrendo pelo maior babaca que poderia ter passado pela
minha vida. E o pior era que eu nem gostava tanto dele assim. Estava tão
deprimida pela forma como as coisas aconteceram. Pelo motivo do término.
Não era a primeira vez. Ser traída não era exatamente um mar de rosas.
Muito menos quando o parceiro em questão alegava a pior justificativa
possível: eu era uma virgem de vinte e três anos, só pedi um tempo para que
nos conhecêssemos melhor.
Pelo amor de Deus... nós namoramos pelo quê? Duas semanas? Só
queria me sentir mais segura. E isso tinha pura e simplesmente a ver com
química.
Talvez eu fosse uma romântica incorrigível, que queria ouvir sininhos e
suspirar com beijos de tirar o fôlego. Queria um cara que me tirasse dos eixos
e que me deixasse de pernas bambas. Era pedir demais? Provavelmente, sim.
Mas queria tentar, ao menos. Sabia que primeiras vezes podem ser dolorosas
e desconfortáveis, e permitir que acontecesse com alguém que não me
deixava sequer animada com a ideia me parecia burrice.
Como se quisesse me torturar, o filme que deixei passando na Netflix,
de romance, é claro, iniciou uma cena de sexo bem caliente, onde o cara
parecia saber exatamente o que estava fazendo, deixando a mocinha
completamente fora de rumo.
— Viu? Era disso que eu estava falando! — comentei sem nem pensar,
sozinha, parecendo a maluca que eu realmente deveria ser.
— Disso o quê, mulher? — Alessandra, minha melhor amiga e colega
de quarto, surgiu na sala, depois de acordar, e, ao me ver, seus olhos negros
se arregalaram. Eu deveria estar pior do que imaginava. — Bateu um furacão
aqui, e eu não vi? O que aconteceu com o seu cabelo?
Revirei os olhos e pausei o filme. O que tinha acontecido era que fazia
uns dois dias que eu não o penteava. Dormi na sala mesmo, acordei e
continuei ali, comendo pipoca de micro-ondas no café da manhã, porque não
estava com paciência para qualquer outra coisa. Provavelmente meus longos
e muito lisos cabelos deveriam estar parecendo um ninho de rato.
— Carol, não vai me dizer que você ainda está na fossa por causa
daquele babaca? — Alessandra se jogou na poltrona, lançando a almofada
que estava sobre ela na minha cara.
Minha amiga era designer e trabalhava em casa, como freelancer para
empresas. Assim que se acomodou, pegou o notebook, que estava sobre a
mesinha de café, e colocou no colo, ligando-o.
— Não é por causa dele, Alê. É por causa disso! — Apontei para a TV,
onde o casal estava congelado na mesma cena, ainda na maior pegação.
— Do Christian Grey? Ah, amiga, metade da população feminina do
mundo está na fossa por ele. Não é novidade.
Joguei a almofada de volta nela.
— Idiota! — resmunguei.
— Não, falando sério, Carol. Você está se culpando pelo que o babaca
fez? Só porque não transou? Pelo amor de Deus, ele não tem noção do que
perdeu, isso sim.
— Amiga, não é nada disso. É só que... — Suspirei, ajeitando-me no
sofá, colocando-me sentada e deixando a pipoca de lado. — Eu fico
esperando essa coisa de príncipe encantado, de homem perfeito, porque foi o
que minha mãe sempre me disse para fazer, mas... sei lá. E se eu nunca
encontrar o cara certo?
— É, eu não queria te deixar desanimada, mas homem e perfeito são
duas palavras que não deveriam entrar na mesma frase. É tipo: político
honesto. Cocô cheiroso. Dinheiro não traz felicidade... esse tipo de lenda.
— Já te falaram que você é quase uma filósofa contemporânea?
Alessandra Lispector. — Eu ia dizer mais alguma coisa, mas meu celular
tocou, sobre a mesa de centro da sala, e eu o peguei. Não fazia ideia que
aquela coisa ainda estava carregada, mas vi que não era ninguém indesejável
e atendi.
— Carolina Nascimento? — uma voz feminina do outro lado perguntou.
Não a reconheci, e pelo jeito formal como falou meu nome e sobrenome,
cheguei a ficar assustada.
— Sou eu — respondi, um pouco receosa.
— Bom dia, meu nome é Sílvia, eu trabalho na Antunes Viana, você fez
uma entrevista de emprego aqui, há uns dois meses e meio...
Eu tinha feito trocentas entrevistas nos últimos quatro meses. Em muitas
empresas, para ser sincera, para cargos diferentes. Recepcionista, secretária,
assistente administrativo, tudo que fosse bilíngue, já que eu era fluente em
inglês. Estava precisando muito de um emprego e por mais que fosse formada
em design, como Alessandra, tinha desistido de tentar algo na minha área, por
ser tão específico. Precisava trabalhar para pagar minhas contas, porque os
bicos que fazia não eram seguros. Minha amiga sempre me passava alguns
Jobs, quando ela não conseguia fazer, mas eu sabia que não era justo com ela.
E eu queria algo que me garantisse um pagamento na conta todo mês. Mesmo
que fosse em um cargo diferente do que esperei.
— Sim, claro. — Eu me lembrava daquela entrevista em específico,
porque a empresa era famosa. Tipo uma Leroy Merlin, com lojas espalhadas
por todo o país. Só não me lembrava o cargo, mas achei melhor não repassar
essa informação à tal Sílvia.
— Ah, que bom! É que nós contratamos uma menina, mas ela acabou
engravidando e pediu demissão. Encontramos o seu currículo, e você era a
nossa segunda opção. Estamos um pouco desesperados — ela deu uma
risadinha nervosa —, você ainda está disponível?
— Sim, estou. — Seria errado dizer isso? Porque ela ia pensar que eu
era tão incompetente que não tinha conseguido um emprego ainda. Mas seria
pior eu inventar que deixaria outra empresa na mão só porque queria muito
trabalhar na Antunes Viana.
— Ah, que ótimo! Você poderia começar na segunda? Temos que fazer
os exames de praxe e a documentação, mas queremos acelerar o processo. A
demanda de trabalho é grande.
— Posso, sim! Sem problemas.
— Perfeito. Seu WhatsApp é o mesmo número pelo qual estamos nos
falando? Se sim, vou te mandar toda a documentação que precisamos que
traga.
— É esse mesmo. Pode enviar.
— Te envio o endereço também, para o caso de você não ter mais
anotado. — Claro que eu não tinha. — Fica combinado, então, Carolina. Nos
vemos na segunda.
— Sim, obrigada.
Nós desligamos o telefone, e eu fiquei um pouco chocada. Em
pouquíssimos dias eu tinha ficado sem namorado, mas arrumado um
emprego. Ok, destino, era uma troca muito, muito justa. Eu poderia aceitar.
— O que foi? Você estava toda formal no telefone — Alessandra
perguntou, parecendo preocupada.
— Parece que acabei de arrumar um emprego. Na Antunes Viana.
— Uau! Parabéns, amiga! — Ela se levantou e veio me abraçar,
sentando-se ao meu lado e roubando uma pipoca da minha tigela. — Qual o
cargo?
— Não faço a menor ideia, mas quero. Não posso escolher muito, Alê.
Não na situação em que estou.
— To ligada. Mas de qualquer jeito, é uma ótima empresa. Com certeza,
eles têm um ótimo setor de marketing lá, com uma equipe de design. Você
pode tentar sondar e ser realocada. Só por isso, já acho que podemos sair hoje
para comemorar.
— Jura, miga? Olha o meu estado! — Apontei para mim mesma,
sentindo-me um desastre.
— Temos horas e horas até a noite. Você pode muito bem se arrumar
decente, e vamos fazer o seguinte? Você vai escolher um cara num bar hoje
para dar uns pegas. Um cara bem gato, bem gostoso, e Deus é testemunha de
que você está precisando ser pega de jeito, então vai caprichar no enviado.
— Não coloca Deus no meio de uma coisa assim — brinquei.
— Ok, ok. Mas o que acha da minha ideia?
O que eu achava? Estúpida, absurda, louca e sem noção. Eu não era o
tipo de mulher que sai para uma balada e beija um cara do nada. Os
pouquíssimos namorados que tive eram homens que eu conhecia há algum
tempo, com quem tive uma interação maior. Rapazes da faculdade, ou
amigos de amigas, coisas do tipo. Como eu teria coragem de deixar que um
completo desconhecido me tocasse?
Mas até onde que esse pudor todo me levou até aquele momento?
Corações partidos e a babacas que nunca souberam me dar o devido valor.
Quem sabe a ideia de uma noite nos braços de um estranho não pudesse
ser exatamente o que eu precisava? Beijos quentes, amassos numa pista de
dança, tudo sem compromisso?
Sim, a ideia começou a se formar na minha mente como algo muito
interessante.
— Ok, Alê. Você venceu. Vamos aloprar esta noite!
CAPÍTULO DOIS

Três copinhos de tequila foram erguidos em um brinde. Alessandra e


Tamires – outra amiga minha da faculdade que nos acompanhou – beberam
suas doses de um gole só, mas eu não era assim tão ousada. Nem tão
resistente. Se começasse daquele jeito, não duraria tanto quanto planejava
durar naquela noite. Estava animada, queria me divertir e comemorar.
O barzinho estava lotado, a música ao vivo era boa, e, sem dúvidas, a
perspectiva era muito melhor do que ficar em casa sem fazer nada.
— Ao emprego novo da nossa menininha aqui — Alessandra falou, já
bebendo um segundo copo, porque aquela era noite de dose dupla. Bateu-o na
mesa com força, e Tamires a imitou. Preferi continuar no primeiro. — Hoje é
o dia dela. A gente tem que escolher um cara bem bonitão para ela pegar.
— Vocês? — perguntei, erguendo uma sobrancelha. — Como assim?
Tamires e Alessandra se entreolharam, com expressões maliciosas.
— Amiga, sem ofensas, mas seu dedo é podre. Você não tem a menor
experiência com homens, e nós, duas, suas guardiãs — Alessandra falava
com uma voz solene, passando um braço ao redor dos ombros de Tamires —,
vamos caprichar e escolher um boy que vai te fazer ver estrelas só com a
pegada.
Cruzei os braços contra o peito, erguendo uma sobrancelha,
completamente incrédula.
— E vocês vão conseguir essa sensacional façanha só olhando para a
cara do sujeito?
— Tem homem que emana, sabe? — Tamires começou a movimentar
uma das mãos no ar, imitando o que quer que poderia “emanar” de alguém.
— Aquele homem que tem um olhar, um jeito de se movimentar, que de
longe você entende que é confiante, que tem aquela aura de sensualidade
natural.
— Uau, estou até ficando com a calcinha molhada! — Alê falou, talvez
mais alto do que deveria, porque dois rapazes, que estavam na mesa ao lado
olharam na nossa direção, sorrindo.
Eram bonitos, um negro e um de cabelos claros, que cravou os olhos em
Alessandra, enquanto tomava um gole da sua cerveja. Os dois começaram a
cochichar, mas não tomaram outra atitude e voltaram a conversar. Minhas
amigas não perceberam. Talvez eu estivesse com menos álcool no corpo.
Mais um pedido de dose dupla ao garçom, e assim que a tequila chegou
– eu ainda estava no meu primeiro copinho –, a próxima coisa que as doidas
decidiram fazer foi tirar uma foto nossa, com as mãos erguidas, segurando as
bebidas, para postar no Instagram.
Era gostoso estar com elas. Quem precisava de um homem quando se
tinha tão boas amigas? Nós começamos a conversar sobre outros assuntos,
principalmente sobre o mercado de design no Brasil. Tamires trabalhava
fazendo capas de livros, principalmente e-books, para autoras nacionais e até
gringas, e ela estava conseguindo pagar seus boletos numa boa. Alê já
costumava mais prestar serviços para empresas, agências e etc. Eu, por minha
vez, queria muito conseguir ganhar meu sustento com o que realmente amava
fazer, mas não era tão corajosa para me lançar no mundo freelancer.
O assunto logo se voltou para o meu novo emprego, e eu
surpreendentemente estava animada para que chegasse segunda-feira. Não
via a hora de ter meu salário certinho todo mês, e pelo que Sílvia me mandou
por WhatsApp ele era bem bom, especialmente por eu ser bilíngue. Fiz
algumas pesquisas na Internet sobre a empresa, mas ela não me informara
qual era o nome do diretor com quem trabalharia, por isso não pude também
caçar mais detalhes sobre ele – se era jovem, velho, se era conhecido por ser
um tirano ou gente boa. Estava torcendo muito pela segunda opção, porque
odiava trabalhar sob pressão.
— Aquele! — Alessandra, ao meu lado, falou alto novamente,
arrancando-me de meus pensamentos, que surgiram quando ficamos um
pouco em silêncio. — Ali, Carol. O de cabelos cacheados.
Dei uma olhada na direção para onde ela estava apontando e vi um cara
no melhor estilo Jesus Luz – sim, o da Madonna –, apoiado no balcão,
pedindo uma bebida.
Lindo. Tipão modelo. Pelo que eu conseguia enxergar, olhos caramelo
bem claros, camiseta de manga comprida, calça jeans com alguns rasgos.
Fiquei bem impressionada, sem dúvidas.
— Porra, Alê. É ele, sem dúvidas! — Tami concordou, erguendo o
copinho da terceira rodada de dose dupla, que elas já haviam pedido, e
virando-o. — Vai lá no bar, Carol! Se coloca do lado dele, pede algo... uma
água, que seja. Faça com que ele te note!
Será? Bem, eu não era assim tão desajeitada conversando com homens.
Por mais inexperiente e tímida que fosse, eu até me saía bem, e sabia que era
bonita. Nunca fui dada a falsa modéstia, embora não me sentisse uma
convencida.
Talvez desse certo.
Levantei-me, decidida, e minhas amigas urraram animadas, fazendo os
dois gatinhos da mesa ao lado olharem novamente para elas. Estavam tão
empenhadas em conseguir um homem para mim naquela noite que não
estavam se dando conta do óbvio.
Por isso, antes de ir ao bonitão do bar, cutuquei Alessandra e lhe chamei
a atenção para o que estava bem debaixo de seu nariz. Os quatro se
cumprimentaram com um erguer de copos, mas nada mais do que isso.
Foi só o tempo de eu olhar de novo na direção do bar para ver que o tal
moreno que chamou a atenção das minhas amigas e a minha já estava
acompanhado. Uma bela loira chegara, e eles trocaram um beijão apaixonado
que me fazia acreditar que eram namorados.
— Uau! — eu comentei, observando o beijo indiscretamente.
— Estávamos certas, ao menos, a respeito da pegada — Tamires disse.
Sim, elas estavam. Era um senhor beijo. Mas eu não o experimentaria.
Teria que escolher outra pessoa.
E elas realmente se empenharam. O mais bonito dos que foram
selecionados realmente fora o primeiro, mas o segundo era bem atraente
também. Um pouco mais magro, bem alto, cabelos curtos, boca bonita, olhos
claros, e eu fui. Consegui reunir toda a minha coragem e fiz o que as meninas
me instruíram. Cheguei perto, fazendo-me de inocente, e puxei assunto.
Em dois minutos descobri que ele era gay. Super simpático, gentil,
trocamos algumas palavras, mas tanto ele quanto eu nos afastamos
rapidamente, porque ambos estávamos em busca da mesma coisa.
Encolhendo os ombros, voltei para a mesa com as mãos abanando.
A terceira tentativa foi com um cara engravatado. Também não era
deslumbrante ou com uma aparência inesquecível, mas atraente o suficiente.
Cheguei a beber um segundo copinho de tequila para tomar coragem depois
dos dois primeiros fiascos, e as coisas pareceram correr bem. Olhou-me com
desejo, e nós conversamos por algum tempo. Ofereceu-me uma bebida, que
eu neguei, mas ele chegou a me fazer rir.
Tudo parecia estar correndo bem, até que eu notei a aliança em sua mão
esquerda.
Filho da puta!
Assim que a vi, tudo o que ele fez foi dar de ombros, como se não fosse
importante.
Ah, pelo amor de Deus! Eu não estava procurando um relacionamento
sério, mas beijar um cara casado? Nem pensar.
Dei uma olhada para a mesa das meninas e vi que os dois rapazes
tinham finalmente se juntado a elas. Enquanto retornava, já pronta para me
sentir sobrando, fiz dois sinais: um representando o anel no dedo esquerdo do
safado que tentei abordar, o que as deixou visivelmente indignadas, e outro
demonstrando que iria ao banheiro.
Elas assentiram, mas logo voltaram à conversa com os rapazes.
Entrei no banheiro, quase o sentindo como um refúgio. Quando voltasse
para a mesa, planejava dizer às meninas que ia pegar um Uber e dar a noite
como encerrada. Começava a me sentir cansada e frustrada. Talvez aquele
negócio de conhecer um cara em um bar e dar uns beijos sem compromisso
não fosse para mim. Provavelmente aquelas três tentativas frustradas eram
mais do que um sinal, que eu precisava interpretar da forma certa.
Voltar para casa, para a minha Netflix e minha pipoca: melhor escolha.
Descansar no final de semana e me preparar para uma semana de trabalho em
uma nova empresa? Melhor ainda!
Sim, era o que eu deveria fazer. Não era?
CAPÍTULO TRÊS

Não saberia dizer em que momento uma tradição se formou, mas era de
praxe eu e Fernando terminarmos em algum bar aleatório todas as sextas-
feiras, depois do trabalho. Naquela, em especial, estávamos em um na Barra,
mais perto de casa, porque tivemos uma reunião cansativa, onde precisamos
substituir nosso tio, que estava afastado por alguns dias, depois de um
princípio de infarto que muito nos assustara.
Tio Geraldo sempre foi uma rocha. Um homem que veio do nada e
construiu um império. Para nós, um exemplo. Para mim, mais do que meu pai
tinha sido. Aliás, fora exatamente a imagem do meu pai bêbado, traindo e
agredindo minha mãe, que me tornou o homem que eu era – focado e
workaholic. Vê-lo sucumbir de alguma forma foi mais desconcertante para
mim do que imaginei que poderia ser.
— Diazinho puxado, né? — Fernando comentou assim que nos
sentamos no bar e pedimos, cada um, uma dose de uísque, pura. — Como tio
Geraldo aguenta? Ele já tem o quê? Setenta anos?
— Mais do que isso, acho. Ele era o mais velho dos três irmãos. — E o
único que durou também. Tanto meu pai quanto a mãe de Fernando já
haviam partido. Aliás, nós dois éramos órfãos, e nosso tio fez um ótimo papel
praticamente nos criando. Éramos como filhos para ele, já que não tivera
nenhum com sua esposa de longa data, nossa doce tia.
— Nós dois, com trinta e sete, somos uns reclamões. Garanto que se
fosse ele, estaria lá, feliz da vida, comandando aquela gente toda para que
comesse na sua mão. O cara é um mestre.
Não pude deixar de sorrir, enquanto levava o copo à boca, pensando no
quanto meu primo estava certo. Tio Geraldo era mesmo um mestre. Um
comandante perfeito para o navio que a Antunes Viana se tornara.
Um de nós dois teria que assumir seu lugar quando ele se aposentasse, e
de acordo com o que tia Adelaide dissera, ela estava muito empenhada em
conseguir que isso acontecesse mais cedo ou mais tarde.
Aparentemente, esse era o mesmo pensamento de Fernando.
— Já pensou em um de nós no lugar dele? — comentou, de forma quase
sorrateira, como se não fosse importante.
Mas era. Quem quer que fosse assumir o posto, teria que fazê-lo com
honra, porque devíamos isso ao homem que nos deu tudo.
— Penso, mas não gosto tanto da ideia — respondi com convicção.
— Como não? Não é para isso que trabalhamos tanto?
— É e não é. Eu trabalho para a empresa continuar sendo o que é. Gosto
do que faço e largar o setor jurídico para cair na parte administrativa da
empresa seria algo que não me agradaria. Mas faria isso, se fosse desejo do
nosso tio.
Fernando assentiu, dando mais um gole em sua bebida. Sempre que
conversávamos sobre a aposentadoria de tio Geraldo, ele se mostrava tão
relutante quanto eu. Naquela noite, em contrapartida, eu tinha a impressão de
que isso mudara. Ele parecia mais interessado em ser o sucessor do que antes.
— A gente não sabe o que se passa pela cabeça dele, né? Nunca mostrou
distinção entre nós, e sempre trabalhamos igual. Nunca fomos negligentes,
então eu realmente não sei qual de nós dois ele vai escolher.
Fiquei em silêncio por algum tempo, ponderando. Fosse quem fosse que
ele escolhesse, só teria mais atribuições e responsabilidades. Mais poder
também, é claro, e mais dinheiro, mas isso não era tudo.
Um dia pensei que fosse, mas depois que perdi minha esposa meus
conceitos mudaram um pouco.
— Não sabemos, mas seja quem for o escolhido, vai dar conta. Ele não
entregaria sua preciosa cadeira de CEO para alguém que não fosse
extremamente capaz.
Fernando novamente assentiu, pensativo. Havia algo de diferente em seu
comportamento naquela noite, mas quem seria eu para compreendê-lo? Não
que não tivesse um relacionamento próximo com o meu primo. Porra, nós
éramos como irmãos, e àquela altura da vida praticamente deveríamos ser
capazes de ler o pensamento um do outro, mas há algum tempo ele vinha
fazendo coisas com as quais eu não concordava, por isso era um pouco difícil
compreendê-lo.
Como, por exemplo, o que aconteceu logo em seguida.
Uma belíssima loira parou ao nosso lado, no balcão, com um vestido
vermelho e um decote que não deixava muito para a imaginação. Fernando
deu uma olhada para ela de cima a baixo e lambeu os lábios.
— Pelo amor de Deus, Mau, me diz que você vai chegar naquela deusa
— ele comentou, ainda sem tirar os olhos da moça, que jogava os cabelos
para trás. Ela não estava nem olhando na nossa direção, apenas se sentou e
pegou sua bebida.
— Ela pode estar esperando alguém — foi o que eu respondi, e ele
concordou, assentindo.
Minutos depois, de fato, eu acertei no meu palpite. Mas a loira logo se
levantou com um sorriso, pronta para receber outra garota. Tão bonita quanto
ela, de cabelos cacheados castanhos.
— Olha só... é Deus mandando presentes para nós depois de um dia tão
cheio. Vou até deixar você escolher qual quer, porque aquilo ali é a perfeita
definição do “tanto faz”.
Eu sabia que Fernando não era fiel à esposa. Isso me deixava muito
constrangido quando os visitava, porque Luana era uma mulher incrível.
Doce, dedicada, tinha uma carreira no ramo da moda, era ex-modelo, linda e
era louca pelo marido. Não havia motivos para que meu primo reclamasse de
seu casamento, mas ele sempre fora o pegador de nós dois. Não que eu não
tivesse um passado, algumas mulheres passaram pela minha cama,
principalmente na época da faculdade, mas depois de Ísis, nunca mais toquei
em outra. Tanto durante nosso namoro quanto no casamento e nos cinco anos
de viuvez.
Claro que eu sentia falta de sexo, mas tinha me acostumado demais a
fazê-lo com algum sentimento envolvido para sair distribuindo assim, de
qualquer jeito, com alguém de quem eu sequer me lembraria o nome depois
de alguns dias.
— Nando, eu não tenho o menor interesse em sexo casual, e você sabe
disso — respondi, enfático, e meu primo revirou os olhos.
— Então deveria, pelo menos, estar tentando conhecer alguém. É muito
tempo enferrujado, Mau. Eu não aguentaria.
— Você não aguentaria nem um dia sem sexo — respondi, tentando
manter o tom de brincadeira, embora não aprovasse seu comportamento. Não
quando havia uma mulher incrível esperando-o em casa.
Até onde eu sabia, Luana tinha conhecimento dos casos extraconjugais
de Fernando. Ou talvez apenas suspeitasse, mas era discreta o suficiente para
não deixar transparecer se isso a magoava.
Com o meu comentário, meu primo abriu um sorriso safado, de canto,
que ele deveria achar muito charmoso. Era um cara bonito, estava sempre
bem vestido, tinha um carro chamativo e muito dinheiro, as mulheres caíam
aos seus pés, e ele não conseguia resistir.
— Nunca. Você vai mesmo rejeitar as gatas ali? — Fernando apontou
para as duas mulheres, e eu dei de ombros, bebendo mais um pouco do meu
uísque. Eram garotas muito bonitas, e eu poderia passar alguns momentos
divertidos com uma dela nos braços, mas seria só isso. No dia seguinte o
vazio reapareceria.
Naqueles últimos meses, desde que começamos a sair juntos, eu tinha
tentado conversar com mulheres, cheguei a beijar uma delas, mas não
consegui sentir nada além de uma atração física. Provavelmente quando a
gente se acostuma a algo especial não quer nada menos do que isso.
Claro que eu não poderia esperar sentir por outra mulher o que senti por
Ísis, ao menos não tão rápido, mas eu só queria algum tipo de conexão.
— Posso tentar a sorte? Dou conta das duas.
— Vá em frente. Só acho que você deveria parar com isso. Luana não
merece — aquela era a milésima vez que eu lhe dizia aquilo. E diria mil
vezes mais, embora soubesse que entraria por um ouvido e sairia pelo outro.
— Ela não merece, mas o que eu posso fazer? Sou um homem de sorte.
Ele nem fazia ideia do quanto...
— Bem, faça o que quiser. Não quero testemunhar. Vou passar no
banheiro e ir para casa.
Ele ficou falando alguma coisa, mas nem lhe dei atenção, fui direto, sem
lhe dar ouvidos. Algum dia eu contaria para Luana.
Entrei no banheiro, fechei a porta e continuei com esse pensamento.
CAPÍTULO QUATRO

Olhando-me no espelho, foi que a pergunta subitamente surgiu: o que


diabos eu estava fazendo?
Eu não era aquele tipo de garota. Não saía caçando homens em um bar
só para provar algo. Qual era a importância de ter sido traída por um babaca
só porque não quis abrir as pernas? Ele perdera, não eu.
E não precisava sair beijando um desconhecido para me auto-afirmar.
Não precisava de um homem para ser a melhor versão de mim mesma.
Arrumei meu cabelo, passando a mão por ele, deixando-o cair como
uma cascata negra e lisa pelas minhas costas. Corrigi o batom e chequei meus
olhos, que estavam maquiados, realçando o tom amendoado, quase dourado.
Eu tinha um nariz longo, que me dava uma aparência quase árabe, mas
combinava com o meu rosto.
Respirando fundo, preparei-me para sair do banheiro e encontrar as
minhas amigas, para avisar que iria embora. Queria que elas tivessem mais
liberdade para conhecerem os rapazes que foram se sentar com elas e que não
ficassem se privando por minha causa.
Só que, no momento em que abri a porta, mexendo na minha bolsa para
conferir se estava tudo ali, trombei com uma pessoa.
— Me desculpa, eu... — No momento em que ergui os olhos, lá estava o
babaca do meu ex, Álvaro. Tentei dar um passo para trás, mas ele agarrou
meus braços. — O que você está fazendo aqui?
— Estava pelas redondezas. Sua amiga fez um post no Instagram e
marcou a localização. Achei que poderia ser uma boa ideia passar aqui para
conversarmos. — Droga! Alessandra era louca? Eu odiava quando cometia
aquele tipo de imprudência.
Ficar marcando localização em mídias sociais era a coisa mais
descuidada que alguém podia fazer. Era um prato cheio para stalkers ou
doidos fazerem a festa. Lá estava a prova.
Tentei me desvencilhar das mãos de Álvaro, mas ele me segurou com
mais firmeza.
— Calma, princesa. Eu só quero conversar. Me desculpar pelo que
aconteceu. Foi uma burrice da minha parte. Você vale a pena, e eu deveria ter
te esperado... Só que sou homem, você entende, né? — Sem nenhuma
permissão, ele colocou um braço ao redor da minha cintura, o que me fez
arregalar os olhos. — Você ta tão gata, pelo amor de Deus. Como eu sou
idiota!
— Ah, isso você é! Mas acabou, Álvaro... eu não quero mais. Você me
traiu, me desrespeitou.
— Não faz assim, linda. O que veio fazer aqui assim, toda gostosa desse
jeito, hein? Veio tentar me substituir? Foi rápido. Mas só vou sair daqui com
você. Não precisamos fazer nada do que não queira, mas posso tentar, não
posso?
Ele inclinou a cabeça e começou a beijar meu pescoço, enquanto eu
tentava empurrar seu peito, para que conseguisse me soltar.
— Não, Álvaro! Não! — falei, ainda tentando me desvencilhar, até
chegando a socar seu braço, mas eu podia sentir o hálito de álcool, o que me
dava nojo.
Só que ele pareceu não se importar com minhas recusas, e eu comecei a
me perguntar: como consegui namorar este cara?
Como consegui permitir que colocasse esta boca nojenta na minha e me
beijasse?
E...
— A moça disse não.
Uma voz masculina surgiu do nada, fazendo Álvaro finalmente parar de
me beijar. Seus braços se afrouxaram ao meu redor, e eu consegui dar um
passo para trás, embora sentisse minhas pernas fracas.
A sensação de ser pega à força era... Deus, não era apenas revoltante.
Era quase dolorosa. Sentia minha vulnerabilidade muito mais acentuada,
como se algo parecido pudesse acontecer a qualquer momento, vindo de
qualquer lado.
— E quem é você, seu idiota? — Ouvi Álvaro falar, mas estava tão
apavorada que mal ergui a cabeça para ver quem era o homem que,
aparentemente, tinha me defendido.
— Alguém com um pouco mais de bom senso do que você.
— Está pegando? Que pena para você! Ela é gostosa, mas não abre as
pernas.
Vi o homem desconhecido dar um passo na direção do idiota do meu ex
e colocar-se à sua frente. Só consegui vê-lo de costas, mas era um cara
grande, de ombros largos, cobertos por um paletó bem cortado em um tom de
grafite. Seus cabelos eram escuros, um pouco mais escuros que os meus, e
eram lisos.
Não consegui ver seu rosto, no entanto.
— Eu acho que seria melhor você sair daqui. Aparentemente a moça não
quer mais nada com você. Não se humilhe, é patético.
— Você está com ela? — Álvaro repetiu a pergunta. Eu queria me meter
na conversa, mas os dois mais pareciam prontos para lutar em um ringue de
MMA.
Quem era aquele homem?
— Não, mas ela pode contar comigo para defendê-la, caso você continue
insistindo em agredi-la.
Álvaro ia dizer mais alguma coisa, mas apenas lançou um olhar para
mim, deu as costas e se afastou. O homem de quem eu ainda não sabia o
nome continuou parado, na mesma posição, como se vigiasse os passos do
meu ex, pronto para continuar com suas ameaças.
Queria agradecê-lo, perguntar seu nome, mas de alguma forma eu não
conseguia me mexer.
Como fora incrivelmente simples para Álvaro simplesmente me agarrar
no meio de tanta gente, quase impune. Se não fosse aquele cara, o que mais
teria feito? Teria conseguido me empurrar para um daqueles banheiros? Teria
continuado a me tocar sem minha permissão?
Por que os homens insistiam em usar de força para pegar o que não lhes
pertencia?
— Ei, você está bem? — a voz que soara tão firme anteriormente
assumira um tom um pouco mais suave, e o homem finalmente virou para
mim.
Seu rosto entrou em foco, e eu me deparei com olhos muito azuis, de um
tom cristalino. O cabelo caía um pouco na testa, realmente liso, mas como
veludo. Um maxilar quadrado estava sombreado por resquícios de uma barba,
e a boca tinha um formato bonito, quase desenhado, com um tom bem vivo.
Ele estava bem vestido, com paletó, blusa social, mas sem gravata. Colarinho
aberto. Aparentemente havia músculos sob sua roupa.
Mas eu só consegui perceber tudo aquilo porque fiquei um pouco aérea,
ainda pensando no incidente de minutos atrás.
Assenti, para responder-lhe, porque não queria parecer uma idiota, e dei
um passo à frente, apenas por dar. Só que minhas pernas vacilaram, de tão
nervosa que eu estava, e eu jurei que ia cair no chão, mas o desconhecido
novamente veio em meu auxílio, segurando-me firmemente.
Ergui meus olhos, encontrando os dele, e senti lágrimas os pinicarem.
Não seria um choro compulsivo, apenas a prova de que minha fragilidade
naquele momento me deixara um pouco mais abalada do que deveria.
— Me desculpa... eu estou um pouco nervosa — falei, finalmente,
esperando que conseguisse me ouvir.
— Não é de se admirar — ele respondeu, ainda me mantendo em seus
braços para me firmar. — O cara te machucou? — novamente o tom de voz
suave. Seu olhar também era gentil, e eu mal conseguia me lembrar da última
vez em que um homem agira daquela forma comigo.
— Não. Obrigada, aliás.
O desconhecido ainda não tinha me soltado, mas, diferente de Álvaro,
ele não o fazia para me subjugar. Parecia ter medo de que eu não conseguisse
me manter de pé, depois de ter cambaleado.
— Você está tremendo. Posso te levar para tomar uma água? Juro que é
sem segundas intenções.
Sim, ele não parecia estar mal-intencionado, de forma alguma. Ainda
assim, era estranha a sua atitude.
— Por que está fazendo tudo isso? Você mal me conhece.
Ele respirou fundo, finalmente me soltando, mas mantendo-se perto o
suficiente para me socorrer novamente, se fosse necessário.
— Eu fui casado. Gostaria que alguém fizesse isso por minha esposa, se
ela precisasse.
— Oh... — foi tudo o que consegui responder, comovida por sua atitude.
Houve uma mudança de expressão, e seus olhos se tornaram tristes de
repente, o que me fez acreditar que, por algum motivo, ele se sentia
melancólico a respeito daquela esposa. Mas ele usou o verbo no passado,
não?
— Então, o que acha da ideia da água? Eu te acompanho.
Hesitei um pouco, mas balancei a cabeça positivamente. Se voltasse
para a mesa das minhas amigas, nervosa como estava, eu iria estragar a noite
delas. Se ficasse sozinha, temia que Álvaro pudesse voltar, ainda mais com
raiva. Aquele homem era um estranho, mas parecia gentil o suficiente para
ser uma boa companhia até que conseguisse me recompor.
— Qual o seu nome? — ele perguntou enquanto me guiava, com a mão
cuidadosamente pousada na curva das minhas costas. De alguma forma, seu
toque não me parecia abusivo. Ele era respeitador, e isso teria que ser levado
em consideração.
— Carolina.
— Prazer, Carolina. Eu sou o Maurício. — Chegamos ao bar, e ele me
ajudou a subir em um dos bancos, pedindo uma água ao barman. Sentou-se
ao meu lado e pareceu procurar alguém por alguns instantes.
— Estou interrompendo alguma coisa, não é? Sendo a chata da noite —
falei, tentando sorrir, mesmo sem muita vontade.
— Eu já ia embora. Meu primo, aparentemente, saiu acompanhado —
explicou, com um sorriso sexy de canto, e foi então que eu me dei conta:
Pelo amor de Deus, ele era bonito. Ridiculamente. Deixava até o Jesus
Luz de mais cedo em segundo lugar. Além disso, havia uma aura de poder e
confiança que poderia fazer qualquer mulher perder o ar.
— Se você quiser ir...
— Não, tudo bem. Não vou te deixar sozinha depois de aquele sujeito
fazer o que fez. Vamos esperar que se acalme, depois vemos o que faremos,
ok?
Fofo. Além de lindo, o cara era adorável.
Dei uma olhada na direção da mesa das minhas amigas e vi Alessandra e
Tamires aos beijos com os carinhas. Só que minha colega de quarto olhou na
minha direção, sem querer, vendo Maurício em minha companhia. Ela deu
uma checada no cara por inteiro e ficou boquiaberta, fazendo um joinha,
como se eu tivesse acabado de fisgar um peixão.
Mal sabia ela que não tinha nada a ver com o que estava pensando. O
cara só estava sendo gentil. Nada mais.
CAPÍTULO CINCO

