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PESQUISA-AÇÃO

(aspectos práticos da pesquisa-ação nos movimentos sociais


populares e em extensão popular)

José Francisco de Melo Neto1

Introdução

Como ´conhecer` uma realidade? E mais: Uma vez ´conhecida`, como


realizar uma intervenção nessa realidade? A ação educativa só se justifica com
o envolvimento da comunidade e sua orientação para as possíveis soluções de
problemas comunitários. Uma ação que considere como necessidade a
participação das pessoas no processo de mudanças. Contudo, que formas
podem ser utilizadas para efetivá-la? Além do mais, essa ação educativa,
determinada pelo conhecimento da realidade, não pode ser sinônimo de
transferência de conhecimento e sim ato dinâmico e permanente no processo
de sua descoberta. Enfim, que metodologia desenvolver para atender às
expectativas de participação social de uma dada comunidade?
Tornam-se possíveis descobertas, na realidade local, a partir da ação
daqueles que vivem na própria região e com eles implementar o processo de
sistematização. Daí, então, pode-se promover ou mesmo apoiar encontros
informais na comunidade. Pode-se também procurar descobrir grupos
existentes naquela realidade, como grupos de danças folclóricas, professores,
sindicatos, associações, pessoas comuns, grupos esportivos, religiosos e
coletar dados estatísticos.
De posse dessas informações, a metodologia da pesquisa-ação é uma
opção, uma metodologia que estimula a participação das pessoas envolvidas
na pesquisa e abre o seu universo de respostas, passando pelas condições de
trabalho e vida da comunidade. Buscam-se as explicações dos próprios
participantes que se situam, assim, em situação de investigador.

1
Doutor em Educação e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação – Educação Popular, da
Universidade Federal da Paraíba. É coordenador do Grupo de Pesquisa em Extensão Popular.
2

Entretanto, a procura do conhecimento da realidade não é suficiente,


visto que outras metodologias também realizam essa tarefa. Na pesquisa-ação,
o participante é conduzido à produção do próprio conhecimento e se torna o
sujeito dessa produção. Neste aspecto, essa metodologia se distancia das
demais e se afirma, constituindo-se como fundamental instrumento de
resistência e conquista popular. Trata-se de uma metodologia constituída de
ação educativa e que, segundo Oliveira (1981: 19), promove “o conhecimento
da consciência e também a capacidade de iniciativa transformadora dos grupos
com quem se trabalha”. Uma concepção de pesquisa que Pinto (1979: 456)
considera “fundamentalmente como ato de trabalho sobre a realidade objetiva”.
E já para Gamboa (1982: 36) a pesquisa-ação “busca superar, essencialmente,
a separação entre conhecimento e ação, buscando realizar a prática de
conhecer para atuar”.
Nessa perspectiva é que se buscam as bases teóricas da metodologia
escolhida e poder promover uma maior fundamentação da mesma, podendo
ser resumidas naquelas apresentadas por Borda (1974: 41):

“Não pode haver separação entre o pesquisador e a metodologia. Se


faz necessária a militância do pesquisador já que sem a prática não
será possível deduções de cunho teórico ou mesmo a validade ou não
do conhecimento”.

Assim como a metodologia não está separada do pesquisador, também


não está dos grupos sociais com os quais a pesquisa se realiza. Por outro lado,
essa metodologia torna-se passível de adequação para o campo ou a cidade,
ou ainda, quando envolve grupos diferenciados como negros, índios, brancos,
camponeses ou outros.
A metodologia evolui e se modifica em função das condições políticas
locais e também das correlações dessas forças existentes. Se forças sociais
adversárias são fortes, não há porque não tratá-las como tal, sem fazer
abstrações dessas situações. Defende ainda a estratégia global da mudança
social adotada e de suas táticas, a curto e médio prazos. Não se apresenta
como enumeração pura e simples de princípios sem referência do processo
global de mudança.
Essa metodologia apresenta ainda alguns traços apontados por Hall
(1981: 14), sintetizando-os da seguinte forma:
3

“A informação é devolvida ao povo, de onde a mesma surgiu bem como


na linguagem e na forma cultural daquele ambiente; o povo e o
movimento de base passam a estabelecer o controle do trabalho; as
técnicas de pesquisa tornam-se acessíveis ao povo; um esforço
consciente é necessário para manter o ritmo da ação-reflexão do
trabalho; aprender a escutar e a ciência tornam-se partes do dia-a-dia
da população”.

