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Condensado da “logica proemialis” de Bernardo Sannig, O.F.M.

, com
comentários, apêndices e notas por Carlos Alberto.
(1) Condensado das três primeiras questões do prólogo da “Schola philosophica
Scotistarum”, de Bernardo Sannig.
Questão I — Da noção, origem e desenvolvimento da Filosofia.
I. Quid nominis philosophia (definição nominal de Filosofia): Sannig começa sua exposição
sinalizando a definição nominal de Filosofia, que vem historicamente de duas palavras gregas:
φιλος (amor) e σοφος (sabedoria); donde a Filosofia é, precisamente por isso, o amor ou busca pela
sabedoria (nas palavras de Sannig: “amor seu studium sapientiae”). Em seu uso moderno, destaca o
franciscano, a Filosofia é uma sabedoria que compreende a Lógica, Física, Metafísica, Ética e
outras ciências conexas com ela.
II. Philosophiae definitio (definição da Filosofia). Para Sannig, a Filosofia em toda sua
amplitude é não menos que a scientia tractans de rebus tam corporalibus, quam spiritualibus &
moralibus, por mera principia naturalia acquisibilis (ciência que trata das coisas tanto corporais
como espirituais e morais, por princípios adquiridos meramente naturais). Comparemos, à guisa de
exemplo, com outras definições clássicas de Filosofia: “A ciência das coisas divinas e humanas, e
das causas nos quais aquelas coisas estão contidas” (Cícero — De offitiis); “O que é filosofia? O
amor pela sabedoria” (Santo Agostinho — Contra academicos). Comparemos também com as
definições de manuais e tratados tomistas, escola adversária de Escoto e seus discípulos: “O
conhecimento certo e evidente das coisas por suas causas mais elevadas, adquirido pela luz natural”
(Goudin — Philosophia Juxta Inconcussa Tutissimaque D. Thomae Dogmata); “A ciência das

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verdades supremas, adquirida pela luz natural” (padre Liberatore — Institutiones Philosophcæ); “A
ciência dos princípios supremos ou das razões supremas, seja do conhecimento, seja das coisas, que
podem ser conhecidas pela razão humana” (padre Gaetano Sanseverino — Philosophia christiana
comparata cum antiqua et nova);“A ciência das coisas pelos quais o homem, através apenas de sua
razão, pode por si mesmo conhecer” (Marino de Boylesve — Cursus philosophiæ); “A ciência da
coisas, por suas causas últimas, comparadas à luz natural da razão” (Lortie — Elementa
philosophiae christianæ).
Vemos, então, que a concepção escotista de Filosofia não difere, em sentido essencial, das
definições clássicas da mesma, tampouco se separa do significado dado por escolas adversárias,
como a tomista. Sannig, como grande parte dos peripatéticos escolásticos, toma a Filosofia como o
conhecimento das coisas como tal como são, ou por suas causas (citando a Aristóteles, na
Metafísica I, cap. III), através de princípios meramente naturais: “[...] id est naturalia principia”.
À vista disso, enquanto investiga os seres por suas causas ou por princípios certos e
evidentes, a Filosofia por ser entendida como ciência: porque para além das causas próximas ou
relativas, que podem ser explicadas por outras, investiga propriamente as superiores ou últimas, que
são aquelas que em qualquer ordem não podem ser explicadas, uma vez que contém a solução
última da coisa proposta. Este gênero de conhecimento é, pois, para Sannig, o filosófico
propriamente dito. As palavras últimas da definição “por mera principia naturalia acquisibilis”,
estabelecem a diferença entre Filosofia e Teologia na escola de Escoto, pois enquanto a primeira
estuda os seres através dos princípios acessíveis à razão natural, a segunda funda suas investigações
na Revelação Sagrada.
Questão II — Da filosofia de Escoto e dos autores escotistas.
Nesta brevíssima questão, Sannig aporta uma pequena biografia daquele a quem chama
carinhosamente de fundador do Liceu escotístico: João Duns Escoto, cuja fineza lhe rendeu o
merecido epíteto de Doctor subtilis, nasceu em 1274 segundo o relato de Sannig no século XVII;
sabemos hoje, porém, com o descobrimento da ficha de sua ordenação sacerdotal, 17 de Março de
1291, que o período estimado do seu nascimento está entre os anos de 1265 e 1266. O lugar de seu
nascimento, do mesmo modo, ainda é alvo de constantes questionamentos: há quem diga que seu
nascimento ocorreu no condado de Nortumberland, na Inglaterra; outros colocam na Irlanda; a
opinião mais provável, no entanto, o considera como natural da pequeníssima cidade de Duns, na
Escócia. O epitáfio do seu sepulcro, na Igreja dos Frades Menores Conventuais, parece confirmar
tal hipótese:
Scotia me genuit (Escócia me gerou), Anglia me suscepit (Inglaterra me recebeu),
Gallia me docuit (França me ensinou), Colonia me tenet (Colônia me tem).

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Escoto era de família economicamente rica: seu pai, Niniano Duns de Litteldean, era dono
de várias terras da região. Seu tio, Frei Elias Duns, ingressou na ordem dos franciscanos e o
adolescente João Escoto, com 13 anos frequentou a escola dos franciscanos de Haddington, onde
estava seu tio. Quando completou 15 anos ingressou no noviciado da ordem franciscana, formando-
se, assim, nos colégios da própria ordem. Tempos depois, Escoto termina sua formação em Oxford,
sob a tutela de Guilherme de la Ware (por volta de 1291), comentando as Sentenças de Pedro
Lombardo na Universidade; até que em 1302, por recomendação de um ministro provincial da
Inglaterra, é chamado para ensinar na Universidade de Paris onde arrebata, finalmente, uma
multidão de discípulos.
Depois de receber o título de “Magister regens” (que equivaleria, nos tempos atuais, ao
título de catedrático) em Paris, no ano de 1307, Escoto é levado para Colônia como “Lector
principalis”, onde morre prematuramente com apenas 43 anos de Idade. Apesar do falecimento
precoce, Escoto nos legou, com sua sutileza e poderio críticos únicos, obras de valor inestimável
que sublinharam para sempre a história da Filosofia e da Teologia. Seus discípulos o apelidaram
como Doutor sútil e, mais tarde, merecidamente de Doctor Mariano, por suas exímias defesas da
Imaculada Conceição de Maria.
Entre suas obras de maior destaque, elencaremos a Ordinatio ou Opus oxoniense, iniciada
em Oxford e terminada em Paris; seus comentários In librum Porphyrii e ao De Anima de
Aristóteles; as Quaestiones super libros Metaphysicorum; as Collationes; por fim, seu famoso
Tractatus de primo princípio, tratado em que aborda as provas da existência de Deus. Sobre os seus
ilustres discípulos, reproduzirei a lista exposta por Bernardo Sannig, adicionando outros nomes que
considero importantes: João de Bassolius, Doctor Ordinatus; Antônio Andreas, Doctor Dulcifluus;
Francisco de Mayronis, Doctor illuminatus; Álvaro Pelágio; João, o Cânone; Gualtero Buslæus;
Francisco de Marchia; Landolfo Caracciolo; Bartolomeu Mastrio; Antônio Trombetta; André
Semery.
Questão III — Divisão da Filosofia e das Ciências sobre os seus conteúdos.
Chegamos, enfim, na questão terceira a que dedicaremos menor atenção, em razão das
diversas divisões que, no atual momento, nos são inoportunas para o que pretendemos tratar. Por
enquanto nos basta saber que, para Sannig, a Filosofia é uma grande árvore, cujos galhos se partem
em Natural, Racional e Moral. No primeiro caso, temos a Filosofia da natureza, que é a ciência que
investiga os segredos e a verdade da natureza, através dos princípios entregues pela Física,
Metafísica ou Matemática; no segundo, temos a Filosofia Moral, que é a ciência que trata da
constituição moral e dos elementos das decisões devidas; no terceiro e último, temos a Filosofia
Racional, que é a ciência que dirige a mente em suas operações, para evitar que os erros aconteçam.