Se tinha uma coisa que me deixava fora de mim eram valentões que se
aproveitavam da fragilidade de outras pessoas. Eu não era nenhum herói, é
claro, mas não costumava fechar os olhos para esse tipo de injustiça.
Especialmente quando havia várias pessoas ao redor e nenhuma delas
levantava um dedo para defender uma mulher indefesa que estava
visivelmente sendo molestada por um idiota qualquer.
Pelo que entendi, o sujeito era ex-namorado dela. Um covarde.
Acompanhei-a até o bar e pedi uma água. A garota tremia, mas vi
quando respirou fundo, esforçando-se para se recompor enquanto levava o
copo à boca.
— Você está sozinha? — perguntei, um pouco preocupado. O que lhe
disse era verdade. A forma como minha esposa morreu me fazia lamentar não
ter estado por perto para protegê-la. Gostaria que alguém tivesse feito isso na
época, e eu odiava pensar em uma garota sem companhia, acuada por um
cara agressivo, em meio a um bar lotado.
— Estou com duas amigas, mas acho que elas não vão durar aqui por
muito tempo. — Ela pousou o copo sobre o balcão e apontou para uma mesa,
onde duas mulheres estavam aos beijos com dois rapazes.
Quando me voltei para ela novamente, eu a vi dar de ombros e sorrir
pela primeira vez.
E também pela primeira vez reparei no quanto era bonita.
Jovem. Bem jovem. Uns vinte e dois, vinte e três anos. Alta, bem
magrinha, cabelos lisos e escuros, uma aparência suavemente exótica. Mas os
olhos... eram fascinantes. Eram quase dourados, e estavam maquiados de uma
forma que os destacavam, deixando-os ainda mais expressivos.
Eu a estava observando por tempo demais, tanto que a moça voltou sua
atenção para o copo. Não queria parecer mais um dos babacas que deveria
cobiçá-la, porque não era o caso. Por mais atraente que fosse... Não estava
procurando por aquele tipo de coisa. E ela, provavelmente, também não.
Ficamos em silêncio, e eu aproveitei a proximidade do barman para
pedir algo para beber também, mas optei por algo não alcoólico. Um
refrigerante daquela vez. Aparentemente Fernando tinha mesmo saído com as
duas mulheres, e eu não estava mais a fim de beber. Não estava de carro,
pegaria um táxi, mas tinha um limite do quanto me permitia embriagar. Não
que fosse fraco para bebidas, mas odiava a sensação do dia seguinte.
Dei o primeiro gole e ouvi Carolina – este era o nome dela, não? –
suspirar.
— Olha, sei que você não me conhece, mas eu não sou esse tipo de
garota — ela falou do nada. Voltei minha atenção para ela, com o cenho
franzido.
— Que tipo de garota? — indaguei, erguendo uma sobrancelha no
momento em que olhou para mim.
— Que fica com aquele tipo de cara.
Um dos cantos da minha boca se curvou em um sorriso.
— Você não precisa se explicar — respondi, dando mais um gole na
coca-cola. E era verdade, ela não precisava dizer nada. Eu era apenas um
estranho, um cara em quem ela esbarrara e que decidira ajudá-la. Só que não
poderia negar que não passara pela minha cabeça o motivo de uma garota que
parecia tão tímida e doce dar uma chance para um babaca como aquele. —
As pessoas escondem quem verdadeiramente são, não é? É muito fácil fingir.
— Sim, é bem isso. Mas nem todo mundo sabe fazer esse tipo de coisa.
— Ela também sorriu. — Às vezes eu acho que sou muito boba ou ingênua.
Sempre acredito no melhor das pessoas, e isso só me faz quebrar a cara.
— Nem sempre isso tem a ver com ingenuidade. Pode ser algo da sua
personalidade.
— Deve ser genético. — Seu sorriso se ampliou, e ela ganhou um ar
sonhador, enquanto seu dedo brincava com a borda do copo. Era uma coisa
um pouco aleatória, mas reparei que o esmalte que usava nas unhas era bem
clarinho. Além disso, elas não eram muito longas, bem naturais. — Minha
mãe era coração mole também.
— Era?
Carolina ergueu os olhos encantadores novamente para mim, quase
constrangida.
— Desculpa, não é o tipo de conversa para se ter em um bar, ainda mais
com o seu herói da noite. — O sorriso largo se repetiu. Era doce, adorável e,
novamente, natural. Talvez fosse uma característica dela. — Aliás, obrigada.
Se não fosse você...
— Eu só estava no lugar certo, na hora certa.
— Outras pessoas também estavam. E não fizeram nada.
Nossos olhares se encontraram por alguns minutos, em silêncio, ambos
muito sérios. Mas era isso, não era? O mundo constantemente fechava os
olhos para esse tipo de coisa. Para a dor do outro, para as opressões. Eu não
queria ser esse tipo de pessoa, embora nem sempre fosse possível fazer
alguma coisa.
— Aceite. Eu te devo um enorme obrigada — ela acrescentou, ainda
mantendo um sorriso. — E só para não te deixar sem resposta... minha mãe
faleceu há três anos. Mas não quero conversar sobre isso. — Fez uma pausa e
prosseguiu, pouco tempo depois: — Na verdade, você nem precisa conversar
comigo, se não quiser. Não quero ficar te atrapalhando.
— Por que eu não iria querer? — indaguei, intrigado.
— Ué, porque você é um cara bonito, está sozinho em um bar,
provavelmente tem planos.
— Eu não estava sozinho. Minha companhia fez o mesmo que as suas.
Para ser sincero, só queria ir embora.
Carolina ficou boquiaberta, apressando-se em terminar de beber sua
água.
— Poxa vida, desculpa. — Ela foi colocando a mão na bolsa, apressada
e um pouco afobada. — Vai lá, eu posso pagar a minha água e seu
refrigerante. É o mínimo que posso fazer para... — Em um gesto impensado,
coloquei minha mão sobre a dela, para impedi-la de continuar.
— Ei... calma. Não está sendo um fardo ficar aqui com você. Talvez a
perspectiva de conversar seja muito mais interessante do que ir para casa tão
cedo. — Novamente aqueles olhos fascinantes me olharam com curiosidade,
sérios e surpresos. — A não ser que você queira ou precise ir.
— Não, também não estou muito animada para ir para casa agora. Pelo
visto, minha colega de quarto não vai voltar esta noite. — Ela apontou com a
cabeça para a mesa, e eu assenti. — Eu não sou muito de baladas, mas hoje
queria comemorar.
— Comemorar? Posso perguntar o quê?
Novamente o sorriso se engrandeceu.
— Vou começar em um emprego novo. Estou animada.
— Ah, parabéns! Vamos brindar, então, se você não se importar que
estejamos bebendo água e coca-cola... — Ergui meu copo, e ela o tocou com
o dela.
— O melhor tipo de brinde. Não sou muito de álcool.
Tomamos um gole, cada um de seu copo, e os pousamos sobre o balcão.
— O que você vai fazer nesse novo emprego?
Carolina começou a rir.
— Você vai me achar muito louca se eu disser que não sei exatamente?
É que fiz muitas entrevistas e não tenho muita certeza de qual é o cargo. Mas
estou feliz. Estava precisando de um emprego. Gosto de trabalhar.
— Então temos isso em comum. Sou um pouco workaholic.
— Hum, o que você faz?
— Sou advogado. — Achei que a informação era suficiente. Por mais
adorável e gentil que a moça fosse, eu não a conhecia. Percebi que tomava
alguns cuidados para não me passar dados muito precisos, e ela estava certa.
— Ah, por isso a roupa social. Entendi.
Carolina deu a última golada em sua água, e, por algum motivo bobo,
comecei a lamentar que pudesse, de repente, decidir ir embora. Fazia tempo
que não conversava com alguém daquela forma, sem pretensões, sem que a
pessoa soubesse quem eu era e decidisse puxar o meu saco por eu ter um alto
cargo na empresa ou por ser o sobrinho do CEO. E como tinha dito para ela,
não queria mesmo voltar para uma casa vazia e escura. Não naquela noite.
Sendo assim, decidi perguntar:
— Vou pedir mais uma coca para mim, quer mais uma água? Ou alguma
coisa diferente? — Foi quase uma deixa para saber se Carolina pretendia ficar
mais algum tempo ali.
Vi quando olhou de soslaio para suas amigas, e eu fiz o mesmo, vendo-
as rindo e ainda animadas com os caras que beijavam minutos antes.
Então Carolina novamente sorriu para mim.
— Acho que vou optar por algo mais forte. — Ergueu uma sobrancelha,
divertida e doce. Bastante adorável. — Um guaraná dessa vez! — brincou,
como se fosse dizer uma tequila ou uma vodca.
Não pude deixar de sorrir e fiz um sinal para o garçom, súbita e
estranhamente animado pela minha companhia daquela noite.
CAPÍTULO SEIS

Ele não era um homem de gargalhadas. Seus sorrisos eram contidos. A


voz comedida era melodiosa, mas havia um quê de melancolia em seu tom.
Seus olhos, muito azuis, contavam uma história que ele provavelmente queria
manter em segredo. Parecia cansado de algo, embora eu não pudesse ter
certeza do quê.
Claro que não. Mal o conhecia.
Maurício era um homem extremamente bonito, que preferia ficar
conversando com uma garota careta e que obviamente não iria transar com
ele naquela noite ao invés de ir buscar uma mulher que lhe desse bola. Que
seria qualquer uma naquele recinto. Se ele piscasse para uma das minhas
amigas, os rapazes com quem estavam se atracando não teriam chance. Ele
era tudo o que elas tinham descrito quando chegamos ao bar – a aura de
confiança, o charme, a sensualidade nata. E mais. Era um cavalheiro. Um
cara legal o suficiente para defender uma desconhecida.
Nenhum de nós parecia estar em busca de algo mais do que companhia.
Do que uma conversa inocente com alguém interessante o suficiente para
prender nossa atenção – ou ao menos eu esperava que ele pensasse assim de
mim. Ainda assim, havia momentos em que simplesmente ficávamos em
silêncio e nos olhávamos.
Não um olhar comum. Era uma mistura de intensidade com dúvida.
Uma curiosidade, talvez. Não que eu fosse experiente em interpretar reações
de homens, mas às vezes eu o sentia na mesma vibe que eu.
E se...?
Conforme continuávamos a conversar e a nos conhecer – embora
nenhum dos dois parecesse muito disposto a dar detalhes de sua vida privada,
por uma questão de segurança –, eu ficava me perguntando o que faria se ele
tentasse algo mais.
Se desse a entender que queria... sei lá... me beijar.
A ideia inicial, quando entrei naquele bar, era ficar com um cara
aleatório, não era? Deus, eu cheguei a flertar com dois homens, e só não
foram três, porque o primeiro estava acompanhado. Maurício, sem dúvidas,
seria a minha escolha, se houvesse uma. Chamaria a minha atenção de longe,
mesmo no meio de muitos outros. Enquanto conversávamos, ele foi só se
mostrando mais atraente.
Mas só podíamos parar nisso: um diálogo e um flerte casual, uma troca
de momentos aleatória; um encontro perdido do destino.
De repente, enquanto eu estava contando a ele sobre a minha faculdade
de design, sobre o quanto gostaria de trabalhar na minha área, meu celular
vibrou dentro da bolsa, que estava no meu colo.
Pedi um instante e o peguei, percebendo que se tratava de uma
mensagem de Alessandra:

ALESSANDRA: VAI FICAR SÓ NA CONVERSA COM O GATO?


ANDA LOGO E BEIJA. EU E TAMI VAMOS AGIR. PRECISA DE
CARONA?

Eu sabia muito bem o que ela queria dizer com “agir”. Minhas amigas,
com certeza, iriam esticar a noite com os rapazes em outro lugar. Um motel,
provavelmente. Ou seja, eu teria que voltar para casa de Uber. Por mim tudo
bem, mas não queria, de forma alguma, estragar a noite delas.
Por isso, respondi:

CAROLINA: PODE IR, AMIGA. ESTAMOS NOS


CONHECENDO AINDA. ELE É LEGAL.

Maurício era mais do que legal, mas achei melhor não dar detalhes, ou
minha amiga me encheria de incentivos para eu sair agarrando o homem. Na
mensagem seguinte recebi alguns, aliás, mas encerrei a conversa rápido,
guardando o celular de volta na bolsa.
— Está tudo bem? — ele perguntou, logo depois de beber um pouco de
seu refrigerante. Nenhum de nós optara por algo alcoólico, de fato.
— Ah, sim. Era a minha amiga avisando que estava indo para outro
lugar com o carinha. Perdi minha carona — eu falei brincando. De verdade.
Mas Maurício rapidamente franziu o cenho.
— E como vai voltar para casa? — Fofo. Ele parecia realmente
preocupado. Era esse tipo de homem.
O tipo de homem que poderia mexer facilmente com uma mulher
desavisada, principalmente uma inexperiente como eu.
— De Uber.
Maurício checou seu caro relógio de pulso.
— São quase três da manhã. É perigoso uma mulher bonita voltar
sozinha, em um Uber, a essa hora.
Uma mulher bonita.
Isso não deveria me deixar tão envaidecida, porque era um elogio
simples; um que eu já havia recebido muitas vezes. Mas, de alguma forma,
soava diferente vindo de um cara como ele. Não o conhecia há mais do que
algumas horas, mas tinha a pequena impressão de que Maurício não
distribuía elogios facilmente.
Dei de ombros para o seu comentário.
— É o que tenho. Não posso ficar aqui no bar até amanhã — respondi
em tom de zombaria, dando leveza à conversa, porque não queria que ele
pensasse que eu estava com medo.
Não é que não estivesse, mas eu poderia me cuidar sozinha.
— Eu posso te levar. Não estou de carro, mas pegamos um táxi ou uber
juntos, eu te deixo em casa e depois vou para a minha.
— E onde você mora?
— Aqui na Barra mesmo. — Nós estávamos em um barzinho no bairro
onde ele morava. Ele só podia ser doido.
— Maurício, eu moro na Taquara. — Era um bairro até próximo, mas
ele teria que dar uma volta desnecessária. — Por que raios você iria me levar
em casa, podendo chegar na sua em poucos minutos?
Ele ficou muito sério.
— Porque eu não ficaria com a consciência tranquila imaginando você
indo sozinha. Já te disse... é o que eu gostaria que fizessem pela minha
esposa, se fosse o caso.
A tal esposa. Ele não a mencionara de novo até aquele momento. Não
havia aliança na sua mão esquerda, e daquela vez ele usara de um verbo no
passado para falar dela. Só que não a tratava como ex.
Sentindo-me um pouco mais ousada, decidi perguntar:
— Sua esposa deve ser muito especial — joguei com cautela, mas
imediatamente me arrependi. O semblante de Maurício simplesmente se
transformou. Não que ele parecesse divertido ou leve em algum momento,
porque a amargura era mais do que evidente, porém seu rosto bonito
imediatamente transfigurou-se em uma máscara de seriedade. Quase sombrio.
— Sou viúvo.
Ele não precisou dizer mais nada. Rapidamente soltei um suspiro,
compreendendo o quão sem noção tinha sido a minha pergunta. Por que não
imaginei desde o princípio que havia algo de muito enfático na forma como
ele se referia a ela? Como se houvesse um tom solene, quase nostálgico.
Claro que ele era viúvo. Fazia todo o sentido.
— Desculpa — pedi, abaixando a cabeça, e o ouvi respirar fundo.
— Não, por favor. Não se desculpe. Você não tinha como saber.
Mas poderia ter imaginado, né? Sonsa!
Ficamos alguns instantes em silêncio, mas eu ergui meus olhos para ele
e o vi tão triste, como se precisasse de um alento. Eu, talvez, não fosse a
pessoa certa para oferecer conforto a alguém daquela forma, porque não era
tão boa com as palavras, mas decidi tentar:
— Olha, se quiser falar sobre ela... Posso ser boa ouvinte.
Ele continuou olhando para mim, e seus olhos finalmente se tornaram
mais cálidos. Ternos. Até um sorriso surgiu, e eu me senti quase especial por
merecer um em meio àquela conversa melancólica.
— Obrigado. Mas, não. Você não me falou da sua mãe, não vou falar da
minha esposa. Certo? — Ele ergueu seu copo, como em um brinde. Toquei-o
com o meu.
— Muito justo.
A conversa logo voltou a algo menos pesado, até eu começar a me sentir
um pouco cansada e perceber que o bar estava praticamente vazio. Quando
um dos funcionários começou a arrumar as mesas, eu e Maurício olhamos um
para o outro, rindo.
— Acho que passamos um pouco da hora. — Mais uma vez ele checou
seu relógio e o apontou para mim, o que me deixou boquiaberta. Passava das
cinco.
Daqui a pouco amanheceria.
— Acho que nunca fiquei até tão tarde na rua.
— Talvez seja hora de te levar em casa... — Ele disse isso, e eu assenti,
mas nenhum dos dois se levantou. Nenhum dos dois se mexeu. Apenas
continuamos trocando olhares, como se tivéssemos mais a dizer.
Só que não dissemos.
Maurício pagou a conta, depois de alguma insistência, e chamou um táxi
de um aplicativo de seu celular. Como estava próximo, não demoramos a
entrar nele. Exatamente como prometido, fui levada em casa, e ele saltou em
frente ao meu prédio, pedindo para o motorista esperar um pouco.
Esperou que eu abrisse o portão com a minha chave, com as mãos para
trás, nas costas, cabeça baixa. Quando me virei para me despedir, abri um
sorriso, sentindo-me constrangida.
O que aconteceria? Será que ele iria me beijar?
Por um momento jurei que sim, porque olhou para a minha boca, e um
lampejo de desejo surgiu em seus olhos. Mas foi rápido. Logo os ergueu,
encarando-me.
— Olha, faz muito tempo que eu não converso assim com alguém. Que
não sinto tanto prazer em uma companhia.
Suspirei. Ele realmente era adorável.
— Posso dizer o mesmo. E mais uma vez, obrigada pelo que fez.
Maurício colocou as mãos nos bolsos.
— Não foi nada. — Sua cabeça novamente se abaixou, e eu esperei,
quase desejando que tomasse a decisão de me dar um beijo. Um só. Um
selinho, que fosse, antes da despedida. Mas o que ele fez, de certa forma, foi
melhor. — Vou aparecer no mesmo bar amanhã. Se você quiser mais
algumas horas de conversa...
Eu nem precisava pensar muito.
— Tudo bem. Nos vemos amanhã, então.
Ele sorriu. Novamente um daqueles sorrisos tristes e desanimados, mas
lindos. Ele era lindo.
Levando dois dedos à cabeça, quase batendo continência, ele fez um
sinal de despedida, ainda com a outra mão no bolso, e foi recuando. Entrei no
prédio, para não ficar sozinha do lado de fora àquela hora, e Maurício pegou
o táxi.
Só quando já estava no meu apartamento foi que me lembrei que não
trocamos telefone.
Mas tínhamos um encontro, não tínhamos? Era só esperar que ele
realmente fosse aparecer...
CAPÍTULO SETE

No momento em que eu acordei, senti um corpo ao meu lado, na minha


cama. Eu sabia muito bem que não tinha dormido com ninguém. Nem tinha
bebido para estar com leve amnésia da noite anterior. Maurício me deixara na
porta de casa e nem me beijara. A não ser que tivesse me dopado e me
sequestrado, embora eu me lembrasse muito bem do momento em que
troquei de roupa, vesti meu pijama e me deitei, eu deveria estar sozinha.
Quando abri os olhos, deparei-me com Alessandra, acordada, com os
olhos muito abertos, esperando. Assustador.
— Você quer me matar? — perguntei, ainda com a voz sonolenta,
remexendo-me na cama.
— São duas da tarde, Dona Carolina. Posso supor que você está
dormindo tanto porque a noite foi maravilhosa?
Nossa! Duas da tarde? Quando é que eu tinha dormido até aquele
horário? Nunca, talvez.
— Ela foi, de certa forma, mas não como você está pensando — afirmei,
colocando-me sentada na cama, preparando-me para o interrogatório.
— Como assim? O bonitão não beija bem? Impossível. Ele tem cara de
quem tem pegada.
Não pude conter o riso.
— De onde você tira essas coisas, Alessandra? — Passei a mão pelos
cabelos, afastando-os do rosto e esfregando os olhos no processo.
— Feeling. Mas me diz... você não deu nem uns beijinhos no
engravatado?
Ergui uma sobrancelha, zombeteira, com toda a intenção de provocar.
— Ele não estava usando uma gravata!
— Ai, mas você precisa ser tão literal, Carolina Maria? — Eu odiava
quando ela usava o meu nome do meio. Era como minha mãe costumava me
chamar quando queria brigar comigo. Além disso, parecia tão... novela
mexicana! — Responda a pergunta, só isso.
— Não, Alessandra. Não beijei o bonitão. Mas ele deu a entender que
quer me ver hoje de novo, no mesmo bar.
Minha amiga ficou boquiaberta, pegando um travesseiro e me atingindo
com ele.
— Ai, então você vai beijar hoje! E vai beijar muito!
Agarrei o travesseiro para que não me batesse com ele novamente. Já
estava com fios de cabelo na boca e nos olhos, do golpe.
— Não tenho certeza disso. Ele é viúvo. Não parece muito a fim de se
envolver com alguém no momento. E, para ser sincera, nem eu. Depois do
idiota do Álvaro, prefiro não arriscar. — Alessandra ia falar alguma coisa,
mas eu a interrompi. — Aliás, o babaca estava lá. Obrigada por postar foto e
marcar nossa localização. Muito seguro fazer isso. — Ergui o dedo em um
joinha irônico.
— Mentira, Carol! O idiota do Álvaro apareceu ontem? E aí? O que ele
fez? — ela falou, quase apavorada.
— Teve a coragem de me agarrar. Foi assim que conheci o Maurício.
Ele me defendeu.
Boquiaberta, Alessandra jogou outra almofada em mim. Ela tinha um
jeito levemente efusivo de fazer as coisas, mas daquela vez eu realmente não
entendi qual era a sua intenção em me agredir – por mais que fosse com algo
macio – naquele instante. Até que ela explicou:
— Mentira que além de gato aquele homem é um cavalheiro!
— Pode apostar que é. E também me trouxe em casa de táxi. Mesmo
que morasse na Barra.
— O que você fez? Macumba? Não se acha um desses assim dando
sopa.
Dei de ombros.
— Nem é muito comum que aconteça comigo, né? Normalmente não
tenho muita sorte.
— Normalmente? Você é a rainha do dedo podre. — Eu não poderia
negar. — Mas fala para mim que você vai encontrá-lo hoje. Olha, eu posso ir
com você. Marco com o gatinho de ontem. Até que ele deu conta do recado
direitinho.
Arregalei os olhos, mais do que surpresa. Alessandra não costumava se
apegar aos seus casinhos. Eram coisa de uma noite e nada mais. Ela era a
mulher mais bem-resolvida que eu conhecia, e muitas vezes a invejei por seu
desprendimento e pela forma leve como levava a vida. Eu era bem mais
tímida, bem mais sentimental e costumava esperar demais das pessoas.
Talvez estivesse na hora de me entregar mais aos meus desejos e menos ao
meu coração.
— Sim, eu quero me encontrar com o Maurício mais tarde... Quero
muito, mas...
— Ah, não, Carol! Qual seria o impedimento?
Coloquei uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, pensativa.
— O problema é exatamente que talvez ele não seja a melhor escolha
para eu me divertir sem compromisso. Talvez aconteça, sim, de a gente se
beijar... posso jurar que ontem rolou um clima mais de uma vez, mas não sei
se eu conseguiria sair ilesa de algo assim.
Alessandra suspirou, assentindo. Apesar de ela ter aquele jeitinho mais
doido, não podia negar que era uma amiga e tanto. Sempre que precisava de
um ombro para chorar, era a ela que recorria; era quem me oferecia palavras
de conforto quando o silêncio era quase sufocante. Fora quem segurara a
minha mão quando me vi em necessidade, depois da morte da minha mãe,
sem ter onde morar, porque o salário que recebia como estagiária não pagava
um aluguel.
Então ela levou uma mão carinhosa ao meu rosto, e eu senti nossa
ligação fraterna, forte como sempre. Era um privilégio ter uma amiga como
ela.
— Faça o que quiser, amiga. Eu vou ligar para o boy de ontem e deixar
marcado. Caso você não queira ver o bonitão, eu desmarco e fico aqui vendo
Netflix com você.
— Nem pensar. Você vai, e eu fico. — Ela ia protestar, mas eu ergui um
dedo em riste: — Sem reclamar. — Afastando as cobertas, fui me levantando
da cama. — E só porque você está bem fofinha hoje, vou preparar o café e
umas panquecas.
— Ah, que honra! — Alessandra se levantou também e veio andando,
colocando o braço ao redor dos meus ombros.
Começou a falar sem parar do carinha com quem saiu na noite anterior,
mas eu não conseguia prestar total atenção, porque certo moreno de olhos
azuis tinha tomado minha mente inteira, com seus olhares intensos e aquele
sorriso melancólico. Não conseguia parar de pensar como seria ser beijada
por ele e como seria a sensação de me entregar ao momento. Simplesmente
me entregar, sem pensar em amanhãs e em futuros incertos.