Mas, como desenvolver, de forma sistemática, a metodologia da


pesquisa-ação? De forma bem objetiva, buscou-se uma resposta com a
apresentação dos momentos que seguem: desde a preparação do pesquisador
até as técnicas de avaliação da pesquisa.

Desenvolvimento

Preparação do investigador

Esta é a etapa inicial onde se dá o processo de aproximação do


Investigador2 com a comunidade escolhida e sua posterior inserção. São então
contactados grupos ou instituições, organizações e membros da comunidade,
representativos de seus diversos setores sociais.
Nesta etapa, inicia-se o conhecimento da comunidade. O investigador
observa como ela apresenta seus problemas, tendo como base os dados
coletados de fontes faladas, vivas ou sensoriais e as observações sobre a vida
diária, bem como dados oficiais da atividade econômica, social e cultural.
Outros dados são coletados nas reuniões de câmara de vereadores, em
discursos na comunidade, nas áreas rurais, se for o caso, ou qualquer outros
ambientes políticos. As visitas e entrevistas são relatadas em pequenos
informes para posterior devolução aos participantes da pesquisa.
A devolução acontece durante reunião com participantes daqueles
grupos ou pessoas já contactadas na comunidade. Nessa ocasião, expõe-se
todo o material coletado, elaborando-se um elenco de necessidades
apresentadas. Selecionam-se aqueles problemas mais citados na coleta. A

2
O conhecimento da cultura da região é condição para o exercício metodológico da pesquisa-ação. Ver
os livros Metodologia e experiências em projetos de extensão. Michel Thiollent e outros. Niterói,
Eduff, 2000 e Intercultura e movimentos sociais . Reinaldo Matias Fleuri e outros. Florianópolis,:
Mover/Nup, 1998.
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partir daí, inicia-se o estudo de como a comunidade percebe e analisa sua


realidade.
Com esta sistematização inicial, efetiva-se o primeiro retorno dos
resultados aos grupos ou pessoas que iniciam a investigação. É comum que
pessoas não pertencentes a grupos, nesta fase, cheguem a formar grupos,
posteriormente. A partir daí, elabora-se um questionário que volta aos que
estão presentes nessas reuniões.

O investigador e a comunidade

Para a aplicação do questionário, leva-se em conta o número de


domicílios3 da região. Nesta fase de pesquisa, onde se estabelece maior
organização de busca das necessidades e problemas, é definida uma amostra
de domicílios, aleatoriamente escolhida. Os questionários são aplicados na
amostra domiciliar.
Elaborada a amostra, segue-se o treinamento de entrevistadores que
deverão ser do próprio ambiente da pesquisa. Alguns critérios são utilizados
para a seleção desses entrevistadores como: pertencer a algum dos grupos
existentes ou em formação e poder cumprir o calendário das entrevistas. A
entrevista dá-se coletivamente com os residentes, nos ambientes de moradia.
Procede-se à entrevista nos domicílios selecionados. Os dados coletados saem
do consenso dos que se fazem presentes no momento da entrevista no
domicílio.