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Fim.

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(2) Condensado das duas primeiras questões da “Schola philosophica Scotistarum”, Tratado
primeiro, dos proêmios da Lógica escotista, distinção única.
I) Quid nominis Logica (definição nominal de Lógica): a palavra Lógica vem do termo
grego λογική (logiké) que, por sua vez, é derivado de logos, que significa razão ou palavra, que em
latim equivalem às palavras sermo, verbum, ratio, etc. À vista disso, pode ser dita scientia
sermocinalis (ciência do discurso), na medida em que dirige per se o discurso apenas interno, ou
seja, o conceito e o verbo mental, e per accidens também o externo enquanto o discurso intrínseco é
naturalmente expresso ad extra (para fora) pelo discuso externo que é, no que lhe diz respeito,
dirigido per se pela Gramática.
II) Logicae definitio:
Bernardo Sannig (em Schola philosophica Scotistarum, Tract. I, Dist. única, q. I): “Afirmo
primeiro: a lógica pode ser bem definida como ciência diretiva da razão, para que suas operações
não estejam sujeitas a nenhum erro. Deduzimos de Escoto q. I, Univers., quando diz que a lógica é
uma ciência racional, ou seja, diretiva da razão”.
João de S. Tomás (em Ars logica seu de forma et materia ratiocinandi, prelúdio): “Arte cujo
ofício é dirigir a razão para que não erre no modo de discorrer e conhecer, como a arte de edificar
dirige o artífice para que não erre ao construir a casa”.
Santo Tomás de Aquino (em Expositio libri Posteriorum Analyticorum, I, lect. I): “A arte
que dirige o próprio ato da razão, ou seja, que faz o homem proceder no seu ato racional com
ordem, facilidade e sem erros”.
Discutem os partidários de Escoto e Tomás: seria a lógica uma ciência-arte? Respondem os
escotistas negativamente, os tomistas positivamente. Entre os argumentos da escola escotista,
reproduziremos o seguinte: a lógica não pode ser arte, porque é docência silogística, e, portanto, não
uma coisa ou virtude corpórea: non est res corporea, neque sit a virtute corporea, nas palavras de
Escoto (em Theoremata, th. I, cap. I). Logo, não pode ser é arte. Gabriel Boyvin, nos prolegômenos
de sua célebre Philosophia Scoti, apresenta o pensamento da escola nos seguintes termos: a lógica
enquanto arte deveria buscar os seus princípios nos objetos exteriores (da matéria contingente), e
que, por isso mesmo, não seria uma ciência com princípios universais. Porém, a Lógica é uma
ciência com princípios universais, portanto, não pode ser arte.
Os tomistas, seguindo a João de S. Tomás, respondem: na arte devemos considerar duas
coisas principais, a matéria em que opera o artífice e a forma induzida na matéria; como, por
exemplo, na edificação da casa a matéria são os tijolos e a madeira, e a forma é a composição pelo
qual esses elementos são coordenados em uma figura e estrutura da casa. À vista disso, a matéria

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não é feita pelo artífice, mas pressuposta por ele; que, por outro lado, induz a forma (artificial), o
qual pode ser eduzida pela arte (causa exemplar) intencionada pela mente do agente.
A lógica, assim, pode ser dita como uma arte cujo ofício é dirigir a razão para que não erre
no modo de discorrer e conhecer, como a arte de edificar dirige o artífice para que não erre ao
construir uma casa. Neste sentido, a lógica se chama arte racional, não somente porque está no
homem como em seu sujeito, como estão todas as artes, mas também pela razão de que a matéria
que dirige são as obras mesmas da razão. Em consequência disso, não há necessidade alguma de
recorrer para alguma virtude corporal ou para alguma matéria extrínseca contingente, como sugere
Escoto e sua escola.
III) Logicae divisio:
Naturalis & artificialis.
Muitas vezes percebemos fácil e ordenadamente várias coisas, julgando retamente sobre elas
e deduzimos uma verdade de outra depois de dispô-las com certa ordem. A lógica natural é, pois,
certa facilidade natural de que goza a alma para discorrer retamente. A lógica artificial, por outro
lado, é aquela ciência mais distintiva que dirige o uso mais perfeito com que alcançamos, mediante
o estudo e exercício de meios mais idôneos, a aquisição da verdade.
Docens & utens:
Raciocinar mediante o hábito da ciência lógica compreende duplo fator: a didática da lógica,
ou seja, primeiro é formado o hábito do raciocínio adequado sobre os objetos, buscando alcançar o
conjunto de princípios e instrumentos (docentes) para o raciocinar bem, donde temos a chamada
logica docens: docens porque é um hábito manifesta as intenções lógicas e suas propriedades. E em
segundo, seguindo os princípios da ciência docente que é a lógica, que auxilia o intelecto o
direcionando em ordem e sem erros em qualquer atividade científica, donde temos, por fim, a
chamada logica utens: utens porque é um habito por cuja virtude passam tais intenções ao ato, ou
porque auxiliam ao uso devido do que é ensinado pela lógica docens.
Tal divisão não se refere, segundo Sannig, para dois hábitos intelectuais distintos, mas
apenas para um único que se distingue em doutrina (docens) e uso (utens). Além disso, ambos estão
envolvidos como subdivisões da lógica artificial.

Fim.