A comida não me descia bem. Eu podia ter todos os defeitos, mas


hipocrisia não era um deles. E olhar para Fernando e Luana, sem ter vontade
de contar para ela tudo o que ele tinha feito na noite anterior era quase
nauseante para mim.
Eu já tinha tentado uma vez, para ser sincero. Mesmo me sentindo um
traidor do meu primo, não conseguia manter seu segredo sem sentir um
incômodo imenso, mas sua própria esposa desconversara, o que me fazia crer
que não queria saber. Talvez desconfiasse. Sabia que ela o amava, e às vezes
o amor nos deixava cegos.
Eles gargalhavam, aliás. Eu nem sabia do quê. Provavelmente fora algo
que Luana dissera, porque era uma mulher bastante espirituosa, e Fernando
pegou sua mão, beijando-a, carinhoso. Era completamente inexplicável
aquele relacionamento. Eu não conseguiria viver algo assim.
— Bem, meninos, vou ver se Maria já terminou de preparar a
sobremesa. — Luana levantou-se, ainda rindo, deixando-nos sozinhos para ir
falar com sua funcionária.
Fernando a seguiu com os olhos e no exato momento em que ela saiu de
nosso alcance, aproximou-se de mim, em tom de fofoca, sussurrando:
— A noite ontem foi I-N-C-R-Í-V-E-L! — ele pontuou cada letra, sem
me poupar de seu entusiasmo.
Uma coisa era engolir seu comportamento calado, outra muito diferente
era ouvi-lo gabar-se de seus feitos com sua esposa dentro da mesma casa.
— Não quero saber, Fernando. Pode ter pegado quantas mulheres forem,
mas não quero detalhes. Ainda mais aqui — falei, categórico.
— Sem graça! — Ele se ajeitou na cadeira e pegou uma batatinha sauté
de uma travessa onde tinham sobrado algumas. — Mas e você? Vai me dizer
que saiu desacompanhado ontem... Vi seu status no WhatsApp quando
mandei a mensagem para te convidar hoje. Dormiu tarde pra caramba.
Eu deveria dizer que saí do bar sozinho. Porque, de certa forma, era
verdade. Por mais que eu tivesse levado Carolina em casa, não era como se
tivéssemos ficado juntos. Nem perto disso, por mais que naquele momento,
em que nos despedimos em frente ao seu prédio, eu tivesse sentido uma
vontade muito súbita de beijá-la.
E fazia um bom tempo que isso não acontecia.
Era ridículo. Eu tinha acabado de conhecer a garota. Ela era quase mais
nova do que eu. Cheia de vida, doce, meiga, não tínhamos nada a ver um com
o outro. Eu era um viúvo workaholic, cheio de mágoas; nem me lembrava
mais de como era ser plenamente feliz.
Não queria contaminar uma mulher como ela com a minha escuridão.
Só que negar que eu tinha ficado conversando com ela também me
parecia errado. Por mais que Fernando fosse o cara que fosse, ele era meu
primo, um dos poucos amigos que me restaram. Não era como se eu fosse
telefonar para alguém para dizer que conheci uma mulher muito interessante
e que finalmente tinha sentido algo. Uma pequena faísca, é claro. Mas, ainda
assim, um sentimento que eu não poderia ignorar.
— Eu conheci uma garota... Carolina.
Meu primo ficou boquiaberto, mais animado do que seria necessário, e
eu imediatamente me arrependi da confissão. Mas não podia mais voltar
atrás.
— Ah, finalmente, cara! Bonita?
Concedi a mim mesmo alguns momentos, lembrando-me do rosto de
Carolina.
— Sim. Ela é muito bonita.
Levei um tapinha camarada no ombro, como incentivo.
— E eu aqui pensando que você tinha aposentado esse negócio que tem
no meio das pernas. Mas me conta, rolou?
— Não, cara. Não rolou. Mas talvez me encontre com ela hoje de novo.
Se ela for, ainda não sei.
Fernando levou a mão à cabeça.
— Não perca a oportunidade, Mau. Chegou a hora de você seguir em
frente. Já te falei isso mil vezes. Ísis não ia gostar de saber que você não está
feliz. Ela ia querer te ver com alguém.
E estas foram as palavras que me acompanharam pelo resto do dia, até
mais tarde, quando peguei meu carro e me enfiei no mesmo bar da noite
anterior.
Relutei muito antes de fazê-lo, mas não foi apenas o discurso de
Maurício que me motivou, foi imaginar Carolina sozinha, esperando, se é que
ia mesmo aparecer. Se fosse alguém a levar um bolo, que fosse eu, porque ela
não merecia.
Entrei, caminhando até o balcão e pedi novamente uma coca-cola.
Naquela noite eu estava dirigindo, então não ia sequer começar com álcool.
Foi coisa de meia-hora. Contei cada minuto no relógio, acreditando duas
coisas. Um: eu estava cometendo um erro. Dois: queria muito que ela
aparecesse.
Porra, eu nem sabia o que eu queria...
— Um guaraná, por favor? — uma voz delicada falou ao meu lado.
Uma voz familiar.
Virei-me em sua direção, e lá estava ela sorrindo para mim.
CAPÍTULO OITO

Respirei fundo assim que dei o primeiro passo para dentro daquele bar.
Por um acaso do destino, com o pé direito. Alessandra logo encontrou sua
companhia daquela noite, e eu vi Maurício ao balcão.
Ele estava um pouco diferente naquela noite. Ao invés do paletó
elegante, usava uma jaqueta de couro e jeans, com uma blusa preta. Não que
eu não gostasse da versão advogado, mas os ares de homem perigoso e sexy
combinavam muito.
Tentando parece confiante, agarrei a alça da minha bolsa enquanto
caminhava e fui em sua direção, passo a passo, colocando-me ao seu lado e
pedindo um guaraná para que ouvisse. Esperei que reconhecesse a minha voz,
e foi exatamente o que aconteceu.
Não pude deixar de sorrir quando se voltou na minha direção com
aqueles olhos incríveis cheios de expectativa. Mas eu poderia estar
interpretando completamente errado, não é? Só que não me parecia ser o
caso. Até porque... ele estava ali. Sozinho. Se não estava me esperando, eu
realmente estava completamente equivocada.
— Já vai se embebedar desde cedo? — ele perguntou, e eu ri.
— Uau, você fez uma piada! — comentei, enquanto me acomodava no
banco alto ao lado dele e me ajeitava. — Posso me considerar uma sortuda
por ter o prazer de ver esse seu lado bem-humorado?
Maurício abriu um sorriso de canto e pegou o copo, levando-o à boca e
falando com os lábios próximos ao vidro:
— Lamento te decepcionar, mas não existe um lado bem-humorado. Sou
ranzinza e sem graça na maior parte do tempo.
Dificilmente alguém poderia atribuir o conceito de “sem graça” para ele.
Em nenhum sentido. Talvez fosse realmente um pouco mais sério do que eu
costumava apreciar em um homem, mas eu quase podia jurar que havia um
lado mais leve dentro dele; um que só precisava vir à tona.
Quem sabe algum dia, alguma mulher sortuda teria a chance de ser a
responsável por esse feito?
— Mas me diga, como foi seu dia? — ele perguntou depois de beber de
seu copo, finalmente. A minha bebida também foi servida, e eu agradeci ao
barman.
— Nada de emocionante. Acordei mais tarde do que o normal e separei
algumas coisas para segunda-feira.
— Ah, o grande dia, não é? O início em um novo emprego. Gostaria de
ter a chance de viver essa experiência um dia.
— Como assim? Você nunca passou por isso?
— Não. Trabalho na empresa do meu tio desde que estava na faculdade.
Comecei como estagiário, e hoje sou diretor.
— Ah, então você é uma pessoa de sorte. Não sabe o quanto é
angustiante precisar de um emprego e não conseguir. Ou o quanto é
desesperador participar de um processo seletivo em meio a várias pessoas —
falei com sinceridade, e vi Maurício assentindo. Talvez eu tivesse pegado um
pouco pesado, mas meu tom não era de repreensão, era apenas um
comentário.
— Você está certa. Acho que estou reclamando de barriga cheia.
— Você gosta do que faz?
Seus olhos se voltaram para mim, daquele jeito expressivo, como se ele
não soubesse a resposta. Mas era uma pergunta simples, não era? Não deveria
haver indecisão.
Até que ele deu de ombros.
— Não posso dizer que não gosto, mas nunca foi o meu sonho. Eu
queria trabalhar com defensoria pública — disse em um tom um pouco
nostálgico e assim que terminou de falar, voltou seus olhos para o próprio
copo, brincando com ele, pensativo.
— Não é tarde demais. Você é jovem...
Ele riu.
— Vindo de uma garota quatorze anos mais nova do que eu... isso é um
elogio.
— Não seja bobo. Você é muito jovem. Ainda dá tempo de tentar viver
os seus sonhos.
Só que Maurício novamente ficou muito sério, como se o assunto não
lhe agradasse. Eu poderia parar, é claro, mas jurei que tinha sido ele que o
puxara.
— Não é um sonho que eu tenha mais. Foi assim que Ísis morreu. — Ele
olhou para mim e percebeu minha confusão. Eu não sabia quem era a mulher
que ele mencionou, embora tivesse minhas suspeitas. — Minha esposa. Ela
era defensora pública e foi morta por causa de um caso.
Meus olhos se arregalaram de forma completamente involuntária.
— Meu Deus, eu sinto muito — falei com real pesar, levando a mão
sobre a dele, em cima do balcão, sem nem perceber o que estava fazendo. Os
olhos de Maurício recaíram sobre nossas mãos, e eu tentei recuar, mas ele foi
rápido em me segurar, como se não quisesse que eu pensasse que havia
algum problema em tocá-lo.
Mais do que isso, ele girou sua mão, segurando a minha e entrelaçando
nossos dedos, garantindo-nos uma intimidade que não tínhamos. Olhares se
encontraram por um instante, e foi como se o mundo tivesse parado para nós.
Uma conexão estranha se estabeleceu. Provavelmente era algo da minha
cabeça de mulher inexperiente e deslumbrada, mas foi como se nós dois
estivéssemos sentindo as mesmas coisas.
Os olhos de Maurício se voltaram para a minha boca por um milésimo
de segundo, e eu jurei que seria beijada, mas ele rapidamente desistiu e soltou
a minha mão, remexendo-se em seu banco, como se estivesse incomodado
com algo. Ou livrando-se de algum tipo de pensamento, porque chegou a
balançar a cabeça.
Será que ele pensava que se envolver comigo era um erro? Por que algo
muito similar se passava pela minha cabeça. Sendo viúvo e tão ligado à sua
esposa, Maurício não me parecia o tipo de homem que saía flertando de graça
ou levando mulheres aleatórias para a cama. Mas eu poderia estar enganada,
como já acontecera tantas vezes, inclusive com Álvaro.
— Está tudo bem. É doloroso pensar, mas estou bem. Cinco anos se
passaram, eu já deveria ter superado, não? — Ele abriu um sorriso amargo,
ainda brincando com o copo e olhando para ele como se fosse algo muito
interessante.
— É o que as pessoas ficam te dizendo? — Novamente ele se voltou
para mim, aparentemente surpreso com o meu comentário. — É o que dizem
para mim até hoje sobre a minha mãe. Só que eu nem ligo. Não tem tempo
certo para isso. A gente perde uma pessoa a quem ama, que fazia parte da
nossa vida, e é um vazio que nunca vai ser preenchido. Pessoas são
insubstituíveis. Você pode ser apoiar em outras, encontrar um amor novo,
fazer novas amizades, mas ninguém nunca vai ser igual. Serão amores
diferentes, experiências distintas. — Maurício me olhava com muita atenção,
ouvindo o que eu dizia. Então eu dei de ombros. — A vida segue, é claro. E a
gente precisa continuar funcionando, mas o coração sente.
Maurício respirou fundo e demorou a me responder. Fez tudo o que
podia fazer: novamente mexer em seu corpo, beber um gole, remexer-se no
banco, coçar a cabeça, jogar seu cabelo liso e escuro para trás. Era como se
não soubesse o que fazer com as mãos, mas não quisesse, de forma alguma,
deixá-las paradas.
— Obrigado — falou sem me encarar. Sua voz soava embargada, e eu
precisava admitir que era bastante surpreendente ver um homem como ele,
que tinha uma aura de poder muito evidente, se emocionar daquela forma.
Havia algo de diferente em Maurício, ao menos aos meus olhos. Algo
que poderia mexer comigo, se eu permitisse.
— Como foi que você ficou assim tão sabida? Tem só vinte e três anos.
Abri um sorriso conciliador, tentando não demonstrar o quanto o elogio
tinha me envaidecido.
— Nem sempre a idade determina o quanto uma pessoa sabe da vida.
Não que eu saiba muito, mas sei algumas coisas — falei em um tom
brincalhão, erguendo uma sobrancelha, o que o fez rir. Uma risada discreta,
masculina e transigente.
Por um momento, jurei que ele deveria me ver como uma criança. Uma
menina boba e totalmente inexperiente. O que eu realmente era. Nunca me
importei com a forma como as pessoas me viam, mas naquele momento
queria que Maurício me visse como uma mulher. Alguém a quem ele
poderia... desejar.
Porque poderia ser precipitado, louco e completamente diferente de
como eu me comportava normalmente, mas eu o desejava. E isso me
assustava ao mesmo tempo que fascinava. Era um misto de emoções muito
caótico.
Só que eu não queria a calmaria. Pela primeira vez, eu queria o caos.
CAPÍTULO NOVE

Conversar era algo raro no meu dia a dia. Eu não era um cara muito
falador e um péssimo ouvinte. Então não havia muito sentido em tentar
bancar o sociável e tentar diálogos inúteis, com pessoas que não me
acrescentavam em nada.
Com Carolina, eu poderia passar horas e horas apenas falando e
ouvindo-a.
Era natural, simples, como se compreendêssemos perfeitamente um ao
outro, mesmo que fôssemos quase desconhecidos. Ou talvez esse fosse o
segredo. A falta de intimidade ou o fato de sabermos tão pouco um do outro
tornava mais aceitável a ideia de que eu podia me abrir, mesmo que não fosse
muito bom nisso.
Há quanto tempo eu não falava de Ísis daquela forma? E há quanto
tempo uma pessoa não respeitava que eu ainda sentisse falta dela? Era como
Carolina havia dito, em nossos corações, pessoas são insubstituíveis. Mesmo
que algum dia eu conhecesse outra pessoa, ela fora uma parte da minha vida e
não seria esquecida.
E tudo bem por isso.
Nos últimos tempos eu andava me martirizando por meus sentimentos, e
com apenas algumas palavras uma menina – porque ela era uma menina –
dissera tudo o que eu queria ouvir. E por mais que suas palavras fossem
contra isso, nunca senti tanta vontade de beijar alguém naqueles cinco anos.
Nunca senti tanta vontade de dar uma chance ao destino e recomeçar.
Claro que eu não estava pensando em recomeçar com uma mulher que
eu pouco conhecia, mas... com alguém.
E por que não poderia ser ela? A gente poderia começar devagar, não?
Poderíamos nos conhecer melhor, nos encontrarmos mais vezes até estarmos
prontos. Até eu estar pronto. Até...
Porra, no que eu estava pensando?
Ou melhor... eu nem conseguia mais pensar. Carolina estava falando
sobre um acontecimento engraçado entre ela e a amiga com quem morava, e
eu queria muito prestar atenção, mas era impossível. Aquela boca... Por que
eu estava tão vidrado em sua boca? E também na forma como a movimentava
conforme falava, em suas reações, na delicadeza de seus gestos e no quão
meigo era o seu sorriso.
Ela era linda. Suavemente linda. A vontade de tocá-la se tornava cada
vez mais insuportável.
— Ei, ta tudo bem? — Carolina perguntou subitamente, interrompendo
meus pensamentos. Será que eu tinha ficado calado por tanto tempo? Será
que percebeu que fiquei olhando como um bobo para ela?
Pelo amor de Deus, eu tinha trinta e sete anos. Não estava mais em uma
fase da minha vida onde uma mulher poderia me deixar daquele jeito depois
de passar apenas algumas horas à minha frente, depois de alguns conselhos e
por causa de um sorriso. Eu era mais forte do que isso.
— Sim, tudo. Só fiquei um pouco aéreo de repente.
— Ah... — Carolina se mostrou um pouco constrangida. — Também, eu
estou falando sem parar. — Droga! Eu não queria que ela pensasse isso. Não
tinha nada a ver com seu comportamento, com as coisas que dizia. Carolina
era uma perfeita companhia, em todos os sentidos.
— Não, eu gosto de te ouvir — confessei, mesmo que não fosse
exatamente tudo o que eu queria dizer.
— Bem, seja como for, vou te dar um pouco de sossego — ela disse em
tom brincalhão, mas no fundo, parecia um pouco decepcionada. — Preciso ir
ao banheiro — acrescentou, enquanto se levantava.
Em um impulso, segurei seu braço, tentando ser ao máximo delicado,
mas Carolina se voltou para mim, surpresa.
— Não é melhor eu te acompanhar? Depois do que aconteceu ontem…
acho que vou ficar mais tranquilo.
A expressão de surpresa se transfigurou em um sorriso.
— Acho que não precisa, mas se você quiser ir…
Eu iria, de um jeito ou de outro. Não era apenas o fato de me lembrar de
forma muito amarga do momento em que ela foi agredida pelo ex-namorado
idiota, mas porque tinha adquirido algum senso de proteção para com aquela
garota.
Só que durante o caminho, enquanto passávamos por todas aquelas
pessoas, com a mão pequena dela dentro da minha, mil pensamentos
desconexos começaram a se formar na minha cabeça. Pensamentos que eu
deveria evitar, se quisesse me manter prudente.
Mas o que era a prudência? Quem de nós sabia o que realmente era certo
ou errado na vida? Quem de nós poderia prever o que aconteceria no futuro e
os arrependimentos que teríamos?
Enquanto aguardava Carolina sair do banheiro, essas reflexões foram
causando um caos dentro da minha mente.
Quando ela saiu, com os cabelos novamente penteados e caindo como
uma cortina escura sobre o rosto encantadoramente perfeito, entendi que era
uma questão de escolha: viver ou deixar o arrependimento me consumir.
Peguei-a pela mão e a puxei de volta para dentro do banheiro, fechando
a porta e encurralando-a na parede.
O que me diferenciava do idiota que a agarrou naquele dia? Era um tipo
de assédio, não era? Mas se ela me pedisse para parar, eu o faria, na mesma
hora.
Porra, se Carolina não demonstrasse um mínimo de desejo, eu recuaria.
Se ela apenas sussurrasse a palavra “não”, eu recuaria e pediria desculpas.
Talvez me oferecesse para levá-la em casa e a deixasse em paz.
Só que ela suspirou. E não foi um suspiro negativo.
— Não estava mais aguentando, Carolina. Não sou assim. Não saio
beijando mulheres em bares. Mulheres que pouco conheço — falei em um
sussurro, com o rosto muito próximo do dela.
— Você vai me beijar? — Porra, ela soou tão inocente… Seu olhar se
fixou na minha boca, enquanto eu a sentia arfante. Apesar de alta, era quase
uma cabeça mais baixa do que eu, especialmente porque usava um salto
baixo, e eu tive que me abaixar, embora não quisesse que se sentisse acuada
ou em desvantagens físicas. Devia haver mais de quinze centímetros de
diferença entre nós.
— Se você me permitir... — foi tudo o que eu disse. Apesar do corpo de
Carolina estar respondendo de todas as formas à proximidade do meu, eu
ainda queria ouvi-la dizer que me dava seu consentimento.
— Sim. Eu quero — respondeu convicta, então, tudo o que fiz foi esticar
a mão para trancar o banheiro e avançar sobre ela, colando nossos peitos e
tomando seu rosto, além de roubar seus lábios para mim.
Eles eram macios como pensei que fossem, mas muito mais doces do
que sequer ousei imaginar. Havia um quê de timidez em seu beijo, ao menos
no início, quando invadi suavemente sua boca com minha língua, deixando
que as duas se conhecessem e se encontrassem devagar, explorando nossos
limites.
Só que quando Carolina começou a corresponder... eu apenas não perdi
a cabeça de imediato, porque estava muito focado em manter o controle. E eu
era bom em controle. Costumava gostar de manter tudo em ordem, desde a
minha cabeça – mesmo depois do luto – até meus negócios e minha vida.
Era difícil pensar que uma menina, doce e inocente, pudesse destruir
tudo isso com um único beijo.
Por algum tempo eu consegui manter meu equilíbrio e permitir que
nosso contato se resumisse àquele beijo, embora fosse muito mais do que eu
poderia esperar. Mas foi só deixar as emoções me dominarem por um
segundo – tudo o que foi necessário – para que eu a agarrasse com mais
força, a tirasse do chão e a colocasse sentada sobre a pia do banheiro, onde
nossas alturas ficavam um pouco mais equiparadas, e eu pudesse senti-la se
render muito mais.
Não que eu não estivesse me rendendo.
Como era possível? Jurei que nenhuma mulher mexeria comigo daquela
forma depois que fiquei viúvo, mas lá estava aquela menina inexperiente
transformando cada pedaço de mim em fagulhas de desejo.
O beijo foi longo. E teria sido mais se uma batida na porta não tivesse
nos interrompido.
Era o único banheiro feminino do bar, e nós o estávamos interditando.
Éramos dois loucos. Nunca fiz algo daquela natureza, nunca nem quis, mas,
aparentemente, Carolina estava sendo um ponto de virada na minha vida.
Mesmo que nunca mais nos víssemos – o que me causava um incômodo
imenso só de pensar –, de alguma forma, ela acionara um botão, ligando uma
luz que estava apagada há muito tempo. Minha vontade de viver, de
recomeçar.
— Acho que precisamos sair daqui — ela falou, e eu assenti, ajudando-a
a descer da pia. Abrimos a porta, e eu quase corei de vergonha, mas Carolina
foi mais rápida. — Desculpa, eu estava passando mal, e meu namorado veio
me ajudar.
A mulher do lado de fora não pareceu acreditar muito, provavelmente
porque deveria haver batom na minha boca, e nós dois rimos com sua
expressão contrariada. Deixamos apenas que entrasse no banheiro e saímos
com os dedos entrelaçados, como um casal.
Enquanto nos afastávamos do banheiro, de volta ao balcão, desci meus
olhos para nossas mãos unidas, surpreendendo-me com como parecia natural.
Carolina, aparentemente, estava pensando o mesmo.
— O que você acha de a gente sair daqui? Você quer me levar em casa?
— ela falou subitamente. Aliás, tão de repente que pareceu ser algo de
impulso. Só que não retirou o que disse. Respirou fundo, como se faltasse ar
em seus pulmões, mas logo se recompôs e se mostrou mais segura.
— Quero. Acho uma ótima ideia.
E realmente era. A melhor ideia possível, mesmo que eu soubesse que
isso poderia nos levar ainda mais em direção a um ponto sem volta.
Só não sabia se era uma coisa boa ou ruim.
CAPÍTULO DEZ

Nenhum de nós disse quase nada no caminho até o meu prédio. O clima
estava pesado, mas não de uma forma ruim. Eu sentia Maurício tenso. Seu
rosto de maxilares pronunciados se contraía, e as mãos grandes no volante
pareciam apertá-lo como se estivesse com raiva, só que eu sabia que não era
o caso.
Era desejo. Pela forma como me beijara...
Porque eu nunca fui beijada daquela maneira. Nunca nem sonhei.
Também nunca tinha imaginado que meu corpo poderia reagir quase
descontrolado. Por muito pouco não pedi que fizesse tudo o que podia e o que
não podia comigo sentada naquela pia de um banheiro público – limpo, ainda
bem.
O convite para que fôssemos ao meu apartamento foi completamente
inusitado até para mim mesma. As palavras saíram da minha boca sem que eu
nem me desse conta, e quando percebi Maurício estava olhando para mim,
surpreso.
Mas lá estávamos, seguindo no carro dele, passando pelas ruas na
direção do meu prédio. Quando chegamos, pedi ao porteiro para liberar a
vaga de visitante para ele, e nós entramos.
Maurício estacionou na vaga indicada, e nós saltamos. Pegamos o
elevador, e eu poderia jurar que se olhares fossem capazes de fuzilar alguém,
os nossos causariam a terceira guerra mundial naquele pequeno espaço
confinado.
Caminhamos lado a lado em meu corredor, e o silêncio era quase
sufocante, principalmente porque ele dizia mil coisas. Cada leve som que nos
rondava – nossas respirações, nossos passos, as chaves tilintando na minha
mão, a fechadura sendo aberta, o ranger da porta – era quase como um grito
do universo alertando-nos de que estávamos prestes a causar um abalo
sísmico.
Nenhum dos dois queria ouvir. Eu sabia que ia me entregar a ele naquela
noite. Sabia que acabaria chegando mais longe do que fui com qualquer outra
pessoa.
Porque não era uma questão do que eu tinha guardado por tanto tempo.
Minha mãe sempre me disse que precisava ser com alguém especial, não era?
Maurício, de alguma forma, parecia ser esse alguém. Não um homem com
quem eu esperava ter um relacionamento, porque muito provavelmente nunca
mais nos veríamos, ou teríamos alguns encontros casuais, sem muito
compromisso, mas com alguém que me provocava emoções das quais eu me
lembraria para o resto da vida.
— Espero que não repare a bagunça — pedi, um pouco constrangida,
não apenas pelo que disse, porque o apartamento não estava assim tão mal-
arrumado, mas por toda a situação.
A porta ainda estava aberta quando Maurício levou a mão espalmada a
ela, fechando-a com um baque e me deixando no meio. Seu corpo veio se
aproximando do meu, e ele deixou um beijo suave nos meus lábios. Um
pedido de permissão novamente.
— Não é porque estamos aqui que vou interpretar errado, ok? Mas quero
mais beijos como aquele. Vamos até onde você quiser — ele falou baixinho,
e eu quase suspirei com o tom de sua voz e as palavras gentis.
Eu tinha levado um cara para a minha casa. Um cara que eu pouco
conhecia. Qualquer um sabia que era uma atitude perigosa. E eu era virgem!
Deus... onde eu estava com a cabeça?
Mas novamente isso deixou de ser um problema quando assenti, e
Maurício me beijou.
Nosso segundo beijo não começou doce nem suave como o primeiro
para só depois se tornar um furacão. Poderia ser pelo fato de estarmos entre
quatro paredes e completamente sozinhos, em um apartamento escuro, apenas
iluminado pela luz que vinha da janela aberta da sala, mas Maurício parecia
pronto para me pegar com força.
As mãos foram parar na minha cintura, apertando-me, e eu arfei contra a
sua boca, gostando de toda aquela selvageria. Sua língua não acariciou a
minha, ela a tomou para si, em um movimento intenso e feroz, e continuamos
neste frenesi por minutos infinitos. Meu lábio inferior foi sugado com gana, e
Maurício desceu um pouco, mordendo meu queixo conforme pegava meu
cabelo em seus dedos, arqueando minha cabeça um pouco para trás, enquanto
seu outro braço em minha cintura me puxava para frente, para o espaço de
que ele precisava.
Aquela boca experiente foi descendo pela minha garganta, provocando
arrepios por toda a minha pele, chegando ao meu colo. Jurei que iria afastar o
decote da minha blusa, e ele chegou a agarrar a gola com a mão que estivera
no meu cabelo, mas desistiu pouco antes de realmente fazê-lo, acreditando
que eu não iria permitir.
Mas eu queria... Nossa, como eu queria.
— Maurício... — chamei, mal reconhecendo minha voz de tão rouca e
pesada de luxúria que estava.
— Eu sei, eu sei. Desculpa, estou passando dos limites, mas... porra,
Carolina, há muito tempo eu não quero algo tanto assim. — E eu nunca tinha
ouvido nada soando tão sexy. Era quase um rosnado, o que me dizia que ele
também estava desesperado por mim, como eu estava por ele.
— Não... eu quero. Também quero muito. Não pare.
Ele não precisou de mais incentivo. Com a mão que ainda estava na gola
da minha blusa, ele abaixou o decote, junto ao sutiã, expondo meu seio.
Inclinando-se, tomou o bico na boca, sugando-o e chupando de uma forma
que me deixou rapidamente de pernas bambas.
Imitando o gesto com o outro, Maurício arrancou as duas peças por cima
da minha cabeça, e foi depositando beijos por toda a minha pele exposta,
chegando a se ajoelhar no chão quando chegou à minha barriga, usando
ambas as mãos na minha cintura para me manter no lugar.
Ele usava a língua nos beijos, como se realmente me devorasse. A bolsa
que eu ainda mantinha no ombro caiu no chão, mas nem mesmo o barulho
que ela fez pareceu intimidá-lo.
Suas mãos ávidas começaram a abrir o botão da minha calça e a baixar o
zíper, deslizando o jeans em seguida. Eu tirei as pernas de dentro dele, e
Maurício o lançou longe. Ainda ajoelhado à minha frente, ele simplesmente
rasgou minha calcinha de renda, o que me fez arfar ainda mais.
Não era possível que as primeiras vezes de todas as garotas fossem
assim tão intensas. Ou eu tinha dado muita sorte com o meu escolhido,
porque eu já me sentia completamente excitada. Mais ainda quando seu dedo
buscou meu clitóris, acariciando-o lentamente.
— Vamos mesmo em frente? Tem certeza? — ele perguntou para mim,
erguendo a cabeça para me olhar.
Eu deveria contar a ele que era virgem, não? Maurício provavelmente
precisava saber, porque talvez nem quisesse aquela responsabilidade; só que
no momento em que sussurrei um “sim”, completamente arfante, ele mal me
deu espaço, porque colocou minhas pernas em seus ombros, uma de cada vez,
tirando-me do chão, levando a boca entre elas, fazendo-me experimentar o
primeiro sexo oral da minha vida.
Ok, eu não tinha nada para comparar, mas... pelo amor de Deus, se
aquilo não era a melhor coisa que eu já provei, eu não saberia mais o que era.
Um grito escapou da minha garganta, e eu entendi que estava perdida.
Eram sensações que nunca havia conhecido. Era como me embriagar, estando
completamente consciente de cada segundo.
— Maurício, eu... — Não consegui terminar a frase, porque ele
continuou me chupando com vontade, sem parar, sem me dar trégua, e eu
explodi.
Eu já tinha conseguido chegar a orgasmos sozinha, mas nunca daquela
forma. Nem perto.
Fiquei completamente aérea, mas senti as mãos de Maurício na minha
cintura, tirando-me cuidadosamente de seus ombros, e eu fui erguida no colo,
com uma gentileza absurda.
— Qual é o seu quarto? — ele perguntou, enquanto eu encostava a
cabeça em seu ombro, sentindo-me lânguida e saciada, mesmo querendo
mais.
— O primeiro. Porta à direita.
Maurício me levou e abriu a porta que estava semi-aberta com o pé. Fui
deitada na cama com delicadeza e ergui os olhos para ele, que me analisava
de cima a baixo. Havia uma luz, vinda de algum apartamento próximo, que
tornava o meu quarto bem mais iluminado do que a sala, permitindo-lhe que
olhasse meu corpo com mais clareza. Só que mesmo assim ele não se
contentou e buscou o interruptor.
Seus olhos pareceram escurecer, adquirindo um tom de azul- cobalto, e
ele respirou fundo.
— Você é tão linda.
Era estranho estar tão exposta daquela forma, mas aquiesci com o
elogio, e vi Maurício tirar sua jaqueta e a blusa.
Ok...
Ok...
Uau.
Não havia uma única dúvida de que Maurício era um dos homens mais
bonitos que conheci nos últimos anos, talvez até na vida. Não só pela beleza
física, que era muito evidente, mas por toda a sensualidade que ele emanava.
O charme, os olhares, a voz, o que dizia, seu jeito um melancólico... tudo era
um conjunto. Tudo era um somatório para que ele se tornasse o típico sonho
de consumo de qualquer mulher. O cara perfeito que minhas amigas
descreveram no dia anterior, quando chegamos naquele fatídico bar onde nos
conhecemos.
E lá estava eu, pronta para entregar a minha virgindade ao homem mais
sexy que conheci.
Mordi o lábio inferior enquanto ele tirava o resto da roupa, ficando
completamente nu. Deitou-se ao meu lado na cama, puxando-me para seus
braços, voltando a me beijar, começando lento mais uma vez, doce, terno, até
que rapidamente o furacão emergiu.
Tornamo-nos uma confusão de mãos, e ele colocou a mão entre as
minhas pernas, penetrando-me com um dedo. Arfei, gemendo mais alto do
que gostaria, e ele começou a investir deliciosamente.
Quando me dei conta, já estávamos em outra posição, com ele por cima
de mim, e seu pau na minha entrada. Eu estava bem molhada, desejosa, mas
sabia que iria doer. Então quando ele investiu, por sorte com cuidado, eu
tentei esconder minha dor.
Era errado, é claro, e Maurício percebeu, tentando se afastar
imediatamente.
Olhei em seus olhos e os vi arregalados, mas eu prendi meus tornozelos
ao seu redor, impedindo-o de sair de dentro de mim.
— Por favor, eu quero — afirmei baixinho.
— Você é virgem, Carolina! Isso não é certo. Deveria ser com alguém
especial e...
Levei um dedo aos seus lábios.
— Deve ser com alguém que eu queira. E eu quero você.
Maurício ficou muito sério. Olhando em meus olhos, parecia avaliar se
eu estava mesmo sendo sincera, porque provavelmente deveria ser uma
lógica muito absurda.
Estaria eu ficando maluca? Mas não importava. Eu queria...
— Eu tenho certeza, Maurício — novamente afirmei com convicção e
arqueei os quadris, tentando fazê-lo ir mais fundo. A dor novamente foi
aguda, mas continuei disfarçando-a, e finalmente o senti se movimentar.
— Deveria ter me avisado. Eu teria sido mais gentil — ele parecia
arrependido.
— Tudo bem. Está tudo bem.
Devagar, Maurício foi investindo, e eu queria gemer de dor, mas me
contive. Ele, em contrapartida, grunhiu de prazer quando estava totalmente
dentro de mim.
— Porra! — foi seu comentário, o que me fez sorrir.
Então recomeçou a se mexer, cadenciadamente, estocando com cuidado
até que senti um calafrio gostoso. Este foi se intensificando mais e mais, até
que consegui soltar um gemido de prazer.
Não demorou para que nós dois estivéssemos na mesma sintonia, um
ligado ao outro, e para que eu conseguisse gozar mais uma vez.
Uau... gozar na primeira vez? Era possível?
Logo ele me seguiu, encontrando também seu clímax, e de alguma
forma eu entendi que nunca o esqueceria. Mesmo que tomássemos caminhos
diferentes, Maurício sempre seria especial. Sempre estaria no meu coração.
CAPÍTULO ONZE

A menina era virgem. Virgem!