Sistematização das informações

Concluída a aplicação dos questionários, inicia-se a sistematização dos


dados com a finalidade de oferecê-los à reflexão dos grupos. Elabora-se para
tal uma codificação das respostas4, utilizando-se da computação de dados
como instrumento de ajuda neste trabalho. Muitas propostas ou questões
levantadas são mantidas, mesmo que quantitativamente pudessem ser

3
Domicílio – toda e qualquer residência habitada com uma ou diversas entradas ou mesmo embarcações
(IBGE, IX Censo Geral do Brasil, 1980).
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Sugere-se o pacote estatístico SPSS (Statistical Pachage Social Sciences).
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desprezíveis. Posteriormente, podem ser devolvidas a todos os envolvidos na


investigação.
Com base nos resultados encontrados, confeccionam-se fichas-
problemas contendo dados, juízos, apreciações que são utilizados na
devolução do material aos grupos. Um dos grupos existentes encarrega-se da
elaboração dessas fichas.

Análise e interpretação dos dados

Busca-se, nesta fase, desenvolver a análise crítica das necessidades e


outros aspectos coletados, extraindo-se as dimensões positivas e negativas
das questões levantadas, encarando a realidade numa perspectiva de
mudança, impulsionando os grupos à reflexão e à ação, desenvolvendo seu
poder de organização e intervenção na realidade. O estímulo à reflexão e ao
diálogo é o princípio fundamental em todo esse processo.
Apresentam-se os resultados da investigação aos grupos já existentes
ou criados na comunidade, num primeiro momento. Num segundo momento,
através de novas reuniões, estabelece-se uma ordem na prioridade dos
problemas (aquele ligado ao grupo de pesquisa). Cada grupo passa a tratar
dos temas de seu especial interesse, sem deixar, entretanto, de tomar
conhecimento com sas demais questões.
Aprofundam-se as análises dos problemas mais expressivos,
quantitativamente, em pelo menos uma reunião. Nesse momento, discutem-se
as tarefas urgentes a serem encaminhadas. Grupos há que chegam a elaborar
documentos contendo propostas, ratificadas ou não, posteriormente, em
encontros com os demais grupos. Sendo aprovados, alguns desses
documentos, são encaminhados às autoridades competentes do município,
através de encontro entre essas autoridades e os grupos. Em seguida, divulga-
se o documento à comunidade.

Avaliação

A avaliação deve estar presente no decorrer de todas as etapas do


processo, desde os contatos iniciais até o final das atividades. Este trabalho
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também passa pela avaliação global de todo o processo, no que se refere à


capacidade dos grupos de responderem aos problemas concretos da vida
diária. Finalmente, o documento resultante da pesquisa retorna aos grupos
envolvidos no processo. Novas pesquisas podem estar se iniciando.

Considerações

Como visto, não se procedeu qualquer debate epistemológico em torno


da questão da produção do conhecimento, ou mesmo, da teoria do
conhecimento. O desejo, tão somente, foi mostrar, de forma rápida, a
possibilidade técnica de realização de um estilo de pesquisa, que tem, por sua
vez, uma forte definição ideológica, voltada à organização dos setores sociais
excluídos da sociedade.
Um processo de pesquisa, um modo de pesquisa, que também não
busca e nem tem como objetivo qualquer inclusão no modelo de sociedade
dominante – a capitalista. O desejo político deste tipo de procedimento
metodológico de pesquisa é a busca por um outro estilo de viver, para além da
sociedade capitalista e que por esta abordagem investigativa, torna-se possível
o encontro com algum outro exercício.
Este jeito de pesquisar não substitui o processo de organização
necessário aos humanos em busca de sua libertação mesma. A pesquisa-ação
torna-se uma ferramenta de ajuda nessa caminhada humana de busca de
autonomia, solidariedade, liberdade e de felicidade.
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Referências

Borda. Orlando Fals e outros. Causa popular. Ciência popular. Uma


metodologia do conhecimento científico através de ação. Publicação de la
Rosca: Bogotá, 1972.

Gamboa, Silvio A. S. Análise epistemológica dos métodos na pesquisa


educacional: um estudo sobre as dissertações de mestrado em educação
da UnB. Brasília: Faculdade de Educação UnB, 1982.

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Bibliografia complementar

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8

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1979.

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Paulo, 1986.

Gramsci, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. 3a ed. Rio de


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