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(3) Condensado da questão IV da “Schola philosophica Scotistarum”, Tratado primeiro, dos
proêmios da Lógica escotista, distinção única.
I) Se a lógica é uma ciência puramente especulativa ou prática.
“Segundo examinam alguns, como Godofredo e Zabarella, a lógica não é ciência
especulativa nem prática; segundo outros, é em parte prática e em parte especulativa, como Suárez,
Vásques e Rúbio. Para Ockham e os Conimbricenses, é ciência prática simpliciter (absolutamente).
Nós, por outro lado, afirmarmos a sentença comum a Escoto (q. IV, prólogo) e Santo Tomás (I-II, q.
LVII, art. II), de que a lógica é uma ciência meramente especulativa” — Gabriel Boyvin
(Philosophia Scoti, primeira parte, q. VI, p. 66).
Conclusio.
A lógica não é ciência prática, mas especulativa. Como ensina Escoto no Lib. VI da
Metafísica: uma ciência é realmente prática enquanto dirige, em algum sentido, o ato prático; mas a
lógica não dirige os atos práticos; logo, não é uma ciência prática. Assim, nos resta assumi-la como
ciência especulativa. A maior do argumento é patente: uma ciência é dita prática, enquanto diretiva
da práxis. Confirmação da menor: uma ciência é dita unicamente diretiva da prática, enquanto
dirige as operações, não o intelecto; mas a lógica dirige apenas os atos do intelecto, e o mesmo
intelecto na definição, divisão e no silogismo. Ergo, a lógica não é diretiva dos atos práticos, nem é,
por consequência, uma ciência prática.
Confirmação da conclusão pela definição de ato prático, do qual diz Escoto que é operatio
alterius potentia ab intellectu, naturaliter posterior intellectione, apta nata elici conformiter
ratione rectae, ad hoc ut sit recta (operação de uma potência diferente do intelecto, por natureza
posterior à intelecção, apta a ser executada segundo a reta razão, precisamente para que seja reta).
Em primeiro lugar, é dita operatio, porque praxis em Grego possui o mesmo sentido que
operatio em Latim.
Em segundo, é dita alterius potentia, quam intellectus, porque uma ciência que dirige
unicamente as operações do intelecto, não envolve alguma operação prática.
Em terceiro, é dita naturaliter posterior intellectione, porque o intelecto primeiro conhece as
coisas que devem ser feitas, para o qual, então, a vontade dirige as potências externas para aquela
atividade.
Em quarto, é dita apta nata elici conformiter rationi rectae, uma vez que somente ações
direcionáveis podem ser bem ou mau feitas; dai que sejam, enquanto tais, direcionadas pela ciência
ou intelecto prático, a fim de que sejam bem-feitas. As condições desta definição são claras: a lógica
não é uma ciência prática, enquanto regula apenas as operações do intelecto, não da vontade ou de
quaisquer outras potências externas. Ergo, etc.

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Comentários de Bernardo Sannig: a práxis segundo Escoto (Prolog. IV), compreende dois
sentidos possíveis: um próprio e outro impróprio. A práxis imprópria se diz de toda e qualquer
operação das potências cognitivas e apetitivas: seja natural ou livre, seja boa ou má, seja do
intelecto ou de qualquer potência próxima. Em tal acepção observamos que o entender, o sentir, o
roubar, e os atos restantes das outras potências podem ser ditos como práticos (dici possunt praxes).
A práxis própria, por outro lado, se diz apenas da operação da potência que vai além e se distingue
do intelecto, que é executada conforme os ditames da reta razão e da eleição da vontade,
precisamente para que seja reta.

Fim.

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(4) Condensado da questão V da “Schola philosophica Scotistarum”, Tratado primeiro, dos
proêmios da Lógica escotista, distinção única.
I) Do objeto formal e material da ciência.
Qual é o objeto formal da Lógica? Antes de respondermos é necessário ponderar sobre
outras questões: qual o objeto de uma ciência? A que damos o nome de objeto material e objeto
formal de uma ciência? Conferimos o nome de objeto, em geral, a tudo que cai sob a ação dos
sentidos ou que é o termo de qualquer uma de nossas potências, e chamamos o objeto de uma
ciência a tudo o que a mesma considera, examina ou estuda, o qual, considerado em si mesmo, é
aquilo que constitui seu objeto material; enquanto que aquela razão especial, do ponto de vista
especificante do estudo daquela ciência, é o que constitui o objeto formal da mesma.
O objeto material, explica Sannig, se diz assim por analogia em relação à matéria, que é
indiferente para várias formas; do mesmo modo, o objeto material é indiferente para várias ciências.
O franciscano elenca como exemplo o homem, que pode ser objeto da Metafísica enquanto é ente;
da Física enquanto consta de um corpo natural; da Moral enquanto é ordenado ao bem, etc. O objeto
formal também é dito por analogia com a forma, enquanto co-princípio especificante da matéria; ele
é, pois, a razão e a formalidade do objeto material, que faz a ciência tender para uma consideração
especial e determinada do mesmo. As ciências, portanto, são especificadas por seu objeto formal: a
anatomia estuda a constituição física do homem, a história estuda os fatos mais relevantes do
homem através dos tempos, a psicologia estuda a alma do homem. Cada uma compreende uma ratio
distinta, que pode versar sobre o mesmo objeto material.
II) Do objeto adequado e inadequado da ciência.
— “Divido, seguindo a Escoto (ver I dist., II, q. III), o objeto em adequado, total ou
atributivo e em inadequado ou parcial”.
O primeiro abrange todas as coisas que, em sua universalidade, podem conhecer a ciência
dele, como o corpo natural a respeito da Física; ademais, é denominado como atributivo porque a
ele se refere e atribui tudo o que a ciência trata per se, uma vez que tudo é conhecido através dele. O
segundo, por sua vez, cobre apenas uma parte do objeto formal, como o corpo animado em relação
à mesma Física.
III) Do objeto principal e menos principal da ciência.
O primeiro é aquele que, em todos os objetos parciais de uma ciência, é o mais excelente; tal
é, entre todos os objetos da Lógica, a demonstração. O segundo é aquele que, no objeto total,
representa sua parte menos nobre; tal, por exemplo, é a pedra para a Física.
IV) Do objeto motivo e terminativo da ciência.