Porra, como era possível?
Só que se eu pensasse com cuidado, chegaria à conclusão de que era
algo um pouco óbvio. Chegamos a conversar alguma coisa sobre
relacionamentos passados, e ela deixou bem claro que namorou pouco e que
os relacionamentos não duraram muito, porque os caras esperavam coisas
dela que não estava pronta para compartilhar.
Idiota! Eu deveria ter lido nas entrelinhas.
Ainda assim... mudaria alguma coisa? Eu estava tão atraído por ela que
se me dissesse que era uma freira, mas que me queria mesmo assim, não seria
capaz de negar o meu desejo.
Além do mais, fora perfeito. A sensação de estar dentro dela me
consumiu de tal forma que eu poderia esquecer o resto do mundo. Fazia
muito tempo que eu não levava uma mulher para cama, mas não considerava
que fosse apenas isso. Outras tentaram me seduzir e até me atraíram, mas
nenhuma acendera aquele sentimento cálido dentro do meu peito.
Eu ainda não estava apaixonado. Seria ridículo, porque nos conhecíamos
há dois dias apenas, mas Carolina precisava ser mais do que apenas uma
noite na minha vida. Queria conhecê-la mais e dar uma chance para entender
o que poderia acontecer conosco dali em diante.
Deitados na cama, com ela nos meus braços, sentia sua respiração contra
o meu peito, ofegante, e eu não conseguia interpretar seus pensamentos.
Como poderia tentar supor o que se passava por sua cabeça? Primeiro porque
não a conhecia direito e, segundo, porque estávamos em situações
completamente diferentes. Aquela fora sua primeira vez, e ela escolhera um
homem que chegara em sua vida recentemente para um momento tão
especial.
Ela tinha vinte e três anos e esperara tanto. O que mudara em sua
cabeça?
— Você está bem? — perguntei a ela.
Ela demorou um pouco a responder, e eu esperei que fosse por causa de
seu momento pós-orgasmo, por estar se recuperando.
— Sim, está tudo bem.
Assenti, afastando uma mecha de cabelo de seus olhos, observando-a
com cuidado. Ela parecia bem. Parecia segura de suas decisões. A menina
não bebera, estava sóbria, fora uma decisão consciente e o sexo fora
consensual, por que diabos eu me sentia tão preocupado?
— Só estou com sono. — Ela se remexeu, realmente parecendo cansada.
— Quer que eu vá embora? — Por algum motivo a ideia de deixá-la
daquele jeito, depois de eu ter tirado sua virgindade, me pareceu muito
canalha da minha parte, mesmo que fosse um pedido dela.
— Só se você quiser. Vou gostar se ficar — ela falou, mas logo soltou
uma risadinha, esforçando-se bastante para isso, porque estava, visivelmente,
muito cansada. — Desculpa, eu não sei agir numa situação como essa.
Não era como se eu fosse um expert também. Tive alguns casos antes de
me casar, é claro, mas fazia muitos anos que não me dava ao direito de fazer
algo do tipo. Eu sabia que era um homem diferente do que fui no passado.
Tinha trinta e sete anos. Meus planos, quando era mais jovem, era estar
casado e ter meus filhos, uma posição estável na empresa, casa, cachorro e
rotina. Era o meu objetivo. Só que o destino veio e me deu uma rasteira,
rachando ao meio todas as minhas certezas. Nunca pensei que àquela altura
eu estaria na cama com uma garota quase desconhecida. Nunca pensei que
ainda tiraria a virgindade de alguém.
Ainda assim, enquanto ela adormecia nos meus braços, sem esperar a
resposta, deixei um beijo no alto de sua cabeça, sentindo o cheiro doce de
seus cabelos, me perguntando o que iria acontecer conosco dali em diante.
Eu sentia que um turbilhão me prendera naqueles últimos dois dias,
desde a primeira noite em que a conheci. Desde o momento em que a ajudei
até ali, nosso sexo – que fora incrível –, Carolina não saíra dos meus
pensamentos. Primeiro como a garota bonita e doce que me encantara e
depois como o foco total do meu desejo. Misturando as duas coisas, eu me
sentia confuso.
O que eu queria? Queria mesmo deixar aquela menina especial passar
pela minha vida sem nunca mais vê-la? Mas e se ela se tornasse relevante? E
se fosse alguém que curaria meu coração com seu jeitinho meigo e terno?
Eu precisava pensar. Precisava me desligar de tudo aquilo e refletir.
Mas no momento apenas me ajeitei na cama, mantendo-a dentro do meu
abraço, e adormeci.

Foi um grito o que me acordou. Não um grito de pavor, nada disso.


Apenas um “AH, MEU DEUS!”. E claro que eu sabia de quem era.
O enorme corpo masculino ao meu lado se remexeu, e a voz profunda
soltou um resmungo. Não que eu pudesse me esquecer que não estava
sozinha, mas era algo novo na minha vida. Algo bom. Não era nada
desagradável dormir sendo embalada por alguém, por braços fortes. A
sensação de segurança foi algo indescritível.
Mesmo que soubesse que Maurício não era meu, que muito
provavelmente as coisas não seriam eternas entre nós, foi algo gostoso de
viver.
Só não era tão bom acordar com a minha melhor amiga me pegando na
cama, nua com um homem.
— Ah, meu Deus! Desculpa! Desculpa... eu não imaginava... eu só... —
Alessandra levou a mão à cabeça, cobrindo os olhos. — Ah, cara, eu sou
péssima. Vou sair, não estou vendo e não vi nada.
Desastrada, ela quase tropeçou ao sair porta afora, mas nos deixou
sozinhos sem que tivéssemos chance de dizer nada.
Eu e Maurício nos entreolhamos, sorrindo, um pouco constrangidos.
Nós dois não sabíamos muito bem como agir, mas ele se inclinou e me
beijou. Bem diferente de como fora na noite anterior, segurou meu rosto com
a mão carinhosa e me encheu de doçura. Mais uma coisa nova. Nunca recebi
um beijo tão bom depois de acordar.
— Bom dia — ele cumprimentou, sussurrando, eu quase me derreti.
Seria difícil superar Maurício. Em qualquer circunstância.
— Queria passar mais tempo com você, mas acho que vou ficar um
pouco sem graça com a sua amiga em casa.
Ok, ele queria ir embora e estava dando uma desculpa qualquer.
Sem ressentimentos, Carolina. Já era de se esperar, não? Era isso que
acontecia quando se ia para a cama com um homem que você pouco
conhecia.
— Tudo bem. Vou me vestir e te levar à porta.
Estava pronta para fazer isso, mas meu braço foi seguro, e eu fui puxada
de volta para a cama.
— Não quero que isso termine aqui, ok? Se você concordar, quero te
conhecer melhor. Quero... tentar.
Meu coração acelerou no peito. Se eu concordasse? Claro que era o que
eu queria. E muito.
O sorriso que se desenhou no meu rosto foi um pouco maior do que eu
gostaria que fosse, mas não consegui escondê-lo.
— Claro. Vamos tentar.
Maurício pareceu apreciar a resposta também, porque novamente tocou
meus lábios com os seus, antes de se levantar e começar a se vestir.
Peguei uma roupa qualquer no armário e fiz o mesmo, levando-o até a
saída, como prometi que faria. Ele pegou meu telefone, trocamos mais um
beijo de despedida, e ele partiu. Esperei até que entrasse no elevador para me
fechar dentro do apartamento, vivendo a cena clichê de me encostar na porta
e soltar um suspiro.
Claro que Alessandra viu e não ia deixar barato.
— Ah, não, miga. Não vai me dizer que se apaixonou por um cara para
quem você deu no primeiro encontro... — ela soltou, e eu olhei em sua
direção, percebendo que estava com uma máscara de beleza no rosto. Ela
vivia fazendo aquele tipo de coisa, sempre tentava me convencer a imitá-la,
mas eu morria de preguiça.
— Não estou apaixonada, Alê. Ele só é...
— Bom de cama? Alguns são. Sorte a sua que o seu primeiro foi. O meu
foi um desastre.
— Eu ia dizer especial — brinquei.
— Amor de pica, amiga. Não se apega. Nem todos eles ligam no dia
seguinte.
— Ele falou que quer me ver mais vezes.
— Assim como falaram alguns com quem fiquei. — Percebendo que eu
murchei, Alessandra se aproximou de mim, pegando-me pelos braços e me
levando até o sofá, obrigando-me a sentar. — Coloca uma coisa na cabeça,
Carol... vai sem expectativa. Pode ser que o cara ligue? Pode. Mas as
estatísticas não estão ao seu favor. Não estou querendo te desanimar, mas te
fortalecer. Se ele sumir, você pode ficar triste, e isso vai me magoar também.
Ok?
Respirando fundo, respondi:
— Ok.
Não era algo que me agradasse, mas Alessandra estava certa. Não era
uma boa ideia alimentar uma esperança só para depois ser surpreendida por
um vazio imenso.
Eu precisava me fortalecer e seguir com a minha vida. Nada tinha
mudado, com exceção de que na segunda-feira eu começaria em um emprego
novo, e era nisso que precisava me concentrar.
CAPÍTULO DOZE

Havia três chamadas perdidas de Fernando no meu telefone, além de


uma mensagem de “Ligue-me com urgência”. Também havia uma ligação da
minha tia, o que me deixou instantaneamente preocupado. Todas foram de
um pouco mais cedo, por volta das oito da manhã, quando eu estava
dormindo pesado com Carolina nos braços.
Ainda no carro, no estacionamento do prédio dela, liguei de volta para
Fernando, para saber o que estava acontecendo.
— Fala, primo! Finalmente! — ao menos a voz dele estava tranquila, o
que me deixou um pouco aliviado.
— O que aconteceu? Recebi suas ligações, mas estava dormindo.
— Desculpa ligar tão cedo, mas é que a tia Alzira chamou a gente para ir
lá na casa de campo. Sei que tentou falar com você, mas não conseguiu, aí eu
assumi a missão. Estou a caminho com a Lu. — Dei uma olhada no meu
relógio e percebi que passava um pouco das dez. Se eu pegasse a estrada
direto, chegaria para o almoço, sem problemas.
Adoraria passar em casa e tomar um banho, mas seria um bate-volta,
poderia esperar. Ou eu poderia tomar uma chuveirada lá na casa dela. Eram
minha família, como meus pais.
— Ela falou se tinha algum assunto específico? — perguntei,
começando a dirigir para sair da garagem do prédio de Carolina.
— Pelo que eu entendi, sim. Mas fica tranquilo, tio Geraldo está bem.
Não sei o que é ainda, mas não é grave.
— Bom saber — respondi, colocando meus óculos escuros e
enfrentando o dia ensolarado lá fora. — Vou partir para lá. Nos vemos.
— Valeu, primo.
Desligamos, e eu peguei a estrada.
Para ser sincero, era um bom momento para fazer isso. Eu gostava de
dirigir, especialmente quando estava sozinho no carro – que era quase sempre
que acontecia. Naquele momento, por exemplo, aquela perspectiva de duas
horas na estrada seria muito bem-vinda, porque eu precisava pensar.
A noite fora realmente incrível, e não tinha nada a ver com o fato de eu
estar há tanto tempo sem sexo. Isso contava, claro, mas a entrega de Carolina
fora o ponto alto. A forma como me respondeu , como se rendeu ao
momento, era algo mais erótico do que o ato em si. Ou tão quanto.
Se eu a queria de novo? Porra, muito. Se fosse possível, naquela mesma
noite. Queria levá-la para algum lugar especial, para jantarmos, uma suíte em
algum hotel elegante. Um pouco de champanhe, flores... Um pouco de tudo.
Queria ser romântico com ela. Dar-lhe mais do que dei em sua primeira vez.
Primeira vez... Ela me entregara sua primeira vez. Isso seria algo que
não sairia da minha cabeça.
Ela não sairia da minha cabeça.
Droga de mulher fascinante. Como era possível que tivesse entrado na
minha pele daquele jeito? Depois que fiquei viúvo jurei que não iria mais me
envolver daquela forma, mas fora inevitável. A atração e a química entre nós
era quase inflamável. Os beijos, os toques... eu me sentia um garoto outra
vez, descobrindo novas sensações.
Passei boa parte da viagem tentando focar meus pensamentos em outra
coisa, mas era difícil quando o cheiro dela ainda estava em mim.
Assim que cheguei à casa, fui recebido com carinho pela minha tia, com
um abraço, e levado à área do jardim, onde meu tio, Fernando e Luana
esperavam. Também recebi um cumprimento efusivo de tio Geraldo e me
acomodei ao lado do outro casal.
Como já era mais de meio-dia, conversamos muito pouco sobre a saúde
dele, recebendo boas notícias de que tudo estava em ordem, e já fomos
servidos para o almoço. Quando todos estavam comendo, ele começou a
falar:
— Meninos, eu os chamei aqui hoje por um motivo muito específico.
Sei que é domingo, cada um de vocês tinha seus planos, e agradeço que
tenham vindo tão prontamente, mesmo que tenha sido um convite em cima da
hora. — Eu e Fernando assentimos. Nenhum de nós dois iria negar um
pedido de nosso tio. — É algo importante, e eu preciso da atenção dos dois.
Olhei para meu primo, e ele também parecia intrigado. Não era a
primeira vez que meu tio fazia aquele tipo de coisa, então não deveria ser
uma surpresa. Era um tipo que curtia um suspense, desejava ser um
milionário excêntrico, embora fosse só um cara que veio do nada e cresceu
com seu esforço, mas eu sabia que sempre que queria falar algo sério, ele
sabia criar um clima.
— Eu não quero abandonar a empresa imediatamente, porque isso
implicaria em nomear um novo CEO, e infelizmente eu não conseguiria
escolher entre um de vocês. E também não quero que tenham que decidir
entre si. Então eu vou tomar a decisão baseado em algo que acho importante.
Um herdeiro. — Franzi o cenho, sem entender muito bem do que ele estava
falando. — Hoje vejo como é difícil, para mim, fazer essa escolha, porque
tive o azar de vocês terem a mesma idade. Por isso preciso que meu sucessor
tenha um filho. Esta será a condição.
— Tio, acho que não estou entendendo — Fernando falou, tão confuso
quanto eu.
— Vou ser bem direto, então: qualquer um de vocês que seja pai
primeiro, será meu sucessor.
Aquilo me atingiu no peito como um soco. Não que fosse o meu sonho
me tornar CEO da Antunes Viana, porque, sinceramente, eu estava satisfeito
com a minha posição, mas nunca imaginei que meu tio transformaria a
situação em uma espécie de caça ao tesouro.
Dei uma olhada de soslaio para Fernando e o vi sorrir. Claro que ele
estava dando aquela batalha – se é que poderia ser chamada assim, já que eu
não teria tanto ímpeto para lutar – por vencida. Em contrapartida, Luana
parecia muito assustada. Seus olhos verdes estavam arregalados, porque
provavelmente não pensava em ser mãe naquele momento. Na verdade, até
onde eu sabia, Fernando também não tinha planos para formar uma família,
mas aparentemente isso iria mudar.
— Não sei se é justo, e eu não quero que Maurício pense que o estou
prejudicando por isso, mas é algo importante para mim.
— Se é importante para você, tio, não posso me opor. — E era verdade.
Meu tio era um pai para mim, e ele sempre sabia melhor o que fazer e como
fazer.
Eu poderia me contentar em ser o diretor do setor jurídico sem
problemas. Não era algo que eu não gostasse, e sem dúvidas me dava muito
mais dinheiro do que eu poderia sonhar em receber. Para mim não fazia muita
diferença, mas havia outra preocupação na minha cabeça.
— E se demorar para acontecer? Acho que nenhum de nós dois
aceleraria esse processo só para... — comecei a falar, mas fui interrompido
por Fernando, que ergueu um dedo em riste.
— Se é da vontade do meu tio que seu sucessor tenha um herdeiro, eu
posso providenciar isso — ele logo falou.
— Fernando! — Luana exclamou, visivelmente chocada com o
comportamento do marido.
— Filho, não quero que se precipite. Eu ainda aguento alguns anos,
principalmente porque tenho uma boa rede de apoio dentro da empresa.
Sinto-me bem, aliás. Pretendo voltar para a Antunes na quarta-feira. Amanhã
terá uma reunião externa, e eu gostaria que me representassem.
— Claro, tio. Mas não é nenhuma decisão precipitada. Eu e Luana já
estávamos conversando sobre ter um filho, não é, querida? — Fernando
passou um braço ao redor dos ombros da esposa, que parecia ainda muito
incomodada. Pela expressão dela, sem dúvidas aquilo era uma grande
novidade. — E eu e Mau estaremos lá nessa reunião. Sabe que faremos
qualquer coisa pelo senhor.
Fernando sempre foi um sobrinho dedicado como eu, mas nunca o vi
falando daquela forma. A expressão do meu tio dizia que ele estava
percebendo a mesma coisa, mas não disse nada.
Nunca pensei que aquela história de CEO iria deixar meu primo tão
eriçado. Sempre soube que ele queria o cargo, assim como eu também queria,
mas uma espécie de competição não era o que eu esperava. Odiaria que se
criasse algum tipo de rivalidade entre nós, por isso, aproveitei um momento
mais sossegado, quando os outros estavam conversando, para chamá-lo e
esclarecer as coisas.
Puxei Fernando para um canto da enorme e bonita casa do meu tio,
colocando-me à sua frente e levando as mãos até os bolsos, um pouco
constrangido de puxar o assunto, mas achava importante que esclarecêssemos
as coisas antes que criássemos uma situação problemática.
— Olha, cara, eu espero, de verdade, que isso não cause um atrito entre
nós.
O sorriso de Fernando era o mais largo que eu tinha visto em muitos
anos, e a mão que pousou no meu ombro me deixou desconfortável. Será que
eu estava vendo coisas de mais?
— Fica tranquilo, primo. Está tudo bem. Até porque, eu vou vencer essa.
Sou casado, esqueceu?
Vencer?
Então era mesmo uma competição.
Quando ele saiu de perto de mim, sem me deixar dizer mais nada,
entendi que estava enxergando as coisas de uma forma que não me agradava
e muito me preocupava.
Nossa relação iria mudar, mas não para melhor, sem dúvidas.
CAPÍTULO TREZE

Secretária executiva. Nada mal.


Obviamente não era o emprego na minha área, que eu tanto desejava,
mas o salário era bom, e a empresa, sem dúvidas, era algo a se considerar em
um currículo. Como Alessandra dissera, quem sabe eu não conseguisse
pleitear uma vaga no setor de design da empresa? Ou no de marketing?
Aliás, o setor jurídico, cujo diretor eu iria assessorar, e o de
comunicação ficavam no mesmo andar, um abaixo daquele onde ficava o
CEO, que se chamava Geraldo Antunes. A secretária de Fernando Antunes,
sobrinho do poderoso chefão, Débora, era um amor. Ela ficou de me ajudar,
porque estava cuidando de tudo para os dois diretores desde que a outra
secretária pediu demissão.
Passei a manhã inteira cuidando de burocracias a respeito da minha
contratação, saindo da empresa para fazer o exame admissional na hora do
almoço, e só me sentei naquela que seria a minha mesa por volta das três da
tarde. Foi quando Débora veio me auxiliar.
Nós nos apresentamos primeiro, conversamos um pouco sobre nós
mesmas, e ela logo começou a me mostrar tudo o que eu iria precisar saber
para trabalhar para o meu futuro chefe.
Seria um início muito promissor, se o nome do bendito não fosse
exatamente Maurício.
Só podia ser karma mesmo. Uma péssima coincidência.
Por mais que tivesse prometido a mim mesma que não iria ficar
chateada ou esperando um retorno – fosse uma mensagem ou uma ligação
qualquer –, minhas expectativas me frustraram. Talvez eu fosse uma boba,
iludida, mas acreditei que tinha acontecido algo especial entre nós.
Alessandra estava certa o tempo todo. Quem poderia garantir que tudo o que
ele me dissera não foram mentiras? Aquele poderia ser o personagem que
assumia: o viúvo apaixonado, de coração partido, que há muito tempo não
sentia nada por ninguém, mas se encantara pela garota virgem e inexperiente
que conheceu em um bar.
Idiota, Carolina! Mereceu ser enganada.
Mas tudo bem... precisava focar que fora uma noite e tanto, que dei sorte
na minha primeira vez e não me arrependia. Poderia ter sido muito pior. Com
Álvaro certamente eu me magoaria mais.
E eu estava começando em uma nova empresa, animada. Queria iniciar
aquela fase da minha vida com o pé direito.
Estava retornando do banheiro quando a simpática Débora se levantou e
se inclinou na minha direção em tom de segredo:
— Seu chefinho chegou. Ele pediu que eu te leve lá na sala dele para te
conhecer.
Eu estava nervosa. Por mais que Débora tivesse dito que os dois
principais diretores da empresa, sobrinhos do Sr. Geraldo, eram chefes bem
melhores do que qualquer um poderia ter, era sempre um desafio. Tímida,
sabia que poderia causar uma impressão errada em um primeiro momento. E
se ele não fosse com a minha cara? Eu nem sabia nada sobre ele, não tive
tempo de pesquisar mais do que minha nova colega me falou. Sabia seu
nome, que era jovem – embora não soubesse a sua idade – e que era bastante
competente e organizado. Não havia mais nada além disso na minha mente.
— Chegou a hora, então. — Foi tudo o que eu disse, ajeitando a saia do
meu vestido preto, simples, que decidi que seria uma boa escolha para o meu
primeiro dia.
Débora entrelaçou o braço no meu, sorridente, e me levou até a sala,
onde bateu. As cortinas estavam fechadas, então eu não conseguia ver nada lá
dentro, o que me deixou ainda mais nervosa.
Tão nervosa que nem ouvi quando a pessoa do lado de dentro nos pediu
para entrar.
Quando o fizemos, a sala parecia vazia. Não conseguia enxergar
ninguém lá dentro, mas um paletó pendurado na cadeira presidencial me
alertava que ele estava ali, em algum lugar.
— Maurício? — Ah, então ela o chamava pelo nome? Ao menos era um
sinal de informalidade, o que era bom.
Ouvi passos e respirei fundo.
Só que não estava preparada para o que vi.
À minha frente, estava Maurício. O meu Maurício. O homem sexy e
fascinante com quem passei a primeira noite da minha vida. E acabava de
descobrir que ele era o meu novo chefe.
Tão surpreso quanto eu, ele pousou seus olhos azuis arregalados em
mim, e nós ficamos completamente paralisados por alguns instantes.
— Maurício, esta é a Carol, sua nova secretária — Débora falou ao meu
lado, mas isso não mudou nada. Continuamos os dois em silêncio, encarando-
nos como se estivéssemos vendo uma assombração.
Para ser sincera, se um fantasma aparecesse na minha frente, eu poderia
jurar que ficaria menos chocada.
Maurício se recompôs primeiro, ainda bem.
— Obrigado, Débora. Pode nos deixar a sós? — ele pediu.
A sós?
Não. Não era uma boa ideia. Já tínhamos ficado sozinhos antes e olha no
que deu.
— Claro! — Sorridente, Débora soltou meu braço e simplesmente saiu
da sala.
No momento em que perdi o apoio físico dela, senti que poderia
simplesmente cair no chão, mas me segurei firme, tentando ajeitar meus
ombros e erguer a cabeça.
— Isso é mesmo uma coincidência? — tive que perguntar. Pela
expressão dele, estava mais do que surpreso, mas, até onde eu sabia, ele
poderia ser um ótimo ator.
— Estou tão chocado quanto você — respondeu, começando a
caminhar, com uma das mãos na cintura, passando a outra pelos cabelos lisos
e escuros, meio sem rumo. Sim, eu poderia compreendê-lo. Então olhou para
mim: — Carolina, eu realmente queria ligar, mas...
— O senhor não precisa se explicar por isso — assumi um tom formal
propositalmente. — O que preciso saber é se quer perguntar alguma coisa
sobre minha posição profissional, se quer me passar alguma informação.
Maurício assumiu uma expressão de pesar, como se estivesse
arrependido.
— Não faça isso. Ontem aconteceram várias coisas e hoje também.
Estava com a cabeça um pouco cheia e não quis passar isso para você. Juro
que pretendia ligar.
Ele parecia sincero. E, de qualquer forma, não faria mais diferença,
certo? As coisas tinham desandado.
— Tudo bem, Maurício. Não tem problema. Eu entendo.
Vi seus olhos me analisarem com cuidado. Será que duvidava do que eu
dizia? E será que eu mesma acreditava no que tinha acabado de falar? Ok, eu
poderia entender que ele tivera um problema, mas era doloroso pensar que
nada mais poderia acontecer entre nós.
Ficamos calados, um olhando para o outro, e eu engoli em seco, sabendo
o que aquele silêncio significava.
— Carolina, eu... — ele começou a se explicar, mas eu ergui a mão,
impedindo-o.
— Não precisa se explicar. Fica tranquilo que não vou ser uma pedra no
seu sapato e nem vou contar para ninguém aqui da empresa o que aconteceu
entre nós. Só espero que entenda que não quero ser o clichê da secretária que
tem um caso com o patrão.
Maurício ergueu um pouco a cabeça, e seu olhar se tornou algo
indescritível. Talvez eu não quisesse entender o que estava pensando, porque
eu sabia que aquilo era uma despedida. Ao menos para o que eu julguei que
poderíamos ter. Era o início de um novo relacionamento entre nós:
estritamente profissional.
— Entendo — respondeu com relutância, mas não falou nada além
disso.
O que eu esperava, afinal? Que me implorasse para reconsiderar ou que
me agarrasse no meio daquela sala?
Era uma droga que meus olhos me traíssem, olhando para ele com
desejo em um momento como aquele. Maurício era bonito demais para o meu
próprio bem, e todas as lembranças que eu tinha dele, em nossa noite, me
causavam calafrios indesejados.
Eu precisava me manter firme.
Era uma armadilha na qual fomos colocados pelo destino; mas eu
poderia contornar meus sentimentos. Precisava do emprego. Muito.
— Quero que saiba que, acima de tudo, eu a respeito, Carolina. Não vai
precisar se preocupar em ser assediada, porque nunca faria isso.
A dor no meu peito era esmagadora. Ele ia realmente acatar minha
decisão sem nenhuma tentativa de me fazer mudar de ideia?
Era aquilo? O ponto final aconteceria daquele jeito?
Eu teria que olhar nos olhos dele todos os dias e me perguntar como
poderia ter sido se as coisas não tivessem tomado um rumo tão louco? Teria
que trabalhar com ele, conviver, conversar e fingir que nada tinha
acontecido? Um belo castigo.
Mas talvez eu estivesse sendo dramática demais. Fora apenas um
casinho passageiro. Eu era inexperiente demais para entender essas coisas,
mas provavelmente iria passar. Era uma atração, algo novo, inesperado. Com
a convivência – e com muita sorte – eu iria descobrir que Maurício não era o
cara tão perfeito que parecia ser. Seria bom descobrir seus defeitos e ir me
desencantando aos poucos.
— Acredito — respondi, muito séria. Então me aproximei, com a mão
estendida, lutando contra mim mesma para parecer madura o suficiente para
aquilo. — Vamos começar de novo? Boa tarde, Senhor Maurício, eu sou
Carolina Nascimento, sua nova secretária.
Pareceu uma eternidade até que ele finalmente aceitasse meu
cumprimento, embora eu pudesse ver em seus olhos que, assim como eu,
estava relutante.
— Seja bem-vinda, Carolina.
Sim, as minhas boas-vindas estavam ótimas.
Droga! Que porcaria de destino!
— O senhor precisa de alguma coisa? — novamente usei do tom formal.
— Não precisa me chamar de senhor.
— Eu prefiro. Acho que é melhor para eu entender minha posição.
Maurício não disse nada. Continuou me olhando de uma forma que eu
poderia jurar que era bastante pesarosa. Mas eu não o conhecia. Não sabia
nada sobre ele além do que me disse, que poderiam ser mentiras. Iludida,
como eu iria saber? Preferia pagar para ver.
Preferia esperar para conhecer o cara que estava à minha frente. Talvez
eu fosse surpreendida. Talvez as coisas funcionassem se eu soubesse me
controlar.
— Posso me retirar? — perguntei depois de mais alguns instantes de
silêncio.
— Carolina, eu não queria que as coisas fossem assim. É realmente a
sua escolha? Podemos conversar.
— Como eu disse, agora somos chefe e funcionária. Não podemos ser
mais do que isso. E eu não quero. Preciso do emprego.
Ele assentiu.
— Pode ir, então. Espero que goste de trabalhar aqui. — Ele parecia...
magoado? Não, só podia ser coisa da minha cabeça. Eu estava fantasiando
demais com um homem que era pouco mais do que um desconhecido, e era
hora de ser madura.
Forcei um sorriso, mesmo sabendo que era o mais amarelo possível, e
caminhei até a porta, surpresa de que minhas pernas estivessem funcionando
o suficiente para me levarem para fora daquela sala.
Débora esperava, com certeza na expectativa de saber como foi meu
primeiro encontro com meu chefe, sem saber que ele tinha acontecido dois
dias antes. Sem saber que ele tinha frequentado a minha cama. Fiz um sinal
para ela de que precisava ir ao banheiro. Tinha acabado de chegar de lá, mas
não estava muito preocupada com o que ela iria pensar naquele momento, só
precisava de alguns instantes sozinha para enfrentar o fato de que até a noite
anterior, em minha mente, Maurício era o meu primeiro amante, o homem
que escolhi para tirar a minha virgindade. A partir daquele momento ele seria
o meu chefe.
E eu não podia me esquecer disso nem por um segundo.
CAPÍTULO QUATORZE

Aquela porra só podia ser uma brincadeira. Não era possível que uma
das melhores coisas que acontecera na minha vida nos últimos tempos
escorreria por entre os meus dedos daquela forma.
Não era possível chegar no meu trabalho e descobrir que a linda e
inocente garota que me enlouquecera e que me escolhera para ser seu
primeiro homem era a minha nova secretária.
Pior ainda: a maneira como ela me olhou fora... dolorosa. Era visível
que se sentira tão surpreendida quanto eu, mas não quisera sequer conversar.
Isso me surpreendera. Carolina me dera um ultimato, acabando com todas as
possíveis chances de tentarmos chegar a um consenso e...
Mas que consenso? Que tipo de solução poderíamos encontrar para o
problema além de ela pedir demissão? E por que faria isso, sendo que, de
fato, precisava do emprego e eu era apenas o cara que conhecera dias antes?
Se estivesse no lugar dela também não trocaria o certo pelo duvidoso.
Ainda assim...
Porra, não tinha jeito. Ela era minha secretária. Minha funcionária. O
que eu esperava? Transar com ela em meio à minha sala? Jogá-la sobre
aquela mesa e fodê-la como um animal? Não... Carolina nunca aceitaria, e
nem eu. Não queria desrespeitá-la em seu ambiente de trabalho. Em
contrapartida, o que fazíamos fora da empresa não era da conta de ninguém,
mas ela preferira deixar as coisas no âmbito profissional, e eu precisava
acatar sua decisão.
Fiquei observando-a sair da sala por um tempo e permaneci parado no
mesmo lugar, como se tivesse criado raízes no chão. Quando consegui me
mover foi ao ouvir alguém bater na porta.
Por um momento tive esperanças de que fosse Carolina, querendo
finalmente conversar, mas era Fernando.
Por mais que amasse meu primo e que ele fosse como um irmão para
mim, desde a conversa com nosso tio, ele parecia uma pessoa diferente aos
meus olhos. Ambicioso ele sempre foi, mas algo pareceu explodir dentro de
sua mente. A possibilidade muito palpável de ser o CEO da Antunes Viana
remexeu com seus instintos, e eu podia jurar que sua ambição iria nos
prejudicar como família. Isso sem contar o que seria de Luana, que
provavelmente teria que ceder aos caprichos do marido, como já tinha feito
tantas vezes antes.
Ela merecia mais.
— Ocupado, primo? — perguntou enquanto entrava, embora não tivesse
nem pedido permissão.
— Não, pode entrar.
Fernando fechou a porta e se jogou na cadeira em frente à minha,
enquanto eu fazia o mesmo na minha, afrouxando um pouco a minha gravata,
que parecia me sufocar.
— Já deu uma olhada na sua nova secretária? A menina é linda.
Filho da puta! Não era possível que já estivesse de olho em Carolina.
— Mais respeito com ela — falei em uma voz cortante, sentindo a raiva
se avolumar.
— Ih, olha só! Fica calmo. Já entendi o recado da outra vez, com a
Carla... — Carla era a minha secretária anterior, a que pedira demissão
porque estava grávida e que fora substituída por Carolina. — Não posso
mexer com as suas preciosas secretárias.
Claro que não podia. De alguma forma elas eram minha
responsabilidade, e eu não queria que Fernando as magoasse.
Fosse como fosse, senti meus maxilares se contraírem e fechei minha
mão em punho. Por mais que lhe tivesse alertado sobre não querer que se
envolvesse com minhas secretárias, eu sabia que Carla tinha sido assediada
por ele mais de uma vez.
Se ele fizesse o mesmo com Carolina...
— O que foi, Mau? Você está com um olhar assassino. O que está
acontecendo?
Eu não queria que ele percebesse nada. Então precisei me acalmar, antes
que começasse a fazer perguntas indesejadas, porque eu era um péssimo
mentiroso.
— Está tudo bem. Só tive um telefonema estressante quase agora com
um cliente. Mas vou me acalmar.
— Por que não vamos tomar um café na copa? Talvez te faça bem.
Ponderei. Não sabia se era uma boa ideia, mas aquela sala estava me
fazendo sentir claustrofóbico.
— Vamos. — Ajeitei a gravata e peguei o paletó no encosto da cadeira,
levantando-me.
Saímos os dois da sala, e a primeira coisa para a qual olhei foi para a
mesa de Carolina, só que ela não estava lá.
Fui caminhando em direção ao elevador, para descer para a copa, e lá
estava ela, saindo do banheiro, parecendo um pouco descomposta, mas linda.
Era difícil não me lembrar dela sorrindo, olhando para mim com ternura,
gemendo sob o meu corpo e de seu beijo. Eu queria experimentar um pouco
mais de tudo isso, mas tivemos um ponto final. Fora uma chance que surgiu,
mas que se tornou poeira em um espaço muito curto de tempo.
Na minha cabeça, eu teria apenas a dúvida de como poderia ter sido.
O dia foi interminável.
Por mais que houvesse paredes a nos separar, era como se eu sentisse a
presença dele o tempo todo. Perto demais. Maurício era esse tipo de homem,
que parecia tomar tudo ao redor para si – o ar, meu discernimento, meus
pensamentos – quando estava em um recinto. E o problema era que naquele
primeiro dia já tive um vislumbre de como seriam os próximos. Nós nos
veríamos o tempo todo.
Quando cheguei em casa, joguei-me no sofá, exausta, lançando bolsa,
chaves e celular ao meu lado, tudo espalhado.
— Gente, eu jurei que você ia chegar aqui pulando de felicidade, pela
mensagem que me mandou no almoço. O que houve? Aconteceu alguma
coisa? — Alessandra apareceu na minha frente, de toalha na cabeça, batendo
um bolo.
— Aconteceu. Aconteceu que eu sou a pessoa mais azarada do mundo!
— respondi, com a cabeça apoiada no encosto do sofá, erguida para o teto,
mas de olhos fechados.
— Conta logo o que foi, estou preocupada.
Respirei fundo, sabendo que o que eu estava prestes a contar era tão
absurdo que não poderia ser feito a seco.
— O que você tem de alcoólico aqui em casa?
— Ai, porra! É grave. — Demorou alguns instantes, mas logo a vi ao
meu lado, já sem a bacia do bolo na mão, assim que abri os olhos. — Tem
cerveja na geladeira.
— Não. Mais forte.
— Puta merda, Carol! — Apressada, Alessandra saiu abrindo o pequeno
armário onde guardávamos algumas bebidas. Não tinha muita coisa, porque
éramos mais da vibe cerveja ou baldes de sorvete quando estávamos na fossa,
mas guardávamos uma ou outra garrafa para visitas. Com isso em mente, ela
ergueu uma delas. — Tem uísque. Acho que foi meu pai que deixou aqui
quando veio da última vez.
— Perfeito.
Ela nos serviu uma dose para cada uma, e eu virei a minha de uma vez.
— Vai com calma, mulher. Até onde eu sei você tem que voltar ao
trabalho amanhã. Ou o problema é que deu treta?
— Deu treta. Não sei, realmente, se posso continuar trabalhando lá. —
Alessandra tomou um gole generoso de sua bebida e voltou sua total atenção
para mim. — O Maurício, o cara com quem perdi minha virgindade no
sábado... Lembra?
— Como eu poderia esquecer se eu peguei os dois na cama?
— Pois é. — Virei-me no sofá, completamente para ela, focada. — Alê,
ele é o meu chefe!
Joguei a bomba, e Alessandra ficou olhando para mim como se eu fosse
louca. Não disse nada, apenas peguei o uísque e derramei um pouco mais no
meu copo, querendo beber da garrafa mesmo, mas achando que não seria
prudente.
Quando minha amiga arregalou os olhos, entendi que tinha finalmente
entendido o que eu acabara de dizer.
— Ah, não. Você está brincando! — ela gritou mais alto do que deveria.
— É sério. Quando entrei na sala do diretor jurídico da empresa, quem
estava lá? Ele mesmo. — Lindo, imponente, todo poderoso, mas isso,
obviamente, não lhe falei.
— Puta merda, Carol! Não é possível. Que coincidência de merda!
— Você está sendo sutil, né? É um azar do caralho isso.
— Olha, para você falar um palavrão, não posso nem imaginar como
está se sentindo.
— Estou péssima, Alê, de verdade. — Afundei-me um pouco mais no
sofá, largando o copo antes que partisse para uma terceira dose que realmente
iria me atrapalhar, caso eu decidisse voltar ao trabalho no dia seguinte. —
Não sei o que fazer.
Alessandra imitou minha posição, e nós duas nos vimos largadas no
sofá, como duas derrotadas. Mas minha amiga não demorou muito tempo
naquela posição, porque se sentou de um pulo, com um dedo erguido, como
se tivesse acabado de ter uma ideia.
— Você sabe sim o que fazer amanhã. Você vai colocar sua roupa mais
bonita, vamos deixar esse cabelo lustroso que nem veludo, arrasar na make e
você vai aparecer naquela empresa tão bonita que aquele babaca vai se
arrepender de não ter lambido o chão que você pisa.
— Aparentemente ele teve motivos para não ligar. Além disso, fui eu
que decidi cortar qualquer ligação que não fosse profissional.
Alessandra revirou os olhos.
— Eles sempre têm motivos, amiga. Mas você vai dar um para ele se
arrepender de ter nascido com um pau entre as pernas e não poder usar mais
essa sua bocetinha agora quase virgem.
Não era exatamente um plano que me agradasse, mas era um começo,
né? Talvez pudesse transformar aquela história em algo divertido para rirmos
no futuro, quando eu já tivesse superado Maurício e pronta para seguir em
frente, sem mágoas, sem arrependimentos.
CAPÍTULO QUINZE

Não foi assim tão simples quanto eu e Alessandra pensamos que seria.
Mas fui superando aos poucos. Apesar de eu ser sua secretária, Maurício
evitava ao máximo que ficássemos sozinhos, principalmente com a desculpa
de que Débora ainda estava me treinando, e ela precisava estar presente para
me ajudar com as tarefas.
Quando precisava falar comigo, ele vinha à minha mesa ao invés de me
chamar em sua sala, e esses eram momentos difíceis. Não era apenas um
comportamento meu, mas Maurício também parecia mexido. Mais ainda
porque Alessandra continuava com sua ideia de me embelezar todos os dias
para eu chegar à empresa parecendo pronta para uma sessão de fotos de uma
propaganda de xampu ou de uma marca de cosméticos.
A forma como ele me olhava era de deixar qualquer uma de pernas
bambas. E isso se tornou mais evidente em um dia em que apareci usando um
vestido em um tom de vermelho-escuro, quase bordô. Nem era meu, mas da
minha colega de quarto, só que ele realmente se moldava ao corpo, tinha um
decote discreto, e era elegante, mas sensual. Eu poderia jurar que meu
querido chefe ficou sem fala ao me ver.
Só que não foi só ele.
Fazia mais ou menos dois meses que eu estava trabalhando na Antunes
Viana. Apesar do climão que se formava sempre que eu e Maurício
ficávamos cara a cara, estávamos conseguindo lidar bem com as coisas e
tocarmos nosso trabalho sem problemas. Eu tinha muitas tarefas, e Débora já
tinha voltado para seu posto, deixando-me por sua conta, porque já estava me
virando bem sozinha.
Aquele era o dia do vestido vermelho. Não eram muito mais de dez da
manhã quando consegui finalmente me levantar da minha mesa, depois de
adiantar algumas coisas urgentes da agenda de Maurício – confirmação de
reuniões, conferência de e-mails e organização de correspondência, que eram
minhas tarefas matinais –, parti para a copa, para tomar café da manhã.
Era uma empresa muito boa de se trabalhar. Todos os dias havia pão e
frios para os funcionários comerem, além de bebidas à vontade na geladeira.
Eu tinha conhecido o Sr. Geraldo no terceiro dia de trabalho, e ele era um
senhorzinho fofo, acolhedor e muito gentil. As pessoas, no geral, eram
simpáticas, e eu tinha me dado bem com todo mundo.
Ou quase. Por algum motivo havia algo que não me agradava em nada
em Fernando Antunes. Sentia uma malícia muito desagradável na maneira
como se dirigia a mim, e me incomodavam seus olhares. Por mais que
Maurício também me dirigisse alguns cheios de desejo, ele ainda tentava
esconder e se sentia mal com isso – ao menos pelo que eu podia perceber –,
além de me tratar com o máximo de respeito. Já Fernando... ele parecia gostar
de ser o galanteador. Seu comportamento com Débora era muito sem noção,
e eu o via tocar nela mais do que o necessário.
Só que ela permitia e parecia gostar. Às vezes eu suspeitava que os dois
tinham um caso, mas não era da minha conta.
Estava preparando meu café, naquela manhã, sozinha na copa, o que era
quase um milagre, mas sabia que estava acontecendo uma reunião grande,
com a presença de vários setores, então o movimento estava calmo.
Infelizmente minha solidão e calmaria não duraram por muito tempo.
— Bom dia, Carol. — Virei-me na direção da voz e vi Fernando
entrando, com aquele sorriso que ele achava que era extremamente sedutor,
mas que gritava que se tratava de um baita de um canalha. — Você está
muito bonita hoje.
— Obrigada, Seu Fernando.
Aproximando-se para pegar uma caneca no armário do qual eu estava
muito próxima, ele se colocou perto demais, a uma distância muito
incômoda.
— Ah, para com essa formalidade, amor. Não sou assim com as meninas
da empresa.
Aquilo me deu raiva. Odiava aquele tipo de homem, principalmente
sabendo que era casado. Sua esposa fora na empresa uma vez, e ela era
extremamente doce, bonita e simpática.
— Não gosto de intimidade. E, me desculpa se for uma ofensa, mas não
te dei liberdade para me chamar de amor — falei sem filtro, mesmo sabendo
que isso poderia me custar alguma coisa. Suspeitava que Maurício não me
repreenderia, muito menos me demitiria por isso, mas Fernando era seu
primo, seria a palavra dele contra a minha.
O homem ficou bastante chocado com minha afirmativa tão veemente.
Pensei que isso pudesse pará-lo, mas aparentemente ele não se intimidava ou
desistia tão fácil.
— Calma, princesa. Não mordo. — Então ele abriu um sorriso de canto,
malicioso, que me pareceu ridículo. — A não ser que você peça.
Como alguém poderia ser tão previsível?
Decidi não responder, porque poderia acabar falando algo que iria me
prejudicar na empresa. Então, apenas peguei minha caneca e a levei para o
outro lado da copa, onde ficavam o açúcar e o adoçante, felizmente bem
longe dele.
Não tive nem dois minutos de sossego e o senti atrás de mim, como uma
sombra. Tão perto que quando falou, senti sua respiração no meu pescoço, já
que eu estava com o cabelo preso em um coque.
— Fala que você não veio toda linda assim, de vermelho, para chamar a
atenção de alguém. Se não sou eu, é o Maurício? Ele não vai te dar bola,
lindinha. É o homem de gelo. Pode até te querer para uma trepadinha, mas
ainda está preso à esposinha morta.
Que horror. Que coisa feia de se falar de um primo e desrespeitar a
memória de alguém. Por mais magoada que eu pudesse estar por Maurício
não ter se importado mais conosco, não queria que ele fosse tratado daquela
maneira. Mas mais do que isso, não queria aquele homem invadindo o meu
espaço.
— Se o senhor não sair de perto de mim, vou gritar e processá-lo por
assédio — falei bem firme, mas ele pareceu não se importar. Fechou a mão
no meu braço, girando-me. Apoiando-se no balcão, ele fechou meus espaços
de saída, encurralando-me e aproximando o rosto demais do meu.
— Vai nada. Depois que eu te der um trato, você vai gostar. Vai até
pedir mais.
O filho da puta ia me beijar. No meio da empresa. No meio da copa.
Sem a minha autorização. O que diabos ele estava querendo?
Sem nem pensar no que fazia, peguei a caneca de café e joguei na sua
blusa. Provavelmente o tecido fino não iria protegê-lo de se queimar, e o
impacto fez com que se afastasse de mim de um pulo.
— Piranha! — ele falou baixo. Apesar do descontrole, sabia que estava
errado e que eu poderia contar uma história bem convincente. Com certeza
outras mulheres tinham sofrido o mesmo tipo de assédio e iriam me entender.
— Olha só o que você fez! Que merda! Que merda! Vai me pagar por isso,
Carolina. Não vai durar aqui mais nem uma semana!
Resmungando baixinho, ele tomou o caminho para fora da copa, e eu
levei minha mão ao balcão no qual tinha sido encurralada minutos antes, para
me firmar, sentindo uma vertigem de tão nervosa que estava.
Precisei de alguns instantes, até que Débora surgiu na copa, colocando-
se ao meu lado e pousando a mão no meu ombro, delicadamente,
— Carol, o que foi? Você está pálida! — ela comentou, com seu jeitinho
atencioso, mas eu tentei me recompor ao máximo, empertigando-me e
ajeitando meu vestido. Ao fazer isso, percebi a mancha de café no chão.
— Derramei café, sem querer, no Seu Fernando. Acho que ele ficou
irritado — menti. Não sabia o quão leal ela era ao chefe, especialmente por
achar que os dois tinham algo mais do que uma relação somente profissional.
— Ah, fica tranquila, ele é super bonzinho. Vai entender. Provavelmente
nem vai contar para o Maurício.
Assenti, sentindo-me ainda um pouco aérea. Sem nem dizer mais nada a
Débora, saí da copa, andando como um zumbi, enquanto minha cabeça
girava.
Talvez uma melhor ideia fosse ir ao banheiro, desabafar olhando no
espelho e tentar me recompor, antes de voltar para a minha mesa, mas tudo o
que eu queria era me sentar. De alguma forma aquela conversa e a forma
como fui assediada me abalou mais do que eu imaginei.
Mal me dei conta de como cheguei à minha mesa e apenas me joguei na
minha cadeira, ouvindo-a ranger. Algumas lágrimas escaparam dos meus
olhos, e eu me senti extremamente sensível, mais do que nunca, ao menos por
um motivo razoavelmente banal.
Ou não, né? Que mulher gostava de ser molestada em seu próprio
ambiente de trabalho? Mais do que isso, que sabia que, sendo o sobrinho do
dono da empresa, seu abusador teria poder suficiente para colocá-la no olho
da rua. E eu realmente estava gostando do trabalho, apesar dos pesares.
Queria continuar na empresa e tentar crescer. Era a minha sobrevivência.
Levei ambas as mãos ao rosto, tentando escondê-lo, aproveitando que a
empresa estava calma por causa da tal reunião e que nem mesmo Débora
tinha voltado da copa.
Chorar não deveria ser a opção, mas foi o que aconteceu. Não pude
evitar...
— Carolina? O que houve? — a voz aveludada e gentil me tirou do
transe, fazendo-me erguer os olhos.
Lá estava Maurício, mais bonito do que meus olhos poderiam suportar, e
eu nem sabia o que iria explicar. O que aconteceria se eu contasse a verdade?
Eu só iria saber se decidisse por ela.
CAPÍTULO DEZESSEIS

Passei boa parte da manhã no auditório da empresa, numa reunião por


causa da aquisição de mais uma loja em São Paulo. Seria uma das maiores
que tínhamos, e precisávamos unir toda a empresa para explicar que
ficaríamos focados, nos próximos meses, em contratos, obras, planejamento,
orçamento e nas estratégias de divulgação. Tio Geraldo presidiu tudo, com
seu jeito sempre invejável de liderar. As pessoas o respeitavam. Gostavam de
tê-lo no comando da empresa. Ele as fazia rir, mas também garantia sua
atenção e seriedade quando necessário.
Eu o admirava. Se algum dia tivesse a honra de substituí-lo, gostaria de
ter metade de sua inteligência administrativa e seu tato para lidar com
pessoas.
Ainda assim, eu precisei sair antes, porque tinha que preparar uma
retificação em um contrato, que era urgente. Não era nada difícil ou que
levaria muito tempo, mas queria enviar antes do almoço para ficar logo livre.
Assim que cheguei no andar da minha sala, fiz o que sempre fazia. De
soslaio, deu uma olhada em Carolina.
Por mais que fosse quase uma sessão de tortura diária, porque ela
parecia estar mais bonita a cada dia, não conseguia evitar. Desde que fizera
sua escolha de nos afastar, eu a respeitava – como não poderia ser diferente –,
mas era impossível não pensar no que teria acontecido se não fosse minha
secretária.
Será que teríamos passado aqueles dois meses juntos?
Eu nunca conseguiria aquela resposta.
Só que vê-la chorar foi o que me surpreendeu naquele momento. E era
algo que eu não poderia ignorar.
— Carolina? O que houve? — indaguei nem tentando esconder a
preocupação na minha voz.
Olhos marejados se voltaram na minha direção, e ela se esforçou para
limpá-los imediatamente, mas eu continuei me aproximando. Uma pessoa
passou no corredor, sem se voltar para nós, apenas concentrada em algo que
tinha em mãos, mas cheguei à conclusão de que qualquer um poderia chegar
e nos ver, então estendi a mão para ela, sem dizer nada.
Um pouco confusa, Carolina demorou para aceitar, mas logo se
levantou, colocou sua mão dentro da minha, e eu a conduzi para a minha sala,
onde fechei a porta.
— Senhor, não sei se é uma boa ideia — ela falou enquanto eu ainda me
virava para ela.
De fato, era a primeira vez que ficávamos sozinhos na minha sala desde
o fatídico dia onde decidimos – ou ela decidiu – que seria melhor se não
tentássemos ficar juntos novamente. Odiava que existisse uma barreira
invisível entre nós, que ela tivesse se tornado tão reticente ao meu respeito.
Queria que, ao menos, pudéssemos ser amigos, e o fato de ela estar tão triste,
ao ponto das lágrimas, me preocupava.
Ainda mais porque algo me dizia que poderia ter sido algum problema
dentro da empresa.
— É uma ótima ideia. Você está chorando. O que aconteceu? — usei de
um tom um pouco mais firme, de forma completamente inconsciente. Não
sabia o motivo, mas um instinto dentro de mim dizia que eu precisava insistir.
— É um problema pessoal — ela falou de uma forma que me fazia
entender que não era da minha conta.
E talvez não fosse, mas eu estava preocupado.
Dei um passo à frente, e ela recuou, como se não quisesse que eu me
aproximasse, só que no momento em que fez isso, cambaleou e se apoiou na
minha mesa, que estava bem ao lado.
Reparei que estava completamente pálida e que seus olhos estavam fora
de foco, como se não estivesse passando bem.
— Carolina, o que houve? — Coloquei-me um pouco mais perto, em
alerta.
— Eu não estou me sentindo bem — ela falou com uma voz frágil e
imediatamente começou a despencar. Apressei-me e a amparei antes que
chegasse ao chão, segurando-a contra mim enquanto meu coração acelerava
no peito.
Tentei reanimá-la de várias formas, sem precisar chamar alguém para
que me ajudasse buscando um copo d’água ou algo com um cheiro forte para
trazê-la de volta a si, mas Carolina não reagia. Tirei-a do chão, carregando-a
até a minha cadeira, porque era o local mais confortável onde poderia colocá-
la. Girei o móvel para o lado, agachando-me à frente dela, percebendo que
estava abrindo os olhos, mas ainda não parecia muito firme.
— O que aconteceu? — perguntou um pouco perdida, olhando ao seu
redor. Ao me ver, diante dela, mostrou-se confusa e surpresa.
— Você desmaiou. Era por isso o choro? Está passando mal? Precisa
que te leve ao hospital ou algo assim? — Ela negou com a cabeça. — Mas
você estava chorando. Não é possível que esteja bem — tentei insistir, porque
me sentia um pouco sem rumo.
Carolina pensou um pouco, com os olhos distantes dos meus, fitando o
chão. Deixei que tomasse seu tempo, mantendo-me parado diante dela,
observando-a com cuidado. Ainda estava pálida, mas um pouco mais corada.
Suspeitei que pudesse ser de um tudo – desde uma virose a um problema
com a colega de quarto, ou talvez uma questão financeira –, mas não
imaginei que ela fosse dizer o que acabou falando em seguida:
— Seu primo. Ele acabou de me assediar na copa. — Congelei no
mesmo instante. O que diabos ela estava falando? Seus olhos atormentados
se voltaram para mim, e eu tentei primeiro compreender antes de perder a
cabeça. — Eu não queria te contar, mas não acho justo. Joguei café na camisa
dele, porque foi a única forma que achei de me defender. Não duvido que ele
venha inventar alguma história absurda sobre mim, e eu não quero isso. Não
tenho testemunhas... se quiser duvidar de mim...
— Carolina, espera — pedi, interrompendo-a, quando ela começou a
falar sem parar. Ergui uma das mãos enquanto me levantava, colocando-me
de pé, franzindo o cenho. — Você está me dizendo que Fernando tentou
alguma coisa com você? Ele te molestou de alguma forma?
— Tentou, não. Ele me encurralou. Me deixou acuada. Por pouco não
me roubou um beijo. — A frágil Carolina de momentos antes não existia
mais. Ela estava corada novamente, cheia de raiva, e eu podia ver em seus
olhos que sua intenção era nada mais do que contar a verdade. — Não sei se
ele faz isso com mais alguma menina aqui da empresa, mas, se depender de
mim, não vai fazer mais. Não vou ficar calada. Pode me demitir, se quiser,
mas se me tocar novamente eu vou denunciá-lo.
Eu podia sentir o sangue borbulhando dentro das minhas veias. Tanto
que sabia que ia agir. De uma forma completamente passional, contra o
homem que era praticamente meu irmão, mas não me importava.
— Fique aqui na sala, Carolina, por favor — pedi, embora usasse
novamente um tom de comando.
Ela se levantou de um pulo e segurou o meu braço.
— O que vai fazer? Por favor, Maurício, não cometa uma loucura que vá
fazer com que eu me arrependa de ter te contado.
— Você nunca pode se arrepender disso. Além de todo o resto, você
trabalha comigo. Eu preciso saber o que acontece na empresa. Preciso que as
pessoas que trabalham aqui tenham um ambiente saudável. Meu tio ia querer
isso.
Carolina parou de falar, mas continuou me olhando, com a mão no meu
braço. Foi nesse momento que meus sentidos me alertaram de seu toque. Nós
dois olhamos para o ponto onde estávamos conectados, e ela se afastou. Odiei
quebrar o encanto, mas não era momento para pensar naquele tipo de coisa.
Eu precisava resolver uma pendência.
— Fique aqui, por favor — pedi com mais gentileza, embora estivesse
pronto para explodir. Só que ela não merecia isso. Era a vítima.
Vi seus ombros caírem, e ela assentiu.
Saí da sala, tentando, a cada passo, manter mais e mais o meu controle.
Esforçando-me para não pensar no meu primo – o cara que eu amava como a
um irmão – sendo escroto o suficiente para colocar as mãos em uma mulher
que não consentira.
Sempre soube que ele era um canalha, que traía a esposa e que não se
importava nem um pouco com isso, mas aquilo extrapolava. Era um crime.
Ele era um estuprador.
Cheguei à sua sala em poucos passos, e ele estava lá. Sabia que tinha
deixado a reunião pouco antes de mim, porque não era muito disciplinado
para aquele tipo de coisa. Não podia negar que era muito competente em sua
área e que a empresa ganhara novos ares com sua gestão, além de continuar
crescendo – especialmente porque a equipe que ele liderava era muito maior
do que a minha – exponencialmente, mas ele era avesso a burocracias.
Admirava-me que quisesse tanto a cadeira de CEO.
— Ei, primo. Que bom que você apareceu aqui. Sabe o que aquela sua
secretariazinha fez? Ela...
Não consegui terminar de ouvir. Ele estava de pé, limpando a camisa,
então parti para cima dele, socando-o tão forte que o vi cambalear e cair
sobre a cadeira.
Alguns instantes se passaram, até que ele se voltou para mim, com os
olhos arregalados e a mão no maxilar.
— Mas que merda foi essa, Maurício? O que deu em você?
Aproximei-me dele, colocando-me à sua frente, com um dedo em riste.
Tínhamos quase a mesma altura, mas eu era uns três centímetros mais alto.
Nunca pensei que iria enfrentá-lo, muito menos que estaríamos de lados
opostos em uma briga, sendo que sempre nos defendemos quando éramos
crianças.
— Fique longe de Carolina! Não se meta com ela — a ênfase no
pronome foi forte demais. Tanto que nem percebi a expressão do meu primo
se transfigurar, e um sorriso malicioso surgiu em seu rosto.
— Você está comendo ela, não é? Por isso esse jeitão protetor. E foi
desde o primeiro dia. — Ele imediatamente uniu as peças. — Espertinho,
hein?
Agarrei-o pela camisa, que estava manchada de café, e o empurrei
contra uma parede.
— Respeito, é tudo o que eu peço às minhas funcionárias e a qualquer
outra mulher dessa empresa. Se souber que a incomodou novamente, você vai
se arrepender.
Eu deveria reportar o ocorrido ao meu tio, mas ele não merecia tal
desgosto. Além do mais, seria algo bem infantil, especialmente porque havia
uma espécie de competição pelo cargo máximo. Não tinha nenhuma dúvida
de que Fernando usaria isso contra mim caso eu tentasse essa abordagem.
— Estamos entendidos? Mantenha suas mãos longe dela.
O babaca ficou em silêncio por alguns instantes, até que arregalou os
olhos.
— Carolina! Era o nome da garota do bar, não era? — Porra, como ele
se lembrava disso? Poderia jurar que só o mencionei uma única vez. — Ah,
não vai me dizer que são a mesma pessoa...
Não consegui responder, porque estava mais chocado do que ele por
conta de sua memória.
— Pelo amor de Deus! É história de livro. Clichê, brega e ridícula.
Dei-lhe outro soco e o lancei no chão.
— Vá se foder, Fernando. Não se meta nos meus assuntos, na minha
vida. Se eu decidir me meter com a sua, você tem muito mais a perder.
Ele soltou uma gargalhada.
— O quê? Está me ameaçando? Vai contar para a Luana dos meus
casinhos? Ela sabe. Só que ela me ama e não quer me perder. Sou um filho da
puta sortudo mesmo.
Com o cenho franzido e queimando de ódio, saí de sua sala sem olhar
para trás, batendo a porta. Se olhasse na cara dele mais uma vez, poderia ser
pior. Era difícil acreditar que aquele era o mesmo cara com quem cresci. Uma
total prova de que as pessoas poderiam mudar e nos decepcionar.
Fosse como fosse, estava na hora de eu ir cuidar de Carolina,
independentemente do que havia entre nós. Sentia-me responsável por ela de
alguma forma e esperava que, ao menos daquela vez, aceitasse minha ajuda.
CAPÍTULO DEZESSETE

Minha raiva ainda não estava cem por cento controlada quando retornei
à minha sala, mas foi só ver Carolina sentada em uma das cadeiras, com a
cabeça mergulhada nos braços, que estavam apoiados sobre a mesa, para que
eu perdesse o foco. Entrei em silêncio, fiquei observando-a por algum tempo,
parado, meio que sem saber o que fazer.
Talvez todo o tempo que passei escondendo-me de outras pessoas e
usando minha viuvez como desculpa para não tentar viver minha vida como
ela deveria e poderia ser vivida tivesse arrancado de mim as noções de como
agir em situações como aquela, mas… porra! Uma garota tinha sido
molestada debaixo do meu nariz. Na verdade, pela segunda vez, já que nos
conhecemos mais ou menos da mesma forma. Isso me fazia pensar quantas
vezes uma mulher, especialmente sendo bonita como Carolina, não deveria
vivenciar situações como aquela.
Mesmo sem saber muito bem como agir, aproximei-me e coloquei a
mão em seu ombro, o que a fez sobressaltar-se e olhar nos meus olhos. Não
estava mais chorando, mas havia sinais que inegavelmente diriam que passou
algum tempo vertendo lágrimas. Era doloroso de se olhar.
— Como você está? — perguntei, mesmo sabendo que era estúpido. Ela
claramente não estava bem, mas queria que percebesse que eu me importava.
— Bem. — Ela não conseguiria convencer ninguém com aquela
resposta, mas ergueu os ombros, esforçando-se visivelmente para tentar. Era
algo admirável. — Já posso voltar ao trabalho. — Levantou-se da cadeira e
ajeitou a saia de seu vestido vermelho.
Dizer que eu não tinha reparado no quanto ela estava ainda mais bonita
naquele dia seria hipócrita da minha parte. Provavelmente deveria ser o
comentário da empresa inteira, porque a cor lhe favorecera de uma forma
impressionante. Além disso, o vestido marcava os contornos delicados de seu
corpo, agarrando-se a ele como uma segunda pele. Não havia decote
profundo, o comprimento era discreto, mas sem dúvidas acendia a
imaginação.
Eu não era imune a ela. Se fosse qualquer outra mulher, apenas pensaria
que se tratava de uma jovem atraente e simplesmente seguiria em frente. Mas
ela, não. Embora lutássemos ao máximo para fingir que nada nunca tinha
acontecido, Carolina fora minha, ao menos por uma noite. Ela me entregara
sua virgindade, e isso não era algo que se esquecia facilmente.
— Eu vou te levar em casa — falei com autoridade. Não queria soar
controlador, mas queria que acatasse minha ideia, porque precisava
descansar. A situação com Fernando a abalara demais, tanto que por mais que
parecesse melhor ainda havia um resquício de palidez em seu rosto.
— Não é nem meio-dia ainda — ela informou, como se eu não soubesse.
— Tenho muitas coisas para fazer.
Não era exatamente verdade. Por mais que mantivesse uma secretária,
eu gostava de checar também a minha agenda, de ter uma autonomia no meu
trabalho, por isso sabia que não havia nada muito urgente para fazer, além do
contrato que eu precisava enviar e que poderia fazer de home-office. Ela
então, menos ainda.
— Pegue suas coisas. Vou te levar. Também vou para casa, dar o dia
como encerrado. Não estou a fim de encarar Fernando mais hoje.
Carolina ficou parada, confusa, mas continuei firme, com minha decisão
tomada.
— Tudo bem, você é o chefe, não é? — falou com um pequeno desdém,
e eu quase revirei os olhos. Ela podia ser muito charmosa e meiga quando
queria, mas também sabia ser teimosa.
Eu não sabia até que ponto isso me incomodava e o quanto me seduzia.
Saindo da sala, ela fechou a porta e me deixou lá dentro, voltando alguns
minutos depois com sua bolsa e um casaco, colocando-se diante de mim,
completamente pronta.
Respirei fundo, fazendo um movimento para que ela passasse em
direção à porta, na minha frente, e nós dois saímos da sala, que eu tranquei,
sabendo que não voltaria mais ao escritório naquele dia. Era completamente
raro que deixasse o trabalho mais cedo, mas meu clima para continuar na
Antunes tinha sido arruinado.
Todos os olhos se voltaram para nós no momento em que passamos.
Fernando, por exemplo, parou diante da porta de sua sala. Decidi não me
voltar para ele, para não me estressar ainda mais, e apenas conduzi Carolina
até o elevador, onde descemos e partimos para o estacionamento. Ao passar
pela recepção, foi a mesma comoção. Eu sabia que ela estava um pouco
constrangida, mas não disse absolutamente nada.
Aliás, Carolina não abriu a boca durante todo o caminho para seu
prédio. Volta e meia eu a olhava de soslaio, checando-a, mas seu rosto estava
completamente voltado para a janela do carro, observando a paisagem, como
se houvesse algo de muito importante lá fora.
Chegando à sua rua, ela já começou a tirar o cinto de segurança,
parecendo muito ansiosa para sair de dentro do meu carro.
— Obrigada pela carona — ela falou exatamente no instante em que eu
embiquei diante da garagem de seu prédio.
Carolina tentou abrir a porta para sair, mas eu não a destravei. Então ela
olhou para mim, surpresa.
— Vai me deixar trancada aqui?
— Claro que não. Só quero subir, te levar lá em cima. Te entregar à sua
amiga sã e salva.
Ela suspirou, e eu não conseguia entender suas reações, mas decidi
esperar para que me dissesse o que estava se passando por sua cabeça, que se
abrisse comigo. Talvez eu estivesse pedindo demais, porque éramos chefe e
funcionária, e ela provavelmente não se sentia tão íntima para conversar.
— Alessandra não está em casa. Ela viajou ontem para ver o pai. Ele
mora em outra cidade — foi mais explicação do que julguei que ela daria.
— Mais um sinal de que preciso te levar lá em cima. Pode liberar a
entrada do carro? — Carolina suspirou mais uma vez, assentindo.
Abri a janela do meu lado e deixei que ela falasse com o segurança. Ele
parecia conhecê-la, porque rapidamente liberou a entrada.
Estacionei, deixando o carro na mesma vaga de visitante da outra vez, e
a segui até o elevador.
Diferente de meses atrás, quando fui à sua casa, havia um clima
completamente pesado. Carolina se colocou em um canto, distante de mim,
mas sem a aura de sedução da primeira vez. Naquele momento era apenas
animosidade e constrangimento.
Quando saltamos, chegamos em seu corredor e logo à sua porta.
Carolina vasculhou a bolsa atrás das chaves, encontrando-as e colocando a
correta na fechadura.
— Você não precisa entrar comigo. Já estou aqui, segura. Obrigada —
enquanto falava, ela ia abrindo a porta, sem olhar para mim. Deu alguns
passos, e eu realmente cogitei deixá-la em paz, já que não parecia nem um
pouco interessada em minha companhia, mas ela se segurou na parede,
próxima à entrada do apartamento, soltando um gemido.
— O que foi? — perguntei, colocando-me ao seu lado. Ela estava
novamente pálida, e eu decidi que havia algo de errado. — Eu deveria ter te
levado ao hospital.
— Não! — exclamou com veemência, enquanto deixava a bolsa sobre
um aparador. — É o estresse. Eu estou bem. Só preciso descansar...
Sim, poderia ser o estresse. Depois do que ela passou com Fernando,
principalmente, mas, além disso, há dois meses, até onde eu conseguia
perceber, vivia em constante alerta, tentando gerenciar nosso relacionamento
de chefe e secretária sem que nossa única noite juntos o prejudicasse.
Vinha fazendo um trabalho melhor do que o meu, aliás, porque eu mal
conseguia olhar para ela sem ter vontade de carregá-la no colo para a minha
sala e convencê-la de que poderia haver mais para nós dois. Provar que eu
ainda a desejava de uma forma quase dolorosa.
E por falar em pegar no colo...
Apesar do som de protesto que saiu de sua boca, ergui Carolina nos
meus braços, levando-a para o quarto e para a mesma cama onde eu a tive na
primeira e única vez. No momento em que me inclinei para deitá-la
cuidadosamente, nossos rostos ficaram muito próximos, e foi inevitável
pensar nos beijos que trocamos naquele mesmo lugar. Em tudo o que
fizemos. Em tudo o que eu ainda queria ter feito, se tivesse tido oportunidade.
Antes que cometesse uma imprudência, tirei seus sapatos, colocando-os
ao lado da cama, cobrindo-a. Fazia muito tempo que eu não cuidava de outra
pessoa e tinha me esquecido do quanto era gratificante fazer isso.
— Por que não descansa? Vou fazer algo para comermos. Não sou um
bom cozinheiro, mas um macarrão eu consigo preparar — disse e comecei a
me dirigir à sua porta, pronto para deixá-la dormir um pouco.
— Maurício, calma! — Ela se sentou na cama, fazendo-me parar. —
Isso não está certo. Você é meu chefe!
Abri um sorriso desanimado. Ela não estava errada, é claro, mas queria
que pelo menos se esquecesse daquele detalhe por um instante.
— Só dentro da empresa. Aqui fora podemos ser amigos, não podemos?
Ela ficou em silêncio. Considerei sua resposta como um sim e saí do
quarto, fechando a porta e deixando-a sozinha.
Quando acordasse, nós teríamos muito a conversar. Talvez estivesse na
hora de estabelecer nossas regras e limites, e entender o que ainda estava
acontecendo conosco, porque eu sabia que nenhum dos dois era imune ao
outro. E não seria de um dia para o outro que conseguiríamos nos livrarmos
das lembranças.
Ao menos eu não estava pronto para desistir.
CAPÍTULO DEZOITO

Ele estava lá quando acordei.


Ouvi barulhos de louça tilintando, e por mais que fosse estranho
imaginar que quem estava na minha cozinha era o meu chefe, não consegui
não soltar um suspiro, como se estivesse me sentindo segura por tê-lo por
perto.
Enquanto ainda me remexia na cama, tomando coragem para me
levantar, não consegui não parar de pensar em todas as coisas que tinha feito
desde que me encontrou chorando na minha mesa, até me colocar na cama,
carregando-me no colo como se eu não pesasse nada, tirando meus sapatos e
se preocupando com meu descanso.
Não era possível que aquele cara, tão atencioso e terno, fosse um
cafajeste que não ligava no dia seguinte e que nunca mais me procuraria se
não tivéssemos nos encontrado novamente por uma obra do destino.
Levantei-me da cama, sentindo-me melhor, embora ainda cansada, e
troquei de roupa, colocando algo mais confortável. Se eu fosse hipócrita,
diria que optei por um baby-doll de sedas e rendas, sem qualquer intenção,
mas a verdade era que eu gostava de ver seu olhar em mim, cheio de luxúria
como na primeira vez. Mesmo que fosse um tipo cruel de provocação, não
importava.
No instante em que apareci na sua frente, ele cravou seus olhos em mim,
enquanto colocava algumas coisas sobre a mesa de jantar, chegando a parar
com um dos pratos na mão. Vi quando engoliu em seco e não deixou de
checar-me da cabeça aos pés.
Como se voltasse a si rapidamente, baixou os olhos, voltando à sua
tarefa.
Não consegui deixar de escapar uma risadinha de escárnio.
— Isso é um pouco ridículo, sabia? — falei, do nada, cruzando os
braços.
— O que é ridículo? — perguntou, enquanto voltava para a cozinha e
retornava trazendo uma travessa em sua mão.
— Você é diretor de uma empresa. Meu chefe. Não deveria estar
cozinhando para mim.
— Não é para você. É para nós. Você há de convir que eu também não
posso passar fome.
Ok, já sabia que seria frustrante discutir com ele.
Passei a mão pelos cabelos, jogando-os para trás, sabendo que deveriam
estar completamente bagunçados, porque simplesmente os soltei do coque,
depois que Maurício me deitou na cama, e dormi daquele jeito mesmo.
— Você nem deveria estar aqui — falei baixinho, mas em um tom
suficiente para que compreendesse.
— Mas estou. E não pretendo te deixar sozinha.
— Alessandra só volta amanhã de manhã. Não pode passar a noite aqui
— falei, quase surpresa.
— Posso. E acho importante, para que possamos resolver algumas
coisas.
— Não tem nada para resolver, Maurício. Temos o que podemos ter. A
sua empresa, inclusive, tem uma regra sobre confraternização entre
funcionários. Não poderíamos nos envolver, nem que fosse da vontade dos
dois — falei, tentando manter toda a segurança possível, além da calma, para
dizer algo que eu não queria dizer.
— É uma regra antiga. Já tivemos caso de pessoas namorando dentro da
empresa e nunca as prejudicamos.
— Ainda assim, nosso caso é um pouco complicado. Sou sua secretária.
Quem iria acreditar que nos conhecemos antes de tudo isso?
Maurício ficou calado, terminando de arrumar as coisas e puxando uma
cadeira, convidando-me para que eu me sentasse nela.
Com um suspiro derrotado, eu fui, acomodando-me, sentindo-o atrás de
mim. Suas mãos pousaram nos meus ombros nus, quentes e grandes,
causando-me um discreto e doce arrepio que me fez estremecer.
— Você está melhor? — a pergunta saiu em um sussurro, o que
contribuiu para meu desconforto.
Maurício era um homem que não poderia passar despercebido em
nenhum tipo de situação, e isso só pela sua aparência, mas havia algo nele.
Algo mais do que apenas um rosto bonito e um corpo sarado, com músculos
nos lugares certos. Havia uma sensualidade latente que se evidenciava em sua
voz, olhares e no jeito como se comportava – meio distante, respeitoso,
melancólico e com a dose certa de timidez. Isso era um afrodisíaco para
mulheres, e eu era uma delas. Tê-lo agindo daquele jeito comigo era quase
sufocante.
— Estou, obrigada. — Ele deu a volta e sentou-se ao meu lado, à mesa,
acomodando-se e começando a me servir. — Espero que goste de macarrão à
bolonhesa.
Ok, eu poderia estar um pouco reticente – não em relação a ele, mas ao
que nós dois representávamos um para o outro –, mas era difícil não sorrir ao
vê-lo tão prendado e solícito.
— E ainda por cima você cozinha?
Ele sorriu também, parecendo satisfeito com o clima um pouco mais
leve que se formou.
— Não sou um chef profissional, mas precisei me virar. Eu cuidava da
minha mãe, quando mais novo. — Dei a primeira garfada e gemi com o quão
delicioso estava. Ainda assim, a curiosidade falou mais alto.
— Aparentemente você cuidava dela muito bem — soltei, deixando no
ar a questão sobre o que eu realmente queria saber.
Maurício hesitou, brincando um pouco com a comida, mas deu de
ombros.
— Meu pai batia nela. Chegava bêbado em casa e me ameaçava. Ela se
colocava na frente. Então eu me sentia na obrigação de fazer as coisas, depois
da escola, para ela não precisar, porque sempre estava machucada. Até o dia
em que eu cresci o suficiente para revidar.
Eu não esperava aquele tipo de história. Não vinda de um cara de uma
condição social como a dele.
— Aposto que ela sabe o filho incrível que tem.
— Sabia. Os dois morreram em um acidente. Meu pai bebeu como
louco na festa de um ano da empresa do meu tio, se afundando em inveja.
Pegou o carro para voltar para casa e... foi isso que aconteceu. — Continuava
remexendo na comida, parecendo não ter apetite. — Para ser sincero, só
lamento a perda da minha mãe. Meu tio foi um pai muito melhor do que ele
jamais seria.
Assenti, demonstrando que compreendia. Naquele momento, nada mais
importou. Coloquei minha mão sobre a dele, e nós trocamos olhares em
silêncio. Por alguns instantes, realmente éramos amigos. E talvez isso fosse o
que importasse, não? Ter alguém em quem confiar para contar suas mágoas e
suas vitórias não tinha preço. Eu poderia sentir algo especial por ele, algo que
tinha potencial para crescer, mas não era tão simples.
Ou melhor... naquele momento parecia. Não apenas simples, mas certo.
A sensação era de que tínhamos sido criados para nos encontrarmos e nos
atrairmos. Quando ele girou sua mão para nossos dedos se entrelaçarem uns
nos outros, a conexão pareceu inquebrável.
Respiramos fundo ao mesmo tempo, enquanto Maurício, assim como
fizera com a comida, brincava com nossas mãos, movimentando-as como se
fosse uma carícia. Então ele a ergueu à sua boca, beijando-a e deslizando
beijos pelo punho, braço, subindo.
Sem que eu percebesse, ele pegou minha cadeira por baixo, puxando-a
para mais perto da dele. Com a mão livre, acariciou meu rosto, afastando um
pouco meu cabelo, e mantendo um olhar de reverência que quase me
desmontou.
— Não quero te tornar minha amante, Carol... — Era a primeira vez que
me chamava daquela forma, e o fez com tanta doçura que a sensação foi a de
uma carícia. — Nunca faria isso. Não sou meu primo.
— Então o que você quer, Maurício? Não pode apresentar sua secretária
como sendo sua nova namorada — respondi com pesar.
— Mas também não precisamos espalhar sobre nosso relacionamento
para todo mundo, não em um primeiro momento. Podemos... nos conhecer.
Estamos aqui, não estamos? Só eu e você. Se as coisas derem certo, vemos
como resolvemos. Somos jovens, desimpedidos. Não há motivos para não
tentarmos.
Era tentador. De verdade. A proposta era bem plausível, porque
realmente não devíamos satisfação de nossa vida privada a ninguém.
Poderíamos continuar escondendo, fingindo. Seria nosso segredo. Já
tínhamos um, afinal. Não tínhamos?
— Acho que podemos tentar... — saiu em uma voz tão suave que eu
poderia jurar que ele não ouvira.
Mas pela forma como se inclinou na minha direção, encostando nossos
lábios com cautela, quase testando se eu aceitaria o beijo, ele estava de
ouvidos atentos.
A iniciativa de pedir um beijo mais profundo foi minha, quando separei
os lábios, abrindo caminho. Logo sua língua veio procurar a minha, e sua
mão se posicionou no meu rosto, segurando-o com firmeza, movendo-se em
seguida para a minha nuca, enquanto fazia amor com a minha boca bem
devagar, tomando seu tempo e me seduzindo como um profissional.
Era assustador, mas um feixe de esperança se acendeu dentro de mim.
Quando nos separamos, ficamos com nossas testas coladas por algum
tempo, com nossas respirações ainda se encontrando, tal como tínhamos feito
segundos antes, e o silêncio nos fez companhia.
Era um começo. Uma porta se abrindo.
Voltamos a comer, conversar, e toda a hesitação de antes pareceu se
dissipar. Éramos novamente o Maurício e a Carolina de antes, que se
conheceram por acaso e sentiram uma conexão quase imediata.
Naquela noite, Maurício dormiu ao meu lado, empenhado em cuidar de
mim. Não tentou me seduzir, nem me tocar de qualquer forma que insinuasse
alguma intenção erótica. Era evidente que queria, porque seu membro estava
ereto, tocando minhas costas enquanto começávamos a pegar no sono, mas eu
entendia sua decisão. Queria me mostrar que poderia haver mais entre nós do
que apenas um relacionamento físico.
Ou era o que eu pensava... Se fosse isso, talvez pudesse dar certo.
Começar de novo, algo só entre nós dois, um bom segredo para se guardar.
E foi com essa esperança que nos separamos na manhã seguinte, bem
cedo. Ele saiu da minha casa, com a intenção de passar em seu apartamento,
trocar de roupa e etc. Queria que eu o acompanhasse, mas achei melhor não
fazê-lo. Por isso nos despedimos, e eu fui para a Antunes.
Tomei café da manhã na copa, como todos os dias, sentindo meu
estômago embrulhar um pouco, mas nada de mais.
Acabei deixando para checar a agenda de Maurício depois, e vi que ele
teria uma viagem de negócios no dia seguinte, que duraria três dias. Mandei
uma mensagem para o whatsApp dele, lembrando-o, e ele realmente não se
recordava dela.

MAURÍCIO: Droga, eu tinha me esquecido completamente. Foi


remarcada. Era para ser só na semana que vem, e eu fiquei com isso na
cabeça.
CAROLINA: Imaginei. Sua agenda está bem flexível. Posso remarcar a
única reunião para quando você voltar, para que possa fazer suas malas
e resolver as coisas hoje.
MAURÍCIO: Você é um anjo. Farei isso.

Sorri com o elogio, como uma garota boba. Eu não queria ficar assim.
Ainda não sabia exatamente o que iria acontecer conosco, e sabia que se
houvesse uma desilusão, eu sofreria.
Coloquei o telefone de lado, corroendo-me de vontade de responder algo
mais fofo, mas sem coragem. Só que o aparelho vibrou em seguida com outra
mensagem.

MAURÍCIO: Vou sentir sua falta.

Outro sorriso. Como eu poderia me fingir de indiferente? Maurício não


era um cara efusivo demonstrando sentimentos, até onde eu conseguia
perceber, e uma mensagem como aquela era muito mais do que eu poderia
esperar.
Relutei em responder, mas enviei um coração. Eu também sentiria
saudades, mas ainda tinha medo de me abrir totalmente e me decepcionar
novamente.
O celular vibrou novamente, daquela vez com uma ligação. Por um
instante pensei que pudesse se tratar de Maurício, mas era Alessandra. Olhei
ao meu redor e vi que Débora estava em sua mesa, com fones de ouvido,
como sempre ficava. Na Antunes tínhamos algum tipo de liberdade e
podíamos ouvir música na hora do expediente, desde que ficássemos atentas
ao telefone. Sendo assim, fiquei feliz por poder conversar com a minha amiga
sobre a noite passada, sem citar nomes.
Conversamos, e eu lhe dei as atualizações, usando um código que só ela
entenderia para saber de quem estava falando, e minha amiga continuou me
pedindo para ter cuidado, que os homens podiam ser muito sedutores quando
queriam, que eu era inexperiente e tudo o mais. Claro que isso me fez
murchar um pouco, e a reação foi que meu estômago começou a revolver
novamente.
Senti uma imensa vontade de vomitar, mas consegui controlá-la. Era a
segunda vez naquele dia. Se fosse sincera, vinha com o estômago estranho há
alguns dias e...
Havia os desmaios também...
O sono...
Minha menstruação... ela estava certa? Eu não lembrava. Com a
confusão do novo emprego e tudo o mais, não fazia a menor ideia de quando
tinha usado um absorvente pela última vez. Há uns quarenta dias, talvez? Ou
mais...
Não demorei muito para sentir a realização caindo sobre a minha cabeça
com o peso de uma tonelada.
— Alê... — minha voz saiu como um gemido. Um choramingo. Eu
poderia dizer qualquer coisa a ela, mas a única coisa que saiu foi: — Amiga,
acho que estou grávida.
CAPÍTULO DEZENOVE

Não adiantava chorar o leite derramado, mas não conseguia parar de


soluçar, nos braços de Alessandra, no sofá de nossa casa. Tamires estava na
cozinha, preparando algo para comermos, embora eu estivesse com o
estômago completamente embrulhado, e minha amiga tinha retornado de sua
viagem mais cedo para ficar comigo. As duas, aliás, vinham sendo
maravilhosas.
Tammy fora dormir comigo no dia que descobri a gravidez – sim,
confirmação com direito a exame de sangue e tudo –, e Alê chegara no
seguinte, de manhã, esbaforida. Fazia três dias desde o exame. Como o pai de
Alessandra era médico, ele fez um atestado para mim, sem entrar em
detalhes, apenas alegando uma virose. Era algo erradíssimo, mas eu não
queria aparecer na empresa daquele jeito, mesmo com Maurício ausente em
viagem.
Só que minha folga terminava no dia seguinte, e eu precisaria encarar
tudo. Por isso estava tão desesperada.
— Você deveria ter ligado para ele e contado, Carol! — Alessandra
comentou, enquanto fazia carinho no meu cabelo, alisando-o com seus dedos
como se eu fosse uma criança. — Se o cara fez a merda do filho, precisa
saber e assumir.
— Opa! Não chama meu afilhado de merda — Tamires gritou da
cozinha.
— Nos seus sonhos que esse garoto vai ser seu afilhado. A madrinha
serei eu — Alessandra gritou de volta. — E eu falo merda com carinho. É o
nosso merdinha.
Eu não sabia se ria ou chorava. Apesar de não ter que dar de cara com
Maurício no dia seguinte, porque ele ainda estava em viagem, sentar-me
naquela cadeira, olhar para sua sala e entrar na empresa seria como gatilhos.
Eu estava apavorada.
— Amiga, não fica assim. A gente não vai te abandonar. De jeito
nenhum. E aquele cara é rico, ele vai dar um jeito de assumir o filho.
Ergui a cabeça, olhando para Alessandra.
— Não é tão simples. Eu não queria ser mãe agora. E Maurício,
provavelmente, não queria um filho, muito menos com uma mulher que ele
mal conhece — minha voz estava embargada do choro.
Eu queria ser mais forte, suportar aquela nova provação com um pouco
mais de maturidade, mas tudo o que eu desejava era ficar no colo da minha
amiga. Não queria precisar encarar a realidade, o fato de que havia um bebê
dentro de mim.
E era mais absurdo pensar nisso, porque eu só tinha feito sexo uma vez
na minha vida. Era muito azar.
Não podia pensar assim de um bebezinho inocente, mas pelo amor de
Deus...
Ok, eu sabia que o erro tinha sido meu. Por que não usei camisinha? Por
que não tive esse cuidado? Alessandra e Tamires já tinham me dado um
sermão sobre isso, e eu concordei; ambas tinham total razão. Fora
irresponsável da minha parte, completamente.
E elas também estavam certas sobre eu precisar ligar para Maurício. Ele
era o pai. Independentemente de querer ou não aquele filho, era tão culpado
quanto eu. Um cara de trinta e sete anos e com tanto dinheiro quanto ele
tinha, não iria fugir da responsabilidade. Ou ia?
O que eu sabia sobre homens, meu Deus? Eu era a criatura mais
inexperiente do mundo!
— Eu vou falar para ele — afirmei com convicção. Não importava o que
Maurício iria dizer, não importava que eu fosse sua secretária e que aquela
gravidez tivesse acontecido por um acidente. Não podia encarar aquela barra
sozinha. Não era justo comigo e nem com o bebê, que precisaria de um pai.
— Mas não por telefone. Não é o tipo de notícia que se dá assim. Depois de
amanhã ele estará na empresa, posso falar com ele...
Ou era o que eu pensava.
No dia seguinte, reuni toda a minha coragem para acordar cedo, tomar
um banho, vestir uma roupa, preparar uma maquiagem simples e partir para a
Antunes Viana. Não havia muitas coisas para fazer quando Maurício não
estava presente, mas tinha tarefas e queria colocá-las em ordem o mais rápido
possível, porque minha concentração não era das melhores naquele dia.
O dia transcorreu normalmente. Se eu não tivesse ficado enjoada antes
do almoço e precisado ir ao banheiro colocar todo o café da manhã para fora,
eu quase poderia fingir que não havia nada acontecendo. Poderia fingir e me
iludir que minha vida estava normal e que um bebezinho não estava
crescendo dentro de mim.
Pouco depois de mais uma sessão de vômitos indesejados, por volta das
cinco da tarde, após eu lavar a boca, voltei-me para o espelho, que era grande
o suficiente para pegar dos meus quadris para cima, levando a mão à barriga.
Pela primeira vez desde que descobri sobre o bebê, decidi acariciá-la. Ainda
não havia um único resquício da gravidez que pudesse ser notado, mas eu
sabia que ela existia. Uma criança estava ali dentro.
Há três dias eu considerava aquela situação um inferno. Algum tipo de
castigo por eu ter me entregado tão facilmente a um homem, sem nem saber
direito quem ele era. Por que não era isso que acontecia com as mulheres? Os
caras podiam fazer a mesma coisa o tempo todo, só que o mesmo não podia
acontecer conosco. Lá estava a minha consequência, e eu só pensava naquele
bebê como um erro.
Ali, de frente para o espelho, foi a primeira vez que contemplei a
possibilidade de ser mãe. O peso dessa palavra.
Tive uma mãe maravilhosa, que me criou sozinha, sem a ajuda de um
homem, porque meu pai nos abandonou quando eu era muito pequena. Uma
guerreira, que trabalhou em casas de família, mesmo tendo estudo, porque
precisava cuidar de mim. Ela desistiu de seus sonhos por minha causa, para
que eu pudesse ter um futuro.
O que ela pensaria sobre o que aconteceu? Será que me julgaria? Será
que me condenaria?
Porém mais do que isso... o que pensaria quando soubesse que eu estava
mal pela possibilidade de ter um bebê? Logo ela que foi a melhor mãe que eu
poderia ter.
E eu precisava honrar isso, sendo uma mãe maravilhosa para o meu filho
também, não importava o que seu pai diria ou faria quando descobrisse sobre
sua existência.
Assim que saí do banheiro, depois de deixar algumas lágrimas caírem, vi
que Fernando e Débora estavam diante da minha mesa, me esperando.
— Boa tarde, Carolina! — Fernando me cumprimentou. Imediatamente
senti um arrepio percorrer minha espinha.
Desde o incidente na copa, ele nunca mais sequer dirigira a palavra para
mim. O que teria para me dizer naquele momento, sem Maurício presente na
empresa?
— Boa tarde, Seu Fernando. Posso ajudar em alguma coisa? —
respondi, no meu tom mais profissional possível.
— Pode nos acompanhar à sala de reuniões? — Ele tinha usado o
pronome no plural, não era? Então Débora iria junto? Ok, provavelmente
deveria ser algo de trabalho.
Assenti, seguindo-os.
Entramos, e ele deixou que nós duas passássemos primeiro, tentando nos
convencer de que se tratava de um cavalheiro.
Babaca!
Só quando já estava lá dentro que me dei conta de que havia uma moça
sentada em uma das cadeiras da mesa de reuniões.
Uma moça bonita, loira, com grandes olhos azuis, que parecia mais
assustada do que um coelhinho em meio a uma selva.
— Por favor, Carolina, sente-se — Fernando pediu, e eu obedeci.
Lancei um olhar para Débora e percebi que ela não me encarava. Estava
constrangida, e eu não poderia imaginar por quê.
— Vou ser bem direto. — Entrelaçou as mãos e as apoiou sobre a mesa,
como um homem de negócios. — Chegou ao meu conhecimento que você
está grávida. E eu tenho motivos para acreditar que este bebê é do meu
primo.
Foi como se alguém tivesse colocado a mão dentro do meu peito e
amassado meu coração. Fiquei tentando imaginar como ele poderia saber, se
eu não havia contado para ninguém além das minhas duas melhores amigas,
que não tinham qualquer contato com pessoas da empresa.
Então me lembrei do dia em que contei para Alessandra. Quando ainda
era apenas uma suspeita. Eu estava do lado de Débora. Lembrava-me de vê-la
com fones nos ouvidos, mas ela poderia ter tirado ou não estar escutando
música como pensei.
Voltei-me em sua direção, sentindo-me traída, e ela ainda não me
encarou. Culpada, sem dúvidas.
Mas ok ela saber que eu estava grávida. Só que eu não fazia ideia de
como Fernando chegou à conclusão de que o filho era de Maurício. Isso eu
não precisava confirmar.
— De onde veio essa teoria? — Não devia nada àquele idiota. Ele não
era meu chefe.
Seu sorriso me fez estremecer novamente.
— Não é uma teoria, querida. Meu próprio primo me falou que estava
tendo um caso com você. Não pense que é a primeira. Acha mesmo que o
encontro de vocês naquele bar foi aleatório? Ele sabia quem você era, pegou
seu endereço, foi te espionar e te seguiu. Não é a primeira vez. Maurício tem
uma mente muito mais sagaz do que a minha. Ele oferece essa coisa de
romance, de coisinha clichê de livro e as moças caem como patinhas. — Do
que diabos ele estava falando? Como era possível? Como sabia sobre nosso
encontro no bar, como nossa história começou?
— É mentira — saiu sem que eu controlasse. Soei patética, sem dúvidas,
mas não poderia ficar calada quando minha mente não me obedecia.
— E como eu saberia de tudo? É a mesma técnica que usa sempre. —
Então apontou para a moça loira, ainda sentada e parada. — Foi o que usou
com a Carla, sua ex-secretária. Devem ter te contado que você substituiu uma
moça que engravidou, não?
Se eu pensava que meu coração já estava destruído dentro do peito,
naquele momento eu o senti despedaçar-se em um milhão de cacos
pontiagudos, capazes de me ferirem profundamente.
Fernando estendeu um envelope na minha direção. Era timbrado, com o
selo de um laboratório famoso.
— Pode abrir.
Um pouco hesitante e olhando para as pessoas ao meu redor, enquanto
tirava o lacre do envelope. Deparei-me imediatamente com um exame de
DNA. Lá havia o nome de Carla Monteiro de Souza, provavelmente a mulher
à minha frente. O teste dava positivo para paternidade e havia o nome de
Maurício Antunes em meio a tudo aquilo.
As palavras estavam borradas à minha frente. Não apenas porque eu me
sentia zonza, mas porque as lágrimas começaram a se avolumar à medida que
eu ia compreendendo o que tudo aquilo significava.
— Carla, conte para Carolina o que Maurício fez quando você lhe
contou que estava grávida... — ele deixou no ar.
A mulher que eu não conhecia engoliu em seco e virou-se para mim,
cheia de pesar. Meu Deus, ela estava com pena de mim!
— Ele me demitiu e pediu que sumisse da vida dele. Disse que não
queria o filho de uma secretária, de uma mulher que nunca seria como a
esposa que perdeu. — Ela também deixou cair uma lágrima. — Jurei que era
de verdade, que estávamos apaixonados. Ele foi maravilhoso comigo, me fez
sentir especial. Mas... era só ilusão. Ele é um aproveitador. Pediu que eu
abortasse, me ameaçou...
Levei uma mão ao peito, quase sem ar.
Não podia ser verdade... não podia.
Mas havia uma prova bem na minha frente. Não acreditar no que meus
olhos estavam vendo era burrice. Assim como fora burrice me entregar a um
homem que eu quase não conhecia.
— Querida... — Quando dei por mim, Fernando estava bem à minha
frente, e eu cheguei a me sobressaltar. Inclinou-se na minha direção,
aproximando seu rosto do meu. — Sabendo de tudo isso, eu tenho uma
proposta a te fazer...
Uma proposta?
Mas o que diabos aquele homem poderia ter a me oferecer?
Fosse como fosse, eu não tinha escolha, precisava ouvi-lo, embora já
imaginasse que aceitar qualquer coisa dele seria como fazer um pacto com o
diabo.
CAPÍTULO VINTE

Fora um voo cansativo, e eu cheguei em casa tarde. Minha agenda ainda


estava liberada o suficiente para que eu pudesse me dar a manhã de folga e
me atrasar para ir para a Antunes. Só que eu queria ver Carolina. Precisava
compreender por que não respondia minhas mensagens há dias. A última fora
avisando que precisaria se ausentar por conta de uma virose. Estava
preocupado.
Queria vê-la. A última noite que passamos juntos, que dormimos na
mesma cama, fora significativa para mim. Mesmo sem tocá-la como eu
gostaria de ter feito, sentia que estávamos construindo alguma coisa. Algo
que não sabia que precisava, porque me fechei para muitas coisas,
principalmente para a possibilidade de um relacionamento, mas que me
surpreendeu.
Eu tinha comprado um presente para ela na viagem que fiz. Era algo
simples, porque não pretendia fazê-la se sentir intimidada ou pressionada
com qualquer coisa, mas algo que combinava com ela – delicado,
representativo e doce. Estava até sorrindo quando cheguei no andar, mas logo
senti que havia algo de errado.
Carolina estava sentada à sua mesa, como sempre, mas o computador
estava desligado, e ela não estava usando uma roupa social, como era
solicitado às secretárias executivas da empresa. Jeans, uma camiseta e uma
jaqueta preta cobriam seu corpo, e os longos cabelos escuros estavam presos
em um rabo de cavalo. Sem maquiagem, mas os olhos pareciam vermelhos,
mesmo de longe.
Estivera doente, mas seria algo mais grave do que pensara?
Aproximei-me e olhei ao meu redor, reparando que estávamos sozinhos,
o que me permitia ter um pouco menos de cuidado ao falar, embora alguém
pudesse surgir a qualquer minuto.
— Você está bem? — foi a primeira coisa que falei, servindo como um
cumprimento.
Ela não ergueu os olhos imediatamente, apenas fungou e engoliu em
seco. Claramente não queria olhar para mim, e eu comecei a tentar pensar o
que poderia ter feito de errado. O que havia acontecido para que tivéssemos
pulado de uma conversa agradável e com gosto de esperança para recuarmos
vinte passos naquele caminho?
— Preciso conversar com você — afirmou, mas eu podia sentir em cada
tom de sua frase o quanto estava insegura, e eu odiava isso.
— Claro, vamos até a minha sala.
Carolina assentiu, pegando a sua bolsa e seguindo pela porta que eu
mesmo abri. Entramos, e eu senti como se o ambiente estivesse pesado
demais. Não era apenas algo que tinha acontecido com ela, mas com nós
dois.
Se é que em algum momento houve um nós.
— Quer se sentar? — perguntei, tentando amenizar as coisas, mas ela
cruzou os braços e negou com a cabeça.
— Não, porque vai ser rápido. Estou pedindo demissão. Vou sair da
cidade, passar algum tempo no interior, onde minha mãe nasceu.
Franzi o cenho, tentando absorver as duas informações que ela
compartilhou na mesma frase.
— Você conseguiu outro emprego? — Não que eu pensasse que ela
poderia estar desistindo da Antunes por minha causa, para que pudéssemos
ficar juntos, mas essa teoria já teria caído por terra com o resto do anúncio
que fez.
— Ainda não, mas vou, com certeza.
Ficamos calados, um de frente para o outro. Por algum motivo Carolina
mais parecia um bichinho acuado no meio de uma floresta, esquivando-se de
um predador.
— Carolina, o que aconteceu? Na última vez em que nos vimos, jurei
que tínhamos nos entendido. Que íamos tentar...
— Não temos nada para tentar, senhor. Tudo o que tinha que acontecer
conosco já aconteceu; até mais do que seria correto. Chegou a hora de
seguirmos caminhos diferentes. — Tão fria, tão séria, tão diferente da mulher
que eu conhecia.
Era difícil não acreditar que algo havia acontecido. Algo grave o
suficiente para fazê-la ter vontade de fugir daquela forma.
A primeira imagem que surgiu na minha cabeça foi o rosto do meu
primo.
Era doloroso que uma pessoa que amei durante toda a minha vida, que
sempre tive como um irmão pudesse ter se tornado um rival para mim;
alguém capaz de chegar a extremos para conseguir o que queria – fosse uma
garota que não estava interessada em se tornar uma de suas amantes ou o
cargo de CEO da empresa. Porque eu não duvidava nem por um minuto que
ele tomaria medidas extremas para tal.
— Foi Fernando? Ele fez alguma coisa com você? Te ameaçou? —
Como acontecera na primeira vez em que nos encontramos naquela mesma
sala, dei um passo à frente, tentando me aproximar, mas Carolina recuou.
Era um sinal para que não chegasse perto dela.
Mas... por quê?
— Não tem nada a ver com o Sr. Fernando. Eu só preciso ir embora.
Não quero mais trabalhar aqui. Já, inclusive, fiz o pedido e apresentei minha
carta de demissão ao RH.
— Fez isso sem falar comigo antes? — Mais uma vez foi como um soco
no estômago, mas eu certamente não tinha esse direito.
— Me desculpa por isso, mas achei que aceleraria as coisas.
— E por que você quer tanto acelerá-las? Por que a pressa? Não
podemos nem... conversar? Eu gostaria de entender o que aconteceu — tentei
falar com toda a calma do mundo, embora estivesse completamente confuso.
— Eu não posso. — Até aquele momento Carolina estava se mantendo
fria, mas vi quando perdeu a batalha e deixou que as lágrimas a vencessem.
— Não posso. Eu tenho meus motivos, mais de um, mas não vou mais ser
submetida a tantas coisas. Pelo que eu soube, o que ouvi e pelo que sei que
ainda pode vir. Não posso mais pensar só em mim.
Cada palavra que ela dizia me deixava mais e mais confuso. Onde estava
querendo chegar? Que mensagem queria passar?
Merda! Eu deveria entender, não era? Não era difícil perceber que tinha,
sim, ligação com Fernando, porque ela dissera que fora submetida a algo.
Que alguém lhe disse algo que a deixou naquele estado.
— Carolina, eu preciso saber. O que Fernando fez dessa vez? Ele tocou
em você? Ele... — Não queria nem pensar em meu primo indo mais longe
com Carolina, especialmente na minha ausência. Pela expressão traumatizada
e assustada em seus olhos, eu não duvidaria se tivesse sofrido algum tipo de
violência mais séria. — Eu vou matá-lo se fez alguma coisa com você.
Era meu próprio primo, mas se tivesse violentado Carolina ou sequer
tentado e chegado a traumatizá-la de alguma forma – mais do que da outra
vez, em que quase a beijara à força – eu iria destruí-lo. Não apenas
fisicamente, mas sua vida. Ele iria para a cadeia, sem dúvidas, e eu não teria
nenhum tipo de compaixão.
— Não. Estou bem. Eu só quero ir embora. Terminar logo com isso. Por
favor, não torne as coisas ainda piores.
Como eu poderia deixá-la ir embora? Como...?
— Carol, por favor. — Novamente me aproximei, mas daquela vez
coloquei as mãos em seus braços com delicadeza. Ela não tentou se
desvencilhar, mas desviou os olhos de mim, incapaz de me encarar. — Olhe
para mim. — Só que ela não o fez. — Olhe para mim — repeti.
Quando aqueles lindos olhos dourados se voltaram na minha direção, eu
vi uma dor tão profunda que chegou a me assustar.
— Chega, Maurício. Só me deixa ir embora. Você já teve o que quis.
O que eu quis?
Não era possível que ela estivesse pensando que meu objetivo era
apenas transar com ela.
— Seja lá o que for que Fernando te falou, não acredite nele.
Carolina tentou se desvencilhar mais uma vez, quase desesperada, e eu a
soltei. Não poderia mantê-la ali contra sua vontade. Não quando parecia tão
fora de si.
— Eu já disse. Chega! Não sou uma idiota para acreditar em qualquer
coisa sem provas. Você deveria ter vergonha. — Ela ajeitou a bolsa no ombro
e se dirigiu à porta.
— Me deixa te levar em casa, pelo menos — pedi, em uma última
tentativa.
— Fica longe de mim.
Com isso ela saiu, me deixando parado, olhando em sua direção.
Era difícil explicar o que eu estava sentindo; difícil compreender a mim
mesmo, porque eu ainda nem sabia exatamente o que Carolina representava
para mim. Ela era uma garota especial, a quem queria conhecer melhor, mas
eu não estava apaixonado. Eu a estava perdendo, mas seria uma perda tão
significativa assim?
Era claro como cristal que o coração dela estava partido, e eu era o
culpado. Mas nem sabia o que tinha feito, como poderia tê-la magoado tão
profundamente.
Deixei que alguns minutos escapassem do meu controle até que saí da
minha sala, indo direto a de Fernando. Ele não estava lá.
Parei diante da mesa de Débora, percebendo que ela sabia de algo, mas
obviamente não iria me contar.
— Onde está Fernando? — indaguei, sentindo minha voz sair em um
rosnado.
— Ele não virá hoje. Vai se ausentar por alguns dias.
Claro que ia. Ele não queria me encarar.
Mas eu poderia esperar.
Eu esperaria quanto tempo fosse para entender o que havia acontecido, e
ele iria me explicar o que dissera a Carolina. O que a fizera ir embora da
minha vida daquele jeito, destruindo algo que eu poderia jurar que iria me
devolver uma felicidade que há muito eu não sentia.
Ou talvez fosse apenas uma ilusão.
CAPÍTULO VINTE E UM

UM ANO DEPOIS
A cena era muito familiar para mim, embora por motivos muito
diferentes. Seis anos atrás eu me vi andando de um lado para o outro, pelos
corredores de um hospital, com a notícia de que minha esposa tinha sido
baleada. Pareceu tão irreal na época que eu me lembrava de cada passo que
dei até chegar a alguém que me informasse qualquer coisa.
Era o mesmo hospital. O motivo, diferente, mas nem por isso mais feliz.
Luana estava perdendo seu segundo bebê em um ano. Era pouco mais de
meia-noite, e ela não encontrara Fernando em lugar nenhum. Celular fora de
área, ela não fazia ideia de onde ele estava, então ligou para mim. Nem
hesitei.
Ao chegar em sua casa, ela me atendeu, e eu vi o sangue. Cheguei com
ela nos braços no hospital, enquanto a sentia chorar contra o meu peito. Não
precisávamos de confirmação para o que já sabíamos.
Fiquei com ela durante todo o tempo e a levei para casa, conduzindo-a
pelas escadas com cuidado e colocando-a na cama. Sentei-me ao seu lado,
cobrindo-a e sentindo meu coração se despedaçar com seu choro. Já estava
quase amanhecendo, e nada de Fernando aparecer em casa.
— Ele tem feito isso constantemente? — perguntei, vendo Luana
desmoronar do meu lado, escondendo o rosto nas mãos, respirando
profundamente para tentar se acalmar.
— Quase todas as noites. Eu não sei mais o que fazer... Não sei. E agora,
então... — Na primeira vez em que perdera o bebê, Luana se culpara. Ou
melhor, meu primo ficara tão decepcionado com ela que não restava muitas
dúvidas a respeito de qual era seu posicionamento naquela situação.
Peguei a mão dela, apertando-a.
— Ei, Lu... olha para mim. — Ela o fez, parecendo cansada e muito
triste. — Não é culpa sua.
— Como não, Mau? É o segundo. E se eu não puder conceber?
— A pergunta mais importante não é essa... Você quer esse filho?
Não era a primeira vez que a questionava sobre aquilo, mas eu sabia que
Fernando enchia sua cabeça de ideias absurdas sobre eu estar tentando
convencê-la a não ser mãe, porque eu queria ganhar a posição de CEO. Como
se eu estivesse tentando muito ser pai... A última mulher que levei para cama
foi Carolina.
Luana hesitou em responder. Para mim era o suficiente, mas esperei que
dissesse alguma coisa. Soltou minha mão, baixou os olhos para seu colo e
respirou fundo.
— No início eu não queria. Jurei que não estava pronto. Mas desde que
tive o primeiro aqui — ela levou a mão à barriga, em um gesto maternal e
muito doloroso —, algo mudou. — Seus olhos enormes e vermelhos do choro
se voltaram para mim. — Eu não queria perder os bebês, Mau. Fernando deu
a entender isso no primeiro, que foi a minha má vontade em ser mãe que
causou o aborto, mas eu juro. Já amava aquele bebezinho. E este aqui... —
Luana balançou a cabeça em negativa, corrigindo-se: — Aquele lá... eu
também amava.
— Eu sei, querida. Você vai ser uma ótima mãe. Mas sabe o que eu
penso sobre essa situação toda.
Ela sabia porque lhe contei. Depois que Carolina foi embora, eu e
Fernando tivemos uma briga ao ponto de que não nos falávamos mais.
Novamente o deixei com algumas marcas dos meus socos no rosto e abri o
jogo com Luana sobre todas as traições e todas as merdas que o marido fazia.
Infelizmente ele dissera a verdade, e a mulher sabia de tudo. Estava mais do
que claro que vivia um relacionamento abusivo, que não conseguia perceber
o quanto Fernando era tóxico.
Eu ainda tentava descobrir o que ele dissera para Carolina que a fizera
partir daquela forma. A mulher sumira do mapa, e nem sua amiga – a colega
do quarto – queria me dizer o que tinha acontecido com ela. Provavelmente o
que me impedia de esquecê-la e de seguir em frente era, não apenas o fato de
que a garota mexera comigo, como também eu sabia que havia algo de muito
errado. Um segredo, uma artimanha que nos separara.
— Eu sei, mas...
Naquele momento, ouvi um barulho de porta batendo. Era muito cedo,
mas mesmo assim Fernando não tinha a decência de chegar silenciosamente
para não acordar sua esposa – que ele achava que ainda estava grávida.
Quando entrou no quarto, totalmente desalinhado, e me viu ali, sua
expressão demonstrou exatamente o que ele deveria estar pensando.
— O que está fazendo aqui, na minha cama, com a minha mulher? — Só
que ele nem me deixou responder. Partiu para cima de mim, tentando chutes
e socos aleatórios, que não acertavam seu alvo de maneira alguma, porque
estava mais bêbado do que um gambá.
Sem muito esforço, consegui imobilizá-lo e explicar, enquanto a pobre
da Luana parecia assustada e pálida como um fantasma.
— Escuta aqui, seu idiota... sua esposa acabou de perder o bebê. Você
não atendia ao telefone, então eu vim acudi-la. Chegamos do hospital há
alguns minutos. Tenha algum respeito por ela — minha voz soou como um
rosnado, e eu soltei Fernando de forma nada delicada, jogando-o no chão.
Completamente atordoado, ele olhava de mim para Luana, que já tinha
recomeçado a chorar. Subitamente seu olhar se voltou para o chão, e eu não
sabia se um lapso de consciência entrara no meio de sua embriaguez,
proporcionando-lhe um pouco de sobriedade ou se era exatamente a bebida
que o deixava ainda mais confuso. Ficou parado por alguns instantes, até que
se levantou e se sentou ao lado de Luana, abraçando-a.
Aquilo me surpreendeu. Mais ainda quando começou a chorar. De
alguma forma, não me convencia de que estivesse tão triste pela perda do
bebê em si. Chegava a ser ridículo que a mulher que merecia ser confortada
depois de passar horas em um hospital, depois de ter seu corpo invadido por
uma curetagem – sem contar todos os traumas que isso não deveria gerar –, e
que o homem precisasse de colo como um bebê, muito provavelmente porque
se foi sua chance concreta de agarrar seu maior objetivo.
Eu esperava estar enganado e que Fernando realmente quisesse ser pai,
que fosse bom para qualquer criança que viesse a nascer.
Com a cabeça do marido em seu peito, acariciando seus cabelos, Luana
fez um sinal para mim, como se quisesse que eu fosse embora para lhes
deixar sozinhos. Não sabia se era prudente, porque temia que quando a
realidade viesse à tona, ele novamente a culpasse e fizesse algo pior. Só que
não poderia ir contra a sua vontade.
Sendo assim, deixei o quarto e, consequentemente, a casa, esperando
que os funcionários não demorassem a chegar, porque não confiava naqueles
dois sozinhos.
Peguei meu carro e achei que seria prudente dar uma volta. Não queria
voltar para o meu apartamento, para a minha solidão. Para a certeza de que eu
não tinha o que meu primo possuía e que tratava com tanto desdém.
Parei diante da praia, decidindo caminhar um pouco no calçadão,
mesmo estando de jeans, tênis e uma camiseta preta, em um dia que tinha
potencial para ser ensolarado, no Rio de Janeiro, embora estivéssemos no
inverno. Coloquei meus óculos escuros e me atrevi a parecer um turista na
minha própria cidade.
O mar parecia revolto, terminando na imensidão do horizonte, nunca se
cansando de ir e vir. Diferente dele, eu estava exausto. Não apenas
fisicamente pela noite mal dormida, mas por muitas coisas. Da vida que eu
estava vivendo. Do que eu poderia ter vivido.
Fernando vinha fazendo da minha vida um inferno há muito tempo.
Desde que Carolina fora embora, além desse desespero de ter um filho, ele
tentara minar meu relacionamento com meu tio de todas as formas. Era uma
guerra velada, e eu não tinha a menor vontade de lutar. Esse não era o meu
maior objetivo.
Na verdade, eu nem sabia mais qual era, a não ser descobrir algumas
verdades que ainda estavam pendentes.
Foi pensando nisso que continuei caminhando. Afastei-me um pouco do
meu carro e retornei sentindo o sol começar a esquentar.
Voltei para o meu prédio quando já passava das nove, e estava louco
para ir para casa e tomar um banho, aproveitando que era sábado, mas no
momento em que embiquei na guarita, o porteiro fez um sinal para que eu
parasse, tanto que demorou a abrir o portão.
— Seu Maurício, tem uma pessoa te esperando no hall.
Uma pessoa? Eu não fazia ideia de quem poderia ser.
— Qual o nome?
— Carolina, senhor.
Carolina?
Não era possível.
Seria a minha Carolina?
O pensamento passou e desapareceu da minha cabeça no mesmo
instante. Ela não era minha, mas eu ainda queria saber se era aquela Carolina.
A que não saía da minha cabeça, mesmo que nosso relacionamento tivesse
sido curto demais e que estivéssemos sem nos vermos há um ano.
— Ok. Avise a ela que já cheguei. Vou estacionar o carro e já volto. —
Nem esperei que o porteiro falasse qualquer coisa, apenas aproveitei o portão
sendo aberto para entrar, estacionar e saltar com pressa, pegando as escadas
para voltar ao andar térreo, já que eu estava no subterrâneo.
No momento em que a vi, de costas, com o cabelo um pouco mais curto,
na altura dos ombros, mas ainda com a mesma cor de ébano familiar, meu
coração deu um salto no peito, e eu precisei parar. Toda a pressa que tive
antes desapareceu, e eu decidi congelar aquele momento.
Não fazia ideia do que ela estava fazendo ali, mas foi naquele exato
segundo que decidi que faria qualquer coisa para que ficasse, que
permanecesse e para que não fugisse de novo. Faria tudo para descobrir o que
a fizera ir embora.
— Carolina? — chamei, e eu poderia jurar que tudo começou a
acontecer em câmera lenta.
Ela se virou para mim com uma lentidão quase dolorosa.
E foi então que eu percebi duas coisas: uma que havia um enorme
hematoma em seu rosto.
A segunda? Ela trazia um bebê nos braços. Um menininho, que era
quase uma cópia exata de mim mesmo.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Eu estava há muitas horas naquela portaria. Acompanhei a troca de


turno e continuei sentada naquele sofá. Dormi nele. Mal lembrava a última
vez que tinha comido. Ainda bem que meu bebê ainda mamava; isso o
manteria nutrido até que seu pai resolvesse aparecer.
Até onde eu sabia, Maurício poderia estar em qualquer outro lugar,
passando a noite. Era uma sexta-feira, e eu tive a audácia de ir procurá-lo,
chegando ao Rio de Janeiro de ônibus, à noite. Ele poderia estar naquele
mesmo bar onde nos conhecemos, flertando com uma garota aleatória, como
acontecera comigo.
Isso ele sem dúvidas poderia estar fazendo, com todo o direito. Mas o
resto eu descobri, depois de alguns meses, que foram mentiras.
Quando já estava instalada na casa onde passei a morar e a trabalhar,
comecei a fazer algumas pesquisas básicas. Eu me lembrava muito bem do
sobrenome de Carla, que vi no exame de DNA, mas demorei um pouco
demais para buscá-la. Primeiro para ver se estava bem, porque, na teoria,
fomos vítimas do mesmo crápula.
Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que ela tinha um parceiro,
marido ou namorado, não importava, e que ele já existia mesmo antes de ela
descobrir que estava grávida.
Fui investigando um pouco mais suas mídias sociais e me dei conta de
algumas coisas muito curiosas. Além desse companheiro aparentemente
considerar a criança como sua – o que eu poderia considerar como se ela
tivesse mentido para ele sobre o bebê ser de Maurício, para ter um suporte –,
a vida deles subitamente mudou. Viagens, uma casa nova grande e espaçosa,
restaurantes caros, carro do ano. Fora algo tão de repente que me fazia pensar
se não havia dinheiro envolvido.
Algo que Fernando também me ofereceu, mas de outra forma. Só que eu
não aceitei, porque sua proposta para mim era inviável.
Ok. No início continuei acreditando que poderia se tratar de um dinheiro
dado por Maurício, talvez? Depois que desapareci, ele poderia ter se
compadecido de Carla e a ajudado por causa de seu filho, e ela mantivera a
mentira para o pai da criança, inventando qualquer coisa a respeito do
dinheiro. Ou pior, o pai do menino poderia ter se interessado pelo dinheiro
que veio com o bebê e se mantido ao lado da mãe por causa disso. Eram
muitas teorias e todas elas poderiam fazer muito sentido.
Claro que eu não era profissional em nada daquilo; não era uma detetive,
mas tinha algum tempo livre à noite e decidi usá-lo para compreender melhor
o que tinha acontecido. A história que me foi contada nunca me desceu bem,
nunca me pareceu possível e verdadeira. Mas poderia ser uma ilusão boba da
minha cabeça, não? Um desejo de que o que vivi com Maurício não tivesse
sido uma mentira.
Foi quando fiz uma loucura e liguei para o laboratório cuja logo estava
estampada no envelope que me foi entregue naquele dia da reunião.
Apresentei-me como Carla, dando meu nome completo, e pedi se era possível
eu ir buscar uma segunda via do exame de DNA que fora feito lá. De início a
atendente apenas respondeu que sim, que qualquer exame poderia ser
reimpresso, mas insisti pedindo que ela me informasse a data correta em que
fora realizado.
Eu já tinha trabalhado em uma clínica como aquela e sabia que ela não
poderia passar mais detalhes dos resultados do exame por telefone, mas
algumas informações eram compartilhadas sem problema.
Qual não foi minha surpresa ao descobrir que não havia nenhum teste de
DNA feito em nome de Carla naquele laboratório, em nenhuma de suas
unidades? Carla, aparentemente, não tinha sequer cadastro na empresa.
Ou seja, o exame foi forjado.
Imediatamente quis voltar, sentindo-me uma idiota por não ter dado uma
chance a Maurício de se explicar. Só que era tarde demais. Tudo o que
aconteceu depois culminou para que eu ficasse presa no local onde estava
vivendo.
Presa em um pesadelo.
Com o cenho franzido, ele veio até mim em um rompante. Sem nem
pedir permissão levou a mão ao meu rosto, exatamente onde estava
machucado. Mesmo com toda a delicadeza de seu toque, encolhi-me,
soltando um gemido.
— O que houve com você? O que aconteceu? Quem fez isso?
Engoli em seco, tentando controlar as lágrimas. Não apenas por tudo o
que precisaria lhe contar, mas porque ele estava ali. Lindo como sempre.
Uma cópia exata do bebê que eu segurava nos braços – ou o contrário, porque
aquela coisinha pequena é que era uma cópia do pai. E eu me sentia segura ao
seu lado. Pela primeira vez em um ano.
Não sabia se havia outra mulher em sua vida, não sabia se iria me
aceitar, mas, de alguma forma, entendia que Maurício nunca abandonaria seu
filho. Isso era o que importava.
— É uma longa história... — respondi com a voz embargada.
Rapidamente, sem hesitar, Maurício tirou a bolsa do meu ombro e o
carrinho que eu levava. Em seguida estendeu os braços para pegar o bebê,
mas este eu quis manter comigo. Meu garotinho era o que me fazia estar de
pé, que não permitia que eu desmoronasse.
Compreendendo, mesmo que eu não lhe tivesse explicado nada, ele me
conduziu ao elevador, e nós subimos ao último andar, onde ficava sua
cobertura.
Nós não chegamos a namorar, não tivemos um relacionamento, mas
nunca me levou em sua casa, e eu não poderia dizer que não fiquei surpresa
com o tamanho do lugar, que pegava um andar inteiro do prédio.
Entramos, e ele me guiou até o sofá. Ensinei-o como abrir o carrinho, e
pudemos colocar o bebê deitado nele. Estava calminho, provavelmente com
sono de sua primeira aventura, e Maurício pegou minha mão, fazendo-me
sentar.
— Você vai me contar o que aconteceu? — ele pediu com gentileza na
voz, além de paciência, embora eu pudesse ver que estava ansioso e
apreensivo.
— O que você acha que aconteceu? — Era uma pergunta importante
para que eu conduzisse o resto da conversa. E a resposta dele foi exatamente
a que eu esperava.
— Não acho, Carolina. Tenho certeza de que Fernando te falou alguma
coisa, que armou para te fazer ir embora. E agora eu entendo o motivo. — Ele
olhou para o neném no carrinho.
— Ok. Antes de falarmos sobre o bebê em si, preciso te contar o que
aconteceu. Ele forjou um exame de DNA, alegando que você era o pai do
filho da Carla, sua ex-secretária.
A expressão de choque de Maurício foi resposta suficiente para mim.
— Eu nem cheguei a conhecer a Carla direito. Estava em uma semana
atribulada, e ela era um pouco enrolada. Débora me atendeu muito mais
naqueles dias. Além disso, até onde eu sei, ela era casada. O bebê era de seu
marido.
— Pois é, depois eu fiz uma pesquisa e acredito que ela tenha ganhado
dinheiro com essa história.
— E por que você não perguntou para mim? Por que não conversamos
como estamos fazendo agora? — Maurício indagou, parecendo magoado.
— Porque esse não foi o único problema. Seu primo é um monstro,
Maurício. Um monstro! — exclamei, sentindo-me entrar em desespero só de
lembrar o que aquele idiota tinha proposto.
— Sim, eu já sei disso, mas o que fez com você? — Lá estavam os
maxilares pronunciados de Maurício contraídos, uma prova evidente de que
não duvidava de absolutamente nada que seu primo era capaz de fazer.
Era doloroso lembrar, mas eu precisava lhe contar a verdade. Estava ali
para isso, não era?
— Ele queria que eu vendesse o meu bebê. Disse que ele e Luana
queriam ser pais há algum tempo, mas ela nunca engravidava, então me
propôs que eu ficasse escondida, com todo o conforto possível, e que depois
entregasse meu filho e que desaparecesse com uma boa quantia em dinheiro,
para que eu fizesse o que quisesse.
Maurício se levantou de um rompante, socando o ar e rosnando um
“filho da puta”.
— Foi por isso que eu fugi. Tive medo do que ele poderia ser capaz de
fazer. Ele me ameaçou. Disse que se eu não concordavacom essa ideia que
sumisse, que fosse embora para bem longe ou ele daria um jeito de conseguir
o que queria de outra forma. — Meu choro se intensificou. — Não sabia o
que fazer.
Embora ainda estivesse visivelmente irritado, Maurício voltou para perto
de mim, sentando-se e pegando minhas mãos.
— Eu teria te protegido — falou com o máximo de suavidade que
conseguiu naquele momento.
— Como eu iria saber? Como? — O homem à minha frente abaixou a
cabeça, assentindo, porque realmente eu não tinha tantas escolhas. Não era
tão simples. — Então eu fui para outra cidade, no interior, como te disse que
faria. Alessandra me emprestou algum dinheiro, e eu consegui um emprego
como babá na casa de um casal com um bebê. Nenhum dos dois se importou
que eu estivesse grávida, mas logo entendi o motivo. O homem era um
pervertido.
— Meu Deus! — Maurício respirou fundo, apertando um pouco mais a
minha mão, levando a outra, livre, ao meu machucado. — Foi ele que fez
isso?
Assenti, sem conseguir encará-lo.
— Ele ficava nas ameaças, me perturbava, mas só quando chegava
bêbado. Eu fugi porque tentou ir mais longe. Quase conseguiu, mas sua
esposa viu e me ajudou. Peguei o pouco de dinheiro que consegui guardar e
vim para cá, te procurar. — Fiz uma pausa, olhando em seus olhos, sabendo
que os meus estavam cheios de súplica. Apertei sua mão em desespero. —
Me perdoa por aparecer assim, depois de tanto tempo. Não sei se você tem
alguém, nem estou pedindo que me acolha, mas me ajude por causa do meu
bebê.
Os olhos azuis que nunca saíram da minha mente – não apenas porque
eram iguais aos do meu filho, mas porque estavam gravados na minha
memória e no meu coração – me fitaram cheios de intensidade. Tanta que eu
cheguei a sentir um calafrio de saudade, além do alívio de ter chegado até ali
e de ele estar me dando chance de falar.
Mil vezes, na minha mente, imaginei aquele reencontro, e ele se
desenhou de diferentes maneiras. Em algumas Maurício sequer consentia que
conversássemos. Mas eu sabia. Dentro de mim tinha a certeza de que ele não
era um homem cruel, que deixaria uma mulher desamparada sem ajuda.
Sempre soube. E era isso que me deixava com mais raiva de mim
mesma por ter acreditado na história de Fernando. Mas naquele momento,
desesperada como estava, com a gravidez recém- descoberta, aceitei o que
meus olhos escolheram ver.
— Nosso bebê — ele corrigiu, e eu arfei. Por quanto tempo não desejei
ouvir aquelas palavras? — Não é?
— Sim. Nosso bebê.
Depois de um ano, eu conseguia acreditar em milagres. Não importava o
que iria acontecer dali em diante, meu filho estava a salvo, com o pai. Meus
desejos tinham se realizado.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Eram muitas emoções se remexendo dentro de mim. Obviamente


reencontrar Carolina era algo que eu queria que acontecesse desde o
derradeiro momento em que foi embora, mas nunca, nem em meus sonhos
mais loucos, esperei que algum dia retornaria trazendo um filho meu.
Ela estava grávida quando partira. Fora ameaçada pelo meu primo, pelo
mesmo homem que obrigava a própria esposa a engravidar e que a traía como
se não fosse nada. Pelo homem que estava em guerra com um ente querido
por causa de poder.
Um homem que eu não conhecia mais.
Toda a história que Carolina me contou me proporcionava uma sensação
nauseante. Além da culpa. Desde que entrei em sua vida, as coisas
desandaram. Não que tivesse feito qualquer coisa de forma intencional, mas
era como se eu a tivesse enchido de má sorte.
Menos em relação ao bebê. Naquele momento eu a observava
admirando-o, ainda lutando contra o sono dentro do carrinho, e ela o amava.
Era aquele tipo de amor que transcendia os limites da compreensão, porque
estava escrito em seus olhos e no sorriso suave que abriu quando percebeu
que a fitava.
— Ele é muito bonzinho, sabe? — foi a primeira coisa que falou a
respeito do bebê em si.
Eu deveria perguntar alguma coisa... Deveria querer saber mais, porque
era meu filho, mas, naquele momento, parei tudo para olhá-lo.
Pelas minhas contas, ele não poderia ter muito mais do que três meses
de vida, mas era grande para sua idade. Os olhos eram meus, idênticos, no
mesmo tom de azul, e havia alguns tufinhos de cabelos negros em sua
cabecinha. Para ser sincero, eu sentia como se tivessem tirado uma xérox do
meu rosto quando eu tinha aquela idade e colocado em outra criança.
Lembrava-me de fotos que tio Geraldo guardava de nós, e a semelhança era
quase inacreditável.
— Como você o chamou? — provavelmente havia outras coisas mais
importantes a saber: se era saudável, se estava se alimentando corretamente,
se era uma criança feliz, mas saber o nome do meu filho me pareceu tão
importante quanto respirar.
— Eduardo.
Eduardo.
O nome foi se repetindo na minha mente, preenchendo-a de uma forma
inexplicável.
Eu era pai. Aquele garotinho lindo à minha frente era meu. Era uma
parte de mim.
— Posso pegá-lo? — perguntei com a voz começando a pesar na
garganta, como se houvesse um bolo impedindo-a de sair.
— Claro — Carolina também se emocionou, como não poderia ser
diferente.
Levantei-me do sofá e me inclinei diante do carrinho, tirando o bebê,
meu pequeno Eduardo, de lá de dentro, acomodando-o nos meus braços. Eu
não era exatamente um expert com crianças, especialmente tão novinhas, mas
foi quase instintivo. Sabia que precisava deixá-lo o máximo acomodado, e ele
era tão pequeno, parecia ter sido feito especialmente para o meu colo.
Porque essa era a verdade. Ele era meu. Eu nunca pararia de pensar
nisso.
E era impressionante pensar que não foi necessário muito mais do que
um encontro de olhares entre nós para que eu entregasse meu coração inteiro
àquele bebezinho. Por alguns instantes nos perdemos em um momento
particular, em que ele começou a me observar com curiosidade. Apenas sua
boquinha se mexia, além dos olhinhos, porque era muito pequenininho, então
me sentei no sofá, ao lado de sua mãe, sentindo lágrimas se avolumarem em
meus olhos.
Nem mesmo quando meu tio nos fez a proposta descabida da herança
passou pela minha cabeça a ideia de ser pai. Ou melhor... claro que eu queria
me tornar um. Claro que a ideia de ter um filho meu e de alguma mulher a
quem eu considerasse especial o suficiente para isso era algo que fazia
cócegas no meu coração e que me proporcionava uma sensação diferente no
peito. Mas lá estava a dificuldade: sempre jurei que tal mulher nunca
chegaria, depois de Ísis. Que eu nunca me apaixonaria tão perdidamente ao
ponto de querer me casar e construir uma família.
Carolina mexera comigo desde nosso primeiro encontro. Primeiro ela
me intrigou, depois, aos poucos, com seu jeitinho delicado e com seu coração
enorme, começou a penetrar as barreiras que construí para me manter distante
das pessoas; que eu achava que me protegiam do sofrimento de perder mais
alguém. Porém em nenhum momento pensei que estaríamos ali, na sala do
meu apartamento, sentados um ao lado do outro, com um bebê que fizemos
na única noite em que ficamos juntos.
Na noite em que tirei sua virgindade.
— Você não tem nem dúvidas de que ele é seu? Jurei que iria chegar
aqui e a primeira coisa que ia me pedir era um teste de DNA — ela falou
baixinho, enquanto eu ainda me permitia admirar o bebê no meu colo, porque
ele era a coisa mais linda que eu já tinha visto na vida. E eu era pai daquele
anjo.
Parei de olhar para ele, por mais que fosse difícil, e ergui meus olhos
para sua mãe, que provavelmente era a segunda coisa mais linda que eu já
tinha visto na vida.
— Não tenho a menor dúvida — respondi convicto, e ela sorriu,
constrangida, colocando uma mecha do cabelo, um pouco mais curto, atrás da
orelha.
— Também... ele é a sua cara.
— Não é por isso. Eu não teria a menor dúvida mesmo se não fôssemos
tão parecidos.
Queria que ela entendesse isso. Carolina era completamente inocente
quando chegou aos meus braços pela primeira vez, e eu a engravidei. Era
simples. Ou complicado, na verdade. Mas a partir daquele momento ela e
meu filho nunca mais passariam por necessidades. Nunca mais seriam
submetidos à crueldade do mundo.
Pensando nisso, vi que Eduardo tinha adormecido e o coloquei de volta
no carrinho.
Virei-me em seguida para Carolina, estendendo a mão para tocar seu
rosto, exatamente na altura do machucado. Era uma montanha-russa de
emoções pensar que eu tinha acabado de ir ao céu, com meu filho nos braços,
só para ir ao inferno ao ver uma mulher ferida, do que aparentemente era um
soco. Além do mais, só de olhá-la era fácil ver que estava mais magra.
Levantei-me do sofá e estendi a mão para ela, que me olhou confuso.
— Vem, me deixa cuidar de você.
Eu a vi estremecer, mas não vacilei. Mantive-me na mesma posição até
que aceitou minha mão, minha ajuda.
Soltando-a por alguns instantes, peguei Eduardo e levei os dois escadas
acima, para o meu quarto. Deitei o bebê na cama, cercando-o de almofadas,
como já tinha visto pessoas fazerem com seus filhos.
— Acha que ele vai ficar seguro assim? — perguntei para ela, que tinha
bem mais experiência do que eu.
— Não sei se por muito tempo, mas ele não se mexe muito ainda. Vai
chorar se precisar de algo.
— Ok, estaremos por perto.
Entrelaçando meus dedos nos dela, levei-a à suíte, acendendo a luz.
Peguei-a por debaixo dos braços, como faria com uma criança, e a coloquei
sentada na bancada alta, de súbito, o que a surpreendeu, mas não disse nada.
Continuou me observando, enquanto eu me movia pelo cômodo pequeno,
pegando o que ia precisar.
Peguei um kit de primeiros socorros dentro de uma gaveta que eu nunca
tinha usado, porque nunca precisei. Para tudo tinha a sua primeira vez.
Havia um corte em seu lábio, e foi a primeira coisa de que cuidei. Assim
que encostei o algodão com um antisséptico ela chiou baixinho, e eu me senti
novamente ardendo de ódio.
— Foi a primeira vez que ele te machucou assim? — precisei perguntar.
Não queria que ela ficasse se lembrando daquelas coisas, mas tinha que
saber.
— Sim. Antes eram mais gracinhas, ameaças e piadinhas. Um toque não
permitido aqui outro ali, e eu ficava com medo, tanto que trancava a porta do
meu quarto à noite. Até ontem, que ele a arrombou. — Isso a fez respirar
mais fundo, assustada. — A esposa conseguiu bater na cabeça dele com uma
panela pesada e me ajudou a fugir. Não consegui pegar nada, só as coisas de
Eduardo, que eram mais importantes que as minhas. Estou com medo por ela.
— Me dê o endereço que vou descobrir como está. Se precisar, vou lhe
oferecer proteção também.
Carolina olhou para mim com os olhos cheios de ternura.
— Obrigada.
Ficamos nos olhando por alguns segundos, e eu voltei à minha tarefa de
cuidar de seu machucado.
Quando terminei, pedi que tomasse um banho, deixando uma roupa
minha para que usasse.
Ao sair do banheiro, deixando-a à vontade, a primeira coisa que vi foi
meu filho dormindo na cama, tão pequeno e indefeso. Minha
responsabilidade. Assim como sua mãe também passaria a ser a partir
daquele momento.
Com a presença dela ali, as coisas ficaram ainda mais claras: se ela ainda
me quisesse, não a deixaria escapar de novo. Nem a ela e nem ao meu filho.
Dali em diante seríamos uma família.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Eu estava sem fome. Na verdade, fazia algum tempo que eu só comia


porque precisava estar bem nutrida para nutrir também ao meu filho. Mesmo
que a comida que Maurício tinha pedido no iFood estivesse deliciosa, não
conseguia dar mais do que apenas algumas garfadas.
Sabia que ele estava me olhando atentamente, prestando atenção aos
meus movimentos. E eu deveria estar me sentindo melhor, é claro. A partir
dali meu filho receberia proteção. Era apenas ele que importava. Fora por
causa dele que procurei Maurício para contar a verdade, porque meu bebê
merecia um pai.
E eu sabia que ele teria o melhor. No fundo, sempre soube.
— Por que você demorou tanto a voltar? — a pergunta veio do nada. Eu
sabia que Maurício estava com a cabeça fervilhando de questionamentos, mas
não tivera coragem suficiente de fazer um interrogatório logo que cheguei.
Passava um pouco das três da tarde, finalmente estávamos almoçando, e ele
provavelmente não se aguentou mais.
— Eu demorei a descobrir a verdade. Quando aconteceu, já estava
grávida de muitos meses. Não achei prudente fazer a viagem sozinha. Depois
que dei à luz... bem... — abaixei a cabeça, olhando para o prato, enquanto
remexia a comida com o garfo — aquele homem nojento não queria me
deixar ir embora.
— Você deveria ter me ligado. Eu teria ido te buscar. A qualquer
momento — falou com total segurança, mas não em tom de repreensão.
— De início eu não sabia. Para mim você tinha engravidado outra
secretária antes de mim. — Maurício bufou, irritado. Aparentemente não
comigo, mas precisei me explicar: — Eu vi um exame. Forjado, mas como ia
saber a diferença? Especialmente vulnerável daquele jeito.
— Não é culpa sua. E não estou te passando um sermão, só queria que
tivesse confiado em mim. Poderíamos ter conversado.
— Poderíamos, mas entenda o meu lado. Eu não tinha garantias. Até
onde sabia você poderia reagir muito mal se eu contasse sobre o bebê. Fora
que estava com medo do seu primo.
Maurício deu um soco de leve na mesa, o que me fez sobressaltar.
— Me desculpa, não queria te assustar. É só que... Porra! — ele
vociferou. — Você estava grávida, sozinha. Esperando um filho meu. Eu
tenho dinheiro, Carolina. Aquele menino nunca deveria ter passado
necessidades — disse, enquanto apontava na direção de onde Eduardo estava,
em seu carrinho, já acordado, mas quietinho.
— Nunca permiti isso — afirmei, com orgulho.
— Mas a que custo? O que poderia ter te acontecido? — Estendeu a
mão e mais uma vez tocou meu machucado. — O que aconteceu...
Fechei os olhos, sentindo o contato e suspirando. Eu não tinha voltado
para tentar reatar algo que nunca nem tivemos. Tudo o que eu queria era
segurança para o meu filho e dar a Maurício o direito de saber que era pai.
Ainda assim...
Era muito, mas muito difícil não me sentir tentada a buscar o conforto
de seus braços quando, por dentro, eu me sentia destruída. Toda a situação
era traumática – uma gravidez inesperada, fugir do pai do bebê, ter meu filho
sozinha e ainda conviver com um abusador... Tudo o que eu queria era que
alguém cuidasse de mim. Desde que cheguei Maurício tinha assumido bem o
papel, mas sabia que provavelmente não passaria disso.
E eu precisava agradecer. Era mais do que poderia pedir.
— Está tudo bem agora — afirmei, tanto para ele quanto para mim
mesma.
— Mas Fernando precisa pagar. Ele não pode sair impune depois de
tudo o que fez. Está cometendo erro atrás de erro por causa daquela maldita
empresa e... — Maurício parou de falar subitamente, e eu vi seu cenho se
franzir. Sem nenhuma explicação, ele se levantou da cadeira onde estava
sentado. Reparei que também mal tocou na comida.
— O que foi?
— Eu tenho um filho — ele soltou, como se finalmente tivesse
entendido isso.
Não pude conter uma risada.
— A ficha só caiu agora? — indaguei, tentando soar brincalhona.
— Não é isso. É que... — Fazendo um suspense para o qual eu não
estava preparada, Maurício sentou-se novamente à mesa e olhou nos meus
olhos. — Meu tio criou uma espécie de condição para que ou eu ou meu
primo ganhemos a cadeira de CEO da Antunes. Qualquer um dos dois que
tivesse um filho primeiro, seria seu sucessor.
— Que ideia mais... inusitada... — disse, por falta de palavra melhor.
— Meu tio sabe ser um cara excêntrico quando quer. Mas o que veio à
minha cabeça agora é que... Bem, eu já tenho um filho. Fernando, não.
Fiquei parada por um tempo, observando-o e absorvendo a informação.
Não precisei ir muito longe para compreender algumas coisas.
— Agora eu entendo o motivo para seu primo ter tentado me convencer
a vender o meu bebê a ele.
— Vê como está obcecado? Não é um desejo normal.
Assenti, concordando.
— E você? Quer essa posição?
Maurício olhou em meus olhos novamente, reticente. Parecia pensar em
sua resposta, e eu esperei seu tempo.
— Quero. Trabalhei duro para isso. Mas não é meu objetivo de vida. Se
Fernando a assumisse, em uma situação normal, ficaria feliz por ele.
— Ele é casado, não é?
— Sim, e Luana, sua esposa, perdeu um bebê hoje. O segundo em
menos de um ano. — Ele abaixou a cabeça, pesaroso. — É estranho pensar
que aconteceu no mesmo dia em que eu ganhei o meu.
Nós dois voltamos nossos olhares em direção ao carrinho de Eduardo, e
eu não consegui conter um calafrio. Fiquei tão assustada quando descobri
sobre a gravidez, mas em nenhum momento passou pela minha cabeça
desistir daquele bebê. Nem nos primeiros dias, em que tudo pareceu tão
obscuro e apavorante. Desde o primeiro momento em que entendi que seria
mãe, eu me tornei mãe. Por isso não conseguia nem pensar na dor que a
esposa de Fernando poderia estar sentindo.
— Sinto muito. De verdade. Não a conheço direito, mas me parece ser
uma boa pessoa.
— Ela é. Muito mais do que Fernando merece. — Ele fez mais uma
pausa, mas logo prosseguiu: — Seja como for, isso certamente vai gerar uma
enorme revolta. Tenho medo que meu primo surte. De verdade. Isso me faz
pensar em uma coisa.
— O quê?
Maurício pegou a minha mão por cima da mesa, apertando-a com
carinho.
— Juro que não é uma forma de me aproveitar da situação, mas gostaria
que ficasse aqui, comigo. Não quero te assustar, mas não sei o que Fernando
pode ser capaz de fazer quando souber que já sei que sou pai e que você está
de volta. — Respirei fundo. Ok, ele não queria me assustar, mas era
impossível. — Aqui, na minha casa, você e Eduardo estarão protegidos.
— Morar aqui? Com você? — perguntei, confusa.
— Não precisamos viver como um casal, se você não quiser, mas, dadas
as circunstâncias, de que agora temos um filho juntos, seria prudente se nós
nos casássemos.
Ele falou aquilo de maneira tão formal, tão...
Ah, droga, ele parecia estar tratando de um acordo de negócios.
Indignada, levantei-me e comecei a me afastar.
— O que foi? O que eu falei de errado? — Maurício também se
levantou, vindo atrás de mim, que já estava perto do carrinho de Eduardo.
— Não quero que se case comigo só porque temos um filho juntos! —
fui enfática. Não desejava um casamento sem amor, apenas porque Maurício
sentia que me devia isso.
— Nunca disse isso. Eduardo é um dos motivos, é claro.
— Você me ama? — indaguei erguendo o queixo, altiva. Não deveria
usar tanto de orgulho, porque eu precisava mais de Maurício do que ele
precisava de mim, mas não queria me acovardar.
Ele não precisou responder para que eu entendesse o que se passava pela
sua cabeça.
— Carol, você sabe que não convivemos tanto tempo assim para o que
sentimos nos tornar amor. Você provavelmente também não me ama. —
Assenti. Eu sentia algo por ele, mas não sabia o quê.
Mas então ele se aproximou de mim. Foi apenas um passo largo que o
fez parar bem na minha frente, tão perto que eu podia sentir sua respiração
me tocar.
— Você é especial para mim. Foi desde que nos conhecemos e continua
a ser. Pensei em nós dois durante o último ano inteiro.
— Pensou? — minha voz subiu uma oitava, e eu soei arfante. Como era
possível que conseguisse me desestabilizar com tão pouco?
Maurício balançou a cabeça enquanto olhava para mim com tanta
intensidade que eu quase perdi o ar.
— Não precisamos nos casar, se não quiser. Mas podemos tentar, você
não acha? — sussurrou, e eu teria respondido sim para qualquer coisa que
perguntasse.
Também teria aceitado qualquer coisa, mas o beijo era algo que eu
queria também. Eu o queria lento como Maurício o tornou. Queria que fosse
um mar de sensações diversas, que tivéssemos tempo para redescobrirmos os
lábios um do outro. E foi assim que aconteceu.
Senti seus braços me rodearem, suas mãos se espalmarem nas minhas
costas, e a língua sensual iniciando um convite para que eu me entregasse ao
momento. Rodeei seus ombros, colocando-me na ponta dos pés, e me deixei
levar.
Era louco que tivéssemos feito aquilo há um ano, mas eu ainda me
lembrasse exatamente de cada emoção que me tomava quando era beijada
daquele jeito; como nunca fui antes, por nenhum outro.
Contudo mais louco ainda era o fato de termos nos reencontrado naquela
mesma manhã e já estarmos daquele jeito. Seria um sinal de que nada mudara
e de que poderíamos recomeçar de onde tínhamos parado? De onde nos
tinham interrompido?
Eu esperava que sim.
Nós nos afastamos e mantivemos o olhar um no outro, fixo, cheio de
entrelinhas.
— Vai ficar aqui comigo e me dar essa chance? — lá estava aquele tom
de voz que me faria aceitar qualquer coisa.
— Sim. É uma nova oportunidade para nós, não é? — perguntei
esperançosa.
— Eu acho que é.
Nós dois sorrimos, e Maurício me puxou para seus braços, encostando
minha cabeça em seu peito. Novamente me senti segura como há muito
tempo não me sentia.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

Sem camisa, suado e com um martelo na mão, eu observava a minha


obra. Eu não era muito bom em trabalhos manuais – nunca fui, na verdade –,
e poderia muito bem contratar alguém para me auxiliar naquela tarefa, mas
achei que seria significativo se eu mesmo montasse o primeiro berço do meu
filho.
Carolina me ajudou no que pôde, mas ela mais ria do que colocava a
mão na massa, e nós brincávamos um com o outro o tempo todo.
Fomos à loja naquela mesma manhã, fizemos a compra da peça – nem
fora a que mais gostamos, mas era a única que estava disponível em estoque e
precisávamos com urgência – e lá estávamos. O negócio estava montado.
Com Eduardo no colo, que nos olhava completamente confuso, ela
comemorava imitando pulinhos no mesmo lugar, e eu me aproximei dos dois,
beijando cada um deles. O neném na cabecinha, a mulher, na boca. Era
irônico pensar que há muito tempo não me sentia tão feliz, e o motivo era a
vitória em uma tarefa completamente inusitada na minha vida.
Assim como o berço, nós compramos algumas coisinhas para Eduardo, e
eu fiz questão de que Carolina adquirisse novos pertences para ela também, já
que tinha saído da casa do filho da puta de seu empregador apenas com a
roupa do corpo. Foi difícil convencê-la a gastar dinheiro e usar meu cartão de
crédito, mas consegui, afinal de contas.
Mais tarde, com nosso bebê descansando no berço, decidimos nos sentar
para conversarmos, logo depois de ela dar de mamar. Eram umas oito da
noite, num domingo, e eu queria saber tudo sobre o meu filho. No dia
anterior, com a confusão de nos adaptarmos, não tivemos tempo para isso.
Tanto que sequer dormimos juntos. Ela ficou com a minha cama de casal,
junto ao menino, e eu fui para o quarto de hóspedes.
Só que naquela noite eu queria dormir com ela.
Puxei-a para os meus braços, sem nem lhe pedir permissão, e a fiz
descansar as costas contra o meu peito. Enquanto acariciava seus cabelos,
comecei a ouvi-la falar sobre Eduardo, sentindo cada nota de orgulho em sua
voz. Cada pequena vitória daquele bebezinho era como uma grande conquista
para ela, e eu conseguia perceber que grande mãe se tornara, mesmo diante
de tantas adversidades.
Contou-me sobre a gravidez, sobre o parto, sobre o que nosso filho
fazia, que horas costumava acordar de madrugada, o que o acalmava, o que o
levava ao choro. Fascinei-me com cada informação, ainda me maravilhando
com a ideia de que era pai. De que o garotinho incrivelmente encantador que
dormia no berço, a uma pequena distância de nós, era meu.
Será que sua mãe seria minha também? Nós pertencemos um ao outro
apenas uma vez, fui o único homem que a tocou, mas eu queria mais. Queria
que se entregasse novamente. Tê-la daquela forma, tão perto, sentir seu
cheiro, ouvir sua voz... tudo me enlouquecia. Mesmo o gesto mais inocente,
deixava-me desesperado para levá-la para cama. Isso deveria me tornar um
pervertido, mas o que poderia fazer? Carolina me seduzira, mesmo sendo
completamente inexperiente.
Estava perdido em meus próprios pensamentos no momento em que o
interfone tocou. Eu e Carolina nos entreolhamos, surpresos.
— Está esperando alguma coisa? — ela perguntou, e eu neguei com a
cabeça.
Deixando-a na cama do quarto de hóspedes, onde estávamos deitados
para ficarmos perto de Eduardo, segui para o primeiro andar, descendo as
escadas com pressa, atendendo ao interfone.
— Seu Maurício? Seu primo, Fernando, está aqui.
Mas era muito cara de pau mesmo! O que ele poderia estar fazendo no
meu prédio, àquela hora?
— Diga a ele que não posso descer — falei, decidido, mas ouvi um
pigarrear do outro lado da linha.
— Senhor, me desculpa, mas ele não está em um bom estado. Disse que
vai quebrar a portaria inteira se o senhor não descer ou não liberar a entrada
dele aí pra cima.
Puta que pariu!
Não era possível que Fernando estivesse tão descontrolado àquele ponto,
mas eu não poderia arriscar.
— Tudo bem, estarei aí em dois minutos.
Coloquei o interfone no gancho e respirei fundo, tentando manter o
controle. De nada adiantaria perder a cabeça.
Voltei para o quarto, rapidamente, e vi Carolina preocupada.
— É Fernando. Ele está lá embaixo. Vou descer. Fique aqui, ok? —
Percebi que ela ia falar alguma coisa, com os olhos dourados arregalados,
mas segurei seu rosto com ambas as mãos e a beijei. De forma alguma eu iria
deixar meu primo subir para se aproximar dela ou do meu filho.
Sendo assim, fui até ele.
Exatamente como João – o porteiro – dissera, Fernando estava em um
péssimo estado. Cabelos desgrenhados, roupa amassada, olhos vermelhos e
uma garrafa na mão. Assim que me viu, veio na minha direção, cambaleante
e quase caindo, mas eu o agarrei pelo braço e o levei para a rua, para algum
lugar onde nenhum de nós pudesse dar um showzinho para todos os
moradores verem.
Por ser domingo à noite, os arredores estavam calmos, e eu não sabia se
isso era bom ou ruim, porque não conhecia as intenções do meu primo. Mas
na situação em que se encontrava, caindo de bêbado, eu seria capaz de dar
conta dele.
— O que diabos está fazendo aqui? — perguntei, tentando me manter
calmo e com um tom de voz baixo.
— Ela voltou, não foi? Débora te viu com ela no shopping hoje e me
contou. É uma vadia fofoqueira, mas ao menos é leal a mim. — Não respondi
de imediato, e ele também nem me deu tempo, porque logo acrescentou: —
Estou falando da Carolina. Você já sabe do bebê, não é?
Eu deveria espancá-lo pelo que fez. Pela situação em que colocou uma
mulher grávida de um filho meu por causa de ganância. Era o que eu queria
fazer, mas seria ridículo me aproveitar de seu estado de embriaguez para isso.
— Vá para casa, Fernando. Luana precisa de você inteiro. Só por isso
não está nesse chão agora com a cara toda fodida.
Ele deu um passo para trás, quase caindo sem a minha intervenção. Era
deprimente.
— Você já fez muito pior, seu filho da puta! Pensa que não sei que fez
de propósito? Com certeza sabia dos planos do tio Geraldo, aquele velho
sempre teve predileção por você. Deve ter te avisado, e te deu oportunidade
de correr atrás de uma piranha qualquer disposta a servir de barriga de
aluguel.
Tudo tinha limite. Ele não ia desrespeitar Carolina na minha frente.
O soco foi muito menos forte do que deveria ter sido, mas ele caiu no
chão. Não precisaria de muito esforço para isso, já que mal conseguia ficar de
pé, mas queria que lhe servisse de alerta.
— Fique longe da minha família! — rosnei. Sim, eu viraria um animal
se ele perturbasse a paz que eu queria construir com aquelas duas pessoas, a
mulher e o menino.
Fernando, em contrapartida, começou a rir descontroladamente. Era uma
gargalhada assustadora, quase maquiavélica, e mais uma vez eu me
perguntei: quem era aquele homem medíocre e vil com quem convivi minha
vida inteira?
— Família! — cuspiu com escárnio. — Comeu a secretária gostosa, fez
um filho nela e agora quer pagar de homem de família? Foi mais esperto do
que eu, Maurício, preciso dar a mão à palmatória.
Com muita dificuldade, ele foi se colocando de pé, apoiando-se no
muro, e eu jurei que iria cair outra vez, mas conseguiu se firmar com muito
custo.
— Já disse: volte para casa, Fernando, antes que eu me arrependa de não
te dar a lição que merece pelo que fez com Carolina. Só que saiba que ela
ainda virá. — Mas se eu fosse sincero, e apesar de querer muito que
aprendesse na porrada, a maior decepção para ele seria perder a posição na
empresa, que era o que tanto queria.
Era algo descartável para mim, mas a partir daquele momento eu a
reclamaria, porque queria que ele se sentisse derrotado.
— Entenda apenas uma coisa: todas as maldades que você fez com
aquela mulher não serviram de nada. Você ainda saiu perdendo.
Aquilo pareceu atingi-lo mais do que os golpes que poderia ter lhe dado,
mais do que se o tivesse apunhalado pelas costas. Porque, de certa forma, era
assim que ele via as coisas. Dera como certo algo que não poderia ser
previsto e destruíra tudo ao seu redor.
Por pouco não destruíra a minha vida. Mas tive sorte de ganhar uma
nova chance.
Eu não sabia se ele mesmo teria mais alguma relação com a própria
esposa.
Olhando para mim como se quisesse me matar, vi Fernando olhar para a
rua à nossa frente e se apressar em direção a ela, fazendo sinal para um táxi.
Quando o motorista parou, ele entrou no banco de trás, praticamente se
jogando, e partiu.
Eu poderia dar a batalha como ganha, mas sabia – ou ao menos
pressentia – que ele ainda dificultaria e muito as coisas para mim.
Mesmo com esse pensamento, voltei para casa, porque nada me faria
desanimar. Eu tinha muito mais do que poderia sonhar.
E enquanto subia no elevador, fiquei pensando nas minhas próprias
palavras para Fernando: minha família. O pensamento era doce e muito bem-
vindo. Eu desejava que eu, Carolina e Eduardo realmente criássemos aquele
laço.
Por isso, quando entrei no apartamento e a encontrei ainda no quarto,
andando de um lado para o outro, quase sorri ao ver o quanto estava
preocupada comigo. A maneira como se jogou nos meus braços também me
dizia isso.
— Fiquei com tanto medo de vocês brigarem e ele te machucar — falou,
ainda agarrada a mim, tanto que sua voz soou abafada, porque sua cabeça
estava encostada no meu peito.
— Não, estava bêbado demais para isso.
Afastou-se um pouco para olhar nos meus olhos.
— Pior. Poderia cometer uma loucura ainda maior.
— Está tudo bem. — Afastei uma mecha de cabelo de seus olhos e olhei
para o bercinho: — Ele ainda está dormindo?
Carol sorriu, como fazia constantemente quando Eduardo era
mencionado.
— Sim. Ele costuma acordar só uma vez durante a noite, por volta das
duas.
Chequei meu relógio de punho.
— Temos tempo ainda, então — falei, com certa malícia.
— Para quê? — Carolina mordeu o lábio inferior, o que me deixou
ainda mais ansioso por ela.
Subitamente, peguei-a no colo, o que a fez dar um gritinho de surpresa.
— Para eu passar horas e horas beijando a mãe dele.
Não apenas beijando, se eu tivesse sorte.
Em meio a deliciosas risadas de Carolina, eu a levei para o quarto, cheio
de expectativa de que ali começaríamos a reescrever uma história que poderia
ter um final muito, mas muito infeliz.
CAPÍTULO VINTE E SEIS

No exato momento em que fui deitada na cama, eu soube que não queria
que Maurício apenas me colocasse para dormir.
Aproveitando que se inclinou para me deitar, com todo o cuidado,
agarrei o tecido de sua blusa e o puxei para perto, arqueando as costas para
lhe roubar um beijo.
Deus, como eu o queria...
Aparentemente o sentimento era recíproco, pois a forma como tomou
minha boca para si foi quase como se quisesse fazer amor com ela, enquanto
não fazia com o meu corpo.
Eu amava os beijos de Maurício. Adorava a forma como ele sabia
conduzi-los, demonstrando seus desejos aos poucos. Desde o dia anterior,
quando nos reencontramos, ele foi terno, cuidadoso e delicado. Ali, na cama,
depois de receber praticamente uma intimação, senti que estava sendo
devorada.
Agarrando-me com firmeza, ele nos girou, deixando-me por cima,
segurando minhas coxas para que ficasse montada em seus quadris. Eu não
sabia nada sobre o que deveria fazer, caso as coisas fossem mais longe, mas
confiaria que Maurício saberia me conduzir.
Suas mãos se esgueiraram até a minha bunda, que estava empinada, para
que eu pudesse continuar beijando-o, e ele a apertou com vontade, enquanto
mordia o meu lábio inferior, chupando-o deliciosamente. Ergueu o tecido do
meu vestido, para que pudesse tocar minha pele sem empecilhos, e eu senti
uma de suas mãos na frente do meu corpo, afastando o tecido da minha
calcinha.
— É o que você quer? Ou estou interpretando errado? — perguntou
antes de fazer qualquer coisa, o que, por si só, já me conquistava mais do que
seus beijos e toques.
— É o que eu quero.
Foi tudo o que eu precisei dizer para que seu dedo experiente
encontrasse a fenda entre minhas pernas, penetrando-me e se remexendo
dentro de mim, como se buscasse algo. No entanto não demorei a entender o
que ele desejava encontrar.
Quando aconteceu, eu gemi tão alto que foi difícil acreditar que o som
tinha saído da minha própria boca.
Não houvera mais nenhum homem na minha vida. Maurício fora o
único, aquele a quem me entreguei pela primeira vez. Só que por mais que eu
tivesse muito a agradecer por ter sido carinho