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O primeiro é aquela razão parcial que move o intelecto ao conhecimento do objeto; tal é, por
exemplo, a Teologia para o conhecimento de Deus como Trino. O segundo é aquele todo complexo
resultante do objeto formal e material em que termina a cognição específica de cada ciência; é,
portanto, aquela razão que determina final e definitivamente o objeto motivo que é conhecido. Este
é, p. ex., o corpo curável na Medicina.
V) Do objeto formal adequado da lógica.
O objeto formal e adequado da lógica é o silogismo, segundo Escoto (ver q. III, univers.).
Como a lógica é uma ciência concebida para adquirir todas as outras ciências, estas não podem
adquiri-la senão pela argumentação ou pelo raciocínio e visto que o silogismo é a perfeita espécie
da demonstração, devemos concluir que sua razão compreende o objeto formal adequado da lógica.
Logo…
Prova da conclusão pelas condições requeridas para os objetos das demais ciências.
Argumento de Gabriel Boyvin (ver Philosophia Scoti, primeira parte, q. VII, p. 69):
— Deve ser certa e necessária, uma vez que a ciência é o conhecimento certo e necessário
das coisas, donde a contingência e a mutabilidade não podem ser objeto da ciência. Mas o silogismo
é certo e necessário não, verdadeiramente, segundo sua existência, que pode ser ou não, mas
segundo sua essência, uma vez que é necessário e certo como é concebido, porque o silogismo é
uma oração no qual duas proposições são bem-dispostas para seguir determinada conclusão. Logo...
Nota I: para os tomistas o objeto formal da lógica são os entes de razão ou segundas
intenções do intelecto; para Aureolo e os nominalistas, são as vozes significativas; para Rúbio,
Suárez e Masio, são as três operações mentais enquanto dirigidas pelo hábito artificial, etc.
Nota II: segundo João de S. Tomás (ver Ars logica, segunda parte, q. II, art. II) a intenção
formal é o mesmo conhecimento ou ato pelo qual o intelecto é intencionalmente orientado para o
objeto; e os objetos daqueles atos são chamados de “intenções objetivas”, uma vez que a intenção
objetiva é o próprio objeto em relação ao qual o intelecto tende a seu ato. Assim, pois, a intenção
intelectual é dupla: formal e objetiva. Por sua vez, cada uma delas é dividida em primeira e segunda
intenção. Pois o intelecto pode lidar com as coisas de duas maneiras: se as conhece no que
compreendem realmente secundum se, como quando conhece que o homem é animal ou que o
cavalo é corredor, então o ato mesmo cognoscitivo se chama primeira intenção formal; mas a coisa
mesma conhecida toma o nome de primeira intenção objetiva: tal é somente o objeto que cria o
termo do primeiro conhecimento que o capta, i. e., o termo da primeira intenção formal. Porém, se o
intelecto conhece as coisas, não pelas propriedades que lhe convém na realidade, mas pelas que tem
devido a operação do intelecto mesmo, como quando conhece que o animal é gênero ou que o
homem é espécie, então o mesmo ato cognitivo se chama segunda intenção formal; enquanto que, a

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coisa conhecida, segundo o seu ser que possui devido ao intelecto, toma o nome de segunda
intenção objetiva; tal é, agora, o objeto segundo as propriedades que mostra enquanto conhecido e
na medida em que perfaz sua razão como termo de uma segunda intenção formal.
Nota III: O ente de razão é um ente que possui um ser não mais que objetivo no intelecto.
Além disso, o ente de razão ou envolve fundamento nenhum por parte das coisas, como quando
concebemos um centauro ou uma quimera, ou possui um fundamento remoto nelas, como nos
conceitos de espécie e gênero. O ente de razão com fundumentum in re se divide, ademais, em
negação, privação e relação. Negação é a carência de forma em um sujeito incapaz de tê-la, como a
carência de vista em uma pedra. Privação é a carência da forma em um sujeito apto para tê-la, como
a carência da vista no homem (a cegueira). A relação, por fim, é uma disposição ou ordem
apreendida pelo intelecto entre coisas que não estão realmente relacionadas, como quando o
intelecto concebe a Deus como relacionado com os seres criados.
Nota IV: os escolásticos, em geral, convém na afirmação de que o objeto material da lógica
são as três operações do intelecto, a saber: a simples apreensão, juízo e o raciocínio.
APÊNDICE (I): Breve pontualização sobre a lógica escolástica e o psicologismo.
Prolegômenos ao problema.
Conforme os tomistas o objeto formal da lógica são os entes de razão ou segundas intenções
do intelecto; para Aureolo e os nominalistas, são as vozes significativas; para Rúbio, Suárez e
Masio, são as três operações mentais enquanto dirigidas pelo hábito artificial, etc; os escolásticos,
ademais, convém uniformemente na afirmação de que o objeto material da lógica são as três
operações do intelecto, a saber: a simples apreensão, o juízo e o raciocínio.
Na canteira tomista, segundo o João de S. Tomás (Ars Logica, segunda parte, q. II, art. II), a
intenção formal é o mesmo conhecimento ou ato pelo qual o intelecto é intencionalmente orientado
para o objeto; e os objetos daqueles atos são chamados de “intenções objetivas”, uma vez que a
intenção objetiva é o próprio objeto em relação ao qual o intelecto tende a seu ato. Assim, pois, a
intenção intelectual é dupla: formal e objetiva. No que lhe concerne, cada uma delas é dividida em
primeira e segunda intenção. Pois o intelecto pode lidar com as coisas de duas maneiras: se as
conhece no que compreendem realmente secundum se, como quando conhece que o homem é
animal ou que o cavalo é corredor, então o ato mesmo cognoscitivo se chama primeira intenção
formal; mas a coisa mesma conhecida toma o nome de primeira intenção objetiva: tal é somente o
objeto que cria o termo do primeiro conhecimento que o capta, i. e., o termo da primeira intenção
formal. Porém, se o intelecto conhece as coisas, não pelas propriedades que lhe convém na
realidade, mas pelas que tem devido a operação do intelecto mesmo, como quando conhece que o
animal é gênero ou que o homem é espécie, então o mesmo ato cognitivo se chama segunda

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intenção formal; enquanto que, a coisa conhecida, segundo o seu ser que possui devido ao intelecto,
toma o nome de segunda intenção objetiva; tal é, agora, o objeto segundo as propriedades que
mostra enquanto conhecido e na medida em que perfaz sua razão como termo de uma segunda
intenção formal.
O ente de razão, por sua vez, é o ente que possui um ser não mais que objetivo no intelecto.
Por conta disso, o ente de razão ou envolve fundamento nenhum por parte das coisas, como quando
concebemos um centauro ou uma quimera, ou possui um fundamento remoto nelas, como nos
conceitos de espécie e gênero. O ente de razão com fundamentum in re se divide, ademais, em
negação, privação e relação. Negação é a carência de forma em um sujeito incapaz de tê-la, como a
carência de vista em uma pedra. Privação é a carência da forma em um sujeito apto para tê-la, como
a carência da vista no homem (a cegueira). A relação, por fim, é uma disposição ou ordem
apreendida pelo intelecto entre coisas que não estão realmente relacionadas, como quando o
intelecto concebe a Deus como relacionado com os seres criados.
Husserl e os escolásticos: psicologismo, para que te quero?
“As leis da lógica não são leis psicológicas da asserção sobre a verdade, mas leis do mesmo
ser-verdade” — Gottlob Frege (em Grundgesetze der Arithmetik, Pref., S. XVI).
O psicologismo, de modo geral, é o uso sistemático da psicologia iniciado no século XIX
por Dilthey, como fundamento das chamadas Ciências do espírito que estão, assim, compreendidas
na Filosofia, ou seja: aquelas disciplinas contrapostas às Ciências da natureza. Neste sentido, se
questionavam os filósofos daquela época se as leis do pensamento abarcavam um valor
empírico/contingente ou se, de fato, envolviam alguma validez supra-empírica e necessária; esta
polêmica ressuscitou o debate acerca da primazia da lógica sobre a psicologia e vice-versa. Os
escolásticos, por seu lado, também não se acovardaram perante tal desafio.
John Stuarth Mill, em seu System of Logic, estabelece uma das grandes defesas do
psicologismo, ao considerar a lógica como um dos capítulos da psicologia enquanto é, segundo ele,
um processo mental efetuado quando raciocinamos indicando as condições que depende dito
processo. Contra semelhante atitude reagiram prontamente vários neokantianos, como Windelband,
H. Cohen, Natorp e outros dignos de nota, que ressaltaram o âmbito normativo da lógica frente os
dados empíricos que, em sua constituição formal, não são intercambiáveis diretos. Os ataques mais
incisivos à postura psicologista, porém, surgiriam apenas no início do século XX, com Edmund
Husserl e suas notáveis Logische Untersuchungen. Suas investigações lógicas levaram ao
sepultamento do psicologismo pela defesa do estatuto das leis lógicas como conteúdos supra-
noemáticos e supra-vivenciais, que não podem ser atingidos pela mera análise dos conteúdos
psicológicos.

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À vista disso, resta-nos responder o seguinte: incorrem os lógicos escolásticos em alguma
espécie de psicologismo? Acerca desta pergunta serenamente respondemos: enquanto assumem que
o objeto da lógica não pode ser um ente real psicológico ou determinado modo de conhecimento,
não. A postura anti-psicologista dos escolásticos é surpreendente; enquanto assumem um objeto
formal na Lógica essencialmente distinto do objeto formal da Psicologia, se separam, assim, dos
psicologistas “y sus suaces”; da mesma forma que estabelecem uma distinção entre propriedades
lógicas e reais, enquanto que as primeiras são intercambiáveis dos entes de razão e as segundas dos
entes reais.
Escapam, desta forma, os escolásticos ao instanciarem o artefato lógico no âmbito dos entes
de razão e das segundas intenções (Santo Tomás, Caetano e João de S. Tomás); no silogismo
enquanto oratio que dispõe preceptivamente os termos (Escoto, Sannig, Mastrio e Trombetta); nas
operações mentais enquanto dirigidas pelo hábito artificial (Suárez e Rúbio). Surpreendente é,
igualmente, perceber que João de S. Tomás ainda no século XVII reforçava o papel da lógica como
normativa, ao citar uma lógica dos preceitos (lógica preceptiva) na Arte da lógica.

Fim.

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(5) Condensado da questão VI da “Schola philosophica Scotistarum”, Tratado primeiro, dos
proêmios da Lógica escotista, distinção única.
Da utilidade e necessidade da lógica artificial.
Para entender o significado da pergunta que se refere à lógica artificial, é preciso saber que o
que é necessário para um fim pode ser duplo: simpliciter (absolutamente) e secundum quid
(segundo certo aspecto). É simpliciter necessário aquilo sem o qual o fim não pode ser obtido ou,
como argumenta Goudin (ver Philosophia Thomistica, vol. I, Logic. proemium, Disp. I, q. V),
aquilo sem o qual a coisa não pode ser: os olhos são necessários para ver, a graça para se salvar, etc.
E necessário secundum quid aquilo sem o qual o fim pode ainda ser obtido, mas com ele é
alcançado melhor e mais facilmente ou aquilo sem o qual a coisa pode ser, mas com dificuldade:
um cavalo é necessário para uma longa jornada, um manto e uma casa são necessários para a vida e
os óculos são necessários para ver quando se envelhece, etc.
Segundo Bernardo Sannig, a necessidade poderá ser ainda física ou moral: será moral aquilo
sem o qual uma causa não pode senão com muita dificuldade produzir seu efeito; como um cavalo
que é necessário para viajar no caso de um homem manco; será física quando a inclinação da coisa
não possui o condão de operar diferentemente de como opera, isto é, sem poder eleger; é, pois
(segundo Sannig), o princípio físico total ou parcial que concorre para o fim ou a coisa requerida
para atingi-lo; ou será a condição aplicativa de tal princípio como é, p. ex., a virtude calefativa e a
aplicação de sua virtude para produção do calor.
Além disso, para o bom discernimento da questão, é essencial notar que a ciência pode ser
considerada no estado perfeito ou no estado imperfeito (ver Cursus Philosophicus Thomisticus,
Log. II, q. I, art. I): a ciência no estado perfeito é o pleno conhecimento das conclusões relativas a
um objeto, para que possam ser reduzidas a princípios conhecidos por elas mesmas e defendidas
contra aqueles que as atacam. A ciência no estado imperfeito é o conhecimento adquirido por uma
demonstração simples, mas insuficiente para penetrar no lado difícil da questão e apoiar
solidamente as demonstrações em que se baseia.
Dito isto, existem três opiniões sobre a necessidade da lógica artificial, duas extremas e uma
intermediária. Segundo alguns, a lógica é útil, mas não necessária para adquirir as ciências
perfeitamente; os outros querem que seja absolutamente necessária para adquirir as ciências, mesmo
no estado imperfeito; finalmente, a terceira opinião, que serve como intermediária, é que a lógica é
absolutamente necessária para adquirir as ciências no estado perfeito, mas não para adquiri-las no
estado imperfeito. A primeira opinião foi defendida pelos Conimbricenses (em In universam
dialecticam Aristotelis, q. VI proem., art. II), por Fonseca (em Commentariorum in
Metaphysicorum, Lib. II, cap. II, q. IV), Arriaga (ver Logicae, Disp. II, sect. II) e Bartolomeu

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Mastrio (em Institutiones logicae, I, q. proem, art. VI); a segunda opinião aparece em Domingo de
Soto (em In Dialecticam Aristotelis commentaria, q. I, proem., c. II), no Cardeal Aguirre (em
Selectae disputationes in logicam et metaphysicam Aristotelis, Logic., Tract I, disp. II, sect. I e II),
em Crisóstomo Javelli (em Logicae compendium peripateticae, tract. I, cap. II), em Bartolomeu
Amico (em Logicae, tract. I, q. II, art. III) e, por fim, em Cosme Alamanno (em Summa totius
philosophiae, prima pars, q. I, art. IV); a terceira opinião foi defendida pelos Complutenses (em In
Universam Aristotelis logicam, disp. I proem., art. VII), por João de S. Tomás (em Cursus
Philosophicus Thomisticus, Log. II, q. I, art. I), por João Ponce (em Integer philosophiae cursus,
disp. II, quaest. ultim.), André Semery (em Triennium philosophicum, Logic., disp. proem., q. I, art.
I), João Ulloa (em Dialectica seu logica minor, disp. III, cap. III, n. 75) e Antônio Rúbio (em in
Universam Aristotelis Logicam, q. I proem.).
Não há opinião unânime entre os escotistas, nem muito menos entre os seguidores de Santo
Tomás. Para nós, contudo, importa saber a opinião de Bernardo Sannig e Boyvin acerca desta
questão. Vejamos.
I) Posição de Gabriel Boyvin (em Philosophia Scoti, primeira parte, q. VIII, p. 74):
“Constato, em primeiro lugar, que a lógica natural é absolutamente necessária para aquisição
de toda ciência, porque em si mesma não é senão o mesmo intelecto nosso, enquanto possui certa
aptidão para o raciocínio; mas sem a capacidade de raciocínio não somos capazes de adquirir
ciência; logo, a questão que abordaremos não deve versar sobre a lógica natural, mas apenas sobre a
lógica artificial.
Constato, em segundo lugar, que a lógica artificial não é necessária para aquisição, exercício
ou conservação da fé; pois, visto que a fé é sobrenaturalmente infusa, exerce por isso uma moção
sobrenatural para preservar a veracidade de Deus e, consequentemente, conservar crendo com
humildade, sem perscrutar curiosamente (nota do tradutor: a curiosidade segundo os escolásticos é
um hábito operativo mal) os mistérios da fé: por essa razão, a lógica artificial não é requerida para
comparação, exercício ou conservação da fé; no entanto, se alguém quiser nos persuadir para defesa
da fé e das suas verdades, a lógica é útil, para revelar a razoabilidade e resolver as objeções em
contrário.
Constato, em terceiro lugar, que a lógica artificial é necessária para instituição da Teologia
Escolástica, porque as disputas de ordem filosófica sobre suas verdades requerem necessariamente
definições, divisões e argumentações, que a lógica confere. Na teologia positiva, que consiste em
explicar totalmente as dificuldades das Escrituras, não é absolutamente necessária a lógica artificial;
é, contudo, muitíssimo útil, especialmente para explicar as dificuldades que ela contém”.
E conclui:

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“[…] A lógica é absolutamente necessária para aquisição das ciências em estado perfeito.
Como Aristóteles dizia dos antigos filósofos, que incorriam frequentemente em erro devido a
imperícia em lógica”.
II) Posição de Bernardo Sannig (em Schola philosophica Scotistarum, Tract. I, proem.
Logic., dist. unic., q. VI, p. 91-93):
“Digo primeiro: a lógica artificial é de insigne utilidade e benefício oferecido para os
homens estudiosos. O que é sentença comum dos filósofos católicos e dos Santos Padres, de Platão
e de Aristóteles; o que sustentamos contra Epicuro e seus asseclas; contra os cirenaicos, seguidores
de Aristipo de Cirene; e também contra grande parte dos heréticos que, surpreendentemente, se
valem da lógica de forma astuciosa e irresponsável, para benefício próprio e dos sofismas que
expõem.
Digo segundo: a lógica artificial não é simpliciter e fisicamente necessária para instituição
das ciências; como diz Escoto em II Metafísica, XII, e comumente os escotistas contra Egídio,
Álvares e Boécio.
Digo terceiro: a lógica ainda artificial é secundum quid e moralmente necessária para
aquisição das ciências; o que, naturalmente, é alcançá-las em estado perfeito. Tal sentença é
acolhida por Escoto, em q. I, univers., e é habitualmente acatada por sua escola”.
A divergência entre ambos os comentadores é manifesta: o primeiro está mais próximo da
terceira posição, que é essencialmente intermédia; o segundo, por seu lado, se aproxima da primeira
posição, que está na extremidade. Para evitar o favorecimento de uma ou de outra posição, exporei
agora os argumentos de cada um em seus respectivos tratados.
I) Argumentos para posição de Sannig:
a) Toda verdade de qualquer ciência é demonstrável pelos quatro modos da primeira figura;
assim, para demonstrar com estes quatro modos não é simpliciter necessário a lógica artificial, já
que nestes modos a bondade da consequência aparece sem mais e naturalmente, como é um fato;
ergo, qualquer verdade de qualquer ciência pode ser demonstrada sem a lógica, e, portanto, o
intelecto pode ter notícia de muitas e ainda de todas as conclusões de uma ciência sem a lógica
artificial.
b) Quem conhece certa e evidentemente, sem a lógica, que as premissas são verdadeiras
conhece, sem ela também, que os extremos se identificam com o termo médio, já que em tal
identidade consiste justamente a verdade das premissas; assim, quem conhece que os extremos se
identificam com o meio conhece, por consequência, que se identificam entre si; já que o princípio:
coisas idênticas a uma terceira são idênticas entre si é conhecido pela luz natural do intelecto. Ergo,

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quem conhece certa e evidentemente, sem a lógica artificial, que as premissas são verdadeiras,
conhecerá que os extremos identificados com o meio se identificam também entre si.
II) Argumentos para posição de Boyvin:
a) Para adquirir perfeitamente as ciências, é absolutamente necessário discorrer com
perfeição: agora, a mente humana, sem esse conhecimento exato da natureza e dos princípios do
discurso que constitui a Lógica artificial, não pode discorrer perfeitamente, portanto, não pode ter
uma ciência perfeita sem a lógica. A maior é evidente pelos termos: quanto a menor, somos
persuadidos a considerar a imperfeição do espírito humano e a refletir sobre o fato de que aqueles
que querem falar perfeitamente devem saber que suas manifestações estão sujeitas a regras e se
baseiam nos princípios certos e óbvios de uma boa discussão; ele deve, portanto, conhecer essas
regras e princípios.
Confirmação da menor: quem não sabe perfeitamente o que sabe, não sabe perfeitamente;
agora, sem a lógica, não sabemos perfeitamente o que sabemos: portanto, não sabemos
perfeitamente. Confirmação da menor: a lógica é a ciência do discurso perfeito; portanto, sem ela,
não se sabe perfeitamente o que se sabe. Logo…

Fim.

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(6) Condensado da questão VII da “Schola philosophica Scotistarum”, Tratado primeiro, dos
proêmios da Lógica escotista, distinção única.
Da finalidade da lógica.
Em geral, os filósofos concebem por fim aquilo em virtude do qual (cuius gratia) algo que
pela eficiência é feito; donde há, a partir disso, várias divisões.
Do fim intrínseco e extrínseco.
O fim será intrínseco ou extrínseco dependendo da constituição da perfeição externa ou
interna daquilo ao qual se dirige a ação por sua natureza: o fim interno da arquitetura é a edificação
de casas; o externo, é a habitação das mesmas. O fim intrínseco, segundo Sannig, se divide ainda
em formal e objetivo: o fim formal, que também é chamado de finis quo, é a cognição que atinge,
possui e assimila o fim objetivo; o fim objetivo, por sua vez, é o mesmo objeto de tal cognição.
Distingue-se o fim objetivo, ademais, em primário/adequado e inadequado/secundário; o fim
primário é aquele em cuja graça é pretendido adequada e principalmente por alguma ciência; o fim
secundário/inadequado, por seu lado, é aquele sobre o qual a ciência não está determinada per se
primo (por si e em sentido principal), mas que intervém na intenção da ciência apenas em sentido
secundário e per accidens (indiretamente).
Do fim intrínseco e primário da lógica.
O fim intrínseco e primário da Lógica, segundo Sannig, é a direção de todas e singularmente
das três operações do intelecto, em sua reta ordenação para aquisição de determinada verdade; não
somente em matéria demonstrativa, sed etiam in probabili (mas também em provável). Esta é a
posição assumida por Escoto (em I Prior., q. II) e seguida por Mastrio, Herman e muitos escotistas.
A primeira parte da sentença, diz o franciscano, é levantada contra Zabarella, que situa o fim da
lógica apenas na direção das três operações, em ordem ao bom silogismo; opinião que
subscreveram vários autores, enquanto posicionavam o silogismo como objeto adequado de toda
lógica moderna (entenda-se o “moderno” aqui pela logica modernorum ou via modernorum,
fundada por Pedro Hispano e continuada por Ockham na teoria das consequências e na lógica
terminista); a segunda parte está em oposição a Amônio Sacas, Avicena e a outros que colocam o
fim da lógica na orientação do intelecto unicamente em matéria demonstrativa.
Argumento principal para posição de Bernardo Sannig (e da escola de Escoto).
A lógica artificial é essencialmente descoberta para perfeita elicitação das operações do
intelecto e para expugnar os erros em seu discorrer; mas as três operações do intelecto possuem
imperfeição no elicitar e estão sujeitas a erro; ergo, a lógica é necessária para perfeita elicitação e
para expugnar os erros. A maior é patente: porque a lógica é, desta forma, o instrumento das
ciências e a ciência mesma que discerne o verdadeiro do falso. Prova da menor: a primeira operação

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do intelecto é capaz de conceber a quididade da coisa confusamente; para deixar distinto o que ela
concebe, a lógica pode direcionar este preceito para distinção no modo de conceber particular da
essência de determinada coisa; como quando concebemos o seu gênero ou sua diferença; na
segunda operação, igualmente, pode enunciar o falso sobre o verdadeiro; na terceira, no discurso,
que pode levar à inferência de quatro termos no silogismo. Logo, as três operações do intelecto
possuem imperfeição no elicitar e estão sujeitas a erros.
Obs.: aportam os escolásticos ainda outras divisões de fim (v. g., finis qui, finis cui e o
mesmo finis quo; fim efficiendus, obtinendus e communicandus; finis operis, finis operationis e finis
operantis, etc.), que trataremos apenas na Metafísica Geral.
APÊNDICE (II): Excerpta do belíssimo curso escotista ou “Schola philosophica
scotistarum” de Bernardo Sannig (OFM).
“Do fim ético.
Primeira nota: o fim divide-se primeiro em último e não último. O fim não último é aquele
está ordenado para outro; tal é, por exemplo, a doação de denários, que se ordena para o auxílio dos
pobres e para obtenção da graça de Deus. O fim último aquele que não está ordenado para outro,
senão que os demais o são por sua virtude; tal é a beatitude sobrenatural. Tal fim, ademais, se divide
em fim secundum quid e fim último simpliciter (ou absoluto).
O fim último secundum quid se dá em algum gênero particular; como, por exemplo, a saúde
pretendida pelo médico é o fim de todo curativo, tratamento e diligência, que o médico emprega
para curar o enfermo. O fim último simpliciter é aquele que ocorre absolutamente em todos os
gêneros, para o qual todos os entes se ordenam; este é Deus apenas, como comentaremos abaixo.
Segunda nota: o fim, por sua vez, divide-se em natural e sobrenatural. O fim natural é aquele
que o homem pode atingir com suas forças naturais; tal é a felicidade humana ou sua natural
contemplação e amor de Deus. O fim sobrenatural é aquele para o qual as forças preternaturais
requerem algum auxílio especial de Deus para atingi-lo; tal é a felicidade eterna ou visão e fruição
celestial de Deus. O fim sobrenatural se subdivide ainda em objetivo e formal; o objetivo é o objeto
mesmo da visão e fruição celeste. O formal é a operação que atinge dito objeto”.
— Schola philosophica scotistarum (seu cursus philosophicus completus ad mentem
Doctoris Subtilis Joannis Duns Scot), Tom. I, Tract. De Ethica, q. I, p. 389.

Fim.

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(7) Condensado da questão VIII da “Schola philosophica Scotistarum”, Tratado primeiro,
dos proêmios da Lógica escotista, distinção única.
Da unidade da lógica.
Sannig inicia sua exposição sinalizando os quatro tipos possíveis de unidade: I) unidade
genérica; II) unidade específica; III) unidade numérica; finalmente, IV) unidade agregativa ou de
ordem.
I) É dita como unitatem genericam aquela que convém no mesmo gênero próximo; tal
unidade perfaz-se, v. g., entre o homem e o leão, na medida em que ambos convém em grau
genérico ao animal;
II) É dita como unitatem specificam aquela que convém em uma espécie, tal como há em
Platão e Aristóteles, enquanto convém uniformemente no grau específico da natureza humana;
III) Por sua vez, há unitatem numericam ou indivisibilidade de toda espécie o que não causa
nenhuma diversidade numérica no sujeito da predicação, como quando dizemos Marco Túlio Cícero
ou anunciamos qualquer qualidade simplex e também indivisível;
IV) Finalmente, dizemos que há unitatem aggregationis, ou de ordem, naquilo que é plural e
simultaneamente distinto e que, ademais, está em uma comunidade anexada; entre si, não obstante,
nenhuma união ou unidade física detém per se unidade (… unum accidentalis dos modernos
peripatéticos), tal como acontece em um exército ou em um amontado de pedras.
Nota: na ordem do ser, a base para consideração do gênero é principalmente certa
comunidade indeterminada que existe na matéria, mas que pode ser abstraída da mesma; porém,
convém aqui reiterar o que ensinou Santo Tomás: o gênero-diferença e os binômios matéria-forma
não são pares que se identificam entre si. Admitir tal coisa seria incorrer no falso paralelismo
fuetscheriano que reduz a essência universal, abstraída pelo intelecto agente, a simples
desmaterialização da forma física. A unidade genérica de que fala Sannig se funda, pois, na própria
indeterminação, disposta potencialmente (e transcendentalmente) a ser complementada por um grau
determinado de perfeição que a diferencia. Acerca disto assinala João de S. Tomás que o predicável
gênero não é em si tomado da matéria física, que é a outra parte do composto, mas do próprio todo,
enquanto nele se encontra a razão de potencialidade com respeito a algum grau ou predicado do ato
que determina e reduz dita potência (ver Cursus Theologici, IV, D. XXXIX, art. II).
— “Digo primeiro: a Lógica não possui unidade numérica ou indivisibilidade de qualquer
sorte como se fosse alguma qualidade simples; assim dizemos com Escoto (in Prol. Sententiarum,
q. III; III dist. XXVI, q. II & VI; Metaph., q. I) que, além dos seus, o seguiram Ockham, Marsil,
Gregório, Suárez, Toledo e muitos jesuítas; contra os tomistas, Vásques e os Complutenses”.

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Argumento de Sannig: atos de uma espécie distinta geram hábitos especificamente distintos,
porque os hábitos são especificados pelos atos; porém, se se dá muitos atos lógicos de espécies
distintas, como alguns que versam acerca da definição, divisão, argumentação, silogismo
demonstrativo e tópicos, etc., para espécies com distintos objetos, ter-se-á igualmente outros hábitos
distintos e, consequentemente, o hábito da lógica não será uma qualidade simples com unidade
numérica e indivisibilidade. Ergo...
— “Digo segundo: pode-se dizer que a Lógica possui imprópria e extrinsecamente certa
unidade genérica e específica. A conclusão é sacada de Escoto (I dist. VI, q. ult. e III, dist. XXXVI,
q. I), que no mesmo lugar constata a mesma coisa das outras ciências que, enquanto tais, possuem
alguma paridade com a Lógica”.
Argumento de Sannig: a unidade extrínseca de alguma ciência é tomada pela unidade do
objeto, como ensina o Filósofo em I Post, cap. XXIII; à vista disso, o objeto adequado da lógica
para os aristotélicos e modernos é um gênero que compreende o silogismo e o modo da ciência
como tal; logo, a Lógica é dita como possuindo imprópria e extrinsecamente unidade genérica.
Ademais, a Lógica confere verdadeiras espécies para as ciências como tais; logo, deverá
compreender alguma unidade ou comunidade específica.
— “Digo em terceiro: convém para Lógica, em sentido próprio e adequado, apenas a
unidade de agregação e de ordem. Como argumenta Escoto no lugar citado e também o padre
Lamazares, Ponce, etc”.
Argumento de Sannig: em primeiro lugar, porque contém vários hábitos lógicos que são
especificamente distintos, como aqui já comentamos; então, pelo bem da distinção dos objetos
especificamente distintos, que surge pela inclinação diversa conferida pelos atos lógicos, devemos
dizer que entre eles não há senão união de agregação ou de ordem, já que nenhum deles interpõe
união física per se. Logo…

Fim.

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(8) Condensado da questão IX da “Schola philosophica Scotistarum”, Tratado primeiro, dos
proêmios da Lógica escotista, distinção única.
Explicam-se várias perguntas sobre a natureza da lógica.
I) Primeira pergunta: é a Lógica ciência real ou racional?
Para resolução da pergunta, notamos primeiro que toda ciência pode ser considerada de
duplo modo: intrínseco e extrínseco. Intrinsecamente considerada, se considerarmos a entidade de
tal ciência; extrinsecamente, se considerarmos seu objeto. Diz-se que é ciência real quando seu
sujeito é real; tal é, p. ex., a Física, cujo sujeito é o corpo natural (ou o ens mobile, diriam Caetano e
João de S. Tomás); é dita como ciência verdadeiramente racional, quando tal faz do objeto, que é o
ente de razão, termo de fabricação racional, cujo modo é toda intenção segunda, como o gênero, a
diferença e todos os outros objetos encontrados na Lógica.
Agora, respondo para questão: a Lógica intrinsecamente considerada é ciência real;
extrinsecamente, é considerada ciência racional. Com argumenta Lycheto, Bonet, Monturf,
Columbo, etc.; a segunda parte é sacada contra Ponce.
II) Segunda pergunta: é a Lógica ciência comum?
Qualquer ciência encerra algum caráter comum ou de comunidade predicativa/aplicativa,
conforme nota Escoto; então, uma ciência é dita com comunidade/comunhão predicativa quando
seu sujeito é predicável dos sujeitos das outras ciências; tal comunidade detém, p. ex., a Metafísica,
cujo sujeito é o ente, que pode ser objeto predicável de todas as ciências. Em razão disso, a ciência é
verdadeiramente dita com comunidade aplicativa quando seu sujeito é consentâneo ao restante das
ciências.
Tendo explicado isto, respondo: a Lógica, em sentido direto, detém certa comunidade
aplicativa em seu sujeito; o que colige com Escoto (q. II, Univers. & q. I Elench., Poster, q. XLIII),
seguido por vários da escola.
III) Terceira pergunta: é a Lógica verdadeira parte da Filosofia?
Embora tal resolução seja buscada, é evidente pelas coisas que dissemos acima (na questão
I), onde definimos o tratamento da Filosofia como ciência das coisas corporais, espirituais e morais,
que, sob a razão das coisas espirituais estão compreendidas também os objetos racionais e as
operações do intelecto de definição, divisão e argumentação que a Lógica atende. Na questão III
argumentamos de igual maneira que a Filosofia, em sentido direto, é repartida em natural, moral e
racional, que é a Lógica; embora diversos filósofos antigos, como João Philoponus, Zabarella e
Amônio, quiseram removê-la (junto com a Dialética) como parte da Filosofia.

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Digo, portanto, que a lógica é completamente parte da Filosofia em sua amplitude nocional,
o que dizemos em consonância com a mente de Aristóteles; neste ponto, seguido por Escoto
(Elench., q. I) que, além dos seus, foi seguido também por Suárez, Alberto Magno, Simplício, etc.
IV) Quarta pergunta: de que modo a Lógica difere da Metafísica e da Retórica?
Com o ensina o Filósofo (IV Metaph., tex. V, c. II): a Lógica como a Metafísica versam
sobre ente comum, assim como a Lógica e a Retórica versam, de algum modo, sobre o argumento.
Respondo primeiro: a Lógica e a Metafísica distinguem-se nisto: que a Metafísica considera o ente
real e a Lógica, o ente racional, conforme nota Escoto na q. I, Elench, manifestando que a
Metafísica especula sobre as quididades comuns das coisas, enquanto a Lógica versa sobre as
intenções segundas. Respondo segundo: a lógica e a retórica diferem segundo a razão de fim: a
Retórica enquanto o fim é a persuasão dos ouvintes, como oralmente deve fazê-lo e como o
Retórico deve propô-lo; o fim adequado da Lógica “est cognitio veritatis” (o conhecimento da
verdade), para os ouvintes cortejarem o verdadeiro.
V) Quinta pergunta: é a Lógica constituída de atos intelectuais ativos ou passivos?
Por ato ativo compreendemos certa atividade pelo qual o intelecto de Pedro entende; por ato
passivo entendemos o objeto “in quo” que é conhecido. Assim, p. ex., na visão de Pedro concorrem
dois elementos: o primeiro, a visão ativa de Pedro, que responde ao ato formal que, no que lhe toca,
corresponde a visão passiva que atinge o objeto conhecido e que responde ao ato objetivo; o
anterior acontece no âmbito predicamental qualitativo/anímico; o posterior, por seu lado, é
verdadeiramente o ente de razão, cortejado pela Lógica.
Respondemos, assim, que a Lógica versa sobre atos passivos do intelecto, não sobre ativos.
Conforme ensina Escoto (q. III, Univers.), seguido integralmente por Lycheto, Columbo, Fontes;
contra Hurtado, Arriaga, Suárez e Fonseca.
Como os atos ativos do inteleto pertencem ao âmbito anímico; sendo feitos, por isso, como
qualidades reais da alma; ergo, acerca deles a Lógica não versa, mas apenas sobre as paixões que
são intenções segundas que ela propriamente atinge; e como a Lógica tende, como de seu objeto, a
demonstrar as paixões e propriedades: portanto, não manifesta as paixões em seu ato formal-
predicamental, mas apenas em suas razões objetivas ou passivas, v. g., o silogismo, que contém três
proposições, seus respectivos modos e figuras, etc. Sinalizamos, portanto, que a Lógica não versa a
respeito dos atos ativos, senão que unicamente sobre os atos intelectuais passivos.

Fim da Lógica proemial.